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ESTÉTICA DA
COMUNICAÇÃO
MUSICAL
Eduardo Seincman
ESTÉTICA DA
COMUNICAÇÃO
MUSICAL
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
...
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E quipe de R ealização
Capa
Diagramação Mário César
Editora Monica Seincman
Sumário
PRELÚDIO
Estética da Comunicação Visual 7
JUÍZO DE VALOR
Entre a Escuta e a R eflexão 17
FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃO
Entre a Memória e o Esquecimento 31
INTERLÚDIO
Entre a Música e o Sonho 87
Chekhov e Brahms
Entre o Drama e a Música 99
ILUMINISMO
Entre a Síntese e a Duração 113
Schoenberg
Entre A polo e Dionísio 143
FINALE 159
Prelúdio
Estética da Comunicação Musical
1. Utilizo estes conceitos de acordo com a denominação empregada por Luigi Pareison.
Seja qual for o mito tomado por centro, suas variantes irra-
diam-se em torno dele formando uma rosácea que se expande pro-
gressivamente e se complica. E, seja qual for a variante colocada na
periferia que escolhermos como novo centro, o mesmo fenômeno
se reproduz, dando origem a uma segunda rosácea, que em parte
mistura-se à primeira e a transpõe. E assim por diante. Não inde-
finidamente, mas até que essas construções encurvadas nos levem
de novo ao ponto de onde partimos. Disso resulta que um campo
primitivamente confuso e indistinto deixa perceber uma rede de
linhas de força e revela-se poderosamente organizado.2
2. Claude Lévi-Strauss/Didier Eribon. De perto e de longe. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 181.
3. Carl E. Schorske. Viena fin-de-siècle – política e cultura. São Paulo: Edunicamp/Cia das
Letras, 1988, pp. 25-26.
... os místicos são homens que por sua própria experiência interior e
sua especulação acerca dessa experiência descobrem novas camadas
de significação na sua religião tradicional.4
4. Gershom G. Scholem. A cabala e o seu simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 1988, pp. 44-45.
O valor artístico de uma obra não pode ser avaliado pelo sis-
tema, estilo, material ou meios empregados, nem tampouco por
sua classificação em tal ou qual categoria. Como constata Dewey,
toda matéria-prima, todo e qualquer material utilizado, não im-
porta se passou por elaborações anteriores, sofrerá um processo
de lapidação para que se transforme de matéria bruta em meio
de comunicação, ou seja, em um corpo com “alma”. Assim, não
5. Martin Buber. Collected hasidic sayings. Nova York: Citadel Press Book, 1995, pp. 13-14.
7. Octavio Paz. Claude Lévi-Strauss ou o novo festim de Esopo. São Paulo: Perspectiva, 1977,
pp. 9-10.
8. Michael Chekhov. Para o ator. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 155.
Filosofia da Composição
entre a memória e o esquecimento
Em seu livro Arte como experiência, Dewey afirma que toda ex-
periência digna desse nome é uma experiência estética, entenden-
do por experiência toda e qualquer criação de ordem a partir das
matérias, tangíveis ou intangíveis, dispersas em nosso mundo. Se
tais matérias são naturais ou se foram criadas, não importa, pois
qualquer realização serve de matéria-prima a uma nova experiên-
cia, e será sempre passível de uma nova “lapidação”. Dewey amplia
assim, por um lado, os horizontes da estética e da comunicação
para todos os campos da vida e, por outro, põe abaixo as comparti-
mentações entre a “alta” e a “baixa” cultura, entre o “sublime” e o
“corriqueiro”. Qualquer matéria-prima, uma vez lapidada, servirá
a novas elaborações e experiências. O sentido de uma experiência
dependerá de nossa capacidade de estabelecer relações de causa-
lidade, continuidade e finalidade a partir dos elementos que nos
cercam. Havendo troca, comunicação, compartilhamento, nós e o
mundo nos tornamos dotados de sentido: todos os atores saem de
uma experiência transformados. Nessa concepção, arte e comu-
nicação não podem constituir campos isolados: sem comunicação
não há arte e sem arte não há comunicação.
Tendo em mente essa abordagem, como pensar, então, sobre
a “Filosofia da Composição”? Logicamente, o título desse capítu-
lo é irônico e provocativo, pois nos remete imediatamente ao im-
portante texto teórico “Filosofia da Composição”, de Edgar Allan
Poe, no qual ele comenta os aspectos comunicativos e estéticos de
4. Edgar Allan Poe.“O Corvo” e suas traduções. Rio de Janeiro: Lacerda, 2000, p. 37.
5. Harald Weinrich. Lete – arte e crítica do esquecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2001, p. 44.
7. Francis Bacon. Essays, Civil and Moral, LVIII. “Of vicissitude of things”: Salomão disse,
Não há nada de novo sobre a Terra. De modo que Platão pensou que Todo o conhecimento
não é senão lembrança; então Salomão afirmou que Toda novidade não é senão esque-
cimento. De modo que você pode constatar que o rio Lete corre tanto acima quanto abaixo da
superfície.
se auditivamen
9. Este importante assunto da comunicabilidade entre obra e ouvinte que esta obra de
Mozart desperta será analisado com mais acuidade no capítulo “Iluminismo: entre a
síntese e a duração”.
10. François Laplantine. A descrição etnográfica. São Paulo: Terceira Margem, 2004, p. 34.
perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das três e quarto (visto de
frente). Seu próprio rosto no espelho, suas próprias mãos, surpre-
endiam-no todas as vezes. [...]
Tinha aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português,
o latim. Suspeito, entretanto, que não era capaz de pensar. Pensar
é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No abarrotado mun-
do de Funes não havia senão pormenores, quase imediatos.11
11. Jorge Luis Borges. “Funes, o Memorioso”, in: Ficções. São Paulo: Globo, 3ª ed., 2007,
pp. 127-28.
12. Iván Izquierdo. A arte de esquecer – cérebro, memória e esquecimento. Rio de Janeiro: Vieira
& Lent, 2004, pp. 84-5.
13. Henri Bergson. “Introdução à metafísica”, in: Bergson. Col. Os Pensadores XXXVIII,
São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 19.
Pelo que foi até aqui foi exposto, pode-se facilmente objetar
que esta “entrega total”, quase religiosa, este situar-se “dentro” da
obra não está muito distante de estar “fora” dela, pois não se pode
ter consciência de onde se está se este lugar é o “absoluto”. Os rei-
nos do absoluto e da relatividade total são reinos da inconsciência.
A visão bergsoniana é, portanto, de fundo místico e trata a arte
como algo de “outra ordem”, já que o homem teria abandonado
a intuição da durée e deixado de participar do mundo real envere-
dando, assim, pelo racionalismo que tudo disseca, analisa e separa.
Sua postura é, pois, mais poética que estética, mais política que
filosófica, na medida em que coloca seu anti-racionalismo e anti-
cientificismo como programas. De certa forma, ele buscava resti-
tuir ao mundo a “aura” que este perdera, algo que em pleno século
dezenove já havia sido abordado seja pela afirmação de um Marx
de que “tudo o que é sólido se desmancha no ar”16, seja pelas obras
de um Baudelaire e de um Poe e seu “homem da multidão”.
18. Anatol Rosenfeld. “O Homem e a Técnica”, in Texto e contexto II. São Paulo: Perspec-
tiva. 1993. p. 134.
21. Platão. “Mito da Caverna”, livro VII de A república. Apud Danilo Marcondes. Textos
básicos de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 39.
24. Ovídio. “Narciso, Eco”, in: As metamorfoses. Rio de Janeiro: Ediouro, 1983, p. 58.
25. Harald Weinrich. Lete – arte e crítica do esquecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2001, p. 35.
26. Homero. “Rapsódia XII” in: Odisséia. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 113.
As Sereias cantam:
Tudo isso para dizer que filmes são uma experiência física e
como tal são lembrados. Armazenados em sinapses corpóreas que
escapam à mente racional, Baudelaire e Proust mostram-nos como
as memórias são, na verdade, parte do corpo, mais próximas da dor
ou do paladar que da combinação das categorias de Kant; ou talvez
fosse melhor dizer que memórias são, acima de tudo, recordações
dos sentidos, pois são os sentidos que lembram, e não a “pessoa” ou
32. Frederic Jameson. As marcas do visível. Rio de Janeiro: Graal, 1995, pp. 1-2.
33. Idem, p. 2.
34. Anatol Rosenfeld, Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1993, pp. 23-24.
35. Jean-Pierre Vernant. O universo, os deuses, os homens. São Paulo: Cia das Letras,
2005, p. 21.
36. Idem, p. 23.
37. John Dewey. Art as experience. New York: Penguin, 2005, p. 284.
entre o ser e o não ser. Nesse exato momento em que ele já não
mais existia como som que dura tornou-se imagem instantânea do
passado. Enquanto durou era lembrança e quando cessou tornou-
se memória. Foi preciso cessar, ou melhor, ter sido interrompido,
para que sua realidade enquanto duração (tempo) se transformas-
se em imagem da duração (instante) e, como tal, localizável em nos-
so teatro da memória. A lembrança, podemos afirmar, se dá na
duração e a memória se dá no instante e tende a se comportar
como se fosse uma “intuição”.
O Romantismo irá levar esses procedimentos paradoxais, es-
sas duplas identidades, ao limite extremo. Porém, como ao mes-
mo tempo auxiliou a derrubar os antigos procedimentos técnicos
e prosódicos, pagará seu preço: o que uma vez foi ambigüidade
irá se tornar, cada vez mais, uma certeza. É o caso, por exem-
plo, de procedimentos como o cromatismo, a melodia infinita,
a modulação contínua etc. que, abusivamente utilizados pelos
compositores do final do século XIX, perderam grande parte de
seu efeito. Neste sentido, qualquer espécie de “classicismo” – e me
refiro, aqui, não a uma escola ou estilo, mas a uma atitude – é,
de certa maneira, “insuperável”, pois seus textos aceitam, em seu
próprio seio, o conflito e a convivência de elementos díspares,
que as poéticas mais “românticas” geralmente não aceitam. Com
relação às transições, veremos elas se tornarem, no Romantismo,
organismos independentes, autônomos, mas então o seu sentido
e sua função terão igualmente se transformado: teremos saído do
gênero “drama”, típico de todo Classicismo, para adentrar mais
propriamente na “lírica”. Retornaremos a esse assunto posterior-
mente, mas por ora retomemos o exemplo de Mozart. Há uma
diferença fundamental, por exemplo, entre a transição desta sona-
ta de Mozart e o episódio das Sereias vivido por Ulisses: se nesse
último houve um evento completo, com início, meio e fim, em Mo-
zart a transição é incompleta e de forma alguma auto-explicativa.
Mozart atua dramaticamente, pois ao distanciar o tema principal
do secundário, através de uma transição, leva a tensão harmônica
a um ápice: não porque tenha saído de lá menor e chegado em dó
maior (pois esta é uma das relações mais óbvias da música tonal
e especialmente das sonatas na tonalidade menor), mas porque,
38. Anatol Rosenfeld. O teatro épico. São Paulo: São Paulo Editora, 1965, p. 5.
39. Idem, ibidem.
Interlúdio
Entre a Música e o Sonho
3. Hermann Hesse. Narciso e Goldmund. Rio de Janeiro: Record, s.d., 9a ed., p. 179.
4. Sigmund Freud. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1988, p. 78 (grifos
meus).
6. Henri Bergson. A evolução criadora. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, pp. 17-18.
* * *
* * *
10. Maria Lúcia Mello e Oliveira Cacciola. “Schopenhauer e o Inconsciente” in: Felícia
Knobloch. O inconsciente - várias leituras, São Paulo: Escuta, 1991, p. 23.
11. Milan Kundera. A arte do romance. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, pp. 81-82.
* * *
Em tempo:
CHEKHOV E BRAHMS
Entre o Drama e a Música
2. Henri Pousseur. “El Tema de Orden en la Nueva Música” in Música, Semántica, Sociedad.
Madrid: Alianza, 1984, p. 77.
3. Michael Chekhov. Op. cit, p. 114.
4. Idem, ibidem. E acrescenta: “É obvio, evidentemente, que o princípio e o final de uma
peça não podem ser definidos meramente como a primeira e a última cenas; princípio e
final englobam usualmente em si mesmos uma série de cenas cada um” (p. 114).
5. Idem, ibidem (grifo meu).
Em seguida, comenta:
Esses “ já” e “ainda não” podem ser vistos como instantes que
conectando-se e desconectando-se dão a impressão de durée, do es-
coar do tempo com sentido. Essa alternância de instantes prenhes
de passado e futuro é que consubstancia a transformação não como
mera passagem de um estado inicial a outro final, mas como a
coexistência pulsante desses estados, em nossa consciência, permi-
tindo, assim, uma experiência vertical e profunda da obra. Porém,
nem todos os instantes são significativos: alguns terão o poder de
aglutinar as tensões e conflitos do transcorrer da obra. São ver-
dadeiros nódulos que irão marcar a obra enquanto condensações,
imagens instantâneas de eventos passados e futuros, molduras es-
paço-temporais propiciando sínteses e, especialmente, enquanto
pontos culminantes do eixo narrativo:
ILUMINISMO
Entre a Síntese e a Duração
1. Julian Rushton. A música clássica: uma história concisa de Gluck a Beethoven, Rio de Janei-
ro: Zahar, 1988, p. 37.
2. Idem, p. 18.
8. Karl Popper. Autobiografia intelectual. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1977, pp. 69-70.
9. Julian Rushton. Op. cit., p. 64.
51
10. Sto. Agostinho. Confissões XI, in Santo Agostinho. Col. “Os pensadores”, São Paulo:
Abril Cultural, 1980, p. 222.
11. Strawinsky. Poética Musical. Madrid: Taurus, 1977, p. 35.
13. Adolfo Salazar. La música en la sociedad europea. II. Hasta fines del siglo XVIII, Madrid:
Alianza, 1983, p. 147.
14. Julian Rushton. Op. cit., pp. 84-85.
69
Schoenberg
Entre A polo e Dionísio
1. Arnold Schoenberg. “Cap.XII: Apreciação Apolínea de uma Época Dionisíaca”, in: Fun-
ções estruturais da harmonia. São Paulo: Via Lettera, 2004, p. 216
3. Willi Reich. Schoenberg – a critical biography. Nova York: Da Capo, 1981, pp. 20-21.
Para Rosen,
14. George Steiner. Linguagem e silêncio – ensaios sobre a crise da palavra. São Paulo: Cia das
Letras, 1988.
* * *
FINALE