Você está na página 1de 3

Universidade de São Paulo - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de Ciências Políticas - Ciência Política Comparada - Professor Matthew M. Taylor


Aluno: Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes – nº USP 5184777

Resenha Crítica: HUNTINGTON, Samuel. A ordem política nas sociedades em


mudança. Trad. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro/São Paulo, Forense
Universitária/Ed. da Universidade de São Paulo, 1975.

O livro em análise, de Samuel Huntington, debate com a literatura que discute as


conseqüências políticas da modernidade. Neste texto o autor discute o fenômeno da
modernidade e, sobretudo, da modernização a partir do prisma da Ordem política: do grau
de governo das sociedades. Sua preocupação principal é explicar a dinâmica da
Ordem/Desordem decorrente da modernização.
A tese defendida é que embora a modernidade produza estabilidade, a modernização
geralmente trás instabilidade, pois provoca a emergência de novas forças sociais que,
quando não absorvidas pelo sistema político, são fontes de instabilidade ao lutarem pela
ampliação de sua participação política. Isto ocorreria devido ao hiato entre rápida mudança
social / mobilização de novos atores e o lento desenvolvimento de instituições políticas.
Instituições estas que não estariam preparadas para a absorção destas novas forças sociais
ao terem sido edificadas numa ordem política tradicional.
O modelo teórico que permeia todo o livro é definido pela relação (quociente) de duas
variáveis independentes, a saber: institucionalização política e participação/mobilização
social, que determinariam o grau de governo (estabilidade) da sociedade. De modo que, a
“medida que as sociedades se tornam numericamente maiores, de estrutura mais complexa
e de atividades mais diversificadas, a consecução ou a manutenção de um alto nível de
comunidade se torna cada vez mais dependente das instituições políticas”(p.22). Ou seja,
o impacto da modernização na Ordem seria definido pelo tamanho deste hiato, pois quanto
maior fosse a frustração causada pela não participação dos grupos emergentes, maior seria
o potencial de desestabilização.
Para ilustrar o modelo, o autor cria dois tipos analíticos de comunidades políticas de
acordo com a capacidade de absorção dos respectivos sistemas políticos das novas forças
sociais, a saber: as comunidades cívicas, que seriam aquelas cujos sistemas são capazes de
absorver as novas forças e as comunidades pretorianas, que seriam aquelas cujas
instituições políticas não permitem à participação ao não absorverem novos elementos.
O autor propõe quatro critérios que definem o grau de institucionalização das
organizações e procedimentos de uma sociedade: adaptabilidade (a novas circunstâncias e

1
necessidades), complexidade (diferenciações das unidades hierárquicas e funcionais),
coesão (coordenação e disciplina) e autonomia (em relação às forças sociais). Além disso,
agrupa em três tópicos os aspectos cruciais da modernização política: racionalização da
autoridade; diferenciação de novas funções políticas e desenvolvimento de estruturas
especializadas para o desempenho destas funções; e crescente participação dos grupos
sociais na política.
No capítulo escolhido para a leitura, o autor discute o papel das revoluções no processo
de modernização das sociedades. Segundo o autor, a revolução “é uma mudança interna
rápida, fundamental e violenta nos valores e mitos dominantes de uma sociedade, bem
como das suas instituições políticas, estrutura social, liderança e atividades e políticas
governamentais” (p.274). Ou seja, é uma modernização violenta e brusca de uma
sociedade tradicional, uma vez que a essência do movimento é a rápida expansão da
consciência política e a mobilização de novos grupos, numa velocidade que impossibilita
às instituições estabelecidas assimilá-los. Deste modo, as revoluções seriam o extremo da
explosão da participação política. A completude do fenômeno se realizaria com a (re)insti-
tucionalização da política, permitindo maior participação de novas forças sociais. E os
melhores resultados se dariam com a formação de um sistema partidário sólido.
Conforme o previsto pelo modelo teórico, as circunstâncias institucionais e sociais da
revolução são a crescente aspiração de participação de forças sociais e a incapacidade das
instituições políticas em proporcionarem os canais para esta participação. Ou seja, as
revoluções só ocorrem nas comunidades onde forças sociais emergentes se encontram
alienadas do poder e buscam por meios ilegítimos ao sistema impor suas demandas.
A mobilização revolucionária, segundo Huntington requer a ação conjunta de elementos
rurais e urbanos contra o regime. Embora o autor sublinhe a dificuldade desta aliança, dada
a diferente perspectivas dos setores urbanos e rurais (sobretudo da intelligentsia e do
campesinato), o nacionalismo pode ser um fator unificante, assim como o agravamento das
condições sócias e econômicas do campesinato. Para o autor, mesmo sendo a classe urbana
revolucionária, composta pelos segmentos intelectuais da classe média, sobretudo do
movimento estudantil universitário (embora também possa surgir apoio revolucionário no
lumpemproletariat e no proletariado industrial) o ator natural da emergência da
instabilidade, é o campo, sobretudo os camponeses, que desempenha o papel de balanço
crucial na política modernizante, pois é a maneira como os camponeses são incorporados
que dá forma ao curso revolucionário subseqüente, podendo ser fonte de estabilidade ou
instabilidade.

2
Por fim, o autor observa os impactos políticos das revoluções em grande escala na
destruição das velhas instituições políticas e padrões de legitimidade e na redefinição da
comunidade política, ampliada em sua participação, identificação e unidade do povo. Com
as revoluções se formam freqüentemente governos fortes, que são produtos da
concentração de autoridade e expansão do poder no sistema político. No entanto, a
conclusão desta obra política depende da criação de novas estruturas políticas que
estabilizem e institucionalizem a centralização e expansão do poder, que, para o autor,
consiste na criação de um sistema político com supremacia partidária.
Neste livro, o autor realiza um grande estudo comparativo, observando inúmeros países
que estão em diferentes estágios de modernização ou que já atingiram o “grau” de
modernidade. No entanto, ainda que o autor observe inúmeros casos, a metodologia
adotada não é uma observação profunda dos casos para a comparação posterior, visando
apresentar padrões de comportamento, mas sim uma análise geral de cada conceito que o
autor julga importante, como por exemplo, o conceito de revolução. Em cada conceito
proposto, o autor busca alguns exemplos que ilustrem seu argumento. Isto provoca certo
desconforto, pois não há nada que justifique a escolha dos exemplos que não seja a
capacidade de ilustrar o modelo proposto.
Caso tentemos analisar a obra a partir do Método da Comparação Estruturada e Focada
de George e Bennett, observamos que o estudo de Huntington se adéqua a muitas das
exigências desta metodologia: o autor fez um estudo teoricamente orientado, a classe de
eventos a qual o estudo faz parte é bem clara, as variáveis teóricas são de interesse para a
explanação e os dados obtidos são focados nos problemas propostos pelos conceitos
teóricos. No entanto, o estudo não pode ser classificado como estruturado, pois tal como
levantado no parágrafo anterior, não há um conjunto padronizado de questões gerais para
cada caso que reflitam os objetivos de pesquisa, além de não estar claro como o autor
obteve os dados, de forma que a replicabilidade do estudo esteja comprometida.
Por outro lado, o autor comprova a tese central do livro – que a modernização gera
instabilidade – por meio de uma análise quantitativa dos dados sobre a relação entre
modernização e violência e sobre o nível de alfabetização e estabilidade e também por
meio de estudos de caso, o que solidifica a conclusão da tese que é a grande contribuição
do trabalho para o debate sobre as conseqüências políticas da modernização.

Você também pode gostar