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Roda de Capoeira e Ofício Dos Mestres de Capoeira (Iphan) PDF
Roda de Capoeira e Ofício Dos Mestres de Capoeira (Iphan) PDF
{ Roda de Capoeira e
DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE
Equipe Técnica de Produção do Dossiê
COORDENAÇÃO DE IDENTIFICAÇÃO
PATRIMÔNIO IMATERIAL Ivana Medeiros Pacheco Cavalcante COORDENAÇÃO
Célia Maria Corsino Wallace de Deus Barbosa
COORDENAÇÃO DE REGISTRO
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE Flávia de Sá Pedreira ASSISTENTE DE COORDENAÇÃO
ARTICULAÇÃO E FOMENTO
Maurício Barros de Castro
Luiz Philippe Peres Torelly COORDENAÇÃO DE APOIO À SUSTENTABILIDADE
Alessandra Rodrigues Lima CONSULTORES
DIRETOR DO DEPARTAMENTO
DE PATRIMÔNIO MATERIAL
Frederico José de Abreu
Coordenação de Conhecimentos
Andrey Rosenthal Schlee Matthias Rohrig Assunção
Tradicionais Associados
Ana Gita de Oliveira
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE
PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO
CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E
Marcos José Silva Rêgo CULTURA POPULAR – CNFCP
Cláudia Márcia Ferreira
SUPERINTENDENTE DO IPHAN
Na Bahia
Carlos Amorim
SUPERINTENDENTE DO IPHAN
em Pernambuco
Frederico Almeida
SUPERINTENDENTE DO IPHAN
No rio de janeiro
Ivo Barreto
sumário
C a m p o de Ma n di n ga .
I l u s tração do li v ro “O Jogo
d a C ap oei ra - 1 4 Desenhos de
C a rybé” .
Ab a ixo :
BA T U QU E E M S Ã O PAU L O.
Gr a v ur a d e Jo h a nn Ba pt is t
Vo n S pix .
DOM ÍNI O PÚ BLI C O.
À d ir e it a :
BA T U QU E . Gr a v ur a d e Jo h an n
M oritz Rug e nd a s .
cidades portuárias, como Rio de Diz respeito ao mito do escravo de Henrique de Beaurepaire
Janeiro, Salvador e Recife, onde fugitivo que surpreenderia seus Rohan e Brasil Gerson:
chegaram grandes levas de escravos. algozes na capoeira, local da
Por fim, a patente indígena na cilada. Além de ter uma lógica “Tendo como base capão, do
criação da capoeira é uma hipótese de difícil assimilação – a do qual Adolfo Coelho tirou o étimo
de difícil sustentação. Não há perseguido que inverte a situação de capoeira para o português,
documentação ou mesmo relatos e submete o perseguidor –, as Beaurepaire Rohan faz o mesmo
de índios que reivindiquem essa raízes etimológicas também para o vocábulo capoeira na
paternidade. O termo “capoeira” são controversas e apontam acepção brasileira, apresentando
faz parte da língua tupi e significa para outra possível origem da em defesa de sua opinião a
“mato ralo”, o que remete a uma arte. Waldeloir Rego, em seu seguinte explicação: – ‘Como o
das explicações sobre sua origem. livro clássico, expõe hipóteses exercício da capoeira, entre dois
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indivíduos que se batem por mero damos em português o nome da a história da Rua da Praia de D.
divertimento, se parece um tanto capoeira a qualquer espécie de Manoel, informa que lá ficava o
com a briga de galos, não duvido cesto em que se metem galinhas’. nosso grande mercado de aves e
que este vocábulo tenha sua origem Brasil Gerson, o historiador das que nele nasceu o jogo da capoeira,
em Capão, do mesmo modo que ruas do Rio de Janeiro, fazendo em virtude das brincadeiras dos
escravos que povoavam toda a rua,
transportando nas cabeças as suas
capoeiras cheias de galinhas”2.
A dificuldade em estabelecer
as origens da capoeira nos
aspectos geográficos, culturais e
etimológicos pode ser explicada
por causa de sua diversidade.
Manifestação intimamente
ligada às culturas locais, ganhou
contornos específicos de
acordo com os contextos em
que se desenvolveu. A capoeira,
dessa forma, é reconhecida
como fenômeno cultural
urbano, cuja história permeia
o passado e o presente. ¢
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Primeiros
registros
iconográficos
J OG O DA CAPO EIRA.
G ravura de
J ohan n Mori tz R uge ndas.
entre 1864 e 1870. Também perseguidos, dividiram a cidade praticada não apenas por escravos,
ficaram famosos por sua atuação em territórios de duas grandes mas também por homens livres
durante as eleições, quando maltas: Nagoas e Guaiamuns”9. – pobres e ricos, entre os quais
pressionavam eleitores para votar As maltas Nagoas e Guaiamuns europeus que viviam na capital do
nos candidatos dos partidos que representavam os dois partidos Império. O poeta português Plácido
defendiam, fossem conservadores políticos da época, respectivamente, de Abreu, que morreu na Revolta
ou liberais. Além disso, criaram liberais e conservadores. Isso da Armada, praticava capoeira,
uma milícia conhecida como garantiria “a perene permanência frequentou o universo das maltas e
Guarda Negra8, que era a favor da das maltas contra as investidas descreveu suas características num
Monarquia e atacava republicanos. frequentes da ação policial”10. A romance que escreveu sobre o tema11.
“Fundaram o Partido Capoeira capoeira alcançou diversas classes Na introdução da obra, Plácido
e, antes de serem definitivamente sociais na época colonial, tendo sido de Abreu apresenta as principais
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À Esqu erd a
P ai sa gem de São Sa l vador.
G ravura de J ohan n M oritz
R ugen da s.
À di rei ta:
MONTAG EM F EITA A PARTIR D E
D ETALHE DA G RAVU R A JOGO D E
C APO EIRA, DE J ohann M oritz
R ugen da s E DESENH O D E UM
B ERIMB AU .
I lustr ação : Ac ervo té cnico do
I p ha n .
características daqueles dois de Prata, além de outros grupos o lugar escolhido por eles era a
bandos que ficaram conhecidos menores, filiados àqueles. praia do Russel, para os partidos
como os dois grandes celeiros “A cor por que são de S. José e Lapa, Morro do
da capoeiragem carioca no Rio conhecidos é a branca... Pinto, para o de Sant’Anna”12.
antigo. Desde as cores pelas quais se “Há pouco tempo ainda o bando O “submundo” da capoeira
distinguiam – branco e vermelho – guayamú costumava ensaiar os era frequentado não só por
até as localidades a que pertenciam noviços no morro do Livramento, intelectuais e profissionais
e onde ocorriam seus treinos: lugar denominado Mangueira. liberais; “até figuras prestigiosas
“Os ensaios faziam-se no plano político, como o Barão
“Guayamú é o capoeira que regularmente nos domingos de do Rio Branco, quando jovem, e
pertence aos seguintes partidos: manhã e constavam dos exercícios Floriano Peixoto, entre outros,
S. Francisco (grande centro, do de cabeça, pé e golpes de navalha e foram apontados como praticantes
qual foi chefe o célebre Leandro de faca. Os capoeiras de mais fama da arte da capoeiragem”13. Ainda
Bonaparte), Santa Rita, Ouro serviam de instrutores àqueles assim, mesmo os que faziam
Preto, Marinha, S. Domingos de que começavam. A princípio, os parte da elite foram perseguidos
Gusmão, além de outros pequenos golpes eram ensaiados, fazendo- por Sampaio Ferraz, “chefe
bandos agregados a estes”. se uso da mão limpa. Quando de polícia que comandou a
“A denominação que tem estes o discípulo aprendia as lições, campanha que desterrou os
grupos é casa ou província, e a cor começava a ser ensaiado com armas capoeiras para Fernando de
por que são conhecidos é a vermelha. de madeira e por fim serviam-se Noronha durante o governo
“Nagôa é o capoeira que dos próprios ferros, acontecendo de Deodoro da Fonseca”14.
pertence aos seguintes partidos: muitas vezes ficar ensanguentado A primeira codificação penal
Santa Luzia (Centro do qual foi o lugar dos exercícios. brasileira, intitulada de Código
chefe Manduca da Praia), S. José, “Os nagôas faziam os mesmos criminal do Império do Brasil, datada de
Lapa, Sant’Anna, Moura, Bolinha ensaios, com a diferença de que 1830, não fazia referência explícita
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aos praticantes da capoeira, mas os capoeira, a polícia reprimiu com “Coelho Neto não apenas
chefes de polícia os enquadravam extrema violência os praticantes realça as qualidades ginásticas
no capítulo que tratava dos vadios e dessa tradição. Assim, o século 19 da capoeira. Ele a celebra como
mendigos. Com o fim da escravidão é marcado, principalmente nos a verdadeira educação física do
e o início da República, a capoeira arredores das cidades do Rio de Brasil, que deve ser ensinada nas
é inserida, “com todas as letras”, Janeiro e de Recife, por histórias escolas, nos quartéis, nos lares,
no Código Penal Brasileiro, por de combates e conflitos entre as em quaisquer lugares onde a
meio do Decreto nº 847, de 11 de maltas dos capoeiras e os policiais. instrução seja importante”.16
outubro de 1890, que assim dizia: De acordo com Soares, as maltas Soares lembra ainda que
eram formadas “por três, vinte Coelho Neto apresentara a Luiz
“Art. 402. Fazer nas ruas e até mesmo cem indivíduos” e Murat um projeto instituindo
e praças públicas exercícios de constituíam a “forma associativa a obrigatoriedade do ensino da
agilidade e destreza corporal, de resistência mais comum entre capoeira em escolas e quartéis.
conhecidos pela denominação escravos e homens livres pobres do Tal intenção acompanha a visão
capoeiragem; andar em correrias, Rio de Janeiro da segunda metade do nacionalista que se construiu a partir
com armas ou instrumentos capazes século 19”. Embora colocados como daquela época, investindo na capoeira
de produzir uma lesão corporal, criminosos, os capoeiras tiveram uma como representação autêntica da
provocando tumulto ou desordens, recuperação social promovida pela brasilidade, como podemos perceber
ameaçando pessoa certa ou incerta, “vertente nacionalista da belle époque”, neste trecho da crônica intitulada,
ou incutindo temor ou algum mal. que buscava defender a capoeira sugestivamente, O nosso jogo:
Pena: de prisão cellular de como ginástica brasileira. Nesse
dois meses a seis meses”�. sentido, Coelho Neto “representou “Em 1910, Germano Harlocher,
Munida, nesse momento, o ponto alto da versão que defendia Luiz Murat e quem escreve estas
de um instrumento jurídico a transformação da capoeira em linhas pensavam em mandar um
específico de incriminação da esporte nacional”. Conforme Soares: projeto à Câmara dos Deputados
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À esqu erd a
MITO : A IMAG EM RO M ANTIZ AD A
E ANA CR ÔNI CA DO MULATO DA
C APO EIRA PR O J ETADA NO TEM PO
C OLO NIAL.
D esen ho de Luís Edmundo.
À Di rei ra
Aqua rela de Augus tu s Earl e .
À E s que rd a
P a is a g e m d e São S a l v a dor .
Gr a v ur a d e Jo h a nn M oritz
Rug e nd a s .
À d ir e it a
PASSEI O DE DOM IN GO À T A R D E .
Aqua r e l a s obre pa pe l d e J ea n -
Ba pt is t e De bre t .
classe média”. Confirmando essa históricas sobre a capoeira baiana estudos sobre o tema21. Registra
tendência, “surgiu, em 1928, no século 19 eram as crônicas cantigas, golpes, instrumento
no Rio de Janeiro, um Manual escritas por Manuel Querino musical, gírias, indumentárias,
de gymnastica nacional (capoeiragem) e Antônio Vianna, relatos de costumes, cismas, rixas, ritos,
methodizada e regrada, escrito por viajantes estrangeiros, algumas ocasiões e lugares dos conflitos,
Annibal Burlamaqui, o Zuma poucas notícias de jornal, a tradição além de apontar as diferentes
nas rodas de capoeira”19. oral e a gravura San Salvador, finalidades que eram atribuídas
Essa nova visão da capoeira de Rugendas. Ao contrário da à capoeira, como esporte, luta e
nos quadros da sociedade urbana capoeira do Rio de Janeiro, que folguedo. Sabe-se, por meio dele,
da capital revela que, junto com tem uma grande documentação que, desde aquele período, o jogo
a ampliação dos espaços onde referente a esse período e que já era praticado por diferentes
a capoeira pôde ser praticada, foi bastante estudada, o universo grupos sociais.
ocorreu um processo de da capoeiragem da Bahia no século Querino relata também
socialização altamente marcado 19 é permeado de mitos, fantasias, o envolvimento dos capoeiras
pela versão mais atlética e muitas suposições e alguns com a capangagem eleitoral e a
esportiva que, nas décadas de documentos. Mesmo participação do grupo na Guerra
1920 e 1930, autores como assim, aos poucos, vai sendo do Paraguai. A capoeira relatada e
Coelho Neto e Mello Moraes montado o mosaico de peças que interpretada por ele aparece com
Filho afirmavam como projeto. compõe a capoeira baiana do diferentes significados, conflito e
Na Bahia, o período mais tempo dos escravos. brincadeira, dança e luta, presente
estudado e documentado, Manuel Querino, negro, no mundo da festa, da política
de maneira ordenada, é o da baiano, nascido em meados do e das ruas. Quanto à origem da
República Velha, mais precisamente século 19, deixou muitas pistas aos luta, ele a atribui ao “angola”,
entre 1890 e 193020. Até há estudiosos sobre o assunto. Pode “typo completo e acabado do
pouco tempo, as únicas fontes ser considerado o precursor dos capadócio”, “introdutor da
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o candomblé, a capoeira e o samba Também relativiza a capoeira como para a realização das duas
muitas vezes eram encontrados fenômeno exclusivamente urbano, atividades. Dessa forma, Frede
estreitamente interligados no uma vez que fotografias e gravuras suspeita que “a cadência dos
universo de um mesmo indivíduo. da capital da Bahia do século 19 passos dos carregadores da Bahia
E embora confirme que a capoeira mostram que, embora fosse tenha se figurado nos passos da
fazia parte, principalmente, do um núcleo urbano desenvolvido, capoeira”, da mesma maneira que,
universo popular masculino, Salvador conservava amplas anteriormente, diferentes autores
mostra que, já nesse período, áreas de mata. suspeitaram que a marcha-rancho
existiam pessoas da elite e também No entanto, grande parte da do carnaval carioca tenha sido
mulheres pobres que dominavam documentação apresentada no prefigurada na cadência dos passos
os códigos da capoeiragem. livro se restringe à zona urbana, na dos carregadores de café no Rio de
Recentemente, Frede Abreu, qual o autor destacou, em especial, Janeiro26. Ainda sobre a imbricação
dando continuidade ao estudo a interface da capoeira com o da capoeira no universo das ruas, o
realizado por Liberac, escreveu mundo do trabalhador de rua, autor revelou que o cancioneiro da
um livro no qual amplia o principalmente dos carregadores, capoeira se enriqueceu dos cantos
volume de documentação sobre ocupação exclusiva de negros de trabalho e que o trabalhador
o tema, incluindo novas notícias naquele período. Percebeu que de rua, em momentos lúdicos e de
de jornais, processos crimes, o rito dos trabalhadores na Bahia conflitos, também se utilizava dos
relatos de viajantes estrangeiros, de carregar peso, descrito por golpes e movimentos da capoeira.
memórias e algumas imagens de alguns viajantes estrangeiros, No seu livro, Frede Abreu
época25. O autor dialoga com tinha várias semelhanças com o torna conhecidos alguns nomes
diferentes estudiosos da escravidão ritual da capoeira. Em ambos de capoeiras do século 19, dentre
na Bahia (e no Rio de Janeiro), há uma combinação de três eles João Pernambucano, Marcus
buscando as pistas por eles deixadas elementos básicos: música, dança Rabeca, Celestino Estivador,
sobre a capoeiragem baiana. e esforço físico, indispensáveis Domingos, Alexandre Evaristo e
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Ab a ixo
RE C ORT E DA PIN T U RA DE
A GOS T IN O BRU NIAS QU E RE T R A T A
O C OM BA T E DE VA RA NA ILHA D E
S Ã O DOM IN GOS .
P intur a d e Ago s t ino Bru n i a s.
À d ir e it a
DIA DE REIS, HAVANA C U BA .
LI T OGRAV U RA DOA DA P OR
Fr e d e r ic M ia l h e .
Os demais historiadores termos diretamente relacionados Mestre Pastinha, foi possível seguir
deste tema, Adriana Albert a ela. Na maioria das notícias os passos desses capoeiras pelas
e Josivaldo Oliveira, dando levantadas, os capoeiras não ruas de Salvador. Suas memórias
continuidade aos estudos sobre o eram diferenciados dos demais foram pontos de partida para os
assunto, privilegiaram a imprensa indivíduos. Pois, todos eram novos estudos, porque esses mestres
baiana como fonte de pesquisa, chamados de forma generalizada registraram nomes e apelidos dos
especificamente a coluna policial, de “desordeiros”, “capadócios”, capoeiras referentes ao período
onde estavam localizadas as “valentões” etc.27. Era grande, focalizado, além de alguns fatos
notícias de desordens. Em algumas portanto, o desafio para penetrar de suas vidas que permitiram
delas, era explícita a referência no universo da capoeira baiana. identificar, nos jornais da época,
ao capoeira em função do uso da Mas, graças aos manuscritos mais de 115 notícias envolvendo
própria palavra “capoeira” ou de do Mestre Noronha e ao livro do capoeiras. Nessas duas fontes
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aparecem também ocupações, desordeiros, uma vez que muitos quase todos no estado da Bahia,
manias, cismas, costumes, locais deles simplesmente viviam no com maior incidência em Salvador
e ocasiões de capoeira e uma série mundo das ruas, batiam tambor, e no Recôncavo Baiano. Com
de outras informações. Por isso, jogavam capoeira e algumas relação ao grau de instrução, a
devem ser consideradas essenciais vezes até matavam. Em síntese, maior parte dos capoeiras era
para a construção da história da transgrediam os padrões e as analfabeta; quanto à ocupação,
capoeira baiana na época28. regras da ordem pública. como já foi dito, muitos realizavam
Os estudos revelam que grande A maioria dos capoeiras dessa trabalho braçal, principalmente
parte dos capoeiras era formada época trabalhava como carregador na região portuária.
por trabalhadores, ao contrário e estivador, atividades muito Constatou-se também que
do que escreviam os jornalistas da ligadas à região portuária. Outros grande parte dos capoeiras
época, que se referiam a eles como eram carroceiros, peixeiros, em Salvador era de cor negra,
um bando de vadios e vagabundos. marítimos, engraxates, pedreiros, embora, desde o século 19, alguns
Contudo, assim como a maioria marceneiros, chapeleiros, donos códigos culturais da capoeiragem
da população soteropolitana29, de botecos e casas de jogo, já tivessem se expandido para o
os capoeiras eram trabalhadores vendedores ambulantes, leões de universo de diversos segmentos
de rua, viviam de ocupações chácara e até mesmo policiais. sociais, inclusive da elite e da
esporádicas e intermitentes. Além do padrão ocupacional juventude baiana. Durante a
Ou seja, tinham um ritmo de apresentado, esse volume de República Velha, a capoeiragem
trabalho bastante irregular, o documentação permitiu a baiana era uma manifestação de
que lhes proporcionava períodos construção do perfil dos capoeiras rua, afrodescendente, e muitos
de ociosidade, entremeados daquela época. A maioria deles dos seus praticantes tinham
por momentos de diversão. tinha apelido, havia nascido entre ligações com candomblé, samba
Mesmo sendo trabalhadores, os as últimas décadas do século 19 e e batuque. O vínculo entre os
capoeiras também podiam ser os primeiros anos do século 20, capoeiras e essas práticas podia
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À esqu erd a
D ANÇA DE NEG R AS.
D esen ho de Ma rti n e z C omanon
y B ujan da.
Aba i xo
B ANDA DE J AW -B O NE E JOHN -
C ANOE.
L i togravura de
I s aac Men des B eli sario.
Das vinte freguesias que zonas perigosas, principalmente não apenas como arma de conflito,
compunham a cidade de Salvador, à noite, quando o comércio como em geral era descrita nos
três se destacaram como áreas de fechava suas portas e as ruas jornais. Nessa época, “a capoeira era
maior concentração de capoeiras, eram ocupadas por indivíduos também um tipo de divertimento
a seguir apresentadas em ordem chamados de vadios e vagabundos, popular, uma brincadeira, e tinha
decrescente: o Pilar, que ficava conforme o “conceito” policial muitos significados. Luta em
na cidade baixa, e a Sé e a rua do e de imprensa da época31. diferentes situações, brincadeira
Paço, que ficavam na cidade alta. Dentro dessas três freguesias de rua realizada nas folgas do
Essas freguesias eram relativamente ficavam a ladeira do Tabuão, a serviço, nas festas de largo e até
próximas e tinham algumas Baixinha, a Baixa dos Sapateiros, mesmo durante o trabalho”33, o
características em comum que o Terreiro de Jesus, o Cruzeiro que aponta certa continuidade
explicam porque os capoeiras se de São Francisco, a rua do entre a capoeiragem oitocentista e a
encontravam nelas. Eram áreas Saldanha, a praça Castro Alves capoeira republicana em Salvador.
de trabalho, próximas ao porto e o Cais Dourado, conhecidos As festas populares da
e ao bairro comercial, local de como tradicionais pontos de Bahia ficaram tradicionalmente
moradia de muitas famílias pobres capoeiragem, desde o século 1932. conhecidas como ocasiões em que
e ambiente de diversão para as Nesses locais, formou-se uma os capoeiras se reuniam para fazer
camadas populares, com casas de importante geração de capoeiras sua brincadeira. Tudo indica que
jogo, botequins, vendas e zonas que, posteriormente, se tornaram foi no ambiente da festa que a
de prostituição nelas localizadas. célebres: Onça Preta, Noronha, capoeira conquistou seu espaço
Essa proximidade do ambiente Pastinha, Bimba, Cobrinha na sociedade soteropolitana.
de trabalho e de vadiagem, onde Verde, Maré e Livino Diogo. Muitas delas são lembradas
a “ordem” e a “desordem” se É importante destacar que, em por Mestre Noronha em seus
misturavam, fazia com que essas todos os locais citados, a capoeira manuscritos, porque ele e outros
freguesias fossem consideradas se manifestava de diversas formas e mestres tinham por costume
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Os “br a bo s ” do Re c if e .
D e senh o d e N e s tor S il v a .
branca vinha buscar (as redes perfil dos antigos bravos e valentes: prosseguindo a prática daquelas
vermelhas eram para os feridos; as sua atuação nas bandas de música, corporações que empunhavam
brancas para os mortos). Porque nas procissões e nas festas de rua, seus estandartes e “marchavam”
as procissões com banda de seu caráter urbano e sua ligação pelas ruas no Corpus Christi e nas
música tornaram-se o ponto de com a malandragem e o crime. Festas de Reis, envolvendo a massa
encontro dos capoeiras, curioso Mas é, principalmente, através de trabalhadores pobres – entre os
tipo de negro ou mulato da da história do Carnaval que a quais se destacavam, justamente,
cidade, correspondendo ao dos memória da capoeira antiga do os libertos e os descendentes
capangas e cabras dos engenhos. Recife se constrói. A referência às de escravos. A tradição dos dois
primeiras corporações de ofício, grandes rivais, o Clubes das
“O forte do capoeira era a formadas por carregadores do Pás e o Vassourinhas, também
navalha, ou a faca de ponta; sua porto, nas origens dos “clubes de traz a marca dessa origem.
gabolice, a do pixaim penteado rua”, confirma essa característica Pereira da Costa38, em um
em trunfa, a da sandália na e aproxima a capoeira do Recife estudo publicado na Revista do
ponta do pé quase de dançarino dos primeiros folguedos urbanos. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
e a do modo desengonçado de Os desfiles das corporações (IHGB), refere-se à presença das
andar. A capoeiragem incluía, reuniam trabalhadores de diversos bandas militares naqueles desfiles
além disso, uma série de passos ramos, que batizariam os primeiros do século 18 e, neles, à atuação dos
difíceis e de agilidades quase clubes. Katarina Real37 nos dá capoeiras. O autor lembra “duas
incríveis de corpo, nas quais notícia de alguns desses clubes, excelentes bandas de música que,
o malandro de rua se iniciava intimamente associados aos laços de pelo ano de 1856, existiam entre
como que maçonicamente”36. ofício entre trabalhadores urbanos, nós”: a do “quarto batalhão de
Nessa descrição, Gilberto já no final do século 18: Clube artilharia” e outra, pertencente a
Freyre reproduz as principais linhas dos Ferreiros, dos Vasculhadores, “um corpo da Guarda Nacional”,
que, ainda hoje, configuram o dos Espanadores e outros, formando “dois partidos de
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P i n tur a or i gi n al do Abby
A l dri ch R ock efelle r Fol k Art
Museum, i n ti tu lada de Dança da
P la n ta ção , Ca roli na do Su l .
P i n tur a de J ohn Rose .
NE GR OS QU E V Ã O LEVA R A Ç OI T ES .
Fre d e r ico Gu il l e rm e Br igg s .
um paralelo com a reflexão de Rabello chama a atenção para tal fardados sentiam-se mais protegidos
Carlos Eugênio Líbano Soares sobre aspecto, demonstrando que essa das investidas repressoras da polícia,
a condição dos capoeiras no Rio inserção dos capoeiras nas forças já que os próprios soldados do
de Janeiro oitocentista, Evandro oficiais poderia assumir um sentido exército, quando envolvidos em
Rabello45 sugere que os “capoeiras- inusitado e estratégico para garantir desordens, recusavam-se a aceitar a
soldados” do Recife estiveram à a continuidade daquela tradição: autoridade da polícia provincial”46.
frente das primeiras manifestações Rabello faz uma compilação
públicas abrangendo a prática da “Registros jornalísticos de matérias do Diário de Pernambuco
capoeiragem, liderando as disputas demonstram a presença ativa e do Jornal Pequeno em torno do
entre os clubes e as agremiações de soldados fardados exibindo- Carnaval. Em algumas dessas
carnavalescas, como também os se publicamente nas rodas de matérias, aparece a conhecida
conflitos em que se envolviam capoeiragem. Esses capoeiras imagem do capoeira marginal
partidos e tendências políticas rivais. e desordeiro, envolvido em
A mobilidade social dos assassinatos e brigas, como
libertos que assumiam alguma justificativa para medidas
posição no exército e na polícia repressivas em nome da
correspondia à sua liderança “pacificação” dos desfiles. Assim,
nos partidos de capoeira que em matéria de 1923, o Jornal
se enfrentavam em torno das Pequeno noticiava o aparecimento
bandas ou nas disputas eleitorais. de um bloco carnavalesco que,
Assim, a presença ambígua dos supostamente, fazia renascer a
capoeiristas de Recife nas fileiras personagem do capoeira como
do exército fazia-os assumir um vândalo. Aos olhos do autor
papel importante para a visibilidade anônimo da matéria, essa categoria
da capoeira nas ruas. Evandro de bravos parecia ter sumido
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com a introdução da cavalaria os clubes nesses passeios por dos artigos compilados no livro
da polícia no acompanhamento patrulhas de cavalaria. de Rabello com referências ao
dos cordões. Diz o jornal: “Ontem à noite, porém, surgiu Carnaval e à capoeira. O dado
na cidade inesperadamente uma da cavalaria, tema comum nas
“A essas exibições públicas, troça, cordão ou bloco que tomou o histórias de perseguição da
que pela impropriedade nada nome pouco significativo de “Braço polícia a capoeiristas, remete à
tinham de carnaval, deu o nosso é braço”. E depois de andar, acima observação de Gilberto Freyre
povo a denominação de frevo. e abaixo, azucrinando os ouvidos e sobre a repressão às manifestações
“Sempre que esses cordões interrompendo a normalidade da públicas de ex-escravos e da faixa
saíam à rua, precedidos vida citadina, lá pelos lados de S. mais pobre da população, que
de numerosa orquestra ou José, valente-capoeira recordando abrigava a maioria dos capoeiras:
fanfarra, arrastavam um grande os velhos tempos disparou para o
acompanhamento, em que ar a sua respeitável pistola. Foi o “Só brancos, soldados ou
predominavam tipos afeitos a bastante para fechar o tempo... fidalgos feudalmente a cavalo faziam
desordens, capoeiras profissionais, “Para que os desordeiros de fugir moleques afoitos, capoeiras
enfim, elementos da pior espécie. ofício não escapassem ao castigo, desembestados, capadócios
Por isso mesmo, registravam-se no fez-se necessário que a cavalaria atrevidos. Veio até quase nossos
mais aceso dos frevos, cacetadas, entrasse em cena e mostrasse que dias o prestígio do simples grito
facadas, bofetadas e até mortes. a divisa de tal clube não estava ‘lá vem a cavalaria!’, isto é, a tropa
“Quando as desordens não certa. Nem sempre braço é braço. a galope, fazer dispersarem-se
eram provocadas por velhas Às vezes, braço... é espada”47. desordeiros ou insurretos a pé”48.
rixas de foliões, provocavam- A produção desse estigma em A existência desse mecanismo
nas os tipos de maus instintos. torno da figura do capoeirista, repressivo, defendido pelo
“Daí a providência da atribuindo-lhe a responsabilidade artigo do jornal e confirmado
polícia fazendo acompanhar pela “desordem”, é o tom geral por outros comentaristas em
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relação à capoeira, em geral, presença negra se impôs, antes e música. Essa lacuna não passou
bem como nas histórias contadas depois da Abolição. No Recife, despercebida a Mônica Beltrão:
pela própria comunidade a estudiosa e capoeirista Mônica
de capoeiristas, em torno da Carolina Beltrão registra, entre os “Tendenciosamente, os
origem do toque de berimbau, lugares frequentados por grupos de capoeiras foram vinculados a
denominado “Cavalaria”, revela capoeiras, as ruas do Imperador, tais agremiações, até porque,
mais uma vez que a história da do Rosário, das Trincheiras e do após a abolição da escravatura,
capoeira do Recife tem traços Pátio do Carmo, bem como os os desfiles das bandas passaram a
muito semelhantes ao que já foi bairros de Santo Antônio, São ser o principal atrativo cultural
observado por diversos cronistas José, Afogados, Torre e Madalena. da cidade. Não obstante,
e pesquisadores nas outras duas Em resumo, a ênfase na eternizaram a relação entre tais
cidades onde a capoeira constituiu presença da capoeira para bandas e os valentes, submergindo
as suas mais sólidas tradições: a formação das tradições o registro de outras manifestações
Rio de Janeiro e Salvador. carnavalescas de Recife é uma populares que contavam com
É possível, nesse sentido, marca da bibliografia sobre o a presença dos capoeiras,
imaginar a existência de registros assunto. Mas não há ainda uma maiormente as que envolviam
mais detalhados, correspondentes pesquisa de fôlego sobre o universo costumes afrodescendentes como
aos que já existem sobre as outras da capoeiragem. E nem mesmo o maracatu”49.
duas capitais. As semelhanças um estudo sistemático que se Retornando ao conjunto de
apontadas com o percurso da detenha sobre as trajetórias da fontes jornalísticas apresentadas no
capoeira no Rio de Janeiro sugerem capoeira para além de sua presença livro de Rabello, confirma-se que a
que, em Recife, a memória sobre a inquestionável na história do questão acima citada, levantada pela
capoeira se relaciona com a própria frevo e do passo e de seu vínculo pesquisadora, é importante para a
história de deportações e “limpeza” primordial com a ação de escravos ampliação do universo da capoeira
ocorridas nas cidades onde a e libertos nas antigas bandas de em Pernambuco. Temos, por
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 46
C apoe i r a g e m s e c . XI X -
M al tas C a r ioca s .
De se nh o d e S a l e s .
exemplo, um indício da participação libertos e seus descendentes. Além principal, senão o único, sinal
de capoeiras na brincadeira do disso, o caráter de divertimento da presença da capoeira na
bumba meu boi, conforme um popular da capoeira – como historiografia sobre a cidade.
relato de 1897, do Jornal de Pernambuco: mais um brinquedo ou um É necessário buscar, por
folguedo entre outros que aqui exemplo, a presença negra nas
“Em um bumba meu boi, se desenvolveram a partir de referências sobre as sedições e
brinquedo aliás selvagem que matrizes africanas – ainda não revoltas populares em Pernambuco,
efetua-se todos os sábados e foi devidamente ressaltado ou durante o século 1051, a participação
vésperas de dias santificados, houve mapeado nas fontes de época. de escravos e libertos no ciclo de
anteontem pancadaria e a mocidade Nestas, a ênfase na relação dos levantes liberais e a trajetória dos
vadiou. Noves fora. Um pobre “valentes” com a desordem pública “soldados-capoeiras” de Recife que
diabo com duas tremendas facadas. nos blocos de música ainda é o retornaram da Guerra do Paraguai.
Quanto ao mais, tudo vai bem”50. Essas temáticas, envolvendo
Igualmente, nas rivalidades estratégias de luta e modos de
entre os maracatus Oriente resistência e negociação dos
Pequeno e Leão Coroado, Rabello escravos e libertos, relacionam-se
anota a frequência de brigas e diretamente com a experiência dos
hostilidades envolvendo grupos capoeiras. Os arquivos da justiça
de “valentes”. Assim, para um e da polícia pernambucana, além
levantamento da presença de dos periódicos e das crônicas, são
capoeiristas em outras situações espaços onde se pode fazer esse
da vida urbana de Recife, seria levantamento imprescindível, na
preciso ampliar a busca da relação busca de indícios dessa inserção
das forças repressivas com as dos capoeiristas de Recife em
demais práticas reunindo escravos, seu ambiente sociocultural. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 47
Roda d e C a po e ir a .
Foto : M a rc e l Ga uth e rot .
O nascimento
de uma nova
tradição da
capoeira /
1930-1940
M ON T A GE M DE RE C ORT ES D E
IL U S T RA Ç ÕES DO LIV RO D E
M ES T RE PAS T INHA
De s e nh o s d a C a pa e
il u s tra ção do l iv ro d e
M e s tre P a s t inh a – Qu a n do
a s pe r na s f a z e m m iz e r ê r .
I l u s tra ç õe s d e M e s tre
P a s t inh a .
capoeiras tinham da sua própria tão fértil para a capoeira baiana e para o governador do estado,
arte e os diferentes modos de os é apontada por muitos outros Juracy Magalhães. Na ocasião,
capoeiras se relacionarem com estudos produzidos sobre ele, o presidente teria se referido à
a sociedade e o poder público. alguns escritos por seus alunos. capoeira como o único esporte
O autor ainda destaca, nesse Em 1928, Mestre Bimba genuinamente nacional.
livro, episódios que possibilitam afirmou ter criado sua Capoeira A desmarginalização da
acompanhar o processo histórico Regional. Para Muniz Sodré, as capoeira se deu num mesmo
de legitimação e legalização do ideias de Zuma influenciaram movimento em que o Estado
ensino da capoeira atribuído a na criação da nova modalidade: brasileiro resolveu nacionalizá-
Mestre Bimba. De certa forma, “Contato houve, é certo, entre os la, motivo que levou o governo
Abreu reforça a contribuição discípulos de Bimba e o manual do estado da Bahia, em plena era
pessoal do mestre para os de Annibal Burlamaqui”56. De Vargas, a permitir o funcionamento
destinos da capoeira moderna. qualquer maneira, o contexto da escola de Mestre Bimba.
Ele ressalta suas iniciativas para a histórico posterior também Este, por outro lado, defende
oficialização jurídica da capoeira; privilegiou a proposta da Capoeira a capoeira como luta criada no
seu ajustamento a um novo espaço Regional, principalmente no Brasil. A ideia da capoeira como
(a academia); sua maior expansão Estado Novo, instalado em “arte marcial brasileira” norteou
para outros segmentos sociais; e sua 1937, mesmo ano em que se as primeiras iniciativas públicas
penetração em outras instituições consagrou o início do processo que tiveram impacto no cotidiano
(quartéis, palácios, escolas, clubes de descriminalização da capoeira, do capoeirista, uma perspectiva
esportivos etc.). Assim, com a quando Bimba recebeu autorização polêmica que permanece defendida
inserção desses novos elementos, para manter seu Centro de Cultura por uns e criticada por outros,
a capoeira passava a ser exercida Física e Capoeira Regional. Mais principalmente pelos mestres de
como ofício. A importância de tarde, em 1954, se apresentaria Capoeira Angola, que afirmam
Mestre Bimba nesse momento para Getúlio Vargas, em Salvador, sua ancestralidade africana.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 51
O mais importante deles foi Alemão, filho de Maré –, na década não só como mestres de capoeira,
Mestre Pastinha, articulador do de 1940, foi individualizada como mas também como porta-vozes
Centro Esportivo de Capoeira academia de Mestre Pastinha. da cultura popular. Na primeira
Angola – Ceca. Essa instituição, A importância de Mestre metade do século 20, esses dois
inicialmente organizada de forma Pastinha à frente da Capoeira mestres se transformam nas
associativa – juntamente com os Angola foi fundamental para que principais referências da capoeira
que frequentavam a Gengibirra, esta se tornasse visível e ocupasse da Bahia e estabelecem a base
ponto de visibilidade de capoeira espaços em que, até então, não de sustentação da modernização
nos anos 1930, Amorzinho, havia penetrado. O valor da da prática da capoeira.
Noronha, Totonho de Maré, Academia de Mestre Pastinha para a A capoeira passa a ser
Livino Diogo, Onça Preta, capoeira é tão grande que se tornou conhecida nacionalmente, no
Olímpio, Zeir, Victor H. U. e o modelo dominante e hegemônico século 20, a partir da Bahia.
de jogar Capoeira Angola, Não apenas Mestre Bimba,
suplantando outros importantes mas também a escola de Mestre
mestres dessa modalidade. Pastinha, no Pelourinho, ganha
Tanto Bimba quanto Pastinha destaque, tornando-se ponto
foram os principais responsáveis da velha guarda da Capoeira
pela expansão inicial, para outros Angola, de intelectuais e turistas
estados do Brasil, da maneira que iam apreciar as rodas. Como
tradicional baiana de jogar resultado, ocorrem as primeiras
capoeira. Dessa forma, ambos viagens de grupos de capoeira pelo
ganham o respeito da sociedade território brasileiro. A partir dos
e passam a se relacionar com anos 50, uma farta documentação
intelectuais, artistas e políticos baseada em notícias de jornais
da época, que vão legitimá-los começa a ser produzida. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 52
O processo de
folclorização
e esportização
1950-1970
Roda d e M e s tre V a l m ir -
FI C A Ba h ia .
Foto : T T C a t a l ão – Ace r v o
T é c nico I ph a n.
À esqu erd a
Mão de Mestre Cur ió
toca n do beri mba u.
F oto : TT Catalão – Ace rvo
T écn i co Ip han
Ao lado
R e corte de F oto de M arc e l
G a ut herot
mencionados, exatamente porque ajustaram-se às exigências de uma quais, embora ainda não fossem
influenciaram profundamente prática esportiva, outras mais mestres, tinham capacidade
os rumos da capoeira baiana. tradicionais, tanto Angola quanto de gerir o próprio grupo.
O primeiro foi o início Regional, não se adaptaram e Nas décadas de 1960 e
do processo de esportização da ficaram à margem desse processo. 1970, dois mestres de capoeira –
capoeira, homologado em 1972 O segundo está relacionado Canjiquinha e Caiçara – surgem
pelo Conselho Nacional de ao processo de folclorização da como figuras importantes no
Desportos – CND, que submeteu cultura negra na Bahia, associado universo da capoeira baiana,
a prática da capoeira às regras do ao crescimento da indústria ambos mostrando capacidade
pugilismo. Datam daí a realização turística em Salvador, que, nos de se ajustar diretamente às
dos campeonatos nacionais, as anos 1960 e 1970, introduz no novas exigências do folclore,
tentativas de unificação da capoeira, repertório de atrações para a sua estilizando as manifestações
no sentido de eliminar as distinções clientela, além das belezas naturais e, no caso da capoeira,
entre as capoeiras Angola e dos monumentos e do barroco transformando o jogo/ritual em
Regional; e ainda os treinamentos das igrejas, as manifestações da show. A atuação desses mestres,
voltados para fazer do capoeirista cultura negra, principalmente no sentido da transformação
um atleta; e a simplificação dos o candomblé, a capoeira e o do jogo em espetáculo, vai
ritos que não se adequavam às samba. As demandas provenientes romper com a bipolarização da
práticas esportivas. Essa tendência desse novo contexto tiveram um capoeira da Bahia em torno dos
esportiva fomenta a vigência de forte impacto nas academias mestres Pastinha e Bimba.
sistema de graduação e tentativas de capoeira. Muitos dos seus As principais lideranças da
de criação de uma nomenclatura membros passaram a compor capoeira na época se voltam de
também unificada. Enquanto grupos folclóricos, que surgiram forma preferencial para atender às
algumas academias, principalmente liderados por empresários, demandas do mercado turístico,
de Regional e algumas de Angola, pesquisadores e capoeiristas, os por causa de sua rentabilidade.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 56
P á g ina à E s que rd a
Roda d e C a po e ir a –
M e s tre N a g ô.
Foto : Ace r v o T é c nico I p h a n .
à Dir e it a
Roda d e C a po e ir a –
M e s tre T o ni V a rg a s .
Foto : Ace r v o T é c nico I p h a n .
M a g no e Roda d e
C a x ia s – Ru s s o .
Foto : Ace r v o T é c nico
I ph a n.
No ano seguinte, 1967, o Mestre Bimba não foram os únicos a proclamou ter inventado o sistema
Senzala ganhou a competição de criar um novo estilo baseado em seus de cordas e sistematicamente
música e jogo chamada Berimbau ensinamentos, visando a uma ênfase utilizava uma saudação para
de Ouro, que tinha Mestre Arthur na esportização, em contraste com capoeira: “Salve”. As regras
Emídio como juiz. O grupo da Zona a folclorização a que era associada inventadas por ele agradaram as
Sul carioca também venceu nos dois a capoeira baiana. O principal forças armadas e simpatizantes
anos seguintes e alcançou enorme exemplo foi Carlos Sena. De acordo do regime militar... Ele também
sucesso entre a juventude da cidade. com Matthias Röhrig Assunção: contribuiu para as Regras
Ainda assim, a percepção de que Técnicas da Capoeira adotadas pela
estavam distantes dos fundamentos “Nascido em Salvador, ele Confederação Brasileira de Boxe, em
da capoeira baiana fez com que os começou a treinar com Bimba, 1972. Durante os anos 1960, Sena
principais capoeiristas do Senzala em 1949. Ele se tornou um dos foi frequentemente considerado
retornassem a Salvador, “visitando e melhores alunos do mestre, e representante de um novo estilo,
treinando em diferentes academias, diretor de sua academia em 1954. diferente da Capoeira Angola e
participando das mais tradicionais Ainda em 1955, ele decidiu abrir sua Regional, usualmente chamado de
rodas de Capoeira Angola”60. própria escola, chamada Senavox, capoeira estilizada ou Senavox”61.
Devido a essas experiências e a ensinar uma capoeira diferente,
entre os dois estilos, o Senzala não se mais estilizada. O que distinguia Apesar do sucesso inicial e de
definiu por nenhum deles. Manteve Sena era sua crítica à “estagnação do sua boa conexão com os militares,
os ensinamentos de Bimba com folclorismo cultural” das exibições de a Senavox não prosperou. A
os movimentos e instrumentos da capoeira e seu esforço para esportizar insistência na hierarquia e na
Capoeira Angola. Também foram a capoeira. Ele criou um elaborado disciplina militar entrou em
muito influenciados pelas artes sistema de regulamentações formais desacordo com o processo de
marciais japonesas, principalmente que supostamente regrariam treinos deslegitimação social da ditadura
o caratê. No entanto, os alunos de e rodas... Sena, entre outros, nos anos 1970. Quanto à polêmica
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 59
em relação à criação do sistema Embora essas cores não fossem Paulo. Desde 1960, um grupo de
de cordas, o certo é que seu uso adotadas por todos os grupos, o mestres baianos começou a ensinar
foi institucionalizado em 1972, sistema de cordas passou a fazer na capital paulista: “Suassuna,
apoiado pelo nacionalismo militar. parte da capoeira, de forma Brasília, Joel, Gilvan, Paulo Limão,
A Confederação Brasileira de predominante, a partir dos anos Silvestre, Ananias e, durante os
Boxe determinou que a capoeira, 1970. Um modelo novo, que fundia anos 70, Airton Onça e Acordeon.
assim como acontecia com as artes elementos das capoeiras Regional Alguns eram pupilos dos famosos
marciais orientais, deveria graduar e Angola, surgia no Sudeste do angoleiros Canjiquinha (Brasília,
seus alunos, mas ao contrário das Brasil, difundindo-se pelo país e, Ananias) ou Caiçara (Paulo Limão,
faixas, utilizaria “cordéis” com mais tarde, pelo mundo. Além do Silvestre), enquanto outros tinham
as cores da bandeira brasileira: Senzala, outros grupos que seguiam vindo da escola regional de Bimba
branco, verde, amarelo e azul. essa tendência iam surgindo em São (Airton Moura, Acordeon)”62
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 60
Rod a d e C a x ia s Ru s s o .
Foto: T T C a t a l ão – Ace r v o
Té cnico I ph a n.
e o Paulo Cristo, que aprenderam morreu, em 1974, em situação Apesar dos deslocamentos
também com o Marcos Natal. precária e longe de sua terra e das mudanças de contexto,
Eu penso que esse meu mestre, natal – em Goiás. Em 1981, foi as tradições locais e o passado
o Marcos Natal, foi quem deu o a vez de Mestre Pastinha morrer histórico influenciaram a capoeira
pontapé inicial, porque foi com pobre e cego, num cortiço que se redefinia nas cidades. Em
ele que começamos a aprender. Ele do Pelourinho. A Capoeira Recife, a capoeira se mantém
passou uns cinco, seis anos aqui e foi Angola, principalmente, vivia voltada para a luta, o jogo é mais
embora para o Rio, porque a família um momento de esquecimento. duro, o que remete à tradição dos
dele foi transferida para lá”63. Um dos principais responsáveis antigos capoeiras pernambucanos,
De acordo com Mestre Coca- pela sua revitalização foi Mestre conhecidos como bravos e valentes.
Cola, o seu “primeiro mestre”, Moraes, baiano que se iniciou na No Rio de Janeiro, a figura do
chamado Marcos Natal, era de São Capoeira Angola ainda criança, capoeira é sempre ligada à do
Gonçalo, município do estado do aos oito anos, quando começou malandro, personagem emblemático
Rio de Janeiro. A reorganização a ter aulas no Centro Esportivo da cultura popular carioca, a partir
da capoeira em Recife e Olinda, Capoeira Angola – Ceca, de Mestre dos anos 1920. Salvador, por sua vez,
a partir dos anos 1970, se deu em Pastinha. Em 1980, criou o Grupo permanece no imaginário coletivo
grande parte devido a essa expansão, de Capoeira Angola Pelourinho – como “berço” e “Meca” da capoeira,
que teve num primeiro momento a GCAP, no Rio de Janeiro. No ano cidade santuário das antigas
influência da capoeira baiana, mas seguinte, Mestre Moraes retornou a tradições. Apesar de afirmações
que depois se difundiria a partir Salvador e liderou um movimento como essas gerarem polêmicas e
do Rio de Janeiro e de São Paulo. de revalorização dos antigos controvérsias, é correto afirmar
Contraditoriamente àquela mestres angoleiros, promovendo que a capoeira baiana influenciou
expansão da capoeira, os velhos oficinas no forte Santo Antônio, de forma decisiva o modo como
mestres da Bahia viviam em sérias onde fixou sua academia e já se o jogo é praticado desde os anos
dificuldades. Mestre Bimba encontrava Mestre João Pequeno. 1920 no Brasil e no mundo. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 62
e mba ixo
M A RC A – Y OU T H IN A C T I ON ...
SE RVIC E T H ROU GH M OVEM ENT .
Foto : T T C a t a l ão – Ace r v o
T é c nico I ph a n.
A globalização
À Dir e it a
Roda do Gru po d e C a po e ir a
da capoeira
A ngol a N gol a , com M e s tr e J o sé
Carlos.
Foto : Xim - Xim .
À Dir e it a
E s t a nd a rte Br a bo s e V alen t õ es.
Foto : Fr a nc is co M ore ir a
da Costa.
À d i rei ta
F oto: Ma rc el G a ut herot.
P á g i n a À di rei ta
F oto: Ma rc el G a ut herot.
LI Ç Ã O PART I C U LAR DE
C APOEI RA – A U LA.
Foto : C r is t ia no Ju nior.
eles. Eu era rapazinho. Comprava Outra característica importante de capoeira, que podia ser um
duzentos reis de vinho tinto, aquele era que nenhum mestre desse marceneiro, um sapateiro ou
copo branco de alça, ele tomava período vivia do ensino da capoeira, um artesão, profissões comuns
e dizia: ‘pegue na boca de minha o que facilitava uma relação de entre os mestres de capoeira de
calça!’. Eu levava pra pegar na boca proximidade com seu mestre. antigamente. Moravam no mesmo
da calça dele e ele virava aquela Muitas vezes, essa proximidade bairro e tinham, geralmente, a
cambalhota desgraçada e já cobria era tão grande que o aprendiz mesma situação econômica, pois
[com] o rabo de arraia. Quando eu acabava frequentando os espaços eram oriundos da mesma classe
ia levantando ele dizia: ‘não levante familiares e até aprendendo as social. A convivência entre mestre
não, lá vai outro!’. Os alunos deles profissões dos mestres. Sobre essas e aprendiz era então um fator
jogavam com a gente como que situações reais e concretas do dia que auxiliava muito o processo de
[se] a gente já era [fosse] bom”68. a dia, vivenciadas pelos aprendizes aprendizagem da capoeira”69.
da capoeira antiga, escreveu Abib: A capoeira, como é
Neste jogo, não há lugar para ensinada nesse momento de
atitudes de principiantes: ao entrar “Às vezes, esse aprendizado se sua história, prioriza desde
na roda, o aprendiz é tratado como dava também individualmente, nos o início um aprendizado em
capoeirista, jogando como se já quintais e nos terreiros das casas, que o aluno se vira para, “de
soubesse jogar. O que significa onde a proximidade entre o mestre oitiva”, ouvindo, observando
que, para os mestres tradicionais, e o aprendiz era um fator essencial. e vivenciando, desenvolver nas
a postura do discípulo não pode Muitas vezes, como lembra o mestre situações reais o seu jogo – uma
ser passiva, pois só a partir da Moraes – coordenador do Grupo técnica bem diferente das práticas
prática, com as rasteiras e os golpes, de Capoeira Angola Pelourinho, formais de aprendizagem,
pode aprender a se esquivar, em Salvador – em seu depoimento, nas quais o vínculo do aluno
experimentando concretamente os o aprendiz de capoeira era também e do professor é estritamente
movimentos, suas falhas e acertos. aprendiz de ofício do seu mestre ligado às habilidades que serão
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 70
À d i rei ta
F oto: Ma rc el G a ut herot.
P á g i n a À di rei ta
F oto: Ma rc el G a ut herot.
Da rua para
a academia. O
nascimento
das primeiras
escolas de
capoeira
vinculação da capoeira com a vida encontro do projeto de construção capoeira antiga, conhecida como
malandra, enfatizando os seus de uma identidade brasileira que Capoeira Angola, com o batuque
aspectos desportivos e marciais. desembocará no Estado Novo. e, principalmente, incorporando
Mestre Bimba tenta, portanto, Movimentos semelhantes ocorrem movimentos de ataque e de defesa
transformar a capoeira numa com o samba e o candomblé. Tal de outras artes marciais, como
ginástica genuinamente nacional. confluência de interesses políticos o jiu-jítsu. Modificações que
A Capoeira Regional nasce é aproveitada por Mestre Bimba e promoveram a Capoeira Regional
tentando buscar um rompimento sua nascente Capoeira Regional. como uma singular e eficiente
com a imagem do capoeira vadio e Outra marca empreendida arte marcial de origem brasileira.
desordeiro, em nome do capoeira por Mestre Bimba é a necessidade Com o intuito de propagar a
esportista saudável e disciplinado. de afirmar o caráter marcial da eficiência da Capoeira Regional
A construção de uma academia, capoeira. Mestre Bimba realiza como combate, Mestre Bimba e
reconhecida oficialmente pelo uma análise pessimista em relação alguns de seus principais alunos
Estado, em que a prática e o treino aos caminhos que a capoeira começam a participar de torneios
da capoeira são realizados, foi tradicional vinha percorrendo, e lutas, enfrentando oponentes de
a forma encontrada por Mestre em que os contornos alegóricos diversas modalidades marciais. A
Bimba para levar essa tradição para e exibicionistas são por ele violência da capoeira, que antes
além dos bairros populares. Assim, questionados. A seu ver, os era exercida nas ruas, muitas vezes
a capoeira regional começa a atrair aspectos marciais da capoeira em combates com a polícia, passa
o interesse cada vez maior de um estariam cedendo espaço para agora a ser realizada num ringue,
público diversificado, de diferentes um jogo cada vez mais lúdico com regras e juízes credenciados.
camadas sociais, com destaque e alegórico. Nesse sentido, a O resultado dessas disputas,
para estudantes universitários. Capoeira Regional dará destaque muitas vezes favoráveis à Capoeira
Esse movimento de Mestre à eficiência do combate marcial, Regional, chega aos principais
Bimba vai, de certo modo, ao misturando movimentos da jornais da época. No entanto, vale
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 73
À E s que rd a
Ging a – pa s s o b á s ico d a
c a po e ir a - De s e nh o s d e Mestre
Bimba util iz a dos no C ur so d e
C a po e ir a Re g io na l .
I l u s tra ção d e M e s tre B i mb a .
Ab a ixo
De s e nh o s pa r a m a t e r ia l do
C ur s o d e C a po e ir a Re g i o n a l d e
M e s tre Bimba .
Im a g e m E s c a ne a d a - Ace r v o
t é c nico do I ph a n.
lembrar que muitos angoleiros sistemática de luta. Ainda assim, da capoeira das ruas e espaços
também buscaram o ringue como nos anos posteriores, ocorre seu públicos para os espaços privados
forma de afirmação da sua arte. afastamento dos ringues de luta. das academias, nos fala Pires:
Mestre Bimba e sua capoeira Mestre Bimba começa a restringir
passam a ser reconhecidos e sua os embates dos capoeiras às rodas. “A roça do lobo era um fundo
academia procurada cada vez Não interessava mais desafiar de quintal, um terreiro. Esse local
mais por jovens interessados em e ser desafiado em lutas com aparece nos primeiros movimentos
aprender esse esporte marcial outras modalidades, mas afirmar de retirada da capoeira das ruas
nacional. Deixando de lado o a particularidade da capoeira para levá-la até o que é hoje,
sentido lúdico, malandro e vadio, como uma luta esportiva, cujas em sua forma de organização de
a Capoeira Regional se desenvolve regras deveriam ser respeitadas. base: as academias, instituições
como uma prática desportiva e Tal posicionamento ainda socioculturais, enquadradas em
mantém intacto o valor marcial uma demanda comercial. Bimba
de defesa e ataque da capoeira, fundou a roça do lobo nos anos
mas enfatiza a necessidade de 40, e uma reportagem, que
treinar e de jogar apenas com os relaciona Bimba à cultura negra,
próprios capoeiristas, segundo os escrita por Ramagem Badaró,
critérios e regras da capoeira. Sua em 1944, nos dá uma visão
escola se desenvolve e, no final da desse local de treinamento”.70
década de 1940, as relações sociais Por meio da Capoeira
de Mestre Bimba encontram- Regional, Mestre Bimba põe
se ampliadas, liderando assim o em execução uma padronização
movimento de escolarização da e institucionalização da prática
capoeira na Bahia. Sobre esse da capoeira, com a criação de
movimento de retirada da prática estatutos, manuais de técnicas
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 74
de defesa e de ataque advindos e entregava aos seus alunos de Essa sistemática estruturação do
de adversários perigosos e bem elite um “lenço vermelho”. ensino da capoeira leva a uma
treinados e era dividido em dois Com interesse em inserir mudança radical no perfil dos
módulos. O primeiro deles, com essa prática tradicional da cultura jogos, dos ritos e das rodas. A
duração de 60 dias, era realizado popular brasileira nas esferas oficiais ênfase agora é atlética, esportiva
dentro da academia, onde Mestre da sociedade brasileira, a Capoeira e marcial, predominando o
Bimba desenvolvia estratégias de Regional de Mestre Bimba assume espírito competitivo de esforços
combate específicas e sofisticadas. um perfil específico de uma prática individuais na busca de superações.
O segundo, que também durava desportiva e marcial com elementos Essa preocupação competitiva da
60 dias, era ministrado na culturais e artísticos: música e Capoeira Regional tem levado,
Chapada do Rio Vermelho e dança. Sua capoeira era organizada muitas vezes, como veremos
tinha como principais atividades nos moldes de uma atividade física mais adiante, a uma perda de
as chamadas “emboscadas”. e marcial, cuja escola obedecia a marcas da capoeira antiga, dos
Seus alunos veteranos rígidas técnicas de ensino e avaliação, aspectos culturais de caráter
eram colocados na mata com que permitiam ao aprendiz realizar, mítico, de malandragem e
o objetivo de, à espreita, a partir de seus treinamentos, vadiação. Há uma redução dessa
aguardar a passagem do aluno os movimentos e as habilidades tradição a seus aspectos atléticos
especialista. A meta dos alunos próprios desse jogo. Treinamentos e marciais, próprios das escolas
que buscavam a especialização divididos, tal como na escola ou ou academias de educação física.
era chegar a um determinado nas Forças Armadas, em etapas Aproveitando o caminho aberto
ponto específico, lutando com hierarquicamente bem definidas, por Mestre Bimba, Mestre Pastinha
“soldados” que, sorrateiramente, nas quais determinados objetivos funda, em 1941, o Centro Esportivo
os emboscavam. Ao final do curso, deviam ser alcançados ao final. de Capoeira Angola – Ceca. Nascido
Mestre Bimba realizava uma Para isso, eram estabelecidos em 1889, na cidade de Salvador,
festa nos moldes da formatura rigorosos exames de avaliação. Pastinha, segundo seus relatos,
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 77
À Esqu erd a
movi men tos da capoe ira.
F oto : Recort es de foto de
Ma rc el G a ut herot .
Aba i xo
R e p ort agem sobre M e stre
P asti n ha J orn a l – 1 3 de
a gosto de 1 97 5.
F oto : Escan eado p ara Ace rvo
t écn i co do Ip han .
ou menos 20 anos afastado da festivos. Assim como Mestre e não à mistura de capoeira com
capoeira, entre as décadas de Waldemar, destacam-se também boxe, luta livre americana, judô,
1920 e 1940. Após esse tempo, os mestres Caiçara, Canjiquinha, jiu-jítsu etc., que lhe tiram suas
reencontra a capoeira de outro Cobrinha Verde, entre outros características, não passando de
modo. Sua prática já não é que pertencem ao bastião da uma modalidade mista de luta ou
proibida nem violentamente Capoeira Angola dessa época. defesa pessoal, onde se encontram
reprimida pela polícia; já existem É nesse cenário que, no início golpes e contragolpes de todos os
centros ou academias oficiais de da década de 1940, Mestre Pastinha métodos de luta conhecidos”73.
cultivo e treinamento daquela retorna, assumindo a direção do Mestre Pastinha buscava
arte e a sociedade como um Ceca, em que permaneceria até a diferenciar a Capoeira Angola da
todo já começa a olhar para a sua morte, em 1981. Ao longo desse Capoeira Regional, que se difundia
capoeira e para seus integrantes tempo de dedicação à Capoeira cada vez mais. Referenciado
de modo menos resistente. Angola, ele ajudará, de modo pela ancestralidade africana,
Outro centro importante de marcante, a definir os fundamentos denominava a modalidade angola
Capoeira Angola formado nessa dessa prática de capoeira até os de “capoeira mãe”. Defensor
época foi o terreiro de Mestre nossos dias. Com características radical de sua arte, Mestre Pastinha
Waldemar. Situava-se na rua Pero próprias, a Capoeira Angola não acreditava que o aluno não podia,
Vaz, no bairro da Liberdade. Um poderia se misturar com as outras de modo algum, dedicar-se a
barracão construído de madeira, práticas desportivas e marciais, como treinamentos atléticos e marciais
com cobertura de palha, cercado o judô, o jiu-jítsu, a luta livre, entre impróprios à prática da capoeira.
por ripas de madeira que separavam outras. Mestre Pastinha aponta: Esses movimentos, toques e cantos
os jogadores do restante da plateia. devem ser vivenciados a partir de
Nesse lugar, eram realizados treinos, “É lógico que nos referimos todas as performances ritualísticas.
rodas de capoeira e de candomblé à Capoeira Angola, a legítima Ciente das dificuldades em
e outros tipos de encontros capoeira trazida pelos africanos, manter esses rituais, Mestre
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 79
À Esqu erd a e À
D i rei ta
F li p li vro de Ari sti de s
e Newd ao.
Pastinha avalia ser necessário de jogar descalços e sem camisa. principais do jogo, construídas
constituir, em seu centro de Proíbe alguns movimentos. coletiva e socialmente.
Capoeira Angola, regras e Enfatiza o lado lúdico e artístico da Busca na tradição conceitos
hierarquias que possam ajudar capoeira, destacando os treinos de centrais, como “malícia”. Ser
no aprendizado. Assim, novas cantos e toques de instrumentos. angoleiro, para Pastinha, é
regras são incorporadas à prática Define a “bateria” ou a “orquestra” usar a malícia o tempo todo,
da capoeira e seus treinos. Na com três berimbaus (gunga, nos golpes, nas defesas e nos
roda, apresenta a figura do juiz, médio e viola), dois pandeiros, contragolpes. Iludir o adversário
ou daquele que responde pela sua um atabaque, agogô e reco-reco. sempre que possível, evitando
organização, mantendo-a dentro Destaca a importância dos toques assim movimentos mecânicos e
dos fundamentos da capoeira. e cantos na condução dos ritmos previsíveis. Dessa forma, destaca no
Na rotina diária do Centro, do jogo. Enfatiza a necessidade de aprendizado da capoeira condições
Mestre Pastinha cria funções desmistificar a capoeira como a para que cada aprendiz desenvolva
específicas ocupadas por arte dos valentões, mostrando que estilos próprios de dissimulação,
capoeiristas mais avançados, aquela não deveria ser exercida beleza, continuidade e elegância
responsáveis pela orquestra, pela valentia, mas pela busca da em seus movimentos, toques e
instrutores de movimentos – integridade física e espiritual. cantos. Seus treinos não visam
chamados “trenel” –, arquivistas, Se necessário, a capoeira seria uma repetição dos exercícios, mas
contramestres e mestres. Escolhe uma excelente arte de defesa e uma expressão de estilos próprios.
um uniforme que passará a ataque, mas seus fins principais Para Mestre Pastinha, ninguém
identificar os seus alunos, calça não podiam ser esses. Destaca joga igual a ninguém. Mesmo
preta e camisa amarela, em a necessidade dos valores éticos em um jogo de movimentos e de
homenagem às cores de seu clube e políticos da capoeira, como a golpes definidos, é a expressão
de coração: Ypiranga Futebol lealdade aos companheiros e à destes que marca a singularidade
Clube. Impede seus alunos capoeira, a obediência às regras e o estilo de cada jogador.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 80
M e s tre C ur ió .
Foto : Edu a rdo M o nt e iro .
Algumas
trajetórias da
capoeira nos
dias atuais
P á g ina s e gu int e
À e s que rd a
M e s tre Br a ndão e Jogo d e
De ntro.
Foto : E DU A RDO M ON T EI R O .
à Dir e it a
Roda do Gru po d e C a po ei r a
A ngol a N gol a - 2 007.
Foto : Xim - Xim .
à Dir e it a , e mba ixo
Roda do Gru po d e C a po ei r a
A ngol a N gol a - 2 007.
Foto : Xim - Xim .
certo dizer que, implicitamente, públicos. A rua, que era o espaço com nomes, uniformes e regras
a capoeira, tal como ela hoje se próprio para a vadiação, passou a de procedimentos particulares.
apresenta, deve em muito às duas ser ocupada, principalmente, para A Capoeira Angola, diante
escolas. Essa herança é percebida na demonstrações, como propaganda dos desafios de enquadrar-se aos
organização em grupos e academias dos grupos privados. Ainda assim, novos tempos, sem perder o contato
específicas para a prática da capoeira. algumas rodas de rua permanecem com as tradições, experimenta uma
Podemos perfeitamente célebres, como a Roda Livre difusão mais tímida, atravessada por
dizer que a capoeira antiga, de Duque de Caxias (RJ). De inúmeras crises. Já a Regional, com
que existia de modo informal, qualquer maneira, os grupos de proposta modernizadora, alcança um
vinculada diretamente a um éthos capoeira ganharam contornos de crescimento ampliado e diversificado.
muito próprio das cidades e de instituições, na maioria das vezes Um dos motivos mais marcantes
suas comunidades, praticamente informais, que se proliferam do crescimento da Capoeira
desaparece. A rua, as quitandas
e as festas públicas vão cedendo
lugar para as academias e os
espaços privados da prática da
capoeira. O aprendiz agora
deve se matricular numa escola
ou num grupo de capoeira,
frequentando regularmente
esses espaços e respeitando suas
regras e seus procedimentos.
Não se aprende mais ao modo
antigo, por “oitiva”, numa vivência
coletiva em espaços abertos e
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 84
Regional é a assimilação das práticas vem indicando a trajetória da Instrução de Capoeira, fundado
físicas e esportivas. Tratada como Capoeira Regional em direção à em outubro de 1955), em 1980,
um genuíno esporte nacional, escolarização. A partir de 1972, publicou um inusitado trabalho
a Capoeira Regional se infiltra o “esporte” capoeira estreita denominado Capoeira: arte marcial
rapidamente nas escolas, no suas relações com a formação brasileira. Essa publicação mostra a
currículo das universidades de dos educadores físicos. Assim: preocupação do autor com exames,
educação física, nas academias corpo docente, regulamento
militares, assim como nas academias “Mestre Carlos Senna, ex- de competição e súmulas. Ele
de musculação e ginástica. aluno de Mestre Bimba, um fundamenta, também, seu projeto
Mestre Xaréu, num livro defensor ferrenho da capoeira nos valores educacionais e reconhece
recente intitulado Capoeira na esporte e fundador da Senavox ser a capoeira uma “... incomparável
universidade: uma trajetória de resistência, (Centro de Pesquisa, Estudo e forma de educação física ...”.74
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 85
À D i rei ta
M e s tre Ton i Varg a s, Grupo
S e n zala , Ri o de J a n ei ro.
F oto: TT-CATAL Ã O .
P ai n el de ma rc a s.
F oto : Ac ervo Técn ico
I p ha n .
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 88
Ab a ixo
Roda d e c a po e ir a r e a l iz ad a em
s e d e d e a s s ocia ção.
Foto : Edu a rdo M o nt e iro .
À Dir e it a
Roda d e C a po e ir a , E ncontro d a
C a po e ir a e m S a nt a T e r e z a , R i o
d e Ja ne iro, 2 007.
Foto : Xim - Xim .
“oitiva”, resistindo, a seu modo, ao na forma antiga de aprender, na de Capoeira Angola e Regional.
processo de escolarização formal. qual a vadiação, a brincadeira Se olharmos bem de perto para
Dessa maneira, estamos diante e a estética tornam-se base. cada um deles, poderemos
de duas tradições de ensino e Não é justo afirmar que a perfeitamente encontrar, no
aprendizado que atravessaram Capoeira Angola é o patrimônio aprendizado do dia a dia, marcas
a história da capoeira. O da forma antiga de aprender dessas duas tendências, com uma
modelo da escola tradicional, e a Capoeira Regional é o da predominância do modo escolar
voltado para a sistematização, forma escolar e formal. Podemos e formal. A história e a tradição
racionalização e competição, em apenas constatar nelas o que da capoeira e de suas formas de
que o importante é o resultado historicamente se apresenta como aprendizado ainda continuam
ou a eficiência do processo de forma hegemônica de aprender e abertas, num jogo incompleto,
aprendizado, e o modo inspirado ensinar. Existem grupos e grupos sem vencedor ou vencido. ¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 90
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 91
À Esqu erd a
Mestre Cur i ó e Mes tre
Ma rti n ho, 20 0 7 .
F oto : Edua rdo Monte iro.
À Di rei ta
Mestre Cur i ó.
F oto : Van derlei Catal ão –
Acervo Técn i co Ip han.
Roda d e C a po e ir a , E ncontro d a
C a po e ir a e m S a nt a T e r e z a , R i o
d e Ja ne iro, 2 007.
Foto : Xim - Xim .
comparar o jogo primitivo com guerreira temida por seus inimigos Embora não seja um golpe, a
o contemporâneo. Por meio e conhecida por sua habilidade ginga é o principal movimento da
dos registros históricos e de nas negociações com portugueses capoeira, o primeiro que um aluno
crônicas, no entanto, é possível e africanos. Ora tendia para um aprende, dentro ou fora da roda.
identificar alguns movimentos lado, ora para outro, negociando Consiste num bailado invertido,
que permaneceram no decorrer com malícia no jogo com seus quando a mão direita está à frente,
do tempo, como a cabeçada, a adversários, mas muitas vezes também o pé esquerdo se encontra atrás do
rasteira e o rabo de arraia. agindo de forma violenta contra corpo, e vice-versa. É a partir da
Um movimento que faz parte eles77. A sua presença na memória ginga que surgem os deslocamentos
de todas as vertentes de capoeira é a dos africanos escravizados é uma e golpes. Uma das principais
ginga, homenagem dos capoeiristas das hipóteses para a denominação formas de o capoeirista se deslocar
à Rainha Nzinga, de Angola, do gesto primordial da capoeira. durante o jogo é o “aú”, através
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 96
Se qu ê nc ia d e mov im e nto s
de c a po e ir a .
FOTO: PIE RRE VERGE R@
FUND A Ç Ã O PIE RRE VERGE R.
O canto, os
toques e a
dinâmica das
rodas
De s e nh o s d e M e s tre
Bimba - C ur s o d e
C a po e ir a Re g io na l .
Foto : Ace r v o
t é c nico I ph a n.
antigos, que permanece nas rodas e não acompanham o canto nas e Regional, cada toque requer
atuais, ainda que em raras ocasiões, rodas, como Santa Maria, Jogo de uma forma diferente de jogar.
é a Cavalaria. O ritmo, que imita o Dentro e Iúna, criado por Mestre No Grupo Senzala, como não
som de cavalos trotando, era tocado Bimba para ser tocado nas rodas de se segue uma vertente exclusiva,
para avisar da chegada do Esquadrão alunos formados. No entanto, o toque é possível, em uma roda, serem
da Cavalaria. Liderado pelo temido também é associado a momentos tocados diversos toques diferentes.
chefe de polícia conhecido como fúnebres. Na verdade, existem muitos Quem dita o que se deve jogar
Pedrito, o esquadrão atacava as toques, alguns controversos, criados é o berimbau comandado pelo
rodas e perseguia os capoeiras na por outros mestres, tornando difícil mestre ou professor. Se o toque
década de 1920, em Salvador. enumerar todos com exatidão. for de Angola, joga-se Capoeira
Assim como a Cavalaria, outros Nas rodas que fundem Angola; se for São Bento Grande,
toques são basicamente instrumentais elementos das capoeiras Angola joga-se Capoeira Regional.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 101
Nas rodas de Capoeira Angola comandados pelo berimbau, que quando um jogador entra na roda,
não se muda o estilo de capoeira, determina ainda o tempo do jogo, interrompe o jogo e escolhe um
mas há variação de toques, como geralmente mais longo entre os dos jogadores para jogar, e assim
o jogo de dentro, “um dos toques angoleiros. Quando o tocador bate por diante. As rodas, de uma
mais rápidos e bonitos da Capoeira repetidas vezes no berimbau, é sinal maneira geral e independentemente
Angola. Durante esse toque, de que o jogo acabou. É preciso do estilo, terminam com
capoeiristas procuram demonstrar apertar as mãos e dar lugar a outra corridos de despedida:
todas as suas habilidades, dupla. Nas rodas de Capoeira
jogando o mais próximo possível Regional e dos grupos que usam Adeus, adeus,
do solo e do oponente”82. cordel, os jogos têm curta duração e Já vou-me embora
Os toques e jogos na roda não são comandados pelo berimbau. Eu vou com Deus
de Capoeira Angola também são É o chamado jogo de “compra”, E Nossa Senhora.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 102
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 103
Ab a ixo , À d ir e it a
T OC A DOR DE BE RI M BA U
ANGOLAN O.
De s e nh o A . N e v e s e Souz a .
P ai n el da R od a do
Mestre Valmi r com
i n strum en tos -
b eri mba u e p an dei ro.
F oto : TT Catalão -
Acervo técn i co Ip han.
para se envergar o instrumento. baqueta ou vaqueta é uma vareta como a base na qual a semente
A cabaça, com uma abertura ou de madeira fina que não deverá conhecida como Lágrima de Nossa
boca, que pode variar de tamanho, passar da medida convencionada Senhora vai vibrar para emitir
deverá ser presa na parte de baixo de dois palmos e não inferior a um som semelhante ao da chuva
da verga, a uma distância de um palmo e meio de mão. Por caindo nas folhas das árvores.
aproximadamente um palmo acima fim, o último artigo corresponde Infelizmente, a biriba está
da sua extremidade inferior. a um instrumento musical à parte cada vez mais escassa, devido à
Completando a composição do que o acompanha – o caxixi –, intensa exploração dessa árvore
berimbau, há ainda um dobrão de chocalho que produz um som para comercialização de berimbaus.
cobre que, ao entrar em contato agudo. Confeccionado em palha Atualmente, chegam ao mercado
com o arame, altera a tonalidade de vime trançada num pedaço internacional através dos sites
do som que ressoa da cabaça. A circular de cabaça, funciona que trabalham com venda de
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 107
Aba i xo
Mestre Coca -Cola .
F oto : F ran ci sco More ira
d a Costa
I ns trume nto s d e
M e s tre N e s tor.
Foto : T T C a t a l ão
– Ace r v o T é c nico
I ph a n.
Pandeiro
Além dos berimbaus e do
atabaque, há ainda os pandeiros.
Como todos os instrumentos
utilizados na capoeira, têm sua
trajetória no Brasil vinculada
aos povos de origem africana.
Entretanto, sua presença
na cultura universal perde-
se nos tempos, do Oriente
antigo às rodas de samba. Em
Portugal, existe o adufe, que
em muito se assemelha ao
nosso pandeiro, levando-nos
a crer que esse instrumento
também chegou pelas mãos
dos portugueses durante o
período da colonização.
Existem diversos tipos de
pandeiro, mas o ideal para a
orquestra da roda de capoeira
deve ser encourado com couro
de cabra e sua carcaça, ou
moldura, feita em madeira
resistente e ao mesmo tempo
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 111
Agog ô.
Ace r v o do C e ntro N a c io na l d e
Fo l c l ore e C u l tur a Popu l a r .
Ab a ixo
M e s tre João P e que no .
Foto : Edu a rdo M o nt e iro .
A o percorrer os olhos
rapidamente pelos jornais
da década de 1970 em diante,
sacramentando algumas conquistas
em prol das manifestações negras.
Em 1977, o Departamento de
percebe-se que alguns analistas e Assuntos Culturais da Prefeitura
estudiosos da cultura popular da Municipal de Salvador inicia um
época traçam um quadro sombrio projeto diretamente relacionado
para os destinos da capoeira, em à capoeira, que encontra adesão
muito influenciados pelos danos da comunidade capoeirística.
socioeconômicos e culturais A iniciativa consegue abranger
provocados pelo turismo/ desde os mais tradicionais mestres
folclorização e esportização. ainda em condições de participar,
Esse período coincide com como Cobrinha Verde, Atelino,
a decadência das academias Waldemar, Canjiquinha,
tradicionais de capoeira da Bahia No final da década de Caiçara, entre outros, até a
– as de Bimba e Pastinha –, com 1970, militantes do movimento nova geração composta de
a situação de pobreza em que negro, estudiosos, políticos, praticantes pertencentes a
se encontravam os principais carnavalescos e estudantes segmentos da classe média,
mestres, razão da saída de Mestre universitários começam a denunciar muitos deles universitários.
Bimba para Goiânia, em Goiás. a folclorização da cultura negra e Esse projeto tinha por
O período marca, ainda, a morte reivindicam, aos poderes públicos, objetivo agregar todos os
de muitos deles em quadro de medidas que pudessem coibir estilos de capoeira e todas as
indigência, num momento em esse processo. Na Bahia, algumas tendências que estavam em voga
que a capoeira já começava a dar instituições públicas tomaram (esporte, folclore, educação).
mostras da possibilidade de ser iniciativas que procuravam atender Por meio de fórum de debates
explorada economicamente. a essas reivindicações e acabaram e de apresentações de capoeira,
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 114
M e s tre C ur ió .
Foto : T T C a t a l ão – Ace r v o
T é c nico I ph a n.
À Dir e it a
M e stre Lu a Ra s t a .
Foto: T T C a t a l ão –
Ace r v o T é c nico I ph a n.
Abai xo
M e stre V irg í l io , Igr e j a
do B o nf im , Ba h ia .
Foto: T T C a t a l ão –
Ace r v o T é c nico I ph a n.
PÁGINAs 1 1 8 e 1 1 9
A l gu ns dos m e s tre s
d e c a po e ir a
FOT OS :
Acervo Técnico do
da Costa, Eduardo
Sandro Guimarães, TT
Catalão e Xim-Xim.
E m 19 de agosto de 2004, o
ministro da Cultura, Gilberto
Gil, viajou para Genebra, na
capoeira disseminou-se pelo
mundo com entusiasmo. Mesmo
sem falar português, um chinês,
mestres nas áreas de pesquisa,
formação de acervo e ações
socioculturais. A capoeira
Suíça, sede europeia da ONU, um árabe, um judeu ou um também foi privilegiada em
a convite do então secretário- americano podem repetir o outras linhas de atuação,
geral Kofi Annan. Na ocasião, compasso da mesma música, a como o edital de incentivo a
o ministro levou 15 capoeiristas arte do mesmo passo e a ginga documentários (DOC TV) e
brasileiros e estrangeiros para do mesmo toque. A diáspora os Pontos de Cultura. Diante
homenagear o embaixador Sérgio da capoeira no mundo é uma dessas propostas, torna-se
Vieira de Mello, morto um ano realidade que já conta com o aval importante recomendar as
antes, em um atentado terrorista de instituições educacionais como seguintes medidas de salvaguarda.
na cidade de Bagdá, no Iraque. O o Unicef, que referenda trabalhos
ministro da Cultura aproveitou de iniciativa dos capoeiristas Reconhecimento, pelo
para lançar, nessa oportunidade, brasileiros em vários países”85. Ministério da Educação
as bases de um Programa Esse foi o primeiro passo (MEC), do notório saber do
Brasileiro e Internacional para do Ministério da Cultura para mestre de capoeira
a Capoeira. Segundo afirmou o estabelecimento de políticas Espera-se que o registro
o ministro em seu discurso: públicas para a capoeira. Além do saber do mestre de capoeira
do Inventário para Registro e Salvaguarda como Patrimônio Cultural do
“Atualmente, a capoeira é da Capoeira como Patrimônio Imaterial Brasil possa favorecer a sua
praticada em mais de 150 países. do Brasil, foi lançado, em 2006, desvinculação obrigatória do
Nas Américas, no Japão, na o edital do Capoeira Viva, parceria Conselho Federal de Educação
China, em Israel, na Coreia, do MinC com a Petrobras, já em Física, ao qual a capoeira está
na Austrália, na África e em segunda edição, que apresenta subordinada. Entende-se que
praticamente toda a Europa. A linhas de fomento para grupos e o saber do mestre não tem
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 122
C a po e ir is t a toca ndo
b e r imba u .
Foto : T T C a t a l ão –
Ace r v o T é c nico I ph a n.
À Dir e it a
M e s tre Ita po a n, L a goa
d e Ab a e t é , Ba h ia .
Foto : T T C a t a l ão –
Ace r v o T é c nico I ph a n.
Fórum da Capoeira
Realização de encontros
periódicos, em parceria com
universidades, para discutir questões
importantes da comunidade da
capoeira. O objetivo do Fórum é
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 125
estimular o encontro dos mestres interessados em registrar as base nas referências indicadas
com os estudiosos da capoeira. trajetórias de vida de antigos mestres durante o processo do Inventário
É notório que alguns mestres de de capoeira. O objetivo é que esse para Registro e Salvaguarda da Capoeira
capoeira possuem saber acadêmico, Banco de Histórias possa alimentar como Patrimônio Cultural do Brasil.
mas não é o caso da maioria. Espera- e fazer parte do Centro Nacional Cabe mencionar que
se, portanto, integrar a tradição oral de Referências da Capoeira. as recomendações aqui
ao ambiente de pesquisa acadêmica. identificadas foram revistas,
Realização de Inventário restringindo-se seu escopo às
Banco de Histórias de da Capoeira em Pernambuco ações afins à área cultural,
Mestres de Capoeira Espera-se auxiliar e incentivar conforme demandas
Pretende-se oferecer oficinas o aprofundamento de pesquisas apresentadas nos Encontros Pró
de história oral para capoeiristas sobre a capoeira em Recife, com Capoeira, pelos detentores.¢
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 126
R ECORTE DE IMAG EM D E
MARCEL G AU THE RO T.
F O TO : MARCEL
G AU THE RO T.
16. SOARES, Carlos Eugênio 21. Ver QUERINO, Manuel. Bahia à capoeira baiana deste período que
Líbano. Op. cit., p. 40 e 12. de outrora. Salvador: Progresso, 1955 e não foram inseridos neste livro.
17. NETO, Coelho “O nosso jogo”. In: Costumes africanos no Brasil. Recife: Fundação 26. ABREU, Frederico
Bazar. Porto: Livraria Chardron, 1928, p. 140. Joaquim Nabuco-Massangana, 1988. José de. Op. cit., p. 95.
18. MORAES FILHO, Mello. 22. QUERINO, Manuel. Costumes 27. Capadócio é “o indivíduo que se
“Capoeiragem e capoeiras célebres”. africanos no Brasil. Recife: Fundação Joaquim dá ares de importância nos modos e nas falas para
In: Festas e tradições populares no Brasil. Belo Nabuco-Massangana, 1988, p. 73. enganar os outros; espertalhão, finório, velhaco”.
Horizonte-São Paulo: Itatiaia-Edusp, 23. Ver VIANNA, Antônio. Casos e Ver: SILVA, Antônio de Moraes.
1979, p. 263. coisas da Bahia. Salvador: Fundação Cultural Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de
19. SODRÉ, Muniz. Mestre do Estado da Bahia, 1984 e Quintal de Janeiro: Empresa Literária Fluminense
Bimba: corpo de mandinga. Rio de Nagô e outras crônicas. Salvador: Centro de A. A. da Silva Lobo, 1890, p. 403.
Janeiro: Manati, 2002, p. 62. de Estudos Baianos/UFBA, 1979. 28. Ver COUTINHO, Daniel
20. Ver PIRES, Antônio Liberac 24. Ver PIRES, Antônio Liberac C. (Noronha). O ABC da Capoeira Angola:
C. S. Bimba, Pastinha e Besouro de Mangangá. S. Movimentos da cultura afro-brasileira: a formação os manuscritos de Mestre Noronha. Brasília:
Três personagens da capoeira baiana. Tocantins- histórica da capoeira contemporânea (1890- Defer-Cidoca, 1993. PASTINHA,
Goiânia: Neab-Grafset, 2002 e A capoeira 1950). Tese de doutorado. Campinas: Mestre. A herança de Mestre Pastinha:
na Bahia de Todos os Santos. Um estudo sobre Instituto de Filosofia e Ciências manuscritos e desenhos. Estatutos do
cultura e classes trabalhadoras (1890-1937). Humanas da Universidade Estadual de Centro Esportivo de Capoeira Angola
Tocantins-Goiânia: Neab-Grafset, Campinas, 2001 e Capoeira no jogo das (Coleção São Salomão 2), s.d. e
2004. DIAS, Adriana Albert. Mandinga, cores: criminalidade, cultura e racismo na cidade Capoeira Angola. Salvador: Fundação
manha & malícia – uma história sobre os capoeiras do Rio de Janeiro (1890-1937). Dissertação Cultural do Estado da Bahia, 1988.
na cidade da Bahia (1910/1925). Salvador: de mestrado. Campinas: Departamento 29. CASTELLUCCI, Aldrin A.
Edufba, 2006. “Os ‘fiéis’ da navalha: de História da Unicamp, 1996. Silva. Salvador dos operários: uma história da
Pedro Mineiro, capoeiras, marinheiros 25. Ver ABREU, Frederico José greve geral de 1919 na Bahia. Dissertação de
e policiais em Salvador na República de. Capoeiras – Bahia, século XIX: imaginário e mestrado. Salvador: UFBA, 2001, p. 18.
Velha.” In: Revista Afro-Ásia, n. 32, Salvador: documentação. Vol. I. Salvador: Instituto 30. A expressão é de FILHO, Alberto
Ceao, 2005. OLIVEIRA, Josivaldo Pires Jair Moura, 2005. É importante Heráclito Ferreira. “Desafricanizar
de. No tempo dos valentes: os capoeiras na cidade ressaltar que, segundo o autor, há em as ruas: elites letradas, mulheres
da Bahia. Salvador: Quarteto, 2005. seu acervo mais documentos referentes pobres e cultura popular em Salvador
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 128
(1890-1937)”. In: Revista Afro-Ásia, nº 36. FREYRE, Gilberto. Sobrados e 49. BELTRÃO, Mônica. A
21 e 22. Salvador: Ceao, 1998-9. mucambos. São Paulo: Global, 2006, capoeiragem no Recife antigo: os valentes de
31. Vale lembrar que, desde o p. 150-151. outrora. Recife: Nossa Livraria, 2007.
final do século XIX, o termo “vadio” 37. REAL, Katarina. O folclore no 50. Apud RABELLO,
era usado tanto para se referir àqueles Carnaval de Recife. Rio de Janeiro: MEC, 1967. Evandro. Op. cit., p. 148.
que não tinham trabalho como para 38. PEREIRA DA COSTA, 51.Para uma introdução a esse
designar todos os que viviam de ocupações Francisco Augusto. “Folclore assunto, ver CARVALHO, Marcus.
esporádicas. A palavra vadiação também pernambucano: subsídios para “Rumores e rebeliões. Estratégias de
qualificava as brincadeiras, jogos e a história da poesia popular em resistência escrava no Recife”. In: Revista
divertimentos de rua cultivados pelo povo Pernambuco”. Separata da Revista do Tempo, 6(3). Niterói: Universidade
e repudiados pelos que sonhavam com uma Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Federal Fluminense, dezembro, 1998.
população que vivesse disciplinadamente tomo LXX. Rio de Janeiro, 1908. 52. LIMA, Vivaldo da Costa e
pelos supostos padrões europeus. 39. SETTE, Mário. Maxambombas e OLIVEIRA, Valdir F. “O candomblé da
32. Cais Dourado designava toda maracatus. Recife: Fundação de Cultura Bahia na década de 30”. In: Cartas de Édison
a região onde estava situada a praça da Cidade do Recife, 1981, p. 87. Carneiro a Arthur Ramos – De 4 de janeiro de 1936 a
do Ouro, com vários botequins e o 40. REAL, Katarina. Op. cit., p. 27. 6 de dezembro de 1938. São Paulo: Corrupio,
Mercado do Ouro – importante espaço 41. SETTE, Mário. Op. cit., p. 87. 1987, p. 39.
do comércio ambulante e de venda de 42. FREYRE, Gilberto. Op. cit., p. 53. CARNEIRO, Édison. Negros
produtos em atacado, especialmente 650. bantos: notas de etnografia religiosa e de folclore. Rio
farinha de mandioca e açúcar. 43. SETTE, Mário. Op. cit., p. 86. de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936.
33. DIAS, Adriana Albert. A malandragem 44. OLIVEIRA, Valdemar de. Op. 54. VIEIRA, Luiz Renato e
da mandinga: o cotidiano dos capoeiras em Salvador na cit., p. 89. ASSUNÇÃO, Matthias R. “Mitos,
República Velha (1910-1925). Dissertação de 45. RABELLO, Evandro. Memórias da controvérsias e fatos: construindo a
mestrado. Salvador: UFBA, 2004, p. 44. folia: o Carnaval do Recife pelos olhos da imprensa. história da capoeira”. In: Estudos Afro-
34. COUTINHO, Daniel Recife: Funcultura, 2004, p. 30-31. Asiáticos (34): 81-121. Dez/1998, p. 84.
(Noronha). Op. cit., p. 19 e 21. 46. Idem. 55. Ver ABREU, Frederico José
35. Ver OLIVEIRA, Valdemar de. 47. Apud RABELLO, de. Bimba é bamba: a capoeira no ringue.
Frevo, capoeira e passo. Recife: Companhia Evandro. Op. cit., p. 184. Salvador: Instituto Jair Moura, 1999.
Editora de Pernambuco, 1985. 48. FREYRE, Gilberto. Op. cit., p. 651. 56. SODRÉ, Muniz. Op. cit., p. 64.
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 129
57. ABREU, Frederico. O 64. CASTRO, Maurício (Jaime Martins dos Santos) em outubro
barracão do Mestre Waldemar. Salvador: Barros de. Op. cit., p. 12-13. de 2007, para o Inventário para Registro e
Organização Zarabatana, 2003. 65. VITA, Marcos. “Ginga na Casa Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural
58. Ver ALMEIDA, Raimundo Branca”. In: Correio da Bahia. Caderno Aqui do Brasil – Iphan, em Salvador – BA.
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59. Texto extraído da entrevista José de. Op. cit., p. 20. 78. ASSUNÇÃO, Matthias
realizada por Maurício Barros de 68. Apud ABREU, Frederico Röhrig. Op. cit., p. 135.
Castro e Matthias Rohrig Assunção José de. Op. cit.¸p. 16. 79. LOPES, Nei. O negro no Rio
com Mestre Vilmar (Vilmar da Cruz 69. ABIB, Pedro Rodolpho de Janeiro e sua tradição musical: partido-
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60. ASSUNÇÃO, Matthias Rohrig. 70. PIRES, Antônio Folkways Recordings, 1996, p. 32.
Capoeira. The history of an Afro-brazilian martial Liberac. Op. cit., p. 51. 81. REGO, Waldeloir.
art. Londres: Routledge, 2005, p. 174. 71. Ver CAMPOS, Hélio (Mestre Op. cit., p. 32.
61. ASSUNÇÃO, Matthias Xaréu). Capoeira na universidade: uma trajetória 82. Grupo de Capoeira Angola
Rohrig. Op. cit., p. 196-197. de resistência. Salvador: SCT-Edufba, 2001. Pelourinho. Op. cit., p. 34.
62. Idem, p. 177. 72. PASTINHA, 83. REGO, Waldeloir.
63. Texto extraído da entrevista Mestre. Op. cit., p. 31. Op. cit.,. p. 71-76.
realizada por Graciane Costa e Annelise 73. Idem, p. 35. 84. Ver RUGENDAS, Johann
Meneses com Mestre Coca-Cola 74. CAMPOS, Hélio. Op. cit., p. 70. Moritz. Viagem pitoresca através do Brasil. Belo
(Marco Aurélio Moreira) em julho 75. Idem, p. 87. Horizonte-São Paulo: Itatiaia-Edusp, 1981.
de 2007, para o Inventário para Registro 76. Texto extraído de entrevista 85. GIL, Gilberto. Brasil, paz
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dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 138
Processo
Anexo 1 N° 01450.002863/2006-80
Parecer do Registro dos Bens Culturais
de Natureza Imaterial
relator Roda de Capoeira e Ofício dos
Mestres de Capoeira
R od a de Ca p oei ra.
F oto: Ac ervo
t é c n i co do Ip han .
no âmbito cultural e científico, do (...) No Rio de Janeiro e Recife a início da de Câmara Cascudo: o
significado de questões como as capoeira é jogo de rua... com uma jogo. A capoeira é essencialmente
da memória social e da identidade nomenclatura especial para os golpes um jogo, no que a expressão tem
cultural, particularmente presentes (...) Na Bahia, o capoeira luta com de mais intrinsecamente humana.
em manifestações como a capoeira. adversários, mas possui um aspecto Quando o historiador holandês
Mas, o que é a capoeira e qual particular e curioso, exercitando-se Johan Huizinga escreveu sua
a pertinência em considerá-la amigavelmente, ao som de cantigas obra clássica Homo ludens, desde
patrimônio cultural imaterial? e instrumentos de percussão...”. logo explicitou que não estava
O tema já foi extensamente Muniz Sodré diz que “O interessado no conhecimento
tratado no âmbito acadêmico e fora ritmo e o rito dão vida e alma à do elemento lúdico na cultura,
dele, e o próprio processo, além do capoeira. São eles que favorecem a como se ele fosse apenas uma
inventário publicado, relaciona os epifania dos corpos em movimento, expressão humana entre outras,
principais textos que lhe desenham trazendo beleza atlética para mas considerava o elemento
os traços históricos, antropológicos o gingado e para a execução lúdico da cultura, aquilo que
e estéticos. Entretanto, podemos harmoniosa dos golpes e balões. expressava algo inerente à condição
nos referir a duas autoridades, por Não se trata, portanto, de mero humana e às suas manifestações,
todos. Câmara Cascudo define a esporte, nem de mera técnica de que são, todas elas, culturais.
capoeira como “jogo atlético de defesa e ataque, mas de um jogo, A cultura tem, assim, como um
origem negra, introduzido no Brasil isto é, uma totalidade articulada de seus atributos, a ludicidade. E
pelos escravos bantos de Angola, de formas inventadas...”. a capoeira, sobretudo por ser um
defensivo e ofensivo, espalhado pelo Nas duas definições estão jogo, sublinha particularmente
território e tradicional no Recife, presentes a luta, o canto, a dança esta ludicidade, cuja regulação
cidade do Salvador e Rio de Janeiro, e a música, mas o traço mais interna e cuja exteriorização
onde são recordados os mestres, importante é o que aparece no final correspondem a formas de
famosos pela agilidade e sucessos. da definição de Muniz Sodré e no expressão, a criações artísticas e
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 141
a modos (particulares) de criar, técnica de defesa pessoal, ritmo, aspectos da capoeira tem, pelo lado
viver e fazer. Estão cumpridos dança, espetáculo. Quanto à sua afirmativo, o mérito de alargar sua
três requisitos constitucionais – e caracterização, ela pressupõe compreensão, sublinhando-lhe
não apenas um – para que seja aspectos absolutamente próprios, as nuances. Pelo lado contrário,
pertinente a admissão da capoeira que a distinguem de outros o de questionar aquilo que já
como bem cultural imaterial. jogos, esportes, técnicas ou foi chamado de “mitificação
Quanto à relevância da capoeira espetáculos, mas também implica da capoeira”, desconstruindo
como patrimônio imaterial, dois diferenças regionais e temporais afirmações como a das “origens
aspectos podem ser considerados: importantes, como a Capoeira remotas”, a de uma suposta
o do seu significado sociocultural Regional, a Capoeira de Angola “unidade” e até a da “queima dos
e o do seu reconhecimento, ou ou a capoeira contemporânea. arquivos” sobre a escravidão.
de sua recepção. A percepção Quanto à sua incidência Nos dois primeiros casos, estão
do significado sociocultural de geográfica, embora nacionalmente em questão, como em quase todos
um fenômeno como a capoeira distribuída, adensa-se no Rio os mitos, a ilusão da antiguidade
começa por uma preliminar, a do de Janeiro, em Recife e em – quanto mais antigo, mais
reconhecimento da multiplicidade Salvador. Se o critério escolhido respeitável – e a ilusão da essência
de seus aspectos, o que vale for socioantropológico, então é – existe uma pureza essencial e
dizer que qualquer abordagem preciso sublinhar que, se na Bahia originária, a cujo retorno a prática
do tema é necessariamente constituiu-se frequentemente em contemporânea deve aspirar.
complexa. Reduzi-lo a um ou ponto de apoio para a identidade No episódio da “queima dos
outro aspecto é necessariamente negra, no Rio de Janeiro arquivos”, a equivocada impressão
empobrecer nosso entendimento. disseminou-se pelas camadas de que um decreto do governo
Essa multiplicidade se revela pobres em geral, sem vínculos provisório da República, baixado
de diferentes formas. Quanto à étnicos mais específicos. Admitir com o objetivo de dificultar a
sua finalidade, ela é jogo, esporte, de antemão a multiplicidade de tramitação de ações indenizatórias
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Roda d e M e s tre V a l m ir
– FI C A Ba h ia .
Foto : T T C a t a l ão –
Ace r v o T é c nico I ph a n.
Anexo 2
certidão de
registro
da Roda de
Capoeira
dossiê iphan 12 { Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira } 145
Anexo 3
Certidão de
registro do
Ofício dos
Mestres de
Capoeira
Este livro foi produzido no verão
de 2014 para o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional.
na Publicação (CIP)
I SBN : 9 7 8 - 8 5 - 7 3 3 4 - 2 5 8 - 1
CC D 7 9 3 . 3 1
Ofício dos Mestres de Capoeira }
{ Roda de Capoeira e