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Coleção

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Platão e o orfismo
As origens do pensamento ocidental
Direção Diálogos entre religião
Gabriele Cornelli
Conselho Editorial:
André Leonardo Chevitarese
e filosofia
Delfim Leão
Fernando Santoro

f
A coleçfo Archai é espelho do trabalho do grupo Archai: as origens do pen-
samento ocidenral, agora promovido a Cátedra UNESCO Archai. Há qua-
se dez an os, desde 2001, o grupo Archai - desde 201 1 Cátedra UNES-
CO A rchai - pro1nove investigações, organi1.,a sem inários e publicações
(entre eles a revista Archai) com o intuito de estabelecer uma metodologia de
trabaJho e de constituir um espaço interdisciplinar de reAexão filos6fic.1 sobre
as origens d o pcnsam cnro ocidental. A presente coleção - parte do selo ed.irorial
Annablume Clássica - q uer contribu ir para a divulgação no Brasil de p roduções
editoriais que busquem compreender, a partir de uma perspecriva culrural mais
ampla, nossas origens. Nesse sentido, visando uma apreensão rigorosa d o processo
de formação da filosofia, e, de modo mais amplo, do pensamento ocidental, as
obras que aqu i são apresenrndas p rocuram confrontar uma tradição excessiva- ALBERTO B E RNABÉ
mente presentista de contar a h istória do processo de fo rm ação da cultura oci-
d ental. Noradamentc daquela que pensa a filosofia como um saber "estanque",
independente das condições de possibilidade históricas que permit iram a aparição
desse tipo de d iscurso. En raizando o "n ascimento da filosofia" na cultu ra antiga,
contrapo ndo-se às _lições de uma h isroriogra.fia filosófica racionalista que, ana-
cronicam cntc, projeta sobre o con texto grego valores e procedimentos de u ma
razfio instrumental estranha às nu'ilri plas formas do logos antigo, a coleção Archai Tradução para o português de
pretende contri buir para o l:mçamcnro de um o lhar novo sobre os p rimórdios d o
DENNYS GARCIA XAVIER
pensamenro ocidental, em busca de novos camin hos hermenêm icos de nossas
identidades intelectuais, éticas, artísticas e culturais.

Conheça os títulos desta coleção no final do livro.

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Universidade de Brasma
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/\N~UME
CLÁSS I CA
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: "PLATÃO IMITA O RFEU" 15

PRI MEIRA PARTE: PLATÃO SE REFERE A O RFEU


E A SEUS SEG UIDORES 31
1. REFERJl.NCLAS DE PLATÃO A ORFEU 33
l. 1. A LlN HAGEM DE ORFEU 33
1.2. ORFEU, POETA, PROFETA E MÚSICO MARAVILHOSO 37
1.3. ORFEU, DESCOBRIDOR 42
1.4. O IU'EU DESCE AOS INFERNOS 43
1.5. A MORTE DE ORFEU 49
1.6. REl:'ERf.NCLAS A O BRAS OE O RFEU 52
1.7. UM ALTER EGO, MUSEU 58
1.8. PL.A:l'ÃO FAZ REFERf.NCLA A O BRAS DE ORFEU 60
1.9. CONCLUSÕES SOBRE AS REFERJl.NCLAS
PLATÓN ICAS A ORFEU 70
2. REFERf.NCIAS DE PLATÃO A SEGUIDO RES DE ORFEU
2. 1. DIVERSAS FORMAS DE SEGUIR ORFEU 79
2.2. SEGUIDORES PO ~T ICOS DE O RFEU 80
2.3. A "VIDA ÓRFICA" 82 7.2. O CORPO COMO SEPULTURA DA ALMA 189
2.4. PROFISSIONAIS DAS TELETAJ, M ENDIGOS, 7 .3. O CORPO COMO "SINAL" OU "MANIFESTAÇÃO"
ADIVINHOS, MAGOS E CHARLATÕES 85 DA ALMA 196
2.5. INTr-RPRETES DA PALAVRA ÓRFICA 106 7.4. SOBRE O VALOR DE 8 fo8m 199
2.6. UM "CATÁLOGO" DE SEGUIDORES DE ORFEU 116 7 .5. DE QUEM É A ETIMOLOGIA DE awµa
2.7. CONCLUSÕES SOBRE AS REFE~NCIAS A PARTIR DE CTWL( w? 2 00
PLAJ"ÔNICAS A SEGUIDORES DE ORFF.U 11 9 7.6. UM PARALELO: INTERPRETAÇÃO DE UM
TEXTO HESIÓDICO 203
SEGUNDA PARTE: ECOS DAS DOTRJNAS ÓRFICAS F.M PLATÃO 12 1 7.7. A QUEM "ALGUNS" SE REFEllE? 206
3 . QUEST ÕES DE MÉTODO 123 7 .8. O CORPO-CÁRCERE E A AI.MA SOB CUSTÓDIA213
3. 1 . ORDENAÇÃO DO MATERIAL 123 7 .9. O CASTIGO DA ALMA 223
3.2. UMA BUSCA EM DUAS DI REÇÕES 127 7. 10. CONCLUSÕES 225

4. MITOS COSMOGÔNICOS E TEOGÔNICOS 129 8. O MITO DE D ION ISO E OS T ITÃS 23 1


4. 1. UM COMEÇO 129 8. [ . A "NATUllEZA TITÂNICA" 23 1
4.2. PRIME.I RAS GERAÇÕES D E DEUSES 133 8 .2. O MITO ÓRFICO DE DlONISO F. OS TITÃS 234
4.3. GEOGRAFIA INFERNAL 143 8.3. DÚVIDAS SOBllE A ALUSÃO AO M ITO ÓRFICO
4.4. llEFERflNCIAS DUVIDOSAS 146 EM PLATÃO 236
4.5 . BALANÇO SOBRE OS M ITOS COSMOGÔNICOS 8.4. OUTRA PASSAGEM DAS LEIS 238
E TEOGÔN ICOS 148 8.5. OUTROS TEXTOS PLATÓN ICOS COERENTES

5 . MODELOS DO COSMOS 15 1 COM NOSSA INTERPRETAÇÃO 242


8.6. BALANÇO 245
6. A IMORTALIDADE DA AUvlA E A T RANSMIGRAÇÃO 1 55
6.1. IMORTAi.iDADE E T RANSMIGRAÇÃO DA ALMA J 55 9. VISÕES DO ALÉM: PR.ÊMIOS E CAST IGOS DA ALMA 247

6.2. UMA IDÍ"A ESTRAN l-lA PARA OS GREGOS 17 0 9.1. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA 247

6.3. ÓRFICOS F. PITAGÓRI COS 172 9.2. o IMAGINÁRIO ui.:n~UNDANO NO GÓRGIAS250

6.4. A HIERARQUIA DAS llEENCARNAÇÔES 174 9.3. O ALÉM NO FÉDON 260

6.5. O LONGO PERíODO ATÉ A LLBERTAÇÃO 177 9.4. ESCATOLOGIA NA REPÚBLICA 275

6.6. A NORMA DIVINA QUE PRESIDE A REENCARNAÇÃO 180 9.5. A ESCATOLOGIA DO AXÍOCO 284

6. 7. CONCLUSÕES 18 1 9.6. RECAPITULAR E COMPARAR 292

7. ALMA E CORPO: awµa-a~µa 185 10. JUSTIÇA E RETRIBUIÇÃO 3 01

7.1. UMA DISCUSSÃO ETIMOLÓGICA 185 l 0 . 1. l'REPAI~ÇÃO 3·01

UFRJ
INSTITUTO 01
flLOSí'!'"lt' 1
CIENC;'f~_Si>OCJAII
302 TERCEIRA PARTE: A TRANSPOSI ÇÃO PLATÓN ICA 365
10.2. UMA PASSAGEM DAS LEIS
13. MÉTODOS DA TRANSPOSIÇÃO PLATÓNICA 367
10.3. PUREZA E JUSTIÇA 307
13.1. A TRANSPOSIÇÃO 367
l 0.4. IDEIAS ASSOCIADAS: CASTIGO E COMPENSAÇÃ03 10
13.2. A MANEIRA DE APRESENTAR A CITAÇÃO 368
10.5. ALUSÕES CÓM ICAS A PR.ÊMIOS E CASTIGOS
314 13.3. OMISSÃO 370
NO ALÉM
10.6. JUSTIÇA NA TCONOGRAFIA APULIA 320 13.4. ADIÇÃO 372
13.5. MODIFICAÇÃO 374
10.7. CONCLUSÃO 323
13.6. RECONTEXTUALIZAÇÃO 375
11. A IMAGEM DE ZEUS 325
13.7. INTERPRETAÇÃO DE ENI GMAS 376
1 1. 1. O ZEUS DAS LEIS 325
13.8. ETIMOLOGIA 380
11.2 . APERFEIÇOAMENTO DA FIGURA DE ZEUS
13.9 . MITOLOGIA 385
E DOS DEUSES 327
13. 10. BALANÇO 386
11.3. A ELABORAÇÃO PLATÔNlCA 330
] 2 . RITOS ÓRFICOS E INICIAÇÃO FILOSÓFICA 333
QUARTA PARTE: SÍNTESE c,ld' 389
12. 1. ATlTUDE PLATÓNICA DIANTE
14. AT lTUDES DE PLATÃO FRENTE@ ORFISMO 39 1
DOS RITOS ÓRHCOS 333
14.1. INTRODUÇÃO 39 1
12.2. REFERÊNCIAS A RITOS E UTERAfURA
14.2. O PERSONAGEM DE ORFEU 392
IUTUAL ÓRFJCA 334
14.3. SEGUIDORES DE ORFEU 394
12.3. IN ICIAÇÃO 338
14.4. A LITERATURA ÓRHCA 397
12.4. PURJFICAÇÃO 340
14.5. CONTEÚDOS DA DOUTRINA ÓRFICA:
12.5 . U BERTAÇÃO 34 1
VISÃO GERAL 398
1 2.6. MÚSICA E DANÇA 343
14.6. RECEPÇÃO DO ORFJSMO ANTES DE PLAfÃO 403
12.7. "JoGos'.' 347
14.7. O ORFISMO EM PÍN DARO 405
12.8. ENTRONIZAÇÃO 348
14.8. EMPÉDOCLES 407
12.9. MAG IA 349
1 4.9. EURfPIOES 408
12.10. ADIVINHAÇÃO 35 1
14. 10. RECEPÇÃO PLATÔN lCA DA LITERATURA
12.11. MISTAS E BACOS 352
E DAS DOUTRINAS ÓRFICAS 409
12. 12. UMA ATlTUDE DEPRECIATIVA E U MA
14. 11 . LITERATURA TEOGÓNICA E COSMOLÓGICA 410
POSS IBILIDADE DE AVALIAÇÃO POSITIVA 356
14.12. Kmá.~cxaLç E LEQoi.AóyOL 411
12. 1 3. TRANSPOSIÇÃO l'LATÔNICA
14.13. LITERATURA IUTUAL; ENSALMOS 4 11
DE MODELOS ÓRFICOS 360
14.14. LITERATURA EXEGJ!:rtCA 412 INTRODUÇÃO
l 4.1 5. TEORIAS SOBRE A AI.MA 413
14. J 6. D EPOIS DE PLATÃO 414 "PLATÃO IMITA ORFEU"
14.1 7. CONCLUSÃO 415

APtND! Ct:: TEXTOS E TRADUÇÕES 41 7

BIBLIOGRAFIA 515

ÍNDICE DE PASSAGENS CITADAS 549

E Platão imita Orfeu em todas as parte.,·1•

A &ase de Olimpicxloro que nos serve de froncispício re-


vela que o filósofo neoplatônico do VI d.C. esta-
va convencido de que Platão p raticava com o orfismo
uma imitação, que naturalmente não entenderemos
como uma paródia burlesca, mas como uma fo rma
de alusão, com certas al terações e com uma intenç:ío
determinada, a conteúdos próprios da religião e d a
literatura órficas, conhecidos como tais por quem os
ouvia ou lia. Insiste, além disso, que tal proceder afeta
toda a sµa obra. Situei a frase como po nto de partida
desta indagação porque, em grande medida, é d isso

l. O lympiod. in J'L. l'hned. 10.3 ( 14 1 Wesrerin k = OF338 ll). Re-


pete quase que lice.-almcntc a frase c m 7. 10 (I 15 Wesrcrink = OF
576 Til).
que se trata: de determinar em que consiste tal "imi- M ais ainda, mesmo q ue todos os que se referem a
tação" e de ver se o seu alcance é tão grande como esta questão pareçam ter ideias claras sobre ela, a lei-
pretendia O limpiodoro quando considerava que se tura aleató ria de apenas dois ou três trabalhos sobre o
encontra "em todas as partes". tema nos mostraria profundas divergências, e não ape-
A questão não é ociosa. Em primeiro lugar, porque nas nos detalhes, que existem entre os numerosos qua-
parece fora de discussão que as referências de Platão dros do Orfismo, cada um deles supostamente claro,
são imprescindíveis para a reconstrução da literatura e reconstruídos por diferentes comentadores. Para uns,
da religião órficas na época clássica, motivo pelo qual os vestígios do orfismo na filosofia platônica são muito
é preciso avaliar em que medida podemos confiar em profundos, para outros, ao contrário, a influência ór-
seu testemunho. Em segundo lugar, porque se dá o fica em nosso filósofo diminui até quase desaparecer.
paradoxo de que, não obstante o inAuxo ó rfico sobre Uma demonstração recente do extremo de tais ten-
Platão ser algo dado por certo2 , são raros os casos em dências é um livro editado por Partenie (2009), cujos
que o tema foi especificamente tratado. Um primeiro autores, em mais de 250 páginas dedicadas aos mitos
balanço da questão foi feito por Weber, no fim do sé- de Platão, se calam cuidadosamente sobre qualquer
culo XIX, em um trabalho de pouco m ais de quarenta conexão entre eles e os mistérios, como se fossem uma
páginas, limitado às notícias sobre Orfeu e as referên- cri ação ex novo ou como se as alusões aos paralelos ór-
cias explícitas sobre a sua obra 3• N ão seria necessário ficos contaminassem a impoluta imagem do filósofo.
dizer qu e tal balanço ficou sumamente datado, o que Poscuras tão extremas na interpretação não são
não impediu qu e, no interior da imensa bibliografia estranhas aos que se interessam pelo o rfismo. É so-
platônica, sigam sendo pouquíssimos os trabalhos de- bremaneira sabido que os estudiosos deste capítulo da
dicados especifi camente a valorizar o influxo órfico história rel igiosa e literária dos gregos passaram por
sobre Platão'. profundas idas e vindas interpretativas, desde a "moda
órficà' q ue caracterizou o século XIX e o começo do
XX5, passando pela crítica que fez Wilamowitz ao in-
2. Cf., entre outros muitos exemplos que se poderiam apresentar,
Robin 1923, 220; Rohde 1907, prwirn; Fríedlander 1928-1930,
cap. 111; G ernet- Boulanger 1932, 387-389; Guthrie 1952, 238-
244. do Fédon, e Edmonds 2004 , que se circu nscreve ao rema da via-
3. Weber 1899. gem da alma para o Além, também no Fédon, e que, ademais, não
4. Pod em ser citados: 13oyancé 1942; Masaracchía 1993; Casadesüs crê que exista um inHuxo órfico sobre o fi lósofo. Cf., sobre este
1995; 2008; além de Corn ford 190 3, limitado a questões muito último, 13ernabé 2006a.
concretas e muito discutível em d iversos aspectos; Kingslcy 1995, 5. O interesse pelo orfismo parte do livro seminal de Lobeck l 829,
cap. 10 "Plato and O rphcus", 1 l2- 132, que se restringe ao mito segu ido por trabalhos como H arrison 1903; Rohde 1907 ou

16 17
controlado "pan-orfismo"6 que levou às atitudes de- publicação e maior difusão. Elas têm graffiti que, não
saforadamente céticas dos anos centrais do séc. XX, obstante sua brevidade, documentam crenças de um
até chegar à recuperação do interesse pela questão nos grupo de fiéis de Dioniso que se autodenominavam
8
últimos anos, provocado sobretudo pela descoberta ó rficos e postulavam uma existência post-mortem •
de alguns novos testemunhos de importância capital, O Papiro de Derveni foi encontrado em 1962
como as lâminas de osso de Ólbia, o Papiro de Derveni na localidade de mesmo nome, a aproximadamente
e várias pequenas lâminas de ouro7 • Dado que farei 12 km ao noroeste de Salônica, entre os restos de uma
referência a eles reiteradas vezes ao longo deste livro, cremação na assim denominada tumba A. Data-se do
vale a pena dizer algumas palavras sobre cada um des- IV a.C. e traz referências a determinados ritos iniciáti-
ses documentos. cos em suas primeiras sete colunas e na XX, enquanto
As lâminas de osso de Ólbia são três pequenas q ue as outras se dedicam a um extenso com entário
peças (a maior 5,lx4, l x0,2 cm), datadas do século exegético de uma teogonia em verso atribuída a Orferu
V a.C., e encontradas em 195 1 em Ó lbia, antiga co- (e que deve datar-se antes do V a.C.) realizado sobre-
lônia d e Mileto, fundada por volta do VII a.C. e situ- tudo de um ponto de vista físico e filosófico. O autor
ada na margem ocidental do Dnieper, perto de onde do comentário é desconhecido, no entanto, parece
desemboca no Mar Negro, também conhecida pelo conhecer as teo rias dos pré-socráticos e propõe ideias
que em seguiºd a encontraremos nos estó.1cos .
9
nome de Borístenes. Não foram publicadas até 1978 e
o conhecimento sobre elas não se generalizou até que As pequenas lâminas de ouro foram encontradas
voltaram a ser editadas, dois anos mais tarde, em uma em tumbas de diversos luga res, especialmente a Mag-
na Grécia, Tessália e Creta. Algumas eram conhecidas
desde mui to, porém outras, como a de Hipônio, apa-
receram nos anos sessenta do século passado, e o utras
Dieterich 1913, até chegar no livro sobre Orfeu, de Kern 1920
e à edição fundamental dos fragmentos órficos do mesmo autor
(Kcrn 1922), ainda que o representante extremo de ral visão tenha
sido Macchioro 1922 e 1930. Mantiveram posturas mais brandas
Nilsson 1935; G uthrie 1952, Z iegler 1939 e 1942, assim como 8. Sobre as lâminas de Ólbia, cf. Wesr 1982; Z hmud 1992; Dubois
13ianchi 1974. 1996; .Bernabé 2008a, onde há uma bibliografia suplementar. Cf.
6. Especialmente Wilamowitz-Moellendorff 193 1-1932, seguido [T 33c yT 33d J.
por Linforch 1941; Dodds 1951; Moulinier 1955 ou Zunrz 1971. 9. Da imensa bibliografia dedicada ao Papiro de Derveni, destacaria:
7. Não considero pertinente estabelecer aqui um estado da questão Casadcsi'.,s 1995a; Laks-Mosr 1997; Janko 2002; Jourdan 2003;
sobre os estudos acerca do o rfismo nos ülcimos anos. A este pro- Betegh 2004; Burkerr 2005; Kouremenos-Parássoglou-Tsanrsa-
pósito, podem ser consultadas as resenhas bibliográficas de Berna- noglou 2006; 13ernabé 2007 d; Casadesüs 2008c. C f. [T 10a, T
bé 1992 e de Sancamaría 2003. 1 l g,T 13c,T 13d,T 13c,T IScl.

18 19
ainda mais tarde. As pequenas lâminas trouxeram no- uma ideia mais matizada da situação d o orfismo na
vos materiais interessantes sobre um grupo de crentes época do fi lósofo, para cada um dos aspectos tratados,
que consideramos ó rficos e que acreditavam poder avaliar o inAuxo que a literatu ra, a prática ritual e o
encontrar no Além um tratamento preferencial, se imaginário órficos puderam exercer sobre Platão. Para
demonstrassem con hecer determinadas contra-senhas isto, trata-se de bom ponto de partida o fecundo con-
que deveriam dizer, d iante de guardiões e d iante da ceito de "transposição", sugerido há muito por D ies 1:i
própria Perséfone'º. para definir o modo segundo o qual Platão altera os es-
Em tais circunstâncias, pode resultar não apenas quemas herdados para adaptá-los à sua própria doutrina.
útil, mas até mesmo indispensável reexaminar as fon- As dificuldades deste trabalho são, sem dúvida,
tes antigas e tomar em consideração as novas, que nos consideráveis. Não é inútil alud ir às m ais importantes.
permitem chegar ao conhecimento deste complexo
movimento religioso, com a ideia de que uma análise 1. Não são muitos os testem unh os significativos do
sem parti pris permitirá chegar a algumas conclusões orfismo, na época clássica, que possamos cotejar
valiosas 11 • Dois serão, portanto, os objetivos funda- com os de Platão, para ter elementos de juízo ou
mentais deste livro 12: de um lado, examinar os teste- de referência no momento de valorá-los.
munhos platônicos sobre o conj un to de mitos, obras 2. Não colaboram muito com os nossos propósitos
literárias e rituais que os gregos relacionavam com Or- os hábitos de Piarão ao citar outros autores. O
feu e com seus seguidores, cotejando-os, para avaliar filósofo não apenas não é preciso ao fazê-lo, mas
em que medida podemos confiar neles, com o utros chega a ser frequentemente impreciso, às vezes
textos em que se faça referência às mesmas questões; irônico, outras vezes, distante. Demonstra, além
por outro lado, uma vez que tenhamos a d isposição disso, uma desesperadora tendência a intervir li-
vremente não só na interpretação de passagens
que cita, mas mesmo nos próprios textos, para
10. Sobre as lâminas órlicas cf. Riedweg 1998; Bcrnabé- Jiménez acomodá-los a seus próprios esquemas de pensa-
San C ristóbal 2001; 2008 (com amplo comentário e bibliografia
mento. Em tais condições, a valoração de alguns
exaustiva); Pugliese Carrratclli 2003; Edmonds 2004; Torcorclli
Ghidini 2006; Graf-Johnston 2007. Cf. fT 25b, T 25c, T36b, T testemunhos se mostra muito difícil.
50a, T 50b, T 50c, T 53a].
11. Em um trabalho anterior (Bcrnabé 2004a) estabeleci uma compa-
ração enrre os textos órlicos e a filosofia pré-socrática. 13. Dies 1927, 432ss., sobre cujas indicações segue Frmiger 1930;
12. Nele se unifica m, ampliam, corrigem e atualizam pontos de vista cf. também Schuhl 1934, 205, n. 4, que insiste no fato de que
apresentados cm algumas publicações anteriores, algumas delas de Platão utiliza as experiências m ísticas para tradmir a experiência
não fácil acesso (Bernabé 1995, 1998, 1999, 2002a e 2007b). /ilosó/ica e, mais adiante, Paquer 1973. Cf. § 13.

20 21
3. Frequentemente recorreremos a testemunhos lcsremunhos que tínhàmos à disposição para definir
muito posteriores ao filósofo, que, sem dúvida, este movimento 14 • Considerarei como "órficos" aque-
por um motivo ou por outro, parecem proce- les que seguiam os ensinamentos religiosos dle obras
der de época mais antiga, dada a tendência dos ou rituais dos quais Orfeu foi considerado o a.utor ou
autores órficos a reelaborar constantemente sua fundador. Trata-se de um grupo bastante heterogêneo,
própria tradição literária. Neste ponto se deve que devemos incluir em círculos dionisíacos, já que os
usar a máxima prudência, já que os testemu- mistérios órficos são mistérios báquicos. Não obstante
nhos tardios podem incorporar alguns elemen- isso, os "sectários" do dionisíaco que denominamos
tos da situação do orfismo posterior àquela co- órficos aceitaram elementos próprios do pitagorismo
nhecida por Platão. e de outras formas de espiritualidade do tardo-arcaís-
mo grego para desenvolver rituais de mistérios que se
caracterizam pela crença na metempsicose e em uma
Em vista desta situação, deve-se atuar com o máxi-
forma de puritanismo que preconizava a necessidade
mo rigor filológico e não menor cautela; é necessário
de manter a alma pura e o corpo apartado do derra-
examinar de modo cuidadoso e crítico os testemunhos
mamento de sangue e do contato com produ.tos pro-
platónicos que de um modo claro ou de forma velada
venientes de um ser morto. Ao longo do tempo foram
façam alusão a Orfeu ou à literatura órfica, à luz do
criando urna forma de religiosidade individual, cujo
que revelam outros testemunhos contemporâneos ou
interesse básico era a salvação pessoal em OULtra vida
poste[!ores que possam ser comparados com eles. An-
que julgavam melhor que esta. A iniciação e os rituais,
tes de prosseguir convém, além disso, que se estabele-
assim como a leitura dos seus textos, lhes ofereciam
ça o alcance de cada ui;n dos polos desta investigação.
urna bagagem de conhecimentos dos mistérios que
No que diz respeito a Platão, devo precisar um par de
lhes permitia saber como obter um destino especial no
questões: uma, que, para todos os efei tos, "Platão" se
outro mundo, a fim de liberá-los da culpa originária
referirá aos ·conteúdos dos diálogos do corpus Platoni-
que acreditavam carregar 15 • Uma série de proibições- ·
cum, incluindo os espúrios, e outra, que, salvo pou-
rituais os conduzia a tal objetivo. Era, então, uma reli-
cas exceções, não tratarei de distinguir o que devemos
giosidade essencialmente tradicional e que se realizava
atribuir o que o personagem Sócrates diz neles ao Só-
por meio da transmigração de um logos por via iniciá-
crates histórico ou a Platão.
No que diz respeito ao orfismo, trata-se de assunto
mais difícil de precisar. Para ele, recorrerei às conclu-
14. Bernabé 2005, 138-142.
sões de um trabalho anterior no qual eu analisava os
15 Cf. § 8.

22 23
tica da mão de sacerdotes itinerantes que ofereciam os d,· rel igião pessoal, baseada em alguns textos, com um
seus serviços com base em livros atribuídos a Orfeu 16 • 111.1rco comum de referência: o dualismo entre alma
A mensagem, produzida nestes termos, apresenta 11nortal e corpo mortal, o pecado anterior, o ciclo de
uma situação contraditória. O caráter tradicional do 1r:insm igrações a liberação da alm a e sua salvação fi-
orfismo provocou a manutenção considerável da sua 11.1I. Sem abandonar completamente este marco co-
identidade através dos séculos, de modo que encon- 111 um, intermediários de diferentes tipos ofereciam a
tramos fraseologia muito semelhante e crenças quase ucla usuário o que cada um necessitava. Ao responder
idênticas em testemunhos separados por muitos sécu- ;\s necessidades de consolo e salvação individual, esta
los entre si, porém, ao contrário, por ser uma religião religião sem dogmas nem igreja, que se abriria livre-
sem comunidades estáveis, organizada em torno de mente a não impo rtava qual usuário, permitia que
uma m atéria prima de base mítica, doutrinal e ritual cada um encontrasse nela o que buscava. Algu ns se
expressa literariamente, sem estrutura eclesiástica hie- conformariam com o que iniciaram e com participar
rárq uica, nas mãos de alguns intérpretes que ninguém ele alguns ritos que pouco entendiam, pensando q ue
no meava o u legitimava, a não ser eles mesm os, admi- ;issim iriam se livrar da lama e cios terrores do Hades,
tia desde o princípio notáveis variações entre os seus e q ue ficariam a desfrutar de uma existência feliz, co-
diversos seguidores e transmissores 17. mendo e bebendo diariamente em outro m undo. Ou-
A isto, soma-se uma circunstância fundamen tal: tros queriam apenas q ue se lhes vendessem uma magia
trata-se de uma forma de religião que deseja dar res- de Orfeu ou uma maldição para livrar-se de uma dor
posta a necessidades muito básicas do ser humano, de dente o u de um inim igo indesejável. Outros, ao in-
como podem ser a aspiração à imortalidade, os desejos vés disso, acreditavam encontrar no texto órfico uma
de aproximar-se de uma divindade de m odo m enos mensagem religiosa, filosófica e até m esmo científica
distante e oficial do que as religiões do Estado e o an- profunda, para o que o intermediário ape rfeiçoaria,
seio por uma .valoração do individuo não dependente em cada caso, seus métodos de investigação.
de considerações sociais e, portanto, mais igualitária. Podemos traçar os do is extremos do que devia ser
O o rfismo (ou, se assim o desejarmos, o orfismo e os um espectro muito amplo de modos de senti r e trans-
movimentos similares, já que é um problema determi- mitir o orfismo. Uma linha, que poderíamos deno-
nar o nde se situam os limites entre eles) seria um tipo minar "degradada", insistia em oferecer uma solução
rápida aos problemas deste mundo por meio de cele-
bração m ecânica de ritos que tão-somente por m era
16. Casad io 19906, 197. celebração prometiam a segurança de um destino m e-
17. Cf. Casadesús 2006. lhor na o utra vida. Nesta m esma lin ha, se situavam as

24 25
soluções mágicas atribuídas a Orfeu, cujo mito con- .lv~tc mundo e uma posição de preeminência no Além.
tem aspectos próprios da magia. Outra linha, em sen- < 'nm ele, transformavam o elitismo social em elitismo

tido totalmente contrário, tratava de depurar a men- ,·" .1tológico e substituíam o yr.voç heroico por um
sagem e dar-lhe uma perspectiva filosófica e profunda. y{:voç cósmico, mesmo que de acordo com o modelo
Entre ambas as linhas temos, certamente, os d.,s fo rmas de expressão literária próprias de Homero 19 •
simples crentes que tratavam de levar uma vida justa e O que denominamos orfismo é, então, um fenôme-
participavam do rito que lhes oferecia esperanças para 110 um tanto magmático e se poderia discutir o que é

o Além como uma forma sincera de preparar-se para propriamente órfico e o que não o é no arco de possi-
a morte. bilidades que tracei. Pareceu-me, vale dizer, mais opera-
Nilsson 18 considera que o orfismo surgiu em i ivo manter tal arco, sem intervir dogmaticamente no

um meio que qualifica de "movimentos nebulosos e que não era dogmático, e tornar "órfico" em um sentido
supersticiosos que apelavam mais a gente iletrada que .unplo, para me referir a este conjun to de poemas, cren-
a m entes altas". Entendo que tal convicção pode ser \·as e rituais, relacionados com os mistérios, o dionisía-
apressada. Não podemos simplesmente aceitar tal t'O, a transmigração das almas e um Além com prêmios
pressuposto levarmos em conta, por um lado, que e castigos. O importante é compreender um fenómeno
alguns testemunhos claramente órficos, como as rel igioso e não discutir por meio das etiquetas que serão
lâminas, estão escritos em ouro e foram guardados postas sobre cada manifestação deste fenômeno. Tudo
em tumbas espetaculares, como o timpone grande de isso sem prejudicar o fato de que esta investigação possa
Turios, e por outro, que os postulados da doutrina servir, em alguma m edida, para precisar algo mais e fi-
órfica atraíram, como veremos, monarcas sicilianos e xar-se nos detalhes do que aqui apresentei como esboço
outros ricos clientes de Píndaro, o que aponta para de traços sobremaneira espessos.
o elevado status socioeconômico e político de alguns Para proceder com certa ordem, dedico a primeira
adeptos do· orfismo. Inclusive chamou a atenção de parte do livro aos testemunhos de Platão sobre O rfeu
Platão, protótipo de aristocrata ateniense. Tudo isso (§ 1) e sobre os seus seguidores (§ 2). D edicarei espe-
indica o contrário do que Nilsson propôs, que o cial atenção à forma segundo a qual Platão irntroduz
movimento órfico surgiu, o u pelo menos teve um suas referências a Orfeu e aos órficos porque, comove-
especial êxito, em meio à aristocracia de certos lugares remos, o resultado desta análise joga enorme luz sobre
que preferiam buscar sua identidade fora dos limites a atitude que Platão tem com os textos órficos, com

18. N ilsson 1935. 19. Cf. l-lerrero 2008, repassando propostas anteriores.

26 27
o seu suposto autor e com seus seguidores, o que nos Ao fina! aparecem elencadas as referências bibl io-
permite avançar consideravelmente na interpretação gdÍicas que no curso da obra se ap resentam de forma
dos seus testemunhos. De igual maneira, a compara- .direviada. Completam a obra um índice de passagens
ção desses com os de outros autores ajudará a determi- 1 iLadas e outro analítico.

nar em que medida podemos considerar confiável o A pretensão de um livro como este, escrito por
que o filósofo nos diz. 11111 filólogo, é, antes de tudo, a de oferecer um ins-

Na segunda parte, trato de avaliar em que medida trumento de trabalho útil e maneável, um repertório
se pode detectar a presença de crenças órficas em di- organizado de textos significativos e uma depuração
versos temas referidos, analisados ou modificados por da análise de seu significado em sua época e em seu
Platão, como os mitos cosmogônicos e teogôn icos, os contexto, que permita aos interessados aprofundar-se
modelos do cosmos, a imortalidade da alma, a relação depois more phiLosophico nas múlt iplas e interessantes
desta com o corpo, o m ito de Dioniso e dos T itãs, as questões que se apresentam 20•
imagens do Além , a justiça e a retribuição, a image m
de Zeus, os rituais e iniciações.
Na terceira parte se examinam os métodos da
transposição platônica e na quarta faz-se um balanço
do quadro do orfismo que podemos traçar na época
do filósofo e da sua atitude diante das questões ma.is
importantes, de modo que se estabeleçam as linhas ge-
rais da história da recepção do orfismo antes e depois
de Platão.
Em um apêndice, trazemos o texto grego e a tra-
dução das passagens referidas, em páginas enfrentadas.
Cada uma delas leva um número, precedido pela letra
T, que remeterá também às referências entre colchetes
ao longo do livro, o que permitirá encontrá-las com
facilidade no apêndice. Após alguns testemunhos pla-
tônicos aparecerão outros, de outros autores, que tra- 20. Desejo explicitar o meu agradecimenro mais profundo a Marco
rão o mesmo número de passagem de Platão, porém , Anronio Sanramaría, q ue leu uma primeira versão da obra e fcr
inúmeras ohscrvaçõcs valiosas, que sem dúvida, a enriqueceram,
seguido de uma letra minúscula (por exemplo, Tl8a, e à Sílvia Porrcs, que confeccionou os índices e revisou o texto,
186 etc.). livrando-o de não poucos erros.

28 29
1.

REFERÊNCIAS D E
PLATÃO A ORF E U

1.1 A LIN H AGEM DE O RFEU

º
exame das passagens em que Platão cita Orfeu
como personagem nos mostra que, em geral,
, ompõem um quadro bastante fiel do q ue pod ería-
111os deno m inar sua "lenda padrão", mesmo que com
.dgumas inovações q ue considero mui to significativas.
( :omecemos p ela sua linhagen:i.
N o Banquete, Orfeu é mencio nado co mo fi lho de
l•'.,1gro 1, rei da Trácia, uma genealogia q ue enco ntra-

1. PI. Symp. 179d (OF983) [T l ]. /\ parcir desce po nco as referên-


cias enrre parênteses precedidas por OF se referem aos números
de fragmencos na edição dos Orphica, publicada pelo aucor desce
livro cm 2004-2007. Po r sua vez, os números precedidos por um
T enrre colchetes remerem aos cexros do apêndice, de acordo com
o que fo i indicado na Introdução.
mos em múltiplos testemunhos2• Porém, de acordo Fm outra do Timeu, na qual se refere de forma
com uma tradição alternativa, da que calvez ten hamos ao autor de uma teogonia órfica:
1111111r:1

pistas em um verso pindárico, Orfeu era filho de Apo-


lo3. Poderia se pensar que Platão se vale dessa tradição Deve-se dar crédito ao que falaram antes dele,
alternativa em uma passagem da República, na q ual que eram descendentes de deuses, segundo
fala de Orfeu e de Museu de fo rma alusiva: afirmavam, e que, de alguma forma, conhe-
ciam com clareza os seus antcpassados5.

É também enorme o poder das teletai e dos


Se, com efeito, fosse correto d izer qu e P latão reflete
deuses libertado res, co mo d izem as cidades
11111:1 dupla trad ição (Orfeu, fi lho de Eagro e Orfeu,
mais importantes e os fil hos de deuses con-
filho de Apolo), a duaJidade poderia ser explicada pelo
vertidos cm poetas e profetas dos deuses•.
f.110 de que na passagem do Banquete quem fala é Fe-
dro, um il ustrado, que p refere uma versão mais "hu-
2. Cf. OF890-894. Pela sua antiguidade, vale destacar um fragmen- 1,1anizada" da lenda do cantor trácio, enquanto que,
to de Píndaro (Pind. fr. 128c Machl. = 56 Cannatà Fera = OF 11.1s outras duas, o personagem Sócrates, ironicamente
91 2 1) IT Ia]) e outro papiráceo (P.Oxy. 53.3698) atribuído a
011 não, se vale de Orfeu, enquanto dotado de auto-
Eumclo por Debiasi 2003 (OF 1005a 1) IT I b] . Por sua novida-
de, também devo citar um poema lírico anônimo recentemente r idade divina, como fiador de determinadas ideias,
publicado (cf. Rawles 2006) IT lc]. ~eja para as crenças escatológicas com partilhadas por
3. Pind. Py. 4.1 76s. (OF 899 1) IT lei] " Da pane ele Apolo (eE. t erro seto r dos cidadãos, na passagem da República,
"AnóAAwvo<;) chegou o citarista, pai dos cantos, o bem-afa-
mado Orfeu". Digo "talvez", po rque a alusão !:E. 'AnóAAwvoç seja para um relato cosmogônico que será, grosso modo,
é sobremaneira ambígua, já que pode querer dizer que Orfeu é aceito pelo próprio autor no Timeu.
filho ele Apolo ou que pertence ao seu circulo, como canto r que é. O mais provável, vale dizer, é que não seja necessário
Provavelmente o que provocou a confusão entre os comcnraelores
recorrer a tal hi pótese, visco que a vaga al usão à o rigem
antigos e modernos não é mais do que uma sutil e deliberada
ambiguidade procurada pelo próprio poeta beócio; cf. Braswcll divi na de O rfeu nos testem unhos que acabo de citar po-
1988, ad loc., com referência às hipóteses anteriores. Em todo deria jusáficar-se simplesmente porque a mãe do poeta,
caso, como destaca Colli 1981 , 389, não deixa ele ser curioso que segundo a trad ição mais aceita, foi uma Musa, Ca1íope6.
Pind. fr. 128c Machl. = 56 Cannarà Fera = OF 912 1) [T I aj
aplique a Orfeu o epíteto "de áurea espada" (XQUOl:XOQOÇ) com o
q ua l qualificam Apolo tanto Hom. !l. 5.509, 15.256, quanto ele
mesmo (l'y. 5. 104), o que parece indicar que, também aqui, Pín- 5. PI. Tim. 40d (OF21) [T 2] . O com irônico se acentua um po uco
daro sugere uma estreita relação entre o bardo e o deus citarista. adiante, quando Piarão diz que tais poetas, quando se referem aos
4. PI. Resp. 366a (OF574) IT 43 1. Cf. Linforrh 1941 , 9 l ss. Sobre o deuses, "falaz de coisas de fam ília".
termo teletai, cf. § 1.2. 6. Outras fomes citam outros n omes; cf. OF907-91 I.

34 35
Platão se vale de tal tradição quando se refere, d,1 cultura'º. Masaracchia 11 conclui em sua investig;a-
como quase sempre, de forma pouco explícita à mãe \•'º das citações platónicas que o filósofo considerava
de Orfeu e de Museu na República: t lríeu muito anterior a Homero e que entendia que a
1 11ltura poética e religiosa tradicional se compunha de

Aportam uma profusão de livros de Museu elo is momentos distintos e sucessivos: um mais antigo,
e Orfeu, descendentes, como dizem, da Lua encabeçado por Orfeu, e outro mais moderno, enca-
e das Musas7 • ht:çado por Homero.

Não parece casual que Platão, nas três passagens


em qu e alude a uma origem divina de Orfeu, sublinhe
1.2 ORFEU, POETA, PROFETA
o seu distanciamento dessa ideia por meio de expres-
E MÚSICO MARAVILHOSO
sões da sua falta d e convicção, como "com o dizem",
o q ue confere às suas referências uma tensão irónica8 •
No texto já citado da República, Platão diz ser Or-
Contudo, sendo ou não iró nico, um homem que res-
lcu um "poeta'' 12• Em outros teste munhos, refere-se à
peita tanto a tradição religiosa como Platão não chega
~na condição de citarista. Em um, do fon, o alinha a
a negar frontalmente a lenda de Orfeu, que parece es-
outros músicos lendá rios 13:
ta r bas tante consolidada em sua época.
Também parece claro que Platão considere Orfeu
Ademais, parece-me, nem o som da Aauta ou
- assim como Museu - um personagem muito antigo. da cítara, nem o canto com cítara, nem nos
Menciona-o duas vezes antes de H o mero e l-Iesíodo9 dos rapsodos terás visco um homem que te-
e também o inclui entre os primeiros descobrido res nha autoridade para tecer comentários sobre
Olimpo, Tamiras, O rfeu ou Femio, o rapso-
do de f caca e que, ao invés, apenas para Íon

7. PI. Resp. 364e (OF573 I) IT 3]. Entende-se que são "filhos da Lua 1O. PI. Leg. 677d (OF 1017) [T 9] .
e das Musas" rcspectivamente e que "das Musas" é uma generaliza- 11. Masaracchia 1993, 183.
ção irônica de "de uma Musa". · 12. PI. Resp. 366a [T 43) .
8. PI. Resp. 366a (OF574) [T 43]: "como dizem as cidades mais im- 13. Com efeito, de Olimpo se diz no Banquete que era discípulo de
portantes"; Ttm. 40d (OF 21) [T 2]: "segundo afirmavam"; Rcsp. Marsias (PI. Symp. 2 15c) e é citado em PI. l eg. 677 d entre outros
364c (OF573 1) [T 44]: "como afirmam". Cf. Weber 1899, l2ss.; personagens mitológicos; no que diz respeito a Tamiras e Femio,
Taylor 1928 nd 40d; West 1983, 6; Sorel 1995, 11. ambos são mencionados por Homero ("famiras, em ll 2.595 e
9. PI. ApoL. 4 1a (OF 1076 T) [T 5), lon 533b (OF973) [T 4). Femio, em Od. 1.154 etc.).

36 37
te encon tres em apuros e não consigas dizer 11p11tados e o selecione como um dos personagens
quais cantos recite bem ou não 14 • , 11111 o qual o comum dos seus ouvintes quereria se
1 111 ontrar faz supor que, não obstante as reticências

No Banquete, e também em um contexto total- pl.11 ônicas, a popularidade de Orfeu entre os cidadãos
mente mítico, a atividade do cantor trácio é conside- , 0111uns de Atenas (que compunham o júri) deveria
rada pouco valorosa 15• ·,1 1 grande, correlativa à alta consideração de criador

Por outro lado, em uma passagem da Apologia, Só- l11 nário 17 •


crates, para justificar que a morte não é uma tragédia, /\ tradição, ademais, atribuía à habilidade musical
pergunta quanto daria algum dos seus juízes para se ill' Orfeu qualidades sobre-humanas. Era proverbial,
encontrar no Além com determinados homens ilustres d<"sde os p rimeiros testemunhos, a fascinação que O r-
do passado: ft·11 exercia sobre os que o ouviam 18. Platão se refere a
nla qualidade em uma referência, m esmo irónica, no
Pois, ao chegar ao Hades, uma vez livre des- l'rotdgoras, na qual compara os discípulos dos sofistas
ses que afirmam ser juízes, alguém se encon- 1 om os seres fascinados pelo canto do citarista trácio:
tra rá com os verdadeiros juízes, os que apl i-
cam justiça ali: Minos, Radarnantes, Éaco
e Triptólemo, e com o utros sem i-deuscs, Muitos me pareceram estrangeiros, os que
quantos foram j ustos cm vida. Seria então acompanham Protágoras por todas as cidades
uma viagem sem importância? E quanto u m que passa, encantando-os com a sua voz como
de vós daria para estar jun to a Orfeu, Museu, Orfeu, e que seguem , fascinados, a sua voz 19•
Hes íodo e Homero? 16
Também se atribuía a Orfeu uma função religiosa,
O fato de que Sócrates, em sua defesa diante dos como profeta (e assim Platão se refere a ele na pas-
juízes, mencione O rfeu entre os poetas gregos mais

17. Para apoiar o que afirma, Sócrates alude ao privilégio de encontrar


14. PI. lon 5336 (OF973) IT 41, cf. Eggers Lan 199 1, l l ls.; Masar- no Hades os grandes poetas que já não se encontram entre os
acchia 1993, 183 n. 28. vivos, o apresentar-se diante dos verdadeiros juízes, os infernais
15. PI. Symp. 179d (OF983) [T 1]: "porque parecia, corno citarista (Minos, Radamanres, Éaco e Triptólemo), contrapostos, para ele,
que era, um homem débil". aos suposros juízes q ue acabam de condená-lo. Cf. § 9.2.
16. PJ. Apol. 4 1a (OF 1076 J) IT 5]. A passagem é citada por C ic. 18. Por exemplo, Simon. fr. 62 Page (PMG 567 = OF 943) e Eur.
Tiuc. l.98 e por Procl. in Pl. Remp. 1 157.8; II 3 l 2. 16 Kroll (OF Bacch. 560-564 (OF947) [T 6a-b].
5 17 [}. Cf. Linforth 1941, 106; Bernabé 20026, 62. 19. PJ. Prot. 3 15a (OF949 I) [T 6].

38 39
sagem já citada20) e fundador de rituais religiosos e < l1 f'e u e Museu surgem intimamente associados no
oráculos, de acordo com os testemunhos de múltiplas A111l1110 dos oráculos e mistérios. Aristófanes separa as
fontes ancigas21 , especialmente as chamadas teletai. O 111•, f 11nções, no encanto, normalmente se lhes atri-
termo 'CE/\€'[~ se traduz frequentemente por "inicia- l1111111 a ambos, indistintamente24 . É preciso também
ção". No entanto, é muito mais do que isso, dado que d, ,1.1t>;1 r que tais atividades não são consideradas con-
inclui diversos rituais, não necessariamente iniciáticos, 11.11 ,.,, às poéticas, mas como uma espécie de subgêne-
geralmente relacionado aos Mistérios e ao destino da 111 d,1 épica.
alma no Além 22 . Por isso, considero preferível manter <) que é curioso é que Protágoras considera Orfeu
o termo sem traduzi-lo para o português. Em outra , M11seu como predecessores da sua própria atividade,
passagem do P rotágoras, posta na boca do sofista, en- , .111111'lados pelas conveniências. Na boca do sofista,
contramos O rfeu igualado a Museu, como exemplo .1 , ornparação se refere à função, ao modo de vida:
de autores de teletai e oráculos: , 111110 os sofistas, os seguidores de Orfeu são persona-
Afirmo que a profissão sofística é antiga, mas que v.i·11s que vão de uma cidade a outra, fora da sua pátria,
os que a professavam entre os varões de então, por te- 11 .111smitindo uma determ inada forma de verdade25;
mor do aborrecimento que provoca, disfarçaram e se 1'11rém, por meio de Platão se pode ver um segundo
encobriram, uns com a poesia, como Homero, He- \l'1ttido na referência. Com efeito, Segal encontra urna
sfodo e Simô nides, outros, até mesmo com teletai e -.111il unidade entre as duas citações vinculadas a O rfeu
oráculos, como os seguidores de Orfeu e de Museu 23 . 11esse diálogo26 . Com a comparação do fascín io dos
discípulos do sofista com o produzido pelo canto de
( )ríeu, Platão quer sugerir que a retórica de Protágoras
20. PI. Resp. 366a (OF574) IT 431.
gera em seus ouvintes uma concordância quase hipnó-
21. Arisroph. Rrm. 1030- 1033 (OF5/i7 I) [T 7aJ: "Orfeu, com efeito,
nos ensinou as teletni e a apartamos das matanças", Ps.-Dernosth. 1ica, que desvia da busca filosófica da verd ade, como
25.11 (OF5 12) [T 7b] "Orfeu, que nos instimiu as mais sagradas o canto mágico de Orfeu pode seduzi r, mas não aju-
teletnt', Eur.? Rhes. 9/i3-944 (OF 5 11) [T 7c] "as rochas dos se- da a chegar à verdade. Deste modo,' então, ao situá-lo
cretos 111is16-ios as mostrou OrFcu". Cf. Li11forrh 194 1, 68; Zunr,.
1978, 528; West 1983a, 16 n. 42.
22. Cf. Sfameni Casparro 1988; Jiméncz San C risróbal 2002a; 2002b.
A iniciação é apenas uma parte, a primeira, dos mistérios. Haveria 24. Aristoph. Ran. .1033 (= Mus. fr. 63; as referências aos fragmentos
outras celebrações de rnistrios que não eram iniciáticas, mas que de Museu serão sempre pela edição dos OJ-; fase. 3) [T 7a) (con-
seriam celebradas para já in iciados. tinuação do verso cir. na nota 2 1) "e Museu [nos ensinou) a cura
23. PI. Prot. 316d (OF5/i9 1) [T 7]. Cf. Linforrh 194 1, 71ss.; Zu,m de enfermidades e os oráculos". Sobre Museu cm Platão cf. § 1.7.
1978, 528; Wesr 1983, 16s, n. 42; Segai 1989, 16s.; MarrÍl1 25 . Cf. § 2.4. 1
H ernández 2003, 59s. 26. Segai 1989, 16s. As citações são PI. Prot. 3 15a [T 6] e316d [T 7).

40 41
como precursor da sofistica, Platão alinha as d o utrinas l 1 \' ll1H>S Orfeu citado como criador de mistérios e
d e Orfeu com a dos novos intelectuais d e Acenas no 111. , l'm outras fontes se nos apresenta como des-
âmbito da aparência (ból;a), oposta à verdade27. Tam- 1111.!111 d;i escrita ou mesmo do metro dactflico3 1; no
bém funcionará perfeitamente neste modo de avaliar Ili 111111, l.inforch estranha, com razão, o fato de que
Orfeu a curiosa variação que Platão nos dá do mito do 1111, 11\ ,I0 da música e d a lira sejam atribuídas espe-
frustrado resgate da sua falecida esposa28 • 1111 .11111·nre a outros neste mesmo contexto, quando
, \)w1.1ria que fossem imputadas ao poeta trácio32.
(, •111,· posso dizer é que Platão atribui a Orfeu odes-
1.3. ORFEU, DESCOBRIDOR 11l111111t·11to de algo que, em todo caso, se considera
11111'1111.tnte para o progresso do gênero humano.
Nas Leis, Platão se refere a hab ilidades não espe-
cíficas d e O rfeu; como "descobridor" 29 de algo que,
diante da falta de clareza da passagem, os comentado- 1.4. ORFEU DESCE AOS INFERNOS
res discutiram:
<:rucial na lenda de Orfeu é a sua descida aos in-
Eis qu e durante milhares de anos estas in- f, 1111,s para buscar sua esposa e trazê-la novamente ao
venções escaparam aos homens de então e 111111,Jo dos vivos, um tema que nos é conhecido prin-
que há mil ou dois mil anos, umas se ma- ' q,.dmcnte pelas versões poéticas de Virgílio e Oví-
nifestaram a Dédalo, outras a Orfeu, outras ,1,o 11• Os numerosos pontos d e coincidência entre os
a Palamedes, a técn ica musical a Marsias e a iln1 \ relatos parecem indicar que ambos procedem de
Olimpo, e a da lira a Anfião, e a outros, ou- 11111;1 fonte helenística comum. Bowra postulou que o
tras muitas, nascidas, por assim dizer, ontem
ou antes de onremJo_

l.inforrh 1941, 36s.; Masaracchia l 993, 182; Schêipsdau 1994,


27. Poderíamos aludir ainda a um traço comum que Platão também 362s.
poderia ter presente: tanto os iniciadores órficos quanto os sofistas 11. Da escrita, em Diod. 3.67.4 (= Dionys. Scyt. FCr/-list32 F 8, la
cobravam por serviços que o filósofo considerava não devessem 32 = fr. 8 p. 135 Rustcn), registrado como OF 1026, e Alciclam.
ser cobrados. Cf. PI. f'rot. 31 0d, 31 16-c. Ulix. 24 (p. 32 Avezzú = 30 Muir = OF 1027) . Do metro dactí-
28. Cf. § 1.4. lico cm Crírias 13 3 D.-K. (OF 1029), invenção que, sem dúvida,
29. O que em grego se diz UJQW'IOÇ CÚQc1:f]ç. Cf. Klcingünrhcr Democr. B 16 D.-K. atribui a Museu (Mus. fr. 29 1).
1933, 38s. 12. Linforcl, l94 1, 37.
30. PI. leg. 677d (OF 101 7) l'l' 9). Cf. Rathmann 1933, 60 n. 17; B. Verg. Ceorg. 4.453ss., Ovid. Met. 10.1ss.

42 43
infausto final que nos narram Ovídio e Virgílio seria uma 1111 entanto, suas palavras não indicam que na versão
invenção de tal fonte e que o mito em sua formulação 11111ga do mito, a que o público deveria conhecer, a

mais antiga teria terminado com um final feliz, a liber- 1vr·ntu ra do poeta apaixonado teria êxito ao seu final.
dade de Eurídice e o seu retorno ao mundo dos vivos34• t-. l.1is ai nda: Macías37 considera que Eurípides jogou
Não obstante isso, não há nas fontes antigas ne- , , u11 a ironia trágica para intensificar a covardia de Ad-
nhum testemunho conclusivo sobre este suposto final 11 ll'I O, que foi capaz de deixar a sua esposa morrer em

feliz 35 . Frequentemente são citados, em apoio à teoria ,n, lugar.


do happy end, alguns versos de Alceste de Eurípides, Tampouco uma rápida alusão de Isócrates apoia de
nos quais Admeto, depois de ter aceitado que a sua 111oclo suficien te a hipótese de Bowra:
esposa Alceste morresse cm seu lugar, é cínico o sufi-
ciente para lançar uma boutade sobre os seus desejos Enquanto que ele (Orfeu) conduzia de volta
de possuir os poderes de Orfeu para poder, também os mortos do Hades38 •
ele, recuperar sua esposa:
Referência que parece aludir mais à capacidade de
Possuísse a língua e o ca n to de Orfeu, ( )rfeu que à realização desta habilidade em termos
de sorte que à filha de Dcméccr ou a seu esposo práticos. Não nos esqueçamos de que não encontra-
pudesse comover com os meus hinos e arre- mos em nenhuma fonte testemunhos da história pos-
batar-te do I-lades, ll:rior de Orfeu e Eurídice, depois da sua hipotética
baixaria, e nem o cão de Plu tão volta ao mundo dos vivos, mas, isso sim, reiteraidas
nem Caronce, que com o remo acompanha menções ao desespero dele diante do fracasso.
as almas Há inclusive um valioso testemunho iconográfico
poderiam deter- me, até que trouxesse rua
que nos confirma que a versão narrada pelos poe tas
vida à luz36•
latinos era a primitiva. Trata-se de um magnífico re-
levo de mármore atiço, conservado em cinco cópias
Sem dúvida, o texto não aponta de modo conclusi- romanas, a melhor das quais é, sem dúvida, a ,que
vo para um final feliz. Admeto se refere tão-somente à podem.os admirar no museu de Nápoles. O original
capacidade de Orfeu para comover Hades e Perséfone;

34. Bowra 1952. Repete a ideia Robbins 1982, 15s. 37. Macías 2008, que oferece um completo estado da questão sobre
35. Cf. os dados fundamentais da discussão em OF fase. 2 p. 444s. este ponto tão discutido.
36. Eur. Ale. 357-362 (OF980) [T l c]. 38. lsocr. Busir. 10.8 Marhieu-Brémond (OF982) [T I f].

44 45
deve ser obra de um escultor do circulo de Fídias, pro- 11111 11m rcgistros até as versões latinas; em todo caso,
vavelmente do final do séc. V a.C., e para os nossos 11111 clr,taca Graflº, todas as fontes se interessam mais

propósitos é inútil a dúvida de atrib uí-lo a Calímaco 111 1'1oprio fato de que Orfeu desce ao Hades e con-
ou a Alcámenes [fig. l]. Mesmo que se tenha discuti- 111 , omover os deuses infernais com o poder da sua

do bastante a interpretação da imagem, a mais aceita 1111 h .1 1· d:i. sua palavra do que pelo final da história.

é considerar que ela reflete o momento em que Orfeu, 1 l Lno é que Platão também se vale deste motivo
em uma postura em que claramente dá meia-volta, 1111 .l1•,, 11rso de Fedro no Banquete:
despede-se de Eurídice, a quem Hermes pega pela
mão para voltar a levá-la para o mundo infernal 39 • No entanto, expulsaram Orfeu, filho de Ea-
gro, fracassado, do Hades, depois de lhe te-
n.:m mostrado uma imagem da sua mulher,
l" lll busca d e quem tinha ido, porém, sem

cnrregá-la, porque lhes parecia, como citaris-


ta que era, um homem débil e que não tinha
se atrevido a morrer por amor como Alceste,
mas que era capaz de arquitetar para entrar
vivo no Hades. Precisamente por este moti-
vo lhe fizeram sofrer castigo e p rovocaram a
sua morte pelas mãos de m ulheres41 •

'làmbém aqui a viagem de Orfeu ao H ades resulta


11111 fracasso42; porém, o texto contem muitos outros

10. Graf 1987, 82.


11. PI. Symp. l 79d (OF 983) [T !J. Cf. Robbi1ls 1982, l 7s.; Nagy
Por tudo isso, parece mais verossímil a ideia de que 1990, 208s.; H eath 1994, 180s.
este episódio do mito apresentava um esquema relati- 1)., Já se mencionou a este respeito também PJ. Phaed. 68a: "certo é
q ue muitos, quando morrem os seus queridos, mulheres ou filh os,
vamente uniforme e com escassas variações desde os quiseram ir para o Hades de bom grado". Hackforch 1955, ad
loc. não crê que se fale de Orfeu e sugere uma alusão a Evadne ou
Jocasta. A meu ver, trata-se apenas de uma alusão geral ao desejo
39. Cf. as referências e a discussão em O lmos 1998, 12ss. e 2008. de morrer que invade aqueles que perderam entes queridos.

46 47
aspectos dignos de atenção. Em primeiro lugar, se trnoo .d, ,111ça a ve rdade. Para Segal, o que está por detrás
compara negativam ente O rfeu e Alceste. Não é for- 111 11101ivo da im agem enganosa (cpáaµ a ) d e Eurí-
tuito, por sua vez, que nos versos já citados da A lceste 1l1i, ,. .1 mesm a concepção platónica, segundo a qual
de Eurípides se fizesse referência a Orfeu. Aliás, parece 11, .11110 poético é ilusório e não tem nada a ver com
bastante evidente que tal passagem inspira a com para- ,, 1, .il. Orfeu pode encantar os deuses - aspecto que
ção p latónica. A declaração de Admeto, nas circuns- , , 11poc, mesm o que não explícito em nosso texto-,
tân cias descritas na tragédia de Eurípides, não é senão 1111, ,l· u amor é tão fictício quanto o seu canto, e po r
uma patética dem onstração de egoísmo que toca o 1ij,11 IL'Ccbe em troca, merecidamente, uma aparência,
rid ículo: a valente Alceste que aceita a morte se con- 11111,1 ilusão tam bém. Platão reelaborou de forma so-
trapõe ao covarde Admeto, q ue a deixa mo rrer em seu l11,•111:1neira refi nada a lenda a fim de enq uadrá-la em
lugar e que, vale dizer, tem o cinismo de declarar que , m pró prios esquemas de pensamento. Por detrás do
desejaria ter a possibilidade de ir vivo ao H ades po r 11w11osprezo pela arte do citarista demo nstrad a pelos
ela. Platão assume essa contraposição; no en tanto, os d, 11scs, há o menosprezo experimentado pelo próprio
seus termos são agora Alceste e o próprio Orfeu, con- l 1l.11ão. E em sua versão de que os deuses devolvem
vertido ass im m esmo no paradigma da covardia. Co- 111gr1no com engano está a sua ideia de que niío é re-
vardia de poeta13 que não foi capaz de morrer por amo r. 1 o rrcndo a recursos formais, externos, nem a.o ensi-

P latão, entretanto, não para po r ai, mas desenvolve 11.1mcnto enganoso dos poetas, nem, como veremos,
este motivo no sentido de que os deuses castigam a ., ri tuais mais o u menos mágicos, que o ho mem pode
covardia de O rfeu com um engano, substituindo sua , 0 11quistar uma situação p rivilegiada no Além. Mais
amada por uma mera imagem. .,inda: Platão considera que esta não é uma fo rma de
Por que esta curiosa variação da lenda, este engano, , I.' relacio nar com os deuses em geral, já que não deve-
que substitui a versão primitiva, na qual se castiga a in- mos tratar de impor-lhes a nossa vontade, mas de nos
capacidade do poeta trácio de respeitar a proibição de wbmeter aos seus desígnios.
olhar para trás? Aqui devo voltar à interpretação q ue
Segai"" oferece das passagens do Protágoras nos termos
de que o canto mágico de O rfe u pode persuad ir, m as 1.5. A MORTE DE ORFEU

O texto platônico que estamos exami nando, tão


43. Cf. as interessantes indicações sobre este aspccto de Linforth repleto de conteúdo, nos dá ainda outra inform ação
194 1, 20.
interessante: uma indicação sobre a morte de O rfeu.
44. Segai 1989, 16s.

48 49
Sobre ela corriam duas tradições, bastante parecidas 111t·rccido por isso, mesmo que não tivessem
entre si e difíceis de separar45 • Em ambas, Orfeu mo r- ,.ildo impunes, mas que (...) Orfeu, o que
ria pelas mãos de mulheres enfurecidas, ainda q ue 111ais se ded icou a cais temas, acabou a sua
uma delas fosse m mênades, isto é, personagens do vida despedaçado48.
séquito de Dioniso (uma tradição tão antiga quanto
Ésquilo, em sua tragédia Basdrides46), em outra, eram 11,1 1,1 Eratóstenes, por sua vez, seguindo Ésqui lo, o
simplesmente mulheres trácias. Os motivos do ataque 111111 tvo da morte é que O rfeu tinha se desentendido
também variam de acordo com as fontes. Para alguns, 11111 o culto de D ioniso, mas muitas das fontes prefe-

trata-se de um castigo, e assim lsócrates co nsidera que 11111 , 011siderar que as mulheres enfurecidas fizeram o

o poeta foi punido por conta dos temas escabrosos tra- q111 fi ,cram por despeito, já que Orfeu as menospreza-
49
tados em seus poemas: \ 1, 11111sumido pela saudade de Eurídice • Vale dizer,

1111 rndo caso, que é habitualmente Dioniso, encoleri-

, u lo, quem as envia5°.


Sob re os próp rios deuses fizeram relatos
( :omo vimos na passagem do Banquete, Platão pre-
como n inguém se atreveria a contar sob re os
f, it· a versão segundo a qual Orfeu morre pelas mãos
seus inimigos. Não apenas os acoimaram ar-
dilosos, adú lteros e subm issos às ordens dos .J,· , imples mulheres, mas acrescenta um novo detalhe,
homens, mas inclusive os d isseram devora- 11 de que tal fo rma de morrer é um castigo para a sua

dores d e filh os, castradores de pais, aprisio- , ovardia. Trata-se, provavel mente, de uma sua própria
nadores de mães e muitas o utras transgres- 11liscrvação, visto harmonizar-se perfeitamente com a
sões das lcis47. E não paga ram um castigo \11,l profund a reinterpretação do mito ao q ua.1 já se fez

.ilusão. O filósofo insiste neste mesmo tema em outra


p,tssagem, desta vez, da República:
45. Sobre as versões da morte de O rfeu, cf. a completa análise de Pois afirmou (Er) que tinha visto ali (no Hades),
Santarnada Álvarcz 2008. tomo a alma que fora de O rfe u escolhia a vida de um
46. Aesch. fr. 82 Mcttc = p. 138 Radt, cf. Wesc 1983b, 64-67; di
Marco 1993.
47. Cf. Xenoph. fr. 15.3 Gcnt.-Praco (= 8 11 0.-K.) : "Homero e mesmo que se deva reconhecer que a brevidade do passo não ga-
H esíodo atribuíam aos deuses rudo aquilo que enrre os homens é rante cal imerprcração.
motivo de vergonha e reprovação: roubar, adulterar e enganar-se '1 8. lsocr. Busir. 10.38 Marhieu-Brémond (OF 26 II) [T 22a] . Cf.
uns aos outros". Xcnófanes não eira Orfeu, algo que provoca o §4.2.
comentário de Li nforrh 194 1, 140, segundo o q ual isco poderia li<J. Eracosth. Cntnst. 24 (p. 166ss. Pàmias = 140 Robert = OF536 I y
fazer pensar que os poemas órficos q ue provocam a censura de 1033 ]).
Isócrates ainda não tinham sido escritos na época de Xcnófanes, 50. Cf. OF 1032-105 1.

50 51

UFRJ
INSTITUTO OI
ºIL0!;0f1J.\ 1
c1,Nc1.a.s socwa
cisne, por aborrecimento do sexo feminino, já que não \ .d11sfo não é, vale dizer, muito clara, e boa prova
queria nascer engendrada em mulher po r causa da mor- h 11 •,.10 as diferentes interpretações que recebeu por
te que sofrera pelas mãos delas. Tinha visto também a 1,111, cio.~cstudiosos modernos. E nquanto Guthrie crê
alma de Tamiras, que escolh ia a vida de um rouxinol 51 . I''' •,, 1r:1te de autênticos Hinos de Orfeu, semelhan tes
Orfeu, morto pelas mãos de mulheres, as abomi- 11 , 0111idos no conjunto tardio que nos chegou, Lin-
na. Vale a pena destacar dois detalhes desta passagem. 1111 d, 11cga que exista poesia órfica na forma de hirios
Um, que aqui Platão apresenta Orfeu em relação com 11,, 111>Gl de Platão, e considera, pela mesma razão, que
o tema da transmigração das almas, uma doutrina que I'"' 111 ia estar pensando em hinos de Tamiras, de cuja
a Antiguidade, entre outros, atribuía ao poeta mítico. _,,,,t'.•ncia não se tem nenh uma evidência. Da mes ma
Outra, que não deixa de ser curioso que o mito de 1111111.1, West acredita que Platão apenas se refira à len-
Er, qu e tanto deve ao orfismo, acabe por mencionar il 111.1 habilidade poética do nosso personagem 54 • D e-
o bardo trácio52, como uma espécie de sinal literár io ~' \l' ter em conta, aliás, que mes mo que üµvoç não
dirigido ao leitor. É interessante assinalar também que , 1,1 precisam ente uma palavra de sentido específico e
a misoginia de Orfeu é aqui uma consequência da sua 111 v.1riável em grego antigo 55 , não é menos certo que
morte pelas mãos das mu lheres, e não, como em ou- l'l.11.10 se referisse claramente a um Hino a Zeus que
tros autores, a sua causa. . d,emos atribuído a Orfeu, ainda que provavelmente
lm\1: parte de uma Teogonia, e que o comentador do
!},piro de Der11eni, um autor anônimo normalme nte
1.6. REFERÊNCIAS A 013RAS DE ORFEU
, o nsiderado do final do séc. IV a.C., citasse o mesmo
111110 a Zeus e também um verso do poeta sobre De-
No que diz respeito à produção de Orfeu, Platão se re-
111éter, que, segundo ele, se encontrava "nos ffinos" 56;
fere a ele nas Leis como autor de Hinos, tal como Tamiras:
E que ninguém se atreva a cantar uma composição
de má fama, nem que seja mais doce do que os hinos ~ 1. Curhric 1952, 12; Linforch 1941 , 29; West 1983a. 265, q ue, 110
de Tamiras e dos ó rficos51 . índice de fragmentos do seu estudo sobre os poemas órficos, trata
este testemu nho com as palavras: "Orfeu como cantor lendário de
temas divinos". Também mostra as suas dúvidas sobre a q uestão
Zieglcr 1942, 14 15.
5 1. PI. Resp. 620a (OF 1077 1) [T 8]. Vemos que Platão eira nova- 'i'i. Veja-se o leque de significados desta palavra em Càssola 1975, X-XII .
mente Orfeu junto a Tamiras. Cf. Lanata 1963, 268s.; Restan i 'i6. P.Derv. col. XXI 1 11- 12 ( OF 398) [T 10a]. Para os testemunhos e
1994, 192. fragmentos de hinos órficos, além dos da mais conhecida coleção
52. Sobre o imaginário escatológico platônico cf. § 9. tardia, editada recentemente por Ricciardelli 2000, cf OF680-705;
53. PI. Leg. 829d (OF68I) [T 10]. Cf. Bernabé 2008, cap. 19. Morand 200 1 e, para as versões do hino a Zeus, Bernabé 2007a.

52 53
motivo pelo qual não se deve descartar que Platão pu- U l1111 1pktamente mitológica, nem completamente
desse fazer alusão a autênticos Hinos de Orfeu. •~" 1 ,nas que se tomava por autoridade, de um

Livros de Orfeu são citados em uma passagem bem 111. 11111 :1ssim dizer, semelhante à Bíblia, certamen-
conhecida e extraordinariamente significativa da Re- 111 ,1 taráter canônico que tinham os textos bíbli-
pública, ainda que agora ela nos in teresse apenas pela 11111 l'Scólio à passagem59 especifica que Platão se
maneira com que Platão se refere a tais obras: como 1, , , 1Hll a sua menção a cais "livros", a urna ampla
uma "profusão de livros" 57 • lh d,· manifestações sub-literdrias relacionadas à re-
Devo destacar, an tes de qualquer coisa, que o fi- 111, 1.l.,dc popular, inclusive com a magia, mas que o
lósofo fala expressamente de " livros", isto é, de lite- 1111.1,1.1, ao fazê-lo, identifica claramente os sacerdo-
ratura escrita, frente a obras de Homero e H esfodo, 11if 1u)s aos magos da sua época; não estamos segu-
anteriormente citadas de passagem, que eram conhe- 111 ,li- que esta situação possa se remontar tam bém à
cidas pelo pt'.1blico sobretudo por meio de recitações. 1, l'l.11.10. Por fim, ternos que destacar que Piarão qua-
Assim, pois, é característico dos órficos (como era dos
ltl1i ., o conjunto de obras atribu ídas a O rfeu com uma
sofistas) o uso de textos escritos, num momento em
I' d.1v1.1 grega que trad uzi por "profusão" (óµaboç) e
que eles estavam longe se impor como veículo de co-
q111 ,e aplica em grego ao ruído produzido por abun-
municação sobre o oral tradicional58 .
,t 1111 l·S vozes nas quais não é possível distinguir nenhu-
Platão acrescenta que pessoas inominadas usam
111-1, rn mo o barulho causado por múltiplas conversas
tais li vros em seus ritos (0urp10Aoümv) e celebram
1111,1uradas, que ouvimos em um lugar cheio de gente.
teletai. Seu uso por tais profissionais indica que de-
l .d como Platão as considera, portanto, as obras atri-
pendem da santidade da palavra escrita e que é a
possessão do texto escrito a conferir-lhes autoridade. l111ídas a Orfeu são muitas, contraditórias e confusas,
Platão não faz outra referência ao seu conteúdo, além il l\t,111tes de um coro harmônico, e não permitem ti rar
da indicação de que serviam de base para estes ritos, , h-1:is nada de claro. De início, não se trata necessa-
porém é impossível saber se continham mitos - que se 11.1 mente de uma crítica sobre toda a li ceraw ra órfica,
dramatiza.riam nos ritos ou seriam interpretados sim- 111,1s parece claro que o autor censura a proliferação e
bolicamente pelos praticantes - ou uma miscelânea, .,, contradições dos poemas de Orfeu.

57. PI. Resp. 364c (OF573 1) [T 44].


58. 'Cf. Linforrh 1941, 77. O orfismo é uma "religião do livro", nas W. Schol. PI. Remp. 36/ic (20 l Grccnc, OF 573 li) [T 3al "livros so-
acertadas palavras de Bianchi 1974, 130 [188]. Cf. Jiméncz San bre curandiccs, conjuras d e atadura, purificarórios, propiciatórios
Crisróba 12002c. e coisas semelhantes".

54 55
Eurípides também se refere a obras escritas por Or- l 1 11. 1 •,e de um anacronismo, já que tais seguidores
feu no Hipólito60 , pela boca de Teseu. O mítico mo- , ,1-i1.1m na época em que os atenienses situavam
narca ático, enganado por uma carta que sua esposa íl11 d.1 obra, mas, isso sim, a do próprio Eudpi-
Pedra lhe deixou antes de se matar, crê que seu filho l l,1 11 0s a impressão de que o trágico nos apresen-
Hipólito, que parecia rechaçar o contato com mulhe- 1, ·., 11 111ostrando aos órficos a mesma atitude que
res e desejava manter-se em estado virginal, tinha feito , 11.1 wr majoritária no establish ment da Atenas de
propostas desonestas à sua madrasta Fedra e que tais ttt , 1•111 :1. Teseu associa a atitude ascética de Hipóli-
propostas tinham provocado a morte dela (a real si- • 11 \C ll aparente desinteresse pelas mulheres com a
tuação era exatamente contrária, já que Pedra havia 1111111 .1 de viver dos órficos, com a sua comida vege-
declarado, sem resultados, o seu amor pelo enteado e 11.111.1 ("sem almà' ihpuxcx, é um termo usado por
tinha suicidado por conta da desfeita). Tomado pela 111 1goricos e 6rficos62) , a prática do êxtase e a leitura
indignação, Teseu considera seu fi lho um verdadeiro 1 li v,os, livros que para Teseu, assim como para Pia-
hipócrita, o que o leva a relacioná-lo com os "tartufos" i 111 , \.10 muitos e de escasso valor, daí a referência ao
seguidores de Orfeu: l11 11,10"6J_ O seu desdém com esta classe de pessoas
11 111 deixa lugar a dúvidas.

Agora ufana-te e vende que te alimentas 1>os livros de Orfeu nos fala também o cômico
De comida sem alma, e tendo Orfeu como \l1·xis, em seu Lino64, em uma época em que o livro
senhor
entra em êxcase61 enquanto honras o humo
de seus muitos escritos, 1, 1Por oposição a EfHpv xa "clo rad a ele alma", cf. PI. Leg. 782c [T
porque te pusestes em evidência. Desta clas- 1 1J. Alex. fr. 223 . l ss. K.-A., Antiphan. fr. I 33. l s. K.-A., M ne-
se de gente simach. fr. 1 K.-A., Eur. Cret. fr. 472. 18 Kan nicht [T 11 bl, Por-
phyr. Abst. 2.36, Soko lowski, Lois Sacrées Suppl. n. 1 16 p. 1~)6ss.,
advirto a todos que se afastem, pois costu-
A 6ss. (cf. Boyancé 1962, 480ss. e a nota ele Sokolowski p.. 197
mam caçar 11 . 6 "parece que o regulamento procede de um círculo órfico ou
com palavras solenes, enquanto urdem pla- pitagórico"), Philostr. Vit. Apoll. 6.1 1, Sucla s. v. Pythagoras (IV
nos vergonhosos. 263.2 Adlcr) . Vejam-se, ademais, as referências burlescas cios poe-
tas côm icos a estas pessoas em § 10.5 e Bernabé 2004c, 49s.
(1 \. Não obsrante, Betegh 2004, 67s. apon ta para a possibilidade de
ver nesta referência ao "hu mo" um jogo ele palavras q ue aludiria
60. Eur. Hipp. 952ss. (OF 627) [T l Ob] . Cf. Casadesüs 1997c. a um costume ó rfico ele incinerar cadáveres junto com escritos
6 l. A tradução "entra em êxtase" não reflete a riqueza de sentidos do órficos (talvez documentada pelo achado do Papiro de Derveni
f3mcxeúnv órfico, q ue tem mais a ver com uma experiência virai entre os restos ele uma pira funerária).
permanente. C,4 . Alex. fr. 140 K.-A. (Athen. l64b, OF I O18 I) [T l Oc]: "Um livro,

56 57
ainda era um artigo m uito caro e raro. As o bras de 1.I, 111.,io ria dos que seguem H omero; no Protá-
O rfe u são citadas com as de Homero, H esíodo e os 1, /\ l11scu é elogiado pelo sofista como auto r de
trágicos, isto é, com as mais famosas da época65• Os , , ndculos71, ainda que tenhamos que matizar
livros atribuídos a este poeta deviam, então, circular l11r•,111, j:I que Platão, como veremos no§ 2.3, deixa
na Atenas da época clássica e tudo parece ind icar que 11, \, 1 <jll C o considerava autor, como O rfeu, de um
h avia em relação a eles uma demanda maior do que 1 ,li poesia enganadora e frágil. Na República, o fi-
nos indicariam as escassas menções q ue nos chegaram 1111 ,1 l ritica de uma forma clara em um a passagem
sobre a literatura ó rfica deste período 66 . 1111.tl Cd:i dele como um descendente da Lua , em
72

1 ,l, lo a um Orfeu citado como descendente "das


11 , ,··. l' os considera os responsáveis (q uase poderí-
1.7. UM ALTER ECO, MUSEU 11111·, d i,.cr "culpados") pela profusão de livros que al-
1111•, .iprcsentam como credenciais para p rometer aos
Platão m enciona várias vezes, semp re junto a O r- h ..~ .1 libertação das suas cul pas73• Po r fim, em outra
fe u, o nom e de o utro poeta m íticó, M useu, freq uen te- I' 1 ·- 11•,nn da República encontramos uma enigmáti~a
mente vinculado àquele nas fontes an tigas67 . As dife- 1 f, H'11cia a "Museu e seu filho" em q ue Platão nos diz
renças na consideração que Platão mostra em relação a 1p1, , 011cedem aos justos no Had es uma permanen-
este autor são sem elhantes às que manifesta a respeito 11 .-i11hriaguez, enqua nto os ímpios e injustos sofrem
de O rfeu. N a Apologia68 , o mencio na de forma elogio- 71
1 , 1v1•., castigos . A expressão "Museu e seu fi lho" é
sa, como um auto r prestigioso, j un to ao quaJ gostaria , 11111 .111te. O único fi lho q ue a tradição atribui a M u-

de poder estar qualquer um dos seus juizes; no fon 69 , ' 11 é Eumolpo75, m as Kern chama a atenção para um
faJa sem critica de seus seguidores literários, mesmo
que sejam, com o os de O rfeu, uma minoria diante da
u l'I. Prot. 316d (OF549 I = Mus. fr. 64) ['J' 7] .
No que coincide com o testemunho de Aristoph. Ran. 1030- 1033
(Mus. fr. 63) [T 7a] e o de Eur. ? Rhes. 943-947 (Mus. fr. 33) [T 7c].
ou o q ue queiras, aproxima-te e toma-o, (. ..) está Orfeu, Hcsíodo, 1 1)iversos testemunhos antigos indicam que este traço formava,
tragédias, Q uérilo, Homero, Epicarmo, escritos de todas classes".
p.H:t muitos, parte da biografia mítica de Museu, cf. Mus. frr. I 0-
65. Orfeu, como tantas vezes, é citado em primeiro lugar, o que indi- 1~ e a introdução aos fragmentos c rn OF fase. 3.
ca que era considerado antigo.
1 l'I. Resp. 364e (OF573 l = Mus. fr. 76 Ili) [T 31.
66. Trata r-se-ia de uma literatura minoritária, mas não necessaria-
1 l'L Resp. 363c (OF 43 1 I, 434 1 = Mus. fr. 76 1) [T 36).
mente secreta, como se pensou.
~ Cí. Mus. fr. 17s. Acreditam que Platão se refira a Eumolpo: Maass
67. Cf. Mus. frr. 20-23 e introdução aos fragmemos em OF fase. 3. 1895, 11 1; Wilamowit7. 1932, 58; Thomas 1938, 31; Boyancé
68. PI. Apol. 4 La (OF 1076 J = Mus. fr. 461) [T 5].
1937, 22s.; 1942, 220s.; Moulinier 1955, 106; Coll i 1985 ad loc.
69. PI. Ion 5366 (OF 1140 = Mus. fr. 20) [T 12].
p. 427; Graf, 1974-;" 19 n. 75.

58
59
texto de Plutarco que diz claramente que o filósofo 11111 l\.1dos na segunda parte), mas à maneira pela
faz referência aos seguidores de Orfeu76• Nas fomes, a 1 11 filmoío se refere àquelas obras, o que podería-
relação de Orfeu e Museu é apresentada form as mui- .1, 11111ninar a ante-sala da citação, a forma em que
to diversas, por parecer não clara, ainda que nenhum 111, , 111.1liza a passagem al udida, porque este é um
outro testemunho considerasse Museu o pai do bardo I" 1 1, 1 ,obremaneira revelador d o valor que o próprio
trácio. O que encontramos em Platão, desta forma, 1 ,,111 .uribui à literatura a que se refere. Isso nos per-
poderia ser uma demonstração, irônica e provocadora, 11111 1ntabelecer uma análise posterior dos conteúdos
de uma pretensa ignorância e do seu d istanciamento 1111 11111 maior conhecimento de causa.
de tais doutri nas, como se alguém dissesse "Freud e a No que d iz respeito às citações ou referências às
sua bendita mãe" ou "Marx e os seus parentes", para 111 1, ,ll' Orfeu, o procedimento de Platão é bastante
mostrar de modo eviden te o seu desdém em relação às lh, 1,o. Em certo número de casos, atribui a Orfeu o u
ideologias de um ou de o utro persoüagem. ~ l11,cu citações, literalmente, resumindo conteúdos
O que resta claro é que para Platão, como para 111111,u los da sua obra li terária. Estas são referências de
muitos outros, Museu é uma alternativa (provavel- 11111111 interesse, por serem mais seguras, mas são tam-
m ente ática) de O rfe u para tipos de obras muito si- 111111 .,~ mais escassas.
milares, ao ponto de se estabelecer certo intercâmbio hn uma delas77, no fio de uma investigação sobre
entre elas. Não sabemos se por detrás da bizarra ex- , 11101ivação linguística de nomes de deuses78, intro-
pressão platônica há uma identificação da origem ate- 11111 dois versos literários de um poema ó rfi co com as
niense da criação de alg uns desses poemas. , l\1 1i1nes palavras: "Orfeu diz em algum lugar que ....".
t l .,parente "desapego" d o filósofo nesta passagem n:io
,I, w ria nos levar a conclusões precipitadas, como se
1.8. PLATÃO FAZ REFERÊNCIA 11.1 rpoca de Platão as obras órficas não fosse m mui to
· A O BRAS DE ORFEU , 1111hecidas, não fossem difundidas, não fosse m acess í-
v,·i~ de modo direto o u resultassem pouco respeitáveis
Aqui, não queremos tratar ai nda dos conteúdos )',1r:1 ele. Contradiz tais possibilidades uma referência
da literatura órfica referenciados por Platão (que se- do próprio autor na mesma passagem a um verso d e

76. Plu. Comp. Cim. et Luc. 1.2 (OF 43 1 11) [T 36a], sobre este pon- ' /. PI. Crat,402b(OF 22 1)[T 21J.
to, cf. Casades(,s 1999. Cf. Kern 1922, p. 83, fr. 4; Diererich, l i!. No que por cerro rem precedentes no comentador órfico do Papi-
Nekyia 2 1913, 72; Linforth 1941 , 86ss.; Gurhrie 1952, l91 n. 2. ro de Derveni, cf. Bernabé 1992a.
I

60 61
H esíodo, poeta e texto nos quais não acontece nenhu- 111 .1 rnl Iiteratura com o a "um antigo relato"
ma das hipóteses citadas, com a m esma falsa ignorân- (11,tt\cnàç Aóyoç) ou expressões sem elhantes,
cia: "creio que também (o disse) H esíodo", e uma frase .1 11 ~·ccssidade de explicar os motivos do uso de
de H eráclito com a m esma expressão que se aplica a 11111.t palavra requer um sujeito p essoal;
O rfeu: "H eráclito diz em algum lugar" . A citação a hl ,p1t· o texto que deu lugar a toda esta argu-
O rfe u, po r outro lado, referida às bodas de O ceano e 1111·11Lação fo rmara parte de literatura de culto,
T étis, não tem nenhuma relevân cia para a argumenta- 11,.tda pelos seguidores do orfism o e, portanto,
ção do filósofo no passo em questão. ,1\\11111ida por uma coletividade83;
Em o utra referência 79, Platão acaba po r citar tex- 1 ) •111c Sócrates tivesse consciência do caráter cole-
tualmente, seguido por um direto "afirma O rfeu", um i ivo da própria literatu ra ó rfica, na medida em

verso que tampo uco tem nem muito nem po uco a que elaborada po r diversos autores;
ver com o que está tratando no passo, com tampouco .f ) q ue Sócrates estivesse se referindo a mais de um
for ma corpo impo rtante com a exposição que cerca a texto da chamada "literatura órfica''.
o utra citação80, introduzida po r "como afirma O rfeu" .
N o Crdtilo, refere-se a "seguidores de O rfeu" (oL
1, ,'1bvio q ue as o pções b), c) e d) não se contradi-
àµcpl. 'OQq:>Éa) a p ropósito de uma etimologia de , 111 ALé aqui, as referências platônicas a O rfeu pelo
awµa a partir de ac:.nÇw81 • Ainda que G uthrie82 tra- , 11 110 111e, quase sempre pouco in tegradas à argume n-
ga exemplos de frases semelhantes nas quais se faça
1 11,.10, que aparecem como elem entos acessórios o u
alusão a seguidores de um determinado personage m,
.!, , o rativos, salvo a última, ainda q ue tal passagem
penso que uma forma tão vaga de citar se deve, em
, 1,1 peculiar em m uitos aspectos, motivo pelo qual
minha opinião, a alguma destas quatro causas:
"1l1.1rci a ela84 .
No entanto, com o disse, a referência a Orfeu po r
a) q ue Sócrates desconhecia a o rigem exata da eti-
110111e não é o habitual. E m outro número maior de
mologia ou desejava distanciar-se da sua fo nte.
, ,I\OS, Platão cita d ireta ou indi retamente conteúdos
Ainda que nestes casos o normal seja se refe-
.lt• obras literárias denominadas de forma imp recisa,
111.,s que por conta de informações transmitidas por
, 1111 ras vias (escoliastas, com entado res, documentos ou
79. PI. Phi!eb. 66c (OF25 l) [T 20).
80. Pl. Leg. 669d (OF845) [T 6OJ.
81. PI. Crat. 400c (OF430 I) [T 32]; cf. § 7. H.I. Cf. as valiosas apreciações de Linforth 194 1, 148.
82. Gurhrie 1955, 3 11. ~.Cí§7. ~

62 63
argumentos de autores modernos) podemos conside- t 1·, wrsões, sempre formando parte de uma Teo-
rar como órficas. Por conta da natureza das conclu- 1 , 111 dife rentes épocas (já desde o Papiro de Der-·
sões a que chegarei com a análise destas passagens, m e ') l) filósofo inclui esta referência em um dis-·

deterei em três aspetos: a) se é uma citação literal ou 1 11 •,11hrc a d ivindade no qual as palavras de Orfeu
em prosa, b) se é importante para o contexto (já disse 111• 111 rnmo apoio para definir que deus p residirá 2L
que as citações atribuídas a Orfeu praticamente nunca 111 1, ideal. Refere-se a ela com a frase "como disse
o são) e c) se alguma outra fonte nos oferece dados 111I II lll o antigo relato" (wa71EQ KCÜ Ó m.xÀlXLOC;
que nos permitam considerar a passagem em questão l\ 11,,). Neste caso, é o escoliasta90 que nos informa
como órfica. Já vimos no § 1.1. um texto da República 1 11 rnv\aLàç Aóyoç é ó rfi co e cita dois versos dele.

no qual Platão fazia referência "aos filhos de deuses , 1 li 1~a discutia até que po nto poderíamos confiair

convertidos em poetas e profetas dos deuses"85 . Não ,, , ~, oliasta, dado que o hino estava registrado em
há citação direta, o contexto se refere ao poder das 11111.-~1c.:munho tardio91 . Porém, o surgimento de uma
teletai para a libertação das almas, e é plenamente per- 1•,.111 deste hino no Papiro de Derveni, assim com o o

tinente para a discussão. D ado que não se trata de uma 111, p,1rcce ser um eco literário em u m discurso pseu-
menção explícita, poderíamos questionar se se refere ,1,, ,l,·mostênico, testemunham a existência na época d,e
a Orfeu ou não; no entanto, é razoável admitir qu e l 1l 11.10 de um Hino a Zeus em uma teogonia ó rfica92.
a resposta deve ser afirmativa em comparação com a A mesm a expressão 71/XÀlXLOÇ Aóyoç aparece
passagem, também da República, e muito próxima, n a 1111ilié111 no Fédon93, como algo que "vem à mente·"
qual se m encio na Orfeu e Museu como filhos da Lua ,li \Ócrates, em uma referência não literal ao regresso
e das Musas86, e com o utra do Timeu, em que, não 11.1\ .1lmas do mundo dos mo rtos à terra, como um
sem ironia, diz que "deve-se dar crédito aos que eram 111•,11me nto pertinente à discussão. O limpiodo ro, em
descendentes dos deuses, segundo afirmavam", para , 11 comentário à passagem, nos ad verte de que ,o
referir-se a um fragmento claramente ó rfico87•
N as leis88, Platão alude, também em forma indi-
reta, a um hino ó rfico a Zeus, do qual conhecemos
ll'J, C f. Bernabé 2007a, assim como§ 11 .1 .
•10. Schol. Pl. Remp. 364c (20 1 Greene, OF573 II} IT 3a].
85. PI. Resp. 366a (OF574) [T 43] . 'li. Ps.-Arist. De mundo 401 a 2 1, cf., por exemplo, Moulinier 1955, 76s.
86. PI. Resp. 364e (OF573 I) fT 3]. '/ '. l's.-Demosth. 25.8 [T 24b]. Neste mesmo discurso se alude a Or-
87. PI. Tim. 40d (OF21) fT 2]. feu logo depois, em 25.1 1 (OF 512) [T 7b]. Cf. Masaracchia,
88. PI. Leg.715e (OF 31 llf, 32 !) [T 24]. Sobre o passo, cf Casadesús 1993, 191 -1 97, com discussão dos pomos de viscaantel"iores.
1 1 \ . PI. Phaed. 70c (OF 428 I) [T 26).
20026.

64 65
n:aAmàç Aóyoç é ó rfico e pitagórico94. A expres- l'nr rrês vezes Platão alude à literatura de teletai e
são surge ampliada na Carta VJJ95: "é realmente pre- 11" 111istérios, que enquadramos no âmbito de Orfeu
ciso crer sempre nos relatos antigos e sagrados" ('roiç ~ lmcu. Nas Leis, ele se refere aos castigos de deli-
n:a;\moiç 'CE Kal LEQOiç AóyOLç), em uma solene h, 110 Além e à reencarnação como algo que se pode
declaração sobre a imo rtalidade da alma, muito perti- 111111 "de lábios dos que se ocupam destas coisas nas
I / '"l.>9 .
nente ao contexto, mas que tampouco é citação direta. 11 l,11

Do seu caráter ó rfi co, falarei adiante96 . No Fédon, ele cita um verso literal, mesmo que
Mas, continuemos. Referências não li terais ao afo- 111111 l.111do a ordem das palavras que o compõem:
rismo awµa 017µa são encontradas no Crátilo, pre- 11111irns são os portadores de tirso, mas os bacantes,
cedida por "alguns dizem", e no Górgias po r "ouvi de I'' 1111 os", e faz referência, precedida pela expressão "di-
uns sábios"97 . No Crátilo, a citação está no contexto 1111 os das teletai", ao faro de que quem não é inicia-
de uma d iscussão linguística; no Górgias, faz parte do ,h 11cm tenha participado das teletai se afogarão na
corpo da discussão. M esmo voltando ad iante a este l 1111,1 do Hades 100 • O limpiodoro cita este m esmo verso
ponto, anteciparei qu e se alude, em ambos os casos, • 111 \l' U comentário à passagem e faz notar que "imita

a uma fonte órfica. Uma referência muito semelhante 11111 verso órfico"'º' . Penso dizer que o imita porque
ocorre em Filolau, introduzida por "o testemunham l 'l.11.10 não toma o verso em seu sentido o riginal. Com
também os antigos teólogos" 98 . , lt- 11 0, Platão adverte que os que instituíram as teletai
i""ll'm não ser ineptos, mas q ue, na verdade, fazem
, l1q;a r uma mensagem simbólica para imediatamen-
94 . Olympiod. in Pl. Phaed. 10.6 (145 Wescerink, OF428 ll) [T 26a]. " .1c:1.bar interpretando o verso no sentido de que as
95. PI. Epist. 7.335a (OF 433 1) [T 271. Não todas as referências a 1w,~oas referidas não são outra coisa senão autênticos
um TTl1:ÀCHOÇ Aóyoç procedem de obras órficas (Cf. as passagens
recopiladas por Novotnyv na no ta a Epist. 7.355a). Utiliza-se a fd11~ofos. Trata-se, portanto, de uma interpretação
expressão, especialmente nas Leis, para dar certo peso ao que se dq;ó rica dada por ele ao famoso verso. Cremos que
diz. Ao invés de icQOÇ Aóyoç (cf. Hdr. 2.81.2 [T 11 a]) sim é , n nsidere os órficos pessoas ineptas (já que o poema,
uma clara referência a um escrito órfico. Sobre hieroi logoi órficos
1111 seu sentido literal é, para ele, desprezível), mas que
cf Baumgartcn 1998 e, sobrcrudo, Henrichs 2003.
96.. Cf. § 6.
97. PI. Crat. 400c (OF430 1) [T 32], Corg. 493a (OF430 li , 434 li)
[T 33]; cf. § 7.
,,,,. PI. Leg. 870d ( OF 433 li) [T 37].
98. C lem. Al. Strom. 3.3.17.1 (Philo l. 44 B 14 0.-K. = fr. 14 Tirnpa- 1111), PI. Phaed 69c (OF 434 III, 576 1) [T 41]. Conhecemos o verso
naro Cardini 11 224ss. = p. 402ss. Huffman = OJ: 43 0 11[) [T 32iJ c m sua forma corrigida por fontes posteriores, e( OF 576.
µl1:Q'CVQfoV'Cl1:L bi' K<Xi ol m:v\moi 01:óAoym. Sobre a autoria 1111 . O lympiod. in PI. Phaed. 8.7 (123 Westerink = OF 576 V) [T
de Filolau, cf. § 7.2. 4 1a].

66 67
não o seriam, se o texto é interpretado alegoricamente, 111, ,·m âmbito pitagórico, que reexaminava textos
para que se encontre um sentido profundo, por detrás 111 ,,~ antigos sobre a base de um m étodo etimológi-
dele. Certo que tal interpretação se harmoniza com 1li-l',,)rico107. Mesmo que volte logo a ele, o caso mais
a ideia 'expressa no Protágoras, segundo a qual Orfeu 1111 .1 passagem do Górgias em que se fala de "um dos
teria sido um antecessor da sofística que "mascarou" o lum" (transmissor do poema), que logo é contraposto
seu verdadeiro pensamento 1º2 . 11111 engenhoso indivíduo, especialista em mitos, tal-

A segunda alusão à literatura dos mistérios pode •,h iliano ou italiotà' que interpreta alegoricamente

ser encontrada no Fédon, introduzida com a expres- 11,1, os de um velho poema sobre prémios e casti.gos
108 . Os mesmos dois níveis poeta/intérprete se
são: "o relato 103 que se conta sobre isso nos círculos 11 Al(rn

secretos" 104. Que a passagem proceda de um texto ó r- h·,·1 tl'm na referência do Mênon 109, que fala de "sacer-
fico, isso nos diz o escólio 105 . Trata-se de uma citação 11111·~ e sacerdotisas que consideram importante ofore-
fundamental em seu contexto, pois compõe parte da 11 1·xplicação sobre aquilo de que se ocupam", co mo

discutida passagem segundo a qual a alma encontra- 111111\IOS aos "poetas ... inspirados pelos deuses", e, em

se sob custódia (ev q>QOVQiiL), e cujo conteLJdo tem 111111'1;1 opinião, também no famoso trecho do Crdtilo

profundas repercussões no pensamento p latô nico 106. 11l11l' awµcx 017µcx, no qual se distingue a interpr,eta-
O mais interessante é a conclusão do passo: "parece- ' '" d<: 017µcx como "sepulturà', que seria, sem dúvida,
me algo grande e não fácil de discernir (ôuô civ)"; 1 l'1imitiva, de 017µcx a partir de OT)µcx(vn, que teria

'1111 · se atribuir a um intérprete posterior .


110
como se fosse necessário entrever uma verdade escon-
dida atrás do que parece evidente. /\ lém desses casos, há uma série de passos em ,que
Esta linha de interpretação de textos antigos não l'l.11fio faz alusões, sem citar suas procedências o u au-
é original de Platão. Além de a encon trarmos no co- 111rias, a conteLJdos que supomos procedam d ireta ou
mentado r do Papiro de Derveni, encontramos várias 1111liretam ente de uma obra 6rfica, em g raus d iver:sos,
indicações no próprio texto platônico de que já no séc. ,ksde casos muito claros até outros sobremaneira du-
IV existia uma certa trad ição in terpretativa, provavel- v1,losos. N ão é o caso de estudá-los agora, porque, a
lir m da verdade, não são citações. Terei que me ocupar
dclcs no estudo dos conteúdos.
102. PI. Prot. 316d (OF549 1) lT 7).
103. A palavra grega é Aóyoç; entendemos que se trata novamente
d e urn ÍEQOÇ Aóyoç. 1o/ . Cf. Struck 2004.
104. PI. Phaed. 626 (OF429 I) [T 30). 108. PI. Gorg. 493a (OF 430 II, 434 11 [T 40); cf. § 2.5.
105. Schol. PI. Phaed. 626 (10 Grecne) OF429 li [T 30a]. 109. PI. Men. 8 1a (OF424) .[T 25J.
106. Cf. § 7.1. 110. PI. Crat. 400c (OF430 I) [T 32J. Cf. § 7,

68 69
1.9. C ONC LUSÕES SOBRE AS REFERÊNC IAS 11111.!11 dt: ver Orfeu como personagem mítico é
PLATÓNICAS A ORFEU 111p,.11 1vo, irônico, quando não desrespeitoso. Tal
l 1111 110s Faz concluir que a fascinação que exerce
Ao fim da análise desses testem u nhos p latôn icos 11111,• os demais é tão falsa quanto o d iscurso de
sobre a pessoa e sobre as obras d e Orfeu, cabe esboçar l11,11.lgoras 112 : deixa deliberadamente na ignorân-
11 3
algu mas primeiras conclusões: ' 1.1 ,1 ~lia condução ao progresso , considera que
11.1 d escida ao H ades não é senão mostra de co-
a) no que diz respeito às referências ao próprio Or- 1 .11 d i:111 \ o que acarreta a merecida humilhação

feu, vemos que Platão não lhe atribui, em absolu- 11, 111orrer pelas mãos de mulheres, e nos infernos
to, traços que possam assimilá-lo a um persona- , •,, o lhe com rancor reencarnar como cisne para
gem consid erado histórico. As cores com as quais 11.10 nascer como mulher 11 5• Platão subl inha até
é d escrito são nitidamen te míticas. As alusões do 1111·smo o fato de descender d e uma Musa com
11 6
filósofo à lenda d e Orfeu são, a princípio, as tópi- 11111 irônico "segundo dizem" • A atitude do fi-

cas do mito: filho de uma Musa, citarista, cantor losofo com relação à figura de Orfeu contrasta
maravilhoso, visitante do H ades e desmembrado Llllll a de outros autores, que costumam citá-lo de

por muJheres 111• No entanto, aqui e ali o filósofo lorma positiva, com se pode ver a partir ela peque-
sabe deformar sutilmente os dados do mito, para na amostra de testemunhos complementares que
que deixe claro, em suas referências, queo seu .1presencei117 , e até m esmo pelo passo d e Platão,
no qual Sócrates se refere a ele como um dos-ar-
q uétipos (o primeiro) das pessoas il ustres as quais
111. Apresenta afinidades insistentes, en sua atividade e cm seu fin, quaisquer dos juizes desejaria ver no Hades 118•
com outro personagem mítico, "làmiras. É cu rioso que ambos
tenham um mito muito scmclhancc (cf. Bcrnabé 2008, cap. 2).
Ambos são trácios, cantores e poetas especialmente dotados,
co,n- talentos maravilhosos. Ambos COlllC[C ll1 uma transgres- 11' 1'I. Prot. 3 15a (OP949 1) lT 6).
são ao ultrapassar os limites do humano: Tamiras, por tratar de 11 1 PI. Leg. 677d (OF 1017) [T 9].
competir com as Musas; O rfeu, por remar ressuscitar sua esposa 111 1'I. Symp. 179d (OF983) [T ll
morta. Ambos são castigados por isso. O curioso é que Homero 11 , l'I. Resp. 620a (OF 1077 I) [T 8].
conhece Tam iras (que denomina 1àmiris, li. 2.595), mas não 1Ir, PI. Resp. 364e (OF573 1) [T 3], cf. Tim. 40d (OF21) [T 2].
cita Orfeu. Platão os menciona juntos no Íon 5366 (OP 1140) 11 ' Por exemplo, Pind. Py. 4. 176s (OF899 J) [T I d], Eur.Alc. 357-
IT 12] como arquétipos míticos de cantores maravilhosos e nas 362 (OF980) [T le], Simon. fr. 62 Pagc (PMG 567, OF943)
leg. 829d (OF681) [T 10], como au tores de hinos dulcíssimos, IT 6aJ, Eur. Bacch. 560-564 (OF947) [T 66]. Aristoph. Ran.
enquanto no Mito de Er da Resp. 620a (OF 1077 1) [T 8) en- 1030-1 033 (OF547 I) [T 7a].
contramos as almas de ambos reencarnadas em aves. 11 H, PI. Apol. 4 la (OF 1076 1) [T 51, cf. § 1.2.

70 71
b) a propósico do valor literário de Orfeu, sabe-se , 111110 criad ores literários que são parte, como
que Platão não sente sim patia por H o mero e l l,H11cro, da cadeia de ligação que configuram
H esíodo (os quais gostaria de expulsar da sua ci- " ' 1 omponentes da mensagem poética. Têm

dade ideal). São seus competidores na natbda, , g1iidores, mesmo que em n úmero menor, se
com uma proposta que a seus olhos é espúria. , omparados a Hom ero. Em rodo caso, não são
Se eles não se livram de suas críticas, O rfeu me- 11.11 ,1dos com personagens secundários. Tem-se
nos ainda. Assim , não se devem cantar os seus 1 11npressão de q ue Sócrates sentiu-se ma is inte-
poemas sem a devida perm issão 119. O s seus li- 11·,,.1do em Orfeu e sua mensagem do que o seu
vros, como os de Museu, são um õµaboç, u m .11,1 ípulo e, por isso, nessas primeiras obras mais
confuso emaran hado rumo roso 120 . Ademais, a ·,m rácicas, a avaliação tende a ser mais positiva
1
fascinação que impede a reAexão faz com que , 1 onde Orfeu e M useu resistem à comparação

O rfeu se eq ui pare, aos o lhos de Platão, aos so- 1 0111 Ho mero. No Protdgoras, começa a ap ro-

fistas. Não é de se estranhar q ue dispense a ele f 1111dar-se a diferença. A comparação com H o-


a mesma hostil idade que demonstra em relação 111cro aparece pela boca de Protágoras e aq ui se
aos representantes da ilustração grega. Orfeu, ,k-marca para O rfeu e Museu uma especializa-
como os sofis tas, embeleza, mas não aj uda a vo no interior da poesia, com o auto res de o rá-
pensar. As comparações entre Orfeu e Museu 1 ulos e ricos, não mais exclusivamente poetas.

com H o mero merecem atenção. Aparecem em O uso de oí. aµcp ( 'OQcpéa ao invés de "Or-
três vezes na obra placônica 121. D uas se encon- feu" na passagem 122 poderia ter mais sentido se
tram em obras da juventude, a Apologia e o fon, pensarmos que Protágo ras, como sofista, é um
o nde a inAuência socrática é maio r. Nelas, em intelectual que não considera p rovável que os
ambas ocasiões pela boca de Sócrates, Orfeu e livros que conhece, atribuíd os a O rfe u, tenham
M useu são citados como poetas comparáveis a sido realmente o bra sua. No m esmo d iálogo se
H o mero e H esfod o: na Apologia, como perso- Íaz uma comparação irô nica da beleza enganosa
nalidades aos quais qualquer um dos juízes de- do discurso de Protágoras com o q ue p rovocava
sejaria ver em sua chegada ao infe rno; no Íon, o canto de O rfeu, pura aparência, p ura bó~a.
De modo tênue, aponta já para uma crítica aos

119. PI. Leg. 829d (OF681) [T 10].


120. PI. Resp. 364e (OF573 1) [T 3]. PI. Prot. 3 16d (OF 549 1) [T 7J; a m esma expressão se encontra
121. Cf. § 1.7 . cm Crnt. 400c (OF 430 1) [T 32], sobre a qual, cf § J .8.

72 73

/
dois personagens e às obras atribuídas a eles. d.1 1'''. No entanto, há três aspectos muito mais
Na República a avaliação de Orfe u e de Museu , 111 iosos do que tudo isso, e m uito mais perci-
é claramente negativa. As propostas de Museu 111·11Lcs para a nossa investigação, que surgem do
e do seu filho (que são órficas, de acordo com < ,,11ne conjunto de todas as alusões. O primeiro

outros testemunhos) são reputadas, de modo , que observamos que, quando Platão cita uma
totalmente irônico, "esplêndidas", para acabar p.1~sagem literária de O rfeu, nunca menciona
com uma sua censura aberta: "na ideia de que 11enhuma característica sua pessoal. Quando
não há melhor recompensa para a virtude do l.11., por exemplo, no Timeu, referências impor-
que a embriaguez sempi terna" 123 ; seus livros são 1.111tes a uma teogonia órfica e acrescenta, com
uma profusão, as teletai, como um jogo 124. Nas 11 onia, que se deve dar créd ito aos que são fil hos

Leis, sugere proibir seus hinos se têm má fama, de deuses e que conhecem os seus antepassados,
por mais doces que sejam 125 . Porém , de novo 11 ,10 cita o nome de Orfeu
127 . E na República,
o testemun ho placônico contrasta com outros quando diz que O rfeu é supostamente filho da
que nos dão uma ideia muito diversa: seus li- l .ua e autor de um sem-número de livros, não
vros estão entre os de autores mais importa ntes d iz quase nada do conteúdo de ca is livros e o
que se podem encontrar em uma biblioteca em pouquíssimo que diz, como acabamos de res-
Alexis; os seus seguidores devem ter certo êxito saltar, é muito depreciativo 128 . Quando men-
com os seus ricuais de cura e libertaç:c'í.o de al- <.iona mais ou menos literalmente passagens de
mas, que se fizeram populares e que são inclusi- O rfe u, os apresen ta com um direto "Orfeu diz"
ve aceicos por cidades inteiras. Poetas como Íbi- ou expressão similar. O segundo é ainda mais
co, Píndaro e Simônides falam do celebérrimo interessante. O s poucos passos literais em que
Orfeu. Aristófanes o elogia nas Rãs como herói Platão se refere a Orfe u por nome como auto r
civilizador, e nas Aves apresenta ao público um estão descontextualizados e pouco ou nada têm
gigantesco mo mento literá rio ao parodiar uma
teogonia órfica, que o pL1blico devia co nhecer,
já que de outra fo rma a piada não seria entendi- Alcx. fr. I 40 K.-A. (OF I O18 l ) [T I 0c], Pind. Py. 4. I 76s. (OF
899 [) [T l dl, fr. 128c Maehl. = 56 Cannarà rera (OF91 2
1) IT la], Simon. fr. 62 Page (PMG 567 = OF 943) [T 6a],
123. PI. Resp. 363c (OF 43 J 1) [T 361. talvez tam bém fr. 90 Pagc (PMG595 = OF944),Aristoph. Rnn.
124. Oucnwv Klll m:ubtã:c ~bovwv. A exp ressão é, realmente, du- 1030-1033 (OF547 1) lT 7a], Av. 690-702 (OF64).
vidosa, cf. § 12.7. PI. Tim. 40d (OF2 1) [T 2] .
125. PI. l eg. 829d (OF 68 1) lT 10] . 1'I. Resp. 364c (OF 573 1) [T 44).

74 75
a ver com o que se está expondo. Com efeito: 111ra órfica, Platão não os cita como de Orfeu,
em uma citação do Crátilo 129, Orfeu menciona 111.1s de forma vaga, como procedentes de um

Oceano e Tétis, mas Platão enquadra os versos, ".unigo relato" ou "um relato sacro", como se
procedentes de uma Teogonia, em uma discus- 11 .irasse de despersonalizá-las, de obscurecer ou
são linguística, na qual se trata de legitimar a eliminar a relação entre estes caminhos valiosos
inferência segundo a qual nomes como Rea ou t' Orfeu, limitando-se a associar o Aó-yoç no
C ronos têm significados que sugerem o fluir da qual aparecem com a esfera religiosa (Í.EQÓÇ)
água. O verso citado no Fi!ebo 130, no qual se l'lou com uma alta antiguidade (ncv\cHóç),
exorta a cessar o canto após a "sexta geração" l'icmentos que para ele desfrutam de prestígio
se referia à teogonia da qual procede a sexta t ' revestem suas doutrinas de autoridade. Dá

geração de deuses; porém, Platão o aplica aos ., impressão de que o filósofo considera que o
elementos do bem por ordem de importância, nome do poeta trácio não poderia dar a elas tal
depois da menção ao quinto, que são os praze- .111toridade 132• O terceiro aspecto intenessante,
res puros e não danosos. Novamente, nada a que se depreende do nosso estudo, é que as
ver com o seu contexto original. A citação das ideias aproveitáveis extraídas de textos órficos
leis1'l 1 , por sua vez, que alude ao que chega- o são, para Platão, na medida em que podem
ram à "estação do deleite"; é feita a propósito ser interpretadas de uma forma que está muito
dos que gozam de uma sensibilidade musical próxima à sua filosofia e que, por isso mesmo,
superior, ainda que, segundo todos os indícios, nfo devemos supor originárias. Especialmente
no poema origi nal se tratava, simplesm ente, de significativo é o passo do Fédon 133 , no qual o
uma referência à juventude. Vale dizer, as cita- (ilósofo fala de "algo grande", mas não fácil de
ções li terais e atribuídas a Orfeu são momen- bubEiv, de "entrever", de "ver através de", isto
t<:>s de cormaisseur, m era ilustrações li terárias
descontextualizadas. Ao invés disso, quando se
trata de conteúdos importantes, especialmente llvsta claro, por outro lado, que as menções como obra de Orfeu
,.. ,., referências mais vagas não se distribuem d e acordo com as
sobre a doutrina da alma, tomados da !itera- uhras de procedência das citações, isto é, não se trata de Platão
, onhecer obras do corpus órfico que se atribui a Orfeu e omras
d,· atribuição mais duvidosa, as que se refeririam ele forma más
fd gil. A diferença é a função da citação, não a obra de procedên-
129 . PI. Crat. 402b (OF22 I) fT 211. , i.1. já que encontramos referências de um ripo e de outro em
130. PI. Phifeb. 66c (OF 25 1) [T 20J. ,d ~ção com as mesmas obras.
13 1. PI.Leg.669d (OF845)[T60 I. PI. l'haed 62b (OF 4291) [T 30].

76 77
é, um texto no qual é preciso separar a torpe- 2.
za do tratamento literário, o verso enganoso, e
encontrar a verdadeira mensagem. Temos até IU-'. l;ERÊNCIAS DE PLATÃO
mesmo um caso extremo, a citação do Crátilo, A SEG UIDORES DE ORFEU
da referida awµa. af)µa., em que Platão rein-
terpreta o sentido de um passo órfico por meio
de uma etimologia que é sua, não obstante a
desorientação generalizada dos comentado res
sobre este ponto 134 . Platão segue ali uma li nha
que vemos se iniciar em obras como o Papiro de
Derveni (e, a propósito de Homero, cm Teage-
nes de Régio e Merrodoro de Lâmpsaco, entre
outros) que continuou, em âmbito pitagórico e
estó ico, e que herd ará o neoplato nismo: buscar 1 1HVERSAS FORM AS DE SEGUIR O RFEU
nos poemas arcaicos, de aparência ideologica-
mente desdenhável, mensagens ocultas de pro- )l.1 1.10 nos diz no Protágoras que Orfeu exercia uma
funda fi losofia 135. Diante de tais casos de rein- ] 111.1ção irresistível sobre as outras pessoas 1. Parece-
terpretação, as citações literais e as atribuídas a 1111 , l.11 0 que não devemos considerar que, com isso,
Orfeu (que são sempre desviadas), têm outro , lilmoío se limita a aludir a um traço característico
sentido. 111 11 1110, mas, de preferência, que sabe da existência
1, pt·,soas que segui ram os passos do mít ico poeta, as
1111 , 111 as às quais se refere em outro passo do mesmo
.lulngo como "seguidores de Orfeu e de Museu" 2•
< ) próprio Platão, tal como outras fo ntes, nos re-
\ 1 l.1 , além disso, que havia diversas man eiras de seguir

111. l'rot. 3 15a (OF949 1) [T GJ; cf. § 1.2.


PI. l 'rot. 3 1Gd (OF 549 1) [T 7] . Tratar-se-ia de pessoas que, por
134. PI. Cmt. 400c (OF430 [) [T 321, cf. § 7. ,ua vez, embelezam e sed uzem os ouvintes, de acordo com a in-
135. Cf.§ 13. 1crprcração d e Segai, vista no§ 1.2.

78
os passos de O rfeu e, assim, enquanto alguns podiam .t, 1111111inavam seguidores do rastro ideológico e reli-
adotar os moldes poéticos das suas produções literárias, 11 11 i-o do mítico personagem. A expressão cobre, ao
outros podiam praticar um modo de vida baseado em 111, ,1 110 tempo, a faceta literária, própria dos autores
seus ensinamentos, outros ainda celebrar os rituais cuja ol, , 1c tipo de texros, e a posta em prática no :'imbico
fundação se atribuía ao mítico poeta ou participar deles; d11 11111al que os livros preconizam. Mas a existência de
outros, por fim, podiam tratar de in terpretar sua men- , "olas" poéticas, que absorviam seguidores de dis-
sagem3. Ainda que seja evidente que tais modalidades 111110~ sub-gêneros da épica entre os que contavam os
não necessariamente se contradigam, analisaremos se- • r,1iidores de Orfeu e de Museu, parece se confirmar
paradamente o que sabemos sobre cada uma delas. 1111111.1 referê ncia do fon:

2.2. SEGUIDO RES POÉTICOS DE ORFEU E destes primeiros círculos, os poetas, pen-
dem, por sua vez, outros que participam
Um primeiro ripo de seguidores de Orfeu seriam deste eni:usiasmo, uns po r Orfeu, outros por
Museu, ainda que a maioria esteja possuída e
os poetas, que recitariam e, eventualmente, co m po-
dominada por Homcro5•
ri am poesia atribuída ao poeta mítico. Com efeito, na
passagem, já citada, do Protágoras\ na qua l o sofista
manifesta a opinião de acordo com a qual os poetas Platão fala de seguidores literários, q ue participam
amigos eram predecessores dos sofistas, mencionava d(· uma inspiração divina, de um entusiasmo, na ima-
1;v 111 de uma cade ia produzida pela atração de um ímã,
Homero, Hesíodo e Simônides como a utores de poe-
sia, e, como autores de tefetai e oráculos, "os seguido- que formam os poetas e os seus sectários, os rapsodos.
res de Orfeu e de Museu", uma expressão que pode l 1.1rcce, então, que em sua época hav ia rapsodos que
sugerir dúvidas do fi lósofo sobre a autêntica autoria 1ccicavam Orfeu e Museu ou autores inspirados por
das obras, ou simples mente alud ir ao fato de qt:::! -~e l"ics. Linforth6, sempre disposto a minimizar a impor-
seguia compondo poesia "órfica" por autores que se t,1ncia do órfico em época antiga, não consegue res-
ponder se isso implica q ue havia recitações pública de
poemas de Orfeu e Museu ou se Platão fala apenas do
d e ito produzido por eles em ouvintes privados. Penso
3. Apenas os orfcutclcstas ou celebrantes de rit0s fo ram objeto de
uma certa atenção, cf. Boyancé 1942, o clarificador t rabalho de
13urkcrt 1982, como o de C asadcsús 1995, pnssim. Para um catá-
logo dos diversos tipos de seguidores de Orfeu cf. 13crnabé 1997. ~- PI. lon 53Gb (OF 1140) [T-121.
4. PI. Prot. 3 16d (OF549 I) [T ? I. l,. l.inforth 194 1, 106s.

80 81
que não há no texto elem entos suficientes para fazer l 1111, 11108, fala não de um, mas de vários modos de
distinções, mas que uma referência em cal contexto a lil I d l"no minados "vidas órficas" ('OQ<j:HKOI. ... ~Lül):
poetas conhecidos apenas em reduzidos círculos priva-
d os em plano de igualdade com H om ero estaria bem A propósito dos ho mens que se sacrificam
fora do esperado. Ai nda que pareça mais ajustado à re- 11ns aos outros, vemos tratar-se de algo que
alidade da ideia de que a transmissão de o bras de O r- perdura ainda cm mu itos povos. Ao contrá-
feu se dava majoritariam ente por meio de livros escri- rio, ouvimos dizer que em outros nem se
tos, tal como vimos no § 1.7, isso não exclui o faro de ,Hrevcriam a provar a carne bovina; as ofe-
que estes textos fo ra m imediatamente recitados diante rendas aos deuses não eram animais, mas
torras e frutas banhadas no mel, e ourras
de o utras pessoas, iniciadas o u não, assegurando a sua
vítimas puras si milares que se absti nham da
difusão, e q ue poderiam ter servido de m odelo a o u-
carne porque não era sanro comê-la, nem
tros poetas que continuariam a desenvolver a tradição
contaminar com sangue os alrarcs d os deu-
desce ripo particular de poesia7 • ses. Nossa vida, então, era co mo uma das
D e uma fo rma o u de o utra, podemos, então, de- chamadas órficas, limitadas ao inan imado e
d uzir q ue O rfeu e M useu tinham seguido res poéticos apartadas de tudo o que possua alma9 •
e que a poesia de temática religiosa do tipo q ue se atri-
buía a ambos os poetas era recitada e, muito provavel-
Nesta passagem , o fi lósofo nos informa a respeito
mente, era composta na Atenas da época de Platão.
,I"' conceitos básicos da maneira de viver que se consi-
il,·1,1 órfica, intimamente relacionados entre si: abster-
,, da ingestão de carn e e o uso de sacrifícios pu ros,
2.3. A "VIDA ÓRFICA"
, 11J l·ndidos como não sangrentos, na ideia de q ue a
, 11 nc é uma contam inação (µ(cx0µcx), assim como o
Po r outro lado, Platão al ude aos que seguiam O r-
,l"1anciamenco das coisas possuidoras de alma. Pla-
feu não a partir de u ma perspecriva literária, mas em
111, utiliza concretamente os termos técnicos especifi-
sua própria man eira de viver, já que nas leis, m esmo
' .1111cnce usados por ó rficos e pitagó ricos, i:µt(,uxa e
com uma expressão de d úvida, que revela cerco distan-

7. Marti n 2001 d efende q ue da passagem do fon pode-se in ícrir que li l)iz que "ouviu dizer" (à.Koúoµcv) sobre algo que se chama
os poemas de O rfeu eram transmitidos de forma rapsódica, como ( 'ílVcÇ AEyóµ cvm) vidas órficas (no plural).
os de Homero. •1 rr
J>I. Leg. 782c (OF625) 11].

82 83
lhpuxa, "dotados d e almà' e "d esprovidos de alma" 1º, , 1,., 1,l\":tO dos mortais e dos sa rcófagos
para se referir aos seres animados (e, portanto, objetos ,1, ,ilimcnros nos quais há alma13•
de tabu alimentar) e inanimados, respectivamente. Tal
uso liga a passagem ao Hipólito euripidiano, já citado 11, 1 1110 semelhante aos seguidores desta vida órfica são

no qual se atribui à "comida sem almá ' os seguidores 1'11.1góricos vegetarianos, cão piedosos quanto coma-
de Orfeu. De fato, o caráter generalizante da expressão 111 lll'Ll imundice, que Plutão acolhe em sua mesa no
"apartadas de tudo o que possua alma", que parece ex- 1, 111 r rn uma paródia cômica 14 . Aos olhos dos atenien-
ced er o âmbito exclusivamente alimentar, pode inclui r ,l.1 época, órficos e pitagóricos não se d istinguiam,
também outro tabu característico dos órficos, que se , 1111·11os a propósito do comportamento.
refere à vestimenta. Heródoto, com efeito, refere um
d eterminado "discurso sagrado" (Í.êQOÇ Aóyoç) que
proibia órficos e pitagóricos de serem enterrados com 2.4. PRO F ISSlONAlS DAS TELETAI,
roupas de lã 12, provavelmente porque a lã vem d e um MEN DIGOS, ADIV IN H OS, MAGOS
ser dotado d e alma. De igual maneira, em outra passa- E CHARLATÔES
gem de Eurípides, que muito provavel mente se refere
a iniciados órficos, encontramos, ao mesmo tempo,
tabus alimentares (eµtJJúxwv) e de vestimenta: Resta claro que na prática d e ritos ó rfi cos temos
, pu- distinguir, em primeiro lugar, os meros panici-
1,1111l'S, os chamados iniciados o u mistas, e aqueles
Levamos uma vida pura, desde que
me converti em iniciado de Zeus do Ida 10
1111110s que os celebram e organizam. Platão não se in-
depois de ter celebrado os trovões do notívago " 1t•ssa nem um pouco pelos p rimei ros, mas alude, em
Zagreu ,l1vnsas ocasiões, aos que transforma ram em ofício a
e os banquetes de carne crua, 1111.1ç5o como ho mens santos, como sacerdotes que di-
e sustentar as tochas em honra da Mãe silvestre 11gc m as tektai, entre outras atividades rituais. A eles se
junco aos Curetes 1,·li:rc também a expressão "seguidores de Orfeu" que,
recebio nome de Baco, uma vezsantificado. 15
Com vestes rocalmcnrc alvas n.Juco

1 \, E11 r. C rct. fr. 472 Kannichr (OF 567) fT J Lb]. cf. Casadio 1990;
C:ozzoli 1993; 13crnabé 2004b. As "vestes cornlmente alvas" se
10. Cf. § 1.6 e n. 62, assim como§ l 0.5. refere, p robablcmcncc, às de linho, apreciadas pelos órficos pela
11. Eur. Hipp. 952ss. (OF627) [T l0b), cf. § 1.6. pu re-,.a do tecido.
12. Hdt. 2.81.1 (OF 650) [T 11 a]. 11. i\ristopho fr. 12 K.-A. (OF 431 III) IT 36fl, cf. § l 0.5.

84 85
supostamente, encobrem a profissão de sofista nas tele- l'li11.11w fala d e um orfeutelesta em uma anedota
tai e nos oráculos, tal como vimos no § 2.2. Supomos 1, \ p,1rtano Leotiquidas, nos segui ntes termos:
que uma das razões pelas quais Protágoras os associa aos
sofistas é o seu caráter itinerante, d e modo que podemos 11 11rícutclcsta disse a Felipe, que era extrema-
imaginá-los indo de uma cidade a outra para celebrar 1,11·111c pobre e que dizia que os que se inicia-
ritos baseados na tradição órfica escrita. Não obstante v.1111 com ele eram felizes após o fim de suas
1'1d:1s: "Então, insensato, por que não morres
isso, temos a impressão de que as características d esces
,, <p1anto antes para deixar de lamentar a tua
profissionais estão longe de ser uniformes, o que susci-
dr~graça e a tua miséria?" 16
tou numerosas discussões tanto sobre a natureza d e tais
seguidores quanto sobre a interpretação das passagens
1k ~ua parte, Teofrasto tip ifica o beato obsessivo
concretas que aludem a eles 15 . Para poder discutir com
l 1 1,·ligião na seguinte descrição:
conhecimento de causa, apresentarei primeiro os teste-
munhos m ais significativos com os quais contamos (de I·'. quanto tens um son ho, reco rras aos in-
Platão e de outros autores), para estabelecer de imediato 11:rpretes de sonhos, aos ad ivinhos, aos au-
uma comparação entre eles e tratar d e derivar de uma gurantes, para pergun tar-lhe a que deus (ou
visão conjunta algumas conclusões. dcusa) deves suplicar. E celebra os ricos com
Comecemos pelos escassos testemunhos sobre os os orfeutelcstas a cada mês com a sua mulher
que atuam profissionalmente como sacerdotes, adivi- (e se a mu lher já não tem tempo, com a cui-
dadora) e co m os filhos17•
nhos e iniciadores sob o amparo do prestigio d e Or-
feu. A investigação moderna costuma designá-los com
Por último, Filod emo, ao falar do estilo d e alguns
o nome de "orfeutelestas", m as d evo destacar que este
1'11v 111as, nos diz:
termo aparece apenas crês vezes em toda a litera tura
grega e nunca em uma forte órfica, mas em autores [Esta crítica tem] pouca justifica tiva ao
estranhos, ·mesmo hostis ao orfismo, como se vê pela acrescentar, com o tím pano de um orfeutc-
forma irôn ica ou d esrespeitosa com a qual se referem a lcsta e o cálamo de um pedante, que "o que
eles. Vejamos as passagens em questão: conta mentiras não só deve escolher palavras
exóticas, mas também as mais charmosas" 18 ,

J 5. Cf. Gemclli Marciano 2006, que aprcsema uma panorámica de


adivinhos e magos d o final do séc. V a. C., não precisamente ó r- 1h , l'lu. Apophth. Lacon. 224D (OF 653) [T l lcl .
ficos, mas com os quais se cm recru7.an os personagens que estudo 1/. Theophr. Char. 16.11. (OF654) [T I ld].
neste capítulo. t K. Phld. Depoem.1~ 1-lercul. 1074 fr 30 (18l.l ss. Janko, OF 655) [T 1 le].

86 87
onde "tímpano de um orfeutelestá' se refere a um or- Pedin tes e adivinhos que vão às portas dos
namento musical sem nenhum sentido. ricos os convencem de que são dotados de
Os três autores são eruditos, conhecedores da filo- um poder procedente dos deuses, o de, por
sofia, e nos apresentam com pouca simpatia esses pro- meio d e sacrifícios e cura ndeirismos, curar
fissionais, pobres e desastrados, que prometem uma qualquer injustiça cometida po r eles ou mes-
vida melhor aos que se iniciam em seus rituais, cuja mo por antepassados, com a ajuda de diver-
sões e festas, e o de, se se quer causar algum
clientela é gente supersticiosa, que interpreta sonhos e
mal a um in imigo, por pouco dinheiro, sen-
que utilizam estrepitosos instrumentos musicais apro-
do justo ou injusto, prejudicá-lo por meio
priados para suscitar estados de êxtase em seus segui- de conjuros, pois dizem que persuadem os
dores. Temos a impressão de que "orfeutelesta'' é um deuses para que lhes sirvam. [...] Apresen-
termo próprio do que poderíamos denominar "pers- tam-nos uma p rofusão de livros de Muse u e
pectiva externa'', neste caso, uma perspectiva erudita e Orfeu, d escendentes, segundo dizem, da Lua
quase "de historiador das religiões", que não carece de e das Musas, co m o rnamentos com os quais
conotações negativas 19• organ izam os seus ritua is, co nvencendo não
Uma passagem de Estrabão nos apresenta o pró- apenas indivíduos particulares, mas até m es-
prio O rfeu com os traços daqueles profissionais: mo cidad es de que é possível a libertação e
a purificação das injustiças, tanto em vida
Ali (cm Pimplea) dizem que O rfeu passava a qua nto na morte, por m eio de sacrifícios e
sua vida, um bruxo que vivia de esmolas em jogos d ivertidos, aos quais, é óbvio, chamam
troca de música, adivinhação e celebração teletai, que nos livra m dos mal es do Além ,
das teletai-io. enquan to aos que não celebram sacrifícios,
os esperam terríveis castigos21•
Tem-se a impressão de que Estrabão n ão fez o utra
coisa senão projetar sobre o próprio Orfeu os traços
dos que praticam os seus ritos, mas é interessante as- ' 1 PI. Resp. 3646c (OF 573 ]) [T 13 e T 44]. Cf. Lobeck 1829, 643;
sinalar q ue a terminologia que emprega coincide de i',cller 6 1919, !, 123, 2; Schusccr 1869, 7; 14; G ruppc: 1890, 713;
forma notável com a qu e Platão utiliza em um passo 720; Maass 1895, 76; Rohdc 1895, 3 l= 190 1, 11,295), 1907, li,
127;Tannery 1901 ,317; Wilamowirz 1932, ll 191s.;Li:nforch 1941,
muito comentado: 77ss.; Guthric 1952, 201 s.; Boyancé 1937, l 4ss.; Moulinier l 955,
l4s.; Montégu 1959, 76s.; Burkert 1972, 19 1; Graf 1974, 14; 95;
Adorno 1975, 16s.; Alderink 1981, 74s.; Parkcr 1983, 300; Wcsc
19. Bernabé 20066, 106. 1983a, 21; Sfameni 1984, 145; Freyburger-Galland--rreyburger-
20. Strab. 7, fr. 10a Radr (OF 659) [T I lf] . Cf. Liv. 39.8.3. Para a ' l:1uril 1986, l 23s.; Casadcsús 1995, 89ss.; 2002, l 9 1ss.; $orei 1995,
relação entre as passagens, cf. Bernabé 2002c. I0ss.; Baumga.rcen 1998, 73s.; 13urkerr 1999a, 64; 199%, 102; Ca-

88 89
Vimos que Platão util iza "pedintes e adivinhos" 1 ogo veremos mais detidamente tais ocorrências no
(àyúQ'tCXL be xa.i. µ áv'taç)22 e que Estrabão fala que , ,11111111LO dos testemunhos. Agora, tratemos do de Platão.
Orfeu "vivia de esmolas" (àyUQ'tÉoV'tiX) e pratica- Vimos que, com efeito, Platão insiste no fato de
va a adivinhação (µ a.v'tLKfjç); os personagens citados 111d11arem livros, palavra escrita, frente à transmissão
celebram teletai e praticam a magia, tal como indica o 111 d ele Homero e H esíodo em recitações públicas, e
faro de Platão dizer que atuam "por meio de conjuros" '1111· ( a posse do escrito que lhes confere autoridade.
(bmywya.'iç) e o de Estrabão chamar Orfeu de "bru- \11 110s perguntarmos sobre a natureza exata de tais
xo" (àvbQa. yÓ'7'tiX). Também a música tinha um papel li\ 1os, constata-se que a opin ião de Platão em relação
25
importante: é mencionada explicitamente por Estrabão 1, l.1s é de que são muitas, contraditórias e confusas .
e provavelmente subjaz os "jogos" citados por Placão23• () que mais importa no momento é q ue estes li-
Ao invés disso, em uma perspecciva não pejorativa, ' 1m seriam uti lizados nas teletai26 destinadas a livrar
um Papiro de Berlim24 que se refere à fundação, por ,lm pecados e assegurar uma vida melhor, neste mun-
parte de O rfeu, dos cultos de Elêusis, cita a instaura- ,lo e no Além. Tais teletai podiam se aplicar a indi-
ção desce leque de atividades como produto da d ili- ' 1duos e a cidades in teiras, o que parece ind icar não
gência do próp rio Orfeu: 11 .11.1r-se de cultos clandestinos, mas de algo com um

, dor público reconhecido: os adivin hos (µáv'tHÇ


[Orfeu era filho de Eagr]o e de Calíope, a 1• XQ11CYµoAóyoL), ai nda que não fizessem parte da
!Musa] (...) Transmitiu a veneração pelos 1ri igião cívica, eram especial iscas suscetíveis de ser
!sagrados ritos secrctosl a gregos e ib,lrbaros , ,111Lratados por quem necessitasse deles. Sua supos-
e com relação a I cada ato de culto cui[dou 1.1 função era a de livrar dos efeitos q ue os pecados
extraordinariamente] das celetai, dos misté-
l'l()duzem sobre as pessoas (àbu(~µa.'ta.). Os gregos
rios, [das purificações] e dos oráculos.
, onsideravam os erros cometidos no passado como
,ilgo ainda poderoso e como uma mancha real no
11ome, que deve ser limpo por meio de purificação
sadio 1999, l 36ss.; GraF 2000, 67ss.; Jiméne'L San Crisróbal 2002c,
(IWÜa.Qµóç)27, como uma opressão q ue necessita de
1 l 2s.; Marrín Hcrnánclez 2003, 60s.
22. CF. Clem. AI. Strom. 3.3. 17 .1 (OF 430 lll) IT 32al, que atribui
a Filolau (Philol. 44 B 14 D.-K. = fr. 14 Timpanaro Cardini ~
p. 402ss Huffman) a expressão oi na,\mol 0wA6ym u Kai •~. § 1.6.
~ll'.XV'tlt:Ç para se referir ao que parecem ser, uma Ve'L mais, órficos. 1(1. CF. § 1.2 onde definíamos as teletai como rituais d iversos, não
Cf. § 3.4. neccsariamenrc in iciáticos, relacionados aos Mistérios e com o
23. Cf inf,11. destino da alma no Além.
24. P.Berol. 44 (OF 383) IT I lg]. 1/. Cf. f>arkcr 1983.

90 9l
libertação (ÀÚaLç), ou como uma enfermidade que se l q11nnto para melhorar o seu destino no Além;
deve curar (àxúa0cu). Em todo caso, os praticantes 1 ll1111 do que entender que os rituais podem bene-
das teletai pretendiam se livrar daqueles males e pro- 111 1,11110 aos que estão vivos quanto ajudar aos que
duzir no indivíduo a sensação de ter afastado o peso 1 1t, 1,I mortos. A palavra que Piarão usa para "mor-
da culpa. ' 11 l'ufemismo 'CEÀEU't:OÜULV "finados" lhe dá a

Para Platão, sem dúvida, tais cerimônias não são I'"" 1111 idade de estabelecer um jogo de palavras com
algo sério, mas divertido, como um jogo (0umwv xal. 1 \1 11'1. A asseveraciva b~, que traduzi por "é óbvio",
Timbtâç iíbovwv). As razões para tal parecer podem , , 1,lica porque Piarão considera que o termo tele-
ser diversas: ou porque 71:CXLÕLá se possa utilizar em gre- 11lil'dece a cal relação etimológica. Ó rficos e Platão
go (como ocorre com os verbos play em inglês ou jouer 111111'.1nilham o gosto por esses jogos linguíscicos31.
em francês) para desig nar uma representação (há nu- 1) L"spanroso destino dos não-iniciados implica que

merosos testemunhos de que as tefetai faziam parte de 111,I"' os homens estão maculados pelas culpas, sejam
uma espécie de pantomimas, entre outras, do mito de 1''"1'1 ias ou herdadas dos antepassados. Isso não im-
Dioniso28), ou porque fizeram parte do desenvolvimen- 1''" , necessariamente (nem tampouco a contradiz) na
111, 1.1 de um pecado anterior, nem numa referência à
to do rito alguns jogos que recordavam os empregados
1, 111!.1 dos T itãs32. Em todo caso, como sempre, Platão
pelos Titãs para bajular Dioniso antes de macá-lo29, ou
, ,l .. libc radamente ambíguo com o que não o inte-
simplesmente porque os rituais pareciam a Platão uma
1, ,,,.,, e resta claro que neste contexto o seu propósito
necessidade indigna de gente séria e mostra o seu des-
111111t ipal é criticar o poder libertador cio ritual, não
prezo por eles, dizendo-os meros jogos.
111.disar os motivos da culpa.
No que diz respeito à expressão "tanto em vida
l\111 estreita relação com esta passagem da Repiíbli-
quanto na morte"30, devemos compreender que esses
' ,1 L'., tão outras, nas quais Platão parece aludir àqueles
rituais servem às mesmas pessoas, tanto quando estão
1'1olissio nais ou a outros, muito parecidos·B:

28. Cf. )iménez San C riscóbal 20062, 509ss. Cf. § 12.7. li Fs1a última é, por exemplo, a interpretação de Rohdc 1907, li
29. Mencionados por C lcm. AJ. Pror. 2. J 7.2 e no RCurob (OF 578), 128, n. 5 e Nilsson 1935, 229 segue afirmando que esrns preces
sobre os quais, cf. Wcsr J983, l 54ss.; Jiméncz San C riscóbal ,crviam aos que sofriam castigos no outro mundo, mas Gurhric
2006, 342ss.; Tortorclli 20026; 2006, 268ss., Levaniouk 2007. 1952, 2 J 4s. rechaça esta ideia; cf. Linforrh 1941 , 3 Is. e o passo
30. Cf. Bernabé 1999c. A mesma relação etimológica se encontra em paralelo PI. f'haedr. 244d (OF 575) lT 45] tratado no§ 12.2.
Plu. fr. 178 Sandbach (OF 594 [T 55c]), sobre o qual Burkerr 1 •. Q ue se discutirá no§ 8
1975, 96; Ricdwcg 1998, 367 n. 33; Bernabé 2001, l Oss. 11. 1)cvemos a rclaç.'io entre estas passagens a Casadesús 200 l; 2002a.

92 93
E o outro, que opina como o primeiro e ,1 pdtica da magia por meio de sacrifícios,
que supostamente é homem de bons doces, ,i'1plicas e curandei rismos, se lançam a des-
está tomado pelo engano e por armadilhas, 1 ru ir os alicerces dos pa rci culares, casas in-
e desta classe de pessoas surgem, em grande 11.:i ras e cidades, pelo desejo de d inheiro, de
número, os adivinhos e quantos se ocupam todos os que lhes pareçam culpados, impo-
de magia de todo tipo; deles surgem às vezes nha-se legalmente o tribunal que permane-
também os tiranos, os políticos e os estrate- çam encarcerados(...) ecc. 36
gos e os que conspiram em segredo nas tele-
tai, assim como as artimanhas dos chamados
sofisras34. l.1ro q ue Platão fala dos mesmos profissionais que
111•, , 1111 ras passagens estávamos analisando, para os
11111, .1go ra pede prisão perpétua, o q ue não deixa dú-
A referência a essas pessoas é sobremaneira pouco
1d.1 ,obre a sua opinião a respeito deles. Novamente
precisa, mas há nela alguns detalhes interessantes. Pla-
,1, ,1111raposição entre vivos e mortos como objeto de
tão to rna a pôr num m esmo terreno órficos e sofistas35,
11.1·, práticas, novamente a pretensão de ter poder para
mas agora inclui também os magos. Adem ais, quando
111111 sobre os deuses, de novo a aiusão a particulares e
diz que há pessoas que "conspiram em segredo" nas te-
, 1d,1dcs inteiras37 . Mas sobretudo deve-se destacar dois
letai sugere que estes rituais podiam encobrir práticas
,1, 1 ilhes: um, que, como veremos, os sacrifícios, as sú-
contrárias ao Estado.
1•111 .is e os rituais de cura (0vaÍ.aLç 'te Kai. EUXCXLÇ
Mas vejamos outro passo não m enos interessante:
1 , 11 l'TICvLba'iç) são precisamente os meios de atuação
d"' profissionais ó rficos descritos no Papiro de Derveni
E a todos aqueles que, por não acred itarem
1 ,. ,cgundo, que o comentado r de Derven i também
nos deuses ou por acreditarem que são des-
cuidados ou corruptíveis, se converteram em , 1dcre ao pagamento em dinheiro por profissionais
animais que, com o desprezo dos demais ho- , 11•, ll'Letai38 .
mens, se dedicam a seduzir as almas de mui- /\ mesma opinião se encontra neste novo passo pla-
tos dos que estão vivos ou, afirmando que 1,11lico:
também possam seduzir as almas dos mortos
e prometendo persuad ir os deuses mediante

Ili 1'I. Leg. 909a (OF 573 IV) [T 15J.


34. PI. Leg. 908d (OF 573 UI) [T 14]. Cí. l'l. Resp. 364c (OF 573 1) [T 44J, já citado
35. Cf. § 1.2. Ili (f. infra.

94 95
Há outro ripo (de veneno) que com sorti- ficasse cm evidência que não sabiam nada,
légios, rituais e conjuros persuade a quem consideraram sagrada tal afecção" .
deseja prejudicar outros que são capazes de
fazê-lo e a outros, que sem dúvida são pre- l l1pócrates não sente a menor simpatia por estes
judicados pelos que podem fazer bruxaria l''' '''\sionais", aos quais considera competidores des-
sobre cles39• llh No entanto, se analisamos com cuidado a passa-
111. vemos que Hipócrates emprega quatro termos
O seu juízo sobre este tipo de gente também resta l,11 1111ente balanceados. Os dois primeiros, unidos
sobremaneira claro: 11 11 ica(, são os técnicos, "magos e purificadores"
t•• 1 )'OL 'CE Kal 1<a8aQ'Ca(); os do is seguintes, in
E se alguém deu a impressão de estar cau- ,, , 111/0, são a "tradução" emocional que os termos
sa ndo dano, por meio de conju ros, determi-
, 1111 os geram no autor, a interpretação que o autor
nados rituais ou malefícios desre tipo, seja o
que for, se for um adivinho ou intérprete de
f dm personagens, como "mendigos e enganad ores"
, \ , 11nm K<XL à;\aÇóv Eç).
prodígios, que morra40.
11,pócrates emprega o mesmo procedimento lite-
111111 1· 111 outro passo do mesmo livro 42 :
Outra fonte, o Corpus Hippocraticum se refere a al-
guns profissionais aos quais o autor dedica a mesma
hostilidade que o filósofo: ' l: 1111bém se pode cu rar csra enfermidade (a
epi lepsia) se se reconhecem os momentos
Pa rece-me que os primeiros a considerar sa- 1lpo1'tunos para os tratamentos adequados,
grada esta enfermidade (a epilepsia) fora m ,cm purificações nem magia, nem toda a
gente como hoje são os magos, purificado- d1arlaranice deste ripo.
res, charlatões e enga nadores, que dão ares
de ser muito piedosos e de saber mais. Esres, 1 k novo nos deparamos com do is termos técni-
com efeiw , apelaram ao divino como prote- ' "purificação" e "magia" (Ka0aQµo( e µay í:17),
ção e escudo de sua incompetência por não .ii111lns da sua "tradução" na interpretação hipo-
ter reméd io ao que recorrer e para que não

1 1 ltpp<>Lr. Morb. Sacr. 1.1 O (60 Grcnsemann OF 657 II) [T l 3a l.


·,.,J,,,. estes passos cf. Casadesús 200 l; Mufioz Llamosas 2002;
39. PI. Leg. 933a (OF 573 V) [T 16J. li, 111.,h~ 20066; Martin Hcrnández 2007, 67ss.
40. PI. Leg. 933d (OF 573 VI) [T 17]. l l111pncr. Morb. Sacr. 18.6 (90 G renscmann = 657 I) [T 136].

96 97
crática "toda a charlaLa nicc: deste 1ip11' ('/lrVllljl, 'I qi... 1'111- , 11111 1.1111 11111'1,111 n· 11 1t· 110., mi~térios
'tOLIXÚ'tf]Ç f3avaua[11ç). Em am bas a~ p.1s~.1grns l li- I" 1111 11111, 111 lm li11 11 1r11~.
pócrates emprega uma fraseologia parecida a como se:
agora disséssemos "o que necessitas é de férias e não lm "' 1111110~ tl'rmos citados por H eráclito estão
de psiquiat ras espertalhões", o nde o matiz pejorativo outras fo ntes como termos pró-
1111111.11 111-. l' lll

não está no termo "psiquiatra", mas na avaliação ne- 1111 1111111110 dos mistérios órfico-dionisfacos, sem

gativa que o falante faz das suas atividades se nota na 11 .1, "<''(lri 1osi\ motivo pelo qual não teríamos

"tradução" ou equivalência que surge por detrás do 11, .l11v11l.1r de que também µáyo t careça de tal
11 111111,1 <:oisa é que o filósofo de Éfeso não acre-
nom e profissio nal. Em todo caso, não há dúvidas de
que a visão hostil sobre os µáyoL como profissionais 111 , 11· t qio de práticas ou as critique.
da religião ou da cura por parte dos seus adversários 1 11 ""' kva a crer que o mais provável é q ue o ter-
11111 dl' uma "perspectiva interna" (vale d izer, a dos
devia ser um fator do p rocesso pelo qual se acabaria
por registrar um valo r pejorativo que notado nos tex- 1111,,_ 111iciados) designa os profissionais dos ritos
tos posterio res. " " \l'j,1 µáyoç. E assim parece indicar também a

Em uma passagem de C lemente, que cita H erá- 1 \' 1 do Prtpiro de Derveni45•


clito43 como fonte, µ áyo L figura em uma relação de
termos técnicos que se referem aos participan tes dos 111vocações e sacrifícios apazíguam as almas.
1Jtlla cura dos magos pode mudar46 os dai-
mistérios:
1111mes que atrapalham, dado que os daimo-
11cs que atrapalham são almas vingativas.
Aos notívagos, aos magos, aos bacantes, aos
~ po r isso que os magos fazem o sacrifício,
iniciados, a alguns os ameaça co m o que há
dc acordo com a ideia de q ue estão exp ian-
após a mo rre, a outros, lhes profetiza o fogo ,
do um castigo. Vertem água e leite sobre as

43. H eraclic. fr. 87 Marcovich (= 13 14 D.-K.) = C lem. AI. Prot.


2.22.2 (OF 587 e 656 Ili) IT 13c]. Sobre as dúvidas acerca da 11 A\\im, para citar apenas alguns exemplos, VUK'UTCÓÀOU é cpí-
aurcncicidadc do passo, cf. Marcovich 1967; Kahn 1979; l'radeau 11·10 de ZayQlwç em Eur. Cret. fr. 472.11 Kannichc [T I lbl;
2002, cm suas rcspecrivas notas ao fragmento, assim como Craf lléoqOLe µúa'CCIL são mencionados juntos na lâmina de Hipo-
1994, 33 e n. 8; 13remmcr 1999a, 3 e n. 20. Mas a documentação 1110 e. a. 400 a. C. [T 50a] (OF 474.16), enquanto que ,\~vat

de ~•áyot na col. VI do Papiro de Derveni, onde também encon- .1parcce corno o título de Theocr. ldyl. 26.
tramos referências ao <jU C vem ap6s a morre (concretamente os !Werv. col. VI 1-13 (OF471) [T 13d].
''terrores do H ades") e ao fogo, apoia poderosamente a autentici- 11, li-aduzo "mudar" já que não podemos determinar se o q ue faz é
dade d o fragmenro. "mudar-nos de lugar" o u "mudar a sua natureza".

98 99
.i, lo considerados especialistas em atividades rituais e
oferendas, com as quais também fazem liba-
ções. Incontáveis e de múltiplos tipos são as '1'11' os iniciadores órfi.cos se comparassem com eles, cal
w rtas que queima como oferendas, porque , 01110 convincentemente defendido por Betegh.
as almas rambém são incontáveis. Os mistas Com efeito, estes µáyoL, que não são em ne-
sacrificam primeiro as Eumenides, como os 11l111m momento designados como estrangeiros, nem
magos, pois as Eumcnides são almas, motivo 'l'' csencam características que possam determiná-los
pelo qual quem vai primeiro sacrificar aos , omo cais48, celebram um ritual que é g rego e que cem
deuses deve livrar um p:[ssaro com os que l'-11.1lclos claros na Grécia49, as divindades que recebem
conseguem voar, (...) de modo que (...) são , 111! 0 são também gregas50, como o é o texto que os
almas (...) 111.1gos recitam, que não pode ser senão o poema ceo-
1'.''"ico comentado com pormenor pelo autor do texto
Po r três vezes o texto faz menção a "magos" (µáyOL) , protagonizado pelos mesmos deuses que a Teogonia
que realizam certos ri tuais. A entidade dos µáyOL foi ,1, l lesíodo (Céu, Cronos, Zeus). Aliás, um texto de
submetida a discussão e sobre ela foram dadas, fun- 11, ródoto sob re os magos persas no qual. se diz que um
damentalmente, três resposta: a) seriam profissio nais 111.11-10 entoa uma ceogonia5 1 e que é frequentemente
estrangeiros (magos iranianos, segundo Tsantsanoglo~ , 11.1do para apoiar a tese de que os µ á-yoLdo papiro
e Burkert ou babilônios o u assírios, então submeti- 1 1111bém são persas, é, isso sim, um exemplo contrário,
dos aos p,ersas, de acordo co m West); b) charlatões, 1u11l1ue Heródoto nos apresenta tais magos fervendo a
segundo Jourdan, e c) sacerdotes ó rfi cos, de _acordo , 1111c, cm confronto com o riwal cruen.co que se des-
com Most e Becegh, posição também defend ida por ',, vc no Papiro de Derveni e nem sequer fica claro que
mim em outra sede47 . N a minha opinião, mesmo que " , .1nto dos persas foi uma teogonia; é mais provável
0 termo seja de o ri gem iraniana, os µáyOL citad os no 'I"'' tenha sido um hino no qual se invocava Ahura-
Papiro de Derveni são ofician tes ó rficos, exatamen te os
mesmos denominados orfe ucelescas por alguns filóso-
fos e ayÚQ'ClXL e µáv1:HÇ e outras referências negati-
vas de Platão. É provável que os magos persas tenham 111 llt-rnabé 2006b; Martín Hcrnándcz 2007.
t" 1 1haçõcs sem vinho cm Acsch. E11m. l 07ss., tortas de múltiplos
"IK>S cm Clem. AI. Prot. 2.22.4.
li 1,1que não há motivo para considerar que las Erinias sejam "tradu-
47 _ T,ancsanoglou 1997, 110-11 5; Burkcrc 2002, 146ss.; West 1997, das Frrwnshis persas, como sugere Tsantsan oglou 1997, 1 13 ;
\11,·,"
89; Jourdan 2003, XlV e 37s.; Most 1997; Bcrcg11 2004 , 7, 8s~-•
, f Bcrnabé 2007e.
cf. a revisão da questão por Kou rcmcnos em Kourcmcnos-1 aras-
lld1. 1.132.
soglou-Tsanrsanoglou 2006, 166-168 e por Bcrnabé 2006b.

10 1
100
mazdah52 • Tudo isso nos leva a pensar que, como em 1 l'dq,sia, citados por Hipócrates55, e os que abusariam
outros lugares da sua obra, H eródoto estabelece uma 11 1 , onfiança e do medo das pessoas sensíveis, para não

interpretat i o Graeca do ritual que descreve e atribui aos 1,111 dos que ofereceriam os seus serviços para fazer
magos per sas a imagem dos magos conhecidos por ele 111 ti .,os outros, em uma espécie de magma no qual é
na G récia53 . ,lil h ti traçar limites claros56• N ão deverá nos estranhar
Os autores discutiram sobre a identidade dos indi- 11 l.11 0 de que Platão considere os iniciadores órficos e

víduos que aparecem citados nas passagens anteriores 1111 fnt iceiros num mesmo grupo. Com efeito, se atri-
como órficos ou não, sobretudo os citados por Piarão 1111 1.1 m a O rfe u poderes mágicos57 (era capaz de embe-
como àyÚQ1:lXL Ka i. µávrc:Hç. Alguns acreditaram lt 1.11 animais e pessoas, atuar sobre as árvores, ve ncer
que os pe r sonagens citados por Piarão não eram au- tt w1cias com o canto) e circulavam já em época dás-

tênticos 6rficos, mas uma espécie de versão degenera- "., rncantamentos de O rfeu 58•
da deles; p a ra outros, não são órficos de modo algum, A razão pela qual creio que os p rofissionais que
mas puros farsantes54 . Minha opinião é a de que os lll'-"t·cem citados nas passagens que acabo de apre-
seguidores d e O rfeu não constituíam um grupo coe- 111.,r são os mesmos - adm itida a va riação a que me
rente, mas, isso sim, que ap resentavam uma tipologia 11 f, 1i - é que as suas funções são as mesmas. Baseará
variada; existiriam os sinceros, até mesmo fanáticos, f 11<'1 um quad ro comparati vo para evidenciar q ue to-
que seguiria m uma vida de ascese e pu rificação; exis- ,11•, l'Ías se referem a um mesmo ri po de pessoa (cf. o
tiriam os vulgares e acomodados que usariam o ofício •JII ulro da p.104).
corno um a m era forma de vida; existiriam os que ofe-
receriam urna salvação rápida e uma purificação ime-
diata, em t r oca de alguns benefícios; a esses, acrescen-
taríamos o s purificadores que supostamente curariam

1 lippocr. Morb. Sncr. 18.6 (90 Grcnscman n) [T 13b].


, . llnnabé 1997.
l\1•rnabé 1998d; Martin Hernándcz 2003; 2005a; 2007.
52. C fSchrad er 1977,201. '' < 'C, por exemplo, Eur. Cyc/. 646-648 (OF 814) [T l ?aj, cm que
53. Sugestão d e Martin Hcrnández 2007, que destaca que l lcr6doto usa 11111 dos sátiros do coro de companheiros de Odisseu que se dis-
conscan rcm cnre nomes gregos para falar dos deuses de outros pa/scs, pncm a cc1,>ar o C iclope declara possuir u m encantamen to muito
como Dio n iso por Osíris (Hdt. 2.47.9, 2.48. 1, 2.123. 1 [T 27al). d kaz de O rfeu, que fará com que o pau vá apenas contra a sua
54. Versão degenerada: Nilsson 3 1967, 1, 696s.; farsa111c,: ' lannery , .1bcça. Cf. mais testemunhos cm OF 8 12-834. Sobre encanta-
1901, 3 1 7ss.; Lin fo rth 194 1, 75ss.; Scalera McClinrock 1988, 11,rnros relacionados com O rfeu, cf. Bernabé 2003b; Mardn Her-
139s.; Casadest',s 1992 e 2008. 11.indcz 2007.

102 103
A leitura do quadro nos oferece suficientes elemen-
111•, ,k juízo para esboçar as características desses pro-
li ,\ltlllais. São sacerdotes aos quais os 6rficos chamam
p,tyOL, antes de que o termo se revista de sentido
I" 1nrativo, enquanto que os seus detratores insistem
, 111 ~11a condição de pobres ou pedintes (àyÚQ'rlU),
<li
~ , 11 .1 ~e centram em um dos aspectos do seu trabalho,
11 ill' adivinho (µávn:Lç), ora utilizam o teirmo que

,, 1w para designar os feiticeiros (yÓT}Ç) 59 . As ativida-


I [ .11·\ desses profissionais são diversas. Celebram teletai,
:e l
11111.,is para que os assistentes se livrem de suas culpas
,
~
, 1k seus medos, nos quais fazem sacrifícios .sangren-
.ci -§ 1m, elevam súplicas aos deuses e recorrem também a
g Q.

LQ 1 C"
,._
•O
, 111 ,1s e práticas mágicas. Sua pretensão é, de um lado,
1'11rificar os pecados, tanto os cometidos pelo sujeito
'111.111to os herdados de seus antepassados; por outro,
1111ar sob re as Erínias e o utros seres infernais que ater-
111rizam os crentes, para que eles encontrem o mais ra-
pidamente possível o caminho para o Além. lPraticam
1111da a adivinhação e a interpretação dos sonhos, vale
,111.er, exercem todo um leque de atividades d e caráter
pl'ssoal, que a apenas a religião cívica devia recobrir.
Em geral, pretendem livrar de toda classe dle culpas
p,1ssadas e ser uma espécie de seguro ou de inversão
p.ira a outra vida, de modo que quem se submete às
•.i1:1s práticas passe melhor no outro mundo. Pessoal-
111cnte, ao menos segundo alguns deles, devia ser per-
\t magens pitorescos, sempre entre livros e acompanha-
dos de curiosos instrumentos musicais que facilitam

,'J. Burkert 1962.

104 105
o êxtase místico, pobres, sujos e desrespeitados, tanto 1111 ,, 110s ocupamos agora dos intérpretes da palavra
pela classe dirigente quanto pelos filósofos e pelos co- !11, .,, isto é, dos que pretendiam explicar o sentido
mediógrafos (cf. § 10.5) que fazem deles objeto de troça. 111.m profundo" dos textos. Platão alude de forma
60
Não são designados por ninguém, mas "ordenam" 111•..1 1H> fon a pessoas capazes de interpretar Orfeu ,
a si próprios, uma vez que o movimento 6rfico care- 1111, l< muito mais clara a sua referência no Mênon a
ce de igreja e de hierarquia. A sua legitimidade se dá, 11111.1 { lasse particular de indivíduos
por um lado, pela posse de textos 6rficos, escritos para
serem utilizados em rituais e, por outro lado, pelo seu Pois ouvi de algu ns varões e mulheres enten-
êxito, para que o público os aceite. didos em assuntos divinos... Quem o diz são
Para Platão, tais personagens celebram rituais ridí- os sacerdotes e as sacerdotisas que conside-
culos, que para ele carecem de qualquer efetividade. ram importa nte dar explicação daquilo com
No entanto, a sua mensagem inovadora e individua- o que se ocupam e são capazes de fazê-lo61•
lista, somada ao seu caráter errante, é, provavelmen-
te, o que faz com que Protágoras os considere como Prcnte aos "poetas inspirados pela divindade"
antecessores dos sofistas. Platão aceita cal semelhança, 11 ,., l[Uais o filósofo se referirá imediatamente depois
mas com um sentido novo. Sofistas e magos, por de- ld especialistas, ho mens e mulheres, que tratam
trás da sua aparente inocuidade, po rtam uma men- ,1, 1•11contrar um sentido para os textos usados em
sagem subversiva contra a religião oficial da cidade, , 11, rituais. Sem dúvida, são o seguidores de Orfeu
potencialmente desagregadora da coesão social que ela
, Museu, citados em Resp. 364e, que recobrem com
supõe, ao propugnar seja uma moral particular ou a
I" 1 k ição os traços definidos na passagem: dispõem
ausência de qualquer moral, seja por buscar uma sal-
,1, 11111a tradição escrita (f3(f3i\wv), que apresentam
vação pessoal, de modo que quem comete delitos não
( lll(?ÉXOV'rcu ), porque a sua posse confere legiti-
tenha medo, por pensar que se livrarão da sua culpa
1111dadc e com aj uda da qual celebram os seus rituais
por meio de participação em um ritual.
(! h ,qrroi\oumv ... -u:i\t'Cáç). Por tal motivo, com-
l""'m maioria os autores qu e entendem q ue é aos órfi-
2.5. INTÉRPR ETES DA PALAVRA ÓRFICA • '" que Sócrates alude aqui62.

Mudando radicalmente a o ri entação que nos levou ,,11 l'I. lon 533b (OF973) [T 4], cf. Eggers L~n 1991, l l l s.
às variantes mais populares e supersticiosas do orfis- 1d PI.Men. 8 1a (OF424) [T 25J,cf. Kin~ ley 1995, 160~.; Bcrnabé 1999a.
11 ' Cf. a discussão, com bibliografia, em 131uck 1961 , 274-276. Po-

106 107
A outra candidatura que às vezes se propõe, a dos 111,·ocupações religiosas, como a necessidade de man-
pitagóricos, é muito menos satisfatória. Alega-se em 1, 1rm-se santos e puros (Ó<JLOL).

seu favor que as mulheres tinham papel de relevo entre l'or sua vez, Platão, no Górgias, fala ele "um dos
os pitagóricos e que não haveria dados que o mesmo 11110s''. e de um misterioso "individuo engenhoso"
ocorresse entre os órficos63; trata-se, no entanto, de lhnptpàç CX.VfÍQ). A identificação dos personagens
argumento sobremaneira insuficiente, já que nossa in- 111n1cionados no passo foi um verdadeiro problema
,,.11.1 a crítica, sobretudo porque houve diversas formas
formação sobre o orfismo antigo é sumamente frágil.
Com efeito, se é verdade que não há dados sobre a
,1, rntendê-lo. Vale a pena analisá-lo para esclarecê-lo.
1 . l omo se jogo com as palavras, precisamos ter diante
existência de sacerdotisas órficas, tampouco há dados
.lo\ ol hos o original grego:
sobre a sua não existência. Sabemos que o orfismo é
uma especialização da religião báquica e que nela as Kai. 17 µ i:iç 'tWL óvn tawç 'tÉ0va µi:v·
~ eres desempenhavam um papel importante64 • A l7ÕT] yáQ 'tOU EYúJYE KlXL l7KOUaa 'tWV
propósito das pitagóricas sobre as quais temos infor- aocpwv wç vüv 17µ1:iç 'rÉ0vaµi:v Kai.
mações, são filósofas, não sacerdotisas65 ; mais ainda, 'tà µ tv awµá fonv Í]~Üv oi']µa, 'tijç
não parece que um p itagórico possa ser satisfatoria- bt l(!uxijç 'tOÜ'tO évwt ém0uµ[m dai.
mente definido como lEQEÚÇ. Além disso, Platão cita 'ruyxávn ôv oiov àvand0i:CJ0m
Pitágoras uma só vez66, mas como "mestre da vida" e 1cai. µ E't1X7tL7t'tELV &vw KCX'túJ, 1<ai.
wüw &Qa nç µu0oAoywv 1<0~1tjJàç
não como pensador das coisas da alma. Aq ui, ao invés
àv~Q, l'.awç LLKEAóç n ç fJ 'hat\1xóç,
disso, o filósofo se refere a pessoas dominadas pelas naQáywv 'tWLóvóµan btà 'tà m0ctvóv
'tE KlXL 7tELanKàV WVÓµaaE n[8ov,
'tOIJÇ ÕE CtVOtÍ'tOUÇ aµUT)'tOUÇ, 'tWV
demos citar, ademais, Colli 198 l , l 20s., 389s.; Lloyd-Jones l 985; b ' àvo1í'túJV wüw 'rijç tjJux.ijç oú ai
Casadio 1991, 119-155; Bcrnabé 1999a. ém0uµ[m da[, 'rà etKÓAaa'tOV aÚ'tOÜ
63. l.ong 1948, 68s. Mas Casad io 199 1, 130 quali fica esta atitude Kai. ou G'tEyav óv, wç 'tE'tQ'l µÉvoç
corno resultado de urna tornada prévia de partido. De rodo modo, ElT] nL0oç, bux T~V CX7tÀT]G'tllXV
a separação entre caraccerísricas órficas e pitagóricas nem sempre é
ànn1<áaaç. 'tovvav't[ov b17 oúwç ao[,
clara.
6f Por exemplo, várias lfuninas de o uro foram encontradas cm
w KaMüv\nç, évbdKvu'tm wç 'tWV
tumbas de mulhe res, c f. Bcrnabé-Jiménez 2008, 59. lv '.í\tbou - 'rà chbtç bt) Mywv - oÚ'tüt
65. cr. Bluck 1961, 276; Casaclio 199 1, 130. à 0ALW't1X'tOL àv di:v, oi àµÚT]'tOL, Kai.
66. PI. Resp. 600a. O argumento é de Casadio 199 1, 130, com biblio- cpoQOiEv dç 'tàv 'tE'tQT] µ Évov n Wov
grafia.

108 109
ÜbWQ E'tcQWL 'tOLOÚ'tWL 'té'tQí]µÉvWL t\ c;rírica d estacou q ue Platão se refere a duas p es-
KOOKÍ.VWL. -rà ()E KÓOKLVOV ãQa ;\Éyc L, "" di versas68 : de um lado, a um sábio ('tOU ... 'tWV
WÇ lcp11 ó 7IQàÇ Éµe Mywv, 'IT)V 111111><,>V), co m cuja d o utrina concorda oralmente
i)Juxf1v dvar 'TTJV be i)Jvx~v KoadvwL li p, 01,aa ... ó 71:QÓÇ e µ t i\Éywv); de outro, a um
àmíu<cxat:v T~V -rwv à v01í 'tWV wç
111.l1 vic.luo engenhoso, calvez sic iliano o u itálico, que
'tc'tQf]µÉvTJV, Lhe ou buvaµÉvqv
, 11111.1 relatos mitol6gicos (µ u0oi\oywv), mas que faz
a-rÉyHv bL' àma'tÍ.av -re Kai Atj811v.
)111'," de palavras (71QÓ:ywv 'tWL óvóµan). Sóc rates
E nós, a bem da verdade, podemos estar 11 , on hece apenas por m eio do que o primeiro info r-
mortos; o uvi de alguns sábios que estamos 111111te explica (i\ÉyEL, WÇ E<pf] Ó 71:QÓÇ e µ t i\éywv ).
agora mortos e que o co rpo é para nós uma Por sua fonte d ire ta de informação o ral , Sócrates
sepultura; a parte da alma cm que residem , 1111hece uma d o utrina segundo a qual agora (vale d izer,
as paixões é de uma natureza que se deixa 11, , u vida) esta mos m o rros (vüv T]µEiç 'tÉ0vaµ cv),
seduzir e que se move violentamente para
1111\~0 corpo é uma sep ul tura ('tà µ e v awµá E<J'tLV
cima e para baixo. Sobre is10, um indivíduo
engenhoso, especialista em mi tos, calvez si- 11111v of]µa) e a parte passiona l d a alma se d eixa se-
ciliano ou ,'.cálic~, que joga com as palavras, ,l,11ir C é volúvel ('t17Ç ÔE 1Jmxfiç
'tOÜ'tO EV Wl K'ti\).
a chamou pote esta parte da alma, porque Seu info rmante fala d e um a segu nda fonte que
seduzível e fácil de se co nvencer, e aos não- ,, presentava os não-iniciados no H ades, na situação
iniciados, "insensatos", comparando esta 111,1is miserável, levando água em uma pene ira para um
parte _da alma dos insensatos na qual resi- 11111c perfurado, a lgo que dá à cena u ma interpretação
dem as paixões, a parte indômita e aberta,
1lq.~6 rico-et im o lógica.
a um pote che io de furo, por ser insaciável.
Se não tivéssemos outros testemunhos sob re ta is
Ele, Cálicles, ao conmlrio de tu mesmo, nos
ensina que no I !ades - se refere ao invisível , l11111rinas, poderíamos pensar que um autor anterior
(a-idés) - eles, os não-i niciados, seriam os .1 Platão, provavelmen te de âm bito pitagórico, a tinha

mais desafortunados e como seria o brigados forjado, do modo como P latão faz e m outros lugares,
a levar no pote perfurado água com um a pe-
neira. E a peneira, dizem, é a alma. E compa-
rava a alma dos insensatos com uma peneira, 11H Cf. Dodds 1959, ad loc., 296-299 (e a critica de de Gurhric 1962,
porque não pode reter o conteúdo por sua IV, 305ss.); 13urkert 1972, 248 11. 48, com a bibliog rafia funda-
deslealdade e esquccimcn to67 • mental; Graf 1974, 108 n. 65; Masaracchia 1993, l 86s., que diz,
<-0111 razão, q ue nestas tradições de contornos difusos e cm estado
magmático sería empresa desesperada e inútil tratar de lograr cla-
67. PI. Corg. 493ab (OF 430 li , 434 11) lT 33 e T 40]. sificações precisas. Cf. Kingsley 1999, 113s., 167ss.

110 111

- ~ UFRJ
1 INSTITUTO O
um mito alegórico, e que este se faria acessível a Só- pote perfurado (TI(0oç), uma imagem da parte pas-
crates po r segunda mão, por m eio do seu in forma n- , ional da alma porque é dóc il (m0av~) e pelo seu
te oral. Mas há outros testemunhos q ue nos indicam , .,ráter insaciável (btà -r17v Ó:7[;\ria-r[av), d e modo
que esta imagem dos não- inic iados obrigados no Ha- que os "não-iniciados" não seriam sen ão "insensatos"
des a carregar água em uma peneira não proced e de ( 'I OUÇ ... avotj-rouç àµutjwuç [se. w vóµam:"1)7°.
um mi to alegórico, m as que as palavras signifi cariam O terceiro é um con te mporâneo de Sócrates e
o que num prime iro nível de interpre tação, de fato, 11.msmissor da rel ig ião ó rfica, que teria comunicado
significam: que realmente os que não foram iniciados w rbalmente a Sócrates (1:ou tywyc Kal TÍKOuaa
sofrem p enas tísicas n o ou tro mundo69• 1<.>V a o<j)wv ) a doutrina do corpo-sepultura e do
Tem os, en tão, q ue d isting uir não dois, mas três ní- 1nrfvel d estino que aguarda os não-iniciados d o po-
veis de texto. O mais a ntigo, um poema sobre o qu e rnia, m as também na interpre tação do siciliano, que
aco ntece com as almas no Alé m , que pod e ria ter a poderia p roceder d e um texto escrito d e características
forma d e uma d escida ao H ades (uma Jffi'Cál3amç). "·melhantes ao Papiro de Derveni, o u d e co mentários
Nele, se tratari a da doutrin a do co rpo-sep ul tura e se mais que c irc ulavam em a mbientes órficos.
representaria as almas dos não- inic iados punidos no A razão de ser do segundo p erso nagem, o que in-
H ad es levando água d e uma pe ne ira para u m po te 1n preta o poema, é q ue um quadro tão c ru, d e acor-
p erfurado. C o nsideramos que este primeiro poem a do co m o qua l a realização d e d ete rminados preceitos
seja "órfico", no sentido d ado a esta palavra ao longo 1it uais (vegeta rian ismo, não usar ro upas d e lã etc.) e
d o livro. ,, passagem p or um ritual d e libação ofereceri am, de
Um segundo nível de tex to seria o que d iz o "en- 1111cd iato, um passaporte pa ra um destino melho r no
genhoso ... sic ilia no ou itálico", c ujo a utor não pode rn1tro mundo 71, devia resul tar po uco re fin ado para
ser o do poema no qua l se descrev ia os n ão- iniciados d l' terminados seguidores d a religião ó rfica ou , se se
punido's no o utro mu ndo: o que faz é incerpretar o prefere, p a ra pessoas instruídas qu e, sem duvida, viam
poema ao q ual acabo de m e refe ri r, d e forma a legórica
e etimo lógica, ("jogando com as palavras"). E assim,
re in terpreta o u traduz os termos orig inais, d e modo O. Não podemos, portanto, aceitar q ue se refira a Ernpédoclcs nem a
que o H ades seja o mundo do invisível (1:0 Ó:LÔEç), o Filolau, como se pretendeu, cf. Rchrenbock 197'i, 21 .
/ I . É a imagcn que nos o frecem as lâminas de ouro, segundo as quais
o conhecimen to de uma determinada contra-senha permite a
alma do morto chegar a um lugar no qual terá uma vida feli z
69. Cf. PI. Resp. 363c (OF43 I 1) [T 36], Phaed. 69c (OF434 III , 576 no Hadcs. Sobre as lâminas, cf. lkrnabé-J iméncz San Cristóbal
1) [T 41j. 2001; 2008.

11 2 11 3
na literatura órfica alguns elementos religiosos apro-
1 p,11 d etrás d o sig nificado aparente, já que o poeta
veitáveis. O final do séc. V e o IV é uma época em que
(111 , 1,• caso, O rfe u), "al egorizava". E uma chave para
florescem os intérpretes que tratam de oferecer uma
1111111 r.tr nessa alegoria era a interp retação_ eti11:1ológi-
imagem mais "mod erna" dos velhos textos (os d e Or-
1 ' Neste tipo de profissional pod emos msenr, sem
feu nãÕ seriam exceção), alguns dos quais p oderiam iltf11 11 1dade, o comentador d o Papiro de Derveni, que
ser pitagóricos. A crueza de cercos mitos (como C ro-
p,, 1,·nde explicar um poema d e Orfeu à luz da _filoso-
nos castrando Céu e devorando os seus filhos) n ão os
lt ,, ll'COrrendo a métodos e timológicos e alegón cos.
fazia de imediato aceitáveis a um público ilustrado.
e) p róprio Platão se presta ocasionalmente a esses
Trata-se, então, d e prestigiá-los, dota ndo-os de um
l1tf',<I',. No fim das con tas, trata-se ape nas_de mostr~r
n ovo con teúdo por meio d e uma interpretação simbó-
1, il 1rl idades literá ri as e certo engen ho. Ass11n, no Cra-
lica. De acordo com tais in térpretes, o texto é "enig-
11/0'\ cm meio e.i.n--mei-&a uma lo nga série de explica-
má tico"; o poeta não d iz d e forma cla ra o q ue quer
\lll'\ d e no mes, d estaca uma, a d e awµa a partir d e
dizer, mas d isfarça a sua mensagem, seja porque em
, 11, 11[.cu, que conside rava ser o _71otivo do uso d a pala-
toda a sua profun d idade não é acessível para o vulgo,
1, ,, pelos órficos, mas que provem da sua próp ria lav~a,
seja porq ue quer que apenas seja co mpreendido ap e-
, ,pie inclusive pode se dar que po r d etrás do tcoµljJoç
nas por um grupo de iniciados72• Por isso requ er d e
, , v t']Q d o G6rgias se esconda o p róp rio Platão, que,
um intérprete que o explique e recupere o seu sen tido
, , 11 mi ndo métodos em voga na sua época e demo ns-
p rimitivo e oculto. C o nhecemos esta tendê ncia em
11.111do sabe r uti lizá-los, joga o m es mo jogo, aind a que
textos não-órficos, co mo a a nálise dos poemas d e Ho-
, 111 levá-lo demasiadamente asé n·o 76.
mero7J, feita por Teágen es de Régio, mas não é menos
Ai nda que tenha mos que volta r a este pon to, os
certo que ocorra freque ntemente nos órficos. O mé-
111écodos utilizad os p o r esses co mentadores podem
todo básico de tais inté rpretes é p artir d o pressuposto
..,., tanto alegórico, qu anto etimológico, e, co m fr~-
segundo o qual o que se diz no poe ma n ão deve ser
'l"ência, ambos ao mes mo te mpo. Mas não só varia
tomado lite ralmente, mas que se deve buscar a verda-

1. Cf. I'.Derv. col. V I O "dito em forma de enigmas" (11 ,v[Çeco) e


72. Cf. l?Derv. col. Vil 4-5 . Col. XXV 14: "Os versos que se seguem o utras expressões scmclhanres, assim como Lamed ica 1991, 87-
s.fo compostos como um obstáculo, dado q ue (Orfeu) não queria 88. Sobre a inccrprccação etimológica, cf. Casaclesús 1997a e Srru-
que todos os conhecessem". PI. Alcib. 2. 147b. Cf. Bernabé 19996; ck 2004 .
Struck 2004.
~- PI. Crat. 400c (OF 430 I) [T 32], cf. Bcrnabé, 1995 e
73. Cf. os fragmentos clcsre au tor rcgisrrados na n. 8 de Diels-Kranz
ljJ97), ll. 8. §§ 13.7-8.
'(l. Cf. Casaclesús 1997a.

I 14
11 5
o método de interpretação, mas também a orientação co mpreendam (po is não lhes é possível ouvi r
desta interpretação, que pode ou manter-se nos limites e, ao mesmo tempo, enten der o que se diz),
da religião (caso dos intérpretes citados por Platão no mas quantos o fazem por obra de quem co n-
Mênon e no Górgias) ou derivar da pura erudição, nas verteu os ricuais sagrados em uma profissão,
mãos dos que dessacralizam o texto e o tornam objeto esses são dignos de admiração e de lásLima.
de estudo ou curiosidade de antiquário, aos quais cha- De admi ração porq ue, convencidos, antes
maríamos, avant la lettre e com anacronismos, filólogos, de serem iniciados, de que vão adquirir co-
teólogos ou h istoriadores da religião. Orfeu não interes- nhecimento, acabam a iniciação anres de ad-
sa à filologia alexandrina, mas tem os seus próprios co- q uiri-lo e sem ter proposto perguntas como
fazem os que com preendem algo do que vi-
mentadores, como Eudemo ou Epígenesn . Essas inter-
ram, ouviram ou aprenderam. De lástima,
pretações podem chegar até a filosofia (mesmo que bem
porque não lhes basca ter desembolsado de
compreendido tratar-se de uma filosofia religiosa). É o
antemão o gasto, mas que também acaba m
caso do comentador de Derveni, do próprio Platão, dos privados do j uízo. Eles que, antes d e celebrar
esc6icos, de Plutarco e, sobretudo, dos neoplatônicos. os rituais esperavam adquirir co nhecimen to,
uma vez que os tenham celebrado, panem
privados aLé mesmo da sua esperança 78.
2.6. UM "CATÁ LOGO" DE SEGUIDORES
D E ORFEU.
Mesmo que algu ns estudiosos considerem que o
.1111or anônimo possa se referir a Elêusis79, a ind icação
O comentador de Derveni interrompe em um ' 11,1s cidades" e a indicação de que esses sacerdotes são
dado momento o seu comentário ao poema de Orfeu p10fissionais80 sugere, de preferência, o t ipo de sacer-
para estabelecer u ma espécie de panorâmica de diver- do1 c itinera nte descrito por Platão (Resp. 364e), de
sas ma_n eiras de participar das iniciações órficas.

[No que diz respeito aos] ho mens que vi- H l!Derv. col. XX 1- 12 (OF 470) [T 13eJ. Cf. Casadcsús 1995,
ram os rituais sagrados nas cidades após tê- .199ss.; Kingslcy 1995, 164s.; l.1ks 1997, 124s. ; Obbink 1997;
los celebrado, me admira menos que não os 1-lussey 1999, 317; Pricc 1999, 1 14; Bernabé 2001, 15; Casa-
dcsús 2001 , 80; Betegh 2004, 361; M arrín 1-lcrnándcz, 2007,
52 5ss.; Bcrnabé, OF li 3, ntÍ loc.
'i Rusten 1985, 139.
77. Cf. OF 1128 (Epfgenes) e 1131 (Eudemo) com testemunhos e
·UI Em Elêusis o sacerdócio era uma prerrogativa de famíl ias concre-
bibliografia. tas.

11 6
117
modo que teremos de pensar que o mais provável é 1
/. C O N C LUSÕES SOBRE AS R EFE RÊN C IAS
que estamos diante de iniciações órficas. O comenta-
1' 1.ATÔ NI CAS A SEG UID O RES DE O RF EU
dor critica com grande ironia as atividades de outros
profissionais, que lhe parecem inúteis e enganosas.
81 ( :o m relação aos seguidores de O rfeu, vimos di-
Most diz que o autor distingue três tipos de partici-
. • 82
1, ,.is posturas de Platão. Situa os inocentes p racican-
1
pantes nos ntua1s : 1) os que creem na doutrina órfi-
1, , da "vida órfica" 84 em um passado remoto, uma
ca sem nenhuma análise, e participam das teletai com
, •,pt-cie de humanidade p rimitiva e santa, idealizada,
algum profissional p ertencente a qualquer dos grupos
111e ·.d, algo que já não faz parte do seu mundo. Já a
seguintes; 2) os sacerdotes que celebram ritos públi-
1'111pósito dos seguidores contem porâneos de O rfeu,
cos nas cidades83 e 3) os que transformaram os rituais
,, •,tl'munha, po r um lado, discípulos literários, legiti-
em seu ofício, isco é, os que iniciam privadamente e a
111.11nente inspirados; por outro, u m grupo confuso de
troco de dinheiro. A todos eles se opõe o próprio co-
111divfduos os que conhecemos como o rfeutelestas, aos
mentador, que critica tanto a celebração dos ritos em
,111,iis censura asperamente, sobretudo os que batem às
q~alquer explicação, como a capacidade de se apro-
veitarem do medo das pessoas (observe-se a referência 1111rrns dos ricos para tirar-lhes dinheiro e enganar-lh es
, 11111 falsas p ro messas; gente que Platão põe no mesmo
ao gasto de dinheiro). Ele, pelo contrário, presume
,.1,0 que os bruxos e vendedores de encantamentos
p raticar uma análise filosófi ca e "moderna" do texto e
1',1ra conseguir êxitos ou fazer dano, seja porq ue entre
do ritual, o que o situaria no tipo de personagem que
.,., serviços q ue ofereciam se contavam tam bém estes,
estudamos no § 2 .5.
,1·ja pelo seu desejo de desprestigiá-los. De qualquer
Vemos, então, que se pode ser órfico de diversas ma-
lt1rma, sejam os profissio na is das te!etai mais ou me-
neiras, e que no magma de iniciadores órficos cabem ti-
11os sinceros, a ética platônica não pode aceitar que os
pos distintos, entre os quais, ademais, devia existir uma
111 11ais permitam a pessoas moralmente prejudicadas
notável competência para ganhar a "clientelà'.
,tlc:inçar um destino glorioso no Além. Uma atitude
•,1lllilar à de Platão, de fo rma humorística e deprecia-
11 v:1, tem D iógenes de Sinope, q ue considera ridículo
8 1. Most 1997, 120.
q11c qualquer iniciado, por desprezível que seja, possa
82. Os o utros indivíduos seriarn p rofunos, que não participam dos
, nnviver com os deuses, enquanto que homens ilus-
ri tos. 11 cs, po r não terem sido iniciados, possam acabar na
83. O que, por cerco, indica que não se trata de ritos secretos. Priva-
dos, sim (não são da religião cfvica e se participa voluntariarncnre
d eles), mas não clandestin os.
H1. 1'1. Leg. 782c (OF625) lT I IJ .

ll8
119
lam a do Além 85 • Uma visão igualmen te crítica das tele- SECUNDA PARTE
tai praticadas por determinados exploradores é ofere-
cida pelo comentador do Papiro de Derveni86. ECOS DAS DOUTRINAS
No que diz respeito aos exegetas que dão ao tex-
to uma interpretação profunda por meio de métodos
ÓRFICAS EM PLATÃO
etimológicos ou alegóricos, Platão mostra certa aceita-
ção, não isenta de humor, do procedimento que em-
pregam, e que ele mesmo chega a praticar.
Com base nas conclusões que acabamos de obter
sobre os seguidores de Orfeu, poderemos enfrentar em
seguida a análise do que cabe reconstruir dos conte-
i'.1dos dos textos órficos e dos rituais religiosos que se
baseiam neles, assim como o influxo que exerceram
no filósofo.

85. l ulian. Or. 7 .25 (li 1.88 Rocheforr OF 435 1) [T 4 1e]: "Ridículo
seria, jovem - digo - , se acrediras que os arrecadadores por csra
teleté vão conviver com os bens divinos do Hades e que Agcsilau e
Epaminondas vão jazer na lama". Cf , D iog. Lacre. 6.39 (OF 435
11) [T 4 icl.
86. P.Derv. col. XX (OF 470) [T l 3el e pa.ssim.

120
3

QUEST Õ ES D E MÉTODO

3.1. ORDENAÇÃO DO MATERI AL

C omo principio metodológico para classificar as


passagens platônicas pertinen tes ao nosso estudo,
d,·,c :irtei deliberada mente uma classificação baseada
11,1 atrib uição dos fragm entos a ob ras concretas, cujo
1tt11lo - e, em muitos casos, um po uco mais - conhe-
, ,·mos por o utras fo ntes. Ele nos confundiria cm cer-
t 1 111edida, já que a maior parte d os fragme ntos é de
,l11vidosa classificação, dada a pouca clareza que aca-
l1,1111os de constatar na fo rma platônica de citar. Por
, onsequê ncia, preferi seguir um cri tério temático, de
11 ordo com o qual d ivid irei o material em d iversos
111omentos: mitos cosmogônicos e teogônicos (§ 4),
lllodelos do cosm os (§ 5), a imortalidade da al ma e
., n1 etempsicose (§ 6), relações da alma com o cor-
po (§ 7), o mito de D ioniso e dos T itãs (§ 8), visões
do Além, prêmios e castigos da alma (§ 9), 1
justi ça e
retribuição (§ 10), a imagem de Zeus (§ 11) e ritu- Em segundo lugar, houve no elenco de poesia
ais órficos e iniciação filosófica(§ 12). Tal forma de 111ibu ída a Orfeu um grupo de poemas que propu-
dividir não é casual nem apropriada exclusivamente 11l1.1m modelos do Universo; que explicavam como
para classificar o material que aqui nos ocupa, mas , , por meio da sua comparação com um objeto do
corresponde a momentos próprios da estratégia literá- 11111ndo cotidiano, e assim, no poema. intitulado A
ria e doutrinária ó rfica, cada um dos quais tem a sua I 1í11ica, apresentavam o mundo como uma túnica, a
d,· Perséfone, cujos bordados são a vegetação, e, no
própria função.
Com efeito, os órficos mostram, em primeiro lu- dn1o minado A Rede, o apresentavam como se esti-
gar, um grande interesse pelos temas cosmogônicos e 1 ,·,se configurado como uma rede. Tais poemas, que

teogônicos. Na literatura deste tipo, tenta-se explicar d,·viam ser muito breves, se origi naram nos círculos
como é o mundo e, sobretudo, os deuses, a partir da 111 fico-pitagóricos antigos e, que saibamos, não eram
narração de como se configuraram. Seria o caso de di- , mmogonias, mas cosmolog ias2 •
zer que é precisamente a ideia que se cem do mundo Em terceiro lugar, e como complemente à cosmo-
do qual se parte para atribuir-lhe uma origem que pos- 1;011ia e à cosmolog ia, os ó rfi cos se ocupa ram da cemá-
sa corroborar que seja tal como se postula, já que uma 1h ,1 ancropogônica e antropológica, isco é, da origem
cosmogonia é uma explicação da origem do mundo do., seres humanos e do lugar que ocupam nesta o rga-
que não depende da experiência nem da observação, 1111;1ção do mundo, com especial insistê ncia na ques-
mas que trata, isso sim, de uma explicação post even- 111, da natureza e destino das almas, com vistas à sua
tum da configuração do mundo. Parte-se de uma con- tl vação, com orientação soceriol ógica3 • Neste ponto,
cepção de como é o universo e dela se deduz como se , 111 que a presença órfica é mais importante e dispo-
originou, de acordo com a ideia de que a sua estrutura 1110s de mais material placôn ico, o que justifica a sub-
é uma imagem da sua história e, portanto, da sua ori- di visão da temática em um primeiro momento para o
gem. De modo que, cada vez que se propõe uma nova I'' incipio fundamental, a crença na imo rtalidade da
imagem do mundo, e os órficos a propõem , se apre- il111:1 e na metempsicose, para seguir com a relação da

senta também uma nova história da sua criação, in- tl111a com o corpo, o mito de fundação que justifica a
cluindo a dos deuses que são parte fundamental dele' . l11, 1ó ri a dos seres humano, o de Dioniso e dos Titãs, o
1111.1ginário infernal que se descreve como destino das

l. OF 1-378. Cf. Schustcr 1869; Holwcrda 1894; Mondolfo 1931 ;


Keydell-Zicgler 1942; Schwabl l 958; West 1983; Brisson 1985a;
19856; 1990; Ricciardclli Apicella 1993; 13risson 1993; Bcrnabé ' 01-' 403-420. Cf. 13crnabé 2008 cap. 19.
1 ("f. Bianchi 1974;Alderink 1981; Bernahé2008cap. 19.
1994; 2003a; 2008 cap. L4.

124 125
almas após a morte e o papel que em tudo isso tem a 1111·1n e Perséfone (OF 379-402) ou as obras mágicas
justiça. No entanto, para além dos aspectos que ligam 111il>uídas ao bardo rrácio (OF812-834). Como é ób-
a religião com a sorte das almas, os órficos desenvol- 1 10, não lhes abro espaço neste livro, na medida em
veram algumas ideias interessantes sobre a imagem da 1pll' a sua influência sobre o pensamento platónico
divindade, especialmente de Zeus, que, não obstante 1· 11111a.
a, importância conferida a Dioniso em tá! doutrina re-
ligiosa, seguia sendo um deus supremo, definido com
traços muito originais.
3.2. UMA BUSCA EM DOIS SENTIDOS
Em quarto lugar, e como consequência do que já foi
dito, os órficos consideravam que os homens podiam
atuar para orientar o destino futuro das suas almas e Nossa busca deve avançar em dois sentidos. Dado
facilitar a sua salvação. Diante de uma orientação mais q111.: Platão é nossa principal fonte de conhecimento
teórica e informativa dos poemas, aos quais acabo de l'-lr:t o orfismo da época clássica, uma dos sentidos se1:á
me referir, nos textos deste momento se tratava de ofe- .111,11isar os testemunhos do filósofo para reconstrua·

recer indicações práticas baseadas naquele. Aqui há es- 111n quadro das crenças e doutrinas dos órficos em sua
paço para todos os temas concernentes a purificações, , poca, com a ajuda de outros textos significativos_- Mas
,·\t :i busca é necessariamente inseparável da análise da
conselhos sobre o que se deveria fazer para chegar no
Além e outros rituais destinados a aspectos concretos'. ,narca que as doutrinas religiosas dos ó rficos deixou
Platão se refere a todos estes temas que acabo de 110 filósofo, o u, em outros termos, da maneira pela
enumerar, mas com interesse desigual. Muito escas- q11al Platão modificou, alterou ou deformou a mensa-
so pelas teogonias e cosmologias, muito maior pelas gem originária para incorporar alguns dos seus traços
referências à origem e ao destino da alma, notável pe- cm sua própria doutrina. Outro método de trabalho,
las remissões à imagem de Zeus e nulo pela li~eratura ,•m duas etapas, no qual se tratara, antes, de recons-
1 ruir o quadro das ideias ó rficas para, uma vez obtido,
prática destinada a lograr a salvação, à qual se refere
de modo muito depreciativo. Há, além disso, outros ver como influenciou o filósofo , é pratica.mente inviá-
temas próprios dos órficos pelos quais Platão não pa- v1:I, de um lado, pela escassez de o utros testemunhos,
rece ter-se interessado em absoluto; é principalmente po r ourro, pela peculiar maneira de citar do ateniense.
o caso de uma ampla serie de poemas dedicados a De- Assim, pois, nossa análise de cada testemunho
platônico comportará, necessariamente, uma aná-
lise do que o filósofo conhece sobre o orfismo e da
4. Cf. Jiménez San Cristóbal 2002c; 2008a. imagem alterada que nos oferece, da maior ou menor

126
/
relevância do que nos diz em relação ao seu próprio 4
pensamento e dos p rocedimentos para inserir em seu
próprio discurso, frente ao qual mostra uma atitude MITO S C O SM O G Ô NTCOS
ambivalente. Veremos, com efeito, como a sua ati tude
é, às vezes de desprezo, às vezes de respeito, quando
E TEOGÔ NIC O S
não trata simplesmente de se remeter ao orfismo como
pretexto ou como mero recurso utilitário, seja parava-
ler-se do prestígio do texto antigo, seja como adorno
estético, seja como instrumento de persuasão baseado
na crença do d estinatário, que ele não necessariamente
compartilha.
Apenas nas conclusões será possível apresenta r,
uma vez realizada a análise dos dados, o quad ro do or-
fismo que podemos reconstruir com a ajuda dos teste- 4.1. UM COMEÇO
munhos platônicos e de outros autores, e a atitude do
filósofo frente a cada um dos elementos de tal quadro. omeçaremos pelos mitos teogônicos e, como se
C deve, pelo p rincípio, pelo verso inicial de uma
l,·,1gonia. No Banquete, quando AJcebíades se refere
, 11ma parte especialmente delicada do seu discurso,
1 introduz com uma frase que, não fosse por dados

r ~ll'rnos, talvez não chamasse a nossa atenção:

E os que servem e, se há algum profàno e inculw,


colocai portas bem grandes cm vossos ouvidos1•

Sem dúvida, compreendemos melho r a frase por-


'l"c conhecemos a existência de um verso órfico, cita-
do por diversas fo ntes em duas variantes2 :

PI. Symp. 2 18b (OF LXVIII e 19) [T 181.


' OF lab (T 18a].

128
a) Cantarei para conhecedores: cerrai as por- Mas que esse verso, em qualquer das d uas versões,
tas, profanos, 111111.1sse uma teogonia, se demonstra tanyo pela alusão
b) Falarei a quem é lícito: cerrai as portas, 1111 l!'Slcmunho do Papiro de Derveni, ermo pela pas-
profanos. 1•\<'lll de Plutarco na qual o cita imediatamente antes
11, um verso da Teogonia8.
Ambos os versos eram utilizados como abertura de P;1rece possível pensar que a fórmula, como nos
poemas órficos, para dirigir-se apenas aos iniciados3 • 1111 11111 escólio, tenha sido uma proclamação mística
De mistérios fala também, entre outros, Oioniso de (" qi_>uyµcx µuanKÓv)9, que logo se fez em duas va-
Halicarnaso\ ao aludir a um destes versos. O interesse 11.1111cs. Aliás, é evidente que uma e outra se aplicaram
da citação platônica é que nos testemunha em data ,1 111,,is de um poema. Mais ainda, tem -se a impressão
muito antiga o verso inicial de um poema órfico que ti, LJ1te a expressão 0ÚQCXÇ b ' bü0é:a0E, ~É~llÀOL
conhecemos especialmente por fontes tarde· s, como , ,11 1\ tÍtuía uma espécie de "marcà' ou "chancela"
o chamado Testamento de Orfeu, que surgiu o âmbi- (11<l>Qcxy(ç) dos poemas atribuídos a Orfeu, insistin-
to dos judeus helenizados, muito citados p r auto res 1111 l'm seu caráter de poesia para iniciados, mesmo que
cristãos5, que se erige sobre o modelo dos antigos hie- , 111 determinados momentos evoquem uma proclama-
roi logoi. Não obstante isso, o testemunho do Papiro ,, .111 fic tícia, por serem obras de livre circulação 1° . Isso
de Derveni se uniu recentemente aos mais antigos do , 1plicaria um fato singular: que Olimpiodoro, bom
texto6. É impossível determinar qual das duas fo rmas , 1111 hecedor dos poemas órficos, não cita o texto como
que conhecemos teria o verso recordado por Platão e "de O rfeu 11 , o que seria mais fácil de entender se se
pelo intérprete do Papiro de Derveni, d ado que ambos
parafraseiam apenas a segunda parte, a com um de am-
bas as variantes7 •
11 Plu. De E ap. Delph. 39 lD ( OF 1 III) [T 18d]. Cf. Ber-
nabé 19966, 71s.
•1 Schol. Aristicl. Or. 3 .50 (III 471.5 Dindorf = OF I XX) [T 18c].
3. Cf. Bcrnabé 1996a. 1li, Poder-se-ia p,;:nsar q ue a advertência é necessária precisamente

4. D ionys. H alic. de cornpos. verb. 6.25.5 ( 176.2 Aujac-Lcbcl = OF porque eram o bras de livre circulação, para advertir que ape nas
1-12) IT 186]. dererminaclas pessoas estavan em condições ele entendê-la. Devo
5 . Cf. Riedweg 1993. esta sugestão a M arco Antônio Santam a ría per litterns.
6. PDerv. col. Vll 9 [T 18cJ. 11. O lympiocl. inAristot. Categ. prol. 12 .8 Busse (OF l VI) [T 18f]:
7 . As razões ele Wcsr 1983a, 83 para preferir a a) não são suficientes. "Sem dúvida também pretendem o m esmo as "coberru ras" para os
Ao invés d isso, a p resença na citação Derveni ele voµo]0_E_1:_Eiµ sacerdo tes, pois as criaram para que os mistérios não resu ltassem
poderia apoiar a variante com 0lµtç üniv, se encontramos nela claros e compreensíveis para todos, pelo q ue alguém disse... (e e ira
um jogo de palavras. uma das variantes d o verso).

130 13 1
trata de um verso um tanto comum, como são os ver- 11 f1~uravam no começo de uma teogtja e que talvez se
sos finais dos hinos homéricos 12 • No que diz respeito à • 111prcgasse t~~ém _nos mistérios, pa ece dever-se ~o de-
atribuição do verso a Pitágoras por parte de Estobeu, ~• Jº de confenr 1romcamente a esta p te do seu discur-
que se remete a um fragmento de Plutarco 13, podemos ,11 111n tom misterioso, como se fosse um L éQOÇ Aóyoç
considerá-la um simples erro, para o qual foram dadas ntfico, em um com que se harmoniza com a declaração
diversas explicações14, ainda que não causasse espanto 1111nior do próprio Alcibíades: "pois todos participaram
o fato de que algu m poema pitagórico fosse também ,l.1 loucura filosófica e da possessão báquica" 17.
iniciado por este verso, precisamente por inA uência Por fim, insisto que devemos supor que este tipo de
dos órficos. 11 ·~ 10 era bem conhecido na época de Platão, já que, de ou-
A citação platônica acrescenta návv µ eyáA.aç 11 ,1 forma, não teria sido entendida Aexão literária que tem,

"bem grandes" e 'COLÇ wa(v " nos ouvidos", palavras lt<'m o verso inicial teria sido citado como algo já tópico.
que não eram parte de nenhuma das variantes do ver-
so15 e usa núAaç, que também significa "porcas", ao
invés de 0ÚQIXÇ, que é o termo que apresentam quase 4.2. PRIMEIRAS GERAÇÕES DE DEUSES
todas as demais fonres 16.
A razão pela qual Platão põe na boca de Alcebíades Seguindo com as referências platônicas a teogonias
tal apelo ritual à ausência dos profanos, que certamen- "' fi cas, alguns testemunhos do fi lósofo no.s oferecem
11111a valiosa informação sobre as passagens que se refe-
11. 1111 às primeiras gerações de deuses.

12. A maior parte dos Hinos homéricos terminam com uma fórmu la C omeça.mos por uma do Timeu 18• Nele,, depois de
padrão "que não lembrarei de outro canto e de ci".
tn narrado como o dem iurgo construiu o que cha-
13. Srob. Flor. 3 .1.1 99 (1 11 150.17 Hense = Plu. fr. *202 Sa ndbach)
[T 18g]: "com efeito, nada há cão próprio à fi losofia pitagórica
do que o simbólico, como uma forma de ensinamento cm que se
mescla a palavra e o silêncio, como para não dizer( .. .)" (e cita uma
- - --'-----------
1/. 1~ muico inceresance o uso do termo ('la:Kxdaç, relacionado com
das variantes do verso). ('láKXOÇ, q ue é o nome que recebem derenninados in iciados órficos
14. Cf. Lobeck 1829, 4 52; Nauck ap. Iamblich. Vit. Pyth. p. 238; na lâmina de H.ipônio c. a. 400 a. C. (OF 474 . 16) [T 50a]: µóa-rm
Wesr 1983a, 83, n. 29. l(C!L f>áKXOL. Ao usar,esca palavra, Alcibíades compara o estado de
15. Se, ao invés, se encon tra no contexto da citação de Aristid. O,. cxrase cio mista ó rfico-d ionisíaco com o iniciado em filosofía, que
3 .50 e reconstruiu -roi.(ç wai]v na referência ao verso que se resulta ser uma especie de mistério de categoría superior. Cf. § 12. l l .
encontra no l'Dcrv. col. VII 9-1O (OF 3) [T 18c]. 1H. PI. "li"m. 40d (OF 21 e 24) [T I 9]. Cf. Lobeck 1829, 508ss.;
16. Salvo Aristid. Or. 3.50, porém o fato de que também co incida .Schuster 1869, 5; 25; Kern 1888, 41; Gruppe 1890, 702; Zeller
com a citação platônica na presenta de -roiç wa(v pa rece ind icar ''1919, 123 n. 2; Linforch 1941, 108; Ziegler 1942, 1358; Gu-
que o autor tomou a citação de Pia.cão. thrie 1952, 240; Bernabé 2003a, 52s.

132 133
ma de "deuses visíveis e gerados", Platão se propõe o qbemos por Damáscio que ;Eudemo, o discípulo de
problema de aludir à criação dos deuses pessoais. Para Aristóteles, se referia a um3/ teogonia órfica na qual a
isso, recorre a um artifício literário hábil. Reconhece a t'mica coisa clara (uma vez(que o passo se livra das in-
incapacidade humana para falar do assunto e se reme- 1crpretações neoplatônicas1que não aqui não possuem
te, m eio com verdade, meio com ironia 19, aos que, por utilidade) é que começava pela Noite21 • Com este tes-
serem filhos de deuses, podem ser os melhores conhe- 1cmunho coincidem algumas alusões aristotélicas, que
cedores de seus antepassados. De acordo com os tes- ,1tribuem a "antigos teólogos" ou a "poetas antigos" o
temunhos da República já analisados20, o aludido não 1iostulado de que a Noite era o primeiro princípio.
pode ser outro senão Orfeu. Baseando-se nele, P latão () Estagirita registra uma falta de precisão que não
alude a uma teogohia, iniciada por Céu e Terra, cujo lhe é habitual quando se refere a autores conhecidos,
esquema seria o seguinte: mas apenas quando fala do que denominamos poesia
1Srfica22 • Refere-se em um passo da Metafísica "aos te-
Céu Terra ó logos que começam a geração a partir da Noite"23,
_ _I_ __
1."11quanto que em outro lugar da m esma obra diz:
Oceano Tétis
De modo similar o consideraram os poetas
Forcis Cronos Rea outros
antigos, na med ida cm que -afirpiam que
_ _ _I não reinaram e governaram os prim igên ios,
como N oite e Céu ou Caos e Oceano, até
Zeus <-> Hera outros
\ I Zeus24.
\ I
outros
A passagem é in teressante porque Aristóteles apre-
senta No~t.e, o ser primitivo da teogon ia órfica, como
Podemos matizar esta incompleta informação o primeiro, antes de Caos (que é o da de Hesfodo)
platônica recorrendo a outros testemunhos. Assim, e Oceano, ~ue é o de uma cosmogon ia vagamente

19. já observou a iron ia do passo Weber 1899, 12 ss., cf Taylor 1928, ). 1. Darnasc. De princ. 124 (l IJ 162. l 9 Wcstcrink = Eudern. fr. 150
245; Wesc 1983a, 6; Sorel 1995, 11 . Weh rli = OF20 1) [T 18h].
20. PI. Resp. 364c (OF573 I) fT 3), 366a (OF574) fT 43], cf. § 1. 1. 1,.2. Cf. M egino 2008.
Veja-se, ainda, Stauclacher 1942, 79 n. 14; Colli 1981, 397; West 1..3. Ariscoc. Metaph. 107 16 26 (OF20 U) [T 19a].
1983a, 117 . A dúvida de Linforrh 1941, 109 não parece just ificada. 24. Ariscoc. Metaph. 10916 4 (OF20 [V) [T 196].

134 135
referenciada por Homero25. E depois, porque esclare- ,1•1ia a de que no_ poyrna em questão, Terra e Céu pro-
ce que a Noite não reinou. Isso está em acordo com ' n leriam da Noj>é primordial. Se isto for assim, por
outros mitos teogônicos nos quais as divindades pri- •111e Platão omite a Noite? West explica esta circuns-
mordiais não participam da luta pelo poder. Podemos 1.111cia28 dizendo que no Timeu todos os deuses proce-
considerar que Aristóteles pôde ler que o princípio era dem do D emiurgo, e que a noite não é senão sombra
a Noite em um escrito poético, que vacila em atribuir d.1 terra, de modo que a sua preeminência no começo
de forma concreta a um autor, isto é, em uma teogo- d.1 cosmogonia seria contraditória com o esquema pla-
nia ó rfica, simplesmente porque o seu racionalismo o 11'\nico, motivo pelo qual Platão não pode apresentá-la
impede de crer que O rfeu pudesse ter escrito algum ,111ui. A m eu ver, deve-se acrescentar qiue o contexto
poema, de modo que se refere a ela como obra de um ill'ste passo do Timeu é, por si, explicação suficiente.
"antigo teólogo" ou "um antigo poeta''26. Do que não e :o m efeito, Platão declara que chegou ao final do que
duvida é que o tex to é antigo, e, por isso, o situa an tes deve dizer sobre a natureza e os deuses visíveis e gera-
de Hesfodo e Ho mero, como se acreditava tradicio- dos29, que são as realidades as tronómicas:, e deixa claro
nalmente entre a maio r parte dos gregos. Q ue a teo- 'llle o que importa é conhecer a origem das demais
go nia aludida por Aristóteles e a mencionada pelo seu di vindades (isto é, as pessoais). O filósofo toma, então,
discípulo Eudemo eram a mesma, como crê West27, d:i teogo nia órfica a parte que fala destes deuses, e não
parece algo ó bvio, já que ambos utilizavam a mes ma l l'm motivo algum para aludir sequer à anterior, q ue se
biblioteca, a do Liceu. 1lf eria ao princípio originário.
De a ntemão não é impossível qu e a teogon ia co- Temos dois bo ns motivos para aceita r que a Noite
nhecida por Aristóteles e Eudemo fosse também a 1·sLava na origem da t\!ogonia conhecida por Platão:
mesma que a conhecida po r Platão. Com efeito, há o primeiro é uma passagem de Lido em que atribui a
motivos para confirm ar esta possibilidade. A sol ução O rfeu- três primeiros princípios (TIQW'ClXl ... àQxa()
mais óbvia para que todos os testemunhos concord em da geração: Noite, Terra e Céu30 , um testemunho que
não deriva de nenhuma outra teogonia conhecida e
qu e se ajusta à nossa proposta.
25. Hcs. Th. 11 6, l lom./1. 14.20 1.
26. C f. o comentário de loann. Philopon. in Aristot. de nn. 186.24
Hayd. (OF42 1 II) IT 27c] referido a o utro passo do Estagirita, no 28. Wesr 1983a, 117. De fato, Piarão omite muito mais: vários d euses
qual também eira os órlicos de um modo impreciso, assim como das últimas gerações, referenciados com um imp reciso "e ou tros".
Megino 2008. Sobre os mitos tcogôn icos nos q uais a primcra di- 2'). PI. JJm. 40d (OF 2 1) lT 12] ,:a 7U::QL ÜcWV ÓQa't:WV KCÜ
vinidade não participa d a lucha pelo pod er cf. 13ernabé 1989. y t:vvqTwv dQqµ t va cpúcrcwç l xt Tw TtÀoç.
27. Wcst 1983a, 116. \O. lo. L.yd. De mens. 2.8 (26. l Wünsch, OF20 V) IT 19c].

136 137
Outro motivo oferece a citação platônica no Filebo Por outro lado, devem proceder deste mesmo poe-
de um verso de O rfeu no qual incita a cessar na sexta 111.1 dois vers_ps-que Platão cita no Crdtilo:
geração a ordem do canto, isto é, o transcurso ordenado
das palavras que compõem o canco31 • Jncluindo a Noi- Oceano de charmosa corrente iniciou as bodas;
te como princípio originário, o quadro genealógico do ele que se uniu a Técis, sua própria irmã da
Timeu teria seis gerações, segundo o seguince quadro: mesma mãe33•

1' Noite A citação é interessante por ser uma das mais an-
11g.1s textuais da literatura atribuída explicitamente a
t )1 fe u (prática pouco frequente em Platão, como vi-
2' Cé u Terra 1110s no § 1.8.). Mas apresenta dificuldades, já que,
11.1genealogia traçada no Timeu, o primeiro casal Céu
, '1erra p recede O ceano e Tétis. De acordo com al-
g11 ns autores, Oceano seria o primeiro da sua geração
3' Oceano Télis .1 rasar-se34, mas desconhecemos a presença de outros
11 mãos desta geração. West35 sugere que o verso tenha
, ido escrito para outro poema, no qual Oceano e Té-
4' Forcis Cronos Rea Oulros lls eram as divindades primordiais, e logo foi adap-
1.1do a um sentido forçado. Mas forçada me parece a
5ª Zeus <-> He ra Outros
\ I
\ I .snquanto que 13risson que 13risson 1987, 54ss. (no q ue seguem
6' Ou1ros 12 Westerink cm sua nora a Damasc. De princ. 53 [li 235 n. 7] e
Colli 1981, 397) prefere crer que a orden é algo que encontramos
nas Rapsodias. A opinião sustentada po r Dietrich 1891, 128 n. 2
e Moulinier 1955 , 22 d e que se t ratam d e estirpes h umanas c m
3 1. PI. Phileb. 66c (OF25 1) IT 20!. C f. 13ossi, 201 o. um m ito de eras surge suficienrcmenre crit icada por Wcst 1983a,
32. E.sra reconstrução é a que nos oferece West 1983a, 1 18, basean- 118, corno a ptoposra de Linfon h 1941, 149, que crê q ue a de-
do-se em alguns precedentes (Gruppc 1890, 703; Z d ler 61919, tenção na sexta geração quer dizer que desta ú lt ima já não se fala,
123 n. 2), mas não é a única que se propôs de um texto muito motivo pelo qual são ape nas cinco.
duvidoso e mil vezes inteprecado. Assim, para cirar um par de 11. PI. Crat. 402b (OF22 J) [T 21 J.
exemplos a mais, "laylo r 1928, 247 sustenta que o princípio em 1-1. Lobcck 1829, 50 8; Kern 1888, 43; H olwerda 1894, 31 4; Srauda-
a Terra, então, Céu e 1crra, e ntão Oceano e T étis, então, Cronos cher 1942, 93. '
e Rea, depois Zeus e H era e, po r fim , os Ol ímpicos mais jóvens, l'i. West 1983a, 120.

138 139
própria explicação de West, sobremaneira imaginativa Não nos é claro se Aristóteles se refere a. Homero39 ,
sem dispor do contexto. Por sua vez, Schuster acredita 1 ( >rfeu ~aos dois; no entanto, o uso d e "os mais

que a união de Céu e Terra se conceberia como algo 1111 igos" (naµ na,\a(ouç) e "que foram os primeiros
mais cru do que um yáµoç36 . Em minha opinião, 1 11,ttar dos deuses" (7!QW'toUÇ 0rnAoy~aav-raç)

esta seria a linha de aproximação ao problema mais .,ponta para O rfeu mais do que para Homero. O p lu-
verossímil, ainda que não no sentido do q ue c Schus- 1,il sugeriria que inclui a ambos, não fosse pelo faro de
ter crê. Penso que, assim como em Hesíodo se fala de 'llll " por outras vezes Aristóteles alude ao que chama-

alguns elementos surgidos por uma espécie de "gera- 111os Orfeu no plural40 , como tradição coletiva.
ção espontânea", ou, nas palavras do próprio Hesíodo ' làmbém se refere a uma Teogonia uma obscura re-
(Th. 132) "sem mediar a desejável união", e então há f1·1tncia platônica na qual Eutffron se remete a uma
outros que se produzem como consequência das uni- ,Nie de traços bárbaros do mito da sucess:ío d ivina:
ões sexuais. Teria q ue se pensar que, para o ó rficos, a
desce ndência da Noite e também a de Céu e Terra não EUTÍFRON: Dá-se o caso de que os pró-
se produziria ainda por união sexual, enquanto que prios homens crêcm que Zeus é o melhor e
Oceano e Tétis for mariam o p rimeiro casal propria- o mais justo dos deuses, e admirem que acor-
rentou o próprio pai porque havia devorado
mente d ito, de modo q ue o poeta pode afirmar, com
injustamcmc os seus fill1os, e, ademais, que
razão, que "Oceano iniciou as bodas". Além d isso, cal
este mesmo havia castrado o próprio pai por
interpretação se harmoniza també m com um testemu-
outros motivos similares (...) SÓCRATES.
nho de Aristóteles na Metafisica: (...) Mas diz- me, cm no me da Amizade, crês
que estas coisas sucederam assim de verdade?
Há alguns que pens.1m que já os mais antigos EUT. E ainda coisas mais ma ravilhosas do
e distantes da geração atual, aqueles que Foram ·- que estas, Sócrates, que a gente não conhecc41•
os primeiros a crarar dos dcuscs, tiveram cal opi-
nião37 acerca da natureza. Com efeito, conside-
A alusão de Eutífron a tradições tão anômalas de
raram Oce-ano cTétis os pais da geração divina3x.
11m ponto-de-vista da "normalidade" religiosa dos gre-
gos, como se fossem desconhecidas pela maioria, é,

36. Schuster 1869, 1O. .l9. Cf. Llom.1/. 14.201.


37. E. d ., a de 'rales, segundo a qual o princípio originário era a água. /40. C f. Megino 2008.
38. Ariscor. Metaph. 9836 27 (OF22 II I) IT 19cll. /4 1. PI. Euthphr. 5e (OF26 I) IT 22) .

140 14 1
de acordo com Burnet em seu comentário à passagem, 1 1111hém aluda a um poema órfico (provavelmente a
uma clara indicação de que o interlocutor de Sócrates 11w,ma--réÕgonia a que se referem as d emais alusões46)
conhece esses relatos em práticas religiosas privadas, 1111 qual se teria tratado a castração de Urano por Cro-
vale dizer, que pertence a uma seita4 2• Por sua vez, Kahn ""' e, então, a captura e encarceramento de C ronos
trata de precisar o tipo de grupo ao qual pertenceria o pnr parte de Zeus, para arrebatar-lhe o poder.
personagem e o considera como órfico e heraditiano, O castigo exemplar de Orfeu sobre o qual fala Isó-
semelhante àquele em que enquadra o autor do Papiro ' 1.11es, e que, sem dúvida, tem a ver com as lendas
de Dervení43 • A inserção de Eutífron num grupo órfico 11111: circulavam sobre a morte de Orfeu pelas mãos das
concordaria bem com um testemunho de Isócrates no l1.1cantes ou mulheres furiosas47, seria especialmente
qual encontramos uma fraseologia muito similar e no ncmplar se o próprio Orfeu tivesse se referido, em
qual se atribui esta temática explicitamente a Orfeu44 : •,1·11 poema, ao desm embramento de um deus. Isso faz

vnossímil a convicção de que no poema a que se refe-


Sobre os próp rios deuses contaram (os poetas)
relatos tais como ninguém se atreveria a conta r , ir:un Platão e Isócrates se tratou do mito de Dioniso
sobre os seus inimigos. Não apenas lhes atribu- desmembrado pelos Titãs48 •
íram roubos, adu ltérios e serviços às ord ens dos O desinteresse platônico pelo tema está, sem dúvi-
home ns, como também relataram devoração d.1, latente sob a pergunta incrédula de Sócrates.
de filhos, castrações de pais, acorrentamento
de mães e outras transgressões das leis45• E não
pagaram um castigo merecido por isso, ainda
4.3. GEOG RAFIA INFERNAL
q ue não tenham e.~capado impunes, pois uns
( ...) e Orfeu, o que ma.is tocou tais temas, aca-
bou a sua vida desmembrndo. Ainda procede desta m esma teogonia, ainda q ue
1ambém pudesse advir de uma KlX'CÓ:~CX.<JLÇ, uma alu-
O catálogo de ações ímpias dos deuses coincide são platô nica à geografia infernal:
em ambos os testemunhos, de modo q ue talvez Platão

42. Burnet 1924, nd loc., cf. Parkcr 1995, 489; contra Husscy 1999, 312. 46. Curiosamente West 1983a, 112, que tinha atribuído os outros frag-
43. Kahn 1997, 56. mentos de Platão à Teogonía Eudemin, vacila na hora de situá-los.
44. lsocr. Busir. 10.38 Marhicu-13rémond (OF 26 I[) JT 22a]. Cf. 47. Cf. Samamar/a ÁJvarcz 2008.
Lobcck 1829, 6 02; N ilsson 1935, 20 1; Li nforrh 194 1, 12; l 39ss.; 48. A observação é de Kahn 1997, 58 (c.f. N ilsson 1935, 20 1; Mon-
Wcst 1983a, 112; 13remmcr 19996, 80. tégu 1959, 80). Duvida, sem razção, Martínez N iero 2000, 237ss.
45. Cf. § 1.5 e n. 48. Sobre ol miro dos Titãs, cf. § 8.

142 143
Uma das reentrân cias da terra é muito ma ior , 1110" (iibQa). Só existiri_a coincidência. em duas pala-
e atravessa de parte a parte toda a terra. Ho- \ l.t'- (xáaµa e nv0µtjv), mas en contra mos um fato
mero se refere a ela quando diz (...) (eira li. 11111110curioso quando lemos uma passagem na qual
8.14) e é a que cm outro lugar ele e outros
\, l\lôteles co menta o texto d e Platão:
poetas chamaram Tártaro. Com efeito, nes-
ta reentrância con Aucm rodas as correntes e
O que esrá escriro no Fédon acerca dos rios e
dela todas voltam a Auir (...) a causa de que
do mar é impossível. Pois se diz que sob a ter-
Auam dali e que voltem a con Auir é que es ta
ra todos comunicam entre si e que o princi-
massa de água não tem nem fundamento
pio e fonte de todas as águas é o denominado
nem lciro~9•
Tártaro (...) dele, do qual d imanam rodas as
águas correntes e não-correntes e que o Auxo
A referênc ia de Pla tão a "outros mui tos poetas" é
de cada uma das co rrentes se produz por per-
muito vaga, porém, o q ue é curioso é que e ncontra- manente agitação daquele principio e primei-
mos uma expressão muito simila r em um verso das ,
ra massa de agua, · nao
pois - tem crundame nro 52.
Rapsodias50 que descreve a estrut ura engend rada por
Tempo junto a Éter: O faro curioso é que Aristóteles não •~mprega o ter-
1,10 placônico para d esig nar este "fundamento", ~ámv,
E não tinha embaixo nem limite, nem fun- 111,1s sim iibQCCV, que é precisamente a palavra do poema
damento, nem assento51.
i'irfico. Não se deve senão pensar que Platão recorda o
1cxto ó rfico d e memória, mas não de fo rma exata, e q ue
Tanto o poema ó rfico quanto P latão falam do
Aristóteles, homem de biblioteca, reco nhece a passagem
mesmo lugar. Platão emprega no final do passo aspa-
l' utiliza o termo correto da fonte d e P latã,053, com o que
lavras "fundame nto" (nu0 µ Évcc) e " le ito" (~ámv).
~-te rminologia coincid e por completo com a órfica.
O poema ó rfico, por sua vez, usa, além de " limi te"
Tudo pa rece indicar, portanto, que Platão e Aris-
(n{i.QCC.Q), os termos "fu ndamento" (nu0µr']v) e "as-
tóteles con hecessem um poema ó rfi co que co ntinha

49. PI. f>h11ed. 11 le (OF26 I) [T 23J. Sobre a cscacologfa do Fédon cF.


§ 9.3. 52. Aristot. Meteor. 3556 34 (OF27 II) [T 23a].
50. Poema provavelmente do séc. f a.C., no qual se ampara quase toda 'i.3. Citamos parte da sutil argumen tação de Kingsley 1995. 126s.
a literatura órfica amcrior, até formar um extenso aglomerado de para defender a procedência órfica desta referência. Cf. G ut~de
24 camas. 1952, J 68s., que refere o vocabulario órfico da passagem placom-
51. OF 1 l 1.3 [T 236]. ca, mas não leva em consideração o de Aristóteles.

144 145
uma descrição do Tártaro e do incessante fluir das
do e este com eça a girar em direção contrária, para
águas procedentes das profundidades para alimentar
todas as correntes do mundo. qné Õs homens voltem a recuperar a juventude e para
q,,c os de cabelos brancos tornassem a tê-los negros,
vl's LÍgios de um motivo da Teogonia órfica, na qual_ se
11 .irrava a existência de urna raça de homens multo
4.4. REFERÊNCIAS DUVTDOSAS
lnngevos e que descendia do próprio Cronos que, uma
vez destronado, recebeu de Zeus o privilégio de não
Devo me referir ainda a outras passagens que pre-
<'llvelhecer58 . Mas o paralelo é superfi cial e, em todo
tensamente procedem de urna teogonia órfica. No
\ ,tso, este tipo de traço é característico dos mitos da
mito narrado por Aristófanes no Banquete encontra-
mos alguns estranhos seres esféricos com duas cabeças, Idade de Ouro, e não podemos tomá-los como uma
. or
pista , fi ca claras9 .
quatro braços e quatro pernas, que logo Giiv divididos
em dois, e cujos órgãos sexuais ficam atrás54, p ersona- Por sua vez, Kern atribui a uma fonte órfica uma
gens que foram comparados com a descrição das teo- passagem do Sofista (242c), em que se generaliza so-
gonias órficas de Fanes, um deus primigênio, anterior bre as diversas explicações cosmogônicas de poetas e
a Zeus, cujos genita is aparecem na mesma disposição pré-socráticos e, consequentem ~nte, a inclui ~m sua
55
anômala ; no entanto, Fanes surge muito mais tarde cd ição60 • Não erato dela neste 11vro porque nao veJ_º
em cena, e não parece que possamos situá-lo na época cm toda essa passagem nada que sirva para reconstruir
56 a literatura ó rfica, nem sequer consigo ver m otivo para
de Platão , de modo que devemos considerar que se
trata de uma coincidência (ou até mesmo de uma in- 0 g rande ed itor dos fragmentos de O rfeu considerá- lo

fluencia platônica sobre a literatura órfica tardia). procedente deste âmbito religioso e literário6' .
Por sua vez, Proclo pretende encontrar no mito do
57
Político , no qual Cronos deixa de fazer girar o mun-

54. PI. Symp. 189css., cF. especialmente 1916.


55. Ps.-Nonn. Comm. in IV Orat. Gregor. Naz. 78 (15 l Nimmo Smi- 58. Procl. Theol. PI. 5. 1O (V 34.21 Saffrcy-Wcsrcrink, OF 231 l). Cf.
th): "nos poemas órficos ... introduz-se Fanes, -que tem o seu falo Scho l. Hes. Op. 1 13-11 5 (5 1.7 Percusi, OF 231 11). .
arrás, nas nádegas", cF. Suda s. v. Phanes (IV 696.17 Adler) (OF 59. Pace Coqiford 1903, 443-445. Cf. a análise de Casad10 1995,
135 l-11), sobre a questão cF. Dovcr J 966, 46, que trata, com 85-95, com abundante bibliografía e referências a inrerprerações
razão, de minimizar esta influência, e Hani 1981-1982, 9 7. precedentes.
56. CF. comentário a OF80. 60. Kern 1922, fr. 18.
57. PI. Pol 270de. 61 . Con razão Colli 198 l não o inclui em sua edição e West 1983a,
265 nega tratar-se de uma referência ó rfica.

146
147
4.5. BALAN ÇO SOBRE OS MITOS ,1 pergunta incrédula de Sócrates expresse com notável
C O SMOGÔNICOS E T EOGÔNICO S 111tensidade o desinteresse platônico pela questão.
O resto é anedótico: pistas de vocabulário órfico
Ao fim deste percurso feito por entre as alusões n n uma descrição do Tártaro<'\ uma citação de eru-
diw, para apoiar um prob1ema de et1mo . 1ogia . G5 e d01s
.
platônica a passagens órficas de tema teogônico, no-
tamos que P latão nos remete a vários testemunhos gracejos de connaisseur totalmente desco ntextualiza-
de que, em sua época, era conhecida em Atenas pelo dos: a menção à sexta ge ração no Filebo66 e a piada
menos uma teogonia órfica; ainda que pudesse existir ,obre a poesia de iniciados no Banquete67 para dar um
mais de uma, me referirei a ela(s) em singular, corno tono órfico-dionisíaco ao discurso. Pequeno, então,
se se tratasse de uma só obra. Em seu conjun to, estes muito pequeno o inA uxo exercido pela teogonia ó rfica
testemunhos nos proporcionam uma sólida armação 110 pensamento de Platão.
para recompor boa parte do seu conteúdo, com ajuda Em todo caso, há ainda uma observação a ser feita:
de textos de outros autores. não obstante o distanciamento que mostra Platão em
Mas também notam os que o tema teogônico não relação a este tipo de literatura, que poderia dar a im-
é muito interessante para o filósofo. Insere no Tirneu, pressão de que as suas noticias sobre a obra ó rfica são
com evidente desinteresse e com grandíssimas doses incompletas e "de ouvido", é evidente q ue o filósofo
de iron ia na citação, parte da genealogia dos deuses conhece alguns poemas na sua literalidade, porque em
narrados pelo poema. Trata-se de uma parte menos certos casos nos oferece deles citações textuais. Mas,
importante da exposição platônica, a que alude por- uma vez mais, o fato de que possa fazer a propósito
que apenas pode fazer outra coisa, mas sobre a qual se deles paródias denuncia que se trata de o bra sobrema-
passa com grande velocidade62 • neira conhecida por seus leitores, obra divulgada e não
Por outro lado, que para a sensibilidade platô nica secreta. Apenas a referência do Euttfron a "coisas mais
alguns dos temas tratados na Teogonia eram sobrema- maravilhosas que estas (... ) que a gente não conhece"
neira crus e impróprios da imagem da divindade, é (§ 4.2) poderia indicar que parte desta liceracura circu-
algo evidente a partir da citação do Eutífron63 , mas é lava de um modo mais restrito.
uma crítica que obviamente ultrapassa Orfeu, e pode-
ria ser, com igual razão, aplicável a H esíodo, ainda que

64 . PI. J'hned. 11 le (OF27 I) [T 231.


65. PI. Crat. 402b (OF22 I) IT 2 11-
62. PI. Tim. 40d (OF21 e 24) [T 191. 66. PI. l'hileb. 66c (OF25 1) [T 201.
63. PI. l:.i,thphr. 5c (OF26 I) [T 22]. 67. PI. Symp. 218b (OF 1 XVIII e 19) [T 18].

148 149
5
MODELOS DO COSMOS

utro grupo de o bras do corpus órfico era com-


O posto por uma série de pequenos poemas cos-
mológicos, que não tratavam de como se fo rmou o
111undo, mas de como é, da sua estrutura. E para tor-
nar a questão compreensível, os seus au tores recorre-
ram a modelos simplórios de objetos cotid ianos, com
os q uais comparavam o un iverso. Pouco nos chegou
desses poemas, e o q ue podemos d izer sobre eles é,
un grande medida, conjetural. Assim, em um deles,
intitulado O Manto, se comparava, ao que parece, o
mu ndo com o manto de Perséfone, cujos adornos são
a vegetação; em outro, de no m e A Rede, com a trama
de uma rede; em um terceiro, A Cratera, com um re-
cipiente para misturar água com vinho e em outro, A
/,ira, se associavam os sete planetas com as sete cordas
de uma lira. As no ticias sobre os autores deste tipo
ele poema costumam vacilar entre a sua atribuição a
Orfeu ou a autores pitagóricos antigos, como Bro(n)
tino, Zópiro ou Cércope, o que torna verossímil o fato ;) influência do poema A Cratera, que, sempre de aco r-
de que se tratara de obras produzidas por pitagóricos 1 do com West, trataria de apresentar uma imagem do
e assinadas como se fossem de Orfeu. mundo como um vaso para misturar vinho, no qual
Piarão não parece ter-se interessado por tais obras, os elementos se combinavam em proporções harmô-
e não faz al usão a nenhuma delas, ainda que se tenha 11icas. A hipótese se baseia na teoria dos humores atri-
considerado que algumas possam ter deixado marcas buída a AJcmeão e que poderia resultar aceitável em
em alguma imagem platô nica. Assim, um par de des- um âmbito pitagórico5, assim como em um par de
crições do Tirneu2, em que se fala sobre como se cons- fragmentos de Empédocles em que aparece a imagem
trói um tecido d e ar e fogo e de como a alma, que é de uma cratera6 •
ar, ocupa os interscícios de um corpo material, fizeram Também Kingsley dedica um cap ítu lo de uma de
West pensar3 que Platão possa ter seguido o modelo suas obras à cratera como modelo d o poema órfico
do poema A Rede, enquanto que a reiterada presença atribuído a Zópiro de Heraclea, sobre cujo conteú-
em algumas d e suas obras de uma imago rnundi como do apresenta diversas propostas. Ali, ele ass inala uma
uma cratera/4 pode dever-se, segundo o mesmo autor, série de aspectos que apontariam para a sua possível
influência sobre a descrição do mundo subterrâneo no
Fédon platônico7•
1. Cf OF 4 03-420 para notícias e fragmcm os dcsras obras. Mesmo que tudo isso seja possível, não escapa a mim
2. PI. 1,m. 786 e 78d .
que se baseia cm um argumento circular: do conteúdo
3. West 1983a, 1O.
4. Assim, no PI. Phi/eb. 6 1bc a propósito ele vicias que contém in- dos poemas órficos não sabemos nada e, para reconstrLÚ-
gredientes de prazer e ele sabedoria, e no Phned. 1 11 d cm meio los, nos baseamos nos textos de Platão; mas, para isso,
à curiosa descrição da "verdadeira cerra", rala-se ele diversas cavi- deve-se supor que os textos do filósofo deri vam daqueles.
dades conectadas entre si por duros pelos quais a água fiui de uns
para os outros "como cm uma cratera" (W<J7t€Q eiç KQO:TiiQa:);
Assim, assinalamos apenas que Piarão uriliwu repetidas
nas PI. Leg. 773d se compara a hipotética prácic., de cas.,r pessoas vezes um sfmile, o da cratera, que ao que parece ti nha
de d iferences temperamentos para obter melhores cidadãos com a sido usado antes pelos órficos, o que torna possível (ape-
mistu ra feira em uma cratera, com o resultado de lograr una bebida nas isso) que tenha se inspirado em obra atribuída a O r-
boa, combinando o vinho que espuma impetuoso com outro; mas,
sobretudo no Tim. 35, fala-se de uma cratera na· qual se mistura feu. Avançar depois desse limite parece-me arriscado.
a alma d o firmamento com as almas cios ho mens. Já Procl. in l'L.
Tim. 111 250. 17 D ichl assinalava que ramo o próprio Piarão quanto
O rfeu tinham falado de outras crateras. De Platão, eira a passagem 5. Cf. Alem. 13 4 0 .-K.
cio Hkbo e de Orfeu fala de "crateras próximas à mesa do Sol" ( OF 6. Empcd. fr. .12.3 Wrighc (B 8.3 0.-K.), fr. 47. l 4ss. Wrigh c (B
335 J). E Plu. Ser. num. vind. 56613 (OF 4 12) menciona u ma gran- 35.14ss. D.-K.).
de cratera da qual os sonhos obtém a mistura de verdade e falsidade. 7 . Kingsley 1995, 133- 147.

152 153
6

/\ IMORTALIDADE DA ALMA
E A TRANSMIGRAÇÃO

6.1. IMORTALIDADE E
TRANSMJGRA ÇÃO DA ALMA

latão defende e desenvolve em diversas passagens


P o princípio de que a alma é imortal e em muitas
delas afirma que passa de um corpo a outro. Em várias
ocasiões não declara a autoria deste postulado, mas diz
que tal crença encontra as suas raízes em textos anti-
. -gos e sagrados, o bra de autores d ivinos o u inspirados.
Assi m o faz na Carta VII, qua ndo apresenta vários ar-
gumentos para convencer Dío n:

É realmente preciso crer sempre nos relatos


antigos e sagrados que de fato nos revelam
que a al ma é imortal e sofre juízos e paga
terríveis castigos quando se separa do corpo'.

1. PI. Epist. 7.335a (OF 433 I) [T 27]. Cf. Novocny 1930, ad loc.;
Como vimos no § 1.8, esta é uma maneira ca- ve Perséfone no nono ano do sol de cima; de-
racterística de Platão para se referir a fontes órficas, las renascem nobres reis, varões impetuosos
mas convém analisar outros testemunhos. Quase no / por sua força e excelsos por sua sabedoria.
início do M ênon, após a pergunta de M ênon sobre E pelo resto do tempo são chamados pelos
a possibilidade da virtude ser ensinada e depois das homens de heróis imaculados.
suas frustradas d efinições de virtude, Sócrates confes- Assim, pois, a alma, na med ida em que é
sa desconhecê-la, mas se mostra disposto a buscar a imortal e nasceu muitas vezes e viu aqui e no
definição co m o seu interlocutor. Como M ênon estra- Hades rodas as coisas, não há nada que não
nha ser possível buscar d entro de alguém o que não se renha aprendido... 2
sab~, S?crates inicia a argumentação sobre um ponto
Sócrates se refere a una doutrina que postula a
multo importante da sua doutrina, qual seja, a teori a
1!'a nsm igração d as almas e a atribui a dois tipos d e
da reminiscência:
,1111oridades: a) o das pessoas que ouviu, qualificadas
1 orno varões e mul heres sábias, sacerdotes e sacerdoti-
Pois ouvi de uns varões e mulheres entendi-
dos em assu ntos divinos (...) os quais dizem ,.1s, q ue tratam de dar razão d as funções <]Ue cumprem,
que são os sacerdotes e sacerdotisas que co n- vale dizer, indivíduos de ambos os sexos q~e partici-
sideram impo rtante dar explicação daqui lo pam de determinados ritos religiosos e que se apo iam
de que se ocupam e são capazes de fazê-lo. na autoridade de certos textos para legitimá-los; no §
Tam.e_érn o diz Píndaro, corno outros mu itos 2.5 d isse que o fil ósofo se refe re aos órfi.cos; b) os po-
poetas, os que são inspirados pelos deuses ... etas denominados 0 c°i:OL. Entendemos que 0Ei:OLsig-
afi rma, com efeito, que a alma do homem nifica aqui o mesmo que em outras passagens d a ob ra
é imortal e que algumas vezes chega a um platônica, vale dizer, " inspirad o pelos d euses"3 . D e tais
fim - o que chamam de morrer - e ou tras
novamente chegam a ser, e que não perece
nunca; e que po r isso é necessário passa r a
vida com a maior santidade possível. Com 2. PI. Men. 81a (OF 424) lT 25]. Sobre esta passagem, cf. Rath-
efeito, as almas daqueles dos quais se aceita mann 1933, 66s.; Nilsson 1935, 2 13; l.inforth 194 1, 345; Gu-
thric 1952, 164; 131uck 1961 , 275ss.; Boyancé 1974, 109; West
compensação pelo seu antigo pesar, as devo!-
1983, 112; Casadio 199 1, 130; Simples 1985, 7; l44ss.; Parker
1995, 500; Bernabé 1999a; Brisson 1999; Pugliese Carratelli
2003, 47. Sobre diversos modelos órficos sobre a escatologia cf.
Betegh 2006.
Rathmann 1933, 62; 70; G uthrie 1952, 15; 148; West 1983, 3. Cf especialmente PI. fon 534cd; cf. Bluck 1961, 276, com bibl io-
11 2; Alderink 198 l, 77; Sorel 1995, 12 Is.
grafía.

156 157
poetas, ainda que nos diga q ue há "muitos outros", 9 daí retornam como deuses, excclsos pelas
entre os quais situaríamos com poucas dúvidas os ór- honras que recebem.
hcos e Empédocles\ cita por nome apenas Píndaro, Seu lar compartil ham com os ouLros imor-
pelo que parece claro que o lírico tebano, de acordo tais, à sua mesa se sentam,
com Sócrates, se referia em alguma de suas obras, a sem ter parte nas misérias dos homens, 111-
um conjunto de ideias que compartilhava com os po- cansáveis7.
etas que consideramos órficos. Os versos citados pelo
filósofo procedem, provavelmente, de um aparato de C omo faz Píndaro com "re-brotam" (auçOV'C '),
Píndaro5 no qual anuncia uma teo ria sobre a alma que 1 11,pédocles emprega uma metáfora "biológica", "re-
Platão estava disposto a aceitar: a de que era preexis- 1111 nam" (àvaf3Aaarc:oüaL); como ele, fala de deter-

tente, que entra em um corpo e, quando este morre, 111 i nados homens excelsos: os "nobres reis" (f3aav\.f]Eç

se li vra, torna ao H ades e al i penetra em outro corpo r\ yauo(v) de Píndaro correspondem, com clareza,

(Píndaro expressa a ideia por meio de uma metáfora 10~ "dirigentes" (n:QÓµ OL) de E mpédocles. O s "ex-

vegetal, "re-brotam"), até um determinado momento 1 l'lsos po r sua sabedoria (aocp(a)" do poeta beócio

no qual Perséfone aceita a compensação. Q uando isso l'odem valer, em conjunto, pelos "augures, poetas e
ocorre, após uma última reencarnação em uma exis- méd icos" do outro 8• Isso nos leva a uma interessante
tência terrena de função social superior, a alma, após a observação. A palavra aocp(a significa, em geral, "sa-
morte do corpo, passa a um estado divino, ou semidi- bedoria", mas também a "sabedoria poética". N ão me
vino, no H ades. Trata-se, em suma, de uma teoria da parece impossível que Píndaro aluda de forma velada
palingenesia e da salvação final da alma6 • .10s poetas fre nte a Empédocles, que o faz sem rodeios,
Ideias muito parecidas às expressas por Píndaro as motivo pelo qual não estou de acordo com Cannatà
encontramos em Empédocles: Pá à9para quem a estrutura da frase deve nos induzir
.1 ver no substan tivo a acepção ge nérica de "sabedori a"
E ao final, augures, poetas, médicos mais do que a de "arte poética" . Tal afirmação não leva
e dirigentes são entre os homens terrenos, em co nta que um lírico como Píndaro sabe jogar de-

4. Bluck 1961, 276, com bibl.; Wcsr 1983, 11 0ss. 7. Emped. fr. 132 ,. 133 Wright (B 146 + 147 D.-K., OF 448) ['I'
5. Pind. fr. 133 Maehl. = 65 Cannacà Fera (OF443) [T 25J. 25al .
6. Cf. Rose 1936; Linforrh 1941 , 345-355; Bluck 196 1, 275-286; 8. Cf. Bluck 1961, 284.
Cannarà Fera 1990, 219-231; Santamada Álvarcz 2004 e 20086, 9. Cannarà Fera 1990, 229 (com referência a valiosa bibliografía so-
além de Bernabé 1999a. bre a ocp[a).

158 159
liberadamente com a ambiguidade das palavras, que 1 <' lll seguida reinarás, com os demais heróis 12•
frequentemente podem ter mais de uma leitura, enri-
quecendo profundamente o texto. O que parece ainda ~
1, t /1:uo que Pfn daro, d'1ante d e uma trad'1<;:ao que Ja
. ' e'
mais claro é que os "impetuosos pela sua força" são 111h(gua, prefere optar pela solução que repele menos as
uma inovação de Píndaro, sem dúvida atribuível a ele ""' Lnncepções religiosas, que pressupõem uma rígida
mesmo, e não a sua fonte, em uma tentativa de incor- 11,11 ,1ção entre o mundo dos homens e o dos deuses'3.
porar o mundo dos atletas, que conhece e admira, ao l'odemos nos perguntar o por quê de Platão ci-
marco de ideias que está expressando aqui, talvez para 111 11111 poema de Píndaro e não um dos atribuídos
agradar o possível destinatário do texto, se este fosse 11 ( >, fcu, como ilustração de ideias órficas. Penso que
um vencedor que pôde celebrar em um epinicio. O 11 11 , posta é que P latão lê em Píndaro um orfismo
prêmio final desses bem-aventurados é compartilhar 11111 ado", "moralizado", distante das sua:s variantes
domicilio e mesa com os imortais, o que nos recorda 111.1i- g rosseiras. A versão li teral órfica é sempre, para
o "banquete de justos" no Além que Platão atribui a 11 lilósofo, insuficiente. Não é vista com o rigor do
Museu e a seu filho'º.
l11\ 1oriador da religião ou do filósofo, mas ,: om o âni-
Mas a com paração nos permite aprofundar alguns 11111 de quem aproveita materiais alheios e os reuti liza
pontos. O primeiro, que Pindaro não diz que as almas 1',11.1 configurar o seu próprio edifício. De modo que
bem-aventuradas se convertam em deuses (81:0(), mas , ,., aceita melhor se já vêm previamente aju1stados por
em heróis. É verdade que nas fontes órficas encontra- 11 m :1 fonte anterior. Mais ainda, se esta fonte tem a
mos certa falta de concretude sobre a sorte que aguar- 1mcrção moral e poética de Píndaro 11 .
da as almas eleitas depois da morte. Enquanto que em O fato é que Platão aceita a ideia órfica de que a
uma lâmina áurea de Turios (IV a.C.) lemos que se .dma é imortal, o que supõe que seja algo separado do
convertem em deuses:

Em-deus te converteste, de homem que eras'',


12. OF 476.11 [T 25c]. C f. 13ernabé 1992c acerca de a lgumas possí-
Na de Petelia (IV a.C.) nos diz que se tornaram veis razões da ambiguidade das lâminas.
heróis: 1,1. Cf. 131uck 1961, 24, que eira OL 5.24: "que não pretenda ser un
deus" (µ~ µa'CcÚ0''7l 01:oç yi:vfo0m) e lsth. 5.14: "não pre-
tendas ser Zeus" (µ~ µá'CWc Zcuç ycvl0'0at). Cannarà Fera
1990, 224s. o expressa em outros termos, entendendo que, ainda
que o m ito seja órfico, sempre entrava na We!tanschauung e na
1O. PI. Resp. 363c (OF 43 1 I) [T 36].
religiosidade délfica do poeta.
11. OF 487.4 [T 256].
14. Cf.§14.7 .

160
161
corpo que, p or sua vez, é morra!. E, neste caso, o faz 1, 111 i.t de que a alma reencarna várias vezes e não
porque lhe serve ad equadam ente para suste ntar a teo- th,, "ihva aludir às im p licações morais desta c ren-
ria da reminiscência, que não é, de modo algum, órfica. 1. 1, segundo, porque, com o veremos 15, não temos
Platão acrescenta que a alma passa p o r um d eter- 1,, lo, para afirmar que os ó rficos reclam aram co mo
minad o processo q ue tem um fi m (TEÀl:VTãv) ao 1111dição para a salvação um comportamento moral.
qual a gen te em geral (exp ressa por esse "plural impes- A1g11mentou-se que o fato d e que no texto do Mênon
soal" KaAoüaL) cha ma "morrer". No entanto, "nas- 'l'll estamos estudando ÔELV siga como infinitivo (e,
cer " e « m orrer ,, sao,
-
para PI atão, palavras a plicáveis ao p,111.1nco, d epend endo d e cpaa() 16 parece indicar que
corpo, não à alma, q ue é imortal, de mod o que há , 11.na de doutrina con tida em sua(s) fonce(s), não
uma separação e ntre a for ma comum de falar e a real i- "11"~centad a por Platão. Mas, o que podemos dizer é
dade. O fim a que chega a al ma não é, obviamen te, a 'Ili<' Platão p retende nos fazer crer que o que foi acres-
sua m o rte (pois não perece nunca), mas apenas o fim ', 111:ido está e m sua fo nte, mas não cre mos que esti-
d a sua passagem pelo corpo, enquanto qu e a sua pa- "·-.,c realmente e parece mais verossímil considerar a
lingenesia (TiáÀ LV y(yvi::a0aL) tampouco qu er d izer 11.1\C como uma inserção pla tônica, porque, para Pla-
qu e re nasça, mas que volte a alojar-se e m o utro corpo, 1.10, a hipótese da imortalidade da alma é inseparável
qua ndo este nasce.
d.,~ suas implicações mo rais 17•
Por outro lad o, dizer q ue a alma "viu o que está Inserções morais a parte, a afi rmação do Mênon
aqu i" e "n o H ad es" indica que e ntre uma e outra pa- , oincide com a de outro importante texto platônico,
lingenesia a alma se encontra no H ades d urante um 11 do .redon, no qual o filósofo evoca novamente como
tempo que não se esp ecifica. E acrescen ta Platão q ue testem unho um "antigo relato" (que Olimp iodoro e
este processo não tem luga r uma vez, mas várias o u 1hmáscio nos d izem ser "órfico e pitagórico" 18):
muitas (TIOÀÀáKLÇ yi::yovv"ia) . A última afi rmação,
que tal _c ond ição sugere que p assemos a vida de for ma E examinemo-lo desce modo: se é que estão
mais sanca, seria solidá ria co m a ideia de que o co m- no Hades as almas das pessoas que morreram
porta mento em vida d a alma obedecendo a princípios
mo rais teria a ver com a sua sorte posterio r (daí o "por
isso", relação d e causa e efeito que não teria sentido 15. § 9.
de o utro modo). Isso resul ta um ta nto surpreendente. 16. Como observa Cannatà Fera 1990, 222, n. 10.
Primeiro, porque, para o que Platão prete nde d e mons- 17. Cf. Bluck 1961, 279 e§ 13.4.
18. Olympiod. in PI. Phaed. 10.6 (145 Wcsterink, OF 428 li)
tra r, que a alma co nheceu dive rsas realidades a ntes de
[T 26a], Damasc. in Pl. Phaed. 1.203 (123 Wcsterink, OF 428
e ncontra r-se em seu corpo atual, lhe era sufi ciente III) [T 26b].

162 163
ou não. E é que há um antigo relato, que me 110 corpo de um homem que está a ponto de
vem à mente, segundo o qual estão ali tendo nascer e cumpre este ciclo por três mil anos.
ido daqui, mas de novo voltam e nascem dos 11~ alguns gregos, uns antes, outros depois,
mortos 19. tiue seguiram esta teoria, como se fosse sua
própria, cujos nomes cu não escrevo, ainda
Ainda que a forma de falar de Platão seja nova- que os conheça20•
m ente imprecisa, devemos entender que o que nos diz
é que neste antigo relato, ó rfico, conta-se que as al- 1 kródoto pratica um cosmme generalizado entre
mas estão no Hades ("ali"), depois de ter estado neste 1•,1L·gos que é o de "traduzir" os nomes dos deuses
mundo; nesta primeira parte da frase não se d iz nada 11.111geiros pelos gregos que tenham funções pareci-
di ference do que disse Homero, por exemplo. O que ,! a., motivo pelo qual chama Isis de Oeméter e Osíris
é novo e diverso do ideário homérico e tradicional é 11, 1)ioniso, respectivamente. De fato, os estudiosos
que as almas saem do mundo dos mortos para voltar a ,11 1t"ligião egípcia pensam de forma unânime que o
ele, renascidas. Na real idade, ins isto, este "nascer" da l11,1oriado r se equi voca ao atribuir a teo ria da transmi-
alma não quer dizer que nu nca ten ha estado mo rta, 1" 1,.10 aos egípcios21 . Atribu i-se, ao invés, uma dou-
mas que sai do H ades para alojar-se em outro corpo. 11111,1 parecida aos pitagóricos22 e não há motivo para
Complementam os testemunhos de Platão outros tl11 vidar de que a doutrina fosse de o rigem grega23• La-
textos g regos que atribuem a ideia da imortalidade da
alma aos órficos. É o caso de uma passagem de H eródoto:
' liI ldr. 2. 123. 1 (OF 423) [T 27a].
Dizem os egípcios que quem impera no '1 C:C Bonner 1952, 76s.; Kecs 2 1956, 6; Monrégu 1959, 83; Lloyd
mundo subterrâneo são Dcmétcr e Dioni- 1988, nd loc. e introd. p. 57ss. Por sua vez, Riedwcg 2005, 56
so. Também fo ram os egípcios os primeiros rnnsidera que a afirmação de Heródoto se deve a que o historia-
a enunciar essa doutrina de q ue a al ma do dor conhecia a tradição segundo a qual Pidgoras tinha viajado ao
Egito. Notamos também que pôde inAuenciar nesta afirrnação de
homem é imortal e que, à morre do corpo, l lcródoro o furo de que a ideia da imortalidade da alma~ alheia à
penetra em outro ser q ue se torna cada vez corrente generalizada na Grécia sobre a alma.
vivo. Uma vez qu e percorreu todos os seres ' • cr. Xcnoph. fr. 6 Gcncili-Praro (= 13 7 0.-K.) . Cf. Burk,~rt 1972,
1

terrestres, marinhos e alados, volta a entrar 12 1 n. 5. Sobre o problema, em geral, cf. Timpanaro Cardi ni
1958, l 21 s.; Guthric 1962, 1, 160; 173 n. 4; Wcst 1983, 8 n. 11;
l.loyd 1988, nd loc.; Casadio 1996, 203 n. 9; Zographou 1995,
187; Sorel 1995, 81 n. l; Brisson 2000; Caserrano 2000, 204s.;
19. PI. l'hned. 70c (OF428) [T 26]. Sobre o passo, cf. Burncr 1911; Riedweg 2005, 56.
Hackford 1955, nd loc. e Loriaux 1969. '1. Como destaca N ilsson l J967, 69 1ss.

164 165
meneamos que H eródoto não tenha desejado ser mais 1l111.1 então, não é apenas imortal, mas também divi-
1

explícito sobre quais são os gregos dos quais fala como 11, 1)e sua parte, Aristóteles nos fornece uma infor-
seguido res desta teoria. A sua sibilina expressão provo- 111.1vo interessante, mas que, a primeira vista, não se
cou discussões entre os estudiosos modernos, sobre se , 111 .1ixa muito bem com as demais:
se refere aos órficos e a Pitágoras, aos órficos e a Em-
pédocles, o u a Pitágoras e a Empédocles 2\ D e minha Esse m es mo defeito mostra a doutrina con-
parte, compartilho a opinião de Burkert, segundo a tida nos chamados poemas ó rfieos. Pois afir-
qual H eródoto se refere a Pitágoras e a Empédocles, mam que a alma penetra d esde o universo
mas dá por certo que órficos e pitagóricos são uma exterior quando se respira, arrastada pelos
mesma coisa25• Deixo para depois 26 o problema da ventos 29•

referência a um determinado prazo para o exílio da


alma em diversos co rpos. Passo sobre o qual comenta Filopono:
Mais claro é o postulado da imortalidade da alma em
Diz (Aristó teles) "os chamados" po rque não
dois versos, ambos atribuídos a Orfeu por Yetio Valente:
parece que os versos sejam d e O rrc u, como
tam bé m diz ele m esmo no Acerca da filoso-
A alma de rodas as coisas é imo rta l, m as os
fia (fr. 7 Rose). E é que as doutrinas sim são
corpos, morrais.
dele, mas d izem q ue Onomácrito as colocou
A alma, imortal e inse nsíve l à velhice, vem
cm verso (tesl. 5 D 'Agostino = OF J 11 5).
de Zeus 27 . ·
Pois bem , d iz que a alma levada do universo
pelos ventos é inspirada pelos seres vivos 30•
No segundo verso, "insensível à vel hice" confere
à alma as duas características próprias dos deuses28• A Encontramos a mesma teoria em um verso literal
1ransmitido também por Yetio Valente como de Orfeu:

24. a) Órficos e pitagóricos, segu ndo Nilsson 3 1967, 701 ; Morrison


Ao aspirar o ar, co iceamos a alma divina 31 •
1956, 137; Montégu 1959, 83 (com Júviclas); Casaclio 199 1,
128ss.; Zhmud 1997, l 18s.; b) Órficos e Empéclocles, segundo
Rarhmann 1933, 48ss. (mas sem negar 11); e) Pitágoras e Empédo-
cb segundo Long 1948, 22; Kirk-Ravcn-Schofield 1 1983, 21 Os. Th.305, Stesich. fr. S 11.8 Pagc.
25. ílurkcrr 1972, 126 11. 38. 2'1. Aristoc. Derm. 4 IOb 27 (OF42 I 1) [T 27d J.
26. § 6.5. ,rn. loann. Philopon. in A ristot. de""· 186.24 Hayd. (OF 421 li) [T
27. Vett. Vai. 3 17. 19 Pingrcc (OF 425-426) [T 27bc). 27e].
28. C f. por exemplo li. 8.539, Od. 5.2 18, Hymn. Vt-11. 214, Hcs. J 1. Vett. Vai. 3 17 .1 9 Pingrec ( OF 422) JT 27f).

166 16 7
E sses últimos testemunhos coincidem com o que 11111," corresponde nitid ame nte à expressão poética
temos atribuído aos órficos, tanto o fato d e que alma 1, 'lll l' ela, mesclada com os embates d o vento, se
e corpo se concebem como entes separados quanto as 11111 11•1.1 o utro ser", do fragmento das Rapsódias34. Ain-
ideias de que a alma preexista e que podia passar de 111 'lilt' não nos conste que o poema conhecido po r
um corpo a outro. Este último d etalhe, vale dizer, não A11·,ll',1d es apresentasse exatamente este ver:so, como
é mencio nado por Aristóteles e, p or isso, Alderin kn 11111·, l' nas Rapsódias, podemos afirmar com grande
p ostula que n o se po de deduzir deste testemunho a 11,111.111ça que existia um verso muito p a recido em
cren ça órfica na t ransmigração. No enta nto, a co m- 1111 pm:ma ó rfico já conhecido por Aristóteles, e que
pa ração d esse passo co m um fragmento das Rapsódias 1111, ,e defendia a reen carnação d a alma em diversos
não me p ermite compartilha r a a nálise d e Alderink. O 111 l'ºs, co m base em uma rudimentar explicação de

passo e m q uestão é o seguinte: ~1.11l'r físico35 •


/\inda posso aduzir outro testemunho interessante.
Quando das feras e os pássaros alados 1 ,1<·g6rio de Nazian zo critica, em seu p oema Sobre a
se precipita m as al mas e lhes fa lta a sagrada i/111r1, as teorias pagãs sobre a natureza d a alma. E em
vida, 11.1 t rítica, atribui às mesm as pessoas a crença segundo
a alma destes ninguém a conduz à ma nsão , q11,d a alma se aspira do ar exterio r, a reencarnação e
de H adcs,
111·• 1nesmo os prémios e castigos (sob re os quais falarei
mas que voando fica cm vão por aí, até que dela,
111.1is tarde). Assim, então, d eduzimos do testemunho
mesclada com rajadas de vento, se apodera
outro ser. ,1,· (.~regório que as duas ideias (a aspiração da alma com
11 .1r e a existência d e prémios e castigos no Além) não
Mas quando um homem abandona o res-
36
plendor do sol, , 1.1111 incompatíveis nos poemas ó rficos . Pod er-se-ia

suas almas imortais abaixo as leva Hermes .111.cr que havia dois estados das reencarnações, um, en-
C ilcno, ll l ' animais, no qual as almas seriam aspi rad as com o ar,

à desco munal cavidade da terra33. e outro, mais avançado, ent re seres humanos, no qual já

A p rosi.ficação a ristotélica "a alma p enetra n o u ni-


verso d o exteri o r, quando respira, arrastado p elos 11. Arisrot. De ,m. 4106 29 (OF 42 1 l) [T 27d] -r~v tjJux~v lx
'WV õ;\ou dcnivm c\:va:nvi;óvTwv, <pt:Qoµtvqv únà Twv
àvtµ wv, Rapsodias (OF339.4-5) [T 27gj dç õ ICEV a:u't:~V (se.
tjJux~v ) / ãt\Ao c\:cpa:Qnc\:(17L µíyõqv c\:vtµ o10 nvo~ww.
32. Alderink l98 l , 58 ss. Vi. Gagné 2007 crê q ue poderia tratar-se do poema C])lJ<JLKà.
33. Procl. in Pl. Nemp. 11 339. l?ss. Kroll (OF 339) [T 27g]. 16. C f. H errero 2007a; 20076, 194.

168 169
se poderia exigir responsabilidades pelo modo de vida ,111 .11 rn1 que a alma não perece41 • Por sua vez, Teopom-
levado e, por isso, H ermes levava as suas almas37_ 1'" ,. F,udemo de Rodes se referem à teoria da imortali-
Platão não só aceita a imortalidade da alma para 111.lr da alma como a uma curiosidade dos "magos" 42•
fundamentar a teoria da reminiscência no M ênon 1·.m nosso caso, poderíamos estran har a estranhe-
como também parte da premissa "toda alma é imortal'; • dos gregos, já que caberia pensar que, se múltiplos
(tjlvx~ m:xaa à 0á vm:oç) como argumento central 11 1111rcs, desde Homero, nos falam reiteradas vezes de
8
do Fedra3 e fundamenta grande parte das doutrinas da 1l111.1s (tjJuxa() que após sua presença em um corpo
República no mesmo pressuposto. , .tlojam no Hades, isso levaria à ideia de que a alma
, 1111orcal, dado que não morre com o corpo. O fato
.!, que determinadas pessoas que aceitavam as ideias
6.2. UM A IDEI A EST RA N HA PARA OS G REG OS 11.1dicionais sobre as -tjJuxaí no Hades pudessem,
111 mesmo tempo, estranhar a teoria de que a alma
Que a transmigração não tenha sido uma dout ri- , ,~OávcfiOÇ só cem sentido se, segundo eles, a si-
na geralmente aceita entre os gregos o afirmam , além 111.1ção das almas no H ades não pudesse ser chania-
da pretensão de Heródoto de atribuí-la aos egípcios, d.1 realmente de "vida" e/ou se à 0ávct'COÇ em grego
outros testemun hos, como a estranheza de Gl:íucon 1gnificasse, em cal contexto, algo mais que simples-
na Rep ública diante da form ulação socrática da imo r- 111ente "que não perece". Ambas as premissas parecem
talidade da alma39 ou a resistência de Cebes no Fédon a , l;1 ras. H omero considera que as almas do H ades são
aceitar que a alma do homem mo rto cem alguma força "rabeças inanes", que nem sentem nem padeeem 43,
e inteligência40. Ma is adiante, Diógenes de Enoanda 1•11quanto à0ávct'COÇ é um qualificador dos deuses,
chamará de "loucos" os órficos e pitagóricos por acre- por oposição aos mortais (0VTJ'COÍ). Assim, então, a
.111rmação de que a alma é à 0 ávct'COÇ quer dizer, para
11111 grego, não só que mantém, após a morte, a capa-
l idade de sentir, entender, de estar verdadeiram ente

37. Devo esta ideia a Marco A nronio Santamarfa. viva, mas que também é divina. Esta circunstância se
38. PI. Phaedr. 245c.
39. Hdr. 2. 123. 1 (OF423) [T 27aJ; PI. Resp. 608d [T 28J: "Não ouviste
d izer, cm disse, que nossa alma é imorraJ e que nunca perece?" E ele,
após dirigir o seu olhar para mim com ar estranho, disse: " Por Zeus, ,i 1. D iog. Oen.fr. 40 Smith ( OF 427 1) [T 29a] "E não digamos que a
pelo 1nenos cu, não".
alma transmigra e não pereceu, como crêcrn os órficos e, não me-
40 . Pl. Phaed. 69c-70a [T 29] E d isse Ccbes; "Sócrates, ( ...) isso que nos, Pitágoras, loucos que são".
dizes sobre a alma provoca nos homens a desconfiança de q ue, -i2. Em Diog. Laert. 1.9 (OF427 l i) [T 296].
q uando se separa do corpo, já não esteja em pan e alguma".
-i3. àµcv11và KáQqva H om. Od. 10.521, etc.

17 0 171
põe claramente em um dos versos órficos transmitidos 11 1•ttagórica do mundo, que considerava o universo

por Vetio Valente, a que antes me referi 44, no qual a 1111ll1 urna comunidade na qual imperava a ordem e
alma é qualificada de "imortal e insensível à velhice", 11 11.11 monia. Em princípio, não se teria considerado a
as duas características que definem os deuses desde a 1111 11·mpsicose como um castigo, nem existiria alguma
tradição homérica. ,1, 11v11ção de tipo moral que relacionasse a pureza da
Mais ainda, subvertendo completamente os ter- 111111.1c.:0111 a sua salvação. Ao invés disso, a iideia de que a
mos, nesta concepção de alma como a0ávcaoç, a ,11111.1está sepultada em um corpo porque deve cumprir
verdadeira vida da alma não é a que leva neste mundo, 11111 c·:1stigo era de procedência órfica e estava associada
onde está limitada pelo corpo, mas a que leva noutro 111111 a crença no mito de origem dos homens a par-
mundo. Mas voltarei a isso45. 111 dos Titãs49• O pitagorismo aceitou do orfismo que
, , 1 o rpo é a tumba da alma como castigo de um delito

1•-11 .1 reforçar o seu próprio sistema doutrinal, dotando-


6.3. ÓRFICOS E PITAGÓ Rl COS ,, de uma dimensão moral que, a princípio, não tinha,
111.1.~ não absorveu as causas míticas que o originavam,
No postulado da imortalidade e da transmigração 111·111 os rituais iniciáticos que o rodeavam. Até aqui vai
das almas, os órficos coincidem com os pitagóricos. ,1 reconstrução que compartilho com Casadesús.
Um importante artigo de Casadio reú ne os exemplos Ao aceitar o princípio da transmigra~;ão, Platão se
significativos e os analisa de modo impecável46 • Isso 111ostra outra vez como seguidor de uma teoria mino-
faz discutir se a doutrina da transmigração é, em ori- 1itária, defend ida por órficos e pitagóricos, mas que é,
gem, órfica ou pitagórica. Recentemente, Casadesús47 tomo acabamos de ver, exótica para Heródoto e própria
se ocupou da questão, oferecendo uma proposta bem dl: loucos para D iógenes de Enoanda. Sem dúvida, leva
verossímil que, em termos gerais, é a seguinte: nos cír- p:ira mais longe o processo que acabamos de descrever.
culos pitagó ricos criou-se a noção da transmigração Eliminada da origem a culpa anterior, é a alma a única
da alma: como consequência lógica da crença de que responsável pelas consequencias morais do seu próprio
a alma é imorcal48 • Tal ideia recai no âmbito da vi- comportamento em cada umas das vidas.

44 . Verr. Vai. 3 17.19 Pingrce (OF425-426) [T 27bc] . da ideia de imortalidade da alma. Poder-se-ia pensar em alguma
45 . Cf. § 7.2. alternativa: que a alma resida em outro lugar após a morte, como
46. Cf. Casadio 199 J. na concepção cristã, ou que se dissolveria no éter, como propug-
47. Cf. Bernabé 2004a, 137- 147. nam outras teorias na Grécia; cf. Moli na 2008.
48. Obviamente, a transmigração não é a única possibilidade derivada li9. C f. § 8.

172 173
6 .4. A HIERARQUIA D AS REENCARNAÇÕES que tiver levado uma vida justa é participan-
te de um melhor desti no e o que tiver vivido
H á, sem dúvida, u m asp ecto da teo ria d a t ransm i- injustamente, de um pior. Pois ali mesmo de
g raçã.o que req uer certa atenção. Refiro-m e à "hierar- o nde partiu não volta alma alguma antes de
q uia das reenca rnações" exposta por Pla tão: dez mil anos50.

Tal é o preceito de Adrastca: q ue qualq uer Vi m os no § 6.1 ide ias similares e m P índaro (que
alma que, por ter pertencido ao séqu ito do , ,eforia às últimas reencarnações na p assagem c itada
d ivi no, tenha vislumbrado algo do verdadei- por Pla tão) e e m Empéd ocles. Assi m , o p r imeiro as-
ro, estará livre de padeci mento até o próximo ·•·vcrava:
giro e que sem pre que possa fazer o mesmo
seguirá estando livre de dano. Mas quando, delas (das almas cuja compensação tinha
por sua inca pacidade para segu i-lo, não o tiver sido aceita por Perséfone) renascem reis
visto e por q ualquer casualidade se apresen- nobres, varões impetuosos por sua força e
te ao encher-se de esq uecimento e maldade, excelsos por sua sabedo ria. E até o final dos
ao aprescnra r-se, pcrdcd suas ;isas e cair;Í por tempos são chamados pelos ho mens de he-
terra. Então a norma d iz que tal alma não se róis imaculados51 •
enxert e em nenh uma natureza anim;1l na pri-
meira geração, e sim que seja a que mais viu a E m pédocles, por s ua vez, diz ia:
que se engendre na semente de um varão que
chegará a ser filósofo, amante da beleza ou das
E ao fi nal, augures, poetas, méd icos
Musas e do amor; ~1a segunda, na de um rei
e di rigentes são entre os homens terrenos,
legítimo ou um guerreiro ou um governante;
e da í retornam como deuses, cxcclsos pelas
na terceira, na de um político o u um admi-
ho n ras que reccbcm 52 .
nistrador ou um emp resá rio; na quarta, na de
um amante do esforço, um ginasta ou o que
No parágrafo citad o, a nal isávamos os traços m ais
vai dedicar-se à cura de corpos; na quinta, cm
urna vida dedicada à adivinhação o u especia- sig n ifi cativos d essas passage ns. Basta assinalar aq u i que
lista cm algum ri tual de in iciação; à sexta lhe
irá bem um poeta ou algum dos que se ded i-
cam à imitação; à sétima, um artesão ou um rr
50. PI. Phaedr. 248d ( OF 459) 3 1]
51. Pind. fr. 133 Machlcr = fr. 65 Cannarà Fera (OF 443) [T 25].
cam po nês; à o itava, um sofista ou demagogo 52. Empcd. fr. 132 + 133 Wrighr (13 146 + 147 D .-K., OF 448) [T
e à nona, um tirano. De todos estes casos, o 25a].

174 175
Platão coincide com Píndaro e Empédocles ao postu- 11, .1, nascida em âmbito sul-itálico e assumida por
lar a existência de uma hierarquia de reencarnações e 1 111pédocles e por Píndaro, que se vi! notavelmente
ao propor uma última reencarnação em uma vida de ,11·,cnvolvida e moralizada por Platão. O motivo é que
tipo superior, imediatamente anterior à liberação fi- 111.11:io aceitaria de bom grado que a alma purificada
nal. Mas os degraus mais altos da hierarq uia variam , 111 diversas vidas foi progredindo e que a forma mais
entre os autores. Para Píndaro, o último nível, o mais dt.1 de tal progresso seja a vida do filósofo, como an-
alto, é compartilhado por reis, isto é, pelos que ocu- 1,•,sala da libertação final , em vez de considerar, como
pam o poder, varões impetuosos pela força, vale dizer, 1'·1rcce que fariam os órficos, que o transcurso de um
atletas e outros excelsos por sua sabedoria, que, pro- dr tcrmi nado espaço de tempo e/ou :a prática ritual
vavelmente, não eram senão os poetas. Reúne, pois, ,1dcquada eram os fatores necessários para lograr a sal-
o beócio os seus clientes e a si mesmo como repre- v.1~·ão final da alma. Explicamos, assim , que no Mênon
sentantes da posição mais alta. Empédocles, por sua H I b, q uando fala de doutrina ó rfica, Platão não cita os
vez, situa os personagens que compartilham os seus próprios órficos, mas Píndaro, o seu apoio mais firme
próprios traços, ad ivinhação e poesia, com os médicos 110 processo de transposição.

e dirigentes. Platão, por fim, reúne governantes, atle-


tas e médicos nas ultimas gerações, mas situa acima
deles, no último degrau, os filósofos. O fato de que 6.5. O LONGO PERÍO DO ATÉ A LIBERTAÇÃO
o filósofo seja o ponto mais alto da escalada, antes da
libertação final, faz dele o verdadeiro "iniciado e p uri- Uma questão difícil de elucidar é se para os órficos
fi cado" que postulam as teletai como candidato à vida o castigo da alma de passar por sucessivas reencarnações
entre os deuses53 • correspondia ou não a um período pré-fixado e, se as-
0

A transposição platónica sobre os textos de Pín- sim for, qual seria este período. Platão conta no Pedro
daro e Empédocles está clara, mas, dando um passo que as almas que perderam o seu privilégio passam por
adiante, devo assinalar que não temos manutenção um período de dez mil anos antes de poder regressar
de hierarquia nos textos órficos que conservamos. E é ao seu lugar de origem, o universo sup:raceleste; apenas
muito significativa a sua ausência nas lâminas de ouro. algumas especialmente puras têm a o portunidade de
De modo que, a partir do material de que dispomos, fazê-lo ao final de três mil anos, enquanto que outras
parece mais verossímil pensar que a ideia de hierarquia são chamadas em juízo e expiam a sua pena em lugares
das reencarnações seja uma inovação culta e aristocrá- subterrâneos54 . Na República, ao invés disso, diz que a

53. Cf. PI. I'haed. 69c (OF 434 Ili, 5761) IT 41J. 54. PI. Phaedr. 248e (OF459) [T 31].

l?G 177
viagem subterrânea a que tinham sido submetidas as
, r:is três no Hades; o baluarte de Cronos está na Ilha
almas condenadas tinha durado mil anos55_
dos Bem-aventurados. Ainda contamos com um tes-
A crença órfica sobre a questão não é fácil de defi-
1cmunho de Proclo, que nos informa que na doutrina
nir, já que pode ter variado ao longo do tempo ou até
6rfica, a purificação das almas até conseguir a sua li-
mesmo ter sido diference em lugares. Empédocles diz
bertação final se dá, tanto no outro mundo, em uma
que os daimones "vagarão por tempos três vezes in-
l'Spécie de p risão, quanto em sucessivas reencarnações
contáveis" ou "trinca mil estações", por ser a ambígua a
56 neste daqui:
frase • Heródoto atribui aos egípcios a teoria assumi-
da por "alguns gregos" segundo a qual o ciclo de reen- Po r cal motivo, Platão (Resp. 6 15e) atribui
carnações dura três mil anos57. Por sua vez, Píndaro diz os mil anos às almas submetidas a Plu tão.
que Perséfone aceita "no nono ano" o cumprimento Quanro a O rfeu, as leva durante trezen cos
do castigo, momento a partir do qual as almas voltam anos desde os lugares subterrâneos e as p ri-
ao sol de cima5R. Ao invés disso, na Olímpica segunda sões dali a seu nasci me nto e faz das três ccn-
nos oferece outra versão: túrias o símbo lo do período comple to da pu-
rificação das a lmas humanas, de aco rdo com
E quantos tivera m o valor de man ter pela o modo cm que vivera m du ran te seu trânsito
terceira vez pela geraçãoGU.
em um e outro mundo sua alma absoluta-
mente apa rtada do injusto, Temos, então, diversas fo ntes que atri buem ao~
pe rcorrem o cam inho de Zeus até o baluarte órficos períodos d istintos para a salvação da alma. E
ele Cronos59.
complicado dizer qual delas reAete com maior fideli-
dade o pensamento órfico. Dificulta a decisão a exis-
Parece, pois, referir-se a três vidas na Terra e ou- tência de diversas possibilidades: seja a respeito da não
exatidão dos nl'.1meros, seja o Fato de que a fonte órfica
original, se é que ma rcava algum período, o deu sem
55. PI. Resp. 615a [T 46J.
especificar nada. Em todo caso, deve-se destacar que
56. Emped. fr. 107 Wrighr (B 11 5 O.-K., OF449) [T 31aJ. Cf. Ra-
shed 200 1 253, que crê que 30.000 estações" sejam, na realidade, quase sempre se fala de múltiplos de três, às vezes de
10.000 anos. crês vezes três.
57. Hdr. 2. 123.1 (OF 423) [T 27a /.
58. Pind. fr. 133 Machl. = fr. 65 Cannarà Fera, eirado por PI. Mm.
8 1a (OF424) /T 25].
59. Pind. 0/. 2.68-70 (OF 445) [T 31 b].
60. Procl. in PI. Remp. 11 173.12 Kroll (OF346) [T 31c).

178
179
6.6. A NORMA DIVINA QUE PRESIDE do cosmos, expressa pelo alcance dos seus braços. Não
A REENCARNAÇÃO obstante isso, não conservamos nenhuma passagem
<\rfica na qual se atribua a esta deusa uma função de-
No Pedro, Platão anuncia a hierarquia das reencar- 11:rm inada na duração da reencarnação.
naçoes · d e Ad rastea"61 ,
- como.o b ed ecen d o a um "P receito
enquanto que Empédocles atribui a duração das reen-
carnações a um decreto da N ecessidade (AváyKT])62• 6.7. CONCLUSÕES
Esta última determina o processo de reencarnações des-
crito no mito de Er da República e o filósofo descreve Da análise dos dados ded uzem-se algumas conclusões.
o seu gigantesco fuso no centro do cenário infernal63• Piarão baseia, com freq uência, as suas ideias sobre
Ambos os nomes, N ecessidade e Adrastea, aparecem na . 1 imortalidade da alma e sobre a transmigração em
tradição órfica, e até mesmo um fragmento da Teogonia fo ntes órficas, seguindo uma linha de pensamento que
de Jeró nimo e Helanico são mencionados como dois não era majo ritária na G récia, mas si m, ao contrário,
nomes da mesma divindade: considerada estranha e, normalmente, ele origem es-
1rangeira. Na crença ó rfi ca, separa-se taxativam ente
Uniu-se a ele (a Tempo) Necessidade, que é um corpo mortal de uma alma imortal que, a diferença
por sua vez Natureza e Adrastea, incorpórea da situação descrita por Homero no Hades, manteria
e com os braços estendidos por todo o mun-
a sua capacidade de conhecer e de sentir. Tal manei-
do, tocando seus confins&!.
ra de pensar parece ter sido compartilhada, em uma
co mplexa história de mútuas inAuências, pelos pita-
Trata-se de uma person1ificação que não aparece
góricos, e parece ter inAuenciado outros poetas como
em H esíodo. A julgar pelos sig nificados de seus nomes
Pindaro ou Empédocles. Platão atribui t:ais doutrinas
(Necessidade e "aquela da qual não se pode fugir") e
::t diversas fontes, seja a poemas do próprio Orfeu
pelo fato de que está junto a Tempo desde o começo
(q uase n unca citado pelo no me) , seja a interpretações
do Universo, parece representar no mundo órfico a
de seus seguido res, seja a o utros poetas d ivinos, entre
norma à qual o tempo está submetido na ordenação
os quais situamos Pindaro e Empédocles. Tal postula-
do lhe serve para diversos propósitos vi ncu lados ao seu
próprio sistema65, desde uma forma de induzir os ci-
6 1. PJ. Phaedr. 248d (OF 459) [T 3 1) .
62. Emped. fr. 107. t Wright (B 115. l D .-K., OF 449) [T 3 la].
63. PI. Resp. 616c.
64. Damasc. De princ. 123 bis (Ili 161 .8 Westerink = OF77) [T 31d]. 65. Cf. § 9.

180 18 1
dadãos a não se comportarem injustamente por medo ,,.10 das almas não está esgotada. Deve-se ainda eluci-
de castigos no Além, até para fundamentar a sua teoria 1l.1r algumas questões importantes, como as relações
da reminiscência. ,·111re a alma e o corpo (que serão tratadas no § 7), o
Não faz eco de uma proposta órfica, que conhece- lll ito de D ioniso e dos Titãs (que será discutido no§
mos por meio de Aristóteles, segundo a qual a alma H), as visões do Além (que serão analisadas no § 9) e
podia ser aspirada com o ar. Ao invés disso, introduz o ,1 intervenção no processo dos princípios, a justiça e a
que parece ser uma inovação sul-itálica e aristocrática 1r 1ribuição (que serão vistas no § 1O).
da doutrina órfica, segundo a qual as almas passam
por uma espécie de hierarquia de reencarnações, em
cujo topo estão os filósofos, acima dos governantes,
atletas e poetas, que pareciam ocupar os p rimeiros lu-
gares em suas fo ntes. Atribui a norma dessa hierarquia
a Ananque-Adrastea, que é uma deusa órfica, mas não
co nsta que tenha tido algum papel em tal hierarquia
nos poemas atribuídos ao bardo trácio. A inovação
platônica se estende por todo o ciclo descri to no Fe-
dro, onde há uma imagem órfica posta a serviço de
uma doutrina que é absolutamente nova.
N ão fica claro em que medida Platão é fiel à dou-
trina órfica, em relação aos períodos durante os quais
a alma se vê obrigada a transmigrar até cumprir a sua
última reencarnação e alcançar a li bertação. Em todo
caso, parece que cais p eríodos tampouco escavam cÍa-
ros em suas fontes.
Com relação ao final do caminho, o filósofo prefere
aceitar, com Píndaro, que as almas dos justos (que ele,
com interesse, identifica com as dos filósofos), estarão
perto dos deuses, ao invés de admi t ir que se conver-
tem em deuses, como parecia ser o postulado ó rfico.
A questão das possíveis influências órficas nas
ideias p latônicas sobre a imortalidade e a transmigra-

182 183
7

ALMA E CORPO: I:OMA/I:HMA

7. 1. UMA DI SCUSSÃO ETI MOLÓGICA

P latão se ocupa da relação entre a alma e o corpo


em um lugar que parece bastante inapropriado, o
CrdtiLo, no curso de uma discussão sobre etimologias.
E, no entanto, as poucas linhas que o fi lósofo desti-
na à questão têm uma imensa trama Filosófica, foram
muito inAuentes e deram lugar a uma longa discus-
são. Devemos, pois, examiná-las com especial atenção,
por ambos os motivos, por sua importância filosófica
e pelo escasso acordo que se alcançou sobre elas. E é
que, apesar da passagem ter sido citada e comentada
até o tópico, a leitura da considerável bibliografia nos
surpreende com uma abismal diferença de interpreta-
ções, tanto no que se refere a seu sentido como às pos-
síveis fo ntes de Platão 1 • Implicam ademais no estudo

1. C f. J.obcck 1829, 795ss.; 'fannery 1901, 3 1'Íss.; Rohdc 1907,


deste testemunho crucial questões mais profundas que
1 11ncnsidão da bibliografia platônica, que explica que
a mera referência platônica a etimologias alheias, es-
fwquentemente trabalhos interessantíssimos não te-
pecialmente uma importantíssima: o que Platão deve • 2 . .
11li~m sido lidos por estudiosos posteriores , o partt. pns
ao orfismo na configuração de sua teoria sobre a alma.
11 11i-órfico de certos autores, especialmente a linha de
Os motivos que deram pé à discussão gerada em
1111crpreração que parte de Wilamowitz e passa por Lin-
torno desce texto se devem, em parte, ao próprio Pla-
fnnh e Dodds3, tendente a minimizar o valor dos teste-
tão; em parte, aos auto res modernos. Platão assume
111unhos sobre orfismo em época antiga (esta passagem
uma parte de culpa por sua escassa delicadeza na hora
f11i um terreno especialmente propício para as disputas
de citar suas fontes, por sua particular posição com
.111ti-órficas), a tendência a aceitar por inércia interpre-
respeito à doutrina órfica, que lhe faz citar a literatura
t.1ções de comentadores prestigiosos sem atender a al-
atribuída a Orfeu de modo muito sibilino, e pelo que
gumas pistas, creio que muito claras, do própri~ texto4
vimos chamando "transposiç.fo", isto é, seu hábito de
l', sobretudo, o fato de que alguns documentos 1mpor-
incorporar contribuições alheias dentro de seu próprio
1.1r1tíssimos para o conhecimento do orfismo, como o
sistema, às custas de alterar profundamen te seu senti-
f'llpiro de Derveni ou as lâminas de osso de Ólbia, foram
do. Nesta passagem em concreto, Platão mostra uma
divu lgados em data relativamente recente, pelo que sua
dicção particularmente intrincada e escura na qual se
incorporação à discussão foi muito tardia.
confundem em grande medida o próprio e o alheio.
Quanto aos motivos desta situação cuja responsa-
bilidade precede aos autores modernos, poderia citar:
2. Exemplos muito significativos são Rathmann 1933, 65; Nils-
son 1935, 205 e Timpanaro Cardini 1962, 59, que contêm su-
gestões muito valiosas e, no cnranro, apenas foram citados, ou
Rehrcnbiick 1975, que, apesar de seu título inequívoco, não é
130, 11. 2; Adams 1908, 96ss.; Wilamowitz 193 1- 1932, 1 199;
conhecido por estudiosos posteriores com ala de exaustão como
Rathmann 1933, 65; 82; Nilsson 1935, 205ss.; Thomas 1938,
Aldcrink 1981 o u Ferwerda 1985. Em Vogcl 198 1 não aparece
5 Is.; Boyancé 1941, l 60; Linforch 1941, l 47s.; id., 1944, 295ss.;
praticamente nenhum dos trabalhos' funda1~enrais _an_teriores e
Zicgler 1942, 1378ss.; Dodds 1951 , l 48ss.; id. 1959, 296ss.; Gu-
em Joubaud 199 1 se mosrram as mesmas carcnc1as b1bliogd.ficas,
thrie 1952, l 56ss.; id. ' 1. 968, 31 l ; Moulinier 1955, 27ss.; T im-
que conduzem a uma interpretação bastante superficial.
panaro Cardini 1962, ll 228ss.; Yalgiglio 1966, l 26ss.; Burkerc
3. Sobretudo, Wilamowitz 193 1-1932; Linfonh 1941 e Dodds
1972, 126 n. 33; 248 n. 47; Rehrcnbock 1975, l 7ss.; Alderink
1951.
1981, 62; Vogcl 1981, 79ss.; Sfameni 1984, 144; Fcrwcrda 1985;
4. O caso mais notório do primeiro é o de umas linhas de Dodds
Casadio 1987, 389ss.; id. 1991, l 23ss.; Joubaud 199 1, l 94ss.;
J 95 l, 169 s., n. 87, mil vezes citadas, praticamente sem crítica,
Baxrer 1992, 101s.; Ricdwcg 1995, 46; Sorcl 1995, 81s.; 13erna-
se bem que, cm minha opinião, este prestigioso autor chega a
bé 1995a (de onde procede a maioria do que aqui se diz); Kahn
1997, 59s.; Zhmud 1997, 123. conclusões crrôncas, e do segundo, a interpretação de três palavras
chave do texto: µOL, boKOÜCTt e µé<A tCT'CCX .

186
187
Por todos estes motivos, parece-me necessário de-
consequen cta5, é "salvamento"6 d.a aIma, como seli
1·111 A •

dicar particular atenção a este texto, por mais que seja


próprio nome indica, até que expie ,o que deve, e que
um dos mais trilhados da filologia platônica. Muitas das
não é necessário mudar nenhuma let:ra7•
interpretações que considero errôneas foram suscitadas,
em meu parecer, por não ter prestado a devida atenção
aos termos precisos do texto grego; por tal motivo, e
7.2. O CORPO COMO SEPULTURA DA ALMA
excepcionalmente, também o apresento aqui.

1cat yàQ CY~µà nvéç <j)acnv ai'.vcà Platão assevera que os motivos alegados por alguns
dvm 1:ijç t)Jux~ç (se. awµa), wç q ue afirmam que o corpo é um afjµa da alma são
n :0aµµ Év'lç f.V 1:WL vüv 71:aQÓVU- dois 8 : a) a suposição de que a alma estivesse sepultada
IC(XL ÕLÓu au 1:0ú1:wL CYqµaívn & âv cm sua presente situação, que não pode ser outra que
CYqµaív'lL iJ t(!ux~, 1eat 1:aú1:11L CY~µa a de es tar dentro d o corpo, durante a vida da pessoa,
ÓQ0wç Kat\eia0m. ÔOICOÜCJL p ÉV'COL e b) porque a alma "dá sinais" ou se manifes ta através
µoL µáALCYrn 0 fo0m oi àµcpt 'OQcpfo do corpo. O s dois motivos respondem a d o is sentidos
1:001:0 1:ó óvoµa (se. CYwµcx), wç bítc'lV da palavra cr~µa, "sinal" e "sepultura".
()L()OÚCY'lÇ n1ç 41ux~ç wv ()~ EVflca A primeira des tas duas possibilidades aparece tam-
bíbwCYlV, wíh ov be. Tié'Qí(3oAov i xuv,
bém alud ida no G6rgias9:
'Cva m{nÇ'l1:m, beaµwnwíou d tcóva·
dvm ouv 1:ijç t)Jux~ç wüw, waneQ
mh ó óvoµá ÇewL, ewç â v i:. 1e1:eía'lL 5. Continua depe ndendo de llOl<OÜCJI, ainda que haja m udança de
1:à ócj)eu\óµ eva, (1:ó} awµa, 1eat oúbev sujeiro (agora é 17 ~1ux1í)- ' lodos os in finitivns do final da pas-
beiv TICXQáynv oúb' êv yQ൵cx. sagem dependem de bOKOÜcn, ainda que OL à µcpi ÜQ<pla só
seja sujeito do primeiro. Daí que me parc<;am erradas trad uções
como as seguintes: "13ut I think that rhc Orphic poers gavc it rhis
Com efeito, alguns afirmam que este [o corpo] é
narnc (...): rhcy rhink ir has hc body (...)" (Fowlcr 1953); "in thc
sepultura da alma, como se esta es tivesse sepultada em Orphic intcrprcra tion (... )" (Fcrwcrda 198'5, 257); o u "ils disenr
sua situação atual e, por o utra parte, que, como a alma que, pour êtrc gardéc (.. .)" (Moulinicr 1955, 24) . Mais adequada
manifesta o que manifesta através dele, também neste é a de Colli 198 1, 146 "siano stati soprarurro i seguaci di O rfco ad
sentido é chamado corretamente de "sinal". No en- aver stabilito questo nome, ( .. .)'Jale carcere, dunquc ( .. .) e (... )"),
cF. mesmo assim Rehrenbock 1975, 25 .
tanto, parece- me que Orfeu e os seus lhe puseram este 6. Expresso aqui sem dúvida por Piarão como se <Jc;Jµa fosse o
nome, so bretudo porque a alma, que paga o castigo nome de ação e m -µa de <JWL(w. Dai minha tradução
pelo qual deve pagar, o tem como um recinto, sem e- 7. PI. Crat. 400c (OF430 1) [T 32J.
lhante a uma prisão, onde pode ver-se sã e salva; que, 8. Marcados no texto por c:x; e por KetL b tó 'fl aõ.
9. PI. Gorg. 493a (OF 430 lT) IT 33J.

[88
189
E nós na realidade talvez estejamos morros; vos para pensar que esta declaração não se compade-
pelo menos eu ouvi de algum dos sábios que ce bem demais com as ideias pitagóricas sobre a alma
nós agora estamos mortos e que o corpo é presentes em outros fragmentos de Filolau 1\ em que
para nós uma sepultura. se apresenta ao corpo amado pela alma (na m edida em
que não poderia servir-se dos sen tidos sem ele) ou à
Neste caso, para faze r referência à fonte desta dou- alma como harmonia de constituintes físicos do cor-
trina, em lugar de "alguns afirmam" do exemplo an- po1 5. Isso levou alguns intérpretes a duvid ar da auten-
terior, Platão nos diz que se trata de algo ouvido de ticidade de alguns destes frag mentos ou de todos e a
um sábio. postular que este foi reelabo rado a partir da passagem
Encontramos uma nova referência a esta m esma do Crdtilo ou falsificado por fontes doxográficas tar-
ideia em uma passagem de Filolau, transmitida por dias16. Os argumentos que foram dados para sustentar
C lemente de Alexandria: esta ide ia são, em suma, os seguintes 17:

E é adequado lembrar-se do dito de Filolau 'º. a) parece haver na passagem de Filolau uma con-
Diz o pitagórico o seguinte: "Tcsccmunham- taminação entre a etimologia de oiiµa. e a de
no também os antigos teólogos e adivinhos: <JeinÇw. Em minha opinião, esta contamina-
que cm cumprimento de certo castigo a alma ção é só aparente. Fi lolau remete ao que podia
está atada ao corpo e está enterrada nele encontra r-se na fonte ó rfica: o corpo sepultura,
como em uma sepultura'.'".
a unção da alma ao corpo, o castigo. Não há
referência à relação com m{nÇw e à do utrina
Está claro que Filolau não se refere a ideias pró- do corpo como recinto protetor po rq ue uma
prias, mas a uma tradição anterior a ele, atribuída a
"antigos teólogos e adivinhos". N em sequer está claro
que compartilhe esta ideia 12 e a presença de Ka.Í. não
14. Philol. 44 13 22 e 23 D.-K. (= fr. 22-23 ·1i mpanaro C'lrdini 11 244 ss.).
deve implicá-lo necessariamente 13. De fato, há moei-
15. Em consequência, Burkcrt l 972. 246-249 vê viciada sua inter-
pretação - cm mi nha opinião - pelo postulado p révio de que a
doutrina cio uc;:Jµa- u~µa não pode ser ó rhca, enquanto que
10. Philol. 44 B 14 D.-K. (= fr. ) 4 Timpanaro-Cardini li 224 ss = p. Ferwercla J 985 270, levado pelo mesmo preconceito, trata de fo r-
402ss. Huffinan [T 32a]. No entanto foram suscitadas dúvidas so- çar o sentido da fórmu la owµa-miµa, e m vez de concluir que
bre a autenticidade desta passagem, como veremos imediatamente. o mais fácil é que a fó rmula não seja de origem pitagórica. Mais
I I. Clcm. Al.Strom.3.3. 17.1 (OF430lll). lógico parece o proceder de Casadio 1991 , 124 n . 9.
12. Cf as possibilidades, com bibliografia, em C asadio 1987, 230. 16. Wilamowirz 19 19, 11 89; Frank 1923, 30 1; Burkerr 1972, 230 n. 53.
13. Rehrenbock 1975, 18. 17 . C f. Rch renbock 1975, 19, com bibliografia.

190 19 1
e outra são platônicas, não órficas. Pelo con- Clem ente e parecem uma mostra mais de como, em
trário, o que em minha opinião ocorreu é que ocasiões, as suspeitas sobre a autenticidade de uma
Platão, que conhece a m esma fonte órfica que passagem são derivadas de que seu testemunho não
Filolau, isolou em nossa passagem do Crátilo, coincide com uma hipótese prévia20 .
com intenção de corrigir a ideia órfica do cor- Por outra parte, a dupla denominação "antigos te-
po, o jogo etimológico awµa-aijµa e aplicou ólogos e adivinhos" não se ajustam tampouco com um
à teoria do corpo-cárcere (solidária com a do contexto pitagórico, como reiteradas vezes se disse21 : "te-
corpo-sepultura) uma correção etimológica (a ólogos" (81:ói\oyOL) é a palavra habitualmente utilizada
relação com a~nÇw) para desvirtuá-la; para referir-se a quem escrevem poemas sobre a divin-
b) atribuem-lhe uma forma "frouxà' de citar que dade, sobretudo a Orfeu. E também os órficos podem
seria indício de uma reminiscência linguística acentuar-se de "adivinhos", se se tem em conta que lhes
do Crátilo. A isso teria eu que me opor: a) que
é atribuída a autoria de múltiplos oráculos (xi;;n1aµo().
a "frouxa forma de citar" seria atribuível a 90%
Assim, pois, o mais provável é que Filolau aludisse a uma
de nossas citações antigas, e b) o m ais surpreen - teoria mais antiga, órfica, sobre a alma e não d evemos
dente seria que a fonte à qual deveríamos estas excluir que pudesse ser com intenção de rebatê-la.
"reminiscências do Crátilo" tivesse tomado o
Finalmente, em Aristóteles22 encontramos atribuí-
trabalho de passar o texto a dório e de acrescen-
da "aos que pronunciam as teletai" a doutrina. de que
tar a atribuição aos 81:ói\oyoL KCXL µávnEÇ;
a alma aparece atada a um corpo morto, com a qual
c) também resultou suspeita a "ajustada harmonià'
o Estagirita compa ra jocosamente o caso dos conde- ...._
entre esta passagem e o fr. 60 Rose de Aristóte-
nados etruscos que são atados a um cadáver 23• Obvia-
les 18. Mas que melhor razão pode haver para ex-
plicar esta "ajustada harmo nia" que a derivação
de ambos os fragmentos de uma fonte comum, 20. Timpanaro Cardini 1962, lf p. 106s. na nora introdutória 5,
que não seria outra que a passagem órfica? chega à conclusão de que, inclusive se aceitamos que Filolau se
mostrou partidário da teoria do corpo-sepultura, a contradição
Todas estas razões e outras 19 me convencem de que destas afirmações com a teoria da alma-harmonia (física) não seria
tão grande. Penso q ue não é preciso chegar a isro.
não há motivos sérios para duvidar do testemunho de 2 1. C f. Boyancé 194 1, 160; 13ianchi 1976, 66 e, sobretudo, Casadio
1987, 390, que considera e descarta o utras possibilidades (como
a de Pitágoras, exposta com pouco entusiasmo por Burkert l 972,
248 n. 47). Cf. § 2.4.
18. Burkerr 1972, 230 n. 53. Sobre o fr. 60 Rose, cf. infra. 22. Ar.isror. fr. 60 Rose, cm Jamblich. Protr. 77.27 Des Places (OF
19. C f. as críticas de Ziegler 1942, 1380 e Casadio 1991, 124 n. 9, 430 V) [T 326).
contra quem duvida da autenticidade deste fragmento. 23. Cf. a frascologia muito similar de C ic. fr. 112 Grilli: ttt interdum

192 193
mente as pessoas a quem são atribuídas as teletai não Quem sabe se viver é ter morrido
podem ser outros que os ó rficos. Aristóteles não men- e se considera ter morrido viver cm baixo? ,
ciona a Orfeu por seu nome porque não acreditava
que este personagem fosse realmente autor da poesia Ainda havemos de acrescentar wn par de textos ór-
que lhe é atribuída24 • firns que falam da contraposição entre corpo e alma em
Por sua parte, Ferwerda25 argumenta que ofjµa 1elação com a morte e a vida. São muito breves, mas
não significava originalmente "tumba", e sim "monu- 1nuito interessantes. Apareceram nas escavações da ci-
mento funerário" (memorial sign, Denkma~, instituído ,bde de Ó lbia, à margem ocidental do Dnieper, peno
para conservar viva a recordação do morto, e tenta, a de sua desembocadura no Mar Negro. Trata-se de gra-
partir disso, uma possível linha de interpretação da fór- ffiti sobre lâminas de osso, datados com segurança em
mula na qual o corpo teria uma consideração menos princípios do século V a. C., e um deles diz assim:
negativa. No entanto, os contextos das fontes que nos
transmitem esta declaração (Filolau, P latão, Aristóteles) Vida, morte, vida I verdade I Dio(niso) 1 órficos27•
não parecem oferecer dúvidas de que a interpretação
negativa é a única possível de ser assumida. Com efeito, O brevíssimo texto se refere à existência de uma
basca observar que Platão suscita este cerna depois de nova vida após a morte e coincide com a ideia de que
ter citado um fragmento de Eurípides que tem também "ter morrido é viver", enunciada por Eurípides. O que
notáveis ressonâncias órficas, sobretudo no que se refere se define como "verdade" deve ser tal doutrina; de
à inversão de valorizações sobre a vida e a morte26: modo que a mentira seria a ideia contrária, mantida
pelo comum da gente, segundo a qual quem morrer
perde definitivamente a vida e fica transformado em uma
veteres illi sive vates sive in sncris initiisque tmdendis divinae mentis sombra inútil no H ades. As outras duas palavras são pro-
interpretes(= Aug. e. fui. 4. 15.78 rambém reti rado cm Arisror. fr. fundam ente reveladoras. A primeira, a alusão a Dioniso,
60 Rose = OF430 IV) .
24. Wcs1 1983, 21 n. 52: cí. rambém 13urkcrr 1977, 248 e nora 47,
o deus sob cujo patrocínio se encontraria esta verdade, e
assim como§ 4 .2 respeito i\s referências do Esragiri rn às teogonias
órficas.
25. Ferwerda 1985, 27 1.
26. Eur. Polyid. fr. 638 Kannicht IT 336]. C f. uma afirmação similar que o que se denomina e se considera "viver" (quer dizer, nossa
em Eur. l'hrixus fr. 833 Kannicht ['J' 33a]: "Quem sabe se viver é existência neste mundo) é na realidade ter morrido, e o que se
isso que se chama rcr morrido / e morrer é viver?", sobre os quais denomina e se considera "ter morrido" é levar uma vida (que seria
cí. 13crnabé 200 7c. N este trabalho parafraseio o scnrido dos dois a au têntica) no Hadcs".
fragmenros de Eurípides: "Não parece provável, mas é possível 27. 10/b. 94a Dubois (OF 463) [T 33c]. Cf. a bibliografia citada em
e cu queria que o fosse (traduzo com esta frase o "que sabe se") Tntr. n. 8.

194 195
logo, a referência a um grupo que se autodenomina "órfi- primeiro KaÍ. une o infinitivo dvaLcom KaAdcr0m.
cos", o que indica que havia no V a.C. alguns praticantes l) segundo KaÍ. tem valor adverbial, "também". Por isso
da religião dionisíaca que se consideravam a si mesmos t' óbvio que apresenta esta interpretação como comple-

seguidores de Orfeu. O breve texto documenta, pois, a 1111:ntar e não excludente da primeira.
existência de uma variante da religião dionisíaca, pratica- Ante esta situação, na qual Sócrates atribui aos
da por um grupo de pessoas que tomam como garantia 111csmos nvi:ç duas interpretações da relação de
de suas crenças a Orfeu e que considera uma verdade que rn<>µa com ~µa, cabem diversas opções:
há uma vida depois da morte. Com efeito, em outra lâ-
mina da mesma procedência, lemos: a) A primeira é que Sócrates se refere a um só texto
em que se afirmava que crwµa é 017µa e eram
Dion( iso) 1 me ntira verdade I corpo alma 2~. possíveis ambas as interpretações. Por ser assim,
o plural do indefinido teria um valor meramen-
D e novo, Dioniso aparece para estes fieis como pa- te distanciador.
drão d e uma verdade, associada agora à alma como b) A segunda é que faz eco de dois textos, possibili-
o verdadeiro, o estável, frente à mentira do corpo, o dade na qual cabem, por sua vez, duas soluções:
que acreditamos que é vida, uma falsa vida. Uma dou- b) que em um dos textos se afirmasse que crwµa
trina compatível com a do 'corpo-sepultura' (crwµa- é ~µa sem esclarecimento algum e em outro
mi µa ), a que acabo de aludir. se desse m as duas interpretações, e
62) que se afirmasse em um que crwµa é ~µa com
a primeira interpretação (expressa ou suposta) e no
7.3 . O CORPO COMO "SINAL" segundo se corrigisse (ou melhor, se ampliasse e en-
OU "MANIFESTAÇÃO" DA ALMA riquecesse) a etimologia do primeiro; e: finalmente,
c) A terceira opção possível é que Sócrates se refe-
Sócrates, ademais da interpretação de cr~µa co mo re a três textos, um em que se manifestava que
"sepultura'' faz eco de uma segunda, a de "sinal" ou "ma- crwµa é ~µa sem esclarecimento algum e
nifestação" da alma, e não parece considerá-la co ntradi- outros d ois em que se davam ambas explicações
tória com a primeira, já que o infinitivo KaAücr0aLin-
(cl: o corpo é ~µa, entendendo-o como "se-
dica que o texto segue dependendo d e nvÉç cpaow. O
pultura'', porque a alma está sepultada no cor-
po, e c2: o corpo é cr~ µa, encend erndo-o como
"si nal", porque a alma dá sinais através dele).
28. IO!b. 94c Dubois (OP 465) [T 33d].

196 197
A terceira parece mais que improvável. O mais .1finidade entre elas, que permit isse referi-los como um
verossímil é que Sócrates conhecesse diretamente ou só grupo ("alguns" nveç) e apresentar ambas as expli-
de ouvir dizer um comentário exegético ao binómio cações como procedentes de~se único grupo.
"awµa, oijµa" em que se explicava que o verdad eiro
sentido de oijµa é "manifestação". Tudo parece in-
di car que no texto o riginário aparecia oijµa associa- 7.4. SOBRE O VALOR DE 8fo8m
do a awµa (provavelmente em forma de um m ero
jogo de palavras associativo, fácil de recordar e que, ao Traduzi 0ta0m por "puseram-lhe". O verbo
mesmo tempo "soa'' como uma espécie de etimologia, 1:í.811µL aparece muitas vezes no Crdtilo30, sobretudo
do tipo traduttore tradittore) e oijµa tinha o evidente aplicado ao "legislador" (voµo0É'TT]Ç) em sua função
valor de 'sepultu ra', para evidenciar um force contras- de aplicar um determinado nome a uma determinada
te entre vida/m orte, verdadeira vida/verdadeira mor- coisa. De alguma forma parece como se na passagem
te. Ao contrário, a explica como "manifestação" tem que estamos estudando fosse atribuída aos órficos uma
todo o aspecto de ser una etimologia erudi ta, proposta
função de "denominadores" na origem dos tempos.
no século IV a.C. para explicar o texto anterior e que
Ressal ta Boyancé31 que não é fácil acreditar que Sócra-
atribuiríamos sem muitas dúvidas aos que chamamos
tes entenda que os órficos foram os primeiros em usar
"in térpretes" da palavra ó rfica. Primeiro, po rque o
a palavra awµa, dado que a encontramos, por exem-
proced imento de adocicar expressões cru as antigas era
plo, em um autor tão conhecido pelos gregos como
muito próprio deles, mas, sobretudo, porque a apos-
Homero. Mas o uso de 0ta0aLem nossa passagem
tila KaL 'WÚTr]L 017µa ÓQ0wç KaAúa0m é típica
destes com entadores que acreditam estar de posse do pode ter várias explicações. Uma, que, nas cro nologias
significado correto dos textos antigos29 • antigas, Orfeu aparece habitual mente como mais an-
Em todo caso, há uma coisa que m e parece clara: tigo que H om ero, pelo que seria situado p raticamente
que se, como parece, se trata de mais de um texto, per- na origem da literatura. O utra, que, em Homero, o
tenceriam ao mesmo círculo, a algo equiparável com sentido hab itual de awµa é o de "cadáver", não o
uma facção ideológica, um grupo de pessoas com certa de "corpo" de um ser vivo32 • A inovação dos órficos
teria sido então usar awµa, em lugar de Õɵ aç ou de

29. Cf. por exemplo, P Derv. col. XX.lll 1-2, em um comentário so-
bre Ocea no: ,mi TO[iç] µ_i:v rco;\;\_oiç Ó:0'7ÀÓv tanv, 'COLÇ 30. Cf. as passagens citadas por Rehrenbock 1975, 26 n. 6 1.
ôi: ógOwç Y LVWCTKOVCTLV cuÔ'l1\ov, éín ':01m:xvóç' i:anv ó 3 1. Boyancé 1941, 160.
(X ~ Q "e~ gente não fica claro, mas para os que entendem correra- 32. C( a contraposição entre a frase awµ a-miµ a e o ideário homé-
mente é evidente que Oceano seja o ar". rico que traça Ferwerda 1985, 266ss.

198 199
outro termo similar, em um uso técnico para "corpo" A imensa maioria d os estudiosos não obse rvou que
oposto a "almà' (lj,uxr']). Isso é, por o utra parte, bas- no texto é indicado co m clareza meridiana que a últi-
tante verossímil: os ó rficos tinham preferido awµa ma eti mologia proposta é de Sócrates e não d os ó rficos.
para designar ao corpo, po rque a imagem do corpo E isso, apesar d e que1á o tinham advertido Tannery33,
mo rto, d o cadáver que en volve a alma em seu trânsito Rathmann 34 e Boyancé35, e apesar d e que manifesta-
por este mundo, se harmonizava melhor que nenhu- ram suas dúvid as sobre a atribui ção d esta. etimologia
ma o utra co m seu sistema d e crenças. aos órfico s N ilsso n36 e T impanaro C ardini 37• Também
Rehren bõck, após uma impecável análise desta parte
do texto, volta a afirmar com clareza que a. etimologia
7.5. DE Q UE M É A ETIMOLOG IA DE é de Sócrates38 mas d epo is, salvo Casadio~·9, ninguém
awµa A PART IR DE CTW L(W? q ue se sai ba volto u a dar conta d isso.

Mas o p roblem a m ais im po rtante da passagem é de-


terminar de quem proced e a etimologia que relacio na J3. Tanncry 190 1, 3 14: "mais Socrate préfere dérivcr awµa de
awµa com CJWL(W "salvar", para o qual co nvém exa- awtüa0m".
34 . Rathrnann 1933, 65: "Socrates iocurn non dissirnulans awµa
minar primeiro as palavras introdutórias d a frase: "no ac:.i1Çnv verbo explicar).
entanto, parece- me q ue O rfeu e os seus lhe puseram .35. Boyancé 1941 , 160: "non pas, a bicn rcgardcr lcs choscs, qu'on
este no me sob retudo po rque ( .. .)" (ÕOKOUCJL µ Év'l:OL nous d isc (l'laton) qu' ils (lcs Orphiques) l'avaicnt eux-rnêmcs
µ oL µáALCJ'CCX 0 éa0m o[ ൠcpl 'OQc)n'.a wu1:o 1:à proposéc. Mais on suggerc que e'cst avcc lcur con,:cption que lc
mot reçoir son cxplicarion lc plus vraiscmblablc".
óvoµ a K'CÀ.), sobre as quais a crítica parece ter feito
J6. Nilsson 1935, 205: "Ir may, however, sccm doubrf11I whcrhcr rhc
um considerável exercício d e má interpretação. Co- erymologics (afj µ a-aqµaívuv, awµa-awtÇwv) are q uorcd
mecemos por µ Év'l:OL, uma partícula ad versativa. Sua fro m rhc Orphics or are Plato's own spccularions. Ir may bc
p resença implica que vai introd uzir uma refu tação da douhtcd ifsuch crymological specularions are apprc>priarc for Lhe
interpretação anterior (que se bifurcava em duas, mas Orphics, and ir sccms nor unlikcly rha1 Piara added chem as cx-
planatory comrncnrs intendcd to illuminatc thc saying".
não contraditórias en tre si), isto é, que ago ra vai ser J?. Timpanaro Cardini 1962, 11 229: "che riseme <li tcndcnzc cultu-
oferecida u ma proposta alternati va à de awµ a -mi µ a rali pit1 vicinc all'crà <li Socrare
em bloco, ta nto se CJ17 µa significa "tumba" ou "m a- 38. Rehrenbóck 1975, 26: "bringr (Sokrarcs) vielmchr scine persóhn-
nifestação" ou, como parece interpretar Sócrates, as liche Mcin ung über d ie rars1ichlichen Wortsetzer (!) zum Ausdru-
ck. Ein Erymologc, der sich mie eincrn vorgcgebcnen Spracl1sar-1.
duas coisas. Q uan to a ÔOKOUCJL ... µ oL, "parece-me"
abfincler, ist doch nichr classclhc wic ein Worcprager".
do q ue d epend em todos os infin itivos seguintes, q ue 39. Casad io 1987, 390: "cio chc Plarone amibuisce agli O rfici e l'iclea
outra coisa pode expressar senão o pa recer do próprio dell'cspiazionc dcllc colpe, non necesariamenre il leg,-ame cti molo-
Sócrates? gico rra Joma e JoZIJ".

200 201
Não cabe d úvida de que oúv é uma conclusão de 7.6. UM PARALELO: INTERPRETAÇÃO
Sócrates sobre sua própria razão (segue dependendo de DE UM TEXTO HESIÓDICO
boKOÜaL ... µOL). Parece-lhe, pois, que o corpo é "salva-
ção", não "sepu.lturá' da alma, "como seu próprio nome Como apoio último à ideia de que nos encontra-
indica", sem dúvida porque interpreta awµa como mos ante uma etimologia socrática, não ó rfica, vou
um nome de ação em -µa sobre aWL~W, quer dizer, .1presentar uma passagem do todo paralelo e adenpis
um nome perfeitamente construído do ponto de vista quase contíguo ao que nos ocupa; a propósito da eti-
morfológico; a forma em que Sócrates se vangloria de mologia de ba(µovEç, Sócrates traz a colação a um
sua exatidão linguística: "e que não é necessário trocar 1cxto de H esíodo42 e acrescenta:
nem uma letrá' (Kal. ouÕEV õciv TICXQáyav oub' EV
yQáµµa, wna frase que, recordemos, continua depen- I:O. Õn oI µm eywMyELv aU'COV
dendo de boKOÜaL... µOL, quer dizer, continua forman- Tà xQuaoüv ytvoç ouK EK XQUaoü
do parte do que a Sócrates " parece") indica sua própria 7H:cpuKàç àt\A ' àya0óv TE Kai. KaÀÓV.
satisfação por ter encontrado uma etimologia de awµa Tt:KµTÍQLOV bt µo[ fonv õn Kai. l]µãç
<P'lOLV OlÔ'lQOÜV dvm ytvoç. (... )
que, ademais de cobrir os requerimentos de quem usa
I:O. 'COÜ'CO 'COLVUV navTàç µ ãAAov
o nome, quer dizer os ó rficos, é _linguísticamente mais
MyEL, wç t µoi. bo 1cEi, wuç ba [µova ç·
eficaz, porque não obriga a mudar w por q como ocorre õn <j)QÓVLflOL ,cal. bmíµovEç 17aav,
com a etimologia alternativa, a partir de a ~µa:40. Para "ba [µovaç" aÚ'COUÇ wvóµaaEVº Kai
Rehrenbock11 , a expressão tem um valor equivalente ao f.V y~ TijL à Qxa[m TIÍL ~ flETtQm cpwv~L
de âv µ tv KCXI. a µ LKQÓV 'tLÇ TICXQCXK,-Uvq L"ainda que auTà auµ(3a [vEL 1:0 õvoµa. MyEL ouv
varie pouco" que se encontra na frase que precede ime- KaÀWÇ Kai. OÚTOÇ Kai. MÀOL 7IOlf)Tai.
diatamente à passagem que estamos analisando (4006). not\Aoi. õam Myoumv wç, enE tbáv
TLÇ à:ya8oç WV TEÀEU'J:TÍO"'l L, flEYllÀll V
µoiQav Kai nµiJv EXEL Kai. y[yvETm
40. Niio se trata, portanto, como acredita Fcrwerda 1985, 275, d e que ba[µwv J<aTà TTJV ~ ç <PQOVTÍOEWÇ
Sócrates prefira a eti mologia ó rfica porque não há q ue mudar uma
enwvuµ [av. TaÚTf1L oõv TL0Eµm IW L
letra. Na t rad ução que dá da passagem na pág. 267, a frase vai pre-
cedida ele "ln thc Orphic interprecation ...", um acréscimo total-
eyw {Tàv ba~µova} návT ' ãvbQa ôç
mente desnecess:írio. Ademais, não se t rata ele que a etimologia de &v àya0oç ~L, bmµóvLov dvm KaL
ac~µcx se derive de aw1(w, e sim diretamente deµ 'salvamento',
um nome de açáo acunhado por Sócrates ao efeito. Por isso não
há que mudar nenhuma letra.
4 1. Rchrcnbock 1975, 26. /42. Hes. Op. 121-123, com uma ligeira variante textual.

202 203
Çwvrc:a KCXL 'tEÀfU'TT]CTCXV"c:a, KCXL ÓQ0wç t rates expressa seu parecer com o verbo . E reclama
"ba(µova" KaAEia0m. que sua hipótese é preferível a outras, expostas ou
11:io (mediante o advérbio µáAta'Ca, "sobretudo"
SO. Que eu creio que ele (Hesfodo) chama l'l11 Crat. l , ou a expressão maV'COÇ µõrMov "mais
"de ouro" esta raça não porque nascesse do tiue nadà', em Crat.2). Assenta sua hipótese na coe-
ouro, e sim porque era nobre e bela. E para rência de um texto antigo e prestigioso sobre o qual
mim é prova disso que afirma que nós somos se apoia: o órfico, em Crat.1; Hesíodo, em Crat.2.
uma raça de ferro. (... ) Seu parecer consiste em propor uma nova etimologia:
SO. Assim, segundo parece-me, isso mais
crwµa-awt(w, em Crat. l, e õa(µovi:ç-batjµow:ç,
que nada é o que ele entende por "daimones";
em Crat.2. Dá razões, à sua maneira, li nguísticas: que
como eram sensatos e sábios (baríµovi:ç),
"seu próprio nome o indicà' e que "não há que mu-
deu a eles o nome de daimoncs. E cm nossa
língua antiga aparece o mesmo nome, então dar nem uma letra", em Crat.l, e que a palavra à qual
têm razão tanto ele como os outros muitos se remete se encontra em "nossa línguaLantiga", em
poetas que dizem que quando um homem C rat.2. O curioso é que, apesar de que em ambos ca-
bom .morre, ganha um grande destino e sos expressa um parecer seu, atribui as intenções do
honra e se transforma em daimon, de acordo 11s 0 do termo ao autor que lhe serve de fonte ("parece-

com o nome que corresponde à sua prudên- me que os de Orfeu utilizaram este nome sobretudo
cia. Nesse sentido sustento também eu que porque( .. .)", em C rat.l ; e "então diz bem ele [Hesí-
todo homem que fo r bom é daimônico e, odo], igual aos outros poetas que ( .. .)", em Crat.2).
tanto em vida como depo is de morrer, rece- Mas também acrescenta uma concl usã.o linguística
be justamente o nome de "daimon"43 •
própria: "em consequência parece-me (continua de-
pendendo de ÔOKOÕCYL) que a alma é 'salvamento' do
Esta passagem nunca, que eu saiba, foi mal inter-
corpo", em Crat.1, e "sustento que todo homem que
pretada, naturalmente porque gozamos da vantagem
for bom é daimônico e( ... ) recebe justam ente o nome
de que conhecemos o texto e o contexto de H esíodo,
de daimon", em Crat.2. As similitudes serão visuali-
mas estruturalmente é quase idêntico ao que estamos
zadas melhor no quadro sinóptico comparativo entre
estudando. Para maior facilidade, chamarei C rat.1 a
ambas passagens que ofereço adiante:
Crátílo 400c e C rat. 2 a Crátílo 397a. Em ambos Só-

43. PI. Crat. 398a ss.

204 205
Cni 1 (400 c)
p;,1,:,;ç,o,,;
Crnt2<J97Q)
wiu11Jo 100 pai\:\:,:
sustentam ainda autores como Guthrie e Casadio45,
So1.oo'íol ... µ01
pu5-e~m-lhe ... IK!bn:tudo
MÇiµoicSot.r.i
Í5So maisque nada é o que ente ride
com argumentos mais de fundo que referidos à forma
mvrix;µfil.l.Dvi..tyu
M:is sobre as p,óprias base,
1,1lu.Ltl10.0oo&t

porqUC" a alnu paga casllgo cu crclo que chama ~de ouro• e1.1.a r~a
do texto. Mas, como vimos uma análise linguística da
do ie:i.1u ~ o qual !IC apoia w,; 3iJ.T1v a100.:.m,.; 0)µ(11 ty,) Àiytl (l\ffi)y tií,;
passagem apoia também a interpretação. A correção
'fUXl); t.'tJ... 1õypooofivyt\-oçt.--rl
Propõe-uma nova etirnologia onde pode- \'Cf•Sc ~,. e salva
rvaodll!;ritol
como c-ram sâbios
6n ... &i~µovtç f'tOo.v platônica à relação etimológica entre awµa e cr~µa.
Apoia-se em ruõe, linjuís1icas como SC'II próprio nome indica cm noaa llngua 111tip
... e 1111 0 é n«c$.dno mu.!11.r nctn ::.pare«' o moSl'M nome se faz sobre ideologia órfica, porque eram também
uma ~mi
(j)(fll"tp o\ltO ÕVOj1t4'lm
.. oOOL\• &;iv 1mpúyt:1v
fvye tíi.1 ópxafo1 ...
\it,;••111Qini, ou111'.Jo(v1,~
"O rfeu e os seus" (ül àµcpi. 'OQcpÉa) os que falavam
l\1ribui ~ \ U(I fonle lllll;l l:t.!Udu:,ilu
w5 · ev.,1ióµ1ui !Olh-oµo
t:11(110 l.é-111111:1.lo, Wnw
do awµa como <Jiíµa. 46 .
l1np,11istic.1•1~lóc,.ico llie flU'.\C~nl esto oome 111'11\Jue
flt.oOm nl flf•• 1\)rxp(A'.I
ele como 01111\lS mullos pod~s
u.,i.:,oiw "«l.h,,;; .,.i <1Í>m~ Com efeito, uma frase como "Orfeu e os seus lhe
mi.iro 11\ õ-,.,·1111.1, b; ... ,;nl rJJ_.n 110111 ml 1,.1).,
puseram este nome, sobretudo porque" (µé<ALCT'Ca.

c.n con~q11,!11Cb, (t'l'ltt.!<'.':•me 11l"j:_,:ew11ido,,w.ten1<1
que)* é iU'1 da alma
tl\1(11WVnl;
tiunhtn1 cu
tCl'Ílt'll 00\' riOl!Jl(ll t.11l Ot a0m OL àµcpi. 'OQcpÉa w0w 'Cà óvoµa.
'fUYJ'i(õtOÜt01Cfio_ qm-.,)..
(... )) , em que se pretende ressaltar o motivo principal
• D igo que é um:i co11cl us:io referida :1 !ii 111<:1,1110 porc111ccontin11:1 dcpc11dc11clo de i poi ... b<iKLi.
(µáA La'Ca. ... wç ...) pelo qual os órficos adotaram
este nome para o corpo, só se explica se houvesse ou-
A estreita semelhança entre ambas as passagens reforça, tros motivos secundários (daí a oposição marcada com
creio, de um modo inequívoco, a afirmação de que nos en- µÉv'CO L), e estes não podem ser outros senão a ideia de
contramos, também em Crátilo 400c, ante uma proposta que crwµa. é um <Jiíµa. ("sepultura" ou "sinal"), isto
etimológica de Sócrates, não de sua fonte, os órficos. é, a doutrina atribuída a "alguns" (nvcç). Em outras
palavras: Sócrates diz que aceita que o awµa se cha-
ma assim porque pode considerar-se um <Jiíµa (em
7.7. A QUEM SE REFERE "ALGUNS"? seu duplo sentido), mas, sobretudo, porque ac~.JLÇH
à alma.
Isso nos leva a outro ponto importan te. Se a se- Entendo, portanto, que Sócrates começa por citar
gunda etimologia é de Sócrates, a razão de levar aos de aos órficos de uma forma alusiva (nvrç), prática que
Orfeu como fonte de sua interpretação só é possível é a corrente no texto platônico, quando dos órficos se
se estes se identificarem com os "alguns" (nvr ç) do crata47; mas, na hora de introduzi r logo uma interp re-
parágrafo anterior. Era esta a interpretação geral antes
de Wilamowitz e a que, depois da crítica de Dodds4 4, 45. Guchric 1950, 3 11 11. 3; 1975, 305 11. I; Casadio 1987, 390;
1991 , 123s., n. 9.
46. Sobre a expressão ol à p<j)i O Q<pfo cf. § 1.8.
44 . Dodds 1951, 169 s., n. 87. 47. Cf. § 2.

206 207
cação qúe é sua, se bem que está apo iada nas teorias mas 51, Linforth 52 , Oodds 53 e Moulinier54 • Inclusive
dos órficos, não pode continuar dizendo "esses alguns" Nilsson, que em um primeiro mo me nto 55 não com -
e há de mencioná-los já por seu nome. É com o se dei- preende por que W ilamowicz nega o caráter ó rfico do
xássem os: "lnclusive ho uve um que disse que toda a encontro e reconhece que há n~la "deep religio us and
vida é sonho", e pouco mais adiante: "parece-me que ethical sense", acaba logo po r acreditar q ue se tinha
a razão princ ipal pela qu e C alderó n escreveu essa frase eq uivocado56. Também Burkert acredita q ue a dou-
( ... )", o u bem: "Como esse que d isse: 'Em um lugar tri na awµa -a~µ a não pode ser 6rfica57, enquanto
da Mancha de cujo no me não quero me lembrar'", que Rehrenbõck58 considera q ue a interp retação do
para acrescentar logo: "M as eu creio que Cervantes ponto de vista linguístico é concluint:e, apesar de que
não queria se lembrar porque (... )" Afirmar que no adve rte qu e de nenhum modo pode negar-se a relação
primeiro exemplo Calderó n tem que ser diferente do comu m q ue une a etimo logia crwµa--cr~ µa com a de
"um que disse" e no segun do Cervantes diferente do awµa-awtl;,w, citando alguns auto res anterio res59 .
"esse que disse" é simplesmen te não entender nada. Provavelmente suas conclusões reriam sido o utras de
Pelas razões expostas, e po r outras que acrescentare- não estar cond icio nad os seus po ntos de partida pela
mos, nvEç e oLà µtj)i. 'OQtj)Éa não têm mais reméd io crrô nea reinterpretação linguística da passagem e pelo
que referir-se a um a e a m esma coisa. prestígio de q uem a teria proposto.
É preciso insistir nisso po rq ue, ainda que tradi- D e todas estas críticas, a mais citada é sem d úvida
cio nalmente se atribuísse a etimo logia a wµa-of]µ a a de Dodds60, q ue considera a atribuição da dou trina
aos órficos ou, ma is amplamente, ao âmbi to 6 rfi co-
p itagó rico<i8, Wilamowicz49 expresso u sem dl'.1 vidas e
sem argumentação alg uma qu e era um a elaboração
51. T ho mas 1938, 5 1-52
pitagó rica50 . Na linha de W ilamowitz segui ram T ho- 52. Linforrh 1941, 147- 148, que assevera: "are ccnainly nor prcscnc-
ed as Orphic i11 any sensc of thc word", n qual, segundo 11ossa
intcrpreração não é cen o.
53. Dodds 1951, 17 1 nora 95.
48. Cf. por exemplo, Boeckh 18 19, 180; Rohdc 1907, li 130 n. 2; 54. Moul inicr 1955, 24-32.
Harrison 3 1922, 616; G urh ric 1952, 156. 13oyancé 194 1, 160 55. Nilsson 1935, 205-207.
pensou q ue se referia a Filolau, na referência do Cmt. (ainda 56. Nilsson 1956, 18 n . 1: "lch habc rnich geim".
que cm nora 3 in1erprcta q ue oí rraAmoi 0(ÓÀoyo[ u Kai. 57. Burkcrt 1972, 248 n . 47.
µáv'Cl(Ç se refere aos órficos). 58. Rchrcnbock 1975, 20 ..
49. Wilamowir, 1932, li 199. 59. Rarhrnann 1933, 64-65; Zicgler 1942, 1378; Cuthric 1950, 31 1
50. Ainda que não renha sido o primeiro a fazê-lo; cf. bibliografia n. 3.
anterio r em Rchrcnbock 1975, 19 n. 19. 60. Dodds 195 1, 169 s. , n. 87

208 209
do awµa-ofjµa aos órficos um "hoary error" e apre- p:i lavras de C asadio61 é a "alternativa à racionalística
senta três argumentos contra tal atribuição. C reio que e 1 imologia ( ... ) que deriva sorna de sema no sentido
é possível refutá-los um por um: de 'sinal"'.

a) "that what is amibuted by Plato Crat. e) "chat whcn an author says, 'Some pcrsons
400c to oi à µ <j)l 'OQ<pfo is a derivation of con necc aw µa with aií µ cx, but I th ink it
awµa ('tOU'to 'tà õvoµa) from CTWLÇnv, was probably the Orphic poets who coi ned
tva aw Li:;TJ'tC<L (i] tjJuxrív): chis is placed chc word, deriving ic from awü::,w', we ca n-
beyond doubt by the words KCXL oúbt v not supposc 'the Orphic poccs' co be eirher
bEiv mcxQáyuv oúb' ev yQáµµ cx whi- idencical wich, or included amo ng 'some
ch contrasc awµcx-awLÇw with µ-µ and pcrsons' (Iam incl ined to chink chis rcmains
aiíµcx-CTT]µcx(vw ." crue even if µáALCT'tC< is u nderscood as qua-
lifyi ngwç bücq v ÕLÕOÚCTTJÇ K'tA.)".
De tudo o que diz, o único certo é que Kai. oubev
bi::'i v 71CXQáynv ouó' l:v yQáµµa contrasta awµa- Creio ter d emonstrado que não só é possível, mas
awL(w com awµa-ofjµa e ofjµa-OT)µa(vw. Mas relativam en te comum uma forma de expressar-se
Dodds não parece ter visto que a frase vai introduzi- como a que Dodds considera impossível. Mas, sobre-
d a por ÓOKOÜaL µ Év'to l µOL, circunstância que nos cudo, a tradução que oferece seria correta se os infin i-
obriga imediatamente a atribu ir a d erivação d e awµa tivos não dependessem d e ÓO t<OÜCTL . .. µOL, indicando
a partir de awL(Hv a Sócrates, não aos órficos. O que que tudo o que se diz, não só "it was probably the
Sócrates toma dos órficos são determinadas dou trinas O rp hic poets who coined the word", fo rma parte do
sobre a alma que favorecem a nova interpretação que pa recer de Sócrates.
agora oferece ele mesmo. O que sim poderia admiti r-se é que os órficos esti-
vessem " incl uded among 'some persons'", quer dizer,
b) "chat awµcx-O"~µ cx is amibuced m the que UVéÇ tivesse um alcance su perior ao d e somen-
sarne passage to nvÉç without further spc-
te os ó rficos e incl uísse também alguns pitagóricos.
cification".
Vimos que não é verossím il que a do u trina awµa-
ofjµa proceda dos p itagóricos, mas sim é que fosse
Pelo contrário, há sim "further specification": que
con hecida e inclusive reinterpretad a por eles. Um par
a principal razão de ter usado o nome era outra dife-
rente da alegada até agora: a etimologia que Sócrates
inventa, apoiando-se em suas próprias concepções; na 6 l. Casadio 1987, 389 s.

2LO 2 11

--- UFRJ
INSTITUTO 01
...
<JLOS/"\,i1-\ 1
~ . ~ ~ ~ ., " .
de argumentos apoiaria esta suposição: a) a do utrina rico de no me Euxíteo. D ado q ue não temos outra no-
de awµ a -crf]µa era conhecida pelos p itagóricos, tícia de tal personagem, considero u-se que talvez não
com o nos demonstra a citação de Filolau62 , e b) em exista67, mas não temos dados nem para demo nstrá-lo
uma passagem do G6rgias que anal isamos63 podemos nem para negá-lo taxativamente. Em todo caso, o q ue
ver q ue existiam interp retações etimologizantes dos Sócrates usar cpetaLV no p resente e 8 é a8et Lem aoris-
velhos poemas órficos, algumas delas p rovavel mente to68 apontaria a q ue considera a do utrina do awµa-
pitagóricas. Em conclusão não é impossível que algu ns ofi µ a como algo vivo em sua época, enquanto que
pitagóricos pudessem ter discutido, talvez assu mido, atribui (ou melhor d izendo, supõe) a relação entre
a doutrina de awµ a -crf] µ a, aspecto da q uestão no awµa e a~nÇw como motivação do momento em
q ual insistiu West64 • A contradição, corretamente res- que os ó rficos escolheram a palavra para designar o
saltada pelos estudiosos, entre uma doutrina do cor- "corpo".
po-sepultura da alma e a doutrina pitagóri ca da alma-
harmo nia poderia salvar-se precisamente se su pormos
q ue pitagóricos como Filolau aceitaram o p receito 7.8. O CO RPO-CÁRCERE E A ALMA
awµ a-crf] µ a reinterpretando-o no sentido de q ue S013 CUSTÓDIA
crf]µ a devia entender-se como aquilo através do qual
o corpo "se manifes tà' (OT]µ etí.vn). Poderia apoiar Solidário com a nova eti mologia q ue muda ofJµ a
esta suposição que eptre os fragmentos conservados "sepultura", por awµa "salvamento", no me de ação
de Filolau encontramos o mesmo verbo OT]µa í.vw de crwLÇw,é a mudança da metáfora ó rfi ca da sepul-
duas vezes (ainda que uma delas, como conjetura) 65• tura pela de "um recinto, semelhante a uma prisão"
Por últi mo não sei que alcance dar a uma notícia de (nEQí.(3o;\ov ... ôccrµm:17Qí.ou êl.KÓva). Platão rei-
Clearco66 que atribui uma citação similar a um pitagó- tera a imagem da prisão ou da alma sob custódia em
outras passagens. Assim, no Fédon ressalta:

62. En Clc;n. AI. Strom. 3.3.17. 1 (OF 430 lll) [T 32aJ.


Pois bem, o relato que se conta 110s círculos
63. PI. Corg. 493ab (OF 430 li, 434 11) [T 401 cf. § 2.5.
64. West 1983, 22. lnvcno, pois, a afirmação de Aldcrink 1981, 61:
secre1os sobre isso, q ue estamos sob custódia
"That che Pychagorcans held chc body to bc tomb of the sou! is
likely bur whcthcr it is also Orph ic ycr rcmains sobe secn". Penso
que o mais certo é q ue era órfica e o provável é que tam bém pode 67. Cf Wellmann R.E VI 1539, Wehrli (cm nota a C lcarch. fr. 38);
ser assumida cm parte do âmbito pitagórico. Burkert 1972, 248 n. 47.
65. Philol. 44 B 5 e B 13 D.-K. (onde é conjetura de D iels). 68. O fato é observado por Rchrcnbõck 1975, 30, se bem que o autor
66. Clca rch. fr. 38 Wehrli. lhe dá uma interpretação algo diferente da minha.

212 213
os homens e a pessoa mesmo não deve liber- A razão de utilizar "homens" em vez de "al mas"
tar-se nem escapar, parece-me algo grande e pode ser que para Platão o homem é, sobretudo, sua
não fáci I de encrever69 • ,tlma, enquanto que o corpo tem uma importância
1nuito secundária.
Platão atribui esta vez aos "círculos secretos" (que Por sua parte, Plutarco72 repete a imagem platônica
um escólio à passagem precisa que é a dos seguidores lltilizando "em prisão" (ev ÕECJµúJ'IT]QlúJL).
de Orfeu70) a ideia de que os homens não podem esca- Não está claro o sentido que Platão dá a EV
par de seu corpo (quer dizer, não podem suicidar-se), cl)QOVQCXL e sua tradução foi muito discutida73, mas
na ideia de que estão "sob custódià' (Ev <pQOVQéü). penso que tem razão Boyancé em interpretar <pQOVQlX
É resenhável que o fi lósofo fale de que são as pessoas como "custódia, cárcere". Em todo caso, a palavra
(àv0QúJnOL) que estão EV <pQOVQlXL, apesar de que <j:>QOVQlX não pode ser a utilizada pelos órficos, já que,
esperaríamos que dissesse "as almas". Assim se faz no como ind ica Burkert, trata-se de um termo não apro-
priado para um poema hexamétrico, o veículo habi-
Axíoco, onde encontramos i:.v <pQOVQCXL substituído
wal da poesia ó rfica74. Em consequência, é errôn eo
por ev <pQOVQLúJL "em prisão":
tratar as palavras de Platão como se pegassem verba-
tim um fragmento de O rfeu, como faz, por exemplo,
Pois somos uma alma, ser vivo imortal en-
Moulinier75. Cabe, pois, que nos perguntemos em que
cerrado em uma prisão morcal71•
medida a imagem da prisão é também ó rfica (a da se-
pultura parece evidente que o é) ou em que medida é
o resultado da transposição placônica. Também neste
ponto se foi suscitada uma longa discussão.
69. PI. Phaed. 62b (OF 429 I) [T 30]. Cf. Lobcck L829, 795ss.;
Gruppe 1890, 717; Rohde 1907, 11279 n. l; Espinas 1894-1895;
Tannery 1901, 3 14; Rathmann 1933, 1933 65; RoLLx-Roux
1961; Boyancé 1941; 1963; Courcclle 1965; Loriaux 1968; Scra- 72. Plu. Sera num. vind. 554 D. Cf. ademais Plot. 4.8.3, Procl. in PI.
chan Í970; Colli 1981, 144s.; Sfameni 1984, 143s.; 150; Casadio Tim. 1 333.26ss. Dichl.
1987, 389ss.; 199 1, 123ss.; Ricdweg 1995, 46; Kahn 1997, 59s.; 73. Así praesidiurn et statio (Cic. Scncct. 73); "encein te sacréc, enclos
Mancini 1999; ademais dos comentários ad loc. de Burnet 191 l, de divin pastem" (Espinas); "in ward" (Burnet); "garderic" (Ro-
Robin 1926; Westerink ad Damasc. in Pl. Phaedon. 1.2 p. 28 n. 2. bin); "garnison" (Roux); "carcer" (Rathmann); "prison" (Boyancé
70. Schol. PI. Phaed. 62b (10 Greene, OF 429 II) IT 30a]. Athe- et Loriaux, cf. Westerink); "prigione" (Colli); "crgastolo" (Casa.-
nag. Pro C hrist. 6.6. 13 lhe atribui a paternidade da frase a Filolau dio) Cf. as rcfcr~ncias bibliográficas em n. 70.
(Ph ilol. 44 B 15 O.- K.), mas Hulfman 1993, 406ss. considera 74. Burkert 1972, 126 n. 33. làmpouco o seriam bcaµw1:17Q[ov e
que se trata de um fragmento espúrio. Sobre a forma da citação, 71:EQt~oAoç, usadas por Platão para referir-se à mesma realidade
cf. § 1.8. em Crat. 400c (OF 430 I) [T 32].
7 1. [PI.) Axioch. 365e [T 32]. 75. Moulinier 1955, 3 1.

214 215
Linforth utiliza a ideia de que a imagem do "cár- awµa-cníµa oferece um resumo pregnante das ideias
cere" é incongruente com a imagem da "sepulturà', expressadas com motivo da terceira erimolog ia, a de
como outro argumento para separar dos órficos a dou- crc.:JLÇw. Em conclusão, considera fracassadas as ten-
trina do awµa-cníµa. 76 . Segundo ele, a passagem do Lativas80 de estabelecer uma substancial distância entre
G6rgias exclui o corpo como prisão que guarda segura a teoria do corpo como sepultura e a do corpo como
a alma, enquanto que requer a noção do corpo como cárcere.
tumba. Por sua parte, Ferwerda acredita que Platão Também Casadio81 considera que 111ão há contra-
tergiversou a tradição órfica, que apontaria à ideia do posição, mas complementaridade entre a imagem do
corpo como estrutura p rotetora, como ncQL~o,\ov, corpo como tumba da alma e a ideia de que a alma
interpretando-a em um sentido mais negacivo77. está sepultada no corpo. Trata-se de metáforas que ex-
Ao contrário, Guthrie põe em manifesto que não pressam com gradações diversas o mesmo conceito82 .
há diferenças substanciais entre tumba e prisão, já que Estou de acordo com a ideia de qu e a "sepulcurà'
ambas "expressam a doutrina de que a alma é alheia e a "prisão" têm neste contexto grande a finidade en tre
ao corpo", na ideia de que "a morte não é (... ) uma elas, mas cal circunstância poderia atri buir-se sem di-
calamidade, mas sim uma libertação da alma(... ) ou o ficuldade à habilidade de Platão para modificar a me-
co meço de sua verdadeira vida"78. táfora originária (a sepultura) e apresentar outra que,
Na mesma linha, Rehrenbock79 ressalta como em sem apartar-se do todo da primeira, resultasse menos
ambos os casos a alma teria sua origem em um mundo crua que a ó rfi ca. Assim o sustentei em um trabalho
mais alto e teria sido descerrada para a vida terrena em
um recinto terreno; em ambos casos a morte é uma
libertação da opressão do corpo; em ambos se supõe
uma preexistência e uma existência posterior da alma; 80. Como os ele Thomas 1938, 51 -52; Dodds 195 l , l 52 ou Mo uli-
em ambos casos se tira a conclusão de que a fórmula nier 1955, 26.
81. Casadio 1987, 389ss.: "l'crgasrolo e il paribolc> sono dai punro d i
vista giudiziario concerri equivnlcnci: il fine di entrambi e inAig-
gere una punizione, forc sconrarc una colpa"
76. Linforth 1944, 296, um argumento aceito por Aldcri nk 198 1, 82. Casadio 1991 , 124: "mcraforc qui esprimono con gradazione di-
apesar da sua inconsistência. versa lo stesso concerto". À pergunta necessilria de se o castigo é
77. Ferwerda 1985, 273; acredita ser verossímil Baxter 1992, 102. pago pela alma du rante urna só vida, com uma só encarnação e se
78. Guthrie 2 1968, 31 1. a alma deve pagar penas por uma queda primordial ou por culpas
79. Rehrenbõck 1975, 20s., apesar d e que, como vimos, considerava cometidas cm urna e ncarnação ante rior só cabe responder que a
que do pomo de vista linguístico a análise de Wilamowitz era alma enfrenta um ciclo de renascimentos; cf. a bibliografia citada
irrep reensível (pomo de vista que já discuti). pelo autor iraliano.

2 16 21 7
anterior83 e é também a ideia que mantêm Edmonds \ Platão tinha um elemento de união para este "sal-
e Casadesús84 . to" conceituai na própria literatura órfica. Por não ci-
~ m suma, minha interpretação dos fatos pode re- Lar mais que um exemplo, próximo no tempo a Platão,
sum1r-se como segue: podemos mencio nar uma lâmina órfica de Pelinna,
que remonta a fi ns do século IV a.C., na q ue lemos:
a) O órfico é a ideia de awµa-afj µa em um sen-
tido de corpo-tumba. Acabas de morrer e acabas de nascer, crês ve-
b) Uns intérpretes, também ó rfi cos ou quiçá p ita- zes venturoso, neste dia.
góricos entenderam afj µ a no sentido de que Diz a Perséfone que o próprio Baco te libenou87 •
a al ma OT)µa(vEL; neste sentido, Baxter85 se
baseia nos testem unhos do G6rgias para pen- Neste impo rtan tíssimo testem unho encontramos,
sar que Filolau e presumivelmente o utros pi- em um contexto claramente ó rfico, ambas ideias: a) a
tagóri cos tomaram a tese do awµa-afj µa e de que a alma estava morta (em vida do corpo), pelo
apoiaram esta teoria a partir de uma etimologia que "nasce" quando o corpo morre o que se identifica
semelhante à do Crdtilo; e com a image m do corpo-sepultura, mas também: 6) a
c) Platão, através da nova etimologia que propõe afirmação de que Dionísio a libertou, o que se compa-
que awµa é um nome de resultado de ac{nÇw, dece com a imagem da p risão. Devemos entender que
reinte rpreta o papel do corpo em um sentido nem toda mo rte rep resenta uma libertação da alma, e
mais positivo, como proteção da alma 86, utili- sim só a do iniciado que conseguiu assegurar-se o desti-
zando como intermédio a ideia da prisão. no privilegiado po r meios predo minantemente rituais.
Platão combina, sem contrapor, as imagens do cár-
cere e da sepultura em uma passagem cio Fedro em que,
em u m co ntexto cm que fala das almas no momento
83. 13ernabé 1995. supremo em que alcançavam o brilho mais límpido
84. Edmonds 2004, 177; Casadcsús 2008. das image ns em que tinham sido iniciadas, conti nua
85. Baxtcr 1992, l O1. referindo-se a elas nos seguintes termos:
86. Não há que recorrer, pois, a pensar, como Valgiglio 1966, 127s., que
havia duas seitas de órficos, un1a que segue a teoria do corpo-cárcere
e outra a do corpo-sepultura, ainda que sim renham validade suas
considerações sobre os matizes diferenciais que aporta uma irnagem
ou outra. Em minha opinião, Platão forçou a imagem na direção mais
fovorável, "prisão", e, violentando-a ainda mais, a transformou na de 87. POF 485 [T 36b). cf. 13crnabé-Jiménez San Cristóbal 200 l , 87ss.;
um "recinto protetor". 2007, 6l ss., com bibliografia.

2 18 2 19
Estando puros e sem marca (ào-tjµav1:0L) e "sepulturà' com que se especulava na passagem do
disso que agora levamos ao redor e ao que Crátilo q ue nos ocupa, é inevitável entender a um
chamamos "corpo", no qual estamos prisio- tempo que a alma se liberta de sua "sepultura" que
neiros como uma ostra88• é seu corpo. Também na passagem do Pedro se usa
o advérbio "agora" (vuv), em clara correspondência
Ainda que àmíµavroç significa "sem marcà', com "a presente situação" (i:v 'CWL vuv TICX.QÓvn) da
parece-me que entre a passagem do Pedro e o do Crd- passagem do Crátilo, mas é de destacar que não se diz
tilo que estamos examinando há muitas coincidências "o corpo", mas "o que chamamos corpo", utilizando
para negar que Sócrates está utilizando a palavra em óvoµaÇó µ 1:v, como no texto paralelo se utilizava
jogo etimológico com o significado "sepulturà' de wonEQ av,:à óvoµáÇc'Cm; inclusive o conceito de
CJiíµa 89 • Com efeito: Ka0aQOÍ. corresponde no pen- corpo com o algo que envolve (ncQÍ.l30Aov) aparece
samento ó rfi co ao momento em que a alma já pagou também expresso no parti cípio TicQL<pÉQOV'tcÇ. Um
o que deve (Éwç âv ÊK'CELOTJL ,:à ó<j)1:u\.óµ1:va quadro sinóptico nos permitirá visualizar as similitu-
em Crat. 400c). Recorde que em várias lâminas áu- des verbais e conceituais entre ambos os textos:
reas Ka0aQÓÇ é um termo recorrente90 para desig-
nar às almas que se apresentam ante Perséfone, à qual
rogam que lhes permita alcançar um destino fel iz no
('rií!Jlo 1· d
Hades. Estar àmíµavrOL 'WÚ'WU (se. owµa'Wç) CltÕpu como oi1µu miµ«... r1Utõ (se-. oÕ)JW.) dvu.1 áo1iµuvr01 rol>rnv csc.

implica, naturalmente, que o corpo deixa na alma um tiJÇ\jlUf.ll; O'Úl)tUtOCj

l 'urifü:àçilo 1":<oç üv 1:t,,,,-:;ÍOl)t rt) KuOupul


"sinal", mas se se recorda a dupla etimologia "sinal"
(nptÚ.Ó!Lf:\'ll

"'iituaçâo prc.-..t·ntc" da alma f.v ui'i1 \'fü, 1tupÓ\'1t ,•LJV


"I orpCl" como nome <i'ia,ccp ul1tú l'l\·011UÇt:tut i> ... ofo~t<t ... óvo1u'.tÇ011n•
88. PI. Phaedr. 250c. [T 32]. Usa o masculino e a primeira pessoa .. r~ o<i,µa.
porque identifica um homem com sua alma. Esta indefin i- ( \>rpõ i.:omo cm ollltr:'I mOrov i5t -:11:p(fk)).ov 1!:o:1v m:r1c:pépovtr.;;
ção entre pessoas e suas almas é bastante habitual, tanto entre <'t•rpi> Mlfü' d1r..:crl· Ôt<J)IOflJPiOO /\i;Õr.0111:1.1pf.:\•(H

os órficos, como no próprio Platão. Cf também PI. Resp. 611 e


IDéQlKQOU<J0éi:aa (se. tj!ux~v) TT É'CQCTÇ 'ré KaL Õ<J'CQéa &
vuv au'l:~L ( ... ) TTéQmúpuKEV "após ter sacudido (a alma) as
pedras e conchas que agora tem crescidas cm seu torno."
89. Cf. Hackford, ad loc. p. 95; Casadio 1987, 389, n. 1, assim como
O mais provável é, portanto, q ue a <pQOUQC:X pla-
a conseguida tradução de Uedó 1986, 353: "sem o estigma que é tónica, a expressão do corpo como cárcere da alma,
toda esta tumba que nos rodeia e que chamamos corpo". seja o resultado da transposição platón ica de uma te-
90. Cf. OF 489-490. 1 [T 53a]; Bernabé-Jiménez San C ristóbal 2001,
oria órfica mais crua na qual não se falava de prisão
13 7ss.; 2008, 100ss.

220 221
da alma, mas de sua sepultura, movimento de sentido 7.9 . O CASTI GO DA ALMA
para o qual a própria literatura órfica prestava parale-
los. Mas a transposição platônica reAexa ademais uma Por último, deve ser objeto de nossa atenção aqui
fundamental diferença de ponto de vista: o dos ó rficos outro aspecro, a frase "a alma, que paga castigo pelo
está centrado no Além, enquanto que este mundo é qual deve pagar", m uito al usiva, que, para ser enten-
um lugar de passagem, em que estamos mortos por- dida, requer o conhecimento do interl ocutor (assim
que não vivemos a verdadeira vida; daí que para eles o como do leitor do diálogo) de um determ inado con-
corpo seja uma sepultura. O ponto de vista de Piarão texto religioso ou ideológico. De novo outros textos
está centrado no aspecto político e na moral; o mito órficos vêm em nossa ajuda para interpretar esta d ifícil
é um preventivo para a correta atuação do homem passagem.
como cidadão, esta vida tem valor e a alma está "sob Assim em uma lâmina de ouro órfica de Tu rios (IV
custód ià' do corpo, mas viva e atuante. a.C.) encontramos uma referência ao castigo:
Platão adapta esta mesma imagem, mas de fo rma
mais intensa, em uma passagem do Fédon E pag uei um castigo por ações não justas92 .

A a lma destes (dos ama ntes do saber), quan - E em outra, de Feras, da mesma época, se especifica:
d o a fil osofia se Í;n ca rgo dela, está simples-
me nte acorrentada e ;1prisionada de ntro do Po is o iniciado está livre de castigo'11.
corpo e obrigad a a examinar a rea lidad e aw1-
vés d este como de uma prisão (...) advertin- A expressão da primeira põe cm manifesto que no
do que o terrível do aprisio namenw é por
sistema de crença órfica era necessário expiar uma cul-
causa do desejo 91 •
pa, para chegar pu rificado diante de Pcrséfonc e obter
um destino de bem-aventuran ça no Além. Dado que
Nesta passagem a imagem foi levada já claramen-
se trata ele uma fórmula que o iniciado deve repeti r
te ao terreno da filosofia plarônica com uma série de
diante da deusa, não pode tratar-se de pecados par-
acréscimos novos, como são a presença dos desejos e a
ticula res9\ mas que tudo indica que se refere a uma
intervenção da filosofia. O processo de "transposição"
chegou, pois, mais longe: _
92. OF 489.4 (cf, 490.4) IT.53a.l
93. OF493 IT 50c].
94. Burkert 1975, 94s. Sobre prêmios e castigos entre os órÍtcos e cm
91. PI. Phned. 82c[T 491. Platão, cf. § 9.

222 223
culpa geral, primordial, que formava parte das crenças sendo injustos eles mesmos, não se tinham se libertado
6rficas e que devia afetar à deusa Perséfone. A culpa de seu pecado por meio do rito nem tinha sido casti-
tirânica responde à perfeição a tais requerimentos95 • gados) seriam adequadamente retribuídos no outro99 •
Quanto à segunda lâmina, especifica claramente que
a libertação do castigo era consequência dos ri tos ini-
ciáticos. Por último devo citar um verso do texto de 7.10. CONCLUSÕES
Píndaro que cita Platão no Mênon em apoio à ideia da
transmigração das almas, no qual o poeta fala de Como conclusão da análise da passagem do Crátilo,
que nos foi mostrado pleno de conteúdo, pode afirmar-
as almas daqueles a quem Pcrséfon e aceita a se que, segundo os órficos, o corpo (rn:"0µcx) é ofjµcx
co mpe nsação por seu antigo pesar96, da alma. O sentido originário da frase seria que é ttma
sepultura. Tal primeira afirmação procederia muito
o que parece referir-se claramente ao mesmo es- provavelmente de um poema escatológico, usado nas
quema que o que encontramos nas lâminas97• Mesmo teletai, provavelmente o mesmo 100 em que se descrevia a
assim, é significativo que em um Papiro de Bolonha terrível sorte dos não iniciados (encharcar-se no lodo ou
que contém uma catábasis órfica nos fale de levar eterna.mente água em uma peneira a uma tina fu-
rada), frente a um feliz destino dos iniciados. Inclusive é
A filha de Justiça, a fàmosíssima Retribuição98•
possível que awµcx- ofjµcx tivesse se m msformado em
uma. espécie de máxima órfica, como são outros, como
~í_oç 0ávm:oç ~í_oç das lâminas de osso de Ó lbia I0I o
Fundamento da ideologia órfica era, portanto, que
ELÇ Í HÓVV<JOÇ do Papiro de Gurob º •
1 2
aqueles que haviam padecido injustiça neste mundo
(em um sentido negativo, porque tinham sido injus-
tamente tratados, ou quiçá também positivo, porque, 99. A retribuição, com efei to, poderia consistir cm um prêmio ou
em um castigo.
100. A julgar por PI. Gorg. 492ss., em que a m enção de awµa-
95. Cf. a argumentação cm Bernabé-Jiménez San Cristóbal 200 1, a~µ a é contígua à da peneira.
143-148; 2007, 105-109. 101. Cf. § 7.2.
96. PI. Men. 8 1a ( OF 424) [T 25], Pi nd. fr. 133 MaehJ. = fr. 65 Can- 102. P.Guroh OF 578.23b. Se aparecia no texto exatamente na for-
natà Fera [T 25] . ma awµa-a~ µa, teria um caráter amétrico e incompatível com
97. Cf. mais materiais e urna minuciosa análise sobre o castigo e a os hexâmetros que o igualaria a outras expres;,sões que rompem a
culpa no orfisrno em Santamaría Álvarez 2005 . métrica das làminas, devido a seu caráter ritual, sobre as quais cf.
98. P. Bonon. (OF717.J 24) [T 32cJ. Sobre a ideia de justiça entre os Riedweg 1998. Mas também poderia ler-se inserto no texto acom-
ó rficos, cf Jiméncz San Cristóbal 2005. panhado de alguma partícula que lhe permiàsse rer urna forma mé-

224 225
Segundo uma segunda interpretação, mencionada f.1lta de impulso habitual de Platão ao citar este tipo de
por Platão e também órfica, o que quer dizer afjµa é l11 eratura, explica as expressões vagas como "alguns",
"manifestação". Ainda que pudesse proceder do mes- "eis seguidores de Orfeu" ou "talvez siciliano ou italio-
mo poema escatológico, parece mais provável supor, 1.i" e inclusive as alusões depreciativas à "profusão de
dada sua natureza, sua coincidência com outros tex- livros" 1º4 • Parece claro que algumas destas interpreta-
tos de final do século V e do IV que conhecemos 1º3 e ~ões tardias podem tê-las recebido por via oral, não tê-
as alusões do Górgias, que esta exegese se encontraria las lido em um texto 105 . Platão, pela boca de Sócrates,
em outra obra diferente, posterior à primeira e sur- .111alisa a etimologia de awµa e reivindica uma nova
gida na corrente de interpretação etimológica e sim- interpretação a partir de <JC~JL(El "salvar", que explica
bólica dos textos antigos. Caberia deduzir também para ele a condição do corpo melhor do que o faz a
do que se diz no Górgias que o comentário do qual identificação com afjµa. Manifesta que a interpreta-
estou falando poderia proceder de um âmbito pitagó- ção é sua (ÕOKOU<JL ... µoL) , mas que é provavelmente
rico, já que os seguidores desta dou trina conheciam este o principal motivo pelo q ual os órficos usaram
o binômio awµa-cn7µa, como se vê porque Fi lolau esta palavra, quer dizer, lhes atribui a probabilidade de
o atribui aos antigos teólogos e adivinhos, isto é, aos que tivessem tido presente esta etimologia, não afir-
órficos. E este não é, como é sabido, o único testemu- ma que a tivessem proposto. A melhora etimológica é,
nho do interesse pitagórico pelo orfismo. Dado que por um lado, linguística, porque não obriga a mudar
na passagem do Górgias repetidas vezes citada fala de nenhuma letra, mas, por outro, afeta a questões mais
um personagem que interpreta por meios alegórico- profundas; está claro que a preocupação de Sócrates
etimológicos outros aspectos do poema órfico sobre
não é a de um etimologista moderno, mas sim que
o destino das almas no outro mundo, no qual devia
opera da ewrma hab.1tual na et1mo . 1og1a. antiga
. 106: ba-
expor-se também a doutrina do awµa-aijµa, pode-
sear-se em uma mera si militude formal ou em signifi-
ria tratar-se do mesmo texto em ambos casos, ainda
cados aproximados, dentro de uma análise sincrônica,
que não necessaria mente. Este tipo de literatura pode
para buscar a explicação da palavra em outros termos
ser mais abundante do que imaginamos.
do m esmo estado de língua, com intenção de que os
Segundo minha in terpretação, Platão teria conhe-
resultados satisfaçam interesses literários e filosóficos,
cido uma tradição múltipla e de filiação órfica, mas
não mui to clara quanto a sua au toria, o que, unido à
104. Pl. Resp. 364e (OF57 3 I) [T 44].
I 05. A julgar por expressões como 17xovaa "ouvi'" cm Pl. Corg. 493a
rrica aceitável cm wn hexâmerro, p. ex. a c7Jµa ôi: miµa. (OF 430 li) [T 33).
103. ln primis el Papiro de Derveni. 106. C( Bernabé 1992a.

226 227
ao transformar-se em uma determinada forma de ex- na tradição posterior. Dentro do mundo grego não
plicação da realidade 107 • cristão, bastam dois exemplos, entre outros muitos
Com sua proposta, ainda que mantenha sem críti- que poderiam ser levados, um de Dion Crisóstomo:
ca as opiniões ó rficas sob re a expiação da alma em sua
sepulcura corporal, Platão estabelece uma alteração Todos nós homens so mos do s~U1gue dos
substancial da in terpretação do papel do corpo. De Titãs, então, como aqueles são inimigos dos
deuses e Juraram contra eles, tão pouco nós
Vogel e Ferwerda 108 observam que a estima platô nica
somos amigos seus, mas que somos mortifi-
do corpo e da vida não é tão pessimista como a que es-
cados por eles e nascemos para ser castigados,
tabelece a frase awµa-aij µa. Creio que a observação
permanecendo sob custódia na vida durante
é justa e esrou mesmo assim convencido de que pode-
tanto tempo como cada um vive, e os que
ri a ser precisamente essa a razão pela qu al Platão cor- morrem após ter sido já suficientemente cas-
rige a etimologia de awµa a partir de ofjµa e, então, tigados nos vemos libertos e escapamos. O
nega a interpretação do corpo como sepultura. Para lugar que chamamos mundo é um cárcere
isso substitui a imagem da sepultura pela da prisão e penoso e sufocante preparado pelos deuses1 'º.
inclusive chega m ais além para considerar o corpo um
recin to no qual a alma se mantém sã e salva 1°9 • Nesta passagem Dion utilizou a imagem platônica
O caso é que a ideia platô nica teve logo longo eco (por certo, unindo-a ao mito dos Titãs, sobre o qual te-
mos que falar imediatamente), mas substituindo a ima-
gem do corpo-cárcere pela do mundo-cárcere, quiçá por-
107. Cf. § 13.8. que entende que a expressão l v <pQOVQlXL "sob custódia"
108. De Vogel 198 1, 89 e n. 9; Ferwcrcla 1985, 269s.
do Fédon não se referia ao corpo, e sim ao mundo.
109. Valgiglio 1966, 127, ainda que pa1te da base de que Platão não
atribui a teoria cio oC:!~W- cn'J~w aos órficos, c~boça um quadro O outro exemplo que quero trazer é uma epigrama
mu.ito similar ao que aqui proponho. Segundo ele, a teoria do de Paladas 111 :
owµa - cn'Jµa no sen1ido de corpo-sepultura pertence aos órficos
dos séculos VI-V a.C. Durante o i',lrimo século, a metáfora come-
Mas quando sai (a alma) do corpo, como das
çou a mitii,,ar-se, reduzindo-se à formulação mais inteligível e acei-
tável do owµcx como rt(Qíf3oAov. No curso do V se começa a ver correntes
a etimologia de uC:iµa a partir de crwt~W, um processo ao que não da morre, foge aré a divindade imortal.
teriam sido alheios os pitagóricos. As diferenças entre a proposta de
Valgiglio e a minha é que entendo que esta mirigaç.ão passa primei-
ro pela interpretação (provavelmente piragóric.~) de miµa sobre
OT]µaívu e que a redução à imagem do rtC(?Í~oAov e a relação 110. Oio C hrys. 30. 1O (OF 429 IIT) [T 306).
com CTWLL.H são exclusivamente platônicas. 111. Pallad. AP 10.88.3-4 [T 30c].

228 229
8

O MITO DE DIONISO
E DOS TITÃS

8.1. O M ITO Ó RFI CO DE DIO NISO


E DOS TITÃS

O mito ó rfico sobre a origem do homem, cuja exis-


tência na Antigu idade foi repetidas vezes posta
em duvida, mas com argumentos po uco consistentes,
se reconstrói a partir de vários textos que, como ocor-
re quase semp re na literatura grega antiga, aludem a
aspectos concretos, de acordo com a ideia de que os
ouvintes conhecem o conjunto. Sem duvidas, a partir
das peças de informação que obtem os de tais textos,
podemos recompor a sua tra ma, que seria, em seus
traços gerais, a seguinte' . Zeus havia recebido o trono
divino de seu pai , C ronos, ao final de uma séri e de

l. C f. Bernabé 2002a; Johnscon em Graf-Johnscon 2007, 66-93;


contra Brisson 1992; Edmonds 1999.
transmissões do poder na qual não faltaram episódios que o atacassem (OF296-300). Os Titãs eram irmãos
violemos. Como na Teogonia hesiódica, Uranos (isto de Cronos e, por isso, pertenciam às primeiras gera-
é, o Céu) não deixava nascer os seus fi lhos, para man- ções de deuses que tinham sido privados do poder e
ter-se no trono, mas foi castrado por Cronos, seu filho que não se res ignavam com a sua sorte . Dispostos a
e pai de Zeus, com ajuda da esposa de U ra nos, Gaia se vingar, os Titãs engan aram o m enino com d iversos
(a Terra). Então, C ronos, com o m esmo propósito de jogos para matá-lo, o desmembraram, o ,cozinharam e
não ser destronado, engolia os seus descendentes na o devoraram (OF 30 1-3 17) . O sacrifício de Dioniso
medida em que nasciam, mas a sua companheira, Rea, se converte, assim, na doutrina órfica, em paradigm a
oculto u um deles, Zeus, em uma gruta e deu ao esposo do sacrifício cruento, que, como sabemos, negavam 3•
uma rocha envolta em panos para que a devorasse. A Zeus, como castigo, os fulmino u com o raio e, da
partir deste ponto, a versão órfi ca se separava da hesió- mistura do fogo do raio, das cinzas e do sangue dos Titãs
di ca em vários detalhes. Em primeiro lugar, referia que com a terra em que caíram, surgiram os seres humanos.
quando Zeus cresceu, também castrou o pai e tomou As consequências doutrinárias da origem dos ho-
o poder sobre os deuses (OF225), enquanto que H esí- mens são várias. A primeira é que, visto que em parte
odo conta que os deuses lhe ofereceram o poder (H es. procedem dos deuses (os Titãs e Dion iso o são) e em
Th. 883-885) e não fala de castração; depois, a tradi- parte da terra, têm uma parte imortal e divi na, a alma,
ção órfica acrescentava que Zeus com eteu 'incesto com e uma parte mortal e corruptível, o corpo; a segunda é
a sua m ãe, Rea, e teve como fi lha Perséfone ( OF 276). que a alma tem um componente divino positivo, que
Então, que se uniu também à sua filha e, como re- procede de D ioniso, mas também outro componente
sultado de tal união, nasceu D ioniso2 (OF 280-283). divino negativo, resto da "natureza titânicà', isto é, da
H esíodo tampo uco diz uma palavra so bre esta série soberba dos seus antecessores, os Titãs, qu e também
de incestos. A partir deste mo mento, há uma série de eram deuses; a terceira, que a alma dos h o mens, antes
episódios ·q ue apareciam apenas na versão órfica: Zeus da própria origem da espécie, foi contaminada pelo
decid iu repassar o seu cetro a Dioniso qua ndo a inda crime dos T itãs, um crime q ue os ho mens herdam dos
era apenas um menino, mas He ra, a esposa de Zeus, seus progenitores e que devia ser expiado". Por conse-
que não via com bons olhos um menino nascido de quência, a alma dos homens deve se livrar do peso da
o utra deusa, aproveitou a inveja dos T itãs pela digni- sua parte crim inosa e deve fazê-lo duraruce um longo
dade régia concebida a Dioniso para instigá-los para

3. Detienne 1977.
2. Às vezes chamado Zagreu, na versão órfica. 4. Por isso Bianchi 1966 fala de "pecado antecedente".

232 233
período de tempo, relativo à magni tude do crime co- Apresento o texto grego, porque alguns argumentos da
metido, o que quer dizer que o castigo e a purificação minha interpretação se baseiam em sua leitura direta:
excedem o lapso de tempo de apenas uma vida. Assim,
então, o ingresso da alma em um corpo, a expiação e a tcpEE,rjç ÕTJ rnúui L 'trjL Uw0EQLLU
libertação da sua morte se repetem varias vezes, em um T] '(Ql) µT] EBÉÀELV 'COLÇ CXQXOUOL
longo processo, a metempsicose, no qual a alma vem do bouÀEÚELV y(yvOL't' ãv, KaL bwµtvri
'taÚ'CTl L cpEúynv 7ta'tQàç wL µY]rcQàç
Além e volta para ele e vice-versa, e em suas existências
Kat nQw[3v'tÉQWV bovt\dav KCXL
terrestres é alojada sucessivamente em corpos que são,
vou0É'tf]O'LV, KaL tyyuç 'COU 'tÉÀOUÇ
para ela, como um sepulcro, cal como visto no capítulo OIJOLV vóµwv (T]'CELV µf] ÚTIY]KÓOLÇ
anterior, até que, expiadas as suas culpas, possa lograr a dvm, TIQàç avrcwL be ~bY] rcwL rctt\n
sua libertação. De acordo com os órficos, cada homem ÔQKWV KCXL n(an:wv KCXL 'tà naQánav
deve, em primeiro lugar, ser iniciado nos mistérios d io- 0EWV µf] cpQOV'CL(ELV, rc17v Af:yoµtvriv
nisíacos, e então, manter uma vida de estrita pureza, não nat\au:\v TLrcavu<riv cpúaLv tmbnKvuaL
contaminada com nenhum ser morto, e celebrar diversos KaL µLµouµtvmç, tnL 'tà av'tà nát\Lv
ricuais5, para acelerar o momento em que sua alma, de- EKEiva àcpuwµtvouç, xaMnàv ai.wva
fini tivamente liberada do ciclo de transm igrações, possa bLáyovrnç µf] ArjE,a( TIO'tE KCXKWV.
levar uma vida afortunada no outro mLmdo. Tais ritos
são entendidos como uma compensação ou desagravo; N a sequência desta liberdade, poderia vir a
de não querer se submeter às autoridades e,
de um lado, a Perséfone pelos crimes cometidos contra
como consequência desta, aparta r-se da ser-
ela por seus antepassados tirân icos e a dor causada, e, por
vidão e das admoestações de um pai, de uma
outro, ao próprio Oioniso, vitima do ataque.
mãe e de pessoas de mais idade, e já perco do
final, pretender não estar submetidos às leis
e ante o final mesmo, se despreocupar dos
8.2. A " NATUREZA TITÂN ICA" juramentos, as fidel idades e, em geral, dos
deuses, manifestando e imi tando a chamada
Em uma passagem das Leis, Platão aborda o pro- "antiga natureza tirânica", chegados de novo
blema do excesso ele liberdade e, no curso do seu ra- àquela mesma cond ição e passando uma vida
ciocínio, se refere ao extremo da liberdade mal usada. pe nosa sem nunca se livrar das desgraças6.

5. Cf. § 12. 6. PI. Leg. 7016 (OF37 [) [T 34]. Cf. Rohde 1907, II 119 n. 4;

234 235
Platão nã.o diz nada acerca da natureza tirâ-
A discussão que esta passagem suscitou é se se re-
nica no homem, mas afirma explicitamente
fere ou não a um conhecido mito sobre o qual se fu n-
que os homens em seu desafio aos deuses
damenta a doutrina órfica, um mito sobre a origem imi tam a natureza tirânica (p. 343,) 10•
dos seres humanos, algo pouco frequente no mundo
grego, onde apenas se contavam outros mitos sobre Sobre tal análise, devemos fazer ,Jgumas observa-
o tema e tampouco alcançaram uma aceitação muito ções. A primeira é que Platão não está se referindo a wn
generalizada7 • comportamento, mas a wna natureza (<j:>úcnv). O pro-
blema poderia pôr a referência a que estariam "imitando"
(µLµovµÉvOLç), visto que se poderia argumentar que se
8.3. DÚVIDAS SOBRE A ALUSÃO a natureza tirânica está nos seres hwnanos, porque proce-
AO MITO ÓRF ICO EM PLATÃO dem dos Titãs, os homens não podem imitá-la. Mas Platão
é muito preciso quando usa dois particípios, EVÕELKVlJOl
Edmonds8, baseando-se na anál ise de Linforth9, ,cal µLµovµ évm ç "manifestando e imitando". E a sua
segundo a qual o passo p latônico que esramos estu- expressão se explica perfeitamente se recordamos que a na-
dando não identifica a humanidade com a sua herança tureza humana não é apenas tirânica, mas dual, misrura
tirânica, m as q ue apenas se compara o seu comporta- de wn elemento titânico e de outro cüonisíaco. As pessoas
mento com o dos Titãs, conclui (p. 342) que Platão obecüentes à lei seriam as que levam adiante a sua parte
se refere simplesmente à história da rebelião dos Titãs dionisíaca11, enquanto que os seres que se degradam se
contra Zeus, narrada por Hesíodo entre ourras muitas aproximam cada vez mais da natureza tirânica em estado
fontes, e que puro e assim manifestam uma q:>ÚOlÇ que está neles, mas
com uma intensidade que faz com que se assemelhem e
imitem aos próprios Titãs, origem e paradigma desta, a na-
tureza malvada em estado puro.
Rathmann 1933, 68; 76; Nilsson 1935, 202; Z iegler 1942, 1354;
Dodds 1951, 156 e n. 132 p. 176s.; Gurhric 1952, 156; 177;
Burkerr 1985, 298; Bernabé 1998, 75; 2002a; 2003c, que crê-
1O. Linforth 1941, 343. É curioso que Linfonhs omita a palavra "ma-
cm que Piarão alude a uma fonte órfica, contra Fcsrugiere 1936,
nifestam" do texto, sobre a qual, cf. infra.
30 8s.; Linforrh 1941, 339ss.; Moulinier 1955, 50s.; West 1983,
11. Recorde-se que em PI. Resp. 363d [T 39] e Gorg. 4936 [T 40] se
165 n. 88, que crêcm que se fa la de 11111 regresso à natureza dos
apresentam os condenados no H ades castig;idos a levar água em
Titãs, não de uma culpa originaria.
um pote. O instrumento do castigo, o po1tc, recorda, evidente-
7. Cf. Guthrie 1957.
mente, a causa do sofrimento: a incapacidade de separar da alma
8. Edmonds 1999, 43ss.
o que há de mal nela, cf. Bernabé 1998, 76.
9 . Linforth 1941, 339s.

236 237
8.4. O UTRA PASSAGEM DAS LEIS IC11l:t 701 b
1 ,,,1c nos hornro<i; dc"pn."O\.'l.lp.11" .se. em g011I, do, deu~ um desejo pc:r..-mo 1~ 11'4)' e 11

Refiro-me, para interpretar o texto desta forma, em


1 :: ~\'~~:~f:~:I~~~ . (16 'll'CJj)Óll'U\' i)c.(õv 11'1 W)'"til;.r.1v) mlltch~r ao dcsrojo ~11.i íkgo
(1)1110\J~ia ,.:,11,:11 lt(lj)(IIC(;IÁO\l(ln, ..
txi n u.¾ w:.pu)\' ltja <rui.r\oovm)

outra passagem das Leis, que também apresento em grego: Uin;1 fonh: c-..:icrru..
1hcr:'lri;i., Oll ll;l boca d~
a d nunada
(n)v ).r.yo11C\'11,•)
cilgué1'11 podt.•m1 djlt.1"
{).tyo1&tn.;)
',\.'ijtiidorei; d..: uma
dc1rnmnada foon.1 d..:
Atym bri •nç Ôl.v EKEÍ.VWl bu:xAEyóµ Evoç rehF,100, a cxpli~.

&µa 1wi. 7UXQaµu8oúµ Evoç, ôv hu8uµía Tnt\,1•S~ di: ;ilg,o 1,,Ylna-


tural. anterior :i 1nópri.1
1\Ql11ren tit:inicn
( f lf(l\'\1'- flV\'ÕOI\' ~
::tl·iu tt: c011:-itural i.os homcn:J
flOr a111igu injl.l'>,"r3,.,; impmas
KlXK~ TTlXQlXKlXÀOÜaa ~1e8 ' 1íµÉQ<XV 'CE , ub do hM1cm, que se
l\:'nt<te a uma a.nog;i
(olmr-o,; ôê ... n; 4>9oo•<>";
f.1o.i'lf.li.(t1G'w1o.ol
1wi. inryEÍ(>Ouaa vúK1:WQ ÉrrÍ. u 1:wv l ln'ótbnn. ft.:-c10í'(1m11v ... Mu,·1u1(uo:w)

Í.EQWV àya auAriaoV1:a, 1:ábE· (...) ouK 1x~e-SC' lulat COfllD tal k ln l " rar.st" lllHK""'.t das de)gra.;.as do que t ~ r i o drí,:ndcr-~
t mi;
,111RM,:iio, que (µ1) l~tu x~rt .:m::Wv) COO\ lod.i dk~i.,
àv8QWmVÓV UE IW KOV oubt 8Ei:ov KlVEL "'-"''~• o homem 11:)o pode (j\v r,M,uflt,TtJOcu xrt:Wv :n:avrl
livrar.se dela. o0év1,1)
'CO VÜV fai. 'C~V LEQOUUÀÍlXV TTQO'CQÉ7tOV
i.Évm, olmQOÇ bÉ aÉ uç t µcpuóµEvoç
EK rraAmwv IWL cma8áQ'CWV 'COLÇ
àv8QW7t0LÇàbLKq µá1:wv, TTEQl<pEQÓµ EVOÇ Às coincidências assinaladas no quadro, devo
AAl'rflQLwbqç, ôv EUÀa~Ei:a8m XQEWV acrescentar algumas notas:
rraV1:i. a8Éva.
a) O uso de 'CT]V à eyoµÉVT]V, "a chamadà'
Alguém poderia di-lCr cm uma conversa na qual (70 1b), e de À ÉYOl ÕÉ 'tlÇ, "alguém poderia
censu ra aquele a quem um desejo perverso que dize r" (8546), indica que Platão mantém suas
lhe instiga de d ia e o desvela de noite lhe move
distâncias com o que d iz, que não é algo de uni-
ao despojo sacrílcgo, o seguinte: (...) Não é huma-
no nem divino o mal que te move agora a mar-
versal acei tação, mas doutrina de outros. Esta
char ao despojo sacrílego, mas sim um acicate maneira de falar é típica do filósofo quando se
conatural aos homens por antigas injustiças im- refere aos 6 rficos 13;
puras, que se cerne, funesto, cm tomo deles e do b) Tanto a união de 'CT]V Aeyoµ fvriv e rraAmáv
que é necessário se defender com toda eficácia 12 • (70 1b) quanto a presença de rraAmwv ...
àÕlKT]µá-rwv (8546) evocam imediatamente
N essa passagem encontramos o mesmo paradigma um rraAaLàç À.Óyoç, forma típica de aludir a
que no anterior, como se pode ve r no seguinte quadro textos órficos po r parte de Platão;
comparativo:

12. PI. Lq;. 854b (OF37 li) [T 351, cf. Dodds 1951, 156 c n. 132 p. 176s. 13. Cf. § 1.8.

238 239
c) C<LWV (701 b) é também um conceito típico dos E os homens hccatombes perfeitas
órficos para designar não tanto a vida, quanto oferecerão em todas as estações do ano,
e celebrarão os rituais, desejosos da liberação
os ciclos da vida da alma14;
de seus injustos antepassados.
d) A referência platôn ica a µ17 A~~a[ TC01:E
Mas tu, possuidor do poder sobre eles, aos
KCXKWV (701 b) reproduz quase literalmente
que quiseres
uma exp ressão que conhecemos como caracte- livrarás de seus terríveis males e do eterno
rística dos órfi.cos, como vemos em dois frag- aguilhão da paixão 16•
mentos literais:
g) O termo OLCT1:QOÇ é, ademais, qual ificado
OF 348.2 [T 35aJ (das Rapsódias): 1CÚ1v\ou como i:: µcpvóµ cvoç, isto é, como algo que
1:E Aij ~m ,w.i. àvat\Jü~m 1CaKón11:0ç "li-
pertence à natureza humana, à sua cpúaLÇ,
vrar-se do ciclo e ter um respiro na desgraça".
algo herdado, portanto. A tal herança aludiria
OF 488.5 (uma lâmi na de ouro de Turios):
KÚKÀO<u> b ' E~ÉTnav ~lXQUTIEV8foç também a expressão "de antigas e impuras in-
CXQYC<Àf:OLO "Saí voando do penoso ciclo de justiças" (bc naAmwv Kai. à1<a8áQ1:wv ...
profundo pesa r"; cxÔLKYJ µá1:wv );

e) Como d iz Dodds:· "abuc~µarn: (8546) se d iz h) O impulso titân ico "não é ne m humano ne m


habitualmente d e crimes cometidos pela pró- divino". Uma expressão que coincide absoluta-
p ria pessoa, em uma encarnação prévia" 15; mente com uma referência d e Plutarco ao m ito
f) OLCT1:QOÇ (8546) se refe re também à te ndência dos Titãs:
ao mal causada pela h e rança malvada do ho-
mem em um texto órfi.co, cuja fraseologia nos Ainda que esta doutrina pareça ser mais an-
resulta muito fam iliar. Parece claro q ue um tex- tiga 17, pois os padecimentos do desmembra-
mento que o mito conta com respeito a Dio-
to muito sim ilar a este estaria na base d a alusão
niso e as ações audaz.es levadas a cabo contra
platônica: ele pelos Titãs, que provaram seu sa ngue e os

16. O amasc. in Pi. Phaed. 1. 1 1 (35 Wcsccrink) (OF350) [T 35c].


14. C f. Brilhante 1987, 42, assim como Bernabé 1999c, onde se de- 17. Mais antiga q ue Empédoclcs. Fala da doutrina da transmigração
marca uma possível pista de ai~JV nas lâminas de Ó lbia. das almas. Para Plutarco, o autor mais antigo q ue Empédocles é,
15. Dodds 1951, 177, citando W ilamowicz. sem duvida, Orfeu.

240 241
castigos destes e as fulminações, tudo isso é Tal natureza consume os homens em um conjun-
um mito que tem um significado oculto com to de males dos quais devem se livrar, em especial, a
relação à série de renascimentos. E é que o transm igração das almas. Isso implica que há em sua
que há em nós de irracional, desordenado
natureza outra parte que lhes permite lutar contra a
e violento, de não divi no e inclusive de de-
moníaco18, os antigos o chamar:un "Titãs", primeira e que lhes capacita a livrar-se dos males. O
quer dizer "que são castigados e pagam pena" paradigma apenas encontra uma perfeita explicação
('TLVOV'TC<Ç). 19• no âmbito de crenças órficas, como vimos, m as ainda
podemos aportar outros textos platônicos que nos per-
mitirão completar o panorama.
8.5. OUTROS TEXTOS PLATÓNI COS Em uma passagem do Crdtilo, q ue já analisei 2º,
COERENTES COM A NOSSA INTERPRETAÇÃO Platão reAete uma doutrina órfica segundo a qual a
alma está encerrada em uma prisão o u como em u ma
Este co njunto de coincidências de nenhuma ma- sepultura no corpo. E o está porque deve sofrer cas-
neira pode ser fruto da casualidade. Só se explicam tigo. Obviamente, não pode ser um castigo por algo
se se remetem a um mesmo paradigma, que podemos cometido em vida, mas por algo cometido antes de
reco nstruir do seguinte modo: estar presa ao corpo. A fraseologia é toda semelhan te 2 1•
Platão conhece uma história antiga, que ele mes- Também examinei uma passagem do Fédon 22 na
mo não compartilha completamente, mas qu e tem se- qual o filósofo atribui o relato que se conta nos círcu-
guidores em suaé poca, segundo a qual o ser humano los secretos a ideia de que os homens estão sob uma
possui uma natureza que é em parte titânica, e que espécie de custódia (i:v nvL <pQOUQâL eaµev Ol
é como uma pulsão interna que tende à violência, à ã v0QW'TW L). Conservamos uma referência à inter-
desobed_iência e à desordem. Como natureza que é, é pretação do sentido que um discípulo de Platão, Xc-
anterior ao seu nascimento, ou, o que é igual, herdada nócrates, deu a <pQOUQá: "titânica e qu e culmina em
dos seus progenitores, e, com efeito, procede de injus- Dio niso"23. A menção é obscura e deu· iügar às dúvidas
tiças antigas, cometidas pelos Titãs, concretamente o
assassi nato e devoração de Oioniso.

20. PI. Cmt. 400c (OF 430 1) [T 32); cf. § 7.


21. bíKqv btboúaqç ,:~ç tj,ux~ç, bwµwrqQíou, crc.
18. ou0e"iov àAAà õmµovLKÓV. Segundo Plutarco, o demoníaco 22. PI. l'haed. 62b (OF 429 I) [T 30] cf. § 7.8.
é um estado intermediário entre o humano e o divino. 23. Damasc. in Pl. l'haed. 1.2 (29 Westerink = Xenocr. fr. 219 lsnardi
19. Plu. Deem carn. 996B (OF318 II) [T 35d]. Parente) (OF38 1) [T 35e).

242 243
de Linforth e Brisson 24 • Efetivamente, se apenas tivés- 8.6. BALANÇO
semos o texto de D am áscio que a cita, seria impossível
obter uma visão coerente. M as pode ter um sentido Temos, então, as peças de um quebra-cabeça que
se se une ao restante da argumentação. Recordemos, se casam entre si, ainda que de forma incompleta e
ademais, que, de acordo com o que vimos no final do alguns pretendam demonstrar que não procedem de
capitulo anterior, Dion C risóstomos25 associava clara- um queb ra-cabeça, mas que são entes independentes.
mente o mito titânico de origem dos seres humanos e Apenas um parti pris prévio pode levar a negar o que
o fato de que estes nasceram para serem castigados de parece muito provável, mas esta atitude ocorre com
acordo com a ideia do cárcere da alma no mundo, em frequência em alguns autores quando abordam passa-
um passo com claríssimas ressonâncias no Fédon. gens que se relacionam com o orfismo, como se hou-
Por último, cabe voltar a uma passagem do Eutí- vesse neles uma determinada vontade de converter o
fron26 na qual se apresenta um catálogo de ações ím- orfismo em algo mínimo, inconsistente,. tardio o u, o
pias de deuses que eram , provavelm ente, objeto de um que é p io r, inventado.
poema ó rfi co. Quando o examinamos anteriormente, Parece claro que Platão não recorre a este mito
destaquei que coincidia com outro, que Isócrates atri- etiológico em sua própria elaboração míitico-filosófica
buía a O rfeu, e interpretei que o fato de que neste sobre a o rige m e o destino da alma. Em seu lugar, nos
ulti1no texto se apresentara tal enumeração de atro- apresenta no Fedro 245c ss. uma argumentação segun-
cidades atribuídas aos d euses como motivo para q ue do a qual se a alma é imortal, também é ingêni ta -
ele próprio Orfeu morrera desmembrado tinha uma uma ex igência filosófica que os ó rficos nem mesmo se
razão de ser se esse tinha se referido, em seu poema, ao propuseram - e se nega a dizer como é a alma, li mi-
desmembramento de um deus e que, em consequên- tando-se a esboçar com o q ue se parece. Expõe, ass im,
cia, era verossímil que no poema ao qual se referiam a sua imagem do carro com dois cavalos, um bom e
Platão e Isócrates se tratara o mito de Dioniso des- outro mau. Tal modificação não é insigruificante, mas
membrado pelos Titãs27. conduz a uma concepção radicalmente diferente da si-
tuação da alma. O mito ó rfico mo tivava a situação da
al ma na condenação que recai sobre os seres humanos
a partir de um pecado "anterior", nos termos de Bian-
24. Linfonh 1941, 337s. e 13risson 1992, 497.
25. Dio Chrys. 30.10 (OF429 lll) [T 30b], cf. § 7.10. chi28, condenação que consiste em que as suas almas
26. PI. i:,i,thphr. 5e (OF26 l) [T 22].
27. lsocr. Busir. 10.38 Mathieu-Bré mond (OF 26 II) [T
22a], cf. § 4.2. 28. Bianchi 1966.

244 245
transmigrem até expiar o delito primordial. Platão não 9
pode aceitar que exista uma responsabilidade moral
anterior à pessoa e muito menos que a mera atuação VISÕES DO ALÉM: PRÊMIOS
ritual possa livrar da culpa herdada. Substitui assim a
E CASTIGOS DA ALMA
explicação órfica da "origem do mal" por outra, a do
cavalo mau e das sendas celestes. Platão em seu novo
mito dos dois cavalos incorpora em outro sentido as
duas tendências da alma, má e positiva, que no credo
órfico se explicavam por dois componentes que a ori-
ginavam (o titânico e o dion isíaco). Os caminhos que
carro e cavalos percorrem pelo céu na visão platônica
são totalmente alheios ao orfismo, para o qual o mun-
do ultraterreno é subterrâneo.
9. 1. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

latão descreve em alguns de seus diálogos cenas


P no Além, para se referir a como o homem, após a
morte, encontrará ali uma resposta à conduta que teve
neste mundo e uma retribu ição em forma de prêmio
ou castigo. As descrições mais desenvolvidas são as que
apresenta no Fédon, no Górgias e na República1 • O caso
do Pedro é diferente, já qu e descreve um ciclo de per-
cursos das almas que, ainda que em parte transcorram
em uma espécie de Além, este é celeste e não subter-
râneo.Trata-se, pois, de um esquema muito diferente

1. Cf. Frurigcr 1930, 6lss., 209ss.; Thomas 1938; Stewart


1962, 103-162; Carda Cual 1981, 43-60; Ale 1982-
1983; Ruiz Yamuza 1986; Brisson 2005 (com bibliogra-
fia cm p. 221-238).

246
do oferecido pelos órficos e dos outros descritos pelo Parece-me um bom ponto de partida a descrição
próprio filósofo, pelo que não me ocuparei dele2. É dos fatos que oferece Casadesús':
frequente que nos comentários ou referências a estas
passagens se afirme que estão influenciados pelo orfis- Estes mitos escatológicos são, sem dúvida,
mo e também que, de um modo mais ostensivo que uma criação literá ria de Platão e urna excelen-
em outros casos em que se segue o mesmo proceder, te ilustração de sua extraordinária capacida-
encontremos escassas, por não dizer nulas, justificati- de fab uladora. Nela se combi nam de modo
vas de por que se afirma tal coisa. magistral, v,írios niveis: em primeiro luga r, o
marco geral, que evoca a imagem do H adcs
Como veremos ao longo deste capítulo, é um fato
mais tradicional, a homérica, con hecida por
certo que há elementos destas escatologias, às vezes
todos os gregos e, cm segundo, os pormeno-
fundamentais, às vezes meramente anedóticos, que res que se incluem nesLe marco geral, que são
apresentam notáveis coincidências com o que sabe- uma mescla de comribuições próprias com
mos da escatologia órfica, mas também há outros que pinceladas e retoques procedentes de outras
não só não são coincidentes com ela, mas que inclusi- descrições do Hades, principalmente a órfica,
ve são contraditórios com as notícias que temos sobre mais desconhecida e nova que a ho mérica que
a visão do Além que se atribui a O rfeu. lhe serviu de base de p,1nida, e que: Platão uti-
Por outra parte, está claro que Platão não elaborou liza co m roial liberdade para adapLá-la à sua
uma escatologia coerente e que, apesar de que há ele- própria concepção do destino das al mas.
mentos recorrentes nas versões do Fédon, do Górgias
e da República, não se poderia fazer um compositu.m Insiste, além disso, Casadesús em que os elementos ór-
com o que o filósofo descreve em suas cenografi as do ficos introduzidos por Platão contribuíram, com o passar
Além3 • Na análise que seguirá tratarei de confirmar a do tempo, a dar urna imagem órfica cio conjunto, mais
ideia de que em cada um dos d iálogos a imaginação além do peso real que este influxo tem no texto platônico.
infernal platônica obedece a estratégias literárias e fi- Em um trabalho no qual estuda o mito do Fé-
losóficas distintas, segundo os temas e objetivos que don em co mparação com as lâminas órficas e as Rãs
trata na obra em que aparecem . de Aristófanes, Edmonds oferece uma soluç.'io diver-
gente; segundo este autor, o modelo de Platão no que
chamamos "traços órficos" segue um "parad igma mí-
2. Como tão pouco o de Leis 903b-905d, que não tem
nenhum traço órfico significativo.
3. Insiste nas diferenças sobretudo An nas 1982. 4. C asadcsús 2008.

248 249
tico tradicional" e o filósofo coopta o d iscurso mítico discussão de Sócrates com Cálicles, que defendeu que
tradicional ao serviço de seus projetos filosóficos5• No o comportamento humano não deve obedecer a ne-
encanto, resulta pouco verossímil considerar o imagi- nhum freio moral, mas sim tender à satisfação dos de-
nário do Além com prêmios e castigos como "paradig- sejos. O propósito de Sócrates ao apresentar este qua-
ma mítico tradicional", quando é contraditó rio com dro escatológico é declarado por ele mesmo (493c):
o verdadeiramente tradicional, o que se encontra em
H omero, nos líricos e na imensa maioria dos textos, A verdade é que estas coisas são um tanto
até Luciano, segundo o qual as almas inanimadas resi- estranhas, m as manifestam o que quero mos-
dem em um Hades sórdido e igual para todos6• trar-te (se é que sou ca paz), pa ra persuadir-
Nos momentos seguintes, passarei revista às des- te a que retifiques e prefiras ern vez da vida
crições do Além que nos oferece Platão, assim como insaciável e desenfreada, a ordenada.
a que encontramos no pseudoplatônico Axíoco. Em
cada uma ressaltarei o contexto do relato e seus pro- Pretende Sócrates que a referência ao Além no qual
pósitos, os elementos que podem ser análogos com os pode receber um castigo seja persuasiva da atitude
postulados pelos ó rficos com respeito à "geografia e imoralista de Cálicles. Trata-se da apresentação mais
cenografia", personagens, lugares de prêmios e castigos breve e mais simples das que nos legou Platão, sem os
e razões pelas quais a alma irá a um ou a outro e as elementos "científicos" próprios das outras7 • O po nto
diferenças, tanto de concepção como de detalhe, entre de arranque para introduzir este relato é uma cita de
a versão platônica e a q ue conhecemos da literatura Eurípides sobre a possibilidade de que a vida seja mor-
órfica, na medida em que esta possa ser reconstruída. te e a morte, vida8 e fica claro que Sócrates trata de
ser "moderno" ao apresentar a interpretação que um
anônimo "siciliano ou ital iota'' oferece do que diziam
9 .2. O IMAG INÁRI O ULTRAMUNDANO "os sábios", em lugar do relato ó rfico, em seus próprios
NO GÓRGIAS termos. Em §§ 2.5 e 7.2 examinei a passagem, ressal-
tando os diversos níveis da escatologia que se apresen-
Sócrates apresenta em G6rgias duas referências ao
Além. Na primei ra (492e-493c) o contexto é uma
7. Cf. Dodds 1959, 372 ad loc.
8. PI. Corg. 494e; Eur. Polyid. fr. 638 Kannichc [T 3361. Cf. § 7.2,
onde se ressalta a inversão de valorizações sobre a vida e a morte
5. Edmonds 2004, 20-24 e 27. como um crnço próprio dos órficos, assim como 13crnabé 2007c;
6. Cf. crítica de Bcrnabé 2006a. Macías 20086.

25 0 25 1
cava (relato antigo, interpretação, transmissão), pelo aquele que passar sua vida de um modo justo
que me limitarei aqui a ressaltar as escassas caracterís- e santo, uma vez que morrer, vai às Ilhas dos
ticas que parecem derivar do imaginário ó rfico: a ideia Bem aventurados e habitar nela com toda fe-
de que cercas almas podem ser castigadas no Hades e licidade livre de maJes, mas o que o fez de um
de que tal castigo consistiria em levar água em uma modo injusto e sem deus, vai para a prisão
peneira a uma ti na (ní.8oç) furada. A referência à pe- do castigo e a justiça, à que chamam Tártaro.
neira aparece também em Resp. 363d, no contexto das
ideias de "Museu e seu filho", o que vai em favor de Se o Além apresentado por Platão corresponde
caracterizá-la como p rocedente de um contexto órfico. com o dos órficos porque ambos postulam a existência
Fracassado em seu inten to de convencer a Cálicles, de um destino dife rente para umas al mas e o utras, os
Sócrates oferece mais adiante uma última imagem in- dois que propõe o filósofo não coincidem exatamente
fernal (523a-527a), como clímax da obra e com idên- com os da imaginação órfica, já que as Ilhas dos Bem
t icos propósitos que a primeira, mas sem dúvida mais aventurados não são mencionadas por nenhuma fonte
elaborada e mais crua. Apresenta-a como um Logos, e, 6rfica que conheçamos; o lugar ao que sobem os ini-
além disso, um Logos verdadeiro, ainda que considere ciados, segundo as lâminas de ouro, se situa claramen-
que Cálicles pode considerá-lo um mythos (523a). É te no Hades. As ]lhas dos Bem aventurados aparecem
claro que Logos tem aqui ressonâncias dos hieroi Logoi em H esíodo ( Op. 17 l) como o lugar para onde foi
órficos, ainda quando se tratar de um relato e não de in iilo tempore a estirpe dos semideuses quando desa-
uma argumentação. Ao contrário mythoi teria melhor pareceu da face da terra. Em uma passagem suspeita
o sentido de "conto", algo que se conta sem a menor de interpolação, se d iz que ent re eles reina Cronos, o
garantia de verdade9 • qual p rovavelmente não signifique outra coisa senão
Começa Sócrates este relato próprio e mais deta- que o monarca celeste destronado habita no mesmo
lhado com uma alusão a Homero, na q ual recorda o lugar em que o faz a raça que foi contemporânea de
reparto -de poderes entre Zeus, H ades e Poseido n (li. seu reinado 10• Tam bém menciona uma ilha dos Bem
15.187- 192), mas na sequência (e sem advertir que já aventurados Pfndaro 11 , quem a descreve como o es-
não está citando a Homero), se refere a u ma norma de paço ao q ue vão determ inados seres humanos privi-
época de C ronos, que o poeta da ]fiada não menciona legiados, já não a raça dos semideuses h esi6dica. A
em nenhuma parte, a de que divindade que aparece em relação com eles é agora

9. C f. as interessantes considerações de Alm as 1982, 120s., assim como 1O. Wcst 1978, comcnr~rio a 173a.
13risson 2005, 147. Sobre o m iro do Corgias, cf Bescond 1986. 11. Pind. 0/. 2.70 [T 31 b]. Cf. Sancamaría Álvarcz 2004.

252 253

l,U\lll.lll lU
Radamantes12 • O poeta beócio parece have r fundido Na Apologia' 4 Sócrates menciona uma sé rie d e per-
concepções ho m éricas e hesiódicas como o E lisio com .~o nagens q ue considera um privilégio ver no Hades.
ideias órficas. Pla tão assimila esta visão sintética que 1niciam a lista Minos, Radamantes, Éaco e Triptóle-
lhe brinda Píndaro, mas lhe ac rescenta uma h istória 111015; se refere na sequên cia a quantos semi-deuses fo-
que parece ser d e sua p rópria colheita; ressalta que em ram justos em vida, e logo aos poetas, com eçando por
tempos de Cronos e nos primeiros de Zeus as causas Orfeu. E p rovável que Triptó lemo tenha sido acres-
não eram julgadas correta m ente porque os ju ízes e ram centado à lista dos me ncionados no Górgias, para da r
seres humanos que julgava m a outro o dia em que este um toque ático, ao conjunto. A razão da m e nção dos
ia morrer. Zeus d ecide então que os hom ens devem ju izes é óbvia, dad o que Sócrates contrapõe estes ver-
ser julgados após a morte e desnudos d e t udo quanto dadeiros juizes aos falsos que acabam d e condená-lo. À
e m vida camuflava a categoria de sua alma. Para isso luz desta precisão, se ilumina também a referê ncia do
encomend a a tarefa a três fil hos seu s: Górgias que insiste na co nfiabilidade d os juízes daqui,
que se de ixavam engana r pela roupage m externa dos
Eu, que me dei conta disso antes de vós, no- seres h u ma nos e não eram capazes, como sim o são os
meei juizes a filhos meus, dois da Ásia, Mi nos filhos d e Zeus que ditam justiça no Hades, de ver as
e Radamantcs, e um da Europa, Éaco. Enrão almas desnudas, em sua verdade.
quando eles morrem, ditarão justiça na pra-
O julgam ento d as almas é também aludido na
daria, na encruzilhada da qual partem dois
Carta Sétima, onde se atribui a "di scursos a ntigos
caminhos, um às ilhas dos bem aventurados,
e sagrados", e em uma· passage m d as leis na qual, a
outro ao T ártaro. Aos da Ásia os julgará Rada-
mantes e aos da Europa, Éaco. E a Minos lhe propósito das normas sobre e nterros, se recorda que
dará como distinç.'ío ser juiz de apelação, se a alma tem que prestar co ntas a nte os deuses d e seu
algum dos outros dois tem alguma düvida 1;1. comportam e nto neste mundo 16 •

A figura dos ju izes é reco rrente em Platão. Apare-


l 4. PI. Apol. 4 1a (OF 1076 1) [T 51.
cerá nas outras escatologias das que tratare i neste ca- 15. De todos os modos, corno me ressalta Sanrarnarfa ÁlvarC7~ não
pítulo (i nclusive na do Axíoco) e, fora delas, e m outras está claro que Minos, Radarnanrcs e os demais sejam mencionados
passagens, aos que vale a pe na faze r alusão. nesra passagem corno juízes elas almas, para atribuir-lhes um deter-
minado destino ultramunclano, e Sócrates poderia estar pensando
melho r cm que exercem a mesma função que M inos em H orn. Od.
1 1.568, isto é, desfuzer litígios entre os mortos. Não necessariamen-
12. Sobre as Ilhas dos 13em aventurados, cf. Martinez I-lerná.ndez 1999. te temos que projetar sobre a Apologia a escatologia do Górgias.
13 . PI. Corg. 523c [T 50]. 16. Pl. EpiJt. 7.335a (OF 433 1) [T 27]. cf. § 6.1; Leg. 9596.

254 255
Assim, pois, a presença dos juízes é uma ideia cara biente judaico do helenismo alexandrino21 . É natural-
a Platão, mas que não tem seus antecedentes, que sai- mente uma Catdbasis na qual não se contém nomes
bamos, em textos órficos. O tema da balança para "pe- mitológicos, mas que parece um poema teológico e
sar" as almas é característico da religião egípcia e não provavelmente órfico 22 • Mesmo quando este extremo
se difunde demais no âmbito grego, mas se encontra se discute23, os argumentos para sustentar que é um
d e novo no cristianismo durante toda a Idade Média. poema órfico são bastante sólidos24 • Contém uma
Na Grécia encontramos o tema da balança em época descrição dos prêmios e castigos no A.lém com inte-
antiga (já desde Homero), mas não para pesar as ações ressantíssimos pontos de contara com o livro VI da
da alma a sua morte, e sim as sortes (keres) de um he- Eneida virgiliana. Em uma parte, por desgraça, não
rói frente às de outro, isto é, para determinar qual dos demasiadamente bem conservada, lemos os seguintes
combatentes vai morrer17• Minas aparece em Homero, restos de versos:
mas para dirimir litígios entre os mortos (Od. 11.568),
e mais adiante, encontramos em Píndaro uma alusão ] cederam à fun esta nccessidadc25
ao julgamento das almas no Além'ij. l e os desaforados, mas de sua anterior soberba
Só um testemunho considerado órfico ap resenta ] e esquecer-se de sua coragem 75
um julgamento das almas: se trata dos restos de um J ê colocando-se a voar se deteve
] a oucras26 que vão cm direção contrária
códice do II/III d. C., que formam parte da coleção
] da cerra chegaram ou eras
de papiros de Bolonha e que continham parte um po-
1 um caminho tranqu ilo, mas cão pouco este
ema hexamétrico (OF 7 17). Desconhecemos a época ] era melhor que o outro 80
da obra e seu autor. Parece, por seu estilo, um poema ]com a mão alçava a balança
de época romana 19 e alguns situam seu autor no II-III ] a frase adequada atribuía
d.C. 20, enquanto outros preferem localizá-lo no am- ] obedecia à voz d a divindade

2 1.Seraioli 1970; 1972 e 1973.


17. Cf. Jl. 22.208-2 13. Uma cena si milar se narrava provavelmente 22. Merkelbach 195 1.
no poema épico perdido Etiópida se, como parece, este era a fonte 23. Vogliano 1952, 385; 393.
da tragédia de Ésquilo chamada \[luxocnao[C< Pesado das Alrnas, 24. Cf. especialmente Casadio l986, 294s.
cf. Radr p. 347ss. 25. Refere-se à necessidade que obriga à alma a reencarnar em deter-
l 8. Pind. O!. 2.59-60 [T 55d]. minadas condições. A ideia aparece já em Emped. fr. 107 Wright
19. Lloyd-Jones -Parsons 1978, 88. (= B 11 5 D.-K., OF 449) [T 31 a].
20. Vogliano 1952, 394. 26. Provavelmente "almas".

256 257
] ao ouvir as palavras do deus. 11:is lâminas órficas; voltarei sobre isso quando analisar
] levando-se? 27 85 ,Lescatologia da República.
A questão mais interessante que se suscita a propó-
A sequência de acontecimentos da passagem pa- ~ito da escatologia do G6rgías é se o mito, tal e como
rece reconstruir-se bem. Ao parecer, u mas almas fo- nos é narrado por Platão, pressupõe a reencarnação
ram já julgadas e castigadas (v. 74) . É provável que das almas ou não. Oodds considera que, ainda que
a referência ao esquecimento no v. 75 se deva a que 11ão se mencione explicitamente, esta crença está im-
beberam a água de Lete, que produz o esquecimento plícita na menção da desconfiança e o esquecimento
da antiga coragem que se tinha em vida. cm 493c e da contemplação dos sofrimentos dos gran-
Nos versos 77 e 79 se fala de duas vias, uma que des- des pecadores em 525c, que só podem ensinar às al-
ce, a dos mortos, e outra que sobe, a dos que devem re- mas se estas voltam ao nosso mundo2 9 • Pelo contrário,
encarnar. Depois (v. 78) se mencionam outras almas que Annas sustenta que o relato platónico é con trad itório
chegam, provavelmente as dos que acabam de morrer e com tal ideia30 e acredita, seguindo a Irwin3 1, que a
a partir do v. 81 se descreve um julgamento das almas, passagem é significativa sem necessidade de assumir
no qual uma divindade utiliza a balança e pronuncia a que as lições que aprendem os mortos possam valer
sentença, que a alma ouve e à qual obedece (83-84). para este mundo. Em sua opinião, o mito do G6rgias
Dada a falta de presença de juízes nos textos cuja tem mais sentido se houver um julgamento definitivo,
antiguidade, dos séculos V-III a.C., nos é conhecida, que resultaria mais persuasivo para as más condutas.
não podemos evitar o pensar que a presença dos juízes Creio que a discussão é irrelevante e que se pode
infernais no poema do Papiro de Bolonha é um acrésci- chegar a uma solução intermediária ou, se se quer,
mo na tradição órfica tardia, procedente com toda pro- menos radical. Em minha ópinião, é um fato que o
babilidade da tradição seguida po r Píndaro e logo por diálogo só se refere ao que ocorre após o julgamento
Platão. Nas lâminas o único que parece semelhante a de uma vida, sem fazer alusão alguma a posteriores re-
um juiz. é a própria Perséfone, que, segundo uma lâmi- encarnações, mas não é menos certo (pace Arrnas) que
na de Turios (IV a.C.), decide se a alma que chega ante nada do que se d iz em G6rgias é contraditório com a
ela como sup licante irá ou não à morada dos límpidos 28• possibilidade de que, após os castigos no Tártaro, à
Se os juízes não figuram em fontes ó rficas antigas, alma lhe seja dada outra oportunidade de corrigir seus
a pradaria e os cam inhos, ao contrário, sim aparecem

29. Dodds 1959, 303,375, 381.


27. /? Bonon. (OF717) 73-85 [T 47a]. Cf. Bernabé 2003a, 28lss. 30. Annas 1982, 124s.
28. OF 489-490.6-7 [T 53a), cf. Bernabé-Jiménez 2008, J l 5s. 3 1. lrwin 1979, 248.

258 259
erros, após uma ou várias reencarnações mais. O que deixa claro qual é a fonte desta suposiç:ão, mas sugere
o corre é que Sócrates p retende a ntes de tudo persuadir um "an tigo relato" (naÀluàç Aóyoç) .
a Cálicles e por isso põe ênfase no esquema primário A preparação d essa escatologia final con tinua ao
injustiça-castigo e no uso do relato escato lógico como lo ngo das discussões d e todo o diálogo, ainda que algo
incentivo para ser justo, e não na reen carnação, que é mais adiante se encontre outro importa nte pon to de
irrelevante para o propósito deste mito e que, inclusi- atenção sobre o centro da a rgume ntaç~io:
ve, teria debilitado seu a rgumento, já que poderia dar
Assi m, pois, se isLo é verdade, am igo, há gran-
pé a Cálicles a que deixasse para vidas posteriores a
de esperança para quem subir para onde eu
possibilidade d e melhorar sua condição moral. me encami nho, de que ali, de uma maneira
mais satisfatória que cm qualquer outro lugar,
se ganhará isso pelo que se produziu um es-
9.3. O ALtM NO FÉDON forço tão grande na vida presente, de maneira
que a viagem que agora me foi ordenada se
Platão apresenta outra visão escatológica no Fédon32• produz com boa esperança para mim e para
Ainda que o m ito propria mente dito começa em l 07c qualquer outro homem que acredi te que sua
mente esteja preparada, como purificada34.
ss., Sócrates enun cia muito antes sua raz,'ío de ser:

Sócrates usa uma linguagem misteriosa, mas transcen-


Senão que r.:.~ tou com muita csperanç;1 de que
d ida. Os mistas órficos ao chegar ao Hades procla mam sua
para os morros h,í algo e, como se diz de antigo,
muiro melhor pa1~1os bons que para os mau~J·1• pLLreza que lhes permitirá ter acesso a um lugar privilegiado
no AJém segundo uma lâmina de Turios <lo IV a.C.
O contexto que justifica o mito é, por tanto, o de-
Venho dcnrre pu ros, pura, rainha. dos seres
sejo d_e Sócrates de explicar a seus discípulos por que
subterrâneos35.
não te m medo da morte e por que eles não devem tão
pouco temer por ele. A expressão ambígua "com o se
D e forma paralela, Sócrates acredi ta que sua pure-
diz d e a ntigo" (wancQ ye Kcxi. náAmAéye-rm) não
za lhe garante um privilégio semelhanice ao qu e se p ro-
mete aos cre ntes órficos, ai nda que o estado d e pureza
32. Cf. Morrison 1959; Calder 1968; Funghi l 980; Kingsley 1995,
79ss.; Pradcau 1996; Mancini 1999; Edmonds 2004; Bernabé
2006a; Bcrcgh 2006. 34. PI. Phned. 676 lT 53].
33. PI. Phned. 63c lT 52]. ;35. OF 489-490.1 [T 53a].

260 261
para ele se consegue de outra maneira, não mediante E exa minemos deste modo: se é que estão no
um ritual, mas praticando a filosofia. Logo hei de vol- Hades as almas das pessoas que morreram ou
tar sobre isso(§§ 12. 12-13). não. E é que há um antigo relato, que me vem à
O filósofo, inclusive, havia indicado antes a pos- mente, segundo o qual estão ali tendo ido daqui,
sibilidade de que tivessem razão os órficos em suas mas de novo voltam e nascem dos morcos38.
ideias escatológicas, com a condição de entendê-las de
um modo peculiar: Assim, pois, Sócrates foi preparando ao longo do
d iálogo a escatologia final que se assentará sobre estas
E pode ser que os que insritufram as teietni duas bases: a relação que existe entre a iniciação, natu-
não sejam gen te in epta, mas 11a realidade ralmente, entendida como a filosofia, com prêmios no
se ind ique de forma simbólica desde ames Além e a teoria da transmigração das almas.
daquele que chegar ao H ades não iniciado e Entrando já no relato escatológico propriamente
sem ter cumprido as teietni "jaze d no lodo", dito, Sócrates, após argumentar q ue, posto que a alma
mas o que c hega r purificado e cumpridas as é imortal, não se liberta de sua maldade com a morte
teietni, ha bitará lá com os deusesJ6 _ Pois, com (107c), começa a descrever seu caminho ao Além, in-
efeiro, como dize m os das teLet11i, são muitos troduzido por um "se diz" que deixa de novo suas fon -
os portadores de ti rso, mas os bacos, poucos. tes totalmente na escuridão. Há certo acordo em con-
e estes, na minha opin ião, não são outros siderar que o mito é uma construção realizada sobre
q ue os que fi losofaram corretamence-17 • diversos materiais nos quais os órficos não são majori-
tários e não vou entrar nas discussões sobre o sen tido
E pouco depois reitera sua referência a ideias órfi- que este mi to tem em Platão39, mas que me limitarei
cas, desta vez, à transmigração: a esboçar suas linhas gerais e a precisar os elementos
que podem ser órficos, de acordo com as fontes de que
dispo mos sobre este movimento religioso.
36. Na realid ade Piarão exerce já aqui u ma sutil transposição: as lâmi- Platão fala de uns guias:
nas órficas de "furios (IV a.C.) p roclamam claramente que o ini-
ciado, uma vez liberto, se transforma cm deus: OF487.4 [T 25b]:
"cm deus te transformaste, de homem que eras" (01:àç i:yévou
Con ta-se o segu inte: que a cad a um que
d ; áv0QC.:mou.), OF 488.9: "fel i;,, e afortu nado, serás deus em m orre o da.imon de cada um, que lhe cor-
vez de homem" (õAJ3ti: Kai µaKaQLUTÉ, Oi:àç õ · i°'a'lL C:XV'{L
j3QO'{Oio). O fi lósofo limi ta esta afirmação a que a alma do inicia-
do habitará com os deuses, sem chegar a apagar as fronteiras entre 38. PI. Phaed. 70c (OF428) IT 26J.
a divind ade e o ser humano. 39. Remeto ao recente estado da questão com abundante bibliografia,
37. PI. Phaed. 69c (OF 434 111, 576 1) IT 4 IJ . de Ramos Jurado 2002, l 96- 198.

262 263
Vemos, pois, que, ao menos em certas interpreta-
respondeu precisamence enquanco estava
ções órficas, parece que se acreditava na intervenção de
vivo, trata de levá-lo a certo lugar no qual,
uns intermediários, denominados daimones, que ou
uma vez reunidos e julgados, em preendem
viagem ao Hades com o guia aquele a quem bem acompanhavam a cada um ou bem estorvavam
foi encomendado levá-los lá daqui'º. à alma em seu trânsito para o Além, mas conhecemos
m uito mal os detalhes desta crença.
Nas lâminas não se mencio nam guias (ainda que O fato é que numerosos textos não ó:rficos mencio-
G uthrie4 ' acredita encontrá-los na pessoa que pronun- nam daimo nes, frequentemente pessoais, que podem
cia algumas das palavras das lâminas, o qual é pouco ter uma função similar à que Platão lhes atribui. Trata-
verossímil). Até a pouco tempo, se relacionava com se de uma tradição que precede a Platão e que continua
estes daimones uma passagem do Papiro de Derveni, por muito tempo depois. Já Heráclito p~u:ece conhecer
no qual se lia algo a cerca de que cada um tem um dai- esta ideia e contradizê-la consider~mdo que este daimon
mon como uma espécie de Anjo da G uarda avant la não é senão o caráter de cada um44 , Menandro se refere
lettre. Mas descobriu-se que a disposição dos fragmen- a que um daimon acompanha a todo homem desde seu
tos das primeiras três colunas continha erros e agora a nascimento 45 e ainda Marco Aurélio fala com frequên-
coluna se lê de outro modo"2 • No mesmo papiro, e crês cia de um baí.µeuv 'CÀECuÇ interior e privado46.
colunas depois, são mencionados uns daimones que O peculiar da versão escatológica do Fédon é que,
estorvam à alma em seu caminho até o Além, como frente às o utras versões, em que se fala de que· cada
objeto dos rituais levados a cabo por uns profissionais alma afronta sozinha seu julgamento, nesta o julga-
mento fica esfumado e não se fala dos juízes, mas ao
deno minados "magos":
contrário há uma espécie de "sociedade de almas"
\pois as libações?l invocações e sacrifícios que acolhe ou recusa às que vão cheg2tndo, até que,
-apaziguam às almas. Um ensalmo dos magos transcorrido certo tempo, cada uma "é levada pela ne-
pode mudar de luga r aos daimones que es-
corvam, dado que os daimones que escorvam
são almas vingadoras'3.
1~. Hcraclit. fr. 94 Marc. (22 B 119 D.- K.) ~0oç àv8QWTIWL
õa[µwv. C f. Tsanrsanoglou 1997, 105 and Kouremcnos in
Kouremenos-Parássoglou-Tsantsanoglou 2006, 146.
40. PI. Phaed. I08a Vi. Menand. fr. 50 K.-A ..
4.!. Guthric 1935, 178. 1(1. Marc. Aur. 3.16, 8.4 5, 12.3. Também Porph. Vit. Plotin. 10 se
42. PDerv. col. lll [T 5 lal. refere a um daimo n próprio.
113. PDerv. col. VT 1-4 [T l 3dl .

265
264
cessidade até a morada que lhe corresponde"47• Esta ro, e Platão cita a este respeito Homero52, ainda que,
"sociedade" tem bastante em comum com os "tíasos como vimos em § 4.3, o comentário de Aristóteles a
dos mistas" (µUCT'tWV 8Lácrouç) que menciona uma passagem dê a entender que a inspiração deste detalhe
lâminas de Feras recentemente publicada' 8 • O filóso- da geografia infernal procede melhor de um poema
fo despersonaliza o processo, fala de julgamento, sem ór6co53• Coincide com esta impressão a longa passa-
mencionar aos juízes, afirma que as almas vão até onde gem que se refere aos rios infernais:
lhes está determinado, sem p recisar quem o determina
salvo referências abstratas à "necessidade" ou o "destino". Pois bem, há outras muitas correntes, grandes
e variadas, mas dá-se o caso de que entre tan-
Na sequência encontramos o utra novidade: uma
tas que são há quatro correntes, a maior das
lo nga e prolixa descrição do mundo, na qual se integra
quais e que flui no círculo mais externo, é a
o Além. Segundo o filósofo, habitamos cavidades de chamada Oceano. Fren te a esta e em sentido
uma terra imensa, crendo que estamos em sua super- contrário flui o Aqueronte, que co rre através
fície. Há numerosos pontos de contato desta descri- de outros lugares ermos e após flu ir inclusive
ção com o duplo plano descrito no mito da caverna49, sob ce rra, desemboca na lagoa Aquerusíade,
o nde também acreditamos estar no mundo real e na aonde chegam as almas de muitos defuntos
realidade estamos sob ele, em um mundo diferente. e após ter aguardado uns prazos de tempo
No mito do Fédon se supõe que entre umas cavida- determinados, umas mais longos e outras,
des e o utras há comunicação através de o rifícios, pelos mais curtos, são enviadas de novo aos nasci-
quais também fluem ri os que passam entre elas50 • A mentos d e seres vivos (i. e. a reencarnar). Um
terceiro rio discorre cm meio d eles e perto
referência a que isto ocorre como em uma cratera fez
de seu nascimento desemboca em um lugar
pensar a alguns autores em um influxo órfico, se bem
espaçoso queimado por um grande fogo e
no há base suficiente para afirmá-10 51 • Uma das partes
forma uma lagoa maior que nosso mar (i.e. o
da terra corresponde ao qu e os poetas chamam Tárta-
M editerrâneo) cuja água e lodo estão ferven-
do. Dali disco rre em círculo, curvo e lodoso,
e depois de dar a volta à terra, chega a outra
parte, nos confins da lagoa Aquerusíade, mas
47. PI. Phaed. 108c.
48 . Parker-Stamatopoulou 2004; Ferrari-Prausccllo 2008.
49 . PJ. Resp. 514ass. 52. Ií. 8.14.
50. PI. Phaed. 11 ld. 53. PI. Phaed. 111 e-l 2a (OF 27 I) [T 231, Aristot. Meteor. 3556 34
(OF27 li) [T 23a].
51. Cf. § 5.

266 267
sem misturar nela suas águas. Uma vez que A brevidade da referênc ia homérica. pode levar- nos
deu muitas vezes a volta sob terra, desembo-
a pensar que Platão pode inspi rar-se também em fontes
ca em uma parte mais baixa do Tártaro. Este
ó rficas, ainda que, claro, a grande maio ria dos adornos
rio é o q ue se cha ma PiriAegeto nte, cujas cor-
literários da d escrição seja de sua própria colheita.
rentes de lava expulsam fragmentos lá onde
tocam terra. E frente a este, por sua vez, o C om efeito, a d escrição dos lugares inferna is in-
quarto rio desemboca cm primeiro lugar cm teressou aos órficos, de acordo com urna notícia do
um lugar terrível e selvagem, segundo se diz com entá rio de Damáscio à passagem platônica, que,
que cem rodo ele a cor do lápis-lazúli, ao que por sua vez, está basead o em outra prévia de Proclo,
chamam Estigio, e à lagoa que fo rma o rio o nde se afirmava taxativa me nte que Platão havia se
em sua desem bocadura, Éstige. Este, ao che- inspirado nos poem as órficos:
gar aqu i e após ter tomado uma força terrível
em suas águas e após fu ndir-se sob terra, dis- Os quatro rios que se descrevem corres-
corre fàzendo meandros em semido contrário po ndem, segundo a trad ição de Orfeu, aos
ao Piriílegetonte e sai a seu rnconcro na lagoa quatro elementos subterrâneos e os quatro
Aquerusíade desde o lado contrá rio. Tão pou- pontos cardinais em dois jogos de opostos:
co sua água se miscura com nenhuma outra, o PiriAegeto nte, ao fogo e ao leste; o Cocito,
senão que, avançando cm círculo, desemboca à cerra e a oeste; o Aqueronce, ao ar e ao sul.
no Tárrnro pelo lado contrário que o PiriAc- Orfeu se limitou a dispô-los deste modo, e é
gcronce. Seu nome, segundo dizem os poetas, o comentador (i. e. Proclo) o que associa a
é Cocito54. Oceano com a água e o no rre55.

A fonte d esta fa ntásti ca e minuc iosa desc rição não E inclusive em o utra passagem , Dannáscio cita a res-
p ode ser Home ro m ais qu e e m ínfima m edida, já que peito um p oem a órfico (que devem ser as Rapsódias):
o poe ta se limita a uma breve men ção dos rios, ao re-
ferir-se às portas do H ad es (Od. 10.513s.): Os quatro rios são os quatro elementos no
Tártaro: o Ocea no, segundo o com entador
'Ali, até o Aqueroncc fl uem o PiriAcgcconre (i.e. Proclo), é a água; o Cocito ou Éscige,
e o Cocito, que é um ramal ela água da Éstige. a terra; o Pi riAegeconce, fogo; o Aqueron-

'>5. Damasc. in PI. Phaed 1.541 (277 Wescerink) (OF341


54. PI. Phaed. 112c- l 13c lT 54]. II) [ T 54a].

268 269
re, ar. Oposto ao Piriflcgetome é o Estigio, se este p o nto concreto estava já presente na t radição
quente, frente a frio; oposto a Oceano é o ó rfica ou é inovação exclusiva de Platão, a inda que o
Aqucro nte, água fre nte a ar. Por isso O rfe u segundo me pareça ma is provável, d ada a ausênc ia de
(OF 342) chama de Aeria (nebulosa) a lagoa testemunhos órficos sobre o pa rticular.
do Aqucronte56. Também da d escrição infe rnal ó rfica, ainda que
passada p ela interpretação neoplatônica, p rocedem os
O único qu e nos inte ressa d o comentá rio de Da- dois fragm entos seguintes, referidos a Escige:
máscio é a referência a que es ta geografia infernal se-
gue a tradição d e Orfeu, isto é, que Proclo se baseou Evidenciam os teólogos que Oceano é a fon-
pa ra sua imerpreração em um poe ma atrib u ído ao te de toda classe de movimento, dizendo que
poeta trácio no qual se m encio nariam os quatro rios faz su rgir dez correntes, das que nove fluem
ao fi o da descri ção d o d estino d as almas nos infe rnos. até o mar5x.
Com o o poeta c ha ma de Aeria, "nebulosa", a lagoa do E aqu i Numênio (fr. 36 Des Placcs) e os
Aqu ero nte, é lógico que Procl o relac io nasse o Aque- imérpretcs do sentido oculto de Pitágoras
ro nte com o aer (a r nebuloso). O PiriAegeto nte, n om e entendem como sêmen o rio Ameies cm Pla-
tão (Resp. 62 1a) e a Estigc cm H csíodo ( Th.
que significa "que arde em chamas", faz ia quase ó bvia
36 1) e nos órficos59.
sua iden tifi cação com o fogo. Daí que o fi lóso fo neo-
pla rô nico acabasse po r ide n tificar os o u tros do is rios
Ambas passagens são amostra da interpreta-
com os ou tros d o is elem e ntos. ção dos textos órficos cm mãos de quem pre-
Piarão nos d iz que é à lagoa Aquerusíade ao nde tende que tenha m um sentido ocul to, mais
ch egam as alm as da ma io ria dos morros e que, uma que de seu conteúdo rcal60, sobre o que esta-
vez q ue p assam a li o tempo que lhes fo i decretad o, mos mu ito mal info rmados. Co ncretamen-
mais _o u m enos segundo os casos, vo lta m a reencar- te, a segunda interpretação parece dever-se a
nar-se57. Pa rece-m e muito inte ressante que o fi lósofo
relac io ne esta parte de sua d escrição da geografia in-
58. Prod. in Pi. Tim. III 180.8 Diehl (OF 343) [T 54c]. A décima
fe rna l com a teo ria da metem psicose, d escrevendo- nos
é Estige, cf. Hes. 11,. 789-79 1 "Uma décima parte (de Oceano)
um a espécie de " Purgatório" avant la lettre. Ig noramos em seguida fica apartada, mas nove em torno da terra e do largo
lombo do mar, fazendo-as girar cm um argênreo redemoinho, as
precipita no mar". O plural "os teólogos" inclui, ao parecer, a Or-
56. Damasc. in PI. l'h"ed. 2. 145 (363 Wesrcri nk) (OF34 1 IV e 342) feu e a H esíodo.
[T 5461. 59. Porphyr. "d Gfllm1m 2.2.9 (34.26 KalbAeisch, OF344) [T 54d).
57. PI. Ph"ed. I 13a. Go. cr. § 2.5.

270 271
que, após chegar à Escige, a alma pode voltar mas seu propósito p rincipal parece ser situar em nos-
a reencarnar, o que leva a Numênio a identi- so mundo espaços escatológicos que antes formavam
ficar alegorica mente o papel da lagoa co mo parte d e uma geografia mítica; e m o utros termos, à
germe do nascimento de uma nova vida com necessidade de situar os lugares onde a alma recebe
o do sêmen. prêmios e castigos em uma parte do ma_pa ~era! do
universo62 , Para configurá-la, o filósofo se mspt rou em
Finalmente, P la tão m encio na (Phaed. l 13d) que parte em imagens que estão na tradição poética, mas
os m ortos, que ch egam aonde os conduz seu da imon, também aproveitou novas ide ias científicas sobre a
são submetidos a julgamento, sem indicar por q uem,
cons tituição do mundo.
e que uns são purificados na lagoa do Aqueronte, en - Novidade com relação às outras escatologias é mes-
quanto que o utros, inc uráveis, são lançados ao Tártaro, mo assim a presença do daimon aco mpanhante de cada
"de onde jamais saem". Após ce rta casuística, o fi lóso- alma, que se inserta em uma trad ição à qual já me referi
fo se refere, como é lógico, a quem viveu santam ente, e que, por outra parte, não está lo nge "desse algo divi-
que se li berta dos lugares do interior d a terra como no e demoníaco" (8üóv n 1w'.i. baq..tÓVLOV) que vem
do cárce re e moram sobre a cerra, se ndo os filósofos a ser uma espécie de voz da consciên cia de SócrateS ,
63

os que vivem sem co rpo e em moradas "ainda mais Uma vez mais, advert imos que toda a apresentação ul-
charmosas que estas". Toda esta e laboração carece de tra mundana se faz pensando na sorte do filósofo.
paralelos e d evemos co nsiderá- la de cunho platônico. Po r o u tra parte, Platão põe nesta escato logia muita
A conclusão é, para Sócrates, que por esse motivo deve ênfase na cransmigração d as almas, enquanto qu e o
partic ipa r-se na virtude e a sab edoria na vida, "pois julgamento, como cal, apa rece esfumado ~ nem seq ~er
c 11armoso é o premto e a espe ra nça, gran d e"(,I .
A •

é mencionado pelos juízes. Ambas as circunstâncias


Assim, pois, o ponto de vista da escatol ogia do Fé- entranham a Annasí..1, que considera que o filósofo não
don está condicionado pela proximidade da morte d e combinou co m acerto a ideia de tortura frente a prê-
Sócrates e as razões d e sua tranquilidade pessoal frente mio das atuações na vida e o modelo da reencarnação,
a este difícil evento. ainda que a própria autora ressalte que com isso expres-
Provavelmente um dos motivos da intromissão sa importantes verdades sobre a relação entre corpo e
neste diálogo de uma cosmologia complexa é a fas-
cinação de P latão por criar pode rosos imaginários,

62. Cf. Annas 1982, 126.


63. Pl. Apol. 3lcd, cf. Plut. Degen. Socr. 10 p. 580C, 16 p. 585F.
61. PI. Phaed. 1 14c. 64 . Annas 1982, 127ss.

272 273
alma. Penso que estas duas características, ênfase sobre cendeu amplamente um esquema mais simples e elabo-
a transmigração e mínima relevância do julgamento, rou um quadro muito mais espetacular; também podem
obedecem ao propósito com o que a escatologia aparece proceder de fontes órficas personagens como Adrasrea
no diálogo: justificar a esperança de Sócrates diante da (cf. § 6.6). Em segundo lugar, a relação expressa entre a
morte. O julgamento aparece esfumado porque se con- transmigração e os prêmios e castigos. O faro de receber
sidera óbvio que sua vida não pode ser merecedora mais castigo no Além não substitui, e sim que complemen-
que do melhor dos destinos; a certeza de que não vai ser ta, o castigo de reencarnar, o que implica oportunidades
castigado preside todo o diálogo. Ao contrário, a ideia posteriores para as almas réprobas. Em terceiro lugar, a
da transmigração é pertinente para insistir na ideia de aparição de daimones que guiam pelo Além.
que a melhor sorte da alma é escapar do corpo65. E mais, A transposição platônica se deixa ver, além da im-
dá-se o caso de que os discípulos que Ian1entam a prisão ponente construção do imaginário infernal, na su-
e morte de Sócrates não são conscientes do paradoxo de plantação da iniciação e a perspectiva ritualista por
que ele vai ser de imediato livre de verdade, enquanto um conceito moral e pela iniciação filosófica, como
que eles, os aparentes homens livres, seguirão prisionei- condições para ter acesso à beatitude eterna.
ros do corpo e das misérias da vidar,6_ Por isso, penso
que a incorporação clara da ideia da reencarnação ofe-
rece uma mensagem mais otimista que a do GórgúzP, 9.4. ESCATOLOGIA NA REPÚBLICA
já que, inclusive o malvado que será castigado terá mais
adiante uma oportunidade. O panorama é igualmente Piarão nos apresenta dois imaginários escatológi-
persuasivo para os réprobos, mas oferece uma esperança cos na República, se bem que de uma forma muito
disrinra. O primeiro lhe é alheio, já que o atribui a
a longo prazo.
outros, inclusive o critica, e só se refere a ele em um
Quanto há de órfico nesta escatologia? Em primei-
par de alusões: na primeira, atribui a "Museu e seu
ro lugar, a inserção de elementos cosmológicos em um
filho" um cenário de prémios e castigos no Além, os
cenário infernal. Detalhes desta cosmologia são coin-
primeiros em um banquete e em uma embriaguez per-
cidentes com as notícias que temos de poemas órficos
pétua para os justos, e os segundos em levar água em
dedicados ao tema, se bem parece claro que Piarão erans-
uma peneira e jazer em meio ao lodo para os ímpios
e injusros68 • Em uma segunda alusão, se refere a uns
65. Annas 1982, 127. personagens aos que considera desprezíveis, mas que
66. Casadcsi'.1s 2008.
67. Frente a Annas, 1982, 129, que acredita que "the introduction of
reincarnation ... blurs chis message". 68. PI. Resp. 363cd (OF431 I, 4341) [T 36 eT 391.

274 275
baseiam seus ritos libertadores em livros de Museu e no contexto político da República, indica que a esca-
Orfeu. Em nenhuma das duas figuram descrições, mas tologia obedece a propósitos claramente políticos e
que simplesmente se ressalta a diferença de sorte no morais, para apoiar tudo o que na obra se tinha estado
Além entre quem está iniciado por estes personagens discutindo sobre a cidade ideal e os cidadãos perfeitos.
e quem não está69• Poderíamos acrescentar à lista de Platão aprese nta como protagonista do relato Er,
imaginários infernais alheios a referência, quase ao que, após ter morrido em combate, teve o privilégio
princípio da obra, às pessoas que ao chegar a vel hos de que lhe fosse permitido regressar do Além doze dias
começam a temer que sejam verdade alguns mitos que depois para contar o que tinha visto. Dá a impressão
contam sobre o castigo dos injustos no H ades, das que de que o filósofo deseja dar a seu relato aparência de
antes se riam 70 • É claro que Platão não compartilha verdade fazendo que seu personagem emule ao pró-
estas doutrinas, que têm a seu parecer o grave inconve- prio Orfeu cm sua condição de visitan te do Além que
niente que prometem a liberação das culpas mediante volta para descrever o que ali ocorre; m ais ainda, por-
um simples ritual e a pureza religiosa, algo que para que são os próprios deuses os que o comissionaram
um filósofo de profundas convicções morais, como para que o faça. Seu relato se apresenta, pois, de cer-
ele, e que, além disso, está tentando traça r um modelo to modo, como uma espécie de mensagem direta dos
de convivência política resulta do todo intolerável. deuses, destinada a corrigir o falso de Orfeu. Assi m
Em um segundo momento, Platão expõe sua pró- começa o relato de Er:
pria escatologia, no mito de Er7 1• Esta, pelo contrário,
é ap resentada de um modo detido e é, além do mais, a E disse que, qua ndo sa iu dele sua a lma rinha
que coroa a obra e fundamenta o sistema político que partido com oulras m uitas e que tinha su-
se expôs nela. Está claro que a modela sobre elementos bido a um luga r maravilhoso, no q ua l linha
anteriores, em parte, órficos (para os gregos um imagi- duas aberturas da te rra que se comunicava m
encre si e o utras duas acima, no céu , cm fren -
nário totalmente novo teria resultado estranh o e pouco
te às pri meiras. E e m meio a umas e outras
convincente), mas opera neles uma sutil transposição.
escava m sentad os uns ju/zes que, uma vez
Sua razão de ser é (6 14a) que "cada um recolha
emitidos seus vered ictos, orde navam que os
desce discurso o que quiser escutar", frase que, situada justos partissem para a direita e pa ra cima,
através do céu ( ...) e que os injustos o fizes-
sem para a esquerda e para baixo72 •
69. PI. Resp. 3646c (OF573 I) IT 13 e T 44].
70. PI. Resp. 330d (OF 433 111) [T 38].
7 1. PI. Resp. 6 146-62 16. Cf. Richardson 1926; Vernant 1965; Schils
1993; Fago 1994. 72. PI. Resp. 6146 (OF461) [T 47] .

276 277
O lugar em questão é definido como uma "prada- condição mortal, mas que cada uma pode eleger seu
rià' um pouco mais adiante73, quando Er descreve um destino, e o turno de eleger é por sorte. A primeira a
transtorno de almas que vão e vem, se saúdam e falam eleger, escolhe a vida de um tirano, para arrepender-se
em um animado quadro, as que procedem o subsolo, imediatamente depois. Não deixa de ser significativo
quer dizer, do lugar em que foram castigadas, falam de que neste ponto apareça Orfeu no relato de Er, como
coisas terríveis que não se especificam, enquanto que uma espécie de visão, apresentado h umoristicamente
as que procedem do céu contam as visões de indes- como elegendo uma vida de cisne por ódio ás mulhe-
critível formosura que contemplaram. Mesmo assim, res75, em meio a uma galeria de personagens conhe-
precisa Er, as almas pagam pena de suas injustiças e cidos da literatura e a mitologia. É então quando a
ofensas "dez vezes por cada uma e cada vez durante imaginação escatológica alheia volta a aparecer:
cem anos" e, consequentemente, os q ue tinham obra-
do bem, recebiam compensação positiva na mesma Dali, sem poder vol tar, ia a pé ao trono de
proporção. Após referir os castigos especialmente vio- Necessidade (Ananque) e após ter cruzado
lentos que esperam aos tiranos, personificados em AI- ao ouLro lado, qua ndo os demais haviam
dieo, Platão descreve uma visão magnífica do universo cruzado, se dirigiam todos à campa cio Es-
inteiro, em torno do fuso de Necessidade (Ananque), quecimento, e m meio a um terrível calor as-
fix iante, pois o lugar está ermo de árvores e
descrito minuciosamente, e um imagi nário povoado
de quanto produz a terra. E já ao en tard ecer
de figuras tradicionais, como as Sereias e as Moiras
acampavam junco ao rio da Despreocupação
que aparecem em um entorno completamente novo.
(Ameies), cuja água não se pode levar cm va-
Tudo isso tem muito pouca relação com o órfico74. silha algu ma. Pois bem, todos se viam fo rça-
O que é curioso é que Láquesis anuncia às almas dos a beber uma certa quan tidade de água, e
que começará para elas uma nova corrida caduca em os que não e ram protegidos por sua d iscrição
bebiam mais da conta. E o que bebe cm cada
ocasião se esquece de tudo 76.
73. PI. Resp. 614e.
74. Ananque aparece em alg um fragmento órfico (OF 77 [T 3 ld], Uma vez que beberam da água, as almas se deita-
210,250), mas sem relação, que saibamos, com o ciclo das almas. ram para ir à meia noite cada uma à sua nova vida na
Por outra parte, Burkerr 1975, 98 põe em relação o fato de que
quem vai renascer passe sob o trono da deusa com a expressão de
uma lâmina de Turios (IV a. C.): OF 488.7 "me submergi sob o
regaço da rainha subterrânea", que tem também claras conotações 75. PI. Resp. 620a (OF 1077 1) [T 8], cf. § 1.5.
de um rito de renascimento. 76. PI. Resp 620e (OF 462) [T 48].

278 279
te rra, salvo Er, ao que lhe indicam que não beba água e e re darão de beber da bgoa de Mnemosyne.
se encontra "ressuscitado" em seu próprio corpo. Ter- Assim que, uma ve:z que tenhas bebido, tam-
mina o diálogo uma exortação d e Sócrates a praticar a bém tu te irás pela sagrada via
justiça p ara ser a migo dos deuses e ser recompensado pela qual os demais iniciados e bacos ava n-
no Além. çam, gloriosos77•
Para avaliar a possibi lidade d e que Platão tenha se
inspirado em algum modelo órnco, apresento aqui o G uthri e, que põe em realce as semelhanças que se
documento m ais importante para nosso conhecimen- encontram entre o cená rio infernal descrito por Platão
to da escatologia ó rnca n esta época, a lâmina d e ouro e o que nos oferecem as lâminas de o uro órncas, acre-
encontrad a em Hipônio (Vibo Valentia) e da tada por dita que a mbos esquemas religiosos p ode m equipara r-
volta d e 400 a.C.: se78 e assim atribui aos ó rncos a ideia de que uma vez
que mo rre o co rpo as almas vão ao H ades, o nde são
Isto é obra de Mnemosyne. Q uando estiver co nduzidas ante juízes infernais, que determina m sua
cm transe de morrer sorte posterior to mando em consideração sua condu ta
até a bem co nstruída morada de Hades, há à durante sua vida na te rra, de modo q ue as más são cas-
descra uma fo nte tigadas e as boas logram a felicidad e. As almas que d e-
e perto dela, erguido, um albo ci preste. viam reencarnar, tê m que beber águ a do esquecime n to
Ali, a descer, as almas dos mortos se refrescam. para esquecer sua existência a nte ri o r, reingressam e m
A essa fo nte não te achegues de perto nem um corpo mo rtal e nasce m de novo.
um pouco! Parece claro q ue a reconstrução d e G uthrie do per-
Mas mais adiante encontra rás, da lagoa de
curso da alma segundo os órncos é uma mera imitação
Mncmosyne
da descrição platô nica, dando assim é claro que o filóso-
água que flui fresca. E à sua margem há uns
guardiões. fo ático tinha seguido com fidel idade o modelo ó rnco.
Eles te perguntarão, com sagaz discernimento,
por que investigas as trevas do Hades sombrio.
77. OF 474 JT 50a], cf. Bcrnabé-Jiméncz San Cristóbal 2001, 25ss.;
Diz: "Filho de Terra sou e de Céu estrelado;
2008, 9ss., onde se encontram também 011tras lâminas similares,
de sede estou seco e morro. Dai-me, po_is, um pouco posteriores, e um amplo comentário.
cm seguida, 78. G urhrie 1952, 177s., no que segue a l larrison 1903, 599. Ne-
a beber água fresca da lagoa de Mnernosyne". nhum dos dois autores pode conhecer a lâmina de Hipônio, que
E de certo que consul tarão com a rainha se publicou muiro mais carde, mas sim a de Perdia (IV a.C.),
subterrânea, muiro parecida com a a nterior (OF 476), cf. 13ernabé-Jiménez San
Cristóbal 200 1, 27; 2008, 10s.

280 281
Entretanto, tudo parece indicar que o paralelismo Mas, a difere nça m ais radical entre a descrição
entre a descrição platónica e as alusões das lâminas não de Platão e a que encontramos nas lâminas é que o
passa de ser superficial. Coincide em parte a "geogra- fi lósofo nos apresenta um julgamento após o que a
fia": a fonte do esquecimento, os caminhos de um lado alma, totalmente passiva, é julgada, premiada ou con-
e de outro, a lhanura pela qual se passa sede e espe- denada e a levam lá onde lhe corresponde. Sua sor-
cialmente a pradaria, que é mencionada em algumas te está lançada, porque os pecados ou boas ações de
lâminas órficas como sede dos bem aventurados, por sua vida passada serão suas únicas credenciais. A que
exemplo, em uma de Turios e em outra de Feras (Tes- consegue superar o veredicto dos juízes, vai ao lugar
sália), ambas do s. IV a.C.: de privilégio por seus méritos. Ao contrário, àquela
que é condenada a ree ncarnar, lhe dão de beber água
Salve, salve, ao tomar o caminho à direita
do esquecimento. Nas lâm inas, a alma, ainda ativa,
até as sacras pradarias e bosques de Perséfone7'J _
deve superar uma prova no Além e não equivocar-se
Penetra na sacra pradaria, pois o iniciado de caminho. Q uase tudo depende, pois, dela, de que
está Iivre de castigo80• recorde o que deve fazer: por isso, o texto das lâminas
é obra de Mnernosyne81 , porque serve para aj udar ao
Mas as diferenças são muito profundas. Nada nos iniciado a rememorar os ensinos recebidos. Se fizer o
d iz Platão do enganoso cipreste (pelo con trário, afirma que deve, terá êxito. Se se equ ivocar, voltará a reencar-
que ali não cresce árvore algu ma). A disposição dos ca- nar. Enquanto que no texto platónico há urna estadia
minhos é distinta e tem uma função di ve rsa, enquan- superior que valoriza o comportamento moral da alma
to que a pradaria é um mero lugar de passagem, em em sua estad ia terrena, nas lâminas parece bastar uma
vez do lugar de chegada das almas privilegiadas des- declaração ritual por parte do defunto que manifes-
crito pelas lâminas. E estas, por sua parte, não falam te sua condição de iniciado e seu estado de pureza82 •
de juízes; e sim de uns guardiões que esperam que a
alma lhes dê uma senha para deixá-la passar e, em um
81 . Como se indica cm algumas li\minas, como a de Hipônio (OF
momento posterior, da própria Perséfone como quem 474. 1) [T 50al. Sobre Mnemosyne nàs lâminas, cf. Bernabé-
decide se permite ou não o acesso da alma recém che- Jiménez San Crisróbal 200 I, 28-36; 2008, 15-19.
gada ao lugar de bem-aventurança. 82. Somente na lf1mina "grande" de Turios do JV a. C. (OF 492)
aparece o termo "compensação" (àV'mµo t~ií), qnc poderia fa-
zer referência a urna retribuição infernal a determinado compor-
tamento, mas o caráter deste textO em q ue se enunciam termos
79. OF487.5-6 [T 50b]. religiosos sign ificativos, mas sem ilação entre eles, não permite
80. OF 493 [T 50c]. avansar demais nesta direção.

282 283
Além disso, Platão concebe um espaço celeste para o diálogo não seja platônico85 esta parte está inspirada
os premiados, por oposição o dos castigados, que é o nas outras descrições do Além do filósofo ateniense e
mundo subterrâneo, enquanto que a escatologia órfica por isso vale a pena tomá-la aqui. O relato do A xíoco é
situa prêmios e castigos no Hades. posto significativamente em boca de um tal Gobrias,
Está claro, pois, que Platão reelaborou livremente um mago iranio86, que, citando como fonte umas pla-
motivos órficos, ao serviço de seus próprios interes- cas de bronze procedentes do país dos Hiperbóreos,
ses filosóficos e literários, como, po r outra parte, é seu conta que depois da liberação do corpo, a alma vai ao
proced er habitual. E também é evidente que a esca- reino de Plutão. O autor sustenta, pois, o postulado
to logia da República, concebida como superação da da imortalidade da alma e a ideia de que a mo rte re-
órfica, apoiada em parte nela, mas transposta a claros presenta a liberação para ela. Acrescenta mínimas re-
interesses filosóficos, é à distância a mais lograda das ferências "cosmológicas" e "geográficas", já que conta
criadas por Platão e a culminação de suas descrições que a terra ocupa a parte central do universo e está
do Além83• rodeada de uma esfera, cujo hemisféri o superior é sede
dos deuses celestes e o inferio r, a dos infe rn ais e que,
fra nqueadas umas po rtas com ferrolhos de ferro, se
9.5. A ESCATOLOGIA DO A.X/OCO encontram dois dos rios in fernais, o Aqueronte e o
Cocito. Uma vez atravessados, se encontra a "lhanura
No pseudoplatônico Axíoco nos é oferecida uma da verdade" o nde estão Minos e Radamantes. Parece
breve, mas intensa, descri ç.'io do Além 84 • E nquadra-se que o autor do A xíoco utilizou elementos de o utras
nos arg umentos que Sócrates dá a Axíoco, pai de C li- descrições escatológicas, mas reduzindo-os ao mínimo
nias, para q ue não tenha m edo .de morrer. Primero, (dois hem isférios, dois rios, dois juízes).
lhe faz ver os males que se deixam atrás com a morte, Também ali se celebra um julgamento das almas:
argumento que não faz demasiada falha no ancião,
para argumentar logo sobre a sobrevivência da alma e Ali se sentam uns juízes que perguntam a
a felicidade que espera a os bons no Além. Ainda q ue cada um dos que veem que vida vive ram e
com que costumes habitaram em seu corpo.
Me ntir é impossível 87 •
83. Inclusive, o testemunho do Papiro de Bolonha(§ 9.2) parece indi-
c-.1r que Platão, em uma espécie de caminho de volta, exerceu seu
influxo sobre os próprios órficos. 85. Cf. o mui to informativo estado de questão de G6mez Cardó 1992.
84. [PI.] Axioch. 37 1a (OF 434 IX, 7 13 III) [T 55]. Cf C hevalier 86. Sobre o conceito de "mago" no orfismo, cf. ~> 2.4.
1914; Violante 198 1. 87 . [PI.] Axioch. 37 1c [T 55].

284 285
É interessante ressaltar a expressão "habitaram em se relacionam com Heracles e Dioniso que
seu corpo" que concebe o corpo como uma espécie desceram ao Hades, se iniciaram antes ali e
de morada da alma, sem as conotações negativas da que o valor para empreender o caminho até
"tumba'' órfica nem da "prisão" platônica88• Mesmo as- ali se adquiria junto à deusa de Elêusis. Mas
sim vemos que, como em Platão, impera a ideia moral quantos viram sua vida impulsionada por
de que as almas recebem no Além um tratamento de maldades, são levados pelas Erínias ao Érebo
acordo com o comportamento neste mundo. A ideia e ao Caos através do Tártaro, onde estão a
do daimon inspirador, uma espécie d e consciência, morada dos ímpios, as tinas sem fundo das
está também aqui presente, como veremos. Frente a Danaides, Tântalo atormentado pela sede,
as entranhas de Ticio devoradas e renascidas
sua moderação na descrição da cosmologia in fernal, o
uma e outra vez, a pedra sem fim de Sísifo,
autor se estende na dos dois lugares aos que as almas
cujo esforço começa d~ novo sem descanso.
podem ch egar, um paradisíaco e o utro espantoso: Ali, lambidos por Feras selvagens, constante-
mente queimados pelas cochas das Fürias e
Pois bem, a quantos em vida inspirou um maltratados por suplícios de toda classe, se
bom daimon, vai habitar a região dos pie- co nsomem em eternas condenações89.
dosos, onde cereais abundantes prod uzem
colheita de toda classe de frutos, correm ma-
Em co ntraste co m as escatologias platô nicas, nas
nanciais de águas puras e pradarias de toda
que apenas se descreve o lugar de bem-aventurança, o
classe estão em uma primavera continua co m
flores variadas e há conversas de filósofos, autor do Axíoco se detém em apresentar com porme-
espetáculos de poetas, coros que dançam, nor o imaginário positivo, um locus arnoenus no que
música que se ouve, banquetes bem providos aos tópicos dos prados, a companhia dos piedosos,
e festins que se servem por si mesmos, não a primavera contin ua, encont ramos a quinta essên-
existe a pena e a existência é doce. Pois não cia das manifestações culturais amadas pelos gregos,
h.í inverno duro nem chega o calor do verão, poesia, música e filosofia. Ao contrário, o imaginário
e sim que um ar suave corre unido aos deli- negativo se baseia nas imagens tópicas dos castigados:
cados raios do sol. Al i os iniciados ocupam o as Danaides, Tântalo, Ticio e Sísifo, às que o autor
lugar preferente e ali celebram juntos as ceri- acrescenta as tochas das Fúrias. Ainda que se mencio-
mônias sagradas (...) e é tradição que os que ne Elêusis, o imaginário é melhor sul-itálico. E o m es-

88. Cf. § 7.
89. [PI.] Axioch. 37lc-372a (OF434 LX, 7 13111) lT 55].

286 287
mo que povoa as representações do Além na cerâmica de seus Epinicios, às delícias do lugar paradisíaco. Em
apulia do século IV a.C. 90 e que tem antecedentes nas contraste com este, nos apresenta um quadro horren-
descrições de Píndaro9 1• do do lugar dos condenados:
Assim nos descreve o poeta beócio o locus amoenus
dos bem-aventurados no Além: Dali, vomitam uma escuridão sem limites
inertes rios da noite tenebrosa93 •
Para eles resplandece a pujança do sol
durante a noite daqui de baixo, Em outra passagem, nos brinda um breve esboço
e em bosques de rosas de púrpura da sorte feliz de uns determinados indivíduos no Além.
e nos ento rnos de sua cidade
(... ) de umbrosos bosques de incensos Pois eles, livres de enfermidade e de velhice
e estão cheios de árvores de frutos de ouro. e desconhecedores das fatigas, escaparam
Uns desfrutam de exercícios hípicos, do curso do Aqueronte de graves sons9'.
outros, a pé,
Outros se deleitam com a lira, e entre eles
As duas primeiras passagens pindáricas citadas se
Aoresce exubera nte toda classe de venturas
encontram em trenos, no âmbito da consolatio à fa-
e uma fragrância del iciosa pelo lugar se ex-
pande mília dos defuntos, de modo que não sabemos se o
pois sem cessar mesclam com o fogo que de motivo da aparição destas ideias, que contrastam com
longe se avista aromas as que mostram o poeta em outras composições, mais
de toda classe sobre as aras dos deuses92 . próximas à religião o límpica, se deve ao gênero literá-
rio ao que pertence o fragmento ou, o que parece mais
Píndaro, como era de esperar, acrescenta a práti- verossímil, a que formam parte de crenças relig iosas do
ca de exercícios atléticas, característica dos clientes comitente da ode, ao que o poeta pretenderia agradar.
Confirmaria esta segunda explicação a presença destas
mesmas ideias em um epinício, provavelmente porque
Terón de Acragante, o tirano que encom enda a ode,
90. Cf. Pensa 1977; Aellcn 1994; Bcrnabé-Jiménez San Cristóbal
2008, 195-203. devia simpatizar com as ideias deste :imbico religioso:
9 1. Sobre a religião de Píndaro cm geral, cf. Suárez de la Torre l993;
sobre a relação com o orlismo, Lloyd-Jones 1985; Cannatà Fera
1990, 164ss.; Santamaría Álvare-L 2004; 2008. Cf. mesmo assim
Wili 1944, 85s.; Z,1111:z 197 1, 83ss.; Bernabé 1999a. 93. Pind. fr. 130 Maehl. = 586 Cannatà Fera (OF 440) [T 556].
92. Pind. fr. 129 Maehl. = 58 Cannatà Fera (OF 439) [T 55a]. 94. Pind. fr. 143 Maehl. (OF 446) [T 55c].

288 289
E se alguém q ue a possui, co nhece, além dis- cançar o lugar d e bem-ave nturança. C hevalier (1914)
so, o porvir, comparou a este respe ito um fragmento d e P lutarco
ou seja, que' as almas violentas dos mo rtos em que se identificam as 'Cc À E'HXL com a m orte, ba-
aqui na Lcrra seando-se em uma etimologia que relaciona 'CEÀE'C1Í
pagam cm seguida seu casLigo... Ao contrário com 'CEÀc u'Ctj "morte". Nele encontra mos também al-
sobre os pecados cometidos guns interessantes paralelos com o panorama no Axíoco:
neste reino de Zeus alguém di ta sentença sob
terra, Neste mundo [a alma] não cem conhecimen-
emitindo sua fal ha com inclutável hostilidade. to, salvo quando chega ao transe da morte.
Iguais sempre suas noites, Então sofre uma experiência como a de
iguais seus dias sob a luz do sol, quem participa nas grandes iniciações. Por
ganham os bons uma existência livre já de fatigas isso se parecem tanto uma palavra à outra
sem ter que perturbar a terra com o vigor de ('t€À€U'tâv "mo rrer" e 't€À €i a 8at "in i-
suas mãos ciar-se') como uma ação à outra. Primeiro,
nem a água do ma r, em busca de seu magro o vagar sem rumo, as fatigames voltas e os
sustento, percu rsos na escuridão com a suspeita de
mas que, cm companhia dos fuvoriros dos deuses, que não vão acabar nunca e logo, antes de
aqueles que se apreciam de cumprir seus ju- chegar ao próprio término, todos os terrores,
ramentos estremecimentos, tremores, suor e confusão.
vivem uma existência sem lágri mas, Mas daí, lhe sa i ao encontro uma luz ad m i-
enquanto que os demais sofrem padecimen- rável, e lhe acolhem lugares pu ros e prada-
tos insuportáveis de ver95• rias, cheios de sons, danças e a solenidade
de palavras sacras e visões santas. Uma vez
que se sacio u disso e foi iniciado, fica livre
Alé m do lugar p a rad isíaco, e ncontramos també m
e parte liberto; coroado, celebra os mistérios
aqui a refe rên cia ao julgamen to das alm as e uma alu- e cm companhia de home ns sa ntos e puros,
são fu gaz aos castigos. vê dali a turva não iniciada e impura dos
Por último, voltando à descrição do Axíoco, pa- seres viventes, em meio ao lodo e às trevas,
rece q ue os inic iados seguem praticand o no A lém as pisotcando-sc e empurrando-se uns a outros,
cerimô nias misteriosas que lhes tinham permit ido al- persistindo no medo da morte em união dos
malvados, pela falta de fé nos bens dali.96

95. Pind. Ol. 2.56 (OF 44 5) JT 55d], a continuação da passagem, 0/.


2. 68-72, está cm [T 3 1b]. 96. Plu. fr. 178 Sandbach (OF 594) [T 55e]. Sobre esta passagem cf.

290 29 1
No Axíoco, o lugar de castigo é o Tártaro, mas o irei desglosando os diferentes elementos que as com-
dos prémios não se caracteriza por uma "geografia" põem. Para não fazer reiterativas as ci.tações, chama-
especial, e sim por quem o habita, a "região dos pie- rei Gorg. l à escatologia apresentada em Gorg. 492e-
dosos". Nisso coincide com a forma caractedsrica de 493c; Gorg.2 à descrita em Gorg. 523a-527a; Fed. l
expressão das lâminas órficas, que falam de um cami- às alusões órficas ao destino das almas no Além em
nho "pelo que os demais mistas e bacos avançam glo- Phaed. 69c e 70c; Fed.2 à visão do Além detalhada
riosos" (OF 474.15- 16 [T 50a]), de um lugar onde em Phaed. 107c ss.; Rep.l à aludida em Resp. 363c;
a alma "reinará com os demais heróis" (OF 476. I I), Rep.2 à oferecida em Resp. 6 I 4a ss. e Ax. à referida
um espaço sob terra "cu mpridos os mesmos ritos que em Axioch. 3 71 a, bem entendido que Gorg. l , Fed. l e
os demais felizes" (quer dizer, ao lugar no qual estão Rep. l não são propostas platônicas, e sim reflexos das
as almas bem aventuradas por ter celebrado as teletai, que consideramos órficas.
OF 485.7 [T 366)), "o tíaso de mistas" (OF 493a), o Todas elas têm de comum que se baseiam na cren-
"tíaso da direita" (OF 487.2) 97, a "morada dos límpi- ça na imortalidade da alma, bem ente ndido que esta
dos" (OF 489.7 [T 53a]) ou a "sacra pradaria", onde conserva no AJém sua capacidade de perceber e en-
o mista está livre de castigo ( OF 493), sempre lugares tender. A presença em alguns casos de castigos físicos
definidos pela companhia dos demais iniciados e por (umedecer no barro, levar uma peneira" ser queimadas
sua felicidade, não por tratar-se de um espaço geográ- por tochas), as conversas entre almas, o desfrute de
fico definido. pradarias, rios ou comidas, torna evidente que resu lta
muito difícil que a alma seja imaginada como incor-
pórea; pelo contrário, continua tendo a aparência do
9.6. RECAPITULAÇÃO E COM PARAÇÕES corpo que a tinha levado ou, ao menos, uma aparência
corporal. Nisso coincide Platão com as fontes órficas
É o momento de recapitu lar e comparar breve- e é, além disso, uma constante ao longo da história,
mente· umas visões do Além platônicas com outras e desde a imaginação medieval a filmes como Ghost. Ao
com o que sabemos do imaginário órfico, para o qual ser humano fica difícil imaginar outra coisa.
A ideia da reencarnação está p resente em Fed. I,
Fed.2 e Rep.2; parece claro que está ausente de Ax. e
13urkerr J 975, 96; Díez de Velasco 1997; Ricdweg 1998, 367 n.
33; Bcrnabé 2001 , 10ss; 2002d, 326.
não se expressa nas demais, mas em Gorg. l e Rep. l
97. li-ata-se de uma nova leitura de MarcoAnronio Santamaría, reco- se supõe, na medida em que refletem posições órfi-
lhida, igual a OF 493a, nos addenda et corrigenda de OF JI 3 e em cas. Tão pouco é incompatível com Corg.2. Expli-
Bernabé-Jiméncz San C ristóbal 2008, 95-98 e 151 - 160.
quei esta circunstância como uma questão de ênfase

292 293
sobre um aspecto ou outro, segundo os propósitos de uma ideia que encontrávamos em H esíodo e, desen-
cada diálogo. volvida, em Píndaro (Of. 2.70-82). Rep.2 fala do "céu"
Atribui-se a autoria da história, no caso das versões e de "baixo". A segunda referência pode identificar-se
órficas, a "um dos ~áb ios" em Gorg.l; "aos que insti- com o H ades ou o Tártaro, mas a primeira configura
tuíram as iniciações" e a "um antigo relato" em Fed. l uma escatologia celeste, alheia do todo ao órfico. Ax.
e a "Museu e seu filho" em Rep.1 . Platão evita men- menciona o Tártaro como lugar de castigo, enquanto
cionar o nome de O rfeu, mas a sombra deste planeja que o lugar grato se caracteriza, como nas fontes órfi-
sobre suas próprias versões; sobre a fo nte inominada cas, pelas pessoas que se encontram nele (a região dos
de Fed. 2 (a expressão "se contà' se remete a uma tra- piedosos) e não pelo lugar mesmo.
dição anterior e estendida) e sobre Gorg.2, que co- H á variações na geografia infernal, que não é des-
meça por Ho mero para logo seguir por um relato de crita em absoluto nas versões que procedem direta-
origem indetermi nada, mas co nhecida de forma oral mente de fo ntes órficas (Gorg.l , Fed.1 e Rep.l) e o é
(à.1e17Kowç em 524a). l à mbém o prestígio de O rfeu com maior ou menor po rmenor nas demais, desde a
se manifesta na referência da Apologia, onde os juízes simples encruzilhada e a pradarias onde se situam os
infernais e os poetas O rfeu e Museu se mencionam juízes do Gorg.2, que mantêm uma imaginação basi-
jun tos. E inclusive Er aparece como um competidor camente órfica, à estilizada de Ax., com dois rios infer-
de Orfeu, que figura em seu relato como um povoador nais e as duas esferas, celeste e infernal, até as mais ela-
do Além. Ao contrário, o autor de Ax. escolhe outra boradas de Fed .2, com bifurcações e os rios infernais,
fo nte "exóticà', Gobrias o mago. ou a complicada de Rep.2, com o fuso de Necessidade;
Platão coincide com a escatologia órfica em que ainda que as escatologias mais elaboradas tenham al-
nesse Além as almas podem ir a um lugar grato ou a guns elem entos p rocedentes da cenografia órfica, estes
um lugar desagradável, frente à tradição homérica e se d iluem nas grandiosas criações platônicas.
generalizada na Grécia antiga, de um Além sombrio e O julgamen to n ão está presente nem em Gorg. l ,
igual para todos os defuntos. No enta nto, varia muito nem em Fed. l nem em Rep.1, o que apoia a opinião
a localização dos lugares aos que vão as almas boas e que apresentei aqui d e que é alheio às fontes órfi cas
as más. Em Gorg.1, Fed . l e Rep.1 ambas fi cam no mais antigas. Com efeito, nas lâminas ó rficas de ouro
H ades. Esta seria a ideia expressada nos textos órficos, o fu ndamental é recordar umas senhas, tais como "sou
que falavam de espaços do H ades não determi nados, filho de Terra e de Céu estrelado" ( OF 4 7 4. 1O [T 50a]
caracterizados como bons ou ruins pelo tipo de almas etc), "venho dentre puros, purà' ( OF 488.1 etc.) ou
que os habitavam. Gorg.2 d istingue as Ilhas dos Bem "o mista está livre de castigo" (OF 488). A primei-
aventurados e o Tártaro, ao término d a adaptação de ra é uma indicação de q ue o recém chegado conhece

294 295
um relato sobre a origem do homem que o caracteriza lâmina de Pclina (OF 485.6 [T 366]), enquanto que
corno iniciado, a segunda se refere a sua pureza ritu- em Fed. l afirma que o iniciado e purificado habitará
al, lograda nas teletai, enquanto que a terceira al ude a com os deuses. A diferença entre considerar aos bem
seu direito a desfrutar de urna situação de privilégio, a aventurados órficos como um grupo de embriagados
de substrair-se ao castigo, simplesmente por ser mista, ou como habitantes entre os deuses parece ser corre-
por estar iniciado. lativa com o centro de interesse do filósofo em cada
Ao contrário, a ideia do julgamento parece a Platão caso. No Fed. l apresenta uma "escatologia positiva'' e,
um elemento essencial em suas apresentações do Além. dado que vai a concluir que os inicia.dos são os verda-
Neste aspecto, suas fontes não são órficas. Minos apa- deiros filósofos, entre os que conta o próprio Sócrates,
rece em Homero para ajustar litígios (Od. 11.568), pode aceitar sem dificuldade a ideia órfica de que ha-
enquanto que a ideia do julgame nto de almas se en- bitarão com os deuses, enquanto que em Rep.1 tenta
contra em Píndaro ( 0/. 2.59-60 [T 55d]). Variam nas desacredi tar a quem propõe que é possível libertar-se
ve rsões platônicas o número e a identidade dos juí- de castigos por meios exclusivamente rituais, na me-
zes: quatro mencionados por seu nome na Apologia98 , dida em que um esquema tão "cômodo" não contri-
três em Gorg.2, dois em Ax. e juízes inomi nados em bui para criar bons cidadãos. Em consequência é mais
Rep.2; o julgamento fi ca muito esfumado em Fed.2. adequado apresentar para estes um ridículo destino de
A menção isolada em um contexto órfico de um julga- bêbados perpétuos.
mento, no Papiro de Bolonha se deve, provavelmente, Quanto às escatologias elabora.dais por Platão, em
a um inAuxo platônico sobre a tradição órfica tardia. Gorg.2 fala de uma felicidade livre de males e em
Platão é parco até a insipidez na definição dos prê- Rep.2 de que "receberão o que merecem", sendo Fed.2
mios. Com respeito às escatologias órficas, em Gorg. l a visão mais nova, a das almas dos filósofos que vive-
não os menciona (seu propósito fundam ental é assus- rão "livres de seus corpos", que escapa às limitações de
tar a Cálicles com os castigos), e em Rep. l ironiza do uma imaginação que tende a conceber as almas como
imaginário órfico dos bêbados no banquete perpétuo, outra classe de corpos. Ax. acrescenta ao locus amoe-
não muito distante do "tens vinho, honra d itosa'' da nus um panorama de divertimentos i:ultos e elevados,
com dança, música e discussões filosóficas, que têm
mais a ver com o apresentado por Píndaro que com o
98. PI. Apo/. 4 la (OF 1076 1) [T 5]. ainda que o número se amplie dos órficos.Para os castigos, Gorg. l e Rep. l acolhem o
com os "outros semideuses, quantos foram justas cm vida'.' e, além
disso, é duvidoso se estes juízes decidem se a alma vai ser premiada
motivo órfico de levar água em uma peneira e Fed. l e
ou castigad a ou simplesmente têm a fun ção ho mérica de resolver Rep. l o de jazer no lodo. Está claro que na crença órfi-
litígios dos mortos, cf. 11. 15 . ca a condenação das almas não se limita à transmigra-

296 297
ção, mas que também, ao término de cada vida, a alma vaga ideia da Justiça 101 • Por isso em Gorg.l e Fed.l a
pode receber no Além uma série de punições99 • Tam- condição para alcançar o bom lugar no Além é a de
bém Platão se refere a castigos em suas visões do Além: estar iniciado. Platão, uma vez mais, "transpõe" estes
Gorg.2 define o lugar como uma espécie de cárcere condicionamentos de caráter ritual a outros de caráter
em que as almas são atormen tadas, Fed .2 insiste mais moral, e por isso em Fed. 1 considera que o iniciado é.
no andar errante e apenado da alma que não acaba de o filósofo; em Rep. l, apesar de que se refere aos órfi-
chegar ao lugar da felicidade, e Rep.2 menciona uns cos, fala dos "bons", frente aos "ímpios e injustos"; no
"padecimentos" que não especifica. A descrição mais Mênon 8 l b [T 25] proclama a necessidade de "passar
vívida é a do Ax., onde não se evitam, entretanto, os a vida da maneira mais santa possível", como corolário
tópicos dos grandes castigados da mi tologia, aos que imprescindível da teoria da metempsicose, e em suas
se acrescentam as Fúrias com tochas e as feras. apresentações da escatologia infernal, sempre se refere
Como elementos discordantes com o esquema á bondade e a justiça como requisitos para que as al-
principal encontramos em Fed.2 e em Ax. daimones mas alcancem os lugares de preferência.
que inspiram ou guiam às almas, uma ideia que parece Por último, encontramos diferenças entre Platão e
coincidir com o postu lado pelo comentado r de Der- os ó rficos com respeito às moti vações pelas que um e
veni, e Fed.2 e Rep.2 falam de lugares de reunião das outros pretendem ter acesso ao conhecimento sobre o
almas onde estas conversam. desti no da alma. A motivação órfica é t.'111ica: a salva-
Por outra parte, vale a pena uma palavra sobre a ção, então o conhecimento dos possíveis destinos da
condição para alcançar o lugar bom ou ruim. Para alma é só a via para informar-se dos procedimentos
os órficos a via para lograr o melhor destino se ba- necessários para lograr este fim. D ai que o ace nto não
seia em um modo de vidaHX> que obedece a tabus ali- se ponha neste conhecimento, mas em senhas, em ri-
mentícios - como a dieta vegetariana- ou do vestido tos, em tabus, em experiências. Ao contrário, para Pia-
- como a proibição de usar vestidos de lã- , que está rão, as motivações pelas quais trata do desti no da alma
sujeito a obrigações de caráter ri tual, como a celebra- sã diversas. O caráter de "relatos ad hoc" dos mitos p la-
ção das teletai, e cuja conduta se baseia só em uma tónicos permite que sua escatologia mítica possa variar
de acordo com os propósitos conm que os mitos são
contados em cada caso: em Fed .2 é an tes de tudo uma
consolatio aos discípulos, na que se propõe a causa pela
99. C f. Procl. in PI. Remp. 11 173.12 Kroll (OF 346) fT 3 lcj, quem
fo la de "lugares subterrâneos e prisões dali".
100. AI que PI. Leg. 782c (OF625) [T 11) llama 'OQ<pll<Ot Ç~loL, cf.
§ 2.3. 1O1. Da qual falaremos em § 1O.

298 299
qual as almas, segundo seu grau de perfeição, acabam 10
vivendo encerradas em um corpo mortal; em Rep.2 o
mito tem um uso político com o objeto prioritário de JUSTIÇA E RETRIBUIÇÃO
form ar bons cidadãos e combater posições que pre-
conizam que as almas podem desfrutar de privilégios
no Além através de meios exclusivamente rituais, com
independência de seu comportamento; em Go rg.2
Platão usa o mito para denunciar os riscos da sofísti-
ca cont ra a mo ral social e no M ênon o relato órfico é
um apoio para a teoria da reminiscência. Com tudo, e
também diferente dos órficos, Platão converte crenças
religiosas em construções filosóficas de maior calado.
Apesar dos quad ros escatológicos que apresenta obe-
decerem a in teresses distintos em cada obra, não cabe 10.1. PREPARAÇÃO
dúvida de que convergem e, ainda que não configu-
rem um sistema coerente, sim apresenta m numerosos
pontos de contato e se enquad ram no sistema geral de N o capítulo anterior insisti que as condições para
lograr um melhor lugar no A lém são, para os
órficos, sobretudo rituais e não morais 1• No en tan-
pensamento do filósofo.
to, devo reforçar um tanto essa afirmação colocando
em destaque a ideia de que há um conceito que tem
um papel importante no o rfismo, o de justiça, como
condição necessária para a salvação, às vezes associa-
do a outros como o de "retribuição". Inclusive a Jus-
tiça aparece com frequência personificada nos textos,
como uma divindade.
Encontramos marcas profundas destas ideias em
Platão, que, por sua parte, interveio, como sempre,
neste esquema inicial para transcendê-lo e adap tá-lo

1. § 9.6

300
a suas próprias doutrinas. Nos apartados que seguem todo, e a muitos lhes parece que é alguém,
confron ta remos algumas passagens platônicas com os mas ao cabo de não mu ito tempo e após ter
testemun hos órficos para tratar de valorizar o alcance pago à Justiça um castigo não desdenhável,
do influxo dos seguidores de Orfeu em Platão e o tra- p rovoca sua absoluta ruína, a de sua casa e a
de sua cidadc3.
çado da transposição platôn ica no que se refere ao pa-
pel da j ustiça no destino dos seres humanos no Além.
A personificação da Justiça (~LKf]) não é nova. Já
Hesíodo nos fala dela como uma filha de Zeus, que
se senta a seu lado e se queixa quando é maltratada,
10.2. UMA PASSAGEM DAS LEIS
para que seu pai castigue ao pecador\ A ideia é desen-
volvida pelos trágicos), aparece tam bém na filosofia,
D epois de ter apresentado uma imagem de Zeus
da mão de autores como Anaximandro e H eráclito6 e
"como d iz o antigo relato", quer d izer, como aparece
acaba por transformar-se em um tóp ico7•
nos textos órficos, segundo a qual o deus é princípio,
Mes mo assim, Burkert advertiu que a menção pla-
fi m e centro de todos os seres2, Platão se refere tam-
tônica da Justiça vi ngado ra das infrações da lei divina,
bém a sua acompanhante, a Justiça person ificada:
parecia ser a paráfrase de um verso órfico transmitido
Não deixa de segui-lo Jusriça, vingadora das por Proclo como das Raps6diaí3:
in frações da lei d ivina. O que está d ispos-
to a alca nça r a fel icidade, a segue de perto, O segu iu de perto Justiça de múlti plos cas-
h umilde e ordenadamente. Mas o que, en- tigos (nOÀÚTIOLVOÇ), de todos protetora 9.
soberbecido pelo orgulho ou exaltado por
suas riquezas, honras ou incl usive a beleza de
_seu corpo un id a à j uventude e a insensatez,
3. PI. leg. 715e (OF3 1 III, 32 I) IT 24]. Cf. Casadesús 2002b.
inAama sua alma com desmesura, na ideia
4. Hes. Op. 256ss.
ele que não necessita chefe nem guia algum, 5. C f. p. e. a Justiça que anota em uma placa as maldades dos ho-
mas que inclusive no dema is acred ita que mens, personagens de uma obra esquilea (Acsch. fr. 28 1 Radc.),
se basca, fica abandonad o, deserto ele deus, assim como uma passagem de Soph. Oed. Col. 138 Is.
e po r ca usa este abandono e cm com panh ia 6. Anaximand. B 1 0.-K., Heraclic. frr. 45, 80, 52 Marcovich (= B
de o utros semel hantes sal ta alvoroçan do-o 23, 28, 94 D.-K.).
7. Cf., por exemplo, Philo de loupho 48, Plu. A/ex. 52, Arrian. Anab.
4.9.7, Aclian. fr. 25, Liban. Decl. 49.2.11.
8. Burkert 1969, 11 n. 25. Sobre as Raps6dirts, cf. cap. 4 n. 49.
2. A que me referi no § 11. 9. OF233 IT 24c).

302 303
Com efeito, dá a im pressão de que Platão traduziu a do filósofo de Eleia. O paralelo literal provocou que já
prosa e a termos mais evidentes os poéticos do verso 10. Kern e Rathmann sustentaram que Parmênides tinha
Poderia argumentar-se que o verso aparece em um poe- se inspirado em um poema atribuído a O rfeu 13 •
ma muito posterior a Piarão e que isso não garante sua Por outra parte, apoiam a origem órfica da alusão
presença na poesia órfica que o fi lósofo pode ler. Mas platônica, ademais do faro de que a referência a Zeus
há um interessante argumento adicional: Parmênides se q ue a antecede está claramente baseada em um texto
apresenta para nós no proêmio de seu poema viajando ó rfi co, outros testemunhos adicionais. Em primeiro
em um carro. Deixada para trás a morada da Noite e lugar, um texto do Pseudo-Demóstenes em que volta-
escoltado pelas Filhas do Sol, chega ante as portas das mos a encontrar uma imagem muito similar de Justiça
sendas da Noite e o Dia, que estão no éter e cujo vão e atribuída a Orfeu:
está coberto com grandes portões: uma descrição que
se adviria bastante bem com a entrada a um espaço ul- 1É necessário que cada um emita seu vere-
cramundano11. E na sequência da menção das portas dicro] tendo o máximo apreço por Eunomfa,
aparece o seguin te verso no qual a deusa é qualificada amante das ações justas, que conserva todas
exatamente com o mesmo epíteto que no poema órfico: as c idades e países; e que, com a convicção
de que o está olhando a inexodvcl e ve11eran-
As co rrespondentes chaves as cem Justiça de da Justiça, d e quem Orfeu, que nos instituiu
múltiplos castigos (noAÚnOLvoç) 12 , as mais sagradas teletai, afirma que, senrada
junto ao trono de Zeus, inspeciona quanro os
A coincidência não seria significativa de não ser homens fazem, cada um vote guardando-se e
porque em roda a literatura grega só encontramos o assegurando-se de que não a envergonha'~.
adjetivo TIOÀÚTIOLVOÇ nestes dois textos, o órfico e o

13. Kern 1920, 40 11. 2; Rathmann 1933, 64, 80 11. 14, cf. também
10. O auvénnm platônico é o equivalente, no presente, do órfi- Lobcck 1839, 396; Schustcr 1869, 27; Kern 18886; Brisson
co ecpéanc'to, no ácico da época. E o raríssi1110 adjetivo poéti- 1987, 64; 1990, 2889. Isso significaria que o verso das Rapsódias
co 7TOÀÚ7Wtvoç foi traduzido pelo filósofo por u111a per/frase se teria inspi rado, como cm tantas Oltlras ocasiões, cm outro de
mais compreensível -rc~v ànoAemoµévwv -roü Oüou vóµou um poema órfico anterior; neste caso, anterior a Parmênides. Os
nµc.>QÓÇ "vingadora das infrações da lei divina". comcncaclorcs de Parmênidcs se mostram reacionários a aceitar
l 1. Não é questão ele discutir aqui se se trata de u111 espaço subterrâ- influxos órficos no filósofo, cf. Tarán ad loc.; W cst 1983, 109,
neo ou celeste ou um lugar impreciso, com elementos dos dois, mas, ademais do impressionante material de 13urkerr 1969, cf.
questão sobre a qual cf. o estado da questão de Pérez de Tudcla em Bernabé 2004a, 54-57 e Pérez de Tudda en l.lcrnabé-Pércz de
Bcrnabé-Pérez ele Tudcla-Cordcro 2007, 1OOss. Tudcla-Cordero 2007, 118.
12. Par111.13 J.1 4 D.- K. [T24cl]. 14 . Ps.-Dcmosth. 25.11 (OF 33) [T 24ej.

304 305
O feito de que o litigante (é indiferente se era ó r- Vem, pois, deusa, justa para as nobres intenções,
fico ou não ele mesmo) considere útil esgrimir a ima- até o momento em que chegue o dia de mi-
gem órfica da Justiça para influenciar na decisão dos nha vida que me está destinado 15•
jurados, que eram atenienses do povoado plano, nos
indica que este motivo da teogonia órfica era muito O final associa, uma vez mais, à justiça com a fron-
conhecido na Atenas da época, já que quem falava de- teira entre a vida e a morte, o que quer dizer, com a
via estar convencido de que entre seus juízes havia um sorte da alma no Além.
número significativo de pessoas que compartilhavam
crenças órficas.
E m segundo lugar, pod emos citar um dos Ifinos 10.3 . P UREZA E J USTI ÇA
ó,ftcos, que está precisamente dedicado à Justiça per-
so nificada e que mostra uma vez mais os mes mos tó- Em uma passagem da República Plat,fo atribui
picos: a "Museu e seu filho" a promessa no Hades de um
banquete sempite rno para os justos 16• A estes seres
Canto ao olho de Justiça onividente, de for- que serão premiados, opõe o utros, aos que denomina
mosa figura, "ímpios e injustos" 17, que serão condenados a lodo e
que se senta junro ao trono sacro do sobe- a levar água em uma peneira. Pluta rco apostila que o
rano Zeus, filósofo se refere "aos seguido res de O rfeu". 1~
enquanto contempla do céu a vida dos mor- Poderíamos pensar que Platão substituiu os "ini-
tais de múltiplas estirpes,
ciados e não iniciados" que apareceriam no texto ó r-
castiga, justa, deixando cair seu peso sobre
fico, por "justos e injustos". No entanto, temos outro
os injustos,
interessante testem unho sobre a importância da justi-
e da sua equidade, compara com a verdade
o d_issimile. ça nos textos atrib uídos a Orfeu, pelo que neste caso a
Pois llldo quan to, por más decisões, aos transposição platônica não teri a sido tão radical, mas
mortais lhes vai que no próprio texto ó rfico se faria referência à justiça
de for ma incerta, a quem queira mais com
propósitos injustos,
tu sozinha, impondo castigo aos injustos, os 15. Hymn. Orph. 62 [T 24fl .
reconduzes, 16. -roiç b tKatOLÇ: Resp. 363c (OF 43 1 I) [T 36].
hostil com os injustos, mas propícia segues 17. -rouç bi: àvov[ouç mi Kat àbíKovç : Resp. 363d (OF 434 1)
aos justos. [T 39].
18. Plu. Comp. Cim. Luc. 1.2 (OF 43 1 li) [T 36a].

306 307
ou injustiça como elementos que devem ser tomados Um m1111mo princ1p10 de implicação nos leva a
em consideração à hora de receber prêmios ou castigos concluir que os puros não obraram contra a justiça
no Além. e que os que obraram contra a injustiça são impuros.
Trata-se de um fragmento das Rapsódias no qual Assim, pois, para os órficos, a justiça é um dos com-
se fala de diferentes destinos para os seres humanos ponentes da pureza. Mas não esqueçamos que esta
após a morte (isto é, para suas almas): os que foram pureza está sempre nos órficos ligada à prática cultu-
puros (Eúaytwcnv), um conceito ritual que apare- al 21. Platão assume sem dificuldade o princípio de que
ce nas lâminas órficas19, são premiados na pradaria do
a justiça seja um componente da pureza e da relação
Aqueronte, enquanto que quem obrou contra a justiça
entre justiça e remuneração no Além, mas não está
(o'L õ ' IXÔ LKa ('.>t~avrcEç), um co ncito legal e sagrado,
disposto a aceitar que nessa relação intervenha para
são cast igados no Tártaro:
nada o rito.
Mas ainda encontramos mais dementos interes-
Quem foi puro sob os raios do sol,
uma vr:z que faleceu, alcança um destino sa11tes para nossa indagação na passagem das Leis ci-
mais grato tada no parágrafo anterior e em seu desenvolvimento
no formoso prado, junto ao Aqueronte de posterior, já q ue Platão elabora nele ideias órficas e
profunda corrente. as elabora, para incorporá-las a sue próprio sistema.
(... ) Casadesús analiso u de forma m uito convincente a
Os que obraram contra a justiça sob os raios estratégia do filósofo nesta passagem 22 . Segundo ele,
do sol, Platão estabelece primeiro três níve is éticos "laicos",
réprobos, são rebaixados junto ao raso do no primeiro dos quais opõe o humilde e ponderado
Cociro, ao q ue inAama sua alma com arrogâ ncia; em um se-
ao gélido Tá rcaro20. gundo nível, identifica o humilde com o prudente e
amigo do deus, e no terceiro, com o bom, enquanto
que o arrogante é eq uiparado com o malvado. Logo
19. Assim, em uma de Turios: OF 489-490.7 IT 53a]: ÍiÕQClÇ f.Ç
i:uayÉwv, "à sede cios puros"; ou cm uma de Anfípolis: OF continua a contraposição dos dois tipos definidos nas
49611: ~uay~ç lt:Qà t..1ovúaou Ba1q(ou ... clµ(, "sou pura, anteriores, em outras d uas, procedentes já da rel igio-
consagrada a Dion iso". sidade órfica; uma, em que identifica ao malvado com
20. OF 340 [T 36cj. Cf. mesmo assim a expressão muito similar ele
Pind. 0/. 2.68-72 (OF 445) [T 31 bJ: "E quantos tiveram o valor
ele manrer pela terceira vC't / cm um e outro mundo sua alma ab-
solutamente apartada do injusto,/ percorrem o caminho de Zeus 21. JiménC'L San C risróbal 2005, 351.
até o baluarte ele Cronos". 22. Casadesüs 20026.

308 309
o impuro e ao bom com o puro de alma23 , e outra, em por causa da culpa herdada de seus antepassados, os
que equipara os impuros com os ímpios e os puros T irãs 25 , aludida, por exemplo, nas referências a "culpas
com os piedosos24. ele antepassados ímpios" no Papiro de Gurob, em um
fragm ento das Raps6dias e também pelo próprio Pla-
tão26, mas por outra, está a que devem pagar por atos
10.4. IDEIAS ASSOCIADAS: CASTI GO iníquos cometidos por eles mesmos, já que é óbvio
E COMPENSAÇÃO que para a remissão do crime titânico é do tudo neces-
sário que não se acrescentem injustiças às já herdadas,
Por outra parte, a justiça se relaciona com o castigo, mas tudo o contrário.
e não só neste mundo, mas também no Além, posto Além disso, dentro da própria literatura órfica, não
que tanto os órficos como Platão insistem em que os só encontramos referências à ideia de castigo, mas a
injustos são castigados no H ades. Bastará recordar, ade- uma ideia mais ampla e mais interessante, a de "re-
m ais de que o epíteto de Justiça no verso ó rfico que tribuição". Assim, no Papiro de Bolonha, do que fa-
citamos é noÀÚ'IWLVOÇ "de múltiplos castigos", alguns lava no capítulo anterior27 e no que se descreve uma
textos já mencionados no capítulo anterior, como aque- Ka1:á~CXO"LÇ, se encontra uma curiosa personificação:
le em que se fala dos ímpios e injustos condenados a
levar água em uma peneira ou a sofrer prisões e castigos A filha de Justiça, a famosíssima Rctribuição2ij,
no Tártaro, no G6rgias e na República, ou a menção no
Fédon e na República dos que jazem no lodo, ou a refe- A menção figura no verso seguinte a outro em que
rência do Fédon aos lançados ao Tártaro para não sair se fala de "acompanhar um pagamento adeq uado para
nunca dele, ou a menção na Carta sétima dos "grandes cada um"; isso impl ica castigos, m as também prêmios.
castigos", ou as "coisas terríveis" que se diz na República Por outra parte, em uma lâmina de Turios muito
que contam as almas que vêm do Tártaro. complexa, em que aparecem termos fundamentais do
Quanto aos órficos, encontramos m encionados
nos textos que são atribuídos dois tipos de retribuição.
Por uma parte, a qu e os seres humanos devem pagar 25. Cf. § 8.
26. l?Curob 4 (OF 578), OF350 [T 35c], PI. Crrlt. 400c (OF 430 I)
[T 32], cf. § 6.
23. à1<àÜaQ't:0Ç yàQ ,:~ v ljivx~v o y1o 1m1<Óç, ,m0aQàç õt ó 27 . § 9.2.
ÉVllV'ClOÇ. 28. Sobre a ideia de culpa e expiação no orfismo, cf. Santamaría Ál-
24. µá,:17v ovv m:Qi 0rnuç 611:0Aúç fon nóvoç wiç àvoo(OLç, varcz 2005. Sobre o castigo na filosofia "socrática", Brickhouse-
'COlOLV ÔE ÓOLOLÇ ey1<o:LQÓ'tll'COÇ éÍTTllOLV. Smith 1997; em Platón: Mackenzic 198 1.

31 0 311
orfismo criptografados em letras sem sentido29 , encon- a ritos e senhas, mas que acrescenta constantemente
tramos a palavra "retribuição" (àvcaµOLj31Í) em um elementos morais ao quadro. Em uma e outra forma
contexto no qual também se invoca a umas "Moiras de atuar, silêncio sobre os ritos e mo ralização dos cri-
que de tudo se lembram" (ná µvrJ CT'COL Mo'i:Qm) e térios tem um antecedente claríssimo n a passagem que
"Zeus que tudo vê" (Zc0 navón'Ca), tudo o qual su- citei reiteradamente da Olímpica 2 de Píndaro32 •
gere uma atitude vigilante do deus e das Moiras sobre O filósofo chega ao extremo quando em uma pas-
sagem notável das Leis considera que para algumas
a conduta dos seres humanos e a recepção por estes da
almas não é suficientemente persuasiva a ameaça de
devida retribuição, se supõe que no Hades. Há, pois,
castigos terríveis no Além e prefere legislar no sentido
no próprio orfismo uma relação entre comportamento
de que para certo tipo de delitos o Estado aplique aos
e prémios e castigos no outro mundo30, se bem que os
culpados castigos neste mundo que não desmereçam
crentes órficos consideram possível redimir estas faltas
dos descritos ou aludidos pelos poemas órficos; de al-
por meio de sua participação em determinados ritos3 ' . gum modo, pretende que se translade a este mundo a
É evidente que Platão não se interessa pela culpa
situação suposta pelos órficos para o H ades:
herdada, já que não forma parte de sua maneira de
pensar, na que o primordial é a responsabilidade de Pois a morre não é o extremo, mas que os
cada um frente a seu próprio comportamento. Ao padecime ntos que se diz que sofre m no Ha-
contrário, vimos que, quando se refere aos prémios e des, por mais que extremados e portadores
castigos no Além, Piarão não só desenvolve a impor- da maior verd ade, não bastam para persuadi r
tância da justiça como fator para ser levado em conta à a tais almas, pois não se produziria m marri-
hora de julgar as almas, rebaixando-a completamente cíclios nem atrevimentos ímpios ele outras
agressões co ntra os pais; é, nccess,irio, pois,
q ue no possível os castigos cm vida daqui cm
33
nad a sejam inferiores aos do Hadcs •
29. Cf. Bernabé-Jiménez San Cristóbal 2001, 183ss.; 2008, l 37ss.
30. San ramaría Álvarez 2005, 403, q ue menciona, entre outras passa-
gens, Pl. Ep. VJI 335a (0F 433 I) [T 271 e Pind. 0/. 2.56-58 (0F A razão me parece evidente. O propósito de Platão
445) [T 55d]. é que os castigos sejam persuasivos e é consciente de
3 1. Santamaría Álvarez 2005, 401, quem aporta como testem unhos P.
Derv. col. VI (0F 471) [T 13d), em que se afirma que o ensalmo
que os que se postulam como retribuição no Além no
dos magos aparta as almas vingadoras, como se pagassem uma
pena, assim como declarações da alma nas Lâminas de Turios do
IV a. C. (0F 489.4, cf. 490.4) [T 53a) de ter pago sua expiação 32. Pind. 0/. 2.56-72 (0F 445) [T 55cl e T 3 1bj. C f. Santamaría
por ações não justas, ou na de Feras, da mesma época (0F 493) Álvarez 2008.
JT 50c], em que se declara que o iniciado está Jjvre de castigo. 33 . . PI. leg. 881 a [T 56].

312 3 13
são para quem não é religioso e não acredita em o utra Encontramos no Hades das Rãs espaços diferentes
vida, de forma que é preferível trazer a persuasão dire- nos quais distintas almas encontram destinos mesmo
tamente a esta. assim d iferentes; enquanto que os bem aventurados
são felizes em uma pradaria luminosa e participam de
banquetes dos deuses, ao som da música de flautas, os
10.5. ALUSÕES CÓMICAS A PRÊMIOS réprobos jazem no lodo, inclusive, entre excrementos,
E CASTIGOS NO ALÉM uma deformação própria da exageração cômica37 • O
faco de que na m esma obra se elogie Orfeu como poe-
Encontramos na comédia Ática algumas passagens ta útil e fundador das teletai38 ressalta com clareza que
sobre prêmios e castigos no Hades que apresentam es- o poeta tem clara a relação destes cenários com Orfeu.
treitas similitudes com os que são examinados neste Em um fragmenco de uma obra perdida de Aristó-
capítulo e poderiam ter se inspirado no corpus ó rfico, fanes, a perso nagem que fala apresenta uma imagem
se bem que se viram submetidos ao espelho deforman- do Hades como um lugar mais feliz que nosso mundo,
te da paródia 34 • Sua presença como um elemento para ideia que apoia em diversos argumentos cómicos:
provocar o riso do público exige q ue se trate de cren-
ças generalizadas na Atenas da época, já q ue ninguém E de onde acreditas que vem o nome de P lu-
ri de paródias de realidades que desconhece. Por isso tão ("Rico')
estas passagens são um importante testemunho de al- se não é porque levou a melhor pa rte? Di r-
gumas crenças órficas que Platão pode conhecer.
O caso mais significativo, porque se trata de uma
comédia completa, é Rãs de Aristófanes35 • Ainda que 37. Aristoph. Ran. 85: "a banquete dos Felizes" (eç McxKÓ'.QWV
a imaginação do Hades apresentada na obra é predo- €\JúJXÍ.cxv), 454: "Só para nós há sol e seu sacro brillo" (µ óvo1ç
yà'.Q ~µiv 17A1oç 1wi cptyyoç ÍQÓV fonv, cf. Pind. fr. 129
m inantemente eleusinia, o comediógrafo acrescentou
Maehl. = 58 Cannatà Fera (OF 439) [T 55a]), 326s.: "vem a
alguns elementos alheios36• esra pradaria para dançar, aprox ima-te aos santos membros do
ríaso" (l A8t 1:óvó àvà Aa~1wvcx XOQEÚCJúJV / ÓCJÍouç dç
Owaw1:cxç), 448s.: "corramos até as pradarias floridas de mül-
34. Cf. Bernabé 2004c. tiplas rosas" (xwQwµi::v dç TTOÀVQQÓÓouç / Aaµwvcxç
35. A questão tinha sido notavelmente desatendida até Suárez da 'for- àvüi:µwbuç, 154s.: "te rodeará a müsica de fla utas e verás urna
re 1997, onde pode enconrrar-se a bibliografia pertinente sobre a luz belíssima, como aqui" (cxuAwv 1:[ç (Jf TTfQLELCJLV TTVO~, /
interpretação do ambiente religioso parodiado nesta comédia (so- õlj!a 1:1: cpwç 1<áAA1CJ1:0V WCJTTt'Q l v0ábi:, 145s.: "e ademais,
bre o orfismo, cf 2 07ss.). Cf mesmo assim a interessante análise muito lodo e merda de eterno Ruir" (Ehcx i3óQi30QOV noAuv /
de Edmonds 2004, 11 l ss. Kcxi. <JK{';JQ àdvwv).
36. Cf. Lada-Richards 1999. 38. Aristoph. Ran. l032 (OF547 I) [T 7a] .

3 14 3 15
ce-ei u ma coisa: c) O faro de que se ungiam e coroavam tanto os
Quan co m el ho r é o de baixo que o q ue pos-
participantes em um banquete como os defu n-
sui Zeus!
ros4' leva ao personagem que fala a acreditar
Quando usas a bala nça, o praco que pesa
que, se se unge e coroa ao morto, é porque vai
vai para ba ixo e o vazio , até Zeus.
(...) participar em um banquete. De faro, se fazia
E não jazeríamos coroados, nem ungidos (?) essa promessa aos fieis em uma lâ mina órfica
se não fosse m os beber, nada mais baixar. de Pelinna, que começa por u ma felicitação ao
Po r isso é pelo q ue são chamados "felizes". defunro42 e termina com o anú ncio:
Pois rodo o mundo d iz: "Se fo i de nós, feliz ele".
"Ficou do rmindo, d itoso ele, po rque já não Tens vinho, ditoso privilégio.
sofre rá". E cu irás sob cerra, cump ridos os mesmos ri-
E celebramos sacri fícios em sua honra, (...) cos que os demais fcl izes 43•
como a deuses e, oferecendo-lhes libações,
pedimos q ue nos enviem bens aqui para cima39• d) O costu me de referir-se eufemisticamente aos
morros como pessoas que já não sofrem e, por-
Os argumentos expostos pelo desconhecido perso- tanto, felizes, cem que significar para o persona-
nagem são: gem da comédia que dão a grande vida no Além.
e) Como os defuntos recebem oferendas e se espera
a) O epíteto Plutão "o rico" impl ica que no reparto deles que enviem bens a nosso mundo, isso quer
de poder que se produziu na o rige m dos tem- dizer que são tratados como deuses e que lá em
pos entre Zeus, H ades e Poseidon, o deus dos baixo dispõem de coisas boas que enviamos.
morros havia levado a melhor parte.
b) A referência à balança, eco das cenas em que Também Ferécrates ap resenta uma imagem do
Zeus pesa as sortes (1cfiQEÇ) dos h eróis, porque banquete maravilhoso e fel iz no Além, onde comida e
a que pesa mais é a de quem deve morrer40, é bebida se produzem espontaneamente:
interpretada no sentido de que tan to mais vale
algo quanto mais pesa.
4 1. Cf. Bernabé-Jiméncz San Crisr6bal 2001, 165-173; 2008, 121-128.
42. OF 485 [T 60]: "Acabas de morrer e acabas de nascer, três vezes
venturoso neste dia" (o que ind ica o nascimiento a uma nova vida
39. Aristoph. fr. 504 K.-A. (OF 432 J) [T 36d]. após a morte).
40. Cf. § 9 n. 17.
43. C f. Bcrnabé-Jiménez San Crist6bal 2001 , 87ss.; 2008, 6 lss.

3 16 3 17
Taças cheias de vinho tinto perfu mado verduras e bebem sobretudo água
servidos pelos funis para os que queriam beber e seus piol hos, sua capa puída e sua falta de
e em cada ocasião se algu m comia ou bebia limpeza
destas coisas não os su portaria nenhum dos mais jovcns46•
em seguida se faziam de novo o dobras do
que eram ao princípio44 • Parece tratar-se da paródia de u ma Kll'Cá(3aaLÇ.
Um personagem narra o que viu no Hades, sem dúvi-
O que resulta ma is interessante é que outro poeta da porque volto u dali. Apresenta um grupo d e pessoas
cômico, Ariscofonce, e m sua obra perdida Pitagórico qu e desfruta do p rivilégio de serem aceitas à sua mesa
apresen tava um quadro semelha n te ao a nterior, se por Plutão por causa de sua piedade (t:uaéf3na). O
be m que os bem aventurados que alcançavam o des- poeta cô mico não escasseia iro nias sobre a falta d e lim-
tin_o privilegiado no Além eram pitagóricos. O mais peza desces personagens q ue, adem ais, mantêm comi-
provável é que "pitagó rico" e ra uma designação típica camente, no Além, sua di eta vegetariana.
que se este ndia sem dificuldades aos órficos~ 5• A paródia cô mica exagera a inda mais a situação
dos privilegiad os no Hades em uma p assagem de File-
A. Disse que, uma vez que baixou aonde vi- tero, que amplia suas possibilidades d e d esfrute:
viam os de baixo
viu uns e outros, e que se diferenciam do rodo
Zeus, de veras é bom morrer ouvindo toca r
os pitagóricos dos demais morros. Pois só a eles
o aufós.
disse Plutão que lhe acompan hassem no
Pois só para eles no Hades existe a possibilidade
banquete
de praticar o sexo. Os demais, que tC:m
por sua piedade. 13. Falas de um deus muito
maneiras imundas por sua ignorância da
complacente
música,
se lhe agrada convive r com essa gente cheia
devem transportar água à ti na furada~7 •
de sujeira
(...)
e comem
46. Aristophonr. fr. 12 K.-A. (OF431 111) [T 36f]. Cf. Burkerc 1972,
198s., Graf 1974, 98s. O autor insiste nestes rraços no Fr. 9, e
sobre a comida vegetariana, 11. 1O. Cf. os comentários de Kasscl e
44. Phcrccr. fr. 1 l 3.30ss. K.-A. (OF432 II) [T 36e]. Austin nd ÚJcc.
45. Cf. 13urkerr 1972, 132 "a diferença supostamente clara em rc pita- 47. Philecaer. fr. 17 K.-A. (OP 434 VIII) [T 406], que parodia Soph.
gorismo e orfismo simplesmente não está testemunhada nas fon- fr. 837 Radt: "Três vezes bem aventurados / aqueles mortais que
tes mais an tigas", uma afirmação tão taxativa como cerra. após terem visro estes ritos (é provável que os de Eleusis) / vão ao

3 18 3 19
Contrapõem-se no fragmento os ignorantes da do Além da cerâmica apulia. É o caso de uma mo-
música, que sofrem o castigo típico dos não iniciados, 11 umental cratera de volucas do chamado "Pintor dos
e os que morrem ouvindo tocar o aulós, uma espécie 1nfernos", de IV a.C. 49, na qual se representa uma
de oboé, que poderia referir-se a um grupo que utiliza cena infernal. No centro, em uma edícula branca se
a música com fins escatológicos48 • encontra o palácio de Plutão e Perséfone e à esquerda
Ao término deste breve percurso, pode concluir-se está Orfeu, ante o umbral grande, cocando sua lira,
que a comédia trata a religiosidade eleusinia e a órfico- :icompanhando por um varão, uma mulher e um me-
pitagórica como algo muito semelhante:' Seus adeptos nino, provavelmente uma família de iniciados que,
mantêm uma vida de renúncia, cética e vegetariana, por sê-lo, vão ver-se livres dos castigos infernais, e aos
e acreditam que serão premiados por isso no Além. que o bardo trácio serve de introdutor. Entre as nume-
Como se trata de uma religiosidade não contraditória rosas personificações e heróis que aparecem no resto
com a religião civil, mas sim separada dela, a comédia do copo nos interessa a deusa Justiça que em acima,
ironiza dela e distorce as crenças para provocar o riso. à direita, acompan ha a Teseu e Pirítoo, que chegou
O prêmio no Além não só é beber vinho e comparti- ao Além com chapéus de caminhantes. Estão também
lhar a mesa com os deuses, e sim também desfrutar de representados os Juízes dos Infernos (de acordo com
relações sexuais. O tipo sujo e vagabundo, seguidor a tradição sul-itálica à que me referi no capítulo an-
de um regime vegetariano, oposto ao ideal carnívoro terior); as Erínias e as Fúrias; e os grandes pecadores
e poucas vezes satisfeito do ateniense mediano, parece como Sísifo e sua rocha, e Tântalo. De novo encontra-
ser uma combinação da figura do orfeotelesta, metido mos a Justiça associada ao castigo no .Além. A grande
em um mesmo saco que os pitagóricos. cratera apulia é representação da justiça e da ordem
cósmica. Uns, os iniciados, receberão um tratamento
especial no Além, graças à iniciação no mundo órfico.
10.6. JUST IÇA NA ICONOGRAFIA APULlA Outros, os pecadores, serão castigados. Justiça é garan-
tia dessa ordem50 •
Por último convêm ressaltar que Justiça aparece
em companhia de Orfeu em algumas representações

Hades. Pois só para eles/ há vida, e para os demais rudo sé ruim", 49. Museu de Munique (n. 3297), finais do TV a.C., cf. Pensa 1977,
como ressaira Pearson cm seu comentário ad toe. 23s.; O lmos 2001 , 300-303.
48. Cf. § 12.6 e Molina 2008. 50. Cf. Aellen 1994.

320 32[
10.7 . CONCLUSÃO

Os órficos elaboraram um complexo de ideias, que


parecem compartilhadas em cerca medida pelos pin-
tores da cerâmica apulia, sobre a Justiça, a culpa, o
castigo e a retribuição depois da morte. Postularam
a existência de uma culpa antecedente, herdada dos
Titãs, e também a possibilidade de que ações contra
a Justiça fossem suscetíveis de serem castigadas no
Além, castigos que podiam consistir em reencarnar-se
Na segunda representação, um fragmento cerâ- ou que, ademais, podiam traduzir-se em padecimen-
mico apulio que esteve em Ruvo (antiga coleção Fe- tos como jazer no lodo ou ver-se obrigados a portar
nícia c. 350 a.C.), Justiça aparece sentada abaixo, à água em uma peneira a uma tina furada. A ideia do
esquerda. Acima está Nike, a Vitória, que entreabre castigo se situa em um conceito mais amplo, o de re-
uma porta. O rfeu aparece de novo às portas do palácio tribuição, que comportaria, paralelamente aos castigos
de Perséfone, desta vez, recebido por H écate. É enor- por culpas cometidas, prêmios por ações positivas. No
memente sugestiva esta porta entreaberta pela Vitória, entanto, na visão órfica o ritual podia livrar das culpas,
que parece abrir caminho a um defunto seguidor de tanto das herdadas como das contraídas na vida da
Orfeu até um lugar mais grato no AJém51• alma sobre a terra. Por isso, à chegada da alma o H ades
não se produz um julgamento (o que parece ser uma
ideia relacionada com o orfismo, mas não característi-
ca dele, ao menos da variante que conhecemos através
das lâminas órficas de ouro), mas que tanto os guardi-
ões da fo nte de Mnemosyne como a própria Perséfone
só requerem do que chega ao AJém umas senhas que
o identifiquem com o um iniciado (µÚCTTT]Ç), porque
isso supõe que foi livrado ritualmente de suas próp rias
culpas e das herdadas, "porque o iniciado está livre de
castigo", como assegura uma lâmina de Feras 52. Supo-

5 1. Cf. Pensa l 977, 25. 52. Cf. n. 29.

322 323
mos q ue se associava com a iniciação uma espécie de 11
compromisso de observar a justiça na vida.
A comédia Ática parodia estas crenças e relaciona
aos bem aventurados com os pitagóricos, se bem que
A IMAGEM DE ZEUS
os traços com que os apresentam são os mesmos com
que se descreve aos órficos em outros textos, o q ue pa-
rece indicar que o comum da gente não os distinguia.
Platão aceita postulados ó rficos, como a ideia da
retribuição no Além, em primei ro lugar, como já assi-
nalei, ig nora a ideia da culpa antecedente e recusa que
um ritual possa livrar da culpa. Se a uma pessoa, sejam
quais fo rem seus atos, pode ser livrada de suas culpas
por participar em uma teleté, as penas do Hades não
seriam p ersuasivas em absoluto, e tal persuasão é pre- 11.1. O ZEUS DAS LEIS
cisamente o centro do in teresse de Platão com respeito
à escatologia. Por isso, substitui a pergunta dos guar-
diões sobre as senhas e a condição d e iniciado por um
julgamento em que se valoriza a conduta da alma, de
P latão se refere nas Leis a um "antigo relato" (como
vimos no§ 1.8., uma das maneiras de aludir a tex-
tos órficos) com uma peculiar descrição da divindade:
fo rma qu e as culpas só podem ser expiadas com casti-
gos no Hades, enquanto que a purificação ritual ó rfica O deus que, como diz também o ancigo re-
é ·substituída no ideári o p latô nico por outra classe de lato, tem o princípio, o fim e o centro de
purificação que é a prática da filosofia. todos os seres, se encaminha em direitura até
seu fim segu indo as revoluções da natureza'.

Um escólio à passagem platônica nos adverte de que:

O "antigo relato" alude ao órfico, q ue é o


segu in te:

1. Pi. Leg. 7 15c (OF 31 li[, 32 I) [T 24]. Cf. a continuação desta


passagem em§ 10.2.

324
11.2. APERFEIÇOAMENTO D A FlGURA
Zeus pri ncípio2, Zeus centro, por Zeus tudo
está perfeitamente d isposto; DE Z EUS E D OS DEUSES
Zeus fundamento da cerra e do céu escrelado3 •
Já Xenófanes considerava po uco d ecorosa a ima-
Os versos citados pelo escoliasta proced em de um gem d os deuses que apresentavam os poetas:
Hino a Zeus, uma versão do qual encontramos já no Pa-
piro de Derveni, uma segunda no tratado pseudo-aristo- Aos deuses atribuíram Homero e H esíodo
télico De mundo, e ou tra, mais extensa, que devia fo rmar tudo aquilo
4 que entre os homens é motivo de vergonha
parte das Rapsódias, em diversos autores posteriores •
e de repreensão
É curioso que Platão substituiu o no me de Zeus,
roubar, adulterar e enganar uns aos oucros5.
q ue aparece reiterad o no hino ó rfico, po r u m neutro
e desperso nalizado "o deus". Dá a imprecisão de que,
O filósofo e poeta d e Cólofon era, pois, cons-
à hora de enunciar esta sólida figura divina, o nom e
ciente d e q ue o antropo m orfis mo era u ma il usão dos
de Zeus aparece unido a uma trad ição na que nem homens, ideia q ue expressa mediante u ma divertida
tudo é aceitável d esde seu ponto de vista e por isso
reductio ad absurdum:
o mi te seu no me. Com efeito, Platão se encont ra ao
cabo de um p rocesso lo ngo no qual alguns filósofos Mas é que se as vacas, cavalos e leões pudes-
e poetas fo ram d epurando a imagem t radicio nal da sem ter mãos,
d ivindade, p rocesso a cuj as linhas mestras alud irei no pintar com essas mãos e realizar obras de
seguinte parágrafo. · arte, como os homens,
os cavalos pares a cavalos, e as vacas, a vacas,
pinta riam as figuras de seus deuses e repre-
sentariam seus corpos,
a semelhança precisa do porte que cem cada um6•
2. "Princípio" (CÍ'Q:>UÍ) é a leitura do escoliasta, que coincide com a
palavra empregada por Platão e que encontramos ocasionalmente Em co nsequência, Xenófanes apresenta um deus
em outros lugares, mas a maioria das fo ntes que transmitem o
rodo d ife rente d os tradicionais gregos:
fragme nto - já no P. Derv.- apresentam ictcpc:.v\1í, "cabeça".
3. Schol. PI. leg. 7 15e (317 Grccnc) [T 24aj, cf. Brisson 1990,
2877-2881 , 2889-2892, e 13ernabé 2007a.
4. O bserve-se um eco deste h ino em Ps.-Demosth. 25.8 !T 246]:
5. Xenoph. fr. 15 Gentili-Praro (= B 11 O.-K.).
"E todos os bichos desse modelo, dos que esse é centro, ültimo e
6. Xenoph. fr. 19 Genrili-Prato (= B 15 O.-K.).
primeiro".

327
326
Um só é deus, en tre homens e deuses o a Zeus como um todo no qual os contrários se inte-
maior, gram harmoniosamente, e o fazia por meio de expres-
nem em co rpo semelhante aos morLais, nem sões aparentemente contraditórias, que nos recordam
em encendimenro 7• algumas formulações de Heráclito 13, mas que também
seguem uma fascinação órfica pelas declarações para-
Tudo ele vê, tudo entende, tudo ele ouve8 •
doxicais, da qual temos outros exemplos'\ É óbvio
que o poeta não trata só de exp ressar um paradoxo
Senão que sem esforço, co m a d ecisão que
gratuito, mas de que o paradoxo tenha um sentido,
lhe dá seu entendimento, tudo o co move~.
que transmita uma mensagem religiosa, mais incensa,
tanto que chama mais a atenção. As contradições que
Em consequência, Xe nófanes apresenta um deus
predica do deus e que seriam irrecuperáveis no âmbi-
de tudo diferente aos deuses tradicionais gregos.
to humano são resolvidas, sem dificuldade, no âmbito
N ão obstante, frente à tendência a "despersonalizar"
divino. Assim, não há contradição em que Zeus seja
a divindade'º, encontramos também desde há muito
"cabeça e cen tro". Ambos seriam conceitos contradi-
outra, que consistia em atribuir a Zeus uma imagem
tórios tomados em seu valor próprio, local. Mas não
mais "moderna"' 1, como faz, por exemplo, o poeta ór-
o são quando se usam como designações metafóricas.
fico comentado no Papiro de Derveni. Sobre a base de
Zeus é cabeça, porque governa e inicia a (nova) orde-
algumas fo rmulações anteriores dos líricos 12, o poeta
nação do mundo. E é também centro, porque ocupa
ó rfico apresentava, no hino que devia conhecer Platão,
uma posição central na história do mundo. Há um
antes e um depois de Zeus, que acumula nele toda a
história anterior, e, embaraçado de rodo o Universo
7. Xeno ph. Ír. 26 Gcncili-Praro (= B 23 D .-K.).
8. Xenoph. fr. 27 Gcntili-Praro (= B 24 D.-K.).
9. Xen<;> ph. fr. 28 Gentili-Prato (= 13 25 D.-K.).
1O. Que se manifestaria também, por exemplo, no frequ cnre uso de 13. Como por exemplo 1-lcraclit. fr. 77 Marcovich (= 13 67 D.-K.):
ó 01:óç sem especificação d e seu nome em I lcródoto (p.ex. 1-ldt. 0 1::óç 1íµ ÉQ'l eucpQÓV'l, xnµwv ÜÉQOÇ, n:óAeµoç dQ~V'l,
1.31.3). KÓQO<; ,\tµóc; KTÀ «Deus: dia- noite, inverno- verão, guerra-paz,
1 1. C f. Schwabl 1978. fartura-fome, etc.».
12. C f. , por exemplo, Semon. fr. 1.1 s. Wesr: i:ÉAoç µ t v Z1::uç EXH 14. Basre mencionar: awµa-ofiµa , "o corpo, uma scpulwra" (OF
f3aQÚKTU7tOÇ I mivi:wv õa' ca,:l KC<l ,:íOqcr' OIC'll 0M€l. 430 1 [T 32], cf. § 7) ou as expressões que aparecem nas lâm inas
«Zeus, o de trovão retumbante tem o fim / de rudo q uanro existe, de osso d e Ólbia: 1O/b. 94a Dubois (OF 463) [T 33c]: f3íoç,
e dispõe disso como quer»; ºlêrpand. fr. 3 Gostoli (= PMC 698. l 0ávm:oç, ~íoç, "vid a-morte-vida"; 94c Ou bois (OF 465) [T
Page): Z1::u návi:wv àQXà, návTwv áy1ÍTWQ. «Zeus, princí- 33d]: Jlj,1::uboç] àA~Oua I awµa lj,ux1í , "mentira-verdade,
pio de rodas as coisas, guia de rodas as coisas». corpo-ai ma".

328 329
que voltou à unidade nele, voltará a gerar a multipli- Zeus onipotente, rei do universo e garante de que se
cidade1 5. Tudo está disposto por ele, porque o mundo cumprisse a justiça divina (não nos esqueçamos que
é considerado pelo poeta como uma obra de arte bem na continuação da passagem aparece Justiça associada
estruturada que é resultado da sabedoria do Zeus, o a ele), como único capaz de por freio à iniquidade e
artesão do universo. manter a ordem e a justiça universal. Sua apelação a
É provável que fosse o conflito aberto entre a "tra- este todo poderoso deus ó rfico demonstra, em opinião
dição" pouco decorosa e os intentos de "tornar decen- de dito estudioso, a tendência de Platão ao final de sua
te" a imagem de Zeus o que havia levado a H eráclito vida a extremar uma postura teocrática para salvar seu
a afi rmar: sistema ético-político que não havia chegado a postu-
lar de forma tão severa na República.
O sábio, que é só e ünico, não quer e que r
ver-se chamado pelo nome d e Zeus 16 •

Se por Zeus se entendia o deus dignificado por


uma determinada tradição poético-filosófica, H erá-
clito estaria disposto a aceitar o nome de Zeus para
esse princípio único sábio, mas não, se por tal nome
se entendia o deus adú ltero e caprichoso de Homero.

11.3. A ELABORAÇÃO PLATÓNICA

Çasadesús, em um trabalho no q ual estuda em


profundidade a citada passagem das leis17, ressalta
como Platão simpatizou com a ideia órfica de um

15. Encontramos, pois, no poema, um intento de resolver o problema


filosófico da relação entre a unidade e a mulriplicidade. Cf. Bern-
abé 19986; 2007c.
16. H eraclir. fr. 84 Marcovic h (= 13 32 O.-K.).
17. Casadesús 20026.

330 33 1
12

RITOS ÓRFICOS E INICIAÇÃO


FILOSÓFICA

12.1. ATITUDE PLATÓNICA


ANTE OS RITOS ÓRFICOS

m umas quantas passagens, não muitas, Platão faz


E referência a teletai, purificações e práticas órficas
similares e à literatura relacionada com elas. De ante-
mão e à luz do que fomos lendo, esperamos dele um
notável desprezo pelos ricos com os quais se pretendia
assegurar-lhe ao fiel, por sua mera participação neles,
um destino privilegiado no outro mundo, indepen-
dentemente de quais tivessem sido suas culpas. No
entanto, a questão é algo mais complexa, já que Platão
mostra ante os ritos órficos uma atitude semelhante
à qual tem respeito a sua literatura. Com efeito, nas
poucas ocasiões em que alude a eles, pois raras vezes é
objeto de seu interesse, o filósofo os critica, conside-
rando que se trata de práticas ridículas ou desprezíveis,
quando não muito perniciosas para a organização da
vida cidadã. No entanto, lhe resulta interessante o mo- a referir-se aos profissionais que se encarregavam das
delo da iniciação e a purificação, se é transfigurado ou, teletai3 (entendemos que são os chamados "orfeoceles-
como se diz ao longo deste livro, transposto de forma cas" por outras fontes)4, que se baseavam em textos
simbólica, em concreto, se a purificação e a iniciação de Museu e Orfeu para celebrá-las e que prometiam
são maneiras de denominar a prática da filosofia. Nos aos participantes nelas o livramento e purificação das
apartados seguintes examinaremos as referências pla- injustiças cometidas contra outras pessoas5.
tônicas aos ritos órficos e à literatura ritual a eles ine- Especifica que, segundo quem os celebra, tais ri-
rente, para ver que tipo de práticas inscritas ao âmbito cos, que a ele lhes parece ridículos, valem aos que se
misterioso das teletai pode conhecer o filósofo em sua iniciam, canto na vida como depois de mortos, com
época, que elementos os configuram, que opinião lhe o que sugere uma conexão etimológica entre teletai e
merecem e como modelo da iniciação pode ser adota- "para quem morreu" (HÀ éU'C1ÍOCX<JLv) 6. Entendo a
do por ele de um modo metafórico. passagem neste sentido pace Rohde e Nilsson7, quem
interpreta que os ritos podem beneficiar canto aos que
estão ainda vivos como ajudar aos que já estão morros.
12.2. REFERÊNC I AS A RfTOS E
Prequentemente se cita como apoio desta interpreta-
LITERATURA RITUAL ÓRF ICA
ção um fragmento das Raps6dias:

E os ho me ns hecatombes perfeitas
Vejamos em p ri meiro lugar as referências platôni-
oferecerão em rodas as es tações do a no,
cas aos ritos e a literatura ritual dos órficos; já me referi
e celebrarão os ritos, desejosos da liberação
à maioria delas. No Protdgoras atribui aos seguidores d e sues iníquos ante passadosR.
de Orfeu e de Museu a.celebração de teletai e os orá-
culos1; na República, em um contexto em que fala da
possibilidade de obter um destino melhor no Além, 3. PI. Resp. 364c (OF573 1) [T 441.
se refere ao grande poder que para muitos têm as tele- 4. Cf. § 2.4.
5. Também se ameaça aos in iciados com levar água cm uma peneira
tai, que aparecem associadas aos "deuses libertadores" a una tina furada em Gorg. 493a (OF 434 11) [T 40J.
(;\ÚaLOL 0rn() e nas que não só participavam indiví- 6. Sobre a q ual cf. § 13.
duos, mas inclusive cidades inteiras2 . O filósofo volta 7. Rohde 1907, Il 128, n. 5; Nilsson 1935, 229. Recuse csra ideia
Guthric 1952, 2 14s.; cf. Linforth 1941, 81s.
8. Damasc. in 1'l Phned. l.l 1 (35 Wcstcrink) (OF 350) JT 35c].
Cf., ademais, infta, a expressão cm Phnedr. 244d (OF 575) [T
1. PI. Prot. 316d (OF549 I) IT 7]. 45): " torna-o são e salvo, ramo no presente como no futuro" e o
2. PI. Resp 366a (OF574) [T 43]. comentário à passagem.

334 335
Não obstante, a passagem órfica se refere à ce- Mas é certo que nas mais terríveis pragas e
lebração de ritos para que quem as celebrar se livre calamidades que se abatem inopinadamente
dos pecados herdados de seus antepassados, não para sobre algumas famílias por amigas culpas, a
liberar àqueles. E m rodo caso, Platão não especifica mania que sobrevinha e resu ltava profética
em seu texto de que classe de culpas fala e não neces- encontrava uma libertação para quem a ne-
cessitava, refi.tgiada cm súplicas e culro aos
sariam ente devemos pensar que se refere às que são
deuses, cm consequência, mcdia.nt:e o recurso
consequência da herança titânica9, se bem que nada
a purificações e te!etai ao que toma parte desce
se opon a a isso. dom, o coma salvo, tanto no presente como
Por outra parte, no Fédon ressalta que os iniciado- no futuro, após ter encontrado ao que enlou-
res das te!etai prometem que quem cumprir os ricos quece de um modo correto e é possuído uma
habitará com os deuses no o utro mundo 1°. libertaç.fo das calamidades que lhe afetam 13•
Sendo assim, na doutrina q ue Piarão critica é a
prática dos ritos qu e determ ina a sorte das almas no Nesta passagem o filósofo reconhece na loucura ce-
Além, o prêmio para os iniciados e o castigo para os léscica certo valor benéfico corno elemento tranquili-
que não estão, independentemente de sua condu ta. zado r e li bertador e volta a referir-se às "antigas culpas"
A visão de Platão sobre estas práticas e por quem com a mesma falta de concreção que vimos na passa-
as realiza está assim cheia de desprezo, de ironia ou de gem da República anteriormente citada. Mesmo assim
escárnio. Os que instituíram as tdetai dão a impressão neste caso é claro que a participação nas te!etai é bené-
de ser uns inep tos, a m enos que sua mensagem se rein- fica para o presente e o futuro do próprio participante,
terprete sim bolicamente, e inclusive chega a qualificar em consonância com a forma em que se interpretou a
de "pedintes" (àyÚQ'raL) a quem oferece seus serviços expressão "tanto em vida corno depo is de mortos" de
salvíficos em troca de dinheiro' 1• Resp. 364e em§ 2.4.
Somente no Pedro, na "palinódià' de Sócrates so-
bre o amo r, aparece urna referência menos negativa às
te!etai, dentro da class ificação de diferentes tipos de
como sugere sua relação etimológica com µí voç, é uma expe-
µ av(a 12 : riência de intensificação do "poder mental", uma espécie de vi-
talidade desaforada, de superação <los limites da normalidade; cf.
Calvo Martínez 1973 e, sobretudo, Burkert 2007, 2 19. Por isso
9. Cf. § 8, así como Parkcr 1983, 300, n. 99. prefiro não traduzí-la.
I O. Phaed. 69c (OF 434 Ili, 576 1) IT 411 . 13. Pl. l'haedr. 244d (OF 575) [T 45], cf. Linforth 1946b e a nota de
11 . PI. Resp. 364b (OF573 l) [T 13], cf. § 12. 12. Hackford 1955, ad loc., 58 ss. Sobre o vocabulário misterioso na
12. A palavra µav(a em grego não é exatamente "loucura", mas, palinódia cf. Riedweg 1987.

336 337
Mesmo que Platão não seja muito explícito, podl'
Isso implica que é a iniciação, e não outra coisa, a
mos obter de seus testemllilhos alguns dados sobre m
que liberta do castigo no Além. Mas ainda podemos
componentes das teletai'4. Alguns deles são superficiais('
.1duzi r outros, como a notícia de Plutarco de um or-
se referem a aspectos externos dos ritos, outros são mai~
f~otelesta em Lacônia, que prometia um destino feliz
profundos e se referem a seu sentido ou sua intenção.
.tos que se iniciavam com ele 17, ou a crítica escandali-
1ada de Diógenes, o Cínico, à injustiça que representa
12.3. INIC IAÇÃO que gente miserável possa salvar-se simplesmente por
ter se iniciado, enquanto grandes personagens sofrerão
_A iniciação (µ~TJUlÇ) é o ponto de partida neces- castigos por não tê-lo feito 18, ou uma descrição, tam-
sário para conseguir uma estadia feliz no Além. Supõe- bém de Plutarco, que mescla inextricavelmenre sensa-
se ~ue proporciona a quem a recebe, uma determina- ções, primeiro a angústia e logo de grande felicidade
da in for mação religiosa sobre o lugar do homem no que experimentam , tanto na iniciação como no trân-
mundo, sobre sua origem e seu destino. Em diversas sito fi nal da alma ao H ades. Esta mescla nos faz pensar
~~ss_agens p la~ônicas'5 se expressa que quem não foi que a iniciação implicaria uma espécie de "ensaio" do
m1c1a~~ (aµVfl'COL) não só não poderá ter acesso aos caminho da alma ao Além após a morte 19.
benefic1
, . os no Além ' mas também se veras~~tosare~
, .. As iniciações permitiam, ademais, ter acesso a ou-
nve1s _tormentos, como levar água em uma peneira a tro tipo de ritos e de textos religiosos, como indica a
uma tina furada ou jaze r no barro. exortação a que os não iniciados ((3É(3f]ÀOL) "fechem
A necessidade deste requisito se confirma por ou- suas portas" que fi gurava no primeiro verso de mui tos
tros te~temunhos; o primeiro, o mais rotundo e que, poemas órficos20 •
ad_ema1s, procede dos próprios ódicos, é o de uma lâ-
mina de Feras (IV a.C.):

Penetra na sacra pradaria, pois o iniciado


(µ ÚCT'tT)Ç) está livre de castigo 16.
17. Plu. Apophth. L11con. 224 D (OF653) [TI lc].
18. lulian. Or. 7.25 (II t.88 Rocheforc OF435 1) [T 4lcl; Diog.
Laert. 6.39 (OF435 li) [T 41 e].
14. Sobre a questão cios componentes das teletai, cf a cxausriva análi-
se de J1ménez San CristóbaJ 2002c. 19. Plu. fr. 178 Sanclbach (OF 594) [T 55e], cf Burkcrc 1975, 96;
O/e,; de Velasco I 997, 413ss.; Riedwcg 1998, 367 n. 33; Lada-
15. PI. Gorg. 493a (OF 434 li) [T 40], Phned 69c (OF 434 lll 576
1) [T 41 J. ' Richards 1999, 90; 98s.; 103; Bernabé 2001a; Jiméncz San Cris-
16. OF 493 [T 50c). tóbal 2002c; Martín H crnánclez 20056.
20. OF 1 [T 18]. Cf. Bernabé 1996a e§ 4.1 .

338
339
12.4. PURIFICAÇÃO de Berlim27 ; Plocino nos conta que as teletai publi-
28
cam que quem não estiver purificado jazerá no lodo ;
Ademais da informação que subministrava a Hipócrates associa os purificadores (tca0aQ,:aí.) aos
iniciação, os ri tos órficos procuravam purificação personagens que antes identificamos com os orfeo-
(Ka0aQµóç), que deixava puro (Ka0aQÓÇ) a quem celescas29 e Plucarco fala do iniciado (µ Eµv17µt voç)
a cumpria, supõe-se que desde o ponto de vista ritual. que convive com homens santos e purificados nas
Isso supõe a existência de pecados que atuam como pradarias dos felizes no AJém , por contraste com a
uma "contaminação" (µ(auµa), da qual é necessário ''turba não iniciada e impura''. Deste modo associa e
purificar-se21 • Na doutrina órfica, um dos pecados que identifica "não iniciado" (ൠúri1:oç) com "impuro"
devia ser purificado, quiçá o mais grave, era o pecado (àtcá8aQ'rOç) 3º. Mas, sobretudo são os próprios ór-
antecedente, a culpa titânica22• ficos os que nos indicam essa necessidade, já que em
Assim, nos diz Platão no Fédon que, segundo os várias lâminas de Tu rios (IV a.C.) a alma que se apre-
das teletai, quem estiver purificado e tiver participado senta ante Perséfone deve declarar que ve m "pura den-
nelas (tcetca8aQµÉvoç 1:e 1<ai. 1:e1:eAeuµ tvoç) ha- tre puros" 31 , quer dizer que o grupo ao que pertence,
bitará com os deuses no AJém 23 . Purificação e teletai o dos órficos, é puro, e que ela mesma o é igualmente.
aparecem também juntas nos ritos que p roduzem a
mania celéstica de que nos fala o Fedro24 e como ce-
nários de danças rituais nas Leis25, enquanto que na 12.5. LIBERTAÇÃO
República os indivíduos que celebra m seus ricos base-
ando-se em livros de Orfeu e Museu prometem mes- O s rituais, segundo testemunha Placã.o, prometiam
mo assim purificação das injusciças26. também libertação. Esclarece e filósofo que se trata de
A situação descrita por Platão se confirma em ou- libertação das injustiças em uma passagem da Repúbli-
tros testemunhos. Assim, as purificações e as teletai ca32 e al ude a "deuses libertadores" associados às tele-
aparecem .juntas e atribuídas a O rfeu em um Papiro

27. P.Berol. 44 .1ss. (OF 383) [T 1 1gJ.


2 1. Cf. Parker 1983. 28. Ploc. 1.6.6 (OF' 434 lV) lT 41 bJ.
29. H ippocr. Morb. Sacr. 1.10 (60 Grcnscmann = OF 657 li) [T
22. Cf. 13ianchi 1966.
J3al, cf. 18.6 (90 Grenscmann = OF'657 l ) JT 1361 e§ 2.4.
23 . PI. Phaed 69c (OF434 lll, 576 1) [T 4 1].
24 . PI. Phaedr. 244d (OF575) IT 45]. 30. Plu. fr. 178 Sandbach (OF594) lT 55el.
25. PI. Leg. 815c [T 57]. 3 1. OF 489--490. 1 [T 53aJ.
26. PI. l?esp. 364c (OF573 l) [T 44]. 32. PI. Resp. 364c (OF573 I) l'T 44 1.

340 341
tai em um contexto e m que se falava de pagar castigo 12.6. MÚS ICA E DANÇA
pelas injustiças33 •
Entre os órficos encontramos uma referência aos Compo nen tes dos ritos eram também a música e
ritos como libertadores das culpas dos ancep assados34, a dança, que contribuiriam a produzir a experiência
mas tudo parece indicar que a libertação t inha, para cstática38 .
eles, alguns sentidos acrescidos. Em primeiro lugar, Em primeiro lugar, a müsica formava parte essen-
comportava a libertação do medo, especialmente do cial do m ito d e Orfeu, que se caracteriza por sua imen-
m edo d a morte, com o sugere Plutarco em uma passa- sa e mágica habilidade como músico e cantor [T 1e, T
gem em que n os diz que o iniciado, fica livre e segu e 6a, T 66, etc.]. De música nos fala também Filodemo,
liberto e que vê desd e a li a turba não iniciada e im- que me nciona o tímpano co mo um " instrumento d e
pura dos seres viventes persistindo nesse medo 35 • O trabal ho" do orfeotelesta e Escrabão, em sua apresen-
iniciado, ao co ntrário, se li be rtaria d ele, a pós conhecer tação de Orfeu como protótipo d estes profissionais,
na iniciação como se produziria o trâ nsito ao Hades e cita a música como parte de suas ativid ad es39 •
adq u iri r a con vicção d e que alca nçaria ali um d estino A música de lira é contada entre o desfrute dos
feliz. M as, indo ainda mais alé m, a libertação da qual bem aventu rados e m uma descrição pindárica do lo-
falam os ó rficos é també m a da alma, quando esta con- cus amoenus, enquanto o som das Aautas acompanh a
segue escapar do ciclo de reencarnações ao que estava a estad ia feliz dos in iciados n o Além, segu ndo Aris-
cond enada e e ncontrar um lugar definitivo no Além. tófanes~º e também se ouve nos ritos órficos censura-
Assim, na lâmina d e Pelinna é encarregad a à alma que dos por Apolônio de T ia na, segundo veremos infra.
ela diga a Perséfo ne que o próprio Baco a libe rtou36 e A música, e m geral, é u m com po nente da fel icidade
uma passagem das Raps6dias fala da possibilidade de ultra mundana no Axíoco e Aristides Quincil iano fala
libertar-se do ciclo (de n asci m e ntos) e te r um a pausa de "melod ias" nas teletai báquicas. Devemos acrescen-
na d e.sgraça37 . ta r os "sons" (cpwváç) que acompanham às danças e
qu e, por isso havemos d e e nte nder como m úsica ou

33. PI. Resp. 366a (OF574) [T 43]. No entanto, fa la de uma maneira 38. Cf. Jiménc1. San Cristóbal 20026, § 3.1.5; Sanramaría Álvarcz
mais geral em l'h11edr. 244d (OF575) (T 45]. 2008c.; Molina 2008.
34. Damasc. in l'l11t. l'haed. 1.11 (35 Wescerink) (OF350) [T 35c]. 39 l'hld. De poem. l?Hercul. 1074 fr. 30 ( 18 1. 1ss. Janko, OF655) [T
35. Plu. fr. 178 Sandbach (OF594) [T 55e]. 1 lci, Strab. 7, fr. I0a Radt (OF659) lT I lf!.
36. OF 485.2 [T 36bl. 40. Pind. fr. 129.9 Machl. = 58 Cannatà Fera (OF 439) [T 55a],
37. Simplic. in Aristol. Cael. 377. 12 Hciberg (OF348.2) fT 35a]. Aristoph. Rm,. 154.

342 343
canto, na descrição de Plutarco em que se confundem nas Leis os diversos t ipos de.danças e fala das guerreiras
deliberadamente a experiência de quem se inicia e a l!das pacíficas, considera difíceis de class ificar as que
que passa o defunto em seu trânsito ao A1ém 41 • Creio têm a ver com as teletai:
que destes testemunhos pode conclui r-se que a música
não só figurava na teleté, mas também se supunha que Pois toda a que é báquica e própria do que
formava parte essencial da vida g rata no Além. Nesse as acom panha, nas que, dizem, imitam a bê-
contexto, cal vez a referência cômica de Filetero sobre bados, aos quais dão o nome de Ninfas, Pãs,
Silenos e Sáriros, e aquelas nas quais se cele-
os que mo rrem o uvind o tocar o aulós42 reflete uma
bram pu rificações ou teletai, toda esta classe
cerimô nia catártica própria dos ó rficos.
de danças nem pode definir-se facilmente
N o enta nto, resulta destacável o fato de que Platão como pacíficas nem como guerreiras44 .
nunca se refere à música como componente da telete
nem de suas descrições de loci arnoeni. A verdade é que No contexco da passagem Platão acaba por descar-
o filósofo mostra em suas o bras no táveis reservas em tar esta classe de danças como não aceitáveis para a
direção à música, que considera mais um elem ento pe- cidade. A situação não parece ter mudado em época
rigoso que um fato r positivo na educação dos jovens, romana, quando no século I de nossa era, segundo
pelo que deve controlar-se até o extremo; enquanto Filóscrato, Apolô nio de Tiana visita Atenas e são en-
na República eli m ina sutilmente as harmonias lastimo- contrados, associados ao nome de O rfeu, q ue para o
sas e as que conduzem e acompanham o banquete, neopitagórico é totalmente respeitável, bailes que não
propõe o uso dos instrumentos mais simples, lira e
lhe parecem decorosos:
cítara, no lugar da flauta e reduz os metros aceitáveis,
nas Leis considera que se deve de ter especial cuidado Diz-se que repreendeu aos atenienses com
com a música pelo dano que um mau uso dela pode relação às Dionisíacas que celebra m na épo-
produzir43• ca do Antescerion 45 . Pois acredi tava que re-
Q uanto à dança, temos respeito a seu uso nas te- corriam ao ccatro dispostos a ouvir monoclia
letai um testemunho de Platão que, quando classifica e composições líricas das processionais e de
quantos ritmos são próprios da comédia e a

41. Axioch. 371 d [T 55], Aristid. Q uinr. Demus. 3.25 (129.1 1 Win-
ningron-fngra.m, OF 600 11) [T 57dl, Plu. fr. 178 Sand bach (OF
594) [T 55cJ. 44. PI. Leg. 815c [T 57). . . . .
42. Philetacr. fr. l 7 K.-A. (OF 343 V III) [T 4 06], cf. § 10.5. 45. Mês :itico, correspo ndente ao final de fevereiro e pnnc1p10 de
43. PI. Resp. 398e ss.; Leg. 6696 ss. cf. Moutsopou los 1959. março, em que se celebravam as Antesterias.

344 345
tragédia, mas quando o uviu q ue aos so ns da não s6 sem envergo nha r-se, mas inclusive
Aau ta dançavam bailes de con torções e que tendo-o em mais esti ma q ue sua nob reza,
no meio do canto épico e da alabança divi na seus serviços à com u nidade e as d istinções
de O rfeu atuavam u mas vezes como Horas, de seus antepassados48 •
ou tras com o Ninfas, o utras como Baca ntes,
se aprontou à, censu ra 46•
Ainda mais tarde, no século III d.C., Aristides
Q uintiliano co ntinua falando desta prática nos ricos
Também Luciano testemunha o uso de danças nos
dionisíacos:
rituais misteriosos, incluídos os órficos:
Por isso, também dize m que as cerimô nias
Omito d i1,er que não é passivei encon t rar
báquicas e qua ntas são sem elhantes a estas
ne nhuma teleté a ntiga sem dança, por lógica
têm uma razão d e ser, a saber, que a paixão
das de Orfeu, Muse u e os melho res dançari-
de quem é m ais ignoran te, por sua forma de
nos de e nrão que as estabelecera m e dispu-
vida ou pela casual idade, seja purificada pe-
seram como algo muito formoso o iniciar-
las melodias o u danças que junto aos jogos se
se co m ritmo e dança ( ...) e m ui tos dizem
realizam nelas 4, .
que q uem dá a conhecer os misté rios "da nça
fora"47_

12.7. "J OGOS"


E em outra passagem da mesma obra dá conta da
popularidade que haviam alcançado em sua época: Arist ides Quin tiliano, na passagem q ue acabo de citar, menciona jun-
to às danças uns "jogos", algo que também faz ia Platão cm u m~
A dança báqu ica ( ... ) a té tal ponto se apo- passagem da Repiíblicn ao que me referi cm várias ocasiõeslº. E
dernu da ge nte dali que no momen to esta- duvidoso se com a palavra "jogos" (matõ uú) se referem ambos
aos joguetes q ue u tilizavam no ritual órfico-dion isíaco, imitan-
belec ido todos ·se valem, esquecendo-se de
do O engano dos Ticãs a Dion isoDioniso antes de dar-lhe morte,
tudo o demais e passam o di a sentados vendo
de acordo com uma passagem cio Papiro de Curob, e com outro
Titãs, Coribantes, Sáriros. E é ba ilada pelos
mais nobres e ma is not,iveis em cad a c idade,

48. Luc. Snlt. 79 (OF 600 I) [T 57c].


46. Philosrr. Vit. Apoll. 4.2 1 (OF l0 l 8 Vlll) [T 57aJ. Cf. Burkert
49. Aristid. Qu ine. De mus. 3.25 (p. 129. 11 W inningron-Ingram, OF
l983; Lacla-Richarcls 1999, 96.
600 I I) lT 57dJ.0
47. Luc. Sn!t. 15 (OF 5991) [T 57bJ.
50. PI. Resp. 364e (OF 573 1) [T 44] .

346
347
muito semelhante, de Clemente de Alcxand rial', o que indica, i,1
que uma parte de algum dos rituais representaria a morte e dl· O rito descrito co mportava d arn;:as frenéticas ao
voração de Dioniso pelos Titãs, ou se simplesmente se referen, ,11 111 de flau tas em derredo r do iniciando sentado em
a uma espécie de panromimas ou de danças52, o que parece mai, 11111 trono. É atribuído a Orfeu em época tardia um es-
convincente.
1 1 i10 denominado Entronizações da A1ãe (i.e. Cibele) ,

e
1111c sem d úvida se rerere · ·1ar51 , d entro
a u m n· to s1m1
ill' uma tendência progressiva e q ue clhega a seu maior
12.8 . ENTRON IZAÇÃO ,ksenvolvimenco em época im perial, a identificar pra-
11rnmente todas as teletai como "órficas". Platão utiliza
Piarão no Eutidemo fala d e um ritual de entroniza- ,1 referência em u m exemplo cóm ico, no qual Sócrates,
ção (0Qovta µ óç) no rito d e C ibele, d e o rigem frígio: \l'm conferir o mínimo valor ao rito, compara ao po-
h re C línias perseguido com predileção por Eucidemo
Atuam igualmente na teleté dos Coribantes, e D ionisodoro com o iniciando rodeado de dançantes
quando fàzem a cnrron ização ao redor da-
cstáticos que o abrumam e q uase mareiam.
quele a quem vai administrar o rito. Pois ali
há coros e jogos, como sabes, se na verdade
cum p riste as teletai. E estes dois não fazem
senão d irigir um coro em torno de ri, como 12.9. MAGIA
se dançassem b rinca ndo para celebrar ritos
depois deste5.l. Platão situa com frequência em u m mesmo plano
aos iniciadores e aos magos. Na República55 atrib ui aos
mes mos ped intes e ad ivin hos q ue vã.o às portas d os
ricos, a cura d as injustiças po r meio de sacri fício s e
5 1. P.Curob 28ss., C lem. AI. Prot. 2. 17.2. ensal mos e acrescenta q ue estes profissionais também
52. Cf. Jiménc-L San Cristóbal 2002b, 342ss., quem aporta um grande
se oferecem para prejud icar u m inimi.go por meio d e
número de materiais e d iscu1c as diversas possibilidades e Andue-
za Pérez, que apresenta convinccnres materiais a favo r da interpre- co nj uros e ataduras. Em vá rias passagens das leis en-
tação como "danças". Sobre os brinquedos, cf. mesmo assim Tor- co ntramos u ma assim ilação parecida% e a mesma im-
rorelli 2000b e o exaustivo de Lcvanio uk 2007. Sobre a passagem
de C lemente, cf. J-lcrrero 2007, 66s.
53. PI. Euthyd. 277d (OF 602) [T 58], cf. Linforth 1946a; L1da-
54. Suda s. v. Orpheus (Ili 565.5 Adlcr). Cf. a documentação reunida
Richards 1999, 101; Jiménc-r, San Crisróbal 2002, 24; 128; Ed-
em OF 602-605.
monds 2006. Cf. ademais PI. Crit. 54d: "creio ouvi-lo como os
55. PI. Resp. 364b (OF 573 I) [T 13].
iniciados nos mistérios dos Coribantcs acreditam ouvir Aautas",
56. PI. Leg. 908d (OF573 lll) [T 14], 909a (OF573 IV) [T 15] e
assim como Paquer 1973, 3 15.
933d (OF573 VI) IT 17) . Cf. § 2.4.

348
349
pressão de que os inici;:J.dores oferecem também servi-
12.1 O. ADIVI N HAÇÃO
ços de caráter mágico que nos é dada em um texto de
Hipócrates sobre os que pretendem curar a epilepsia
Também a adivinhação se enquadrava dentro das
por ,°:eio de purificações e magia57. Por sua parte, já .ttividades destes profissionais. Assim, Platão na Repú-
Eur_1p1des fala no Ciclope de ensalmos de Orfeu, que blica e nas Leis fala de "adivinhos" para referir-se a eles62
deviam ser bem conhecidos pelo público de sua épo- e no Fedro 63 , ao trazer à colação o "preceito de Adras-
ca58. Sendo assim, parece claro q ue alg uns profissionais tea'' considera que determinadas almas se engendrarão
se baseavam no nome prestigioso de Orfeu também na quinta geração "em uma vida dedicada à adivinha-
para exercer a magia o u vender ensalmos e conjuros. ção ou experta em algum rito de iniciação". Encontra-
Não é alheio a tudo isso o fato de que, como vimos mos a m esm a "mescla" de funções destes profissionais
antes59, sao
- ·
menciona dos no Papiro de Dervem'6°, uns
em o utros autores. Em primeiro lugar, em uma fonte
magoi que realizam ritos religiosos que incluem ensal- ó rfi ca, o Papiro de Derveni, ainda que em uma par-
mos (lnwLba() e que concluímos que eram sacerdo- te que apenas podemos ler, se menciona a consulta
tes órficos, que desejavam ser comparados aos magos de oráculos64 . Outras fo ntes se referem às atividades
persas como especialistas em atividades rituais. Ade- adivinhatóri as de O rfeu e de seus seguidores, e assim,
mais, são numerosas as conexões entre mistérios em Teofrasto menciona um ao lado do outro a adivinhos e
geral e orfismo em particular, com a magia61. Tudo orfeotelestas como profissionais visitados pelos supers-
parece indicar que procedimentos que consideramos ticiosos65, Filolau reúne na mesma expressão "aos an-
mágicos formavam parte das teletai, maior ou meno r tigos teólogos e adivinhos"66 e Es trabão nos apresenta
segundo os casos. Daí a identificar aos o rfeo telestas ao próprio O rfe u como protótipo dos profissionais
com toda classe de magos e charlatões por parte de qu e atuavam em seu nome, descrevendo- o como "um
quem não compartilhava a crença em suas capacidades bru xo qu e vivia de esmola em troca de m ús ica, ad ivi-
reais havia somente um passo. nhação e celebração de teletai o rgiásticas"67, de modo
semelhan te a como Filócoro, Filóstrato e Servio con-

57. Hippocr. Morb. Sacr. 18.6 (90 Grenscmann ; OF657 J) [T 136].


58. Eur. Cycl. 646-648 (OF814) fT l 7a]. 62. PI. l?esp. 3646 (OF573 [) [T 13], Leg. 908d (OF573 Ili) [T 14],
59. § 2.4. 933d (OF573 VI) [T 17J .
60. PDerv. col. Vl 1- 13 (OF47]) [T 13d]. 63. PI. l'haedr. 248d (OF459) [T 31 1.
61. Recolhidos em OF812-834. Sobre a questão, cf., sobretudo Mar- 64. POcrv. col. V 3ss. (OF 473) JT 38a].
tin Hernández 2005a e 2007. Sobre possíveis t11:w1bai órficas cf.
65. T heophr. Char. 16. 11 (OF654) [T l ld].
§ 2 n . 58. 66. Clem. AI. Strom 3.3.1 7.1 (OF430 Ili) [T 32a].
67. Scrab. 7, fr. I0a Radt (OF659) [T 11f].

350
351
sideram ao bardo trácio um adivinho68 . Inclusive são Ao final da lâmina de Hipônio encontramos a re-
atribuídos a Orfeu e aos seus, oráculos escritos, como ferência aos "mistas e bacos" que ava nçam, gloriosos,
Protágoras no diálogo do mesmo nome69 e o autor das por uma sagrada via que sem dúvida leva ao espaço
Argonáuticas órficas70 , oráculos que a tradição associa privilegiado do Além74, o que sugere que são os inicia-
com frequência com outros nomes relacionados com dos que se convertem em bacos os que efetivamente se
o de Orfeu, como Museu71 ou O nomácrito72 • fazem merecedores de tal destino.
A palavra ~lXKXOÇ e o verbo correspondente,
~CXKXEÚW, aparecem em outras fo ntes órficas anti-
12.1 1. MISTAS E BACOS gas75, onde não parece ter o mesmo sentido que para
as fontes dionisíacas não órficas, nas quais o verbo sig-
Ademais dos profissionais das teietai, Platão fala al- nifica normalmente "entrar em êxtase" e inclusive "es-
guma vez dos participantes nos ritos, aos que as fo ntes tar ou parecer louco", e o substantivo designa à pessoa
chamam normalmente "mistas" (µúa1:cn). Em uma que entra neste transe ou é presa do d elírio báquico76.
passagem do Fédon se faz eco de um verso literal atri- Vale a pena ressaltar um dos textos em que aparece
buído "aos que estabeleceram as teletai" que parece ~CXKXEÚW nos quais o sentido do verbo se faz mais
indicar que dentro dos iniciados havia certa gradação parente, uma inscrição de C umas em que se lê:
e que só uns poucos deles alcançavam uma categoria
especial, a de "Baco" (~áKxoç): Não é lícito jazer aqui quem não se conver-
teu em um baco77•
M ui tos os portadores de cirso, mas os bacos,
poueos73 • Turcan, baseando-se, sobretudo no fato de
que na inscn çao se usa o particípio de perfeito
(~E~cxxxwµévov) que em grego significa o estado
68. Philoehor. FGrHist 328 F 77 (OF81 O e 81 3), Philosrr. Vit. Apofl.
4.14 (OF 1057), Serv. in Aen. 3.98 (1 358.29 Thilo-1-lagen). Cf.
abundante materia l cm OF 804-81 1.
69. PI.Prot.3 16d (OF 549 1) (T 71. 74. OF474.15-16 [T 50aJ.
70. Orph. A,g. 33-36 (OF804) 75. 1~ e. Eur. Hipp. 953s. (OF627) [T !0b), Cret. fr. 472 Kanniehr
7 1. Ariscoph. R11n. 1033 (OF 547 1) [T 7a]. C f. Mus. fr. 62-71 (OF 567) [T 11 bl, Inser. Cum. V a. C. ln Sokolowski, Luís
l3crnabé. S11crées, Supplément, 1962, n. 120, p. 202, O F652) . [T 4 le].
72. 1-ldt. 7.6.2 (OF 807), !'lu. De Pyth 01: 40713 (OF 808), Suda s. v. 76. C f. por ex. í3aKXcÚW ln Aeseh. fr. 58 Radr, Eur. /311cch. 343, HF
O,pheus ( fII 565.1 Adler, OF 809), ef. D'Agosrino 2007, 12. 1122; í3áKXOÇ em Eur. Bacch. 491 , HF l 119.
73. PI. Phaed. 69e (OF 434 III, 576 I) [T 41]. 77. Inser. C um. eir. em n. 75.

352 3 53
presente resulcado d e uma ação passada, conclui qw· Encontramos a mesma situação em uma passagem
entre os órficos f3mcxeúnv não era um estado transi de Eurípides em que aparece um coro de homens san-
tório, e sim uma condição durável e nele, nesta perdu tos iniciados de Zeus no Ida, que se apresentam a si
ração do efeito do êxtase para transformar-se em um mesmos com os mesmos traços que estamos vendo
estado, o orfismo se diferenciava de outras manifesta como característicos dos órficos:
ções do dionisismo78• Fala em favo r de sua interprc
cação o fato de q ue também Platão uti liza particípios Levamos uma vida pura, desde que
de perfeito (KEKa8aQµÉvoç ... 'Wr1:i\1:aµ Évoç) me converti cm iniciado de Zeus do Ida. 10
nas referências aos iniciados no Fédon79 e Plucarco Após ter celebrado os trovões do noctívago
os emprega também em um texto referido aos inicia Zagrcu
dos em contraposição a quem não escá 80 Jiménez San e os banquetes de carne crua,
C riscóbal analisou impecavelmente l uso de f3cixxoç e
f3cncx1:úêlv no orfismo e chega à conclusão de que o e sustentado as rochas em honra da Mãe
f3cncxeúnv 6rfico se distancia da atividade violenta e montaraz,
junto aos C uretes,
a transitoriedade próprias do mista dionisíaco, que en -
recebi o no me de Baco, uma vez santificado.
tra em êxtase com o sacrifício sang rento. O ó rfico, ao
Com vestidos totalmen te alvos retiro
contrário, entende o êxtase como um estado d e bem-
a geração dos morrais e os sa rcófagos,
avencurança permanente que se logra através de uma sem aproximar-me deles e me guardo de
ascese pessoal 8 1• H averia, pois, mistas correntes, que nu tri r-me
haveriam participado nos ritos, m as seria m incapazes de alimentos nos que há alma 82•
de perseverar, e, portanto, não conseguiriam alcançar
o estado de pureza ritual necessário para ser admitidos Eurípides nos oferece na passagem um uso muito
no lugar de privilégio no Além, e o utros, mis tas como
matizado dos tempos verbais, que se avente à perfeição
eles, mas que teriam sabido ir mais longe e manter seu
com quanto levo dito. Assim, os sacerdo tes do coro
estado de pureza.
se referem em aoristo, o tema que expressa em grego
ações pontuais, à iniciação ou a detalhes desta, que
78. Turcan 1986; 1992. tiveram lugar no passado e foram o ponto de partida
79. PI. Phaed. 69c (OF 434 Ili, 576 1) [T 41].
80. Plu . fr. 178 Sandbach (OF 594) [T 55cJ µ q wqµ t voç ...
crcupavoµtvoç.
81. Jiménez San C ristóbal, 2009. 82. Eur. Cret. fr. 472 Kannichc (OF 567) [T l I b].

354 355
distante de sua situação: "eu me converti em iniciado" 1,·, 1cmunho. Para isso se situa no rastro dos comen-
(µÚCT'LflÇyevóµriv), "após ter celebrado"() os ritos(' 1.1dores que interpretam simbolicamente os textos,
8
"após ter sustentado" (àvaoxwv) as rochas, "fui cha ,111s que sem dúvida conhece, já que, como vimos 4,
85
\l' refere a eles no Íon e no Mênon • E assim, em Gór-
mado baco" (f3áxxoç f:KAtj0riv), "após ter sido san
tificado" (ÓaLw0dç). Ao contrário, usam o presente, gir1s, para dirigir-se ao descrente Cálicles e tratar de
que expressa duração, permanência, para referir-se à .i~sustá-lo com os castigos no Além descritos pelos
sua vida atual, na que perseveram: "levamos" (µ) uma <',rficos, como levar água a uma tina furada, prefere
vida pura, "repugno" (cpeúyw) a geração, "sem apro- l'.izer uso de uma versão "interpretada" que atribui a
ximar-me" (ou XQLµ71'LÓµevoç) aos sarcófagos. E 11111 hábil siciliano que joga com as palavras (após o

fecham a passagem com um perfeito, nHl)ú;\ayµm 11ual pode encontrar a ele m esmo), versão segundo a
"me guardo" do alimento animado (em realidade, qual a "tinà' (nL0ov) elucida o fato d e ser confiado
dado que expressa estado, significaria algo assim como (nL0avóv) e fácil para deixar-se convencer; a alusão
"mantenho permanentemente minha abstenção") 83_ aos não iniciados (àµutj'I:ouç) se refel[e aos "insensa-
LOs" (àvotj'I:ouç) e a alma é como uma peneira por-
que não pode reter o conteúdo, isto é, o que aprende,
12. 12. UMA ATITUDE DEPRECIATIVA E UMA por sua deslealdade e caráter esquecido86 •
POSSIBILIDADE DE VALORIZAÇÃO POSITIVA Muito mais interessante é uma passagem do Fécúm,
na qual Platão utiliza a mensagem religiosa das teú:tai para
Ao término de nosso percurso, vimos que Platão transpô-la e transformá-la em uma defesa da filosofia:
nos informa de muitos detalhes interessantes sobre os
ritos órficos e comprovamos que podemos validar seus E pode ser que os que instituíram as teletai
dados após o cotejo com outras fontes. N ão é menos não sejam gen te inepta, e sim que na realida-
cerco.que sua atitude para com eles é depreciativa, irô- de se indique de forma simbólica desde antes
nica, distante e que as te!etai são em sua opinião jogos que quem chegar ao H ades não iniciado e
sem ter cumprido as teletai "jazerá no lodo"
banais, próprios de gente pouco inteligente.
mas o que chega purificado e cumpridas as
No entanto, o fi lósofo se sente atraído por alguns
teletai, habitará ali com os deuses. Pois, com
aspectos dos esquemas propostos pelos órficos e busca
em algum caso uma maneira de salvar a validez de seu
84. Aos que me referi no § 2.5.
85. PI. lon 5336 (OF 973) [T 4], Men. 8la (OF 424) [T 25].
83. Cf. Casadio 1990a e 13erna6é 20046. 86. PI. Gorg. 493a (OF 434 ll) [T 40].

356 357
efeito, como dizem os das tefetai, são muitos A crítica deste último indica que a crença órfica era
os portadores de tirso, mas os bacos, poucos, que, com efeito, a mera participação nos ritos permitia
e estes, em minha opinião, não são outros salvar-se. Entretanto o filósofo ateniense aceita que "os
que os que filosofaram correramente87. das teletai" podem ter razão, se sua mensagem se en-
tende como simbólica, como um enigma (a.tvtyµa.).
A .in trodução da passagem é interessante; se Pla- Os bacos, os iniciados órficos que alcançaram um esta-
tão sugere: "pode ser que os que instituíram as teletai
do de maior perfeição através da ascese, não são, para
não sejam gente inepta'', é porque, para ele, à primeira
Platão, senão os que filosofaram corretamente.
vista e se se aceitasse sua mensagem literalm ente, o se-
Observamos dois detalhes do refinamento da
riam. O que verdadeiramente devia dizer o texto órfi-
transposição p latôn ica neste ponto. O primeiro, é
co conhecido por Platão, era que o que não cumprisse
que Platão volta a utilizar um particípio de perfei-
os ritos praticados pelos profissionais que chamamos
to, Tiéq:>LÀoaocp17icó1:Eç, como os que usavam os
o rfeotelescas não obteria os benefícios que estes pro-
metiam ao iniciado no Além e, em consequência, ja- das teletai ([3é[3(X]cxwµtvoç, KéKa.0a.Qµêvoç,
zeria no lodo, enquanto que o que, por ter participado µEµu17µêvoç, 'tE'tEAEaµêvoç), mas para definir
destes ritos, chegasse ao Hades iniciado e purificado, aos filósofos, dado que para ele é a prática conti nua-
viveria ali com os deuses. Quanto ao verso citado li- da da filosofia a que produz um estado (o que define
teralmente, "Muitos os portadores do cirso, mas os o perfeito grego) que permitirá ao filósofo um desti-
bacos, poucos", que nos recorda inevitavelmente o no melhor no Além. O segundo detalhe é que deter-
cristão "muitos são os chamados, mas poucos os es- m ina e o particípio com o advérbio "corretam ente"
colhidos", aludiria, tal como ressaltamos em § 12.11 , (ÓQ0Wç), cujas ressonâncias órficas são claras89 •
a que eram muitos os que pretendiam iniciar-se nos Como sempre, o contexto e os interesses do filó-
mistérios órficos, mas que só alguns alcançavam o es- sofo são determinantes para sua valorização de fenô-
tado descrito com o verbo ~(X]CXEÚW, o verdadeiro menos órficos. No Pedro não há problemas em aceitar
êxtase e a un ião com a divindade. os benefícios das teletai, insertos em uma espécie de
Piarão não pode aceitar que a mera participação nas "elogio da loucura" ou, por melhor dizer, da µa.v(a. 90 ,
teletai capacice para habitar com os deuses, uma opi-
nião q ue compartilha com ele Oiógenes, o Cín ico88 •
89. Cf. Dietcrich 1893, 81 n. 2, que vê na repetição de ÓQ0Wç em
Aristoph. Av. 690 e 692 uma alusão a um terno órfico, comparan-
do-a com Nub. 250, onde o autor zomba dos mistérios órficos e
87. PI. Phaed. 69c (OF434 11 1,576 I) [T 41 J. reaparece o advérbio. Cf. também Pardini 1993, 61s.
88. Cf Julian. Or. 7.25 (111.88 Rochefort OF 435 ! ) [T 41c). 90. PI. Phaedr. 244d (OF 575) [T 45). Sobre µav[a, cf § 12 n. 12

358 359
mas quanto·as te!etai se relacionam com a salvas·f10 il11 Mim e no mito do Político92. Se bem que a inspiração
alma e a libertação de culpas em contexto político 1111 111iciática parece, com efeito, presidir a imaginação, os
religioso, Platão esgrime todas suas armas para a1;11 ,Ir 111odelos de ascensão e purificação do primeiro diálogo
tais pontos de vista. ,. podem recordar o esquema dos mistérios93 , as seme-
lh:mças órficas do mito do Político me paLrecem muito
111ais superficiais e por isso não tratei neste livro.
12.13. TRANS POSIÇÃO PLATÓNICA Por sua parte, o criador do conceito de "transpo-
DE MODELOS ÓRFICOS \ição", Dies, põe alguns exemplos do que denomina
~-lementos do "misticismo literário" nos diálogos pla-
Em outras ocasiões, Platão, já sem fazer referênn,1 tônicos, como o Sócrates da Apologia que "renova o
aos mistérios ou ao orfismo como tais, se deixa in jogo de oscilação entre a crença em uma morte to-
fluenciar pelo modelo, o vocabulário ou as imagens da~ tal, desprovida de toda consciência e os ' relatos' ('Cà
manifestações próprias destas manifestações religiosas. Aeyóµeva) que prometem uma vida melhor"9\ ou
Naturalmente é este um terreno muito mais cs o terceiro discurso do Pedro onde o delírio amoroso
corregadio que aquele pelo que estivemos transitando se eleva ao lodo de entusiasmo e cria uma atmosfera
neste livro, um terreno que requereria de outra meto mística como a dos mistérios95 ou, tamlbém no mes-
dologia e que poderia sem dúvida dar lugar a outro mo diálogo, a viagem supraceleste, cheio de elementos
trabalho, dado que se trata de detalhes aqui ou lá 11:1 próprios da literatura de descida aos infernos, na qual
extensa obra do filósofo, nos quais se evidencia uma os or' fi cos parttoparam
. . d e um mod o mwto · notave ' 196 ,
origem última inspirada nos mistérios91• Por isso não ou inclusive o tom geral do Fédori97. O autor francês
posso senão referir-me a alguns trabalhos particular conclui seu capítulo seminal ressaltando como Platão
mente significativos e apontar algumas linhas mestras. deu ao misticismo de seu tempo mais d o que tomou
Assim, já Cornford a princípios do século XX dele, substituindo a iniciação consistente no passo
apontou influxos órficos no mito da Caverna na Repú- de provas cultuais pela perfeição da vida filosófica, a

92. Comford 1903.


91. Dics J 927, 444 ressaira que só "uma longa e minuciosa compa- 93. Cf. Gaiser 1991.
ração (... ) poderia esclarecer esta transposição do misticismo em 94. Dics 1927, 441 -442, acerca de PI. Apol. 40c-4 I e
plaro nismo". tentei neste livro oferecer alguns elemenros, os mais 95. D ics 1927, 444, sobre PI. Phaedr. 244a-249a.
próximos e evidentes, desta co mparação, mas é claro que os mais 96. D ies 1927, 444s., sobre PI. Phaedr. 247e, 250bc
d istantes e menos evidentes requereriam de um esforço diferente. 97. Dies 1927, 446s.

360 361
divinização banal das lâminas órficas pelo esforço de ciar uma vida de injustiça, na ideia de que as vias fá-
semelhança moral com a divindade e a deificação pela ceis de salvação facilitam que o culpado se subtraia da
contemplação cara a cara da Realidade inteligívcl 98. justiça divina. Por outra parte, no enta nto, Platão está
Após as m arcas de Dies avançaram Frutiger, que res- disposto a aceitar, até um certo limite, um fenômeno
salta como muitos mitos essenciais de P latão seguem como a arte adivinhatória101 ou a transpor determina-
a trad ição órfico-pitagórica, se bem que ele lhes con- das experiências místicas 105 no Banquete, o Pedro ou a
feriu uma realidade filosófica superior99 , ou Schuhl, República, especialmente no mito da Caverna 1º6 •
que põe em destaque como Platão utiliza as experiên- Por sua parte, Brisson analisa a "cautela" religiosa
cias místicas para traduzir a experiência filosófica no sobre a qual se baseia a teoria da àváµVflCTLÇ e utili-
Banquete e no Pedro 100 • Sobre estes mesmos diálogos za materiais que neste livro consideramos órficos, mas
apresenta Riedweg um completo quadro dos ecos que o autor se mostra muito resistente a admitir como
misteriosos através do escudo sistemático d a presen- tais 107, enquanto que Calvo Martínez sustenta que
ça de uma term inologia característica dos mistérios, Platão, ao introduzir na doutrina da àváµvT]aLÇ no
como Ei\i::yx.oç o KáÜaQCTLÇ, qn~yyoç, noµn~ ou Mênon e no Pedro uma série de materiais mitológicos e
ÕE͵a-ca, para prosseguir sua análise com a sobrevi- religiosos "transpostos" a outro nível, no que a reminis-
vência desta terminologia em Pílon e em C lemente 1º1• cência se transforma no principal vínculo da relação e
Em um livro que também segue as marcas de Dies, referência da alma com as Ideias, transpõe àváµvqmç
Paquet analisa o que chama a "visão" do iniciado" 1º2 • à ideia de Ká0aQCTLÇ própria do âmbito religio_so .
Partindo da ideia de que a religião p latônica é uma re- Como pode ver-se à vista deste catálogo, apressado
ligião interior e não sim ples ri tualismo 1°3, nos apresen- e parcial, há todo um caminho aberto de possibilida-
ta através de numerosos exemplos a dupla atitude do des de indagação futura acerca dos sueis proced imen-
filósofo ante os mistérios. Por uma parte, condena sem tos platônicos para incorporar elementos tradicionais,
piedade tanto a exploração dos sentimentos religiosos devidamente transpostos, a seu rico sistema doutrinal. 108
menos recomendáveis (como a magia ou a feitiçaria)
corno a pretensão de que as iniciações possam propi-
104. Paqucr 1973, 320ss.
105. Paquet 1973, 322ss.
98. Oics 1927, 448s 106. Paquer 1973, 333ss.
99. Frurigcr 1930, espccialmcnrc 260, 262, 269 107. Brisson 1999. Há aspectos muito inrcressanres na discussão re-
100. Schu hl 1934, sobretudo, 205 n. 4 colhida no livro, cspccialmcnrc as intervenções de Calvo Martí-
101. Riedweg 1987. nez pp. 53-56 em defesa do caráter órfico dos elementos religio-
102. Paquer 1973, 296-356. sos aduzidos por Brisson.
l 03. Paquet 1973, 298. 108. Calvo Martínez 1999.

362 363
13

M ÉTODOS DA TRANSPOSIÇÃO
PLATÓNICA

13.1. A T RANS POSIÇÃO

o longo deste livro, reiterei como característi-


A co de Platão um p rocedimento de adaptação de
ideias alheias, que, seguindo um trabalho já clássico
de O ies 1, denominei "transposição" . Trata-se da ma-
neira pela qual o filósofo cita ou alude a passagens de
outros autores, geralmente prestigiosos, como apoio
para as suas próprias teses, e opera sobre tais citações
modificações mais ou menos sutis, seja a propósito das
palavras que usa, seja pelo contexto no qual as insere,
de modo que transforma também o seu significado ou
a sua intenção, especialmente para fazer com que se

l. D ies 1927, 432ss., sob re cujas p istas segue Fruciger 1930; cf. tam-
bém Schuhl 1934, 205, n. 4, que insiste no fato de que Platão uti-
liza as experiências místicas para traduzir a exp,eriência filosófica, e
Paq uet 1973.
acomodem às suas próprias ideias, pondo em relevo o disso, quando quer utilizar ideias órficas para apo iar
que têm em comum e ocultando ou transformando o as suas propostas, não as cita co mo de Orfeu, mas,
que as diferencia. De alguma forma, Platão apresenta isso sim, ou apela para a sua antiguidade, que para os
as ideias dos autores que cita como quase platônicas, a gregos significa prestígio2, e, então, as cita como pro-
fim de apo iar o valor das que ele mesmo está expondo cedentes de um "antigo relato" (na;\màç Aóyoç)3,
com o prestigio e/ou a antiguidade das suas fo ntes. ou apela ao seu caráter sagrado, como se fossem, falan-
do de um modo anacrôn ico, "reveladas", e as qualifica
Outras vezes, pelo contrário, a deformação ocorre em
como vindas de um relato sagrado (LcQàÇ Aóyoç)/4 ou
sentido inverso, para mostrar uma ideia com a que
diz que são obras de "descendentes de deuses"5. Esta
não está de acordo sob a luz mais desfavorável possível.
ultima maneira de alud ir, al iás, pode estar tomada de
Neste capitulo, tratarei de aprofundar um pouco
ironia e marcar o distanciamento do autor, como a
neste recurso de Platão, ainda que sem o desejo de
referencia aos "filhos de deuses convertidos em poetas
ser exaustivo. Por isso, me limitarei a apresentar uma
e profetas dos deuses"6, ou a Orfeu e M useu como
classificação dos procedimentos de transposição mais
"filhos da Lua e das Musas"7 •
comuns usados pelo filósofo, acompan hados ele al- Platão se apoia também em sacerdotes e sacer-
guns exemplos tomados de casos em que invoca de dotisas que são capazes de explicar aquilo de que se
uma fo rma ou de outra a tradição órfica para apoiar as ocupam 8 o u nos "das teletai"9, expressão um tanto
suas próprias ideias.
'
2. Por exemplo, também Prodgoras em PI. Prot. 316d (OF 549 1)
13.2. A MAN ElRA DE APRESENTAR [T 7] tenta dar prestigio à sofística dizendo q ue se trata de prati-
ca antiga (n'.xvqv .. m:v\cnéiv), praticada por homens antigos
A C ITAÇÃO
(-rwv TICIÀmwv àvbi;_>wv). Plu. De esu carn. 9968 (OF 3 18 Il)
[T 35dl dá peso á sua argumentação indicando que há um relaco
Ó primeiro método de transposição consiste na aina mais antigo que o de Empédoclcs (bo1<1.:i TICIÀCILÓ'CcQOÇ
própria maneira de apresentar a citação. No § 1.8 oú'Coç ó Aóyoç).
3. TICIÀCILÓÇ Aóyoç: ri. Leg. 7 15c (OF 3 1 Ili) IT 241, Phaed. 70c
já indiquei os traços essenciais da maneira pela qual (OF428 I) [T 26].
Platão se refere às obras atribuídas a Orfeu. Vimos ali 4. wiç TIC1ÀC1Loiç 'CE 1<al lci;_>oiç AóyoLç PI. Epist. 7.335a (OF
que, quando Platão cita literalmente uma passagem e 433 1) [T 27] .
menciona Orfeu como o seu autor, tal passage m não é 5. PI. Tim. 40d (OF21) [T2].
6. PI. Resp. 366a (OF 574) [T 43] ..
relevante para as suas próprias ideias. D e modo que o 7. PI. Resp. 364c (OF573 l) [T 31.
filósofo não parece considerar que "Orfeu" seja, como 8. Pl. Men.81a(OF 424) [T 25J.
tal, um nome que dê peso às suas doutrinas. Ao invés 9. PI. Phaed. 69c (OF 434 Lll, 576 !) [T 4 1l-

368 369
ambígua po rque, ai nda que na citação comprovemos favo reciam a interpretação platônica. Vejamos alguns
que a dou trina da qual se fala é órfica, as teletai para exemplos.
os atenienses podem ser as de Elêusis, rodeadas, para Na apresentação das gerações divinas no Timeu'4,
eles, de uma aura de prestigio. Algo parecido vale di- Platão se apoia na teogon ia de Orfeu, mas, ao fazê-lo,
zer da referência ao "relato que se conta nos círculos omite a Noite primigênia, porque a no ite no diálogo
secreros" 1º. Platão menciona também uma fonte órfi- ocupava outro lugar e não seria o caso de mencioná-
ca, como procedente de "um sábio", aludindo a uma la neste mo mento, ou despacha com um "e outros"
condição de prestigio, a qualidade de sábio, um con- diversos deuses que, como não constituem um ponto
ceito também tradicional, aplicado, por exemplo, aos importante da sua obra, não merecem uma menção
prestigiosos Sete 11• especifica.
Ao contrário, um zombador "Museu e o seu Nas leis, fala do "deus que tem o princípio, o fim
fi lho" 12 introduz uma referência ao banquete dos jus- e o centro de todos os seres"'5. Não obstante o faro do
tos com o qual os órficos premiam os seus iniciados, poema órfico se caracterizar pela ratificação do nome
como se fosse uma reunião de bêbados sempiternos 13, de Zeus, que se define com d iversos atributos16, Platão
quando pretende apresentá-la como uma alternativa o substitui por um mais im preciso "o deus", o que lhe
bastarda do que deve ser a imagem dos justo p remia- permite despersonalizar a figura di vina e aproximá-la
dos no AJém , que é, naturalmente, a que ele mesmo mais de uma ideia filosófi ca.
apresenta. No Crátilo alude ao postulado ó rfi co do castigo
ao qual roda alma está submetida com as palav ras "a
alma, que paga o castigo pelo que deve pagá-lo" 17 , que
13.3. O MISSÃ O em u m contexto ó rfico se referem, sem duvida, à ne-
cessidade de expiar a cul pa dos Titãs, os antepassados
E ntrando já no contel'.1do das citações, o primei- dos seres h umanos. Mas Platão é del iberadamente am-
ro procedimento ao qual me referirei é um dos mais bíguo neste ponto, porque o mito dos Titãs estava re-
simplórios, a omissão, que consiste em eliminar da lacio nado ao pensamento órfico com a necessidade de
referência elementos que estavam nela, mas que não livrar-se da culpa primigênia por meio do ritual e esta

10. PI. Phned. 626 (OF429 I) [T 30]. 14. PI. Tim. 40d (OF2 1 e 24) [T 191, cf. § 4.2 .
11. PI. Corg. 493a (OF 430 li) IT 33]. 15. PI. Leg. 715c ( OF 3 1 lll, 32 1) [T 241, cf. § 1 1.1.
12. Sobre o qual cf. § 1.7. 16. Schol. PI. Leg. 7 15c (317 Greene) (T 24a].
13. PI. Resp. 363c (OF 431 1) [T 36]. 17 . PI. Crnt. 400c (OF 430 1) [T 32], cf. §§ 7 e 8.5.

370 37 1
é uma ideia q ue ele renega, já que considera q ue só se vida da maneira mais santa possível", afi rmação de sua
devem pagar as culpas que a própria pessoa cometeu lavra, que é coerente com o quad ro, mas que parece
e, sobretudo, que o rito não pode, em modo algum, não p roceder dos ó rficos20 •
absolver por si mesm o o culpad?. O procedimento pode ser m uito suei!; como acres-
centar apenas um par de palavras que subvertem todo
o sentido do conjunto. Assim, na Carta VII invoca os
13.4. ADI ÇÃO "relatos antigos e sagrados" para destacar que "a al ma
é imo rtal e paga terríveis castigos quando se separa do
O p rocedimento inverso do anterio r é o da adição. corpo", mas acresce nta "sofre juízos", al udi ndo aos juí-
Platão fo rmula de modo resumido a doutrina na qual zes infe rnais, co nhecidos também po r Píndaro, mas
se baseia, mas acrescenta algum detalhe, como se per- que não estão presentes no u111verso. das 1·a m111as
. z1 .
tencesse à fonte o riginal, quase sempre com a intenção O u na República, quando cri tica a em briaguez sem-
de racio nalizar o u mo ralizar o co nteúdo da sua fonte. p iterna que " Museu e o seu filho" oferecem no Além
Em uma passagem das Leis à qual já me referi, fala aos justos, a define como "reco mpensa da virtude"
do "deus que cem o princípio, o fim e o centro de (CXQEUÍÇ µ LaÜÓç), jogando com um conceito como
todos os seres" 18 • O poema ó rfico não apresentava "o o de àQET'Í q ue é, que saibamos, alheio aos órfi cos.
fim", mas dizia "Zeus cabeça, Zeus centro". O acrés- Um ültimo exemplo poderia ser um passo do Fé-
cimo do fim introduz um elemento novo, que não es- don no qual Sócrates manifesta a sua esperança sob re
tava na o bra o riginal. Aliás, não encontram os em ne- o seu destino no Além , aduzindo a "antiga" ideia sobre
nhum texto ó rfico imp licação alguma de Zeus na sorte a possibi lidade de desti nos melhores e piores:
fi nal dos seres humanos. São D io nísio e Perséfone os
deuses que têm a ver com cal questão crucial 19 • Mas Mas que estou muito esperançado de q ue para
Platão não quer subtrair capacidades de Zeus, e o seu os mortos exista algo e, como se d iz de antigo,
22
protagonismo nesta importan te etapa. muito melhor pa ra os bons que para os maus •
No M ênon, depois de expo r a teoria da transmi-
gração, acrescenta que po r isso é necessário "passar a A 1'.iltima frase introduz na crença antiga um co m -
po nente mo ral co mo dife renciado r do destino melhor

18. PI. l eg. 7 15e (OF 3 1 111, 32 1) [T 24], cf. § 1 1. 1.


19. Cf. sobretud o a lâmina de Pelinna (OF 485) l'J' 366] e dois de 20. PI. Men. 8 la (OF 424) [T 251, cf. § 6.1.
'li.trios (OF 489-490) fT 53aJ, assim como Pind. fr. 133 Maehl. 2 1. Pl. 1:pist. 7.335a (OF433 l) fT 27).
= 65 Cannarà Fera [T 25] . 22. PI. Phaed. 63c [T 52].

372 3 73
o u pior, que sabemos não era parte da doutrina que De modo que a "prisão" passa a ser, simplesmente,
se aduz. "custódia". No § 7.8 analisei as razéíes e implicações
dessa transposição.

13.5. MOD IFICAÇÃO


13.6. RECONTEXTUALI ZAÇÃO
C hamo "mod ificação" a mudança de algum termo
na referência à fonte q ue provoca uma profunda alte- Um quarto procedimento é contextualizar a refe-
ração do sentido originário. rência em um âmbito novo, dando a impressão de que
Um dos casos mais significativos é a referência à situ- este também formava parte do conjunto antigo. É o
ação da alma durante a sua passagem pelo corpo. Os ór- caso do passo do Mênon já ci tado, no q ual Sócrates
ficos utilizaram uma formulação drástico, awµa, ar;µa se refere à doutrina de "varões e mulheres entendidos
"o corpo, uma sepu1turá' 23; sem dúvida, o mesmo passo em assuntos divinos" que "afirmam que a alma(... ) é
do Crdtilo no qual recorre à citação Platão acrescenta: imortal e que al gumas vezes chega a um termo - a que
chamam morrer - e outras de novo chega a ser, mas
Sem dúvida, me parece que O rfeu e os seus que não perece nuncà' 25 • O passo é precedido pelares-
lhe puseram este nome, sobretudo porque a posta de Sócrates à pergunta de Mê.non sobre como
alma, q1ue paga o castigo pelo que deve pagá- é possível buscar o que se ignora que é, e explora a
lo, o tem como um recinto, semel hante a conseq uência:
uma prisão.
Assim, pois, a alma, no tanto que é imortal
A "sepulturá' se converteu em "semelhante a uma e nasceu muitas vezes e visto o daqui, o do
prisão"_. Também no Fédon, ao fazer referência à mes- Hades e todas as coisas, não há nada que não
ma doutrina, nos diz: tenha aprendido etc.

Pois bem, o relato que se co nta nos círcu los Assim, pois, Sócrates contextualii,a a teo ria órfica
secretos sobre isso, que estamos sob u m;1 es- da transmigração em marco da argumentação a favor
pécie de custódia os homens 24 • d a teoria do conhecimento como recordação, dando

23. Crat. 400c (OF 430 I) [T 321 e Gorg. 493a (OF 430 li) [T 33].
24. PI. Phned. 62b (OF 4291) IT 30). 25. PI. Men. 81a (OF424) (T 25].

374 375
assim a impressão de que a àváµvrJCTlÇ e uma con- como quase todos os demais, fala em enig-
sequência lógica da doutrina órfica ou, até mesmo, de mas. Pois toda a poesia é, por natureza, enig-
que era parte dela. mática e não para que qualquer um a com-
preenda27.

13.7. INTERPRETAÇÃO DE ENIGMAS Está claro que tal coincidência não deve ser atri-
buída a um influxo dos órficos sobre Platão, mas, isso
O quinto procedimento de transposição, que de- sim, ao fato de que ambos aludem a uma forma de
nomino "interpretação de enigmas", consiste em uma exegese que era comum à época28 • Como o comen-
forma de exegese literária que parte de atribuir a cer- tador de D erveni diz reiteradas vezes que Orfeu "fala
tos textos a condição de ai'.vLyµa, "enigmà'. Tais enigmaticamente" porque quer d izer outra coisa, Pro-
textos, em sua maioria religiosos, não significariam o tágoras, no diálogo q ue leva o seu nome, sugere que o
que parecem significar, mas possuiriam um segundo trácio teria sido um antecessor da sofistica que "disfar-
sig nificado, simbólico, deliberadamente oculto, aces- çou" o seu verdadeiro pensamento 29 .
sível apenas aos que possuem as chaves da sua inter- Platão também atribui aos ó rficos um propósito
pretação, vale dizer, os iniciados. Supõe-se que o autor "enigmático" em uma passagem do Fédon:
aLVL't'tE'CC\'.l, "fala por enigmas" e que o in térprete
possui as chaves corretas para entender o que diz. En- Pois bem, o relato que se conta nos círcu-
contramos uma afirmação muito parecida no Papiro los secretos sobre isso, que estamos sob uma
de Derveni e em P latão. Enquanto o comentador do espécie de custódia os homens e a própria
papiro assevera: pessoa não deve livrar-se nem escapar, pare-
ce-me algo grande e não fácil de entrever30 .
É que a poesia é algo esuanho é como um
·enigma para a gente26, O filósofo não apenas tran_sportou a teo ria órfica
do texto originári o, segundo a qual o corpo é uma se-
Sócrates, no segundo Alcibfades, após uma citação
do Margites, precisa que o poeta
27. PI. Alcib. 2. 1476.
28. Cf. Lévêque 1959, Pépin 2 1976 e Struek 2004; no!! Derv.: Laks
1997 e Mosl 1997; e m Platão: Bernabé 1999b.
26. P.Derv. col. Vlf 4-5. 29. PI. Prot. 3 16d (OF549 I) [T 7].
30. PI. Phaed. 626 (OF 429 l) [T 30 J.

376
377
pultura, mas a substituiu pela mais suave, do corpo "das teletai" se valendo do expediente segundo o qual
como cárcere, chegando ainda mais além, afirmando "falam por enigmas", base sobre a qual pode interpre-
que não está no cárcere, mas sob custód ia31 • Prova- tar que os iniciados são, na realidade, os que filosofam
velmente, grande parte dos pro blem as suscitados pela corretamente. O texto religioso em sua literalidade
interpretação de q:>QOVQá derivada dessa mesma cir- sustenta algo inaceitável para Platão, a ideia de que é
cunstância: é o resultado de uma transposição. Mas a realização de meros rituais o que decide a sorte das
Platão vai além, po rque entende que cal afirmação almas no Além. Mas as palavras de Orfeu são palavras
(que foi transposta po r ele) deve ai nda ser analisada religiosas e antigas, su postamente reveladas pelos deu-
por m eio de uma operação difícil, que obriga a "ver por ses, de modo que devem ser cercas d e alguma forma,
m eio" do texto (ÕLLÕ{iv), aparta r o conteúdo mítico ainda que não o pareçam . Percebemos cerco toque de
e li terário do verso enganoso para falar da m ensagem iron ia nesse "pode ser que não seja gen te inepta", que
autêntica, a grande verdade. E assim, Sócrates segue explicita que, para Platão, parece qw~ o são, enquanto
com uma explicação (com o mesm o "parece-m e" que
não demonstra o contrário. O resultado desce prin-
encontramos em o utros passos32) que atribui a cais "es-
cípio é que o fi lósofo interpreta que "iniciado" q uer
critos secretos" uma ideia da providência divina que é
dizer "qu em filosofa corretamente", e deste modo faz
levemente p latônica, e não ó rfica, como crê Alderink33 :
com que o texto rel igioso proclam e uma verdade as-
Não obstante, a mim pelo menos, parece, sumida po r ele.
q ue o que Cebes di'l, (e bem) é isco: que os A imagem da alma encerrada em uma prisão se
deuses são os quc cuidam de nós e que nós, prolonga no Fédon, mas agora recebe nova leitu ra:
os homens, somos uma posse dos deuses.
A alma desces (dos amantes do saber), quan-
Em outro passo do me~ diálogo, que exam ina- do a filosofia sc faz cargo dela, está simples-
mente acorrentada e apresada den tro do cor-
m os no§ 12.12, Sócrates tenta alvar a mensagem dos
po e obrigada a examinar a rea lidade através
desce como de uma prisão( ...) advertindo
que o terrível do aprisionamento é por causa
31. Cf. § 7.8. do desejo34 .
32. O que acabamos de citar, PI. J'hned. 62b (OF429 1) [T 30), Crnt.
400c (OF 4301) [T 321, o 397e ss., escudado no§ 7.6.
33. AJdcrink 1981, 63, que não percebe que o ÔILÔéLV do passo ante-
rior e a presença de "parece-me" desvirtuam roda sua in terpreta-
ção do texto, já que indicam que Sócrates está "entrevendo", vale
dizer, reinterpretando o texto para da r sua própria opinião. e [T 49]. \

378 379
O ap risionamento da alma no corpo é, uma vez Pois bem, Crácilo, q uiçá as coisas sejam
mais, reinterpretado, sendo agora o desejo o que acor- assim, quiçá não, de modo que deves exa-
renta a alma. miná-lo com valenria e bem e não aceitá-lo
facilmente - pois ainda és jovem e tens idade
para isso - e, u ma vez examinado, conta-me
13.8. ETIMOLOG IA ta mbém se o descobrires37 .

Outra maneira de interpretar os textos em um de- Sem dúvida, não podemos passar ao o utro extre-
term inado sentido, conveniente para os propósitos de mo, qual seja, a ideia de considerar que, para Piarão, a
quem os cita, é a etimologia. Também encontramos etimo logia é puro jogo38• Sabe-se que para os antigos,
este recurso no Papiro de Derveni, e, até mesmo, muito as palavras têm um sentido verdadeiro (E'l:vµoç) que
antes, já que o encontramos nos poetas mais antigos, só vem à tona rem etendo-a a outra ou outras pala-
desde H o mero, ai nda que os órficos o usem de modo vras similares. O qu e se busca em uma etimologia, no
parcicular35• E'l:Vµoç t\óyoç de uma palavra, não é uma funda-
mentação diacrônica, como a q ue perseguem as eti-
\ Convém dizer algum as palavras sobre a etimologia,
dado que para os antigos tem um sentido muito dife- mologias atuais, mas sincrônica. Trata-se de explicar
rente do que tem para nós. O farei exemplificando, uma palavra por meio de outra o u outras do mesmo
sobretudo com uma proposta pelos ó rficos e corrig ida estad o de língua, que se parecem formalmente e cuj o
por Piarão, à qu e dediquei já grande acenção 36, a de sen tido pode explicar o da primeira. Para a etimo lo-
awµa "corpo". gia antiga o mais importante é a relação sem ântica,
Está claro que se trata de um rocedimento que enquan to que a formal é apenas subsidiária. Pretende-
Platão não considera muito confiáv , e ele mesmo 0 se que os resultados da etimologia satisfaçam, po r um
indica em algumas ocasiões. Assim, pois da traba- lado, interesses literários, ao ter enco ntrado entre dos
lhosa discussão linguística d o CrátiLo, quase ao final termos uma relação similar a que se pode encontrar
do diálogo, Sócrates manifesta profun as dúvidas so- por meio de o utros recursos literários, como a compa-
bre o qu e se discutiu: ração o u a metáfora, e, por outro, satisfaçam in teres-

37. PI. Crat. 440d [T 59], cf. Casadesüs 2000.


38. Advertência já feita por 13oyancé 1941 , 142, e repete Ferwcrda
35. 13ernabé 1992a; 1999c.
1985, 268, com bibliografia da história das interpretações etimo-
36. § 7.
lógicas de Platão.

\
380
381
ses filosóficos, ao converter-se em uma determinada minada concepção do mundo e das rdações das coisas
forma de explicação da realidade. A descoberta de um que há nele. Ao comparar a palavra para o "corpo"
vinculo formal entre du as palavras de pronúncia pa- com a palavra para a "sepultura", os ôrficos expressam
recida supõe que exista um co rrelativo vínculo con- toda uma constelação de crenças. A alma está neste
ceitual entre as realidades designadas por elas. Assim, mundo em trânsito. A sua verdadeira vida é o utro, que
Platão parece aludir a uma etimologia ó rfica em uma precede a sua estada no corpo e que sobrevive após a
passagem a República em que nos diz: separação do corpo, resiste à sua m oa-te. A reencarna-
ção é uma forma de expiação de antigos pecados. Daí
Apresentam-nos um a profusão de livros de q ue a alma esteja como morta, já que apenas vive a sua
Museu e Orfeu, descenden tes, segundo di- verd adeira vida separada do corpo. A similitude das
zem, d a Lua e d as M usas, com zelo aos quais palavras evidencia, portanto, uma chave para explicar
o rga nizam seus rituais, convencendo, não a situação do ser humano no mundo.
só a particulares mas inclusive a cidades de A proposta de uma nova etimologia por parte de
que é possível o livramento e a purificação
Platão supõe algo mais que uma explicação linguísti-
das injustiças, ta nto em vida como uma vez
ca alternativa: supõe nada menos que a expressão de
mo rtos, po r meio de sacrifícios e jogos d iver-
uma nova fo rma de conceber a rela~;ão da alma com
tidos, aos que, claro está, chamam te!etai39 .
\ o corpo. Platão aceita, entre as concepções religiosas
Por este p rocedimento de etimologizarcria-se, além dos ó rficos, a separação da al ma e do corpo (aw µa
disso, uma gam a de sentidos: ao relacio nar a palavra / tjJuxrí), o caráter transitório da habitação corpórea
da alma, consequência da necessidad e de expiar uma
teletai, com a que significa "estar m o rto", cria-se a con-
culpa precedente~º, ainda que opere um a primeira
vicção de que as teletai são, de alguma fo rma, uma
transposição segundo a qual o corpo não é tanto uma
representação, um ensaio da mo rte real.
Por outro lado, na etimolog·a órfica da palavra sepultura, mas uma prisão da alma, o u, mais ainda, o
para o "corpo", se se afirma que wµa é of]µa, o lugar em que a alma está sob custódia. Mas reivindi-
mero fato de pô r em relação as d ~as palavras dá a ca uma nova in terp retação do papel do corpo e o faz
awµa uma série de sentidos novos, q e se convertem corrigindo os ó rficos em seu próp rio te rreno, o dos jo-
em uma explicação não linguística, m as onceitual, do gos etimológicos. Sem alterar as bases ideológicas dos
pró prios órficos, relega a etimologia of]µa (ou, mais
termo. O que evidencia uma etimologia é uma deter-

39. PJ. Resp. 364c (OF573]) [T 44]. 40. No sentido de Bianchi 1966, cf. § 8.6.

382 383
precisamente, o que esta representa) e prefere como imagem de quem não retém nada por desconfiança e
motivação principal da palavra outra, awL<':n, que, esquecimento.
segundo ele, explica a condição do corpo melhor do
que o faz a identificação com ofj µa.
Platão diz que a interpretação é sua (õOKOUO"L), 13.9. MITOLOGIA
mas supõe que, ainda que os órficos não a tenha pro-
posto, provavelmente a tinham presente. O mesmo Sem dúvida, o procedimento de transposição mais
faz, mas citando H esíodo, na outra etimologia do Crd- radical - ao qual agora posso apenas aludir43 - é o de
tilo que apresentei41 • Assegura a validade da proposta converter a si próprio em µu0oAóyoç para elabo-
a partir de critérios formais, porque não é necessário rar mitos que contém em si elementos identificáveis
tocar em nenhuma letra da palavra, já que supõe que como órficos, mas que são manipulados livremente
aw µa é, em termos modernos, o nome de ação em para fazê-los h armonizáveis com o seu sistema filosófi-
-µa de awL(W, vale dizer, "cónservação", "salvação". co e por suas exigências morais. Para os órficos, o mito
Mas a etimologia afeta questões mais profundas, é história revelada, real, objeto de crença, e explica
já que se põe a serviço de interesses füosóficos, manter diretamente a situação que fundamenta. É claro que
as opiniões ó rficas sobre a expiação da alma no corpo, em determinado momento uma série de autores (in
mudando o seu conceito de corpo, como sepultura em prirnis, o comentador de D erveni) sentem a necessida-
\ uma nova interpretação, como protetor do trânsito da de de interpretar o texto mítico para encontrar ali um
alma por este mundo. - sentido novo. Por sua parte, Platão desenvolve mitos
Platão também recorre à etimologia em uma pas- ad hoc para transmitir ideias. É um modelo de explica-
sagem do Górgi,ai2, para reinterpretar a ingênua visão ção para aquelas verdades às quais a dialética não che-
escatológica órfi ca segundo a qual os não-iniciados ga. Do uso do método alegórico para interp retar mi-
jazem no barro ou levam 'gua em um pote perfura- tos à luz de teo rias mais modernas (que encontramos,
do, de forma que a iniciaç o (µúrimç) seja substitu- por exemplo, no Papiro de Derveni') o filósofo passa
ída por um procediment não rimai, mas racional, ao contrário, a alegorizar uma ideia em forma mítica.
a vó17a LÇ. N esse passo, a análise etimológica se une Platão mesmo sabe de sobra que o mito a que recorre é
ao alegórico, quando o fil sofo afirma que o pote é a um instrumento ex eventu, imperfeito, ao qual recorre
como modelo narrativo simplificado de una verdade

41. PI. Crat. 397e ss., cf. § 7.6.


42. PI. Gorg. 493a (OF 434 l i) [T 40]. 43. Cf. § 9.

384 ( 385
mais complexa. E assim, no Pedro, admite que o miw mostra um peculiar sentido da tradição como de uma
não expressa a realidade, mas apenas ao que com ela nutriz da qual se podem extrair materia is úteis para
se parece: convertê-los em novas estruturas, em grandes obras
nas quais apenas os reconhecemos, mas, ao m esmo
Sobre a sua ideia (a da imortalidade da alma) tempo, declara a sua intenção de situar-se na linha
deve-se dizer o segui nte: como é (a alma) dessa mesma tradição, de fazer-se colaborador na cria-
necessitaria de uma explicação lo nga e, em
ção de uma mensagem antiga, de não pretender que
tudo, toda divina e prolo ngada, mas ao que
o que nos diz é totalmente novo. Trata-se de atitude
se parece, uma humana e mais breve41.
tipicamente grega: adm irar a tradição," considerá-la
valiosa e fundamental, acrescentar algo inovo que se
Po r o utro lado, no Fédon reconhece que a narração
situe harmoniosamente nesta tradição e n;io pretender
de mito escatológico que acaba de fazer "não convém a
romper com ela, ainda que se chegue a resultados dis-
um hom em sensato", mas considera ad equado "correr
cantes dos originais.
o risco, (...) pois é um belo risco"45•
Ademais, Piarão se nos mostra nisso, não apenas
como um pensado r mo numental, mas com o um pro-
digioso autor li terário, que conhece os recursos da po-
13.10. BALANÇO
esia· e da retórica, e que os maneja com h abilidade e
\ Tivemos a oportunidade de ver, o u pelo menos
brilhan tismo.

de entrever, a riqu eza dos recursos usados por Platão


para transpo r uma m ensagem antiga e fazê-la passar
como suas próprias ideias, recursos variados para apro-
ximar posturas separadas, às v zes, por abismos, para
enriquecer uma mensagem an iga cujo con teúdo era
notoriam ente insacisfatório, c m novos aportes que
exploram possibilidades na m sma linha, que não ti-
nha m sido percebidos pelos ue a emi t iram. Platão

44. PI. Phaedr. 246a.


45. PI. Phaed 114d.

386
/ 387
14

ATITUDES DE PLATÃO
FRENTE AO ORFISMO

14.1. INTRODUÇÃ.O

N este capítulo, retomarei as linhas essenciais do


que já disse, articulando-as em relação a dois
pólos que se expressam no título do livro, vale dizer,
Platão e o orfismo. Para isso, apresen tarei os argu men-
tos em momentos, de um lado, a propósito do que
sabemos do orfismo da época de Platão, de outro, so-
bre a atitude do filósofo frente a cada um daqueles
momentos. Não retornarei nem à bibliografia nem aos
textos apresentados anteriormente no curso da exposi-
ção. Mas farei referência aos capítulos corresponden-
tes desce mesmo livro.
Ademais, introduzirei algumas considerações novas
sobre a recepção do orfismo antes e depois do filóso-
fo, a fim de situá-lo no lugar que ocupa na história, e
apresentarei alguma bibliografia adicional pertinente.

\
14.2 . O PERSONAGEM ORFEU citação positiva na Apologia. Põe em questão a sua des-
cendência de uma Musa, com um irônioo "segundo
Os traços míticos do personagem Orfeu na épol ,1 dizem", não faz nenhuma alusão à sua condição de
de Platão (§ 1) são os que lhe são mais próprios, colll argonauta, não especifica o seu contributo ao progres-
parados às todas as demais épocas: era considerado um so, considera que o embelezamento que provocava
personagem muito antigo, trácio, fi lho de Eagro e tk era enganoso, como o dos sofistas, cios quais era, por
uma Musa (Calíope, mesmo que Platão não referencit' assim d ize r, para Platão, o antecessor e arquétipo; o
o seu nome), ainda que uma tradição alternativa fa~a apresenta como um citarista covarde, porque não quis
dele filho cio próprio Apolo, citarista ele excepcionai~ morrer para se reunir com a sua esposa falecida, e in-
qualidades musicais, capaz ele fazer belos, com o sc.:11 venta uma versão da sua lenda, segundo a qual recebe
canto, seres humanos, animais, árvores e até mesmo dos deuses o castigo merecido: uma falsa imagem dela.
deuses. Era consid erado um descobridor, participanLl' Fala ela sua ignominiosa morte pelas mãos ele mulhe-
ela exped ição cios Argonautas e auto r de um grande res e o inclui como personagem cio Mito de Er, como
número ele obras literárias (sobretudo hinos, teogo nia~ um recurso literário ela sua condição ele autor ele esca-
e outros poemas nos quais se clava especial atenção à tologias e competidor cio próprio E r (§ 9.4), ainda que
origem e ao destino ela alma), que estavam na ponta ele o papel atribuído a ele não seja muito decoroso, mas
uma tradição poética e que eram comentadas por se- cheio de rancor e reencarnado em um cisne para não
guidores ele d iversos tipos. Contava-se, provavelmente nascer novamente de uma mulher.
em um poema de forma autobiográfica, a história ela Ao filósofo desagrada a condição de poeta de Or-
sua descida ao H ades, em busca ela sua esposa inomi- feu, e muitos traços da literatura atribuídos a ele lhe
nada, que acabava em fracasso; não parece ser o caso parecem espúrios. Os seus livros, como os ele Museu,
'ele aceitarmos que na época ele Platão circulasse uma são um óµaõoç , um conjunto confuso, as teletai são
versão do mito de O rfeu com um "fi nal feliz". Era um pouco mais sérias. O que lhe interessa das obras
atribuída·a ele a fund ão das tefetai e se contava que órficas é a sua antiguidade, ou o seu caráter sagrado
tin ha morrido pelas mãos de mulheres, mesmo que e, por isso, evita citar Orfeu como auto r das passa-
fo ntes diversas var· ssem as motivações desce terrível gens que resultam mais úteis para a construção do seu
fi nal. Foi r: lac~ ado a Museu, outro ~oeta 1:nftico, próprio sistema, atribuindo-as a "relatos a ntigos e/ou
autor de oracu1os, mas também de poesia relacionada sagrados", ou expressões semelhantes. E sempre que
com as tefetai, uma espécie de alter ego ateniense seu. faz uso de passos literários da tradição órfica, o faz para
A visão de Platão oferece de O rfeu é, em geral, interpretá-los, para fazê-los significar muito mais do
bastante negativa, com escassas exceções, como uma que significavam.

392 393
14.3. SEGUIDORES DE ORFEU as Erínias e outros seres infernais que aterrorizavam
os crentes, para que estes encontrassem de imediato
Platão, como outras fontes da sua época, nos revcl.1 o caminho do Além. Também praticavam a ad ivinha-
que havia diversas manei ras de seguir as pistas de O r ção e a interpretação dos sonhos. Podiam celebrá-las
fe u (§ 2). Em primeiro lugar, havia poetas que seguiam para cidades inteiras, o que indica que não eram cultos
os moldes poéti cos das suas produções li terárias, como clandestinos. Os magos-orfeutelestas compunham, ao
as relacionadas com as teletai ou com os oráculos, t' que parece, um tipo pitoresco, sempre entre livros e
parece que também deviam celebrar recitações rapsó acompanhados de instrumentos musicais para facili-
d icas de poemas ó rficos, ainda que dê a impressão de tar o êxtase mítico; pobres, sujos e depreciados, tan to
que a transmissão deste tipo de poesia se produzisse pelo establishment, quanto pelos filósofos. Os seus de-
majoritariam ente por meio de textos esc ri tos. tratores os chamavam "pedintes" ou "adivinhos", até
Outros podiam praticar um modo de vida baseado mesmo "feiticeiros". É certo que suas atividades coin-
em seus ensinamentos, a chamada "vida ó rfica", que cidiam o u eram suscetíveis de serem confundidas por
comportava tabus como a abstenção de comer carne e observado res externos, com as de uma ampla série de
o uso de sacrifícios não sangrentos, assi m como o evi- personagens milagreiros, ad ivinhos, feiticeiros e enga-
tar seres possuidores de alma. Este tipo de pessoa pare- nado res de todo tipo, o que desprestigiava cais profis-
ce ter sido confundido cm Atenas com os pitagóricos. sionais ante a sociedade da sua época, diferentemente
Havia ainda os profissionais da celebração dos ri- dos celebrantes das teletai de Elêusis, que desfrutaram
tos, adivi nh os e iniciadores, aos q uais costumamos de- sempre de u m reconhecido prestígio.
no minar "orfeutelestas", ainda que, fossem chamando Por fim, havia uma série de pessoas que pretendiam
pelos próprios ó rfi cos de "magos". Careciam de igreja explicar o sentido ma.is profundo dos textos. Praticavam
e de hierarquia, e a sua autoridad e se baseava na posse sobre eles analises li terárias, de conteúdo, a partir de
de textos ó rfi cos, cs ritos para serem utilizados em seus uma perspectiva do historiador das religiões, com Eu-
rituais.' Suas ativid es eram diversas. Alguns celebra- demo, e também rel igiosa, e até mesmo filosófica, apl i-
vam ri tos, ch ama os teietai, que p retendiam livrar de cando métodos de interpretação etimológicos o u alegó-
toda a classe de lpas passadas, conferir tranquilidade ricos, para dar novos sentidos às mensagens antigas. O
de ân imo e ass gurar uma vida melhor neste mundo e próprio Platão recorre ocasionalmente a cais métodos.
no Além , 09 e os celebrantes dos ritos esperavam en- Platão tem uma visão bastante positiva de alguns
contrar um destino privilegiado. Nas teletai, ofereciam praticantes da vida órfica, que situa em um passado
sacrifícios, elevavam suplicas aos deuses e recorri am remoto e idealizado. Neste passado prestigioso se si-
também a ensalmos e práticas mágicas, para afastar tuariam também os poemas antigos e sagrados, os

394 \ 395
TiaÀmot / LêQOL AóyoL. Quanto aos seguidores dl' 14.4. A LITERATURA Ó RFICA
Orfeu do seu tempo, aceita com certa tolerância os
seguidores literários legitimamente inspirados, assim D e novo o testemunho de Platão coincide com
como os exegetas que sabem sustentar a mensagem o de aurores da sua época e de outros mais antigos,
poética que comunicam. Aceita os primeiros, que são corno Eurípides, de que circulava por Atenas uma
inspirados pela divindade e que, por isso, são respei- variada série de poemas atribuídos a Orfeu, de temas
táveis; os segundos, porque oferecem um método de muito variados e que não eram muito bem vistos pela
trabalho que consiste em filtrar os aspectos mais posi- sociedade do seu tempo (§ 3). Trata-se, em rodo caso,
tivos dos textos e dos ri tuais órficos e de utilizar assim de literatura escrita, de livros ([3((3AoL). Documenta-
a mensagem renovada, seja para argumentar contra vam-se obras dos seguintes tipos 1:
"mo dernos" descrentes corno Cálicles, seja para assi-
milar os antigos conteúdos de suas próprias doutrinas. a) teogonias, construídas sobre o modelo hesiódi-
Ao contrário, concentra rodas as suas criticas so- co, com inovações temáticas, referidas à origem
bre os di versos tipos de iniciadores ou praticantes re- do cosmos e dos deuses. D e algumas dessas
ligiosos que parecem tomar a mensagem de Orfeu em obras nos chegaram fragrnencos literais, como
seu sentido mais literal, e, assim, os descreve de modo é o caso da teogonia do Papiro de Derveni;
mais negativo, como pedintes e enganadores ou corno 6) pequenos poemas de tipo cosmológico, com-
uma espécie de versão degenerada dos sofistas, tão per- postos po r pitagóricos, em que se comparava a
niciosos para a sociedade. Platão é consciente de q ue a forma do mundo com objetos cot:idianos;
efetividade dissuasória que podia ter urna escatologia c) Ka'C á (3aaLç, poemas de descida aos infernos,
que descreve terríveis castigos no Além para que os protagonizados por Orfeu ou por H eracles;
cidadãos se compo rtem adequadamente por medo de d) Um tipo de literatura escatológica, que pode ter
sofrê-los .e que ele consi era primordial em suas pro- tornado a forma de urna Ka'Cá (3aa Lç ou de um
postas políticas (um r· o ridículo pode livrar quem o hieros logos de ritos iniciáticos e/ou funerários,
celebra de qualquer classe de cul pa). O fi lósofo põe que se reAetem nas chamadas lâm inas órficas;
a_ssi'.n, em L'.n~ me? n o patamar, iniciadores órficos, fei-
ttc~1ro~, ad 1v111 ~6s e outros enganadores, cujo maior
deli to e, para ele, crer que possam persuadir a vontade 1. É óbvio que não se trata de compartimentos estanques. Assim,
dos deuses com os seus caprichos. por exemplo, as reagon ias poderiam fazer também referência à
origem e destino da alma, terna que também poderia aparecer
cm uma Kaá~aaLç, enquanto que certos hieroi logoi ou o utros
poemas acompanhariam a celebração de te!etai.

\
396 397
e) Obras sobre origem e destino da alma, cujo for- que aceita uma série de componentes pitagóricos e que
mato preciso ignoramos; tem muitos pontos em comum com o âmbito eleusino
f) Poemas de caráter ritual, que acompanhariam e com outras religiões mistéricas. Os órficos desenvol-
tanto as teletai, quanto ritos concretos como as veram uma literatura que se interessava sobretudo por
entronizações (0QOVLaµoL); uma narrativa peculiar sobre as origens do mundo e
g) Ensalmos e literatura de caráter mágico. dos deuses (narrativa que admitiu variantes ao longo do
tempo), que continuava o paradigma Hesiódico, mas
Às obras anteriores, atribuídas a Orfeu, devería- que acrescentava aos reinados narrados pelo poeta de
mos acrescentar outras de exegese e comentário dos Ascra um outro, o de Dioniso, no qual ele produzia um
poemas ou dos rituais, compostas por seguidores do evento primordial, o desmembramento e a devoração
mítico líder religioso e das que seria um exemplo o do deus por parte dos Titãs e a posterior fulminação de-
Papiro de Derveni. les por parte de Zeus, dando assim origem, a partir do
Não aval io, a propósito deste ponto, as ati tudes de seu sangue e das suas cinzas, à raça dos homens "atuais"2
Platão com relação a essas obras, porque o filósofo não (§ 8). Em estreita relação com esta antropogonia, e por
atua como um crítico literário, pois as suas opiniões se meio da transmissão de conhecimento que se produzia
dirigem predominantemente aos conteúdos, razão pela na telete, se desenvolveu uma doutrina religiosa baseada
qual é p referível examiná-las mais adiante, no contexto no principio de que a alma humana é imortal, mas se
da história da recepção das obras órficas (§ 14.1 O). encontrava maculada por um pecado preced ente, o dos
Titãs, perversos antepassados do gênero humano. Daí
que a alma deveria sofrer uma expiação que excedia os
14.5. CONTEÚDOS DA DOUTRINA ÓRFICA: limites de uma vida humana, e que consistia em passar
V[SÃO GERAL por um longo ciclo de transmigrações até que Perséfone
aceitasse a expiação e permitisse que a alma culpada se
Atribuía-se a Orfe urna variada série de crenças liberasse do circulo de reencarnações. Livre, a alma le-
que configu ravam u sistema não completamente co- vava, então, uma vida feliz no Hades, em um perpétuo
erente. Podem-se tr çar algumas li nhas que configura- banquete de justos.
riam o que pod511amos denominar "corrente central
orfisrno" (§ 3).
Podemos definir o orfismo, de urna manei ra su- 2. Nas Rapsódias fala-se de outras d uas raças, a de ouro, em época
mária, como uma corrente da religião grega, uma va- de Fanes, e a crônia, em época de Cronos, cf. OF 159- 160 e 216-
riante dentro do âmbito mais amplo do dionisismo, 2 18.

\
398 399
Os órficos consideravam que era possível acelerar o mas os atentados contra a Justiça e, !Provavelmente,
processo, de forma que as suas almas chegariam antes contra a ética. A d iferença do comentador com o filó-
ao destino melhor no outro mundo, que man tiveram sofo ateniense é que, enquanto aquele busca integrar
uma determinada forma de vida guiada por uma pu- a nova visão moralizada e filosófica dentro do ritual,
reza ritual, condicionada pela iniciação, o vegetaria- Platão dá um passo além, negando ao ritual qualquer
nismo, abstenção de cocar qualquer coisa procedente valor, para elaborar uma proposta na qual a verdadeira
de um animal morto (como a lã) e a entrada em êxta- n :À ET~ é a filosofia3.
se, provavelmen te com a ajuda do vinho. As lâminas Nesse mesmo grupo devemos incluir os textos,
ó rficas oferecem testemunhos claros deste quadro no provavelmente pitagóricos, de análise etimológico:-
qual a pureza é um elemento indispensável e no qual alegórica, conhecido por Platão, cuja presença detec-
têm um valor particular as atuações rituais, como a tamos em algumas passagens dos seus d iálogos. Tam-
iniciação, que permitiria o acesso ao conhecimento de bém em um escólio da República se refere a ensalmos,
certas formu las o u senhas para vencer os obstáculos conj uros, purificações e coisas semelh antes, manifes-
vigiados por guardiões do Além. H á alguns testemu- tações de subliteratura milagreira, relacionada com a
nhos que sugerem que o orfismo toca em uma medida pura magia. Eurípides, vale dizer ainda, falava de "en-
que desconhecemos, com um terna que se encontra salmos" de O rfeu. Esta situação manteve-se por um
em H esíodo e em Ésquilo: o da Justiça personificada lo ngo tempo, já que o patriarca Atanásio (com eços do
(6 LKí)) corno vigia das ações humanas, que, denuncia- séc. IV d. C.) conhecia "uma velha qu e por vinte óbo-
das a Zeus, é po r ele distribu ída de acordo com o que los ou um vaso de vinho oferece um encantamen to de
cada um merece(§ 1O) . Orfeu". Tem os muitos testemunhos de uma li teratura
Não o bstante isso, não se trata de um sistema de ó rfica, de ensalmos e li bertações e de uma alta literatu-
crenças totalmente ho mogêneo. O com entado r do Pa- ra que prod uzi u poemas de grande qualidade poética.
piro de Derveni relata certa dissociação entre fo rmas de Mas também esta última era, por sua vez, suscetível de
o rfism o externas, interess as e vulgares, e o utras ele- um uso espúrio nas m ãos de charlatões e estava sujei-
vadas, filosófi cas, as q u ele m esmo pratica, que se ba- ta a que fosse considerada desdenhável ou portado ra
seiam em uma re inte retação dos textos em busca de de um sig nificado profundo. Imaginemos, pois, toda
um nível de cont~Jo superio r. D e foco, as suas aná- uma variada gama de situações possíveis.
lises das primeira/colunas tem ponto de concato com
o próprio Platão, com o qual compartilha a tendência
mo ralizante e a ideia de que não são os elementos ri- 3. E essas ideias, curiosamente, inAuenciaram, por sua vez, a própria
tuais os primo rdiais nos prêmios e castigos do Além, criação poérica órfica.

400 401
Há, ademais, motivos para crer que existam diver- rações de deuses em portadores de profundas ideias
sos graus de aprofundamento nas experiências religio- filosóficas4 .
sas, e que diversos tipos de praticantes se considerassem As formas pelas quais essa adaptação foi feita fo ram
transmissores da poesia de Orfeu, desde as aproxima- muito variadas: desde a omissão ou substituição dos
ções mais externas e mesmo corruptas, praticadas por aspecros mais grosseiros, até a interpretação alegórica
"pedintes e adivinhos" (àyúQ'CCU KCÜ µ á vn:Lç), até (cf. § 13, para o caso do p róp rio Platão).
as suas manifestações mais profundas e interiorizadas,
sejam espirituais ou de caráter intelectual e fi losófico.
Tudo isso não deve nos estranhar. Pensemos que 14.6. RECEPÇÃO DO ORFISMO
hoje em dia, dentro do âmbito da religião cristã, ma- ANTES DE PLATÃO
nifestações de religiosidade popular coexistem com a
É p rovavelmente esta indefinição do que se podia
mais co mplexa e elevada teologia.
aceitar como órfico e o que não uma das causas que
Foi dito que há dois orfismos, um "sério" e respei
exp licam que o orfismo como manifestação religio-
tado por Platão, outro mais frívolo, próprio de mila-
sa (e a literatura que lhe acompanha) não tenha sido
greiros e charlatões. O utros, mas radicais, crêem que o
muito bem visco, em principio, pela religião aristocrá-
que praticavam os orfeutelestas não tem nada a ver con,
tica, nem pela da democracia (poderíamos dize r que
o "verdadeiro" orfismo, ou que exista duas formas d1·
pela religião da cidade, em ge ral), nem pelo que pode-
interpretar esta maneira de entender a religião, uma sin
ríamos denominar "alta literaturá'. O mais provável é
cera e outra bastarda. À luz do que vimos, não seria :ih que as razões do desprezo (ou do silêncio) das fontes
surdo pensar que as situações que se poderiam prod u1i1 antigas tenham sido sobretudo políticas: aos escritores
na prática na Grécia e, mais concretamente, na Atl'll,I~ que defendiam a ideologia e a religião ela cielaele-Esta-
da época clássica, poderiam ser muito mais diversas. do e que consideravam a religião como o melhor meio
Cabe citar ainda dois eruditos que se interess;1v;1111 de coesão do grupo social, resultaria perigosa para a
por religião como objeto de escudo, como Epígt·11t·•• ordem estabelecida u ma crença pessoal, do "salve-se
autor de um com~ das obras órficas conhc1 id,11 tp1em puder", que buscava a realização individual no
por Clemente de Alexandria, ou como Eudemo, ;MIIII Além e descolada, assim, do centro ele interesse dos
como aos filósofos, que tratavam de encontrar por dtt
trás das mensagens literal um código secreto, q11 t' 1hr
permitisse converter poemas sobre castrações t' d t'YII I•'. estas idcas, cu riosamente, influenciaram a própria criação poé-
tka órfica.

403
cidadãos deste mundo. Uma religião, ademais, fora dt mais os interpretando em determinado sentido, mas
controle, que podia atribuir ao seu mítico fundador inclusive reescrevendo-os. Talvez baste mencionar o
quase não importa que conteúdos e que podia cair na~ caso mais claro, o do chamado Testamento de Orfeu,
mãos de qualquer um. imitação judaico-helenística de um Hieros logos ó rfico.
A poesia órfica não era, como os poemas homéri- Não toda a recepção do orfismo foi hostil, no
cos, uma realidade de ontem, prestigiosa e fechada, entanto. Precisamente as características que assinalei
mas era semp re algo in fieri, que seguia criando e re- anteriormente faziam a literatura e as doutrinas ódi-
criando. Não era fácil in tervir na Ilíada, que contava cas particularmente aptas para serem assumidas par-
com um texto canônico muito bem conhecido, con- cialmente, reescritas e reelaboradas, já que ofereciam
trolado, em princípio, pela tradição de rapsodos ho- alguns aspectos atrativos para poetas, filósofos e inte-
méridas e por uma importante tradição gramatical, da lectuais que não eram órficos, no sentido de que não
época ·luexandrina em diante. Cabiam intervenções seguiam as suas doutrinas de um modo geral, mas que
profundas apenas nos comentários, nas indicações do se sentiam atraídos por este ou aquele aspecto das pro-
que outro autor acreditava que Homero tinha deseja- postas atribuídas a O rfeu. Muitos deles prepararam,
do dizer. Ao invés disso, no caso da literatura órfica, sem dúvida, o caminho do que estamos chamando
não existia nenhum tipo de controle sobre os escritos transposição platônica. Naturalment,e, não podemos
de Orfeu, nem literário, já que na.o havia escolas de nos aprofundar neste tema, mas apenas traçar linhas
rapsodos órficos que transmitiram um texto razoavel- gerais, com especial atenção naqueles autores que in-
mente confiável, nem tampouco religioso, dado que fluenciaram Platão.
não existia uma igreja estabelecida que vigiasse os tex-
tos como matéria dogmática. Os versos órficos eram
uma espécie de terra de ninguém; os poemas circula- 14.7. O ORFIS MO EM PÍN DARO
vam com a possibilidade de que qualquer um pudesse
reinterpretá-los ou reelaborados, e qualquer um po- Píndaro dedica alguns passos das suas odes a ele-
deria, simplesmente, escrever outros novos, amparan- mentos bem conhecidos da doutrina órfica, talvez
do-se no prestígio do oeta trácio - , naturalmente, porque tenha deixado marcas em alguns importantes
ocorri a. o mesmo com a ideologia religiosa que trans- personagens (§ 6.1). Sem dúvida, o grande lírico be-
m itiam, e, assim, comprovamos que desde mui to an- ócio soube enobrecer consideravelmente os aspectos
tigamente diversos tipos de autores de diversas orien- básicos do orfismo e "depurá-los" de alguns elemen-
tações lutaram para se apropriar dos textos órficos, não tos especialmente chocantes com a sua própria reli-

\
404 405
giosidade. Um trecho do poeta citado por Platão no Em suma7, Píndaro recorre em seus poemas a
Mênon5 alude à forma com que Perséfone aceita deter- ideias órficas corno a transmigração e a existência de
minados seres humanos pelo que não parece ser outra um duplo destino das almas no Além, mas tende a
coisa senão a morte de Dio niso pelas m ãos dos Titãs moralizar as bases da salvação da alma, colocando em
e, após uma referência às hierarquias pelas quais as al- evidência a relação entre a salvação e a justiça, e m in i-
mas passam, em cujo ultimo grau estão reis, atletas e mizando o papel dos rituais. Em rodo caso, elimina do
poetas, anuncia a sua conversão em heróis. Não o bs- quadro da beatitude eterna os aspecros mais grosseiros
tante isso, como mostra a sutil transposição de Pínda- e manrem ni tidamente separados os li mites en tre ho-
ro, merecem ser destacados dois detalhes, um, que o m ens e deuses. Assim, pois, encontramos nele alguns
poeta reflete a ideia da conversão em heróis e não em dos elementos importantes com os qu ais Platão com -
deus, possibilidade que se encontra também, como plementa o ideário órfico.
alternativa, nas lâminas órficas de o uro. É claro que,
ante uma religião ambígua, preferiu a solução que se
harmonizava mais com as suas co ncepções religiosas, 14.8. EMPÉOOCLES
como a separação entre o mundo d ivino e o humano.
O segundo detalhe a se destacar é que usa a cuidadosa Também encontramos algu mas dessas inovações
8
fó rmula "são chamados pelos homens heró is imacula- compartilhadas co m o poeta beócio em Empédocles •
dos" que deixa pouco claro se considera tal crença dos O filósofo e poeta de Acragante se refere por extenso a
ho mens correspondente à realidade o u não. uma teoria sobre a transmigração das al mas e nos fala
Na Olímpica segunda se refere à situação das almas tam bém de uma hierarquia no trâ1~sito das almas de
que, após uma série de existências neste mundo e no algumas cri aturas a outras (apresentada como um de-
H ades e após uma cuidadosa observação da justiça, creto de Ananque § 6 .6), em cujo topo estão augu res,
logram ir ao "baluarte de C ronos", isto é, à Ilha dos poetas, médico e dirigente, a diferença de Píndaro e
Bem-aventurados. Nesta importante passagem, faz Platão (§ 6. 1) 9 •
também alusão ao ju ízo das almas no Além e à existên-
, eia de dois espaços no H ades, um para os premiados e
o utro para os condenado~ ~ ) 6• 7. Para os detalhes sobre os procedimentos de adaptação por parte
de Píndaro de temas órficos ao seu próprio ideário, remeto ao

5.
~
Pind. fr. 133 Maehl. = 65 Cannarà Fera, OF 443 [T 25].
trabalho de Santamaría Álvarez 2008.
8. Sobre a questão de Empédoclcs e o orfismo, cf. llicdweg 1995;
Becegh 2001; Megino 2005; Picot 2007.
6. Pind. fr. 129 Maehl. = 58 Cannatà Fera, OF439 [T 55a]. 9. Não entro aqui no inceresante problema dos elementos que com-

\
406 407
14.9. E URÍPIDES mu ndo seria u ma falsa vida15 • É muito significativo
que Platão cite um deles no G6rgias como ante-sala
Eurípides se interessa pelos órficos e pelo orfismo e das referências à escatologia órfica que nos apresenta
está claro que influi nas o piniões d e Platão, já que ele em segu ida. Q uando Platão q uer apoiar com testemu-
o cita em mais d e uma ocasião. Sem entrar na questão n hos lite rários as ideias órficas, não recorre a Orfeu,
d os inA uxos do orlismo no poeta trágico 10, me refe- m as a poetas que p raticaram já uma transposição.
rirei a um par de passagens nos quais vemos que há
coincidência com apreciações platô nicas. Assim, vi-
mos que uma passagem d e Alceste está, provavelmente, 14 .1 0 . RECEPÇÃO PLATÓNICA DA LITERATURA
na base da avaliação platô ni ca de Orfe u 11 e com o Te- E DAS DOUTRINAS ÓRFJCAS
seu· no Hip6lito mostre em relação aos órlicos a mesma
atitude d e d esprezo que devia ser majo ritária en t re o Platão mantem com a literatu ra e com as doutri nas
establishment da Atenas da sua época e que é compar- órlicas u ma relação ambígua, de apreço e afastamento;
tilhada po r Platão 12 • Ao in vés d isso, Eurípides apre- d e adm iração por alguns conteúd os que crê profu ndos
senta em Cretenses uma imagem idealizada e san ta dos e q ue se harmon izam com a sua própria religiosidade,
iniciados d e Zeus do Ida, com os traços básicos dos e de ind ignação por conta dos seus t raços mais popu-
iniciados 6 rli cos 13, e que coincide em muitos po ntos lares e menos nobres, que se opõem à sua sensibilidade
com a ap resentação, não menos idealizada, das "vidas aristocrática e fi losófica. Por isso, algu mas vezes o li- '
ó rficas" nas Leis1~ . lósofo faz uso d e algu mas dou trinas órlicas, apl icando
Mais interessante, po rq ue se referem ao con teúdo generosamente sobre a mensagem ant iga os métodos
d a do utrina, são um par de fragmentos nos quais o de transposição a que me referi no § 13, enquanto
dramaturgo reitera a possibilidade d e que a verdadeira q ue, com relação a o u tras, se lim ita a fugir d a grosseria
vida seja a do Além, enquanto que a que se leva neste e superficial idad e dos conteúdos transmitidos pelos
orfeurelestas. Em algumas ocasiões, nem aprova, nem
censu ra, mas se limita a citar algum verso de Orfeu
co mo matéria literária, como citação erudita, sem im-
partilham dos demais Pré-socráticos com os órficos, um tema so-
bre o qua.l trarei cm Bcrnabé 20(lia. plicação positiva o u negativa para o se u p róprio modo
1O. Tema sobre o qual cf. Macías_20ÔRa,-i008b. d e pensar.
11. Eur. Ale. 357-362 [T le], cf.§ 1.4. ~
12. Eur. Hipp. 952ss. (OF 627) [T I Ob]. cf. § I.6~
13. Eur. Cret. fr. 472 Kannichr (OF 567) [T 11 b], cf. § 2.3.
14. PI. leg. 782c (OF625) iT 11). 15. Eur. Phrixus fr. 833 e Polyid. fr. 638 Kannich t [T 33a-bJ.

408
\ 409
• ~uthrie definiu de modo magistral o interesse pia
Até mesmo critica alguns elem entos pouco decorosos
ton1co por ~en~ionar como complemento das sua.~
da sua visão dos d euses no Eutífton. Ao contrário, se
d e~onstraço;s discursivas a literatura poética anti a
(nao apenas orfica): g sente atraído por certa visão de Zeus como p rincípio
e cen tro, assistido p ela Justiça, e a aceita, ainda q ue
moralizando-a consideravelmente (§ 1O).
Sabemos que tal coisa é verdadeira porque
Dos poemas cosmológicos (§ 5) não parece ter to-
podemos demonstr.í-la, mas é satisfatório
saber que, ao crer nela, nos encontramos de mado mais do que algu m modelo narrativo, como a
acordo com as palavras d ivinamente inspi- cratera.
radas dos poetas ou com um artigo de fé de
venerável antiguidadc 6_
1
14. 12. Ka-cét[3aaLç e Ll:'.QOL AóyoL

Vale a pena resum ir agora o que Pla tão aceitou dos De uma a ntiga d escida (Ka'Cá~amç) de Orfeu
seus modelos em seu próprio siste ma. ao Hades ou de um Discurso sagrado (lêQOÇ Aóyoç)
podem derivar algu ns dos elementos "geográficos" ou
imagi nários d os que povoam as brilhantes descrições
! 4. 11. LITERATURA TEOGÔNJCA escatológicas do filósofo (§ 9), ainda que tenham sido
E COSMOLÓGICA usadas para cria r construções muito mais poderosas que
as originais. O modelo d a alma que passa d iante dos
A indiferenrar
co m a quaI PIa tao
- cita
. um teogonia guardiões que pedem as senhas que a alma do iniciado
Ór fi ca
. 77 · d'
n~ tmeu in ica o seu escasso inte resse por esse co nhece por meio dos ri tuais dos quais participou se vê
tipo de li teratura atrib uída ao bardo trácio (§ 4). Dela, transformado em o utro, que parece proceder de Pínda-
t~m,? u elem entos acessórios, literá rios, uma genealo- ro, no qual a alma é julgada por juizes in fe rnais.
gia. . recortada" da No 1te,
· qu e •tnsere na parte menos
º:rgtnal da su~ própria especulação teogôni ca. Usa
p rnceladas da visão órfica do Além em sua P ó . d 14.13. LITERATURA RITUAL; ENSAL MOS
·- d r prta es-
c~1çao o Tártaro_e extrai del~ ma citação d e eru-
dito, sem grande tnte resse para o seu pr~io sistema. Ante a literatura ritual ó rfica, tomada em seu sen-
tido li teral, Platão experimenta o maior cios d espre-
zas (§ 12). As teletai aparecem como algo ridículo, o
16. Gurhric 1952, 24 1. 0QOVLcrµóç, como uma pro fusão procelosa. Ao invés
disso, as teletai podem ser respeitáveis se são in terpre-

\
410
4 11
tadas em um sentido fil osófico, e, com vistas a isso, 14. 15. TEORIAS SOBRE A ALMA
dedica alguns dos seus melhores procedimentos de
transposição. Assim, encontramos na República um As douuinas órficas sobre o destino da alma são,
interessantíssimo desenvolvimento de um modelo ini- sem dúvida, as que deixaram marca mais profunda no
ciático no mito da Caverna e no Fédon a afirmação de pensamento platônico, ainda que tenham sofrido pro-
que os verdadeiros iniciados e bacos são os filósofos. fundo processo de transposição.
A sua ideia sobre os ensalmos e os elementos má- O filósofo conhece um conjunto mítico órfico so-
gicos (que também fo rmavam uma parte importante bre o destino da alma relativamente simples (§§ 6-9).
do continuum órfico) é ainda mais negativa; assim, nas A alma é imortal, mas arrasta certa culpa, que com
Leis prevê penas de prisão perpétua ou morte para os coda probabilidade provem da morte de Dioniso pe-
que praticam tais artes 17 . las mãos dos Titãs, pela qual deve sofrer o castigo de
estar submetida a diversas reencarna,;:ões. Ananque-
Adrastea poderiam simbolizar a norma pela qual se dá
14. 14. LITERATURA EXEGÉTICA o processo, cuja duração pode ser larga e indefinida.
Durante as suas passagens por este mundo, a alma se
Diante das obras que comentavam ou explicavam encontra no corpo como morta, como em uma tum-
as obras de O rfeu, o filósofo sente o maior interesse, ba, mas, por meio de cercos ricos e certos tabus, como
não isento de iron ia em alguns casos, dada a margem evitar "o que tenha alma", pode aspirar a um destino
de manob ra um tanto abusiva de que cal tipo de li- melhor no mundo do Além, um banquete de justos
teratura dispõe para interpretar os poemas antigos (§ em companhia dos deuses e, até mesmo, a sua conver-
2.5). Ele mesmo atua de forma parecida com a dos são em deus. Se fracassa, pode sofrer castigos terríveis
intérpretes desce tipo, já que certos conteúdos da lite- no Além, como jazer na lama ou levar água em um
ratura ó rfica lhe serviam como veículo do seu próprio pote, castigos que lhe conduzirão a nova encarnação.
tratamen.to de algumas questões. Deste modo, podia A decisão sobre se a alma deve ser castigada e reencar-
manter o prestígio de uma literatura antiga e sagra- nar-se ou alcançar o seu lugar de privilégio no Além
da, enquanto reti rava alguns dos seus aspectos menos depende de que ela, após a separação do corpo, saiba
aceitáveis para um intelectual da sua época. dar as respostas adequadas aos guardiões ou a Perséfo-
ne, respostas que aprendeu na iniciação.
Platão assume que a alma é imortal, faz desaparecer
17. Prisão perpétua: PI. Leg. 909a (OF 573 N ) [T 151; morre: Leg. a culpa originária, que substitui pelo mito dos dois
933d (OF573 VI) [T 17] . cavalos do Pedro, mas aceita a crença na metempsico-

4 12 4 13
, · 20
se. Durante as suas passagens neste mundo, a alma se platônicos como Plucarco19 e ~s neop1atomcos.' que
encontra no corpo, não morta, como em uma tumba, levaram esta evolução para mais longe, no sentido de
mas presa em um cárcere com as correntes dos desejos, prestigiar o aporte órfico, considerando-o o gran~e
ainda que em certa medida a salvo. A duração do pro- motor da filosofia platônica e citando com veneraçao
cesso está submetida à norma e às reencarnações, a uma muitos versos do poeta, para logo deformá-los em seu
hierarquia, ideia que o filósofo parece ter tomado de comentário. Até mesmo alguns elementos órficos,
outra tradição, provaveLnente sul-itálica, que encontra- como certa tendência ao monoteísmo, interessaram
mos, antes do que nele, em Pindaro e em Empédocles. ao J.udaísmo , como evidencia o chamado. Testamento
. .
A salvação não se logra por meio de ritos e tabus, mas de Orfett21 e também, de diversas maneiras, o cnst1a-
por um comportamento cívico e moral e pela prática nismo22.
da filosofia, que é como uma purificação. Por isso, por
meio de uma série de reencarnações superadas com êxi-
to pode-se chegar aos degraus superiores e habitar com 14.1 7. CONCLUSÃO
os deuses, ainda que sem converter-se em um deles. A
decisão de se a alma alcança o seu lugar de privilégio Este é o grande esforço que cabe a quem mira
ou se é castigada não depende do conhecimento de de- como pólos da sua investigação Platão e o o~fism~:
terminadas senhas, nem da participação em ricos, mas assinalar o que procede do orfismo, tratar de identi-
de atos levados a cabo durante a vida e da purificação ficar até onde fo r possível, as fo ntes órficas em q~e
por meio da prática da filosofia. A mensagem órfica fica Plac;o bebeu, mas não menos, pôr em evidência o ~•-
assim "transposta", distante das suas origens, mas acei-
gantesco passo adiante que sobre essas fo ntes Platao
tável pelo sistema cívico e moral de Piarão.
deu em uma síntese colossal que já não cem nada ou
qua:e nada de órfico. É o que tentei faze~ ao longo
de rodo esse livro; algo que, em suma, nao é outra
14.16. DE PO IS DE PLATÃO coisa senão aprofundar, até as suas últimas consequ-
ências, no alcance da frase de O limpiodoro, qu_e nos
Limito-me a apontar um tema muito amplo e que . , • - ' ' TIAa'CWV
servia de front1 sp1c10: TICXV'CCXXOU yaQ O
nos afastaria muito do nosso objetivo; a recepção do
o rfismo depois de Platão. Pela via de Platão cohci-
m1aram, pelo que sabemos, os escóicos 18, os médio- 19. Cf. 1.k rnabé 199Gb.
20. Cf. Brisson 1995.
21 _ Sobre O assunto cf., sobre cudo, Ricdweg 1993.
18. Cf. Casadcsús 200 5 e 2006. 22 _ lema 3 respeito do qual cf. H errero 2007b.

41 5
4 14
TCCXQúJLÕci: 'CCX 'COV 'OQcpÉwç. Se me foi possível aju-
dar, aqui, com a resposta a esta questão, suscitando
algum ponto de partida para novas pesquisas, me con-
siderarei totalmente satisfeito.

APÊNDICE

TEXTOS E TRADUÇÕES

4 16
T 1 Symp. 179d (OF983) T 1 Banquete 179d (OF 983)
'OQcpfo bt -cóv OláYQou à-crA.ij àrrÉmµ tjiav No entanto, expulsaram O rfeu, filho de Eagro, fracassa-
E.E, ALôou, cpáaµa bcU;avu:ç -cf]ç yuvaucóç Écp · fJv do, do Hades, depois de lhe terem mostrado urna imagem
~KEV, l\'.U't~v bi; ou Mv-crç, õn µaA.0a.K(/',;w0m da sua mulher, em busca de quem tinha ido, porém, sem
ÉÔÓKEL, ã-cr wv KLÜl\'.QWtbóç, Kai. ou w,\µ ãv i:'vrKa entregá-la, porque lhes parecia, como citarista que era, um
wü EQW'COÇ àrro0v1ÍLCTKELV wam•Q Ai\KT]an ç, à,,\,\à homem déb il e que não tinha se atrevido a morrer por amor
bwpTJxavãaOm Çwv ElmÉvm Elç J\tbou. tOLyáQw1 como Alceste, mas que era capaz de arquitetar para entrar
foà -caü-ca NKrJV l\'.UtWL ErrÉ0wav, Kai. lno(qaav -càv vivo no Hades. Precisamente por este motivo lhe fizeram
0ávawv avwü únà yuva ucwv ycvfoüm. sofrer castigo e provocaram a sua morte pelas mãos de mu-
lheres.
T la Pind. fr. 128c.l 1- l2 Maehl. (OF912 I)
ULÓV OláyQOU <bi:> T la Píndaro fr. 128c.ll- 12 Maehl. (OF9 12 l)
'OQcpfo XQUCTG\OQl\'.. Ao filho de Eagro,
T lb Eumclus? POxy. 53.3698 (OF 1005a l) Orfeu de áurea espada.
O](áyQo.u cj>f (] i\_oç uLfóç. T lb Eumclo? Papiro de Oxirrinco 53.3698 (OF 1005a I)
T lc Anon. /J I<oln 2 1351-2 1376 (OF 10056) O amado filho de Eagro.
Olá-/y]Q.OU JCÓQOV ÜQcpfo. T 1c Anônimo cm Papiro de Co!ônia 2 135 1-21376 (OF
T ld Pind. Py. 4.1 76s. (OF899 I) 1005b)
a, ÃrrÓÀ,\wvoç bt q>OQf-lLYK'tC<Ç àotbãv TTl\'.'tfÍQ A Orfeu, o filho de Eagro.
i:'µ oMv, Eua(vq-coç 'OQ<j>rúç. T ld Píndaro Pítica 4 .176s. ( OF 899 I)
T le Eur. Ale. 357-362 (OF980) E da parte de Apolo, chegou o citarista, pai dos ca ntos,
EL Õ' 'OQ<j)ÉWÇ f-lOLy,\waaa Kl\'.l ~IÉ1\oç TTl\'.QT]V, o bem-afamado Orfeu.
wa-c ' ~ KÓQllV ll.1í µ 11tQOÇ 11 ICELVrJÇ TTÓCTLV T l e Eurípides Alcestis 357-362 ( OF 980)
õµ VOLCTL 101A1íaav-cá a· i.:E, t\ Lbou ,\a~t:iv, Se possuísse a língua e o canto de Orfeu,
1<a-c17A0ov ã v, JCa( µ · oüO · ó TT,\oú-cwvoç Kúwv de sorte que à filha ele Deméter ou a seu esposo
oüO ' oúrri. KWTTrJL l),>uxorroµrràç âv XáQwv pudesse comover com os meus hinos e arrebatar-te do
foxov, rrQi.v Eç cj>wç aàv Kl\'.'tl\'.U'tf]am ~[ov. Hades,
T lflsocr. Busir. 10.8 Ma th ieu-Brémond (OF982) baixaria, e nem o cão de Plutão
ài\A. ' ó µi:v (se. 'OQcj>rúç) Éç ALbou wuç 1:1:0vcwwç nem Caro nte, que com o remo acompanha as almas
àvf]ycv. poderiam me deter, até que levasse a tlla vida à luz
T 1f lsócrates Busiris l0.8 Mathieu-Brémond ( OF 982)
Enquanto que ele (Orfeu) trazia os mortos de volta do
H ades

418 419
T 2 Tim. 40d (OF 2 1) T 2 Timeu 40d (OF21)
TTEQi be 1:wv ãAAwv bmµ óvwv (se. praeter astra Falar sobre os demais seres divinos (exceto os astros e
et terram) dni:iv ,cai yvwvm 'ITJV yfvwLv µi:i(ov 11 a terra) e conhecer a sua gênese é algo ,que excede a nossa
Ka0 ' ~µãç, nwnfov be 'WLÇ ELQflKÓCTLV eµ nQOCTÜEV, capacidade. É preciso da r crédito, então, ao que falaram an-
Êl<yÓVOLÇ µ e.v Oi:wv OlJCTLV, WÇ ecj)aaav, arn:pwç bÉ nou 1es, que eram desce ndentes de deuses, segundo afirmavam,
'WÚÇ YE aínwv TTQoyóvouç dbóCTLv· àbúva'Wv ouv e que, de algum modo, conheciam com clareza os seus an-
81:wv TTCX.LCTLV CX7tLCT'l:ELV, KCXLTTEQ IXVElJ 'l:E ELICÓTWV Kal tepassados; pois é impossível desconfiar d e filhos de deuses,
àvay,ca(wv ànobEÍçEwv Myoumv, àAA ' wç olKi:ia mesmo que falem sem demonstrações verossimilh antes e
(j:>amcóvTwv ànayyf AAnv Énoµ Évouç TC~L vóµwL necessárias, de modo que é preciso nel es crer, seguindo o
TTLCT'l:ElJTÉOV. costume, na ideia de que falam de coisas de família. Conti-
nua em T 19.
T 3 Resp. 364e (OF573 I) plura invenies in T 13 ctT 44
f3íf3Awv be ôµabov naQÉXOVWL Mouaa(ou Kai T 3 República 364e (OF 573 I)
'OQ(j:>Éwç, LEÀIÍV'lç TE Kal M ouawv i:.1cyóvcov, wç cpam. Aportam uma profusão de livros dle Museu e Orfeu,
descendentes, segundo dizem, da Lua e das Musas. Cf T 13
T 3a Schol. Piar. Remp. 364c (201 Grccnc, OF573 JI) e T 44 para a continuação.
f3 (f3Awv] mQl ETTWLÔC~v 1ml iwrnbfoµwv ,cal
KaÜaQa(wv 1<al µ w \Ly µchwv 1<al Tc~v óµ o(wv. T 3a Escólio a Platão República 364e (201 G recne, OF573 II)
Livros acerca de rituais de cura, conjuras de atadura,
T 4 Ion 5336 (OF973) pu rificató rios, propiciatórios e semelhantes.
àAAà µrív, wç y ' i:.yw otµm, oub' ÊV CTUÀIÍ CTH
YE oubi: i:.v KLÜCTQLOEL oubi: i:.v KLÜCXQWLÔLm oube t v T 4 lon 5336 (OF973)
QCXtj;WLÔÍm oubrnwnoT' cfbEç CXVÕQCX OCT'l:LÇ TTEQL µi:v Ademais, parece-m e, nem o som da flau ta ou da cítara,
'01\Úµnou bnvóç i:.anv i:.ç'7yüaüm 11 TTEQl 8aµÚQOU nem o canto com cítara, nem nos dos rapsodos terás visco
11 TTEQl 'OQcpÉwç '1 mQl W17µ(ou wü 'f0a1<'7a(ou um homem que tenha autoridade para tecer comentários
(>a tj;w Lbo0, TTEQi be ' Twvoç w0 'Ecpw(ou /Qatj;wLbo0} sobre O limpo, Tami ras, Orfeu ou Femio, o rapsodo de Íca-
CXTTOQEL ,ca l OUK EXEL auµf3a AfoOm a 'CE EU Qatj;wLÔEL ca e que, ao invés, apenas pa ra fon te encon tres em apuros e
rnl â µrí. não co nsigas dizer quais cantos recite bem ou não.

T 5Apof. 4 1a (OF 1076 1) T 5 Apologia 4 1a (OF 1076 l)


d yáQ n ç àcpucóµi:voç dç '.í\tbou, à1rnAAayEiç Pois, ao chegar ao H ades, uma vez I ivre desses que afir-
1:ou1:wvl 1:wv cj)aa1<ÓvTwv bucaa1:wv d vm, EÚQ1ÍCTEL mam ser juízes, alguém se encontrará com os verdadeiros
'l:Ouç wç àA178wç bucao1:áç, oí'.TTEQ ,cal Myov1:m EKEi juízes, os que aplicam justiça ali: Mi nos, Radamantes, Éaco

420 42 1
btKá(nv, Mívwç 'IE Kat 'Pabáµav0uç Kat AlaKóç Kai e Tri ptólemo, e com outros semi-deuses, q uantos foram jus-
TQm'IóAi::µoç Kat ãMo t éíao t 'IWV 1íµtfüwv bíKmot lOS em vida. Seria então uma viagem sem importância? E
eyÉvovw f_V 'IWL ÉIXU'IWV f3íwL, lXQIX <l)aÚÀ.'7 àv ELTJ •í quanto u m de vós daria para estar junco a Orfeu, Museu,
ànob11µ ía; ~ au Ü Q<j>ci auyyi:vfoüm Kai Moua aíw1 1lesíodo e H omero?
K/XL Hmóbwt KIX L 0µ1ÍQWL i:nt nóawt ãv n ç blçm'I '
àv úµwv;
T 6 Protdgoras 315a ( OF 949 1)
Mu itos - me pareceram estrangeiros - que aco mpa-
T 6 Prot. 3 15a (OF949 I) nham Protágoras cm todas as cidades pelas quais passa,
noAv çlvm Ê<l>aívovw - oüç ãyn éç ÉKáa-rwv 'IWV encantando-os com a sua voz como Orfeu, e que seguem,
n óM wv ó 11QwmyóQaç, bt' wv b ti::çÉQXEWL, K'7À.wv cncanrados, a sua voz.
-r~t cj>wv~1 wamQ ÜQcpi:úc:, ol bi: Ka'Ià -r17v cj>c0v~v
E7t0V'I/Xl I(€1CTJÀ'l~IÉVOL - .
T 6a Simônides fr. 62 Page (PMC 567, OF943)
E inúmeras
T 6a Simon. fr. 62 Page (PMC 567, OF943) sobrevoavam as aves sobre a cabeça,
'IOÜ K/XL à:TTELQÉOLOI
e os peixes, erguidos
TTW'IWV'I ' OQVLÜ EÇ l!TTÉQ KECpa;\âç, do mar de lápis-lázul i saltavam
àvà b ' lxüúi:c: ÓQÜoi ao som do seu belo ca nto.
Kuavfou 'ç Übaw ç ã A-
T 6b Eu rípides Bacantes 560-564 (OF947)
À.OV'IO KaAãt auv àmbã t. Talvez nos recintos floresta is do Olimpo,
T 6 b Eur. Bacch. 560-564 (OF947) onde então Orfeu com a sua cítara
-ráxa b' ev 'Iatç noAublvbQoia tv OAú µnou co ngregava com sua müsica as árvores,
OaAáµ m ç, i'.'vOa nOT' ÜQCl>Euç Kt0aQ((wv congregava as feras d o mo nte.
aúvayi:v blvbQrn µ o úa m ç,
aúvayi:v Ü~Qaç ày Qc0awç. T7 Protdgoras3 l 6d (OF 549 [)
Eu afirm o que a profissão sofística é antiga, mas que
T 7 Prot. 3 16d (OF549 l) quem a professava entre os va rões de antes, po r temor ao
lyw bt n7v aocj>ta 'IU<TJV 'IÉXV'7V </>11µi µ tv dvm aborrecimento que provoca, fize ram um disfarce e a e nco-
naAm á v, wuç bt µ E'IIXXELQt( o µ évouç au~ v -rwv briram, uns com a poesia, como H o mero, H esíodo e Simô-
naAmwv àvbQWV, cj>o~ouµ évouç 't:Ó enaxOtç /XU'I~Ç, nides, e ou tros, inclusive, com teletai e orácu los, como os
TTQóax11 µ a 7tOLEIGÜm l</XL 7tQOK/XÀ.Ú7T'IW ÜCXL, 'IOIJÇ segu ido res de Orfeu e de Museu.
µ tv TTOÍ'7CJLV, otov "OµT]QÓV 't:E Kai 'Haíobov 1rni
E tµ wvíb11v, 'IOlJÇ bt a u 't:EÀE'IáÇ '"(f l(C([ XQ'laµwtbíaç,
wuç à µcj>í 'IE ÜQ<j>fo r<ai Mouaaiov.

\
422 423
T 7a Ariscoph. Ran. 1030-1033 (OF547 I, Mus. fr. 63 I3ernabé) T 7a Aristófanes Rãs 1030-1033 (OF 547 1, Museu fr.
2°::KújJm yàQ àn' àQX11Ç 63 Bernabé)
WÇ wcpÉÀLpül "CWV T[QLT)"CWV Ol yt:vvai:oL Observa, com efeito, desde o primeiro momento 130
yt:yÉVf]V'tl\L. quão úteis acabaram sendo os poetas mais nobres:
'OQq:>EUÇ µi:v yàQ 'tEÀE'tÓ:Ç 0' 1iµiv Ka'CÉÕHÇE Orfeu, com efeito, nos mostrou as te!et,ú e nos distan-
<póvwv 't' àntxw0m, ciamos das matanças
Mouaaioç b' i:çmcfonç 'CE vóawv KCÜ xQrJaµoúç, e Museu, a cura de enfermidades e os oráculos.
T 7b Ps.-Demosch. 25.11 (OF 5 12), cf. plura in T 24e T 7b Pseudo-Demóstenes 25.11 ( OF 512) cf. o texto
ó 'tetÇ áyLW'tÓ:Wç ~µiv n :Àt:'tàç Ka'taódçaç mais extenso em [T 24e].
'OQq)EÚÇ. Orfeu, quem nos instituiu as mais sagradas teletai.
T 7c Eur.? Rhes. 943-944 (OF 51 1) T 7c Eurípides? Reso 943-944 (OF51 l}
I As rochas dos secretos mistérios
µuCT'CTJQLWV 'te 'tWV ànOQQJÍ'tWV cpavàç
EÓHÇEV 'OQCpEÚÇ. foram mostradas por Orfeu.

T 8 Rcsp. 620a (OF 1077 I) T 8 República 620a ( OF 1077 I)


lbüv µ i::v yàQ tjJux~v t'cj)T] (se. Er) 't~V rco'tt: Pois afirmou que hav ia visto ali (Er) como a alma que
'OQ<j)Éwç ycvoµ tvriv KÚKvou f3(ov a[Qouµ t v17v, µ[an fo ra de Orfeu escolhia a vida de um cisne, por aborrecimen-
wü yuvmKdou yi'.vouç ótà 'íÓV úrc ' i::icdvwv O6:va'tov to do sexo fem inino, já que não queria nascer engendrada
OVK E00.ouaav êv yuvaud y1::vv17Oüaav yt:vfoüm· em mulher por causa da morte que sofrera inas mãos destas.
Lbt:iv bi: 'tf]V BaµÚQOU àriMvoç Uoµtv17v. Havia visco também a alma de Tamiras, que elegia a vida de
um rouxinol.
T 9 Leg. 677<l (OF 101 7)
WÜ'tü õn µ i:v µvQLÓ:KLÇ µúQLa h17 bLt:Aáv0avi::v T9 Leis677d (OF1017)
ªQª 'tOUç 'tÓ'tE, XÍÀ La bt àcp · ot'.í yi'.yovt:v f] bLç Isso de que ao parecer durante dezenas de milhares de
wac::tÜ'ta E'tT), 'tC< µi:v ti.mbáAwL Ka'taq)avií anos estas invenções escaparam aos homens de então e qu e
ytyovt:v, 'tà bi: 'OQ<j)t:i:, 'tà bÊ ITm\aµ~bt:1, 'tet bÊ há mil ou dois mil anos, umas se manifestaram a Déda-
7TEQL µoumm7v MaQaúm ,caL 'OAúµnwL, mQL lo, outras a Orfeu, outras a Palamedes, a técn ica musical a
ÀÚQaV bt Aµcp(ovL, '(C\'. bi: a1\Aa C<ÀÀOLÇ rcéq.moAAa, Marsias e Olimpo, e a da lira, a Anfion e a outros, outras
wç i::rcoç únEiv XÜÊç ,caL 7tQWLf]V yt:yovó'Cc::t. muitas, nascidas, por assim dizer, ontem ou anteontem.

T 10 Leg. 829d (OF681) T 10 Leis 829d (OF681)


pf]ÓÉ nva wAµãv C<LÓELV àMKLµov ~1oüaav (µi] E que ninguém se atreva a cantar uma composição de
KQLváv'twv 'tWV voµocpuAáKwv), µT)b' ô.v riNwv YJ L má fama, nem mesmo se fosse mais doce que os hin os de
'tWV BaµÚQOU 'CE KaL 'OQcpüwv üµvwv. Támiras e os órficos.

\
424 425
T 10a P.Derv. col. XXJI ll -12 (OF398) T 10a Papiro de Derveni col. XXTl 11- I 2 ( OF 398)
Éan bi:: KaL i:v w"iç "Yµ vOLç ELQJ11]µ 1'.vov· Está dito também nos Hinos:
'i'.}.f)_µ~'IIQ ['P]fo fi7 M JÍ_'I:QQ <1:E KC<L> 'Ea1:ía i'.}.TJL.Qi'. 'Deméter, Rea, Mãe Terra, H estia, D eio".
T lOb Eur. Hipp. 952ss. (OF627) T 10b Eurípides Hipólito 952ss. (OF627)
'lÔ'l wv auxn 1<aL ôL' chj;úxou (3oQãç Agora vangloria-te e vende que te alimentas_
0

OL'IOLÇ KC<TCJÍAEU ' 'OQcpfo 1:' (XVC(l('f EXWV de comida sem alma, e tendo a Orfeu como senhor
(3é<1<xrn1: noA.A.wv YQC<µ~uhwv T1µwv 1<anvoúç· entra cm êxtase enquanto honras_a fumaça de seus mui-
Em[ y ' ÉÀ.~<))ÜTJÇ. TOUÇ bE 'IOLOÚ'IOUÇ i:yw tos escritos,
q:>Eúyav TCQocpcllVW nãm· ÜfJQEÚouat yàQ porque já te colocaste em evidência. Desta classe de gente
01:µvoiç A.óyOLatV, alaxQà µqxavwµEVO L. advi rto a todo mundo que se aparte, pois saem a caçar
T I 0c Alexis fr. l 40 K.-A. (Arhen. 164b, OF l O18 1) com palavras solenes, enquanto urdem vergonhosos planos.
(ATN.) (3L(3Mov T 10c Alexis fr. 140 Kasscl-Auscin (Aceneo 1646, OF
ÉVTEÜÜEv õ n (3oúA.n TCQOOEA.Owv yàQ A.a(31'., 1O18 1)
... 'OQcpEuc EvEanv, 'H aíoboc, 'IQC<YWLb[a,, (LINO) Um livro,
Xo1QUoç, "0~117Qoç, t'En(x.aQµoç, auyyQáµµ arn o que quiseres, aproxima-te e eira-o daí,
TCCXV'tO<)C<TCCX. ... está Orfeu, H esíodo, tragédias,
Querilo, H o mero, Epicarmo, escritos
de todas as classes
T 11 Leg. 782c (OF625)
TO bt ~111v Oú1:1v àvÜQCJnouç MA1í 1\ ouç i:n KC<L T 11 leis 782c ( OF 625)
vüv TCC<Qe<µÉvov ÓQWµEv noA.A.oiç· 1<ai TOUVC<VTÍov Quanto ao fato de que os homens sacrifiquem uns aos
à1<oúoµ ev Év ãA.Amç, ÕTE oubi: (3oàç i:1:óAµwv µ tv outros, vemos que isso ainda perdura cm muitos povos. Pelo
YEÚWÜC<L, Oúµ anx 'tE OUK ~V TOLÇ Orni.cn [,wLCX, rrÉÀ.C<VOL con trário, o uvimos dizer que cm outros nem se atreviam a
bi:: KC<i µ Mm KC<QrroL ÕEôrnµ ÉvOL KC<i TOLC<Ü1:a ãA.A.a prova r a ca rne de vaca; as oferendas aos deuses não eram
áyvà Oúµarn, aaQ1<c0v b' àrrdxov'tO wç oux. ÕOLOV ôv
0
animais, e sim tortas e frutos ban hados cm mel e outras
ÊoÜÍELV 0UÔ!: 'tOlJÇ 'f(0V ÜEWV (3wµouç atµan µ wívnv, vítimas puras similares a estas e que se abstinham da carne
àA.A.à 'OQ<))U<üÍ nvi::ç AEyóµ EvOL (3ím i:y[yvovw ~µwv porque não era sa nto comê-la nem co ntaminar com sangue
wi.ç 'IÓ'tE, àLJ;úxwv µ tv i:xóµ EVOI TCCXV'tWV, t µLj;úxwv os al tares dos deuses. Nossa vida então era como uma das
ÔE 'IOUVC<V'ILOV füXV'tWV CXITEXÓµ EVOL .. chamadas ó rficas, limitadas a tudo o que é inanimado e pelo
contrário, a pareadas de rudo o que ten ha alma.
T ll a Hdt. 2.8 1.1-2 (OF650)
ou µÉV'IOI eç YE Tà iQà (se. Aegyptiorum ) i:acpl'.QE'IC<L T 11 a H eródo to 2.81. 1-2 ( OF 650)
ELQÍVW oubi:: auyKaWÜCXTT'tE'tCXÍ acpLv- ou yàQ ÕOLOV. Pois bem, não introduzem nos lugares sagrados (os egíp-

\
426 427
óµoAoyÉa bt -rav-ra wi:m 'OQ<j)LKoi:m KMrnµÉvmm
cios) vestidos de lã nem se enterram com eles, pois não é
KCXL Bmcxuwia L foüaL bt A iyunTÍ.OLCTL Kai permitido pela religião. Coincidem essas práticas com as
IluOayoQELOLOL" oubt yàQ T0l)'l"WV TWV ÓQyÍ.wv chamadas órficas e báquicas, mas que são egípcias e pita-
µ E-rÉxovm omóv lan tv dQLVÉOLOL d µ aaL góricas. Pois não é permitido pela religião que aquele que
0aq)01ivm tmLbi: TIEQiau-rwv iQóç Aóyoç Acyóµ Evoç. participa destes rituais mistériosos seja enterrado com ves-
T llb Eur. Cret. fr. 472.9- 19 Kannicht (OF567) ' tidos de lã. E sobre cais coisas conta-se um relato sagrado.
áyvàv bt ~Í.OV 'CEÍ.voµcv a, oú T llb Eurípides Cretemes fr. 472.9-19 Kannicht (OF567)
11LÓç 'TbaÍ.ou µúaTT]Ç ycv Ó~LT]V, Levamos uma vida pura, desde que
Kll'.L 1~117) vuK-rmóAou ZayQÉWç ~Qov-ràç
me converti em iniciado de Zeus do Ida..
't:Ouç w µ oqKtyouç bai:wç -rEMaaç
Após ter celebrado os trovões de noctívago Zagreu
M'7TQÍ. 'C' ÓQdm bãLbaç àvaaxwv
e os banquetes de carne crua,
µETà KOUQ~TWV
~á 1cxoç t: ICA~017v ÓOLWÜEÍ.ç.
e susten ta ndo as cochas em honra à M k montaraz,
náAA wKa b' /!.xwv cí'.µa'Ca <pEúyw junto aos Cureces,
y Év c:aí.v TE ~QOTWV KCXLVEKQ00i'JIWÇ recebi o nome d e Baco, uma vez sa ntificado.
ou XQLf.l TI'CÓµ Evoç 'ClÍV 'C ' t µt)!úxwv Co m vestidos totalmente alvos refugio
~QWOLV tbw-rwv mcl)úAayµm. a geração dos mortais e os sarcófagos,
T llc Plu. Apophth. Lacon. 224D (OF 653) sem me aproximar deles, e me guardo de nutrir-me
J\Ewrnxí.baç ó AQÍ.CT'tC<Jvoç TIQÓÇ ... cDíALnnov 'COV d e alimentos nos quais há alma.
ÓQcprnu:A wTi]v na VTEAwç TITC.JXÓV óvw, Myov-ra T llc Plucarco Máximas laconias 2240 (OF653)
b' õn OL TICXQ ' auTWL µu17Ü ÉVTEÇ µ E1:à 'CTJV 't:OÜ ~í.ou Leociquidas, ou filho de Ariston, disse a Filipo o orfeoce-
TE1\ EU't:TJV Eubmµ ovoüm, ''tí. oüv, W àvó1\:;é:' dTIEV,
lesca, que era exu emamente pobre e que dizia que os que
'ou TTJV WXÍ.OT'7V CXTT00V~LOICHÇ, í'.v ' aµa TICXÚOTJ L
se iniciavam com ele eram felizes após o final de sua vida:
Ka:JCobmµoviav Kal TIEv(av KAa(wv;'
T lld Theophr. Char. 16. 11 (OF654) "Então, insensato, por que não morres o quanto antes
l(C(L owv ÉVÚTTVIOV LÕ'7l (se. ó ÕEIOLÕ(Xtµwv) para deixar de lamentar tua desgraça e !:!ili miséria?"
TTOQEúwOm TIQÓÇ ,-ouç ÓVELQOKQÍ.wç, TTQÓÇ w uç T lld Teofrasto Caracteres 16.11 (OF654)
µ ávTHÇ, TIQÓÇ TOUÇ ÓQVL000J<ÓTIOUÇ, ÉQW~awv, E quando tem um sonho (o supersticioso)., recorre aos intér-
't:LVL 0Ewv - 17 0 Efü - TIQOCTEÚXWÜm ÕEL. JCC(L pretes de sonhos, aos adivinhos, aos augures, para preguncar-
TEAW0T]aóµEv oç TTQÓÇ wuç 'OQ<j)EOTcAcmàç J<a-rà lhes a que deus (ou deusa) deve suplicar. E recorre a celebrar
µ~va TTOQEÚWÜm µE-rà ·niç yuva u<ÓÇ - làv bi: µ17 os rituais com os orfeotelestas cada mês com sua mulher (e
axoAáÇ17r17yuv~, µ aà~ç1:í.1:017ç- Kal. ,-wvnmbiwv. se a mulher não cem tempo, com a a.ma) e com os filhos.

l. O cexto que apresento diverge do de Kannicht. Para la justificação


das variantes, cf. Bernabé 20046.
)
429
428
óµ oAoyÉEL be T<XÜTa w i:m 'OQcptKoi:m K<XArnµÉvmm cios) vescidos de lã nem se enterram com eles, pois não é
icai Baicxu<0icn foüm M AiyuTITLOLOt Kai permitido pela religião. Coincidem essas prácicas com as
ITu0ayOQEÍ01a 1· oubi: yàQ TOÚTWV TWV ÓQy[wv chamad as órficas e báquicas, m as que são egípcias e pita-
µ En':xov1:a Õatóv Êau i:.v EiQ1vfo 1at cí'.µaat
góricas. Po is não é permitido pela religião que aquele que
0acp0~vm. foi:1õi: TIEQiamwv ÍQÓÇ Aóyoç Aryóµ i:voç.
participa desces rituais mistériosos seja enterrado com ves-
T 11 b Eur. Cret. fr. 472.9-19 Kannichr ( OF 567) 1
é<yvóv bi: r3íov TEÍvoµ Ev U, OÚ tidos de lã. E sobre cais coisas conta-se um relato sagrado.
Li1oç 'lba[ov p ÚOTTJÇ yi::vóµT)v, T llb Eurípides Cretenses fr. 472.9-19 Kannichc (OF567)
,cai{µ,)} VUKTmóAou ZayQÉWÇ r3QOVTàç Levamos uma vida pura, desde que
TOUc; wµocpáy ouç ôaiwç TEÀÉaaç m e converti em iniciado de Z eus do Ida.
0

M'7TQL T ÓQELat bâtbaç àvaaxwv Após ter celebrado os trovões de noctívago Zagreu
µ ETà KOUQ~TWV e os ba nquetes de carne crua,
r3á 1cxoç i:.1cA1íQ17v ómwüdç . e sustentando as cochas em hon ra à M ãe montaraz,
mxAAwKa b ' i'xwv d µaTa cpi:úycv junco aos C ureces,
yÉvw[v n : r3QOTWV ,cai VEICQOÜ~KCXÇ
recebi o nome de Baco, uma vez san tificado.
ou XQ1µmóµ 1:voç 1:1ív T, i:µ ipúxwv
Com vestidos totalmente alvos refugio
f.-3Qc~mv ÊbwTc~v mcpúA.ayµm.
T llc Plu. Apophth. Lncon. 224D (OF653) a geração dos mortais e os sarcófagos,
 ECvTuxibaç ó ÀQÍCJTwvoç TIQÓÇ ... <J)íA.mTiov TÓV sem m e aproxim ar deles, e m e g uardo de n ut rir- me
ÓQ<j)EOTEÀEa1:1)v TiaVTEÀWÇ TITcvxóv õv1:a, MyovTa de alimentos nos quais há alma.
b · õn ol TiaQ · auTw1 µuqü t vn:ç µ 1.:Tà T11v T0Ü r3íou T llc Plu tarco Máximas lnconias 2240 (OF653)
'l"EÀWn)v Euômµovoüm, '•d ouv, wàvól) TE' ElTIEV, Leotiquidas, ou fiU10 de Ariscon, disse a Filipo o o rfeote-
'ou Tll V TC!XÍOT'7V àTIOÜV~LOKELÇ, '( v ' ã µa Tiaúa 171 lesta, que e ra extremamente pobre e que dizia que os que
ICltKobmµov[av ,cai TIEv [cxv KAafr,,v;' se iniciavam com ele e ra m felizes após o final de sua vida:
T 11 d Thcophr. Char. 16. 1 1 (OF654) "Então, insensato, por que não morres o quanto antes
,cai . owv tvúTiv1ov 1b171 (se. ó bc1a 1ba[µwv) para deixar de la menta r tua desgraça e llla m iséria?"
TIOQEÚWÜm TIQÓÇ Touç ÓvEtQOKQÍTa ç, TIQÓÇ Touç T lld Teofrasto Caracteres l 6.11 (OF654)
µ ávn:1ç, TIQÓÇ w uc; ÓQVLÜOCJICÓTIOUÇ, EQWTiíawv,
E quando tem um sonho (o superscicioso), recorre aos intér-
'rlVL ÜEWV - ~ 0 Eix1 - TIQOOEÚXWÜm bü. JCa i
pretes de sonhos, aos adivinhos, aos augures, para preguntar-
TEA wO17aóµ 1:voç TIQÓç Touç 'OQcpEOTEAw Tàc; JCa-rà
lhcs a que deus (ou deusa) deve suplicaJ. E recorre a celebrar
µ~va TIOQEÚWÜm µ 1:Tà 1:~ç yuvaucóç - i:àv bi: µ~
a xoA.ál:171~y uv~, p ETà 1:1iç TLTÜ'7ç- 1cai TWv Timbiwv. os rituais com os orfeocelesras cada mês com sua mulher (e
se a mulher não rem tempo, com a ama) e com os filhos.

1. O cexro que apresento diverge do de Kannicht. Para la jusrificação


das variantes, cf. Bernabé 20046.

)
428 429
T lle Phld. De poem. P.I-Iercul. 1074 fr. 30 T lle Filodemo Poética P.Hercul. l 074 fr. 30 (181.1 ss.
(181.lss. Janko, OF 655) Janko, OF655)
ó]i\Lyov i\óyov oúmç 'OQ<j)wn:Acowü wµruivwL [Esta crítica teml pouca justificativa ao acrescentar, com
Kai. ncubaywyoü l((X;\aµ(bL TI(>Ooüdç, &n 'bi::i 'Cov o tímpano de um orfeotelesta e o cálamo de um pedan-
tpwboQ~µova µ~ l;i::vóo[1:]o~ta µóvov E1o\tyav, àMa
te, que "aquele que conta mentira não só deve escolher
<1axi> 1<áMt01:a'.
palavras exóticas, mas também as mais charmosas".
T llfStra6. 7, fr. l0a Radt (OF659)
T llfEsrrabão 7, fr. 10a Radt (OF659)
Evwü0a (se. tv ITLµnt\cú:n) 1:ov 'OQcpfo
Ali (em Pimplea) dizem que passava sua vida Orfeu o
ÔLCX'CQitpa( cj>17m TÓv K üwva, cxvbQa yóriw
cmó µouo u<~Ç aµa !((XL µaV'tll(YJÇ 1ml. TWV Cicón, um bruxo que vivia de esmola cm 1troca de músi-
TIEQL Tàç 'Cci\nàç ÓQy taoµwv C<YUQ'CEIJOVTG\'.. ca, ad ivinhação e celebração de teletai orgiásticas.
T li g P. Berol 44 saec. 11 a. C. prim. cd. Buechcler-Schu6arr- T llg Papiro de Berlin 44 (s. II a.C.)
Dicls, 8erHner Klmsikertexte V..,..V, J 905, 1ss. (OF383) O rfeu era filho de Eagro e de Calíope, a Musa. (... )
['OQcjm'.!ç uíóç 11v Oláy]QOU 1ml. Kai\i\Lón17ç TYJÇ Transmitiu a veneração pelos sagrados rituais secretos
fM oúoriç ... ] ... naQÉc:>WKEv bi: (1ml. 1:a lEQà ÕQyt] a gregos e bárbaros e com relação a cada aro de culto
a OÉ~EOÜm "Ei\i\17oí.v TE l((XL (ífoQ~Ó:QOLÇ, !((XL K] se cuidou extraordinariamente das teletai., os mistérios,
a j O'] /!1m0Tov ot~17 µ a 11v efmµ Ei\fowwç mQi.] as purificações e os oráculos. A deusa Deméter (seguem
TEAETàç Kal f.lUO'tY]QIC< Kal (rmÜaQµouc; r<ai.] restos que não permitem sua leitura).
µavn,ia. Tf ~Jv L'.ftj]~l'7TQC< ÜE[àv] ...

T 12 lon 5366 (OF I i/40) T 12 Íon 5366 (OF l 140)


EK bt TOÚTWV TWV TIQW'CWV OCXl<TuMwv, 'CWV E destes primeiros ar~is, os poetas, pendem por sua vez
TIOL17'tWV, ai\i\oL a,
ãi\i\ou C(\) ~QT'7f.l ÉVOL dai. l(C(L outros que participam neste entusiasmo, uns por O rfeu,
ev0oumáÇoumv, ol µ i:v el; 'OQcpÉw ç, oí bi: EK o utros por Museu, mesmo que os mais estejam possuídos e
Mouoa(ou· ol bt noi\i\oi. El; Oµ~QOU KC<'CÉXOVTaí TE dominados por Homero.
Kai. fxovTm.

T 13 Resp. 3646 (OF573 I) T 13 República 3646 (OF573 l)


àyúQTm bt real µ ávTEtç ETil ni\ouo(wv OúQaç Pedintes e adivin hos que vão às portas dos ricos lhes
ióv'CEÇ mWoumv wç fon naQà ocp(m búvaµLç
convencem de que estão dotados de um poder procedente
EK Oi::wv TIOQL(oµ { v17 0uo(mç TE Kai. ETIWLbaiç, dos deuses, o de, por meio de sacrifícios e ensalmos, curar
EhE n àbLK17µá wu y{yovEv mhoü ~ TIQoyóvwv,
qualquer injustiça cometida por sí mesmo ou pelos antepas-
àr<Eioüm µ EO' ~bovwv 'CE 1<al EOQTC0v, úxv TÉ nva
sados, com a ajuda de diversões e festas, e o de, se alguem
EXÜQÓV n17µ17vm i'.01'.i\171, µ i::Tà o µu<QWV banavwv
quer causar um mal a um inimigo, por pouco dinheiro, e

430 431
óµo(wç bíKC<LOV àbíKWL ~AátpEL üm:ywycúç 'tlOlV
tanto se é justo como injusto, prejudicar-lhe por meio de
Kai. Ka1:abÉaµmç, wuç 0rnúç, wç cpaatv, m :Wov'tÉç
conjuros e ataduras, pois dizem que persuadem aos deuses
acpLOlV VmlQE'tELV. (vid. quae sequunrur in T 44)
para que lhes sirvam. Para a continuação, e/ T 44.

T,,J3a.. H ippocr. Morb. Sacr. 1.10 (60 Grcnsemann = OF


T 13a H ipócrates A enfermidade sagrada 1.10 (60 Grcn-
657 II)
semann = OF657 11)
éµoi. bt boKÉOvatv oi 71Qw\oL 'tOIJ'tO 'tÓ vóOT]µa
Parece-me que os primeiros a considerar sagrada esta
(se. morbum sacrum) LEQWm:x\,n:ç 'tOLOIJ'tOL EtvaL
enfermedad e (a epilepsia) foram gente como agora os
ãv0QW710L oim 1wi. v0v ELCTL µáym 'tE Kai.
magos, purificadores, charlatães e embaucadores, que
Ka8áQ'tC<L Kai. àyúQ'tC<L 1wi. àAai';óvEç, ÓKÓCTOL dão ares de serem muito p iedosos e de saber mais. Estes,
b~ 71QOanmÉOv'tm acpóbQa 0rnaE~ÉEç Elvcu Kai. com efei to, apelaram ao divino como proteção e escudo
nAfov n dbévm. o"U'Í:ot 'to(vuv naQaµnt:xóµt:voL de sua incompetência ao não ter remédio ao que recor-
,cai. nQo(.faAr\óµ Evo t 'tÓ OEi:ov 'tfjç à µqxav(riç 'tOIJ
rer e para que não ficasse em evidência que n ão sabiam
µi] t'xnv õ n 71QOCTEvéyKaV'tEÇ wq)EAríuouat Kai. nada, ·consideraram sagrada esta a feição.
wç µ~ 1ca1:ábT]1\ot ECuOlV ovbtv ÉmmáµEvOL, LEQÓV
T 13b Hipócrates A enfermedade sagrada l 8.6 (90
tvóµ taav w01:o 'tÓ náOoç Elvm.
Grensemann = OF 657 I)
T 136 Hippocr. Morb. Sacr. 18.6 (90 Grensemann = OF657 I) Esse pode c urar também esta enfermidade (a epilepsia),
OÚ'tOÇ KC!i. WÚ'tTJV'tllV voüuov iw tw ãv, Ei wuç KalQOUÇ
se reconhecer os momentos oportunos para os trata-
bLaytVWO-KOL 'twv uvµcl)EQÓV'tWv, ãvw KC!ÜC!Q~Lwv ,mi.
mentos adequados, sem purificações nem magia, nem
µay(T]ç Kai. náOT]ç 'tütaú'tqç ~avavaíqç.
rodo o charlatanismo d esse jaez.
T 13c H eracli r. Fr. 87 Marcovich (B 14 D.-K.) = Clem. T 13e Her:íclito fr. 87 Ma rcovich (B 14 D.-K.) = Clemen-
AI. Prot. 2.22.2 (OF587 e 656 lfl)
te de Alexandria Protréptico 2.22.2 ( OF 587 e 656 lll)
VUIC'tl71ÓÀOIÇ, µáyOLç, ~Ó'.KXOLÇ, A~vmç, µÚCT'tC<LÇ'
Aos nocdvagos, aos magos, às bacantes, às alcoviteiras,
'WÚ'tOLÇ CXTIELÀÜ 'tCI µ 1:1:à Oávawv, 'tOÚ'tOLÇ
aos iniciados, a uns ameaça co m o que há após a morte,
p 'aV'tEÚE'tC<L 'to nüQ· -rà yàQ voµti';óµeva 1<a't
a o utros lhes profetiza o fogo, pois se inic iam impia-
cxvOQwnovç ~IVCT't~QLC! àvtEQwa'tl µuEÜv'taL.
mente nos mistérios praticados pelos homens.
T 13d PDerv. col. Vl 1- 13 (OF471)
T 13d Pctpiro de Derveni col. VI 1- 13 ( OF 471)
xoai. yáQ, Ev]xa.i. Kai. Ova[(]a.t µ[nr\] (o:oqum -i:àIç t/!vxáç.
(...) pois as libações?] invocações e sacrifícios apazi-
lnI WLb~ b] t_ ~1áywv Mv[a ]rn Lb5:üµovaç t µ [ nobwv
guam às almas. Um ensalmo dos magos pode mudar
YEfyevqµÉvo]~ µ 1:0La1:áv_ a r baíµov:eç t µno[bwv
aos daim ones que estorva m, dado que os daimones que
ÓV'tEÇ dai.
estorvam são almas vingadoras. Por isso é que fazem o
tp[uxai. nµw]QoL 't~V 0vu[(a]v. WÚ'tou. i:'vEKE[µ ] sacrifício os magos, na ideia de que estão expiando um
n.[OLoüah[v
castigo. Sobre as oferendas vertem água e leite, com as

432
433
oí. µáfyo]1, ~eQd nmvriv. ànobLbóvTeç. 'COi<ç> bE. 5 quaiss fazem também as libações. Incontáveis e de m úl-
Í.eQoi[ç] i:mantvboumv v[bw]Q 1<aL yáAa, i:I; wµmQ tiplos bolhões são as tortas que queimam como oferen-
KC(l 'CCl'.Ç
das, porque també m as almas são incontáveis. Os m istas
x~àç rcowüm, àváQL~µa_ [Ka]~ noAuóµ<j:>aAa Tà sacrificam primeiro às Eumênides, igual aos magos, pois
rcorcava-
as Eumênides são almas, pelo qual quem for sacrificar
0úovaLv, õn KC<i. aí. ljiuxct~Láv]áQL0µo 1( e l lm..µúmm
aos deuses liberta prim eiro um pássa ro, porque (as Eu-
Evµev_LOL 71:QOÜÚOUOL K 'Cet 'CCt] l\'.U'Cà 1 µá I ymç·
mênides) se colocam a voar com eles, (... ) ( ...) de sorte
Evµev(beç yàQ
que ( ...) (... ) são aimas ( ...) ( ... )
lpUXC<L e_ipw. wv fVEKf ev ó µ ÉMwv í.] 1 EQà 1 0wiç
Oúnv T 13e Papiro de Derveni co l. XX 1-12 ( OF 470)
'ó.' [Q]v_(OI1:]1ov TIQÓTEQO)! [AúEt, õnavv C<VT]o.fç_ [Quanto ai os homens que viram os ri tuais sagrados nas
7!_q'(_ÉfOV]WL cidades após cê-los celebrado, me admira menos que não
...] w[a ]Te ,mhó Kaf ]ou...[..]01, os compreendam (pois não é possível o uv ir e ao mesmo
dai õf. [ ljiux.a]L..[ .].'COV'CO.[ tempo entender o que se diz), mas quantos o fazem por
T 13e P.Derv. cal. XX 1-12 (OF470) obra de quem transfo rmou os rituais sagrados cm uma
ávOQWrcw[v i:µ] rcói\emv i:mr_eMaavTeÇ [Tà í.Je.Qà p rofissão, esses sã.o dignos de adm iração e de lástima.
elbov, De admi ração porque, co nvencidos, a ntes ele in iciar-se,
EA.aaaóv acpaç Oauµái;;w µ~ y~vwmc1,w ou yàQ otóv Te de que vão adquirir conhecimento, acabam a iniciação
àKoüam óµoü Kal µaüüv Tà A_eyóµeva. õam bE. a ntes de adquiri-lo e sem se t:cr organizado prcgunras
1!C<Qà 'COÜ como fozem os que compreendem algo do que viram,
Ttxv1iµ nmouµévou Tà ÍeQà, omou:'í:/;101Oauµái;;w0m ouvirao ou ap renderam. De lástima, porq ue não lhes
1ml OLK'Ce[[)QWÜC<L, Oauµá i;;w0m µ ev, O'Cl basca ter desembolsado de antemão o gasto, mas que
b_OKOÜV'CeÇ também acaba m privados de capacidade de juizo. Eles
TIQÓ'CeQOv f] lmTeAfom elb~aélv, àntQx.ovTm i:m- que, an tes de celebra r os rituais esperava m adquirir co-
Tt:Afoa v'CeÇ TIQLV eLõÉVC<L, oub' f:7!C(Vl::QÓµ.evOL, nhecimento, uma vez q ue os celebraram, se marcham
wamQ
privados inclusive de su~ esperança.
wç elbóTeÇ T.~ wv dbov f] ~Kouaav f] eµaüov· [ol]
K_'Cé<L>QW0m be,
Õ'CLouK áQKE~ o<j:>Lv T~v barcáv17v nQoav17Awo:Om,
ái\i\à
l(C(L Tfj_ç yvwµ qç O'CeQÓµ eVOL 71:QÓÇ ánÉQXOV'CC( L.
71:Qi.µ µ i:v Tà [i]E.Qet lnm:t\fom, l t\n:(ÇovJTE]ç
Eib~OeLV,
Én.[ L'Cét\fo]a_v'CJEç] ()_f., O'CeQqÜÉVTEÇ tm!i Tfj]ç
Un:([boç] ánÉQXOV'CC(L.

434 435
T 14 Leg. 908d (OF573 lll) T 14 Leis 908d (OF573 III)
ó bt b~ bot;.ál;wv µ tv 1m8ámQ a.-cEQOÇ, Eucpv17ç E o outro, q ue opi na como o primeiro e que provavel-
bt ÊmKai\oúµEvoç, bói\ov bt Kai. tvtbQaç ni\ríQTJÇ, menre é homem d e bons dotes, está cheio de enga no e de
Éç wv µáv-cELç 'CE Ka-caaKwál;ov-cm noi\i\ot Kai TiéQL tramas e d esta classe de pessoas saem em grande número
nãaav -c~v µayyavdav YEYTJVT]µ Évot, yíyvov-cm bt os adivinhos e quantos se ocupa m da magia de todo ti po;
Éç au;wv ~ 'CLV Ô'Cé KCXL 'CÚQCXVVOL KCXL bT]µT]yÓQOl KCXL deles surgem às vezes também os tiranos, os políticos e os
CT'CQCX'CTJYOÍ, KCXL'CEÀE-caí.ç bi: ibtmç Éml3El3ovAwKÓ-cEç, estrategos e os que conspiram cm segredo nas tefetai, assim
ao<j)la-cwv 'CE Ém1mAovµÉvwv µrixavaí. como as artiman has dos chamados sofistas.

T 15 Leg. 909a (OF573 IV) T 15 leis 909a (OF 573 JV)


ÔCTOL b' àv ÜT]QLWÕELÇ yÉvwvw, TIQÓÇ 'CWL 0wuç E a todos aqueles que, além de não crerem nos deuses
µ17 voµíl;nv 11 à µ Ei\úç ~ naQCXL'CTJ'COUÇ dvm, ou crerem que são descuidados ou venais, tenham se con-
l<a'CCX<j)QOVOÜV'CéÇ bt 'CWV àvOQWTIWV lj!vxaywywaL vertido em feras e que, com desprezo dos demais homens,
µ t v noi\Aouç 'CWV l;wv-cwv, 'COUÇ bt n :ÜVEW'CCXÇ se ded iquem a seduzir as almas de muitos dos que estão
<l)áCTKOV'fEÇ lj;uxaywyEí.v ,m i. 0 wuç úm axvoúµ i::vOL vivos ou, afirmando que podem também seduzir as almas
nEÍÜELv, wç 0 ua(mç TE Kat Euxaí.ç Kai. Énwtbaí.ç dos morros e prometendo persuadir aos deuses mediante a
yori-cEÚOV'CEÇ, ibLWTaç -ci:: Kai õAaç oiKíaç Ka.i. nóAnç pr:ktica da magia através de sacrifícios, súplicas e ensa lmos,
XQ'lµá-cwv x.áQLV f.TILXELQWatv Ka-c ' CXKQaç eçmQEí.v, se lancem a arrasar aparti r dos cimentos a parciculares, casas
'COÚ'CWV bt ôç àv ócpAwv dvm bóçT]L, u µ á-cw 'C() inteiras e cidades pelo desejo de dinheiro, a todo aquele que
bLKCXCT'CTÍQLOV au-cwL Ka-cà vóµov bEbfo0m µ tv Év 'CWL parecer ser cu lpado, imponha-lhe legalmente o tribun al que
... bwµwT'lQÍWL K'Ci\.
permanecer encarcerado (...) etc.

T 16 leg. 933a (OF573 V) T 16 Leis 933a (OF573 V)


ãAi\T] be fj µayyavdmç -cÉ natv 1ml. tnwLbaiç 1m i. Há outro Lipo (de veneno) que com sortilégios, ensa lmos
Ka-cabfowt AEyoµÉvm ç ndün -couç µ tv -coAµwv1:aç e conjuros, persuade a quem quer causar dano a ou tros de
j3Aán-cnv au'COÚÇ, wç búvav-cm -có -co toü-cov, 'COUÇ que são capazes de fa:tê-lo e aos o utros, ele que sem clüvida
b · c0ç nav-cóç µãi\Aov únó 'COÚ1:wv bvvaµÉvwv são p rejudicados por quem pode exercer bruxaria sobre eles.
yori-cEúnv j3i\ánrnv-cm.

T 17 Leg. 933d (OF 573 VI) T 17 Leis 933d (OF 573 VI)
Eàv bt Ka-cabfowtv ~ tnaywyaiç 11 nmv E se algu m der a impressão de que está causando dano,
tnw Lbaiç ~ -cwv 'COLOÚTWV <paQµaKELWV wvuvwvoüv po r meio de conju ros, determinados ensa lmos ou malefí-
bóç17t õµowç dvm j3i\ámovn, Mv µ t v µ áv-ctç wv ~ cios deste ti po seja o que fo r, se é um adivinho ou in rérprete
'fCQCX'COCTICÓTIOÇ, 'CE8vá1:w. de prodígios, que mo rra.

436 437
T 17a Eu r. Cycl 646-648 (0F814) T 17a Eurípides Cíclope 646-648 ( OF 8 14)
áM' olb' Enwtb17v 'OQcpÉwç àya011v návu, Mas co nheço um ensalmo de Orfeu boníssimo,
wm:' m'.rróµm:ov 1:àv baAàv EÇ -rà KQav[ov a1:1:[xovü ' de so rte q ue a clava di rigindo-se por si só ao crâneo
úcpán-ruv -ràv µ ové~m:a nawa y~ç. alcançará ao de um só olho, ao filho da rerra.

T 18 SJ'!!J!._· 21_?6 (OF l XVIII e 19) T 18Banquete2 186 (OF 1 XVlII e 19)
7HXV't:EÇ yà.Q KEKOLVWVIÍ KIX't:E ~ç cpv\oaócpou Pois todos vós participastes da loucura filosófica e da
µavlaç 't:E Kai. f3aKx1:laç - btà náv-rEç áKoúaw01:· posse báquica ( ...) por isso todos me escutareis, pois perdo-
auyyvwaw0c yà.Q 't:OLÇ 't:E 't:Ó't:E TCQIXXÜELCTL Kai. 't:OLÇ areis o que fiz antes e o que agora digo. Pelo con trário, os
vüv AcyoµÉvmç. o[ bi: oiKÉ-rm, Kai. d -r1ç àAAoç fo-riv c riados e se houver algum profano e tosco, colocai portas
f3éf311Aóç 't:E Ka i. áyQOLKOÇ, TIÚÀac Tiávu µ1:yáAaç -roiç muito grandes ante vossos ouvidos.
waiv E1lÍÜWÜE.

T 18a OF l T 18a Orfeu Ír. 1


a ádaw çuvc-ro'iar ÜÚQaç b' EnlOwfü, f3 tf3riA01. a Cantarei para conhecedores; fechem as portas, profanos.
b cpÜÉyçoµm oiç Oi µ1ç fo-r[· ÜÚQaç b' tnlOwOE, b Falarei a quem for lícito; fechai as portas, profanos
f3Éf3qA01. T 18b Dionísio de Halicarnaso Sobre a composição estilística
T 18b Dionys. HaJic. de compos. verb. 6.25 .5 ( l 76.2 6.25.5 (176.2 Aujac-Lcbel) (OF l XJI)
Aujac-Lcbcl) (OF 1 XII) Isso pa recem m istérios e não é possível dar a conhecer à gen-
µua-r11QlOLC µ i:v ouv fo1K€v ~b'l wu-ra Kai. oúK te comum, de serre que não seria dcscons'iderado se convo-
ELÇ TIOÀÀOUÇ otá 't:I:: ECT't:LV EK<j>ÉQWÜIXL, wa-r ' OÚK casse "aos que é lícito" a que viessem às telet11.i do discurso e
&v ch1v cpoQnKóç, d 7TIXQIXKaÀOÍl'JV 'otç Üɵtç dissesse aos profanos que "fcd1cm as portas" ao seu ouvido.
fo1:iv' 11KHV bri.'t:àç 't:cÀE-ràç -roü Aóyou, 'OúQaç b ' T 18c Papiro de Derveni col. Vll 9 (OF3)
tmOfoOm' My0tµ1 -ra'iç e<Koai:ç -rouç 'f3cf3~Aouç'. Como o demonstra no bem conhecido verso, após exor-
T 18cP.Derveni col. Vll 8-10 (OF3) rar que estes "fechem as portas" sobre seus ouvidos, afir-
wlç briAo'i] Klll EV 't:Wl [€ÚK]QLV~'l'W.[L E7TEL" '0lú.Q_aç' ma q ue não legisla pa ra a maioria das pessoas.
yàQ 'i:mOÉ[aOm' ,m \J eúaaç -roilç 'wai.]v' mh [ouç T 18d Plu tarco Da E de Delfos 39 1D (OF 1 lll)
ou n voµo]O.e:r.1:'iµ cpl'J[CTL -ro'iç] 1rnAAoiç. Detém-se (Platão) neste ponto, após te r citado o verso
T 18d Plu. De E ap. Delph. 39 l D ( OF 1 II!) órfico "à sexta geração parai a ordem do ca nto" (cf. T
tv-raüOa A1íya -rà 'OQ<pLKOV (OF 25) únemwv 20). E cu d isse: "alé m cio q ue cu vos d isse, 'canta rei uma
'EK't:11L b' Év yeve~LKa-ranaúaaTE olµov ào1b~ç. ' coisa b reve para conhecedores' do grupo de Nicandro".
'foi. 't:OÚ't:OLÇ' Eq>f)V 'ELQJ1µÉVOLÇ 'TTQOÇ úµãç 'ÊV T 18e Escol io a Aristides Discursos 3.50 (lll 47 1.5 Din-
[3Qaxú " wiç TIEQi.N[KavbQov "áelaw çuvewim' " . dorf = OF l XX)

438 439
T 18e Schol. Aristid. Or. 3.50 (III 471.5 Dindorf = OF l XX)
Assemelha suas palavras aos mistérios. Pois há um pro-
TICTQHKáÇu 'touç Aóyouç µua'ITJQLOLÇ, fon bÊ
clama místico "fechai as porcas, profanos", que também
KtjQuyµa µuanKóv, 'tà 0úQaç b' bü8wfü:,
Orfeu mostra em alguma parte.
f3ÉJ3TJAOL· WÇ 7IOU KCTL 'OQcpeuç ÓTJÀOL.
T 18f O limpiodoro Prolegórnenos às Categorias de Aris-
/ " Íl8fOlympiod. in Aristot. Careg. prol. 12.8 Busse (OF totóteles 12.8 Busse (OF 1 VI) [T l Sf]
lVI) (T 18f] "-
Sem dúvida também pretendem o mesmo as "dissimu-
àAAc~yt']~ Kai. wiç li::~i::ümv, 1:o~w f3~ú,\ov'tm ~à lações" para os sacerdotes, pois as engenharam para que
TICTQCT~'taaµa'ta· 'tCTU'tCT YªQ ETieVOTJCTCTV TIQOÇ os mistérios não resultassem claros e compreensíveis para
'tà µt'j nãm aacpfj Kai. yvwQtµa Ka1:aa'tfjam 'tà
todos, pelo que alguém disse ... (e cita em seguida T 1Ba.a).
µua'ttjQLa.
T 18g Estobeu Antologia 3 .1. 199 (IJI 150.1 7 Hense =
T 18g Srob. Flor. 3 .1.199 (III 150. 17 Hense = Plu. fr. Plutarco fr. *202 Sandbach)
*202 Sandbach) [T 18g]
Com efeito, nada há tão próprio da filosofia p itagó rica
1mL µt'jv oubÉv fouv oõ1:w 'tfjç ---r]uOayoQtKfjç
como o simbólico, como uma forma de ensino em que
q>LAoaoq>Laç tbtov wç 'tà auµf3oAtKÓv, otov i:v 'teÀE'trjL
se mezcla a palabra e o silêncio, co mo para não dizer:
µ i::µtyµÉvov cpwv~L KaL aLWrr~LbtbaaKaALaç yÉvoç, "cantarei... profanos" (cf T l Ba.a)
wan: µt'j Mynv- 'àdaw ... f3tf3riAot '. T 18h Damascio Sobre os princípios 124 (lll 162.19
T 18h Damasc. De princ. 124 (!II 162.19 Wcste.rink) (OF20 I) Westcrink) (OF201)
~ bt TICTQà 'tWl TieQLTill'tll'tLKWl EubfJ~LWL (fr.150 Wehrli) O relato sagrado transmitido p elo p eripatético Eudemo
àvayeYQaµµtvq wç wü 'OQ<l>Éwç ovaa 8wAoy[a ... (fr. 150 Wehrli) como obra de Orfeu (... ) configura o
àTià bl:: 'tfjç NuK'tàç ETiottjamo 'tf)V <XQXfJV.
princípio apartir ela Noite.

T 19 Tim. 40e (OF2l e 24) quae praecedunc, cf. T 2 T 19 Timeu 40d (OF2 l e 24) para os antecedentes, cf. T 2
OV'tWÇ ouv Ka't ' €KELvouç ~µiv iJ y Évwtç TifQL
Tenhamos, pois, por boa, e d igamos assim, a geração
'tOÚ'tWV 'tWV 0ewv fXÉ'tW KCTL Àeyfo0w. r~ç 'te Kai
acerca destes deuses segundo eles. Da Terra e cio Céu nas-
OvQavov na"ibeç ÜKECTVÓÇ 'te KaL Tri0uç 1'.yevfo0riv,
ceram co mo filhos Oceano e Tétis; deles, Forcis, Cronos e
'tOÚ'tWV bl:: <DóQKUÇ KQóvoç 'te Kai. 'Pfo Kai ÕaOL µe1:à
Rea e os que vão com eles; e ele Cronos e Rea, Zeus, Hera e
'tOÚ'tWV, €K bl:: KQÓVOU Kai 'Pfoç Zeuç "HQa 'te KCTL
todos quantos sa bemos que se chamam seus irmãos. E, além
rráv'tEÇ õaouç iaµev àbi::Acpouç AeyoµÉvouç au'twv,
disso, os descendentes destes .
eu Te 'tOÚTWV ãAAouç €Kyóvouç.

T 19a Aristóteles Metafisica 1071 b 26 (OF 20 IJ)


T 19a Arisror. Metaph. l 07 Jb 26 ( OF 20 II)
Como d izem os teólogos que começam a geração a par-
wç i\.Éyoumv ol OwAóym ol €K VUK'tàç yi::vvwv'ti::ç.
tir ela Noire.
T 19b Arisroc. Meraph. 1091b 4 (OF 20 IV)
T 19b Aristóteles Metafisica l 091b 4 ( OF 20 IV)

440
441
oi bt 11ot17·i:ai. oi àQxaim 1:aú1:17t óµo(wç, rj L De modo similar o consideraram os poetas amigos, na
~aaLÀEÚHv Kai ªQXELV cpaai.v ou 1:oúç 71QW't:OtJÇ, medida em que afirmam que não reinaram e goberna-
olov VÚK't:CX KCXl OUQCXVÓV f] :x,áoç f] WKECXVÓV, cx,\,\à ram os primigenios, como Noite e Céu ou Caos e Oce-
't:OV f..(a. ano, e sim Zeus.
T 19c lo. Lyd. De mens. 2.8 (26. 1 Wünsch, OF 20 V) T 19c Juan Lido Dois meses 2.8 (26.1 Wünsch, OF20 V)
't:QELÇ 71QW't:CXL KCX't: ' 'OQcpfo EÇE~/\Ó:CT'UJCTCXV lXQXCXl Três primeiros princípios da geração nasceram segundo
't:~Ç YEVfocWÇ, Nu/; KCXL ff] KCXl ÜUQCXVÓÇ. Orfeu: Noite, Ticrra c Céu.
T 19d Aristot. Metaph. 9836 27 (OF22 III) T 19d Aristóteles Metafisica 9836 27 (OF22 lll)

\ dai. bi nvEç oi KaL 1:oúç naµna,\a(ovç Kai.


710/\IJ 71QÓ 't:TJÇ vüv YEVÉCTEWÇ KCXL 71QW't:OUÇ
0w.Aoyríaav1:aç oíhwç (se. ut Thal es) ofov1:m
Há algu ns que pensam que já os mais antigos e muito
distanciados da geração atual, aqueles que fo ram os primei-
ros a tratar dos deuses, tiveram cal opi nião (como a de Tales)
71EQi~ç cpúaEwç úno,\a~üv· DKrnvóv 'CE yàQ Kai acerca da natureza. Com efeito, consideraram a Oceano e
T170uv E710ll']CTC<V 't:~Ç YEVÉCTEWÇ 71~QC<Ç. Tetis pais da geração divina.

T 20 Phileb. 66c (OF 25 1) T 20 Filebo 66c (OF 25 I)


'€K't:l']l b' EV YEVECX L, cpl']CTlV 'OQ<pEÚÇ, "À sex.ra geração", diz Orfeu, "cessai a ordem do canto",
. ' Ka1:a11aúaan: Kóaµov àOLb~ç· ' à1:àQ 1<tvbuvEÚEL mas co rrem os o risco de que nosso d iscurso fique decido no
Ka.i ó Í]µÉ1:EQOÇ ,\óyoç l v EK't:l']L 1w:1:am11avµÉvoç sexto juízo.
dvm KQLCTEL.
T 21 Crátifo 4026 (OF22 I)
T 21 Cratyl. 4026 (OF22 1) Como ta mbém diz Homero (Ilíada 14.201): "Oceano,
wamQ aõ "Oµl']QOÇ 'DKrnvóv 1:E 0Ewv yévw(v · geração dos deuses e a mãe Tecis". Creio que também H e-
cp17mv 'Kai. µ'71:ÉQC< T'70úv ' (3 201). olµm bt Kai síodo (Teogonía 337). E diz e m al guma parte O rfeu que:
'Ha(oboç (Th. 337). MyEL bf. nov KaL 'OQcpt:uç õn Oceano de charmosa corrente iniciou as bodas;
• ÜKECXVÓÇ 71QW't:OÇ KCX/\.ÀLQQOOÇ 11Q/;E yáµmo, ele que se uniu a Tetis, sua própria irmã da mesma mãe.
õç QC< ICCICTLYVfÍ't:l']V Ó~Loµ fÍ'COQCI T170uv 071UlcV.
T 22 Eutífton 5e ( OF 26 1)
T 22 Euthyphr. 5e ( OF 26 I) EUTfFRON: Pois se dá o caso de que os próprios ho-
EYE>. auwi yàQ oi ãv0QW710L rny:x,ávovm mens creem que Zeus é o melhor e o mais justo dos deuses,
voµ(ÇoV'rEç 1:óv f..ía 'CWV Ocwv IXQLCT'COV Ka.i e adm item que acorrentou seu próprio pai porque hav ia
bu<mó1:a'tov, KaL 'tOÜ'COV óµo,\oyoüat 'CÓV aú•rou devorado injustamente a seus filh os, e além do C)Ul'. este
na'tÉQa bf]am, ou 'COUÇ úüç 1<a:'témvEv ouK i:v ÕLKl']L, mes mo havia castrado seu p róprio pai por outros motivos
ICllKELVÓV YE au 'COV CIÚ'COÜ 71CX'CÉQC< EIC'CEµEi.v bt' E'CEQCI simila res ( ...) SÓCRATES. ( ...) Mas dize-me, em nome da

442 443
wLm:íw ... r.OKP.... ài\i\á µOL Elne nQàç <l>uUou, au Amizade, cu acreditas que estas coisas sucederam assim de
wç ài\ri8wç 1ÍY1ÍL 't:mJ'ta o{hwç ycyovi'.vmi EYE>. Kcxi verdade? EUT. E ainda coisas mais maravilhosas que estas,
E'tl YE 'tOÚ'tWV 8cxuµcxmwn•Qa, w L.WKQC<'tEÇ, & OL Sócrates, que agente não conhece.
noi\i\oi, ouK taamv.
j / ------..
r "' T 22alsocr. Busi,: 10.38 Matlúeu-Brémond (OF26 II)
'WLOÚ'tOUC: be i\óyouç 71EQL mhwv 'tWV 0EWV
T 22a Isócrates Busiris 10.38 Mathieu-Brémond (OF26 II)
Sobre os próprios deuses contaram (os poetas) relatos
(se. poetae) ELQ1ÍK1XO'LV oí'.ouç oubdç âv 71EQL 'tWV cais como ninguém se atreveria a co ntar sobre seus inimi-
ÊX0Qwv ElnEiv 1:oi\µ~aELcv· ou yàQ µóvov Ki\onàç gos. N ão somente lhes acusaram de roubos, adulcérios e
Kat µOLXEÚ:Xç 1<at naQ' àv0QW710LÇ 0Tj'tELC<Ç mhoiç serviços às ordens de homens, mas inclusive relataram de-
wvübLaav, ài\i\à 1<at na(bwv ~QWUELÇ Kai. na'tÉQWV vorações de filhos, castrações de pais, acorrentamentos de
ÊK'tOµàç ICC<L µr]'tÉQWV bwµovç l((X(. noi\i\àç ai\i\aç mães e outras muitas transgressões das leis. E não pagaram
ávoµú:xç 1<cx.1: ' mhwv Uoyono(riaa~ únt:Q wv 'TT]V um castigo merecido por isso, ainda que pelo menos não
µev á!;(cxv ÕLKTJV OIJIC EÕOO'(XV' ou µ17v ànµWQl7'tOL YE escapassem impunes, e sim que uns ... e Orfeu, o que mais
blé<puyov, ái\i\ ' OL ... 'OQcpEuç b ' ó µái\ta'tcx 'tOÚ'tWV cocou estes cernas, acabou sua vida desmembrado.
'twv Aóywv átjláµcvoç, bLcxancxa0dç 'tàv ~(ov
Ê'tEÀEÚ'tT]O'EV.
T 23 Fédon 11 lc (OF27 1)
T 23 Phaed. llle (OF27 I) Uma das simas d a cerra resulta ser com muito a maior e
i:v u 'twv xcxaµá'twv 'tl7Ç y17ç ãi\i\wç 1:E µi'.ytawv atravessa de parte a parte toda a cerra. A ela se refere Home-
'tuyxávEL ôv Kcxi. õLcxµmQi:Ç 'tE'tQT]µÉvov l'n' ÕÀT]Ç 't17Ç ro quando diz( ... ) (cita//. 8.1 4) eé a quccmoucro lugar ele
y17ç, 'WÜ'tO Ô71EQ "OµT]QOÇ dm ... [laud. e 14] ô KC<i. e o utros muitos poetas chamado Tártaro. Com efeito, nesta
ai\Ao0L KC<l ÊKELVOÇ l((XL ãi\i\OL noi\i\oi. 'tWV 710LT]'tWV sima co nfluem todas as correntes e dela voltam a Au ir (... ) a
TáQ'tiXQOV KEKÀ1ÍK1XULV. Elç yàQ 'tOÚ'tO 'tà xáaµcx causa de que Auam dal i e d e que voltem a co nflui r é que esta
O'UQQÊoua( 'tE náv'tEÇ OL no'tcxµoi, KC<t ÊK 'tOÚ'tOU nái\Lv massa de água não tem nem fu ndamen to nem leito.
ÊKQfoumv· ... JÍ bi: ai.'tú:x fo'ti.v wü ÊKQELV 'te Êv'tt:ú0Ev
Kai. ElaQEiv náv1:a 1:à Qeúµa'ta, õn nuüµéva ou1< EXEL
oubi: ~áO'LV 'tà úyQàV 'tOÜ'W.

T 23aAristoc. Meteor. 3556 34 (OF27 II) T 23a Aristóteles Meteorol6gicos 3556 34 (OF27 II)
'tà b · Êv 'tc+J wa(bwvL yeyQaµµévov mQ[ 'te O que está escrito no Fédon acerca dos rios e o mar é
'tWV 710'tC<µwv K(XL 't17Ç 8aAán17ç ábúvmóv imposs ível. Po is se diz que sob a cerra todos estão co-
Êanv. Mynm yàQ wç ãnav1:a µi:v Elç ãi\i\riAcx municados entre si e que o princípio e fonte de rodas as

444 445
UUV'tÉ'tQTJ'tC<L únà y~v, CtQXTJ be niXV'tWV ELTJ Kai. águas é o chamado Tártaro (... ) d o qual manam rodas
nriy~ 1:wv úb<hwv ó KaAoúµEvoç TáQ'taQOÇ ... Éç as águas correntes e não correntes e que: o Auxo de cada
oú Kai. 1:a (>fov1:a Kai. 1:a µ~ (>fov1:a àvabLbwmv uma das correntes se produz pela permanente agitação
náv1:a· 't~V b' ÉnLQQUaLV 710LELV ecp' EIC(W'ta 'tWV daquele princípio e prime ira massa de água, pois não
(>wµá1:wv b tà 1:à aaMúELv àü 1:à TTQW'tOV Kai. u7v cem fundamento.
CtQXfJv· OIJIC EXELV yàQ EÔQl.XV. T 23b Orfeu fr. 111.3
T 23b OF 11 l.3 E não tinha por debaixo nem limite, nem íundamenro,
oubÉ n TTELQl.XQ ÚTI-fjv (se. Xáaµa), ou Tiu0µfJv, nem assento.
o ub É n ç i:'bQa.

T 24 Leg. 7 15e (OF31 III, 32 1) T24Leis71 5e(OF3 1 l ll,32 1)


ó µ tv b~ 0 EÓÇ, wamQ Ka i. ó TiaAa tàç Aóyoç, C<QX'ÍV O deus que, como diz também o antigo re lato, tem o
1:E Kai. 1:1::AW'tT]V Kai. µfoa 1:wv õv1:wv áTiáv1:wv txwv, princípio, o lim e o centro de todos os seres, se encamin ha
Eú,0dm TIEQl.XÍ.VEL ICl.X'tà cpúmv TIEQLTIOQE..UÓµEvoç· 'tWl e m dereirura até seu fim segu indo as revoluções da natureza.
bt áEi.auvÉTIE'tC<LÕLKI'] 1:wv áTioAEmoµÉvwv 1:00 ÜEÍ.ou Não deixa de seguí-lo Justiça, vingadora das infrações da lei
vóµou nµWQÓÇ, ~ç ó µ tv EubmµovfJaELv µUAwv divina. Aquele que está disposto a alcançar a fel icidade, a
t:XÓf-lEVOÇ auvÉTIE'tl.Xl 'tl.X71ELvàç ICl.XL ICEICoaµl']µÉvoç, segue d e perco, humilde e ordenadamente. Mas aquele que
ó bÉ n ç ÉfoQOEi.ç ÚTIÓ p Eyc(/\aux(aç, 17 XQ1Ípaatv e nsobe rbecido pelo org ulho ou exaltado por suas riquezas,
ÉTimQóµEvoç ~ npai:ç, ~ 1ml awpmoç EupoQcpím honras ou inclusive a beleza de seu corpo unida à juventude
éiµa vEÓ'tTJ'tl Ka L ávo fm cpMyE1:m 1:TJV tj,ux~v µ e0 • e à insensatez, inAama sua alma com a desn,esura, na ideia
Üí3QEWÇ, wç ou1:E ã:Qxov1:oç ou1:E 1:tvóç ~yEµóvoç de que não necessita de chefe nem de guia algum, mas que
bEóµEvoç, àAAà ,mi. ã:Motç iKavàç <.0v 1iyüa0m, inclusive no demais acredita que se basca, lica abandonado,
Ka1:aAELTIE'tm t:Qqµoç Ornü, Ka1:ai\ELcpÜEi.ç bt Kai. i:n deserto de deus, e por causa deste abandono e cm com-
ã:AAouç 'tOLOÚ'tOUÇ TIQOaAaí3wv OICLQ'tât 'tl.XQll't'tWV panhia de outros semelh:rn res salta alvoroçando-o rodo, e
Tiáv1:a éipa, Ka l TioAi\oiç natv EboçEv dva í. 'tLÇ, µ E1:à a muitos lhes parece que é alguém, mas ao longo de não
bt XQÓVÓV ou TTOÀUV ÚTioaxwv nµWQLl.XV ou p EµTI'tT]V muito tempo e após rer pago à Justiça um castigo não des-
1:-fjt bí.Kq t É.au1:óv 1:E Kai. okov Kal TIÓÀtv ii:Qbqv denhável, provoca sua absoluta ruina, a de sua casa e a de
àváa1:a1:ov Ém>íqacv. sua cidade.

T 24a Schol. Plat. leg. 7 I 5e (317 Greene) T 24a Escolio a Platão Leis 7 15c (3 17 Grecne)
TiaÀmàv bt Aóyov AéyEL 'l'OV 'OQcj>UcÓv, õç t:a'tlV omoç· O "antigo relato" se refere ao órlico, que é u seguinte:
ZEuç ÓQX'Í , ZEuç µfoaa: 1'1tàç b' ÉK Tiávm Zeus princípio, Zeus centro, por Zeus tudo está perfei-
'tÉ'tUIC'tl.X l" tam ente disposto;

446 447
ZEuç 11ú0µriv yaíriç TE Kctl. OUQctvoü àO'tEQOÉVTOç. Zeus fundamento da terra e do céu estrelado.
T 24b Ps.-Demosth 25.8 T 24b Ps.-Demóstenes 25.8
11ávTa Tà TOLctUTct 817Qía:, wv µ Éaoç Kctl. TEÀWTcú.oç E todos os bichos dessa ídole, dos que esse é centro,
Kcti 71QW'tÓÇ fouv OÚ'tOÇ.
ú ltimo e primeiro.
T 24c OF233
T 24c Orfeu fr. 233
)c:;x bt t.íKT] 110Aú11mvoç ÜpÉa71ETO m:xmv àQWYóç. Seguiu-o de perco Justiça de múltiplos castigos, de todos
T 24d Parmen. B 1.14 D.-K.
protetora.
TWV bt t.(KTJ 110Aú110Lvoç exn KA17ibaç à µmí3oúç.
T 24d Pa rmênides B 1.14 D.-K.
T 24e Ps.-D emosrh. 25. 11 (OF33), cf. T 7b
As correspondentes chaves a Justiça a tem de múltiplos
'CT)V 'tà ÕlKctL' àya11waav Euvoµ(av 71EQL 71ÀEÍU'tOU
castigos.
11ot17oaµ Évouç, ~ 11áaaç Kctl. 116Anç KCÜ XWQaç
T 24e Pseudo-D emóstenes 25.11 (OF33), cf. T 76
awLl',Et' Kai T~V à11aQaLTTJTOv ,cai aEµv,)v t.í1C17v,
[É necessário que cada um emita seu veredito) tendo
~V ó -ràç áytW'rámç ~µiv 'tEi\ETàç l(C(TaÔEÍçaç
o máximo apreço por Eunomia, amante das ações jus-
'OQ<pEUÇ 1WQà TÓV 'tOÜ L'.. tóç____ 8QÓVOV <p'7Ul
ras, que conserva codas as cidades e países; e que, com a
1caüqµ l v17v 11ávm Tet TWv à vOQwnwv i:cpoQãv,
convicção de que está olha ndo-o a inexorável e veneran-
Eiç aÚTÓv fraawv voµ[aavTa í31\ Énnv oihw
da Justiça, de quem Orfeu, quem nos instituiu as mais
ljl17cpíÇwüm, <puAaTTópcvov Kcti TTQOOQWµEvov
µ~ KaTmaxüvm TaÚT'7V. sagradas teletai, afirma que, sentada junto ao trono de
T 24g Hymn. Orph. 62 Zeus, inspeciona quanto os homens fazem , cada um vote
'Oµµa t.íKIJÇ µUnw 1rnvÕEQKfoç, àyAaoµóQ<pou, guardando-se e assegurando-se de que não a envergonha.
~ Kal. Z q vóç ãvctKTOÇ b ü 0Qóvov iEQOv IÇn T 24f Hino órfico 62
OUQavó0Ev KaÜOQWaa í3íov Ovq>tw y n oAucpúAwv, Canto ao ol ho de Justiça o n ivideme, de charmosa figura,
Toiç àMKotç 'tl~lWQÓÇ i:mí3QWouaa buw(a, que se senta junto ao trono sacro do soberano Zeus,
U; Laó-r17Toç àA170E(m auváyoua' àvóµow· enquanco con templa do céu a vida dos mortais de múl-
7TlXVTCl'. yáQ, OUOa KC(KCl'.LÇ yvwµmç 0vqTOLUtV tip ias estirpes,
ÓXEi1:m castiga, justa, deixa ndo cair seu peso sobre os injustos,
búa KQtm, í3ouAoµÉvo1ç TÓ 11Afov í3ouAaiç e de sua equidade, co mpara com a verdade o dissímil.
àb(KOtOL, Pois tudo quanto, por más decisões, aos mortais lhes vai
µ oúv17 i:mµí3a(vouoa bLK17v àNKoLç E71EYELQELÇ' de forma incerta, a quem quer mais com propósitos injustos,
i:xOQà Twv àMKwv, Eu<l)QWV bt aúvwm buca(otç. tu só, impo ndo castigo aos injustos, as recond uzes,
àt\t\á, 0 eá, µóA ' bü yvwµmç foOAaiaL ôLKa(a, hostil com os in justos, mas propícia segues , aos justos.
wç âv àEi í3LO'TT}Ç TÓ mnQwµÉvov ~µaQ foéA80t. Vem, pois, deusa, justa pa ra as no bres inrençõe.~,
até o momento cm que ch egue o dia de m inha vida que
está destinado para mim.

448 449
T 25 Men. 81a (OF424) T 25 M ênon 8 1a (OF424)
à1<~1<0a yàQ àvbQwv u : 1ml. yvvaucwv aocpwv dm Pois ouvi uns varões e mulheres cnrendidos cm assun-
i:wv iEQÉWv i:E 1<ai i:wv iEQELWV õamç µ q.tÉÀTJKE TTEQi. wv tos divinos (...) Quem o diz são os sacerdorcs e sacerdotisas
µ naxELQ(Çovi:m Aóyov oí'otç ,:' dvm bLMvar MyE1 que consideram importante dar explicação daquilo do que
bi:: 1<ai. fHvbaQOÇ Kai. áAAo t noAAoi. i:wv nmqi:wv õao, se ocupam e são capazes de fazê-lo. Também o diz Pínda-

\ J OEi:o( Eiatv .... cpaai. yàQ i:11v tjJvx~v i:oü àvOQwnov ro, como outros muitos poetas, os que são inspirados pelos
Elvm àOáva'l'ov, Kai. 'WT€ µ tv TEArn1:ãv - ô b~ deuses (... ) Afirmam, com efeito, que a alma do homem é
ànoOv~LOKELV KaAoüm - 'tOTE bt náALv y(yvw0m, imortal e que umas vezes chega a um termo -- ao que cha-
ànc'J1\AvaOm b ' oubtno,:E· b1:i.v b11 bLC< i:aüi:a wc mam morrer - e outras de novo chega a ser, mas que não
ómw-raT<.:< b1af3Lwvm ,:óv f3í.ov IPi nd. fr. 133 Maehl. perece nunca; e que por isso é necessário passar a vida co m a
= 65 Ca1111arà FcraJ (OF 443olm bi:: <l)EQOECpóva notvàv ma ior santidade possível. Com efeito: (Pind. Fr. 133 Machl.
naAmoü nÉvOwç = 65 Ca nnatà Fera, OF 443)

as almas daqueles a quem aceita a compen-


btE.Ei:a ,, Ele 'tOV ÜTTt:QÜEV aA,ov lCELVüJV EVCX'tWl
sação por seu amigo pesa r, as devolve Per-
['tÜ
séfo11e ao nono ano ao sol de cima; delas
avbtboi tjJvxàc nát\tv, EK Tâv ífaa u\f]Ec àyavoi.
rebrotam nobres reis, va rões im pemosos por
l(C(l aÜÉVcl KQC<ITTVOI <TOcj)Í/.H 'l't: µ Éyta'l'Ol
ávbQrc; auE.ov,: '· eç bi:: TÓV Aomóv XQÓVOV ~QOEÇ sua força e cxcclsos por sua sabedoria. E o
áyvo i TTQÓc; àvOQwnwv 1<at\Éovi:m. resto do tempo são chamados pelos homens
ihE ouv •í tjJux1) àOáva,:óc ,:1: o umx 1<ai. noAAáKtç heróis imaculados.
y1:yov1ifr.x, 1m l Üc>QCXIWia KCl'.i. ,:à t vOábi:: 1m l. ,:à
f. V :a.tbov ,mi návi:a XQ~ µa-ra, 001< foT1v õn ou Assim, pois, a alma, no tanto que é imortal e nasceu
~• t:µé<OqKEV K'l'À muitas vezes e visco o daqu i, o do Hadcs e rodas as coisas,
11:10 há nad::i que não Lc.: nha aprc.:11dido etc.

T 25a Emped. rr. 132 + 133 Wrighr (B 146 + 147 0.-K., T 25a Empédocb fr. 132 + 133 Wright (13 146 + J47
OF448) D.-K., OF 448)
t:iç bi: n '.Aoc µáv1:ELc 'tE 1m l. úµ vonóAot Kai l.q1:QOÍ E ao final, augures, poetas, médicos
,cai. nvóµo , àvOQWTTOLOLV i:mxOovíotm nÉAov,:m, e dirigentes são entre os homens terrcnais,
EVÜEv àvaí1Aaa'WÜOLOwi. nµ17 Lat cj>ÉQLO'tOL e daí reto rnam como deuses, excelsos pelas honras que
àOa.VCX'tOLÇ áAAo,mv óµfrn: LOL, amOTQám::Çm recebem.
f.Óv,:t:ç, àvbQdwv àxtwv ànóKAqQOL, à'tELQEiç. Seu lar comparti lham com os outros imortais, à sua
T 25b Lamella T huriis rcp. OF 487.4 mesa se sentam,

450 451
füoç fytvou E~ àv0QW7!0U. sem ter parte nas misérias dos homens, incansáveis.
T 25c Lamilla Peteliae rep. OF 476.1 1 T 25b Lâmina de Turios OF 487.4
KaL'l:6-r ' E.m:L,:' ã[AAmaLµEO '] ~Qwwmvàvá~n[ç.] Em deus te converteste, de homem que eras.
T 25c Lâ mina de Petelia OF 476.1 1
E em seguida reinarás, com os demais heróis.

T 26 Phacd. 70c (OF 428 1) T 26 Fédon 70c (OF 428)


OKE\jJWµ EOa bE au'í.O 'tfjLM 7!T]L, Eh' lXQa EV /'.\ Lbou E exami nemo - lo deste modo: se é qu e estão no Hades
Ei.ai.v ai ljJuxai. 'tEÀEU't'7aáv,:wv ,:wv àv0Qwnwv as almas das pessoas que morreram ou não. E é que há um
El'tE ,cai. oü. naAmàç µ icv ouv E.O'tl 't:LÇ Aóyoç oú antigo relato, que me vem à mente, segundo o qual estão ali
µEµv1íµ Eüa, wç dai.v f vüivbc acpucóµrvm EKÜ, Kai. tendo ido daqu i, mas de novo voltam e nascem dos mortos.
náALv YE bEÜQO a<pLKVO\JV'rat Kai. y (yvOV'í.aL EK 'tWV
'rEÜVEW'tWV.

T 26a Olympiod. in Plat. Phnetl. 10.6 (145 Wcsterink, T 26a Olimpiodoro Comentario ao Fédon de Platão
OF428 li) 10.6 (145 Westerink, OF428 II)
'OQ<pucàc yáQ E.O'tl ,ca i. TTuOayÓQELOÇ. Pois é ó rfico e Pitagó rico.
T 26b Damasc. in P!at. Phnetl. 1.203 ( 123 Westerink, OF T 26b Damascio Comentdrio ao Fédon de Platão 1.203
428 Ili) ( l 23 Westeri nk, OF 428 III)
'naAmóç' ó Aóyoc, 'OQ<pucóç 'tE yàQ Kai. O "antigo relato" porque é órfico e pitagórico, que leva
n uOayÓQElOÇ, ó náAtv ãywv 'tllÇ ijJuxàç dç 'tÓ às almas ao cuerpo e as tira do corpo de novo e isso
awµa Kai. náAtv ànó 't:O\J awµa,:oç aváywv, Kai muitas vezes seguindo um ciclo.
,:oü,:o 1<ú1<AwL noAAáKtç.

T 27 Epist. 7.335a (OF 433 1) T 27 Cartas 7.335a (OF 433 l)


ndümüm bE ÓV'tWÇ aü XQ17 'tOLÇ naAmoiç 'tE Klll É realmente preciso crer siempre nos relatos an tigos e
iEQOiçAóymç, 01.b~ µ17vúoumv ~ µiv àüávawv ljJuxi]v sagrados que de fato nos revelam que a alma é imortal e
dvm bucaa'táç n: taxnv ,cai ,:ívav 1:àç µ Ey(a,:aç sofre juízos e paga terríveis casrigos quando uma se separa
'tLp WQlllÇ, éhav 'tlÇ àm:v\AaxOfiL'tO\J awµ a,:oç. do cuerpo.

T 27a Hd t. 2.1 23. l (OF 423) T 27a Heródoro 2. 123.1 (OF423)


àQX17YE'tEÚELV bE TWV Ká'rw Aiyún't:LOL Myoua1 Dizem os egípcios que q uem impera no mundo subter-
ti.~µT]'tQll 1<a i. ti.1óvucrov. TTQW'tOL bi: Kai. TÓvbE râ11eo são Demérer e Dioniso. Também foram os egíp-

452 453
'Càv i\óyov ALyúnnoL ELOL oi nnovn:ç, wç cios os primeiros a enunciar essa doutrina de que a alma
àv0QWTIOU lpUXTJ à0ávcx'CÓÇ EO'Cl, 'COIJ awµmoç do homem é imortal e que, a muerte do corpo, penetra
ÕE l<CX'rcxcp0Lvovwç eç
aAAo l;WLOV CXlfl YLVÓµt:VOV em ouLro ser que se torna cada vez vivo. Uma vez que
eaME'l:m· ÊTI1:.àv bi: návw Tif.QLfÀÜ'7L 'Cà XEQaaicx percorreu todos os seres terrestres, marinhos e alados,
1<aL 'Cà 0ai\áamcx 1<cxl. 'Cà TI1:.1:nvá, cxú1:Lç Êç volta a entrar no corpo de um homem q ue está a ponto
àv8Qw1wu awµcx yLvóµ i::vov foMvnv- 1:~v de nascer e cumpre este ciclo por três mil anos. Há al-
mQllÍÍ\UOLV be m'.nfjL yLvw0m f.V 'CQLOXIÀlOLOL guns gregos, uns antes, outros depois, que segu iram esta
E'CWL 'COÚ'CWL 'CWL i\óywL daL o'L 'EAi\1ívwv teoria, como se fosse sua própria, cujos nomes eu não
ÊXQÍ]aav'Co, oi µ i:v TIQÓ'rEQOV, oi bi: Üa'CEQOV, wç escrevo, ai nda que os conheça.
LÕlWL ÉWU'CWV ÊÓvn· 'CWV Êyw dbwç '({X ouvóµcna T 27b Vetio Valente 317.19 Pingree (OF 425)
ou yQácpw. A alma de todas as coisas é imortal, mas os corpos, mortais.
T 27b Yett. Vai. 3 17.19 Pingree (OF 425) T 27e Yetio Valente 3 17. 19 Pingree ( OF 426)
ljJux~ b' àüávmoç Tiáv'Cwv, 'Cà bi:: awµaw 0v17'Cá. A alma, imortal e insensível à velhice, vem de Zeus.
T 27c Yw. Vai. 3 17. 19 Pingree (OF42?,) T 27dAristotóteles Acerca da alma 4 106 27 (OF421 I)
lj!ux11 ó' à0ávawç 1<ai ày1í Qwç t ,c/~Lóç fonv. Esse mesmo defeito mostra a doutrina contida nos chama-
T 27d Ariscot. De an. 41 Ob 27 (OF 42 ! I) dos poemas órficos. Pois afirmam que a alma penetra desde
'COUTO N. m '.novüc ,wL ó Êv wiç 'OQCl)Ucoiç o universo exterior quando se respira, arrastada pelos ventos.
Kcci\ouµ Évmç ETIWL i\óyoç· cj)170L yàQ 'r~v lj!ux1)v T 27e J. Filópono, Comentdrio do Acena da alma de
ÊK 'COÚ õi\ou EiatÉvm àvanvEÓV'CC<JV, <pEQO~ut v17v Aristóteles 186.24 H ayd. (OF42 1 l i)
únà 'CWV àvéµ wv. Diz (Aristóteles) "os chamados" porque não parece que
T 27e loann. Philopon. in Aristot. de an. 186.24 Hayd. os versos sejam de Orfeu, como também diz ele mesmo
(OF42 LII) no Acerca da filosofia (fr. 7 Rose). E é que as doutrinas
i\Eyoµ t voLç Eimv, Ênnó~ µ~ boKEi 'OQtj)éwç dvm sim são dele, mas dizem que Onomácrito as colocou
'Cà fo17, w ç 1<cxi mhàç Êv wiç TIEQL cl)tAoaocpLaç em verso (tese. 5 D'Agostino = OF 11 15). Pois bem, diz
(fr. 7 Rose) i\tyn- cxu'Coú µ i:v yé<Q dm 'Cà que a alma levada do universo pelos ventos é inspirada
Myµa'Ca, 'Cl'.XÚ'Ca bi'. cpaaLv Ovoµ é<KQL'COV Êv pelos seres vivos.
ETIWL KCX'Ca'Ccivm (OF 1115). i\tyn oúv ÊKEL õn i'] T 27fVetio Valente 317.19 Pingree (OF422)
lj!ux~ únà 1:wv àvéµwv ÉK wú nav'ràç cl)EQoµ t v17 Ao aspirar o ar, coletamos a alma divina.
àvanVEL'CCXL únà 'CWV l;wLwv. T 27g Proclo Comentdrio à Repiíblicr.r de Platão II
T 27f Vectius Valens 3 17. 19 Pingree (OF 422) 339. l 7ss. Kroll ( OF 339)
àÉQa ó ' EÀKOV'Cf.Ç ljJux1)v Odav ÔQEnóµ t: 0a. Q uando das feras e os pássaros alados
T 27g Procl. in PL Rcmp. II 339. 17ss. Kroll (OF339) se precipitam as almas e lhes falta a sagrada vida,
ai µ i:v b~ Ü'7QWV 'CE ,w Loiwvwv TI'CEQOÉV'CWV à alma destes ninguém a conduz à mansão de Hades,

454 455
ljluxaléh' àíçwat, MmJL c>É µ tv LeQÓÇ alwv, mas que voando fica em vão por aí, até dela,
1:wv ou n ç ljJuxiJv 1mQáya Mµov dç Aíbao, mesclada com rajadas de vento, se apodera outro ser.
àí\í\ ' au1:oü 1tE1tó1:ri1:m t1:c:imov, dç õ KEV au,:iJv Mas quando um homem abandona o resplendor do sol,
ái\Ao àcpaQ1tá(17t µ íybqv e<vɵoLO nvo17tatv· suas almas imortais aba ixo as leva Hermes C ilenio,
ó1t1tó1:1: b' avÜQWTTOÇ 1tQOM1t17t cpáoç TJEÀLOLO, à descomunal cavidade da terra.
l/Juxàç à0aváwç 1<a1:áyEt KuAA~vLOç 'EQµ17 ç
yaíriç Êç KEV8µ wva TTEÀWQLOV.

T 28 Resp. 608d T 28 República 608d


'ouK ~ta017a m ', ~v b' tyw, 'õu à8ávmoç iJµ wv 1Í "Não ouviste, dizer", disse eu, "que nossa alma é imortal
l/JuxiJ KC\'.1. ouc>ÉTTO'l:E cmóMuw:1;' !((XI. oç l µf3Mljlaç µot e que nunca perece?" E ele, após dirigir seu olhar para mim
Kai. 0auµá aaç dm· ' µà õC, ouK i':ywyE. ' e muito extranhado, disse: "Por Zeus, eu ao menos, não".

T 29 Ph11ed 69c-70a T 29 Fédon 69e-70a


ó KÉf3qç i':cj)ri· · ·o r.wKQmEç, ... /1:à be mQi. 1:17ç E disse Cebes; "Sócrates, (...) isso que dizes, acerca da
ljlux17ç noAAiJv áma-ríav naQÉXEL -roi.çlàvOQw1to1ç µtj, alma provoca nos homens a desconfiança de que, quando se
f.TIHbàv ámv\J\aytit ,:01) awµawc, oubaµoü i':n tít'. sepa ra do corpo, já não esteja em nenhuma parte".

T 29a Diogcn. Ocnoand. fr. 40 Smith (OF427 1) T 29a Diógenes de Enoanda fr. 40 Smi th ( OF 427 I)
íµq bi, Mywµi::v õu 'Í 4Jux11J µ_Eíw:f3a[voucm ouK à ] E não digamos que a alma transmigra e não pereceu, como
nwM[uw, wç ot 'OQ<pEi]o_1, Kai lluüayfóQaç ou] acreditam os órficos e, não menos, Pitágoras, loucos deles.
µóvoç, µmv[óµi:vm bo1<0üatv]. T 29b Diógenes Lacreio l.9 (OF 427 II)
T 29b Diog. Lacrr. 1.9 (OF427 li) Teopompo no livro oitavo das Filípicas (FGrHist 115 F
Kai 8 Eónoµ noç tv 1:1it óybóqt 1:wv cJJ1J\mmKwv 64) djz que os homens ressucitarão, segundo os magos,
(FCrT-Jíst 115 F 64-)- oç Kai ávaf3u{XJw0m Kmà e serão imortais e na realidade permanecerão em suas
wuç µáyouç cpqa i wuç àvÜQWTTOUÇ Kai fowüm próprias revoluções. Ta mbém co ntam Eudemo de Ro-
à0aváwuç, KC\'.l 'rWL õvn w:i:ç amwv 1tEQLKUl<À~awL das (fr. 89 Wehrl i).
Clll\'.f--lEVELV. w:üw bi: l(C(( Eubqµoç Ó 'Pób1oç LaWQEL (fr.
89 Wehrl i).

T 30 Phaed 62h (OF 429 I ) T 30 Fédon 626 (OF 429 l)


ó µ i:: v ouv t v ànOQQ~WLÇ AeyóµEvoç 7tt:Ql au1:wv Pois bem, o relato que se conta nos círculos secretos
Aóyoç, wç i':v nv1 <pQOUQÓ:L foµ t:v ot ãvOQWTCOL Ka i ou sobre isso, que estamos sob uma espécie de custódia os

456 457
bEi b~ ÉaU'(OV EK 'tllÚ'íf]Ç ÀÚEL V ovb. ànobLbQCXO'l<ELV, homens e a própria pessoa não deve livrar-se nem escapar,
µ tyaç 'íÉ 'tLÇ µOL cpa(vt:'fm 1<ai. ou (>áLb Loç bubi:iv. parece-me algo grande e não fácil de entrever.

T 30a Schol. Plac. Phaed 62b (10 Grcenc, OF 429 II) T 30a Escolio a Platão Fédon 626 (10 Greene, OF429 II)
EV'í€ÜÜ€v 'íÔ TTQW'tOV nqó~Ariµa, 'fÔ µ~ bEiv Daí o primeiro problema, que não se possa livrar, do
i:çáynv fomóv· oú emxEÍQ17µ a. µu0L1<àv a, qual há um testemunho mítico tomado de O rfeu.
OQcpÉwç A11cpü t v. T 30b O ion Crisóstomo 30. 1O ( OF 429 III)
T 30b Dio Chrys. 30.1 O (OF 429 Ili) Todos nós homens somos de sangue dos Titãs, assim
'tOÜ 'fWV Tm\:vwv aí'.µa'fóç foµ i::v ~µi::i:ç anav'ti:ç que, como aqueles são inimigos dos deuses e lu taram
oi ãvOQWTTOL. wç ouv EKt:ivc<.1v EXÜQWV ÓV'íWV contra eles, tampouco nós somos amigos seus, e sim que
'tOi:ç 0wi:ç 1<ai. n ot\i::µqaáv'fwv ovbt. ~µEiç cl)íAOL somos mortificados por eles e nascemos para ser castiga-
foµ tv, àt\t\à rcoAaÇóµi:Oá u ún' a.u'twv ,cal tnl dos, permanecendo sob custódia na vida durante tanto
nµwq (m yi::yóva µ i:: v, e.v <l)QOUQfü b11 Óv'tt:Ç ev 'tWL tempo quanto cada um vive, e os que morremos após
~LWL'tOO'OÜ'tov XQÓvov õaov e1<aO''tOL Çc~µ i:v. 'tOUÇ ter sido já suficientemente castigados nos vemos livra-
N ànoüv~Larcovrnç ~µwv\ 1wco1\ aaµ t vouç iíbTJ dos e escapamos. O lugar que chamamos mu ndo é um
i ,mvwç ÀÚéaOaí 'ri: ,cal àna>\t\á'í'tWÜm . dvm bt. cárcere penoso e sufocante preparado pelos deuses.
'tÓV µ t.v 'l"Ónov 'tOÜ'tOv, ôv 1<Óaµov óvoµá(oµ i:v, T 30c Paiadas, Antologia Palatina 10.88.3-4
bcaµ w't~QLOV únô 'fWV Oi:wv rca'tfa1<waaµ tvov Mas quando sai (a alma) do corpo, como das correntes
xc:xt\fnóv 'tf 1ml bvaái:qov. da mo rre, foge pa ra a divindade imortal.
T 30c Pallad. Anth. Pai. 10.88.3-4
àAA. õwv Éçtt\OqL 'tOÜ awµ arnç wç ànó bwµwv
'tOÜ 0avihou, <l)cúyn nqóç 0 1:ôv àOáva'tov.

T 3 1 Ph11edr. 248c (OF459) T 31 Fedro 248d (0/7 459)


Owµóç 'l"f AbQllO''tcÍaç Õb1:. ~nc; âv tJJux~ ÜEWL Tal é o preceito de Ad rastea: que qualquer alma que,
(TUVO'T!abàç y1:voµ tv q lca't(bqt n 't(~V à Aq Owv, por ter pcrtcnecido ao séquito do divino, tenha vislu mbra-
f1ÉXQ' 'ti: 't~Ç É'tÉQaç mQ1óbou dvm àn~~1ova, do algo do verdadeiro, estará livre de padecimento até o
icâv àd 'tOÜ'tO búv q'tm no1Eiv, àd à~t\a~~ t:Ivm · próximo giro e que sem pre que possa fazer o mesmo segui rá
ôrnv bi:: àbvva'tJÍaaaa tmantaOm µ~ tbq,, rcc:x( estando livre de dano. Mas quando, por sua incapacidade
nvt a uv'tux(m XQ qac:xµ tvq t\~0 qç 'ti: ,mi. 1<arciaç para scguí-lo, não o tive r visto e por qualquer casualidade
n AriaOEiaa ~aQuv0111, í-k<Quv01:iaa bt TT'tEQOQQV'ÍCJllL se apresente au encher-se de esquecimento e maldade, ao
'ri: 1<al tni. 'l"~v y 11v TTÉCJT]L, 'tÓ'íE vóµ oç rnÚ'tllV µ~ apcsanta r-sc, perderá suas asas e cairá por terra. Então a nor-
cpun :üam dç µqbq1(av Ü~QELOV cpúatv tv 't~LTTQW'tT]t ma diz que tal alma não se enxerte em nenhuma nacureza

458 459
yEvfoEL, àt\Aà 'IT)V µ !':v TIÀEia,:a iboúaav d ç yov~v animal na primeira geração, e sim que seja a que mais viu
àvbQOÇ yEv 17aoµÉvou cpu\oaócpou 11 cpu\oKáAou 'l a q ue se engendre na semente de um varão que chegará a
\püUCTLl<OÜ 'l:LVOÇ KIXI. EQúYtLKOÜ, 'IT)V Ôf. ÔEU'l:ÉQIXV ELÇ ser filósofo, amante da beleza ou das Musas e do amor; na
f3amAéwç ivvóµ ou 11 noAEµLKOÜ ,cai. CXQXU<OÜ, '1:Ql'l:TJV segunda, na de um rei legítimo ou um guerreiro ou um
Eiç TIOÀmt<oÜ ~ nvoç oit<ovoµ uwü 11 XQT]µanan1<0Ü, governan te; na terceira, na de um político ou um admi-
'l:E'l:áQ'l:T]V dç cpu\oTióvou yu µ vaan1<oü 'l mQL n istrador ou um empresário; na quarta, na de um amante
awµ a ,:o ç icw(v nvoç iaoµ évou, m'.µTI'l:T]V µavnKàv do esfo rço, um ginasta ou o que vai dedicar-se à cu ra de
corpos; na quinta, cm uma vida dedicada à ad ivin hação ou
f3(ov 'l nva 'l:EÀEOHKOV i::i;o uaa v- EK'l:TJL TIOu7n1<àç
especialista cm algum ritual de iniciação; à sexta lhe irá bem
11 'l:WV m QL µ(µ17a(v n ç ãt\Aoç àQµÓaEL, tf3Mµ17t
um poeta ou algu m dos que se dedicam à imiração; à séti-
b17µLOUQYLKOÇ 11 yEWQYLKÓÇ, àybó17 t aocp tan1<àç 11
ma, um artesão ou um camponês; à o itava, um sofista ou
õri µo1<om1<óç, iváTflL WQIXVVLt<Óç. iv b~ 1:oúw tç
demagogo e à nona, um tirano. De rodos estes casos, o que
aTiamv õç µ !':v à.v bucaí_wç btayáyriL àµdvovoç
tiver levado uma vida justa é participan te de um melhor
µo((_)aç µ E'IaAaµf3ávEL, õç b' d:v àMt<wç, XELQOVOÇ'
destino e o que tiver vivido injusta mente, de um pior. Pois
EIÇ µ t v yàQ 'l:O C(IJ'"(() oOt:v 1 KEL 1í tjJux11 Ét<Ó:O'l:T] ali mesmo de onde partiu não volta alma alguma antes de
OIJK àcj:nt<VEL'l:m E'l:WV µuQíw\{ ... n1\11v ~ 1:oü dez mil anos (...) a não ser aquele q ue tiver filosofado sem
cpLAoaoq>~aavwç àbót\wç 11 TimÔEQam~aav,:oç enganos o u tiver amado aos jovens com fi losofia. Estas, no
µnà cpLAoaocp w ç, aÚ'fC<l bt '1:Ql'l:fll TIEQLÓÕWI 'lijl terceiro período de mil anos, se escolheram três vezes segui-
x 1A LE'l:EL, i:.àv Uwvwt 'l:(_)Lc; i:.cpe/;fic 'IOV f3[ov wüwv, das a misma vida, recobram suas asas e se distanciam com
oíhw TI'l:EQWÜEiam TQ LCTXtA to a-rwL E'l:EL àTIÉQXOV'l:aL elas ao cu mprir-se os três mil anos. As demais, no entanto,
C<L bt ãt\Aai, ornv 'l:Óv TIQW'l:OV f3(ov 'IEAw-rríawmv, ao term inar sua primeira vid a, são chamadas a juízo e, após
KQ [ai::wç huxov, KQLÜE'iam bt GIL µ tv Eiç 'l:à únó yfiç ser julgadas, u mas vão parar em prisões subterrâneas, onde
b u<aLW'IlÍQLC< Et\Ooüam M1<qv ÉK'ftvoumv. expiam sua pena.

T 31a t:mpcd. fr. 107 Wright (B 115 D.-K., OF 449) T 31a Empédocles fr. 107 Wrighr (B l 15 D.-K., OF 449)
fon v Avó:yt<T]Ç XQfiµa, ÜEwv tJJrícpta µa TiaAmóv, Há um decreto de Necessidade, de antigo referendado
àtôLOv, TIAa-rfram KIX'l:EO<pQqy tu µ tvov OQKOtç· pelos deuses,
EÕ'IÉ 'ItÇ àµnAaKLl7LOL cpóvwLq>íAa yuia µuívqL, eterno, selad o por prolixos juramenros:
<ÓQKOV> o<n>ç t< '{i::l E7TLOQKOV àµa(_)~aaç "Quando alguém, po r erros de sua mente, contam ina
ETioµócrOT]t, seus membros
ba(µ ovEç o'L 'l:E µaKQa[wvoç M:Aó:xam f3(0Lo, e viola por tal erro o ju ramenro que prestara
'IQLÇ µLv µuQíaç WQa ç à1Tà µat<áQWV àt\ó:Aqa 0m, - falo de daimo nes aos q ue roca uma vida perdurável-,
cpuoµ évouç Tia v'l:oia btà XQÓvou Eiôw ÜVTJ'IWV ha de vagar por tempos três vezes incontáveis, longs dos

460 46 1
àQyaAfoç f3LÓ'l:OLO µE'Cwv\áooovrn KEÀEÚÜOUÇ. Felizes,
aLÜÉQLOV µi::v yáQ a<pE µtvoç 7tÓVTOVÕE ÔLWKH, na feitura de formas de morrais, variadas no tempo,
7tÓV'tOÇ b' fç x0ovóç oubaç cmtnwaE, yaia b' EC. enquanto que vai alternando os procelosos rumos da vida,
auyàç po is a força do éter o impulsa em direção ao mar

./ rjeMou àrcáµavroç, ó b' aLÜÉQOÇ eµf3ai\E Nvmç·


a,
ãAAoç b, ãMov ÔÉXEWL, O'l:uyfoum bi:: náV'l:EÇ
e o mar volta a escupí-lo ao terreno da terra, e por sua
vez esta aos fulgo res
'[~V l<IXLeyw
vüv dµL, cj:>uyàç ÜEÓÜEV Klll Mf]U]Ç, do sol resplandecente, mas ele o precipita aos vórrices
Ndrcü µmvoµ t vwL n[ouvoç. do éter;
T 3 1b Pind. 0/. 2.68-72 (0F445) pcrgirT 55d cada um de outro o recebe, mas todos o aborrecem".
õooL b ' b :óAµaaav EO't:QLÇ Eu sou um deles, descerrado dos deuses, crrabundo,
Él<ll'rÉQWÜL µdvav't:EÇ unó ná~mav lXÕLl<WV EXELV e é que na discórdia enlouquecida pus mi n ha confiança.
ipuxáv, E'rHÀav LiLàç óMv naQà KQóvou 'rÚQoLv· T 31b Píndaro Olímpica 2.68-72 (OF 445) continuação
evOa µmcáQCuV de T55d
vãaov wrcrnv[bcç llUQIXL 7tEQL7tVÉOLOLV. E quantos tiveram o valor de manter pela terceira vez
T 3Jc Procl. in PI. Nemp. li 173. 11 Krol l (0F346) cm um e outro mundo sua alma absolutamente aparta-
1caLó µ i:v B AáTwv (Rcsp. 615a) õLà ,:owúrnç ahíaç da do injusto,
ànobíbwaL 't~v x 1A1ába 'taiç únà 'tWL TTAoú't:WVL percorrem o caminho de Zeus até o baluarte de Cronos.
ipuxaiç, ó bi:: 'OQq>EVC. b Là 'tQlllKOOLWV CtlJ'tC<Ç Ali as brisas
E'l:WV cmà 'tWV 'tÓTICuV ii:yEL 't(0V úrrà y~ç real 'rWV do ocea no sopram em torno à ilha dos bem avenrurados.
EKEL bLKlllW'tf]QÍWV auÜLÇ dç yÉVEOLV, uúvOriµa T 3 lc Proclo Comentário à República de Platão II
KaL OÚ'rOÇ nmoúµevoç 'tàç 'tQÚÇ Érca't:ov'tábaç 173.12 Kroll ( OF 346)
niç 'tEÀElllÇ 7tEQLÓÕOU 'tWV lXVÜQWTILVWV ipuxwv Por cal motivo, Platão (Resp. 615e) atribui os mil anos
KaÜmQoµÉvwv, üj:>' ofç fí3íwcmv f mmQEq>óµ cvm às almas submetidas a Plutão. Quanto a Orfeu, as leva
'rllV YÉVEOLV. durante trezentos anos desde os lugares subterrâneos e
T 3 1d Damasc. De princ. 123 bis (1 11 .16 1.8 Wcstcrink = as prisões dali a seu nascimento e faz das crês centúrias o
OF77) . símbolo do período complero da purificação das almas
auvcivm bi:: C<U't:WL (se. XQóvw,) 'rTJV Aváyrcriv, humanas, de acordo com 'o modo em que viveram du-
cj)ÚOLV ouaav 't~V C(U'l:í]V rcaL AbQllO'rElllV rante seu trânsiro pela geração.
àawµawv b LWQYULWµÉVí]V EV 7tllV'rl 'l:Wl KÓOpWL, T 3 1d Damascio Sobre os princípios 123 bis (lll 161.8
'tWV 7tEQá,:wv mhoü üj,an'tOµtvriv. Westerink = OF77)
Uniu-se a ele (a Tempo) Necessidade, que é por sua ve:l
Narureza e Adrastea, inco rpórea e com os braços esten-
didos por todo o mu ndo, cocando seus confins.

462 463
T 32 Cmtyl. 400c (OF4301) T 32 Crdtilo 400c ( OF 430 1)
Kai yàQ a~µá nvéç cpaaLv ainà dvm 'IT]Ç t)!uxfJç Co m efeito, alguns afirmam que este fo corpo.! é sepul-
(se. awµa), wç 1:eüaµµtv11ç tv 1:wL vüv 1iaQóv1:1· Kai t ura da alma, como se esta estivesse sepultada cm sua situa-
ÔLÓ'tl C<U 'tOÚ'tWL a 17µa[VH CX âv a 17µa LVl7L ~ t)!UXJÍ, IWL ção atual e, por outra parte, que, como a alma manifesta o
1:aú1:q1 afJµa ÓQÜWç KaAEia0m. boKoüm µév1:0 1 µ0 1 que man ifesta através dele, também neste sentido chama-se
µáALarn Ofo0m oi à µcpi. ÜQcpfo 1:0ü1:0 'rÓ óvoµa corretam ente "signo". Sem dúvida, me parece que Orfeu e
(se. awµa), wç ÔÍKTJV b1boúaqç 'ITJÇ t)!uxriç wv b17 os seus lhe puseram este nome, sobretudo porque a alma,
í!vcrca bibwa1v, 1:oü1:0v bt 7TEQL~oAov EXELV, tva que paga o castigo pelo que eleve pagá-lo, o tem como um
awL(T]'taL, bwµw1:17Q[ou dr<óva· dvm ouv u i ç t)!ux~ç recinto, semelhante a uma prisão, onde pode se ver sã e
'roü1:0, wanEQ mhà óvoµ á(;e1:m, i!wç âv f.K'rELOJJ 1:à salva; que, cm consequência, é "salva m ento" da a lma, como
ócpnAóµcva, {1:ó} awµa, rcai. oubtv büv 7taQáyELv seu próprio nome indica, até que expie o que deve, e que
oub ' evyQáµ~ia. não é preciso mudar nem uma letra;
cf. Axioch. 365e cf. Axfoco 365e
~µEiç µ tv yáQ foµ cv t)!ux~, C.w1ov àüáva1:0v tv Pois somos u ma a lma, ser vivo imortal fechado cm uma
Ov171:wL 1caÜE1Qyµtvov <pQOUQLWL. prisão morra!.
Phaedr. 250e Pedro 25 0c
KaÜaQol ÓV'r€Ç 1<al àmíµavw1 rnú1:0u ô vüv b11 Estando puros c sem marca d isso que agora levamos ao
awµ a TTEQL<pÉQOV'tEÇ óvoµáC.Oµcv, 001:QfoU 'tQÓ7TOV redor e ao que c hamamos "corpo", no que estamos oprimi-
bi:bwµwµ t vm. dos como uma ostra.

T 32a C lcm. Alex. Strom. 3.3.17.1 (OF 430 lJ I) T 32a C lemente de Alexand ria Tripices 3.3. 17. 1 (OF
ã!;,ov bt ,cai. 1:f)ç (f)LJ\oAáou (44 B 14 D.-K., p. 430 Ili)
402ss Huffman) ME.Ewç µv17µ oveüam· Myn yàQ E é adequado lembrar-se do d ito de Filolau (44 B 14 0.-
ó l luOayóQELOÇ wbc· ' µaQ'rUQfoV'tal bt ,cal o[ K., p. 402ss Huffman). Diz o pitagórico o segui nte: 'Tes-
naAmoi ÜEOAóym 'rE 1<ai. µávnEç, wç b1á nvaç temun ham isso ta mbém os ant igos teólogos e ad ivinhos:
'tlf-lWQ(ac ó: y;uxà 'tWL awµan auvé(;EUl<'tal ,cai. que em cumprimento de certo castigo a alma es1á atada
,caOánEQ tv míµan 'rOÍJ'rWL 'rÉÜan'rm·. ao corpo e cscí enterrada nele como c m uma sepultura".
T 32b lamblich. Protr. 77.27 Dcs Placcs (= Arisror. fr. 60 T 32b Jâmblico Protréptico 77.27 Des Places (= Aristó-
Rose, OF 430 V) teles Ír. 60 Rose, OF 430 V)
'C LÇ âv ouv dç 'taú·m ~Mnwv otm1:0 cuba(µ wv Quem ao ver isto se consideraria ícliz e afortu nado, se,
dvm 1<ai. µ a1<ÚQ1oç, o'i. TTQC~'tov Euüuç cpúaEL como dizem os que pronunciam as teletai, desd e o pri-
ovv[amµEv, 1ea0ánEQ cpaaiv oi 'tàç 'CEÀE'tàç meiro momento nossa natureza foi constituída, como
Myov1:Eç, WOTTEQ âv i:ni. nµwQ[m náv'CEÇ wüw se estivesse destinada a u m castigo? Pois isso é o que de

464 465
yàQ Odwç o[ àQXllLÓ'tEQOL Myouat 'tO cpávat u ma fo rma divina proclamam oos mais antigos, qua ndo
btbóvm 't~V lpUX~V n µ WQlllV Klll Çfjv ~µãç ÊTÜ dizem que a alma paga u m castigo e que nós vivemos
KoAáaeL µ EyáAwv nvwv á µ aQ'tT]µá'twv. rrávu para expiar os maiores cri mes. Pois a u n ião da alma com
yàQ TJ aúÇcul;Lç 'tOLOÚ'tWLnvi. EOLKf TIQÔÇ 'tO awµa o corpo recorda algo deste tipo. E ass im, d izem, como
'tTJÇ ljluxfjç. wamQ yàQ 'touç tv 'tf] t TuQQTJv[m entre os tirrt:nos rorcu ram muicos de seus prisioneiros.
cpaai. ~aaav[Çav rroMáKLÇ 'tOUÇ áAtai<0µ tvouç Atam vivos a cada u m deles cara a cara e membro a
TIQOabwµ EÚOV'tllÇ TIQOÇ (XV'tlKQU 'tOIÇ Çwm membro com um cadáver. De igual modo a alma parece
VEKQouç àv'tmQoawrrouç EKaO'tOV TIQÓÇ i!Kaawv ter esticado e unido a todos los órgãos sensíveis do corpo.
µ ÉQOÇ TIQOGaQµÓ't'tOV'taç, oÜ'twç fo ucev 1í ljJuxiJ T 32c Papiro de Bolonha OF? l 7. 124
bta'te'táaüm Kal TIQOOKEKOMiiaOm rrãat 'tOLÇ A filha de Justiça, 1 famosíssima Retribuição.
ala011n KOLÇ 'tOÚ uwµawç µ ÉAWLV.
T 32c P.Bonon. (ed. Lloyd-Joncs-Parsons 1978) 124 (OF7 l 7)
t..LKmoaúvlriç Ouyá'tT][Q rr]o_A_úc!)T]µ oç A µ ot~~-

T 33 Gorg. 493a (OF 4301) T 33 Corgias 493a ( OF 430 ll)


Kai. ~µE'iç 'tWL ÓV'tl rawç 'tÉÜvaµ Ev· iíbTJ yáQ 'tOU E nós na realidade quiça estejamos morros; ao menos
eywyE Klll ~Kouaa 'tWV aocpwv wç vüv-i]µ Ei:ç 'tÉÜvaµ Ev eu ouvi algum dos sábios que nós agora estejamos mortos
Ka i. 'tà µtv awµá fonv ~µí:v afjµa scquitur T 40. e qu e o co rpo é para nós uma sepulcura. Continua em T 40

T 33a Eur. Phrixnsfr. 833 Ka nnichc T 33a Eurípides Frixo fr. 833 Kannichc
'tLÇ b' oibi::v d l',fjv 'touO ' ô KÉICÀTJ'tllL OavEiv Q uem sabe se viver é isso que se chama ter morrido
'tÓ l:11 v bt ÜVJÍLGKELV EO'tLi e mo rrer é viver?
T 33b Eur. PolyidusJr. 638 Kann ichc T 33b Eu rípides Poliido ír. 638 Kan nich r
'tLÇ b ' otbEv d 'tÓ 1:íiv µÉv fon Kll'tÜav Eiv, Q uem sabe se viver é rer morrido
'tÓ Ka'tÔavEiv bt 1:iiv KáTw voµ [ÇE'tm; e se co nsidera ter morrido viver abaixo?
T 33c Lamclla osea O lbiae reperca, V a. C. (!Olb. 94a T 33c Lâm ina de osso de Ólbia, V a. C. (!Olb. 94a
Dubois, OF 463) Dubois, OF tí63)
~[oç, 0ávm:oç, ~[oç I àA,íQaa I t.. tó (vuaoç) Vida, morte;:, vida I verdade I Dio(niso) 1órficos.
'OQcpLKOL T 33d Lâmi na de osso de Ólbia, V a. C. (!Olb. 94c
T 33d Larnella osea O lbiae reperca, V a. C. (JO!b. 94c Dubois, OF 465)
Dubois, OF 465) Dion(iso) 1 men tira verdade I corpo alm a.
t..Lóv(uao)ç 1 [ ljli::uboç] àA~OEta I awµa ljluxrí-

466 467
)
/
T 34 Leg. 70 16 (OF37 I) T 34 Leis 70 1b (0F 37 I)
ri
f<pel;,fjç b17 wÚ'tf]L 'tfJL Uw0cQí.m 'tOÜ µ17 e8tt\1;:1v N a sequência desta liberdade, poderia vir a de não querer
'tOLç iiQxouaL bouAeÚELv y í.yvol't' iiv, KaL Érco µ t vri se submeLer às autoridades e, como consequência desta, apar-
WÚ'tTJL cpeúynv rca'tQOÇ Ka LµT]'tQOÇ Ka L1tQwf3u'tÉQWV tar-se da servid ão e das ad moestações de um pai, de uma mãe
bouAeí.av KaL VOU8É't'lUlV, Kal. t yyuç 'tOÜ 'tÉi\OUÇ e de pessoas de mais idade, e já perto do fina l, pretender não
o v mv vóµ wv ( f]'te"iv µ17 ÚTCTJKÓOLÇ dvm , TTQOÇ aÚ'tWL estar submetidos às leis e ante o final mesmo, se despreocupar
bi:: ~b17 'tWL'tÉÀEL ÕQKWV ,w: l. rcÍ.a'tEWV Ka i. 'tO TIIXQárcav dos juramentos, as fidelidades e, em geral , dos deuses, ma-
81;:w v µ 17 <pQOV'tí.Çnv, 'IT]V Aeyoµ t v17v TiaAmixv nifesrando e imi tando a chamada "antiga natureza tirânica",
TL'tlXVL1<17v cpúmv fmbt: m:vüm KaL µ1µouµ t vo1ç, t:TIL chegados de novo àquela mesm a condição e passando uma
'tix aú'tix n év \Lv t:t<e"iva à<pLKoµ t vouç, xaAeTiàv alw va vida penosa sem se livrar nunca das desgraças.
bu:xy o v'taç 1-111 t\17!;,aí. TCO'te 1<a1<wv.

T 35 leg. 8546 (OF37 li) T 35 Leis 8 546 (OF 37 II)


MyOL b~ 'tLÇ â v ÉKeÍ.VWL ÔLa A eyó µ evoç a.1-1a 1w: l. Alguém poderia d izer em uma conversa na q ual censu ra
TI1XQaµuüoú µ 1:voç, ôv f mQ_uµ í.a 1<a1<17 rcaQmw:Aoüaa aquele a quem um d esejo perverso que lhe instiga d e dia e o
µ t:O · 1íµt Qav n : 1w:L ETIEYEÍ.Qoua a vÚK'tWQ ETIÍ. n 'tWV desvela de no ite lhe move ao despojo sacrílcgo, o segui nte:
Í.EQWV ãyn auA1í a ovw, 'tábi::· ... oÚK à v ÜQwmvóv aE (...) Não é h umano nem d ivino o mal que te move agora a
KIXICOV ovbt ÜELOV ICLVEL 'tà v üv ü d 'IT]V Í.EQOUUÀÍ.av marcha r ao despojo sacrílego, mas sim um acicate conatural
TTQO'tQÉTiov l t vm, ota'tQOÇ bt at n ç Ef-t<l)uóµ i::voç aos homens po r antigas injustiças imp uras, que se cerne,
EK Tim\ m wv 1<ai. àKaÜáQ'tWV 'tOLÇ àvÜQWTIOLç fun esto, cm torno deles e do que é necessário se defender
àbtlCT]f-Lá'twv, TI EQL<pEQÓµ Evoç M L'tTJQLc:ibq ç, ôv com tod a eficácia.
EuAaf3úaüm XQEWV TIIXV'ti. o füvn.

T 35a Simplic. in Aristot. CtteL 377, 12 l leibcrg (OF348.2) T 35a Sim plício Comentário do Acerca do céu de Aristó-
KÚKÀOU 'te A~l;,m KIX.l àvmpül;,m l<aKÓTf]'tOÇ. teles 377.1 2 Heibcrg (OF 348.2)
T 356 Lamclla ;1urca Thuriis reperca (IV a. C.) OF 488.5 Livra r-se do ciclo e ter u m respi ro na desgraça.
KÚ1<Ào<u> b· t!;,tmav [3<.XQurcevOtoç àQyaAfo10. T 35b Lâm ina de Tu rios (I V a.C.) OF 488.5
T 35c Damasc. in PL Phaed. 1.11 (35 Westcrin k) (OF350) Saí voando do penoso ciclo de p rofu ndo pesar.
ãvÜQWTIOL bi:: 'tEÀTJÉaO'aç ÉKa 'tó p~a ç T 35c Damascio Comentdrio ao Fédon de Platão 1.1 1
TIɵ tpoUULV TiáITTJLOl V €V WQIXIÇ à µ <ptÉ'tT]LOl V (35 W escerink) (OF350)
ÕQy1á 't' EIC'teAÉOOUOLÀÚOLV TIQOyóv wv à 0 ep Í.O'tWV E os homens hccatombcs perfeitas
µmó µ EVOL' aubi:: 'tOLOLV exwv
KQá'tOç, oüç 1< ' oferecerão cm todas as estações do ano,
f0ÉÀ f]LOÜ<.X e celebrarão os ri tuais, desejosos da libcração de seus in-

468 469
i\úaELç EK 1:E nóvwv xai\rnwv 1<aL àndQovoç justos antepassados.
OLCT't:QOU. Mas tu, posuidor do poder sobre eles, aos que quiseres
T 35d Plu. De esu carn. 996B (OF 318 II) livrarás de seus terríveis males e do eterno aguilhão da paixão.
1ea(1:0L boKEi nai\mó1:EQOÇ oúwç ó i\óyoç Elvm. T 35d Plutarco, Do consumo de carne 996B ( OF 3 18 II)
1:à yàQ bi'] TIEQL 1:óv LiLóvuaov µeµu0wµ Éva Ainda que esta doutrina pareça ser ma is antiga, pois os
m:x0TJ wü bwµEALaµoü 1<aL 1:à TL1:ávwv i:n' au1:wL padecimentos do desmembramento qu.e o mito con-
1:0Aµ ~µa1:a ywaaµÉvwv 1:c wü cpóvou Koi\áaaç ta com respeito a D ioniso e as ações audazes levadas a
't:E 1:oú1:wv KaL KEQC<vvwaaç, l'J LvLyµ t voç i:01:L
cabo contra ele peos Titãs, que provaram seu sangue e
µü0oç dç 1:i']v nai\Lyy1:vw(av· 1:6 yàQ i:v i']~Liv
os castigos desces e as fulminações, tudo isso é um m ito
ãi\oyov KC<L ã1:aK1:0v Kai. ~(mov oú 0 Eiov ài\Aà
que cem um significado oculto com relação à série de
bmµovud,v oi nai\moi Trnxvaç wvóµaaav, 1eaL
re nacimcncos. E é que o q ue há cm nós de irracional,
1:0ü1:' fon 1eoi\aÇoµÉvovç Kai CllKT]V bLbóv-raç.
T 35e Damasc. inPlat. Phaed. 1.2 (29 Westeri nk = Xenocr. desordenado e viole nto, de n ão d ivino e inclusive de
fr. 219 Isnard i Parente) ( OF38 I) de môníaco, os antigos o chamaram "Ti cãs", que r dizer
1:0Ú't:OLÇ XQWµEVOL 1:0LÇ Kl\'.VÓCTL QC<LCllWÇ "q ue são castigados e paga m pena" (1:í:vov1:aç).
bu,My~oµ Ev c;.,ç o(m -ràya0óv fon 17 <l)QOVQá, wç T 35e Damascio Comentário ao Fédon de Platão I .2 (29
1:LvEç ... àM' wç 8EvoKQ<h17ç TL1:e<v L1erí fonv 1<ai. dç Wescerink = Xenócraces fr. 2 19 Isnardi Pa irente) (OF38 I)
LiLó waov ànoKOQucpoümL. Segundo tais princípios, não teríamos dificuldades em
demo nstrar que "custódia" não é o bem., como dizem
alguns (... ) e sim, como acredita Xenócrates, é tirâ nica e
culmina cm Dioniso.

T 36 Resp. 363c (OF431 I) T 36 Repüblica 363c ( OF 431 I)


Movaaioç bi: 1:oú1:wv (se. H esiodi et Homeri) Museu e s_eu fil ho concedem aos justos po r parte dos
VW VLl(W1:EQC< 1:àyaOà J(C([ ó úóç C<Ú1:0Ü TIC<QÓ: 01:wv deuses dons ainda mais esplêndidos que os citados (Hesi-
b Lbóamv w iç b uw(oLç· dç l ubov yàQ c\:yayóv1:Eç 1:WL odo e Homero), pois os transportam com a imaginação ao
AóywL rcai 1<a1:arcALvav1:Eç Kl\'.L avµnóaLov 1:wv óa(wv Hades e ali os sentam à mesa e organ izam um banquete
1ea1:aarcwáaav1:Eç i:a-rccpavwµ Évovç TIOLOÜOLV 1:àv de justos, no que os fazem passar a vida inteira coroados
anav1:a XQÓvov 17b17 bLáyav µcOúov1:aç, TJY'lOá µ EvOL embriagados, na ideia de que não há mel hor recompensa da
teáML01:0v CXQE'tfjç µ La0óv µ É017v aiwvLOv. oi b' i!:n virtude que a embriague,, sempitcrna. Outros os p rem iam
1:0ú1:wv µC<KQ01:ÉQOUÇ c\:11:01:dvovaLV µLa0ouç Ttl\'.QÓ: com recompensas ainda mais crescidas, pois afirmam que
0 cwv- naibaç yàQ naíbwv <paaLKai. y{voç 1ca1:ómaOEv
o homem piedoso e cumpridor dos juramentos deixa rá de-
Acínw0m wü óa(ov 1eai EIJÓQKOU. 1:aü1:a bi'] 1<ai ã i\Aa
pois dele filhos de seus fil hos e uma esti rpe. Tais coisas e
1:0wü1:a i:yrcwµtá Çoua Lv b Lrcmoaúv17v. sequi tur T 39
ainda outras dizem em elogio da virtude. Continua em T 39.

470 471

(
T 36a Plu. Comp. Cim. Luc. 1.2 (OF431 ll) T 36a Plutarco Comparação de Cimon e Lúculo 1.2 (OF
ITAá-rwv ÉmaKWTI'tEL -rouç TIEQL -rov 'OQcj>fo, -roiç 43 1 ll)
E\J f3t:f31WKÓGL cpáaKOVWÇ C(7TOKEta0m YÉQ<'.XÇ Év P la tão zomba dos seguidores de Orfeu, que prometem
i'ubou µÉ0TJV alwvLOv. aos que vivem retamente como recompensa no Hades
T 36b Lamella aurea Pelinnae reperca (lV a. C.) OF 485 uma embriaguez scmp itcrna.
Nüv rnavEç K<'.Xl vüv ÉyÉvou, 'tQLaóAf3LE, ãµa-rL T 36b Lâmina de Pclinna (N a.C.) OF 485
'tWLÕE. Acabas de morrer e acabas de nascer, crês vezes ventu-
dTI€iv WEQCTEcj>óvm a' O'tl B<tXK>XLOÇau-ràç UuaE. roso, neste dia.
'tal L}uQOÇ dç yát\a. E0oQEÇ. Diz a Perséfone que o próprio Baquio te libe rou.
atlj!a €iç y<á>Aa EÜOQEÇ.
To ro, te precipitaste no leite.
KQLÓÇ dç yáAa Ema<t:ç>.
Raudo te preci pitaste no leite.
oivov EXELÇ t:ub<a>(µova nµ~<v>
Carnero, caíste no leite.
1<a~ aj.; µtv dç ÚTIÓ. y~_v -reMQaç dmQ õAf3LoL
Tens vinho, ditoso privi légio
ãAAm.
e w irás sob terra, cumpridos os mesmos rituais q u e os
T 36c OF340
oi µtv 1< ' euaytwmv úTI' auyàç YJEMmo, demais felizes.
av-rLç àTioq>O(µ EvOL µa:Aa1<w'tEQOV ohov i:xoumv T 36c O rfeu fr. 340
ÉV KCTÀWLAELµwvL f3a:0ÚQQOOV àµcp' AXÉQOV'tCT, Aqueles que foram puros sob os raios do sol,
(...) urna vez que faleceram, alcançam um destino mais grato
oi b > ãbuca QÉ~lXV'tEÇ ÚTI > auyàç ~€ÀLOLO no charmoso prado, junto a Aqueronte de profunda
úf3QLCT-ral Ka'táyov-rm ÚTIÓ nt\éoca Kw1w-roio co rrente.
TáQ'tCTQOV ÉÇ KQUÓEV'tCT. (...)
T 36d Aristoph. fr. 504 K.-A. (OF 432 I) Os que obraram contra a justiça sob os ra ios do sol,
1cal µ~v TIÓÜev ITAoú-rwv y ' âv wvoµá(,ew, réprobos, são rebaixados junto ao lhano do Cocito,
d µ~ -rà f3t t\na-r ' Uaxev; Êv bt aoLcj>Qáaw, ao gélido Tártaro.
õaw1 -rà KÓ:'tW KQEL't'tW 'auv wv ó ZEuç EXEL' T 36d Aristófanes fr. 504 Kasscl-Austin ( OF 432 I)
éhav yàQ ia~Lç, -roü wAáv-rou -ró QÉrrov E de onde acreditas que vem o nome de Plutão (e. d "Rico")
KÓ:'tw f3aN(,n, -rà bt Kevàv TIQÓÇ -ràv ~ia. se não é porque levou a melhor parte? Dir-te-ei urna coisa:
(...) Quanro melhor é o deba ixo que o que possui Zeus!
OU YllQ CXV TIO'tE Quando usas a balança, o prato que pesa
OÜ'tW fo-recj>avwµtvm vai para baixo e o vazio, para Zeus.
TIQOUKELµE0 ', ovõ ' àv ÊKa-rmccxQL~1Évo1Ê, (...)
el µ17 1<a-ra:f3áv-raç Ev0 twç rr[vELv EbEL. E não jazeríamos coroados, nem ungidos (?)
bià -raü,:a yáQ -rm Ka:L Ka:Aoüv-rm µa:KáQLOL' se não fóssemos beber, nada mais baixar.

472 473

(
miç yàQ MyEL n ç 'ó µaKCXQL'tf]Ç OLXE'tlU, Por isso são chamados "feiices".
KCX'tÉbCXQ8cv· Evbcx(µwv, Õ't ' ovK àvtáaE'tm.' Pois todo mundo diz: "Se foi de nós, íe liz ele".
1<cxi. OúoµÉv Êcxu'toi:m 'toi:ç Évcxy(aµcxmv "Está dormindo, ditoso ele, porque já não sofrerá".
warc EQ 0wi:at, Kcxi. xoáç yE xcóµi::voL E celebramos sacrifíc ios em sua honra,
cxhoúµt::0 ' cxu'"COuç ÕEÜQ' àvutvm 'tàycxOá. co mo a deuses, e oferecendo-lhes libaçôcs,
T 36c Pherecr. fr. 113.30-33 K.-A. ( OF 432 li) pedimos a eles que nos enviem be ns aq ui em c ima.
rci\~QHÇ Kúi\umç otvou µUcxvoç àv0oaµ(ou T 36e Fcrécrates fr. 113.30-33 Kassel-Austin ( OF 432 II)
f]v'tAouv btà xwvriç '"COi:at ~ouAoµÉvOLÇ mEiv. Taças cheias de vinho tinto cheiroso
ICCXL 'tWVÔ' ÉKáU'tO't ' EL cpáy0t '"ClÇ ~ 71LOl,
jogavam o vinho pelos embudos para os q ue que riam be_ber
bl71i\áat' Éy(yv c't ' Evüuç Éç àqx~ç rcáAtv.
e cm cada ocasião se alguém com ia o u bebia dcscas coisas
T 36f Arismphon fr. 12 K.-A. ( OF 43 1 lll)
em segu ida se faziam de novo o dobro do que eram
i"cpí] Karnf3àç dç 'CT]V b(mrnv 'tWV Ká'tw
ibüv t:Kámouç, ÕLcx<pÉQELV bt rcáµrcoAu
T 36f Aristofom e fr. 12 Kassel-Austin (OF 43 1 Ili)
'tOUÇ lluOcxyoQtU'"Càç 'tWV VEKQC0v· µ óvoLa LyàQ A. D isse que, uma vc:z que baixó até onde viviam os de baixo
'"COÚ'"COLat 'tÓv l JAoú'twva auaat'tÜV E<pf] viu uns e outros, e qu e se diferenciam do wdo
b t ' EvaÉ/3ElCXV.:: EVXEQ~ ÜEàv Mynç, os p itagóricos dos demais mortos. Po is só a eles
EL '"COLÇ QÚ710U f-' W'tOLUlV llÔE'tCXL ÇUVWV. disse Plutão que lhe acompa nhassem no banquete
foü(oua( 'tE por sua piedade. I3. Falas de um deus muito complacente
Aáxcxvá 'tE Kcxi rc(voumv Érci. '"COÚ'"COtÇ vbwQ· se lhe agradar conviver com essa gente cheia de ronha.
cp0Eiqaç bt Kai. 'tQL~wva nív 't ' àAoua(cxv
(... )
oubdç àv úrco µ d vHE 'tWV VEW'rÉQWV.
c com em
verduras e bebem sobretudo água
c seus piolhos, sua capa puída e sua falta d e li mpeza
não os supo rtaria nen hum dos m ais jovens.

T 3i leg. 870d (OF 433 II) T 37 leis 870d ( OF 433 1I)


Kcxi. rcQàç '"COÚ'"COLÇ, ov Kcx i. rcoMoi. Aóyov 'tWV Év 'tCXLÇ E, além disso, a razão que convence mu itíssimo a mu i-
'tEÀE'tai:ç 71EQi. 'te< '"COtaÜ'tcx ÉarcoubaKÓ'twv àr<oúov'tEÇ tos qua ndo o ouvem de lábios dos que se ocupam d estas
acpóbQaµrcd0ovw1, 'tÓ 'tWV 'tOLoÚ'twv 'tLOLV i.v i\.1bou coisas nas teletai, isto é, que no Hades há um castigo para
y(yv w0m, r<cxi rcáAtv àcpu<oµ t vmç ÔEÜQO àvcxy,mi:ov cais deliros e que é forçoso que, voltando outrn vez aqui ,
dvm TI)v r<m:à cpúmv ÕLKf]V EK'tEiam , 't~v 'tOÜ rca0 ÓV'tOÇ paguem a pena exigida pela natureza, a m esma coisa que
ll71EQ m'.n:óç EÔQaaEv, Ú71' áAJ\ou 'tOtaÚ'tf]L µotQCXL
alguém fe'l. a quem a sofreu , acabar a nova vida nas mãos do
'tEÀE~am 'tÓv 'tÓ'tE f3(ov.
outro, com o mesm o destino.

474 475

(
T 38 Resp. 330d ( OF 433 III) T 38 República 330d ( OF 433 III)
ot 'CE yàQ M:yóµEvoL µú8m mQl. 'tWV lv t-\Lbou, E os mitos que contam acerca do Hades, de que o que
wç 'tÓV tv8ábr àbLKT]CTCTV'tC< bü f.KEL bLbóvm biKfJV, cometeu aqui injustiças deve pagar ali uma pena, ainda que
KC('tC(Yf ÀWµEVOL 'tÉWÇ, 'CÓ'tf b~ CT'tQÉ<j)OUCTLV C(\J'COÚ até en tão lhe tinham tomado o riso, agora lhe perturbam a
~v lj,uxr']v µ~ àA178üç waLv. alma, por temor de que sejam certas.

T 38a P.Derveni col. V 1-11 (OF 473) T 38a Papiro de Derveni col. V 1-11 ( OF 473)
( ...) os terrores do Hades ( ...) quando consultam (ou
'tà tv t-\L]bo_u bn.vià
XQTJ[CT'tTJ]QLCX(;oµ[ê ).o.~.f .[ consultamos) um oráculo ( ...) consulram um oráculo
XQ:rJCTl 't)TJQ_Lá(;ov['tm ). f.] .... . . [ ..] La0oiç, ( ... ) para eles vamos (i remos) ao sanruário oracular para
náQLµEV_[ üç 'tÓ µa ]v_'tELOV ÊmQIw]tjaI OV'tfÇ, prcguntar, com vistas ao que se profetizou, se seria líci-
'tWµ µav'twoµÉvw_v_ [i:'v]êKêV, ü ÜɵL[ç àma't]fi.o:aI L to não crer nos terrores do H adcs. Por que não creem
à._v_ t-\Lbov bnvá. 'CL àn_LCT'tOÚCTLi ov yLvwaIKOV'tEÇ Ê] ne les? Se não comprcndem os sonhos nem cada um dos
V.Ú.7lVLCX demais acontecimentos, em que modelos se baseariam
qvbi: 't(-;.,v &Mwµ n~yµá'CWV i:'Kaof'COVl, b_tà no~ à.v para crer? Assim que, vencidos pelo erro e também
rr0QX/)ayµá'twµ nIL]CT'têÚOLEVi t'.m:ó ['tfjç 'CE) áµaQ't<í>qç_ pelo prazer, não aprendem nem creem, e é que a des-
K_C<L ['tMÇ ii:ÀÀTJÇ 1íbov[fi.]ç_ VêVU<qµÉvj OL, ov] co nfiança e a ignorâ ncia são uma mesma coisa. Pois se
µ_a.v.0.[ á vo] v_aLv não aprendem ne m co nhecem , não há ma neira ele que
ovbi:] 7l_LCT'têÚOVCTL, à [m]CT'tLTJ bi: Kàµa.[0iTJ 'tÓ C(\J'CÓ· creiam, inclusive quando veem os son hos( ...)
17yyàQ
~11') µa]v.8ávwm µqfb] i:yLVw[a]K(.t)(J[L, ovK ECT'CLV õnwç
7llCT'têÚCTOV]aw l(C(L ÓQ[WV'têÇ ÊVÚ7lVLC( ...

T 39 Resp. 363d (OF 434 I) pergit T 36 T 39 República 363d ( OF 43fl) Continua T 36


Ao contrá rio, aos ímpios e injustos os mergulhem cm
wvç bi: àvoaiovç au
1ml. àbiKovç dç 7lTJÀÓv
uma espécie de lodo no H ades ou lhes obrigam a levar água
uva Ka'tOQÚ't'tOUCTLV Êv '.i'u bov KC<.l KOCTKLVWL õbwQ
em uma rede. Durante sua vida os abocam à má fama e
àvayKá(;ouCTL <pÉQHV, en 'CE (;wv'taç dç KaKàç
aplicam aos injustos quantos castigos enumerou G laucon
ból;aç ãyov'tEÇ, ibtEQ fAaú1<wv nEQl. 'tWV bLKaiwv
acerca dos justos que pasam por malvados; não têm outros.
bol;a(;oµÉvwv bi: àbiKcuv blfi.A0E nµwQ~µa'ta, múm
mQl. 'tWV àbiKwv Myoumv, ãAAa Óf. ovK exovmv. ó µEv Tal é, pois, o elogio e o castigo de uns e de outros.
OIJV EnaLVOÇ KCÜ Ó lpÓyoç OÚ'COÇ €KC<'tÉQWV.

T 40 Gorg. 493a (OF 434 II) pergic T 33


T 40 G6rgias 493a ( OF 434 li) cont inua T 33

(
477
476
'TT]Ç bt t\Juxf]ç 'WÜ'W ÉV Wl Ém8uµ í.cu fLCTl 'CuyxávEL A parte da alma em que residem as paixões resulta ser de
ôv otov àvand0Err0m Kal. µi:'ran[n'CELV ãvw Ká'Cw, uma natureza que se deixa seduzir e se move violentamente
KcÜ wüw Ó:QC< n ç µu0oAoywv Koµtpàç àvr']Q, trrwç para cima e para baixo. A essa parte um indivíduo genioso
ElKi:Aóç nç fJ 1rnÀLKÓÇ, TIC<Qáywv '(Wl óvóµan bux especialista em mitos, tal vez siciliano ou irt alioca, que brinca
'CO m0avóv 'CE KC<L 11nrrwcàv wvóµarrE ni0ov, 'rOuç com as palavras aa chamou "cinà' (pithos) pelo confiado (pi-
bt àvor']wuç àµur'j'Couç, 'CWV b' àvor'j1:wv wuw 'TT]Ç thanón) e fácil pa ra se deixar convencer, e aos não iniciados
tpu.x,f]ç oú ai Em0uµlm do-[, 1:à àKói\arrwv mhoü (amyetot), " insensatos" (anoetoi), comparando essa parte da
KC<L oú 0-1:Eyavóv, wç 't:E'rQf]µÉvoç Ei17 n[8oç, b Là 'IT]V al ma dos insensatos na que residem as paixões, a parte indô-
ànAr1rr1:lav ànEucárraç. wúvav'rlov b17 oúwç rrol, w mita e descoberta, a uma tina (pithos) furada, por sua insa-
Kai\AlKAELç, ÉvbélKvu,:m wç 1:wv Év i'ubou - 'rü àLbÊç ciabilidade. Ele, Cál icles, diferente de m, :nos ensina que no
b17 Mywv - oúwL à0i\LW't:C<'WL àv di;v, ol àµú171:0L, Hades - se refere ao invisível (a-idés) - eles, os não iniciados
KC<L q:>OQOLEV dç 1:àv 't:E't:Q1lµÉvov nl0ov übwQ É1:ÉQWL seriam os mais desafo rtunados e levariam a uma ti na furada
't:OLOÚ't:Cl)l 't:E't:QlWÉVWl ICOCTICLVWL. '(() bt KÓCTKLVOV Ó:QC< água cm uma rede mesmo assim furada. E afirma que a rede,
Myn, wç f<J:>17 ó 71QÓÇ t µ t Mywv, 'tl) v tjluxr1v dvm- 'IT]V segundo diz o que me conta isso, é a alnna. E comparou a
bt t\Jux17v KOCTKlvwLà11r'j ucarri:v 'IT]V 'rWV àvor'j1:wv wç alma dos insensatos com uma rede, porque não pode reter o
'CE't:Qf]µÉv17v, lX't:E oú buvaµÉv17v 0-1:Éynv bL' àmm[av
conteúdo por sua deslealdade e ca ráter de facil esquecimento.
't:E KC<LÀY]0í]V,

T 40a Xcnoph. Oec. 7.40 (OF343 Vl) 40a Xenofonte Econômico 7.40 ( OF :,43 VI)
oux ÓQÓ:LÇ, EtjJqv Éyw, oi dç '(()V 't:flQl]µÉvov n[0ov Não vcs, d isse cu, os que d izem que levam água a uma
àv1:i\üv AEyó µ i:vOL wç oiK't:LQOV't:C<L, õn µ á't:l]V tina fu rada como se lamentam porque têm a imp ressão
novEiv boKoum; de que trabal ha m c m vão?
T 40b Philctacr. fr. 17 K.-A. (OF343 VI II) T 40b Filetero fr. 17 Kasscl-Austin (OF434 VlII)
w ZEu, KC<ÀÓV y ' fo-r' imoOavEiv auAoúµEvov· Zeus, deveras é bom morrer ouvindo cocar o aulós.
'COÚ'WLÇ Év fübou yaQ µóvoLç É~ourr[a Po is só para e les no Hades exisrc a possibilidade
àtj)QObLmáÇnv ÉCT'C[v, ol bE wvç 't:QÓnouç de praticar o sexo. Os demais, que cêirn
QU71C<QOVÇ txov1:Eç µouCTLK~ç ànnQlm, maneiras imundas por sua igno rânciai da música,
dç 1:àv nl0ov <~ÉQOUCTL 'COV 'CE't:Ql]µÉvov.
devem acarrear água à cina furada .

T 41 Phaed. 69c ( OF 434 III, 576 I) T 41 Fédon 69c (OF 434 III, 576 1)
f E pode ser que os que instituíram as teletai não seja
KC<L KLvbuvi:úourrL KCXL oi 1:aç 't:EÀE'ràç ~µiv oúwL
KC<'t:CXCT't:Y]CTC<V'(EÇ ou <J:>aui\o[ UVEÇ dvm, ài\i\à 'l:Wl gente inepta, mas que na realidade se indique de furma
õvn náAm aiv[nw0m, õn 6ç âv àpú17'COÇ KC<l simbólica desde tempos remotos que quçm chega r a Hades
C<'CÉi\wwç dç t\ Lbou à<j:>lKl]'t:m Év ~OQ~ÓQWL Kélrrnm, não iniciado e sem ter cumprido as teletai "jazerá na lama",

478 479
ó be K€Ka0aQµ i v oç 1:e 1<ai -re1:eAwµivoç ixeiae mas o que chegar purificado e cumpridas as teletai, habitará
àcj>LKóµ evoç µe1:à 0ewv oiKJÍaH. daiv yàQ bií, wç ali com os deuses. Po is, com efeico, corrigir sobra um são,
cpaaLv oi mQi. -ràç 1:eAnáç,
como d izem os das teletai, são m uicos os portad ores de rirso,
noM ol. µtv vaQ0r]KocpóQOL, ~áKXOLbi 1:e naÕQOL2.
mas os bacos, poucos,c esres, cm minha opi nião, não são
OÚ't:OLb' eial.v Klnà 'IT]V eµ f]v bóçav OUK ãAAOL 11
ou tros que os q ue filosofaram corretamente.
oi mcpLAoaocpT] KÓ'teç ÓQ8wç.

T 41a Olympiod. inPL Phaed 8.7 (123 Wesccrinh OF576V) T 41 a O limpiodoro Comentário ao Fédon de Platão 8.7
bLÓ Kai. naQWLbei. inoç 'OQcj)LKÓV [OF 576) 1:ó Myov ( 123 Wesccrin k = OF576 V)
õn 'õan ç b' 1Í µ wv à1:éAw't:Oç, wamQ tv ~OQ~ÓQWL Por isso parodia Piarão o verso ó rfico (OF 576) segundo
K€LG€'i:m ev f\.Lbou', 't€Àé't:~ yáQ fonv ~ 1:wv CXQ€'t:WV
o qual no Hadcs aq uele de nós que não estiver iniciado ,
~aKxe(a· Ka( cj}TJGLV ' noAAoi. µ i:v vaQÜTJKOcj}ÓQOL,
jazerá no Hades como se estivesse no lodo, pois a tefeté é
naÕQOL bt 1:e BáKXOL ', vaQÜqKo<j>ÓQouç ou µf]v
BáKXOUÇ 't:OUÇ 710ÀL'tLKOUÇ KaAwv, VaQÜTJ KOcj}ÓQOUÇ
o delírio báquico da virtude. E d iz: "mui tos os po rtado-
be Kai. BáKxouç 't:OUÇ KaÜaQ'tLKOÚÇ. res de tirso, mas os bacos, poucos" cham ando de bacos
T 4 1b Plocin. 1.6.6 (OF 434 IV) aos fi lósofos que se dedicam à vida civil, e portadores do
ÔLÓ · Kai. ai -reAe-ral. ÔQÜWç aivh1:ovwL 1:óv µ~ tirso aos q ue seguem o cami no da p urificação.
K€KaÜaQµ ivov 1<al. eiç /\ Lbou Kúaw0m t v T 4 16 Plotino 1.6.6 (OF434 IV)
~OQ~ÓQWL, Õn '(() µ~ JCa ÜaQÓV ~OQ~ÓQWL b tà Por isso nas teletai se diz com razão, alegoricamente, que
KáKTJV cpiAov. o que não estiver purificatlo jazerá no lodo no I !ades,
T 4 1c lulian. Or. 7.25 (li 1.88 Rochcfon, OF 435 l) porq ue o que não é pu ro ama o barro por sua maldade.
aú bt õm,x;; 1íµi.v p~ 1:óv LlLoyivq (V B 332 Giannan toni) T 4 1c Juliano Discursos 7.25 (li 1.88 Rod 1eforc OF 435 I)
nQOU~wv waneQ 'l'L p OQµ oAuKei.ov EKcj)o~~a qtç· "Rid ículo seria, jovem", disse (Diógcnes, o cínico), "se
ou yàQ €f-1U~ÜT], <paa(v, àMà Ka i TIQÓÇ 1:ÓV
achas que os arrecadadores por essa tefeté vão conviver
<TIQO>'l:Qenóµ evov EKµuqü~vm, T eAoi.ov ', dnev,
'w veav(aKe, ei 1:ouç p t v -reAwvaç otH 1:aÚ't:TJÇ com os bens divinos do Hades e que Agcsilau e Epa mi-
evi: Ka ~ç 1:e;\e~ç KOLvwv~anv 1:oi.ç OúoLç 1:wv tv nond as vão jazer no lodo".
f\. LÔOU 1caAwv, AyqaíAaov bt 1cal. 'Ena µtvwvbav €V cf. D iógcncs Laercio 6.39 (OF 435 II)
1:Cfl ~OQ~ÓQWL K€LOWÜm
0

• "Ridículo seria", d isse, "se Agesi lau e Epaminondas vão


cf. D iog. Laert. 6.39 (OF 435 II) jazer no lodo, e pessoas vulgares, m as iniciados, vão es-
'yeAoi.ov, ' icpq, ' eiAyqaíAaoç µ cv 1cal.'Enaµ avwvbaç
tv 'l'WL ~j36QwL bLáçouow, emeAôç bi nveç

2. A citação d e Platão aparece com a ordem de pa lavras alterada e é


amérrica. Reconstru i a forma original do verso.

480 481
/
/
µEµu17µÉvOL f.V 'CCXLÇ µa,<é<QWV VfÍOOLÇ foOV'ICX.L' tar nas ilhas dos afortunados".
T 41d Aristoph. Ran. 145 T 4 ld Aristófanes Rãs 145
Eha f3óQf30QOV noAúv. E além do mais, muito lodo.
T 41e Inser. Cumana V a. C. (Sokolowski, Lois Sacrées, T 41e Inscrição de Cu mas V a.C. (Sokolowski, Lois Sa-
Supplément, 1962, n. 120, p. 202, OF 652) crées, Supplément, 1962, n. 120, p. 202, OF652)
ou 8tµLç i.v'toü8a KE'iaüm L µi:: (i.e. d µiJ) 'COV Não é lícito jazer aqui quem não se converteu em um baco.
f3Ef3CTXXWpÉVOV.
T 42 Axíoco 37l e ( OF 434 IX) Continua T 55
T 42Axioch. 37le (0F4341X) pergitT 55
E aqueles cuja vida se viu impulsionada pelas malda-
éíaoLç bi:: 'tü Çijv bLà 1caKOUQY'7µá'tWV 17Aá8T],
des, são levados pelas Erínias ao Érebo e ao Caos através do
õ:yov'tm TIQOÇ 'EQLvúwv i.n' EQcf3oç rn L xáoç bLà
Tártaro, onde está a morada dos ímpios, as tinas sem fundo
TaQ'táQOl!, t'v8a xc~QOÇ àaEf3wv 1caL t.ava'[bcuv
das Danaides, Tântalo torturado pela sede, as entranhas de
ÚÔQELm à'CEAE'iç KaL Tav'táAou b(4;oç 1<aL TLwoü
Ticio d-~;oradas e sempre renascidas, a ped ra sem fim de
anAáyxva a.Lwv(wç foOLóµEva KaL yEvvwµEva ,cal
Sísifo, cujo esforço começa de novo uma e outra vez. Ali,
I:wúcpou TIÉ'CQOÇ àv~vuwç, oú 'tet 1:ÉQµaw aÚÜLÇ
lambidos por ieras selvagens, constantemente queimados
O:QX!:'L TIÓVWV. t'v8a 8T]QOLV TIEQtALxµwµEVOL l((X[
pelas rochas das Furias e maltratados poir suplícios de toda
Aaµnáaiv i'.:mµóvwç TIUQOÚµEVOL TTmvwv KaL nãaav
classe, se consomem cm eternas condenações.
Clll<LCTV Cll!CLÇóµEVOL à 1N0Lç 'Clf,IWQLCl.LÇ 'CQÚXOV'CGll.

T 43 Resp. 366a (OF574) T 43 República 366a (OF 574)


'àAAà yàQ EV ÀLÕOU ÕLKT]V bwaopEv wv âv êv8ábt:
Pois no Hades pagaremos castigo das injustiças que co-
àbuoíawwv, 1i GlU'COl TJ TICX.LÕEÇ rca[bwv. ' àAA ·, W (l)LÀE, m etemos aqui. " Mas, amigo - di rá com cálculo - é também
cp~at:L AoyLÇóµEvoç, aL 1:i::AnaL au µtya Mvav'tm muito grande o poder das teletai e dos deuses livradores,
1ml oi AúaL01 füo[, wç ai p ÉyLa1:m nóAnç Myoum segundo dizem as cidades mais importantes e os filhos de
KCll. oi. Ocwv TICX.LÕEÇ TIOL'7'CCll ICCll TIQOCl)TJ'CCT.L 'CWV 8 1:'WV deuses transformados em poetas e profetas dos deuses, que
ycvó~1i::vm, o'L 1:aü1:a oíhwç exnv µrivúouaL revela que é assim.

T 44 Resp. 364e (OF573 1), cf. T 3 T 44 República 364e (OF573 l),para o que precede, cf T 13
f3[f3Awv bi:: õpabov TICTQÉXOV'Cat Mouaa[ou KaL Apresentam-nos uma profusão de livros de Museu e O r-
'OQcpÉwç, EEArívqç 'CE 1<aLMouawv ÉKyóvwv, wç cpam, feu, descendentes, segundo d izem, da Lua e das Musas, com
,w8 · &ç 8u17rc0Aoüa1v, mLÜOV'tEÇ ou µóvov LbLw1:aç zelo aos quais organizam seus rituais, convencendo, não só
àAAà 1<aL nóAnç, wç Õ:Qa Aúanç 'CE KaL 1<a8aQµoL a particulares mas inclusive a cidades de que é possível o li-
àbtKT]µá1:wv btà 8umwv ,cal rcmb1ãç i']bovwv üa1 µi::v vramento e a purificação das injustiças, tanto em vida como
E'Cl Çwa1v, dai bi:: ,cal 'CEÀW'C~aaaLV, aç b17 n :Ai::1:àç uma vez mortos, por meio de sacrifícios e jogos divertidos,

482 483
/
/
,caAouatv, a'i 'tWV EKEL 1caKwv à110Aúoumv ~ µ ãç, µ~ aos que, claro está, chamam teletai, q ue nos livram dos ma-
0úaav'taç N: ôavà 71EQLµÉvE L. les do além, enquanto aos que não celeb raram sacrifícios,
lhes esperam cerríveis cascigos.

T 45 Phaedr. 244d (OF575) T 45 Fedro 244d (OF 575)


àAAà µ~v vóawv YE l<al 71:ÓVWV 'tWV µ EyLU'tWV, a M as é cerro q ue as mais terríveis pragas e calamidades
b~ 11aAmwv EK µq vtµ 1hwv 11ofüv tv 'tLUL 'tWV yEvwv que se abacem inopinada mente sobre algu mas famílias por
~ µavía f.yyEvoµ t vq Kai. 71:QO<pT)'tEÚaaaa, otç tôn ancigas culpas, a mania que sobrevinha e resulcava proféci-
ànaAAay~v qiíQEW, Karncpuyouaa 71QOÇ ÜEC0v Euxáç ca encontrava um livramenco para quem necesicava dela,
'tE ICC<L ÀC<'tQflC<Ç, ÕÜEV ô17 KaÜaQµ wv 'tE ICC<L 'tEÀE'tWV refugiada em súplicas e culto aos deuses, em consequência,
-ruxouaa f./;áv'tq Éno[qaE 'tÓv {Émn:iiç l txov'ta 11Qóç m ediance o recurso a purificações e teletai ao que toma par-
'tE 'tÓV 71:C<QÓV'ta KC<L -róv tnEna XQÓvov, Aúatv 'tWL te desce dom, o coma são e sa lvo, tanco no presente como
ÓQÜwç µavévn 'tE Kat KC<'taaxoµ évwt -r,:;.,v 71C<QÓV'tWV no fuwro, após ter encontrado ao que en louquece d e um
ICC<KWV EÚQOµ Évq. modo correto e é possuído um livramenco das calamidades
que lhe afccam.

T 46 Resp. 615a T 46 República 615a


àvaµ1µvqtai<0pÉvaç õaa TE KC<L ota 11:áOOLEv ,cai. Recordando quantas coisas e de que classe haviam ex-
tbOLEV f.V 'ni L Ú71Ó YÍlÇ 71:0QELUI - dvm be 'tll V 710QELC<V perimentado e visco em sua viajem subterrânea, que havia
x 1J\d-rq. d urado mi l anos.

T 47 Resp. 6 146 (OF461) T 47 Repiíblica 6146 (OF 46 1)


Écpq ÕÉ, f.11ab~ oú ÉKf3Í7vm, -r17v ipux~v E disse que, q uando saiu dele sua al ma tinha se colocado
71:0Qcúw0m µ E'tà 11:oAAwv, Kat àcptKvt:iaüm acpãç cm marcha com o utras mu itas e que tin ha arribado a um
Eiç 'tÓ11ov nvà õmµ óvwv, f. v w1'tT)Ç 'te y1iç bú ' etvm lugar maravilhoso, no qual tin ha duas aberturas da terra
xáap a'ta EXOf-lÉVW à1\AT]J\0Lv ICC(L 'tOU OUQC<VOU av que se com unicavam en tre si e ou tras duas acima, no céu,
f. v 'tWL ãvw ãA1\ a KC<TC<V'tLKQÚ. b ucaa-ràç bi: ~IE'tC!çu cm frente às primeiras. E em meio de umas e outras estavam
TOÚ'tcuv KC<ÜÍ7aÜm, ouç, f.nELb~ biabucáanav, 'tOVÇ sentados uns juí7..t:S que, uma ve:L emitidos seus vereditos,
p i:v b ucafouç KEÀ t:ÚELv 71:0QEúwüm 'tllV dç bEçtáv 'tE ordenavam q ue os justos marcharam para a direita e para
Ka i. ãvw btà 'tOU OUQavou, ... wvç bi: àbLKouç 'n7V Ei.ç cima, através do céu (... ) e que os inj ustos o fizessem para a
ltQLUTEQl\'.V TE KC< L KáTW. esquerda e para baixo.

'

484 485
--
T 47a P.Bonon. (ed. Lloyd-Jones-Parsons 1978) 73-85 T 47a Papiro de Bolonha ed. Lloyd-Jones-Parsons 1978
(OF7 17) (OF 7 17) .
J l<aKl) l b_' ú[ nó] E.~KOV àváy_K!] l ) cederam à funesta necessidade
K] cü àvmõÉE.[ç], à i\;\à_ nw\a~1i_ç ] e os desvergo nhados, mas de sua anterior soberba
K]a.L ày'7VOQÍ.'7Ç AEAa0foJ0]m 75 ] e esquecer sua coragem 75
].oç àvatçaa[a n]aQÉa'TT] ) e se pondo a voar se deteve
l. É_'t:ÉQaç É't:ÉQW0Ev loúa[a ]ç ) a outras que vão em direção co ntrária
]wv ànà x Oovàç 17Auüo [v] a;\;\m J da terra chegaram outras
]v óbàç EUÕlO_Ç, ovbi: 1m l. au['t:]11 ] um caminho tranquilo, mas tampouco este
J.ç 0:9).E_'t:ÉQí]Ç YE µ i:v ~ [Ev] ã µ üvwv 80 ] era melhor que o outro 80
].o [.l à_vEL_QÜE_xnQL 't:á ;\av't:a
]com a mão alçava a balança
àQ]17Qów µ ü0.[o] v i'.:v_t_1,µ_t_v
] a frase adequada atribuía
l. Ém.[(] Ocw b[a)[µ ovo[ç óµtj)~ L ) obedecia à voz da divindade
] ç_ÜEà[ç .l íJv. lXKOÚwj v
] ao ouvir as palavras do deus.
)a_[ ] . a_tj) EQO. 85
l levando-se? 85
T 48 Resp 620c (OF 462) I T 48 República 620e ( OF 462)
ÉV't:cÜÜ Ev bi:: b~ à+wraa't:QETTÜ uno 't:àv 't:~Ç Dali, sem poder voltar, ia a pé ao trorno de Necessidadd
Aváy1<qç l évm ÜQÓvov, 1m l. bL' ÉKdvov ÕLEçEÀÜÓv't:a, e após ter cruzado ao outro lado, quando os demais tinham
lnnb~ ,m.L o i ã AAo L buit\Oov, TTOQEúw0m anavwç cruzado, se dirigiam todos à campa do Esquecimento, em
dç 't:à TI)ç J\~O17ç nEb í.ov btà Ka úµa't:Óç 't:E 1ml. meio de um terrível calor asfixiante, pois o lugar está ermo
nv(yovç bnvoü· 1m l. yàQ dvm av't:à Ktvàv bÉvbQwv
de árbores e de quanto produz a terra. E já ao entardecer
n : 1m l. õaa y~ tj)ún. OKí]vâaOm ouv a<)>âç ~b'l
acampavam junto ao rio da Despreocupa,;:ão, cuja água ~ão
Éan ÉQaç ytyvoµ Évqç naQà 't:àv Aµ t Ariw no'ta µ óv,
pode ser levada em vasilha alguma. Pois bem, todos se viam
oú 't:Ó 1JÕWQ àyyEi.ov oubi:v aniyuv. µ É't:QOV µ i:v OIJV
fo rçados a beber certa quantidade de água, e os que não
n 'tOÜ übaTOç nâmv à vay ,cai:ov Eivm mEi.v, wuç bi:
eram protegidos po r sua reserva bebiam mais da conta. E o
tj)QOv1íà-u µ11 awLÇoµ Évovç nMov n (vuv wü ~IÉ't:Qou·
't:Óv bi: àd móvw náv't:wv b ut\av0ávwOm. que bebe em cada ocasião esquece de tudo.

T 49 Phaed. 82e T 49 Fédon 82e


õn naQaAaf3oüaa av't:wv (se. 't:WV <l>lAoµaüwv) 't~V A alma destes (dos ama ntes do saber), quando a filosofia
tj;vxiJv -~ tj)u\oaotj)i'a à't:EXVC~ç btabEbEµ l vqv i:v 't:Wl se faz cargo dela, está simp lesmente aconrentada e apresada
aw~ia n ,cal. TTQO<JKEKOM'7µÉv q v, à vay1caÇoµlvqv bi: dentro do cuerpo e obrigada a examinar a realidade através
wanEQ bià EiQyµoü bià 't:OÚTOv mwn:Eia0m 't:à Õv't:a deste como de uma prisão (...) adverti ndo que o terrível do
... Ka l. 't:OÜ EÍQyµoü 't:T]V bnvÓ'TT]'t:a Kanboüaa õn bL'
aprisio namento é por causa do desejo.
i:müvµíaç E<J't:LV.

486 487
T 50 Gorg. 523e T 50 G6rgias 523e
t:yw µt:v OIJV 1:C<IJ"(C( EYVCJKWÇ 71QÓTfQOÇ TJ vµEiç Eu, que me dei con ta disso antes que vós, nomeei juízes
E710LTJaáµ11v ÔtKaa1:àç úüç tµavwü, Mo µEv EK fi lhos meus, dois da Àsia, Minos e Radamantes, e um da
'tfiç Aaíaç, M(vw TE 1<al 'PaMµav8vv, Í::va ôt: EK 'tfiç E uropa, Éaco. Assim, pois, quando eles morrem, ditarão
EVQW71TJÇ, Ai.aKóv· OÚTOL ouv fnnôàv TEÀEV'rJÍCTWCTL, justiça na prad eia, na encruzilhada da qual partem dois ca-
ôucáaovCTLv i:.v TWLAaµwvt, i:.v T~t TQLÓÔWLU; ~ç cpéQETOV minhos, um para as ilhas dos bem aventurados, ou tro ao
'CW ÓÔW, 'Í µtv Elç µaKá:QWv v~aovç, 'Í ô' Elç TáQTaQOV. Tártaro. Aos da Ásia os julgará Radamantes e aos da Eu-
KaL wuç µ t v EK T~ç Aaíaç 'PaMµavOvç KQLVÜ, wuç ropa, .Éa.co. E a Minos lhe dará como distinção ser juiz de
bt EK 'tfiç EuQW71TJc; Ai.aKóç. Mívwt bt nQwf31::i:a bwaw apelação, se a lgum dos ou tros dois tem alguma dúvida.
b n ôtaKQÍvnv, fàv ànoQllTÓv u TW É'l'éQW.

T 50a La.mella aurca Hipponii repcrra (e. a. 400 a. C.) OF 474 T 50a Lâmina de Hiponio (e.a. 400 a.C.) OF 474
Mvaµoaúvaç TÓÔE EQyov. fm i. âv µUA111m Isto é obra de Mncmosync. Quando estiver em transe
0avüa0ai de morrer
Elç A[bao bóµovç EVIÍQWÇ, foT ÉnL b<E>çtà 1CQ1íva, até a bem construida morada de H ades, há à destra uma fonte
nàQ b av'CàV éa'Cai<Üa ÀEVKà l<V71llQICT<CT>OÇ' e perto dela, erguido, u m albo c ipreste.
i:vüa l<aHQXÓµt:vm lj.,vxai VEKÚWV 4'ÚXOV'rat. Ali, ao baixar, as almas dos mortos se refrescam.
w:úTaç Tâc KQávaç µqbi'.: axi::Mv ÉyyúOi-:v ÉAÜfJLÇ. A essa ocncc não te achegues de perco nem um pouco!
nQ6aOi::v ÔE EÚQIÍCTHÇTâç Mvaµoaúvaç àm'.J A(µ vaç Mas mais ad iante e ncontrarás, da lagoa de M nemosyne
tJ.,uxQóv ÕÔWQ TIQOQfov· tj)úÀaKEÇ b · {el ÉnúmQÜEv água que fl ui fresca. E à margem há uns guardiões.
Éam. Eles te perguntarão, com sagaz d iscern imento,
o'i b{ ai:: ELQ1íaovrn t tv, l., cj)QaaL nwKaMµmCTL por quê investigas as trevas do !-!ades sombrio.
õ,:,n L b~ ÉçEQéE1ç J\[boç CTKÓ'Wç ÓQ<p<V>~Evwç. D iz: "Filho de Terra sou e de Céu estrelado;
dnov•f!iç nai:,ç, Elµ t 1mL ÜÚQavoü àaTEQÓEvwç· de sede estou seco e morro. Daí-me, pois, cm seguida,
bílj.,m b Eiµ auoç Kai etnóAAvµ ai · àA,A,à bó'C WK,a_ d e beber água fresca da lagoa de Mgemosyne ".
4'VXQÓV VÔWQ mévm T~ÇMvqµcxrúv11ç crn:óAíµ,v,flÇ'. E de cerco que consu ltarão com a rainha subte rrânea,
Kal b1í TOL EQÉovCTLv ltlt'.moxOov(wt j3aCTLAEí,m,· e te darão de beber da lagoa de Mnemosyne.
1mL lb~ wtl bwaovCTL müv ,:ãç Mvaµoaúvaç Então, uma ve-L. que tenhas bebido, també m tu te irás
àn[ó] M µ vaç pela sagrada via
au
1mL b11 Ka L mwv óbóv €QXW<I> 'CE Kai. ãMOLav pela qual os demais iniciados e bacos avançam, gloriosos.
µúaTm 1ml. f3á 1<XOL LEQàv a'Cdxovm KÀE<E>LVOL T 50b Lâmina de Turios (IV a.C.) OF 487.5-6
T 50b Lamella aurca Thuri is reperta (IV a. C.) OF 487.5-6 Salve, salve, ao toma r o caminho à direita
xai:Q<E> xai:QE' bE/;tàv ÓÔOL7TÓQ<W até as sacras pradeiras e selvas d e Perséfone.
Anµwváç O'(El LEQOUÇ ,mL ãAaw (Í)EQCTE<püVEÍaç.

488 489
T50c La.mel la aurca Pheris repcrra (IV a. C.) OF 493 T 50c Lâmina de Feras (IV a.C.) OF 493
uúµf3ot\a· Av<b>QLKE7raLM0uQaov. Senhas: Andrikepaidothyrson, Andrileepaidothyrson, Bri-
AvbQLKE7TaLClÓ0UQUOV. BQLµw, BQLµw . ELaL0< L> mó, Brimó. Penetra na sacra pradeira, pois o iniciado
LEQÓV ÀELµwva. lX.7IOLVOÇyàQ ó µ 0CTTI)Ç. está livre de castigo.

51 Phaed. l 07d 51 Fédon 107d


Atyerm DE oíhwç, wç C<QC< TEÀWníaavrn Con ta-se o seguin te: que a cada um que more o daimon
EKC<CTTOV ó EKC<UTOU ÕC<L~IWV, õané'.Q C,wv1:a de cada um , que lhe correspondeu precisamen te enquan-
ELÀ"rÍXEL, OIJTOÇ ccyELv E7ILXELQEL ELÇ b1í nva TÓ7IOV, to estava vivo, trata de levá-lo a um o~rto lugar no qual,
o[ bü wuç u ut\Mytvwç bLabucaaaµ Évouç Eiç
uma vez reunidos e julgados, empreendem viagem ao Ha-
A.Lbou nOQéÚWÜm µ E1:à 'ÍYEµóvoç EKELVOU WL b~ des com o guia aquele ao que fo i encomendado levá-los ali
7IQOCTTÉTaKTC<L 1:ovç !':v0t vbE EKELCTE 7IOQE0am.
desde aqui.
T 5 1a /? Der1Jeni col. III
T 51a Papiro de Derveni col. III
[.... ..... ..... .. ...(.)]wv- [ ....... ..... .. .
místicos como (...) Erínias (...) nem todos se conver-
.. µua]T_\1<µ\WÇ .[........ (.)] 'F(>Lv [u- ....... ...... (.)
tem cm daimon; pois não honram aos perseguidos pelas
baiµ]~ yivEw[r ou yàQ] n µwcn TifoLv]
ry\áf rouç oulb_t, fú rias nem aos contaminados nem aos condenados; não
obstante as libações em gotas são para as Erinias. Quan-
áyfo]ç 11 !':~wArnç_ , íi11\A' al x]qal aw_yómv_ í €ln'
'F(>LvúaI LV. ol] b_e to aos daimo nes que, de acordo com os magos levam as
b]a_[µovEç, ol KaTà. [wvç µ]áyo_uç nµàç [<)n:Q]qum ofrrendas dos deuses e trabalham como assistentes de
[T~JV cada um deles, são (...) como cada um a (... ) E são res-
Ü_EWV Ú'ITTJQÉTC<L b[QWVTE]ç Él<Ó:atü(/;, o[... . ponsáveis (...) tais como (...) mistas.
. pic:vo]L
datv, õmuam,Q aí .... 1 faaa]T_oç w~ç_ ato[
... ..... µ c]VOL ·
a i1:iqv fb' l ]xoumf. .... . ..... (.)].ç 1:(010]
ú-wf vç
oí'ouaTIJEQ] El .......... . ...... (.)]J1TI[
..]va1:f

T 52 Phaed. 63c T 52 Fédon 63c


àt\t\ ' EUé..\n[ç d µL dva[ n wiç TETEÀEU'TT)KÓCTL M as que estou mu ito esperançado de que para os mo r-
J<a[, wam:Q Yé 1<al nát\m MycTC<L, no..\v ccµELVOV 'tOl Ç tos há algo e, como se diz de antigo, mu ito melhor para os
àyaüoiç ~ TOiç KC<Koiç. bons q ue para os maus.
)

490 491

/
T 53 Phaed. 67b T 53 Fédon 676
Assim, pois, se isco é verdade, amigo, há grande espe-
OÚKOÜV, f<pTJ ó I'.WKQ1X'CT]Ç, d rnürn áAri0~, w
éwiQE, noAAiJ Uni.ç àq:,uw µ i'.vwL ot eyw TIOQEúoµm, rança para quem arribe aonde eu me encaminho, de que
ÉKEi bwvwç, EL7lEQ TIOV ã AAoOL, KT~crcw0m TOÜW oú ali, de uma maneira mais satisfatória que em qualquer ou-
i:vma ri TIOÀÀTJ nQayµ aTEÍ.a 17µiv Év 't:WL7TCtQEA0óvu tro lugar, ganhará isso pelo que se produziu um esforço cão
~tWL yÉyovev, wmE ~ ye C<TIObY]µ(a ·TJ vüv µm grande na vida presente, de maneira que a viagem que agora
TIQOCYTE-rayµ ÉvTJ µe-rà àya0~ç Un(boç y (yve-rm me o rdenou se produz com boa esperança para mim e para
1<ai. ãAAwL àvbQi. ôç T]yfi-ra( ol TICtQWKEVácr0m TTJV qualquer outro homem que creia que sua mente esteja pre-
êiLávmav wcrnEQ KEKaÜaQµtvriv. parada, como purificada.

T 53a Lamellae aureac T huriis rcpcrtac (sacc. IV a. C.) T 53a Lâminas de Turios (s. JV a.C.) OF 489-490
OF489-4903 Venho dentre puros, pura, rainha dos seres subterrâneos,
"EQxoµm ÉK KaOaQWV l(C(Oaqá, xüov(wv ~acrtAeta, Euclo, Eubuleo, deuses e demais daimones,
EuicAE l(C(L Eú~OVÀEÜ l(C(L Orni. l(C(L ba[µovEç ã A.Aor pois também eu me vanglorio de pertencer a vossa estir-
KC(LyàQ Éywv úµwv yÉvoç euxoµm ÓÀ~LOV dvm pe bem aventurada,
TIOLvà v b' à v-ranÉ-rE ter' tqywv EVEK' ouu buca íwv. e paguei o castigo que corresponde a ações ímpias.
ELTE µe MoiQa ebáµacrcr' ehE CXCY't:EQ07l~-ra KEQC<vvwv. Ou bem me submeteu o Hado, ou bem o que faz re-
vüv bE iicéuç ~KCv TICtQ áyv11v <DEQCYECpóvnav, lampejar os raios.
wç µ c TIQÓC))QWV TIÉf.HprJL EbQaç éç EÚayÉwv. Agora venho como suplican te junco à casca Perséfo ne,
T 536 L1mdbe amcac Thuriis repertae (sacc. IV a. C.) OF 488
para ver se, benévola, me envia à morada dos límpidos.
"EQxoµm ÉK KoÜaQW<V> Ko0aQá, xüov(,wv,
T 53b Lâminas de Turios (s. IV a.C.) OF 488
~acríA.na
Eú1<Aiiç Eúfo,v,Acúç u 1<ai. àOávaTOL0wi. ãAAor Venho dentre puros, pura, rainha dos seres subterrâneos,
l(C(L yàQ éywv úµwv yÉvoç õAftüV cuxoµm d p cv Eucles, Eubuleo e demais deuses imortais.
à A,A.,á µ e M o,i,(>lal ebáµacr<CY>E IKai. àOávawL Pois também eu me vanglorio de pertencer a vossa estir-
0ml. â AAoLl 1wi. pe bem aventurada,
mas me submeteu o Hado e o que fere desde os astros
IC<E>QlXVVC0l. com o raio.
KÚKÀO<V> b' É/;,Én-rav [faQVTIEVÜfoç áqyaÀÉOLO, Sai voando do penoso ciclo de pro fundo pesar,
lpEQ't:O<Ü> b' i:nl~av meq:,ávo,v, nooi. 1<C<QnaA[µOLCYL, Lancei-me com ágeis pés por causa da ansiada coroa
e me submergi no regaço de minha senhora, a deusa
subterrânea:
3. Dado que p rocede de dois exemplares com erros diferentes, unifi-
quei ambos em uma versão corrigida, el iminando signos próprios
de uma edição filológica.

493
492
bw{a}no(vaç b' {cl únó KÓÀnov i::buv x0ov[aç "Venturoso e afortunado, deus serás, de mortal que eras."
f3aau\.daç· Cabrito, no leite caí
{Lµ EQ'tOÕCtnEf3etvCYTEµ etVOUTTOCYLKCtQTTCtCYLµOLCYL}
'óA [3LE KetL µaKCtQLCY'tÉ, 0 Eóç b' ECJTJ Làvü [3Qo1:0io'.
EQLtpOÇ f.Ç yáA' Em:TOV.

T 54 Phaed. 112e- l 13c T 54 Fédon J 12e- 11 3c


Tà µ i:v ouv b~ ã;\;\a n0t\t\á TE KetL µ i:yáAet KetL Pois bem, há outras m u itas correntes, grandes e varia-
navTObanà QEÚµ a1:á tcr'tl" -ruyxávEL b ' ãQa óvTet das, mas dá-se o caso de que en tre tan tas que são há quatro
/:.v TOÚTOLÇ TOiç noAt\oiç T€TTCtQ ' lXTTCt QEÚ µ etTet, correntes, a maior das quais e que Aui ·no círculo mais ex-
wv TÓ µ i:v µ ÉyLCYTOV KetL Éçw-rá-rw (ifov TTt:QL terno, é a chamada Oceano. F reme a esta e em sentido con-
KÚKAy ó ,wAoú µ i::voç D1<1::avóç Éanv, -cOÚ'tOU bt trário Aui o Aqueronte, que corre através ele outros lugares
,wrnvnKQu ,wL /:.vav'tfwç (>twv AxtQwv, ôç bL '
ermos e após Auir inclusive sob terra, desemboca na lagoa
f.Q 1íµwv Tê 1:ónwv QÜ ã AAwv KetL b~ KCtL t'.m:ó y~v
Aquernsfade, aonde chegam as almas de muitos difuntos
QÉúJV ElÇ ~V Mµvqv à<pLKV€LTCtl TilV Ax€QOUatábet,
e após ter aguardado uns prazos d e tempo determinados,
oú ai. 'tWV 1:E1:EArn1:qKó1:wv tj;uxaL 1:wv no;\;\wv
àq)UCVOÜV'ta l KCtl 'tLVCtÇ d~taQ~l ÉVOUÇ XQÓVOUÇ
umas más lo ngas e ou tras, mais curcas, são enviadas de novo
µüvaam, ai. µ l v ~tetKQO'tÉQOUÇ, aí bi: [3Qaxu-cÉQOuç, aos nascimentos de seres vivos (i. e. a reencarnar). Um ter-
nát\Lv ÉKnɵ.nov-cm Eiç 'tàç 'tWV (w Lwv yEvÉaELç . ceiro rio discorre em meio deles e perto de: seu nascimento
'tQLTOÇ bf. m)'taµ óç 'tOÚ'túJV 1<a1:à µ foo v ÉK[3áAAEL, desemboca em um lugar espaçoso queimado p o r um grand e
,caL /:.yyuç 'TT]Ç ÉKf30A17ç f.KTTLTT'CEL ElÇ 'tÓTTOV µ Éya v fogo e fo rma uma lagoa maior que nosso m ar (i.e. oMedi-
TTUQL TTOÀÀWL KetÓ~tEvov, KetL Mµv11v TIOLÜ µ üÇw -rfJç terrâneo) cuja água e lodo estão fervendo. lDali discorre e m
naQ' ~µiv OaAánqç, Çfouaav übaTOç KIXL nqAoü· círculo, turvo e cenagoso, e d epois de dar a volta à terra,
ÉVTEÜÜEV bi: XWQÜ KÚl(ÀúJl 0oi\EQÓÇ ,ca i m1Awbqç, chega a o utra parte, nos co nfins da lagoa A.q uerusíade, mas
TIEQLEÀLnóµ1:voç ÕÉ 'tlll y 17L aMoaÉ n : àcp ucV €L'tCtl
sem mesclar nela suas águas. Uma vez que deu mu itas ve-
KetL TIIXQ' fox_ma 1:fJç ÂXEQOUatáboç Mµvqç, oú
zes a volta sob tieerra, desemboca em uma parte mais baiaa
au µµELyvúµ Evoç 'CWLüban· nEQLEÀLXÜÚç bt noAAáKLÇ
do Tártaro. Este rio é o que se ch ama PiriAegetonte, cujas
ÚTIÓ y~ç l µ f3áAAEL Ka'CúJTÉQúJ 'tOÜ TlXQ'táQOUº OÚ'tOÇ
b' foüv ôv ÉnovoµáÇoua Lv ITuQL<pÀEyÉÜovrn, oú co rrentes de lava expulsam fragmentos lá o nde cocam terra.
,cat oi QÚCtKEç ànoanáaµaTa àvmpuawaLv éínqL E frente a este, por sua vez, o quarto rio desemboca em
âv TÚX,WCYL T~Ç y~ç. TOÚ'Wu bi: aõ 1w1:avnKQU ó p rimeiro lu gar em um lugar terrível e selva gem, segu ndo se
TÉ'tlXQTOÇ EKTILTT'CEL Eiç 'tÓTIOV TIQW'tOV ÕELVÓV 'tE KCtl diz, que tem todo ele a cor do lapislázuli, ao q ue ch amam
ãyQLOV, WÇ MyErn L, XQWµa b ' exov,:a o;\ov ofov Estígio, e à lagoa que forma o rio e m sua desembocadura,
ó Kuavóç, ôv b~ /:.novo µ ál;oum I:1:úyLOv, KetL n7v Esrige. Este, ao chegar aqui e após ter tomado uma força

494 495
Mµvriv f]v 1To1ü ó Tiow µàç eµf3éu\,\wv, faúya· ó b · terrível em suas águas e após fundir-se sob terra, discorre
eµmawv EV'WÜ0ct KCÜ bavàç buváµ nç ,\af3wv EV fazendo meandros em sentido contrário ao PiriAegetonte e
TWL uban, buç KCXTCX T~Ç yf]ç, 7TEQIEÀLTTÓ~IEVOÇ XWQfl
sai a seu encontro na lagoa Aquerusiade desde o lado con-
ÉvavT(oç TWL ITUQLCpAEyé0ovn Kai e<TiavTât i v T~L
trário. Tão pouco sua água se mescla com nenhuma outra,
ÀXEQOUatábt MµVT]l U, EVCXVTiaç· Kai ovbi: Tà 'IOÚTOU
mas sim que, avançando em círculo, desemboca no Tártaro
ubwQ oubEvi µ 1:(yvuwa, e<i\Aà icai. oÚTOÇ icúict\w1
7TEQLEA0wv eµ f3áAAH Elç TÓV TáQWQOV EVCXVTLOÇ pelo lado contrário q ue o Piriflegetonte. Seu nome, segun-
TWL l1uQ1cpAEyé0ovn· óvoµa bi: TOÚTWL foT(v, ol wç do d izem os poetas, é Cocito.
7TOLí]Tai Aéyoumv, KwicuTÓç.

T 54a Damasc. inPlat. Phaed 1.541 (277Wcsrerink, OF341 1I) T 54a Damascio Comentário ao Fédon de P/_atão 1.541
ol 7TCXQCXÔLÕÓµEVOL TÉaCTCXQEÇ 7TOTaµ oi ICctTà TllV (277 Westerink, OF 34 1 11)
'OQcj)éwç 1TCXQábomv Toi:ç t'moyümç àvaAoyoüa1 Os quatro rios que são descritos correspondem, segun-
b' CTTOLXêLOLÇ TE Kai KÉVTQOLÇ KaTà búo C<Vn0Éanç- do a tradição de Orfeu, aos quatro elementos subterrâ-
ó µ i::v yàQ TTuQ1cjJi\1:yt0wv TWL 7WQi Kai. Tll L neos e os quatro pontos card iais em dois jogos de opos-
ávaToÀ~L, ó bi: KwrcuTÓÇ T~L y111 icai. Tll L búan, ó tos: o PiriAegetonte, ao fogo e a leste; o Cocito, à terra
bi:; ÀXÉQWV C<ÉQL 'IE 1<al µ w riµf3Qim. TOÚTOuç µ i:;v e ao oeste; o Aqueronte, ao ar e ao sul. Orfeu se lim itou
'OQCj)EtJÇ OUTW bu'.w E,Ev, mhóç bi: Tàv 'Oicwvàv a d ispô-los des te modo, e é o comentador (i.e. Proclo) o
TWL uban Kai TliL lXQICTWI 7TQOCTOLl(HOL. que associa Ocea no com a água e o norte.
T 54b Damasc. inPlat. Phaed. 2.145 (363 Wcsrcrink, OF T 54b Oamascio Comentário ao Fédon de Platão 2.145
34 1 V e 342). (363 Westerink, OF 341 IV e 342).
oi TÜ'WQEÇ 1To·rnµ oi Tà TÉ'I'ICXQC< CT'IOLXÜá l':an Os q uatro rios são os quatro elemencos no T;Írtaro: o
Tà i:v TWL TaQTáQw1· ó µ i:v '01<rnvóç, q)l7a[, TÓ Oceano, segundo o comentador (i.e. Proclo), é a água, o
ubwQ, ó bi: Kw1cuTàç ~TOL faúy1oç ií yri, ó bi: Cocito o Estige, a terra; o Piri Aegetonre, fogo; o Aque-
TTuQ1Cj)MyWwv TÓ TIÜQ, ó bi: AxtQwv ó C<lÍQ•
ro ntc, ar. O posto ao Piri flegctonte é o Estigio, quen te,
e<vnicEiaOm bi:: TC+J µ i::v lluQtcpAEyWovn TÓv
frente a frio; oposto a O ceano é o Aqueronte, água fren-
L-Túy1ov wç 0EQµw1 tpUXQÓV, TWL bi:; '01<wvw1 TOV
te a a r. Por isso O rfeu ( OF 342) chama de Aeria (nebu-
AxtQovw wç ÚÕQC<ÍWL C<ÉQLov· b1ó Kai 'OQq)EtJÇ T17 v
losa) lagoa do Aquerontc.
AxEQOUCTLllV M µ vriv A EQÍC<V ICCXÀEL.
T 54c Proclo Comentário ao Timeu de Platão lil 180.8
T 54c Procl. in PI. Tim. 111 180.8 Dichl (OF343)
Diehl (OF343)
ÕTJÀOÜa1 ÕE ol OwAóym TÓv '01<rnvóv émáaqç d vm
Evidenciam os teólogos q ue O cea no é a fonte de toda
Ktv~aEwç xoQqyóv, ÕÉtill MyovTEÇ auTov 1:1mɵm1v
classe de movimento, dizendo que faz sutgir dez corren-
ÓXETOÚç, wv bü Oéu\anav TOuç i:vvfo XWQELV.
tes, das quais nove Auem até o mar.
T 54d Porphyr. ad Gaurum 2.2.9 (34.26 KalbAeisch, OF344).
T 54d PorfirioA Gauro 2.2.9 (34.26 KalbAeisch, OF344).

496 497
Kàv'taü0a noAuç ó NouµÍ]vLOç (fr. 36 Des Places) E aqui Numê nio (fr. 36 Des Places) e os intérpretes do
Keil. oi 'tàç ITu0ayÓQOU t'.movoíaç tç17yoúµEVOL, Kai. sentido oculto de Pitágoras entendem como semen o rio
'tÓv rcaQà µtv 'tWL ITAá'tWVL (Resp. 621a) nornµàv Ameies cm Platão (Resp. 621a) e a Estigc cm H csíodo
AµÉÀfl'tCI, naQà bhwL 'H a LóbwL (e. g. Th. 361) Kai. (Th. 36 1) e nos ó rficos.
'tOLÇ 'OQ<pLKOLÇ UJV faúya.

T 55 Axioch. 37 1a (OF 434 IX, 713 III) T 55 Axíoco 371 a ( OF 434 IX, 713 III)
fwf3QÚffÇ, àv~Q µáyoç, E<pff ... EK nvwv xaAKÉWv Cobrias, um mago, disse ( ...) qu e de umas placas de
ÔÉÀ'tWV, &ç tç 'YmQ[30QÉCuv EKÓµLaav TOrc[ç 'te 1<ai. bronze que haviam trazido Opis e H ecaerge dos Hiperbó-
'EKC!ÉQY'l, EKµEµC10f!KÉVCIL µ c'tà 'TT)V 'tOÜ awµa'tOÇ reos, havia apre ndid o que depois do livramento do corpo,
ÀÚCJLV UJV ij,uxiJv Eiç 'tOV ãb17Aov XWQELV 'tÓTIOV, KCl'tà a alma vai a um luga r escuro, uma morada subterrânea na
UJV úrcóyaov OLK'70 LV, tv ~ Lf3aalÀELCI ITAoú'twvoç oux qual se enco nt ra o reino de Plu tão, não me nor que o pa-
~'t'tW 'CT]Ç 'tOÜ .0.LÓÇ aÓÀJÍÇ, ct't€ 'CT]Ç µ tv y tiç i:xoú017ç 'tà lácio de Zeus, já que, como a cerra ocupa a parte central
µfoa wü Kóaµou, wü bi:. rcóAou óvwç acpmQoHboüç, do universo e ao ser o céu esférico, aos deuses celestes lhes
oú 'tÓ µ êv E'tEQOV ~µLacpa[QLOV Owi. Uaxov oioúQáVLOL, correspondeu um hemisfério e aos infernais, o o utro, po is
'tÓ bê Í::'t€QOV oi úrcÉVt:QfüV, oi µ êv àbEAcpol ÕV't€Ç, oi bê uns são irmãos, outros, fi lhos de irm ãos. O arrio d o cam i-
àbEAcpwv rcaibEç. 'tà bi: rcQórcuAa 'tf]ç dç ITAoú'twvoç nho que conduz a Plutão está assegurado com ferrolhos e
óboü aLbffQOLÇ KAd0QOLÇ Keil. ,<Analv WXÚQW'tCIL. 'tCIÜ'ta fechaduras de ferro. Quando se abre ,1cami n ho se encontra
bê àvo(~av'ta nornµàç AxÉQwv EKDÉXE'tm , µ eO' ôv o rio Aqucrontc e depois dele, o Cocico, que há que vadea r
Kw,cu'tÓÇ, oúç XQ'l rcoQOµ eúaa vrnç àxOf]vm tni. para ser conduzidos à p resença de Mi nos e Radamantes, o
Mí.vw Keil. 'PaMµavOuv, ô 1<AÍ]Ll;E'tCIL TIEb[ov àAí]Odaç. lugar que se cha m a " Planície da verd ade". Al i se scnra_m u ,~s
ÉV'tCIUÜOL Kct0Él;OV'tCIL ÔLKaO'tCll C(VCIKQLVOV'tEÇ 'tWV juízes que perguntam a cada um dos que veem q ue v,da v'.-
à<pLKvouµÉvwv Í::KCIO'tOV, 'tLVa f3[ov f3Ef3LWKE Kal 'tLOLV vcram e com que costumes habitara m em seu corpo. Mentir
tm'tT]bcúµaa Lv tvwudaOri 'tWL awµa'tL. ij,eúaaaOm é impossível. Pois bem, a q uantos cm vida lhes inspiraram
µ êv ouv àµ~xavov. OOOLÇ µêv ouv Év 'tWLÇf]v ba[µwv um bom daimon, vão habitar a região dos piedosos, onde
àya06ç fofovwaev, Eiç 'tàv 'tWV cúai::f3wv XWQOV cercais abu ndantes produzem colhe ita de roda classe de fru-
OLK(l;ov'tm, tv0a ãcp0ovOL µ êv WQCIL nayKáQTIOU tos, correm m ananc ia is de águas pu ras e pradci ras de toda
yovf]ç f3QÚOUOLV, rc17yai. be Úbá'tWV KCIÜCIQ(;jv QÉOUOLV, classe estão em uma primavera con tinua com flores variadas
7TCIV'tOLOL bê ÀH~tWVEÇ ávÜWL 7TOLKLÀOLÇ f.CIQLl;óµ i::voL, e há conversas de fi lósofos, espetáculos de poetas, coros que
bLC1'tQLf3a i. bt <j>LAoaócpwv Kai. ÜÉa'tQct rcOL'7'tWV Kai. dançam, müsica que se ouve, banquetes bem providos e fes-
1<ú1v\LOL XOQOi. Kai. µoua ucà cocoúaµa'ta, a vµnóOLá tins que se servem por si mesmos, não exisce a pena e a exis-
'tE cúµ cA1i Kai. dAarc[vm aÚ'tOXOQÍJY'l'tOt, 1<ai. tência é doce. Pois não há inverno d uro n em chega o calor
àK~Qawç àAurc(a Kai. ~büa bimra· ou'tc yàQ xü~•a do verão, e sim que um a r suave corre unido aos delicados

498 499
acpobQó v otYtE 0ái\noç i:yy[yvi:-cm, Mi\' EÜKQC<-coç raios do sol. AJi os iniciados ocupam o luga r preferente e ali
ch'lQ xü-cm éme<Aaiç i]Atou àK-ctaLV àve<KLQváµi:voç. celebram juncos as cerimô nias sagradas (...) e é tradição que
i:v-caüüa -coiç µ 1:µu17µtv0Lç fo-c[v -cLç TIQOEbQ[a· KC<i os que se relacio nam com H eraclés e Dioniso que desceram
-càç óa[ouç áyLa-cdaç KllKEiac auv-cci\ovaLv.... Kai ao Hades se inicaram antes ali e que o valor para empreen-
wuç 71:EQi 'HQmv\fo n: Ke<L t>tóvua ov KC<'tLÓv-caç dç d er o caminho até ali se adqu iria junLo à deusa de El êusis.
7ubou TIQÓ'CEQOV Aóyoç tv0ábE µu170~vm, 1<ai -có Mas quantos viram sua vida impulsada por maldades, são
OáQaoç -c~ç ÉKEi aE n:OQE LC<Ç ne<Qà u1ç 'EArnatvLC<ç levados pelas Erínias ao Érebo e ao Caos através do Tárta ro,
i:vaúaaaem. sequitur T 42 onde csd a mo rada dos impios, as tinas sem fundo das Da-
naidcs, T ántalo atormentado pela sede, as en tranhas de Ti-
cio devoradas e renascidas uma e outra vez, a pedra sem fim
d e Sísifo, cujo esforço co meça de novo sem descanso. Ali,
lambidos por feras selvagens, constantemente queimados
pelas rochas das Furias e maltraLados por suplícios de toda
classe, se consomem cm eternas conde nações. Segue T 42.

T 55a Pind. fr. .129.2- 1O Maehl. = 58 Cannatà Fera (OF 439) T 55a Píndaro fr. 129 Maehlcr = 58a Cannat'à Fera (OF 439)
-coia Li\á ~mH µ i:v µ t voç ài:i\(ou Para eles resplandece a robustez d o sol
-cà v t v0ábE v ÚK'CC< Ká-cw, durante a no ite d aqui de baixo,
<pOLVU<OQÓÕOLÇ t vLAELµwvwaL71:QOáCJ'ClOV C<Ú'rWV e em selvas de rosas de púrpura
KC<L ALl3á vwv OKLC<Qâv < > e nos en tornos d e sua cidad e
KC<l XQUOOKáQ710LOlV l3Él3QL0ê <bêVÕQ€0LÇ> (...) de umbrosos bosques de incensos
KC<l 'COl µ ev rnnOLÇ y uµvaa(OLÇ <'Cê >
e estão cheios de ,írvores de fru tos d e o u ro.
'COl be n w aoiç
Uns disfrutam de exercícios hípicos,
'COl be cpoQµ[yyw a L" 'CÉQ710V'CC<Çl, 71:C<Qà bt a<pLOLV
o utros, a pé,
€UC<V8~ç anaç 'tÉÜC<1ÀêV oi\l3oç·
óbµ à b ' EQC<'COV KC<'IÓ1 XWQOV ,dbvÕC<'IC<L Outros se deleitam com a lira, e elllre eles
aid 0úµa'Ia µELy[vúv'Iwv nõuQL u1Ai:cpavêi floresce exuberante toda classe de ventu ras
õnav w ia 81:wv Éni l3w µoi ç', e uma Fragrância deliciosa pelo luga r se expande
T 55b Pind. fr. l 30 Maehl. = 58b Cannatà Fera (OF 440) pois sem cessar mesclam com o fogo que de longe se
EVÜEV 'IOV l'.XTIELQOV ÊQEÚYOV'IC<l OKÓ'IOV avista aromas
J3ATJXQOi bvo<pEQâÇ vuK'IOÇ nornµo( de toda classe sobre as aras dos deuses.
T 55cPind. fr. 143 MaehJ. (OF 446) T 55b Píndaro fr. 130 Maehler = 586 Cannacà Fera (OF440)
KELVOL yáQ 'I ã voao1 KC<L ay~QC<Ol Dali, vom itam uma escuridaão sem limites
nóvwv 'I · ã n:ELQOL, l3e<Qul3óav inertes rios da noite tenebrosa.
710Q0 µov n i:q>rny Ó'IEÇ A XÉQOV'IOÇ. T 55c Píndaro. Ír. 143 Maehler (OF 44 6)

500 50 1
T 55d Pind. Ol. 2.56-67 (OF 445) Pois eles, liv res de enfermidade e d e velh ice
Ei bé v Lv txwv n ç olbEv 'tÓ µ UAov, e desconhecedores das fatigas, escaparam
0
O'tl OavÓV'tWV µ ev i:v0áb' C<U'tll( àn~a µvOL <pQÉVEÇ do cu rso do Aqueronce de graves sons.
7WLvàç E'tELaav - 'tà b' i:v 'tã tbE ô LÓÇ C<QXfü T 55d Píndaro Olímpica 2.56 (OF 445)
àAL'tQCI: KC<'tCI: yãç ÕLKál:;EL 'tlÇ EXÜQCXL E se a lguém que a possui, con hoce além do mais o porvir,
Aóyov cj:>Qáamç àváyKa L' isco é, que as almas violentas dos mortos aqu i na terra
tam ç be VÚK'tEUULV C(LEL, pagam em seguida seu castigo ... Ao contrário, sobre os
Iamç b' é<µÉQmÇ éiA Lov i:xovn:ç, ànovfo'tEQOV pecados cometidos
foAoi. bfaov'tm ~Lo'tov, ou x0óva rnQáaaov1:Eç i:v neste reino de Zeus alguém d ica scntenç:a sob terra,
XEQÓÇ àKµ fü e mitindo sua falia co m inelucável hostilidade.
ovbe 71ÓV'tl0 V übwQ Iguais sempre suas noites,
KELVCl:V 71C<QC< bím'taV, àAAà TWQà µ ev 'tl~ILOLÇ iguais seus d ias so b a luz do sol,
füwv ohLvEç i:xmQov EVOQKÍmç ãbaKQVV vt µovrnL ga nham os bons uma existê ncia livre já de fatigas
aic~va, 'tOi. b' C<71QOUÓQa'tov ÓKXfovn nóvov. sem ter que perturbar a terra com o vigor d e suas mãos
scquitur T 3 l b nem a água do mar, cm busca de seu magro sustento,
T 55e Plu. fr. 178 Sandbach (OF 594) mas que, cm compan hia d os favoritos cios deuses,
i:v'taü0a b ' àyvoEi', n A~ v 01:av ev 'tWL 'tEAW'tãv aqueles que se vangloriam de cumpri r seus juramentos
~b17 yÉVT]'taL' 'tÓ'tl:: be 11áaxa 11á0oç olov oi vivem uma existência sem lágrimas,
1:EAE1:aiç µEyáAmç KC<'tOQytaÇóµ EvOL. b u) 1<aL enqua n to que os demais sofrem padeci min tos insupor-
'tO Q~µa 'tWL Q~ µ an KC<l 'tÓ EQyov 'tWL EQYWL 'tOÜ táveis d e ver. (Segue T 3 I b)
'tcAcu'tãv KaL 'tcAEi'aOm 71QOOÉOLKE. ni\ávaL T 55e Plutarco fr. 178 Sandbach (OF594)
'tà nQw-ra Kai. TIEQLÕQoµa i. KonwbeLç Kal btà N stc mundo [a alma] não tienc conhcimcnto, salvo
UKÓ'tOUÇ 'tlVEÇ l)T(QT('tOl 710QElaL l(C(l C<'tÉi\€U'tO L, quando chega ao Lra nsc da morre. Então sofre uma
El'tC< 71QO 'tOV 'tÉÀOUÇ C(lJ'tOÜ 'tCX Ô€LVCI: T[(XV'tC(, experiê nc ia com o a de quem partic:i pa nas grandes
cpQÍKTJ KaL 'tQóµ oç KaL il:>Qwç KaL 0áµ~oç· i:K be teletai. Por isso parece tanto uma palavra com a obra
'tOÚ'tOU cpwç 'tl Oauµ áaLOv ll71T]V'tT]U€V l(C(L 'TÓnOL (n:Aeu'tâv "morrer" e 't€AEia0m "inic iar-se") como
KaÜaQol ,wi. Aa µ wvec i:btl;av'to, q>wvàç 1<aL uma ação à outra. Primeiro, o vaga r sem rumo, as fati-
XOQdaç 1<al. aeµvó'tT]'tC<Ç à1<ouaµ thwv iEQWV KaL gantes voltas e los percursos na escuridão com a suspeita
q>aaµ á'tWV á.yíwv exov1:eç· ev alç 6 7taV'TcÀ~ç de que não vão acabar n unca e logo, anres de chegar
f] l:>rr Kal µ Eµ u qµ évoç EÀ€ÚÜ€QOÇ yEyovwç Kal ao próprio térm ino, todos os terrores, estremecimentos,
ãcj:>e'toç 71cQLLwv Ea'tEq>avwµ t voç ÓQytáÇa Kai trem ores, suor e confusão. Mas daí, lhe sai ao encontro
OÚVEU'tlV ÓULOLÇ KC(L KC<8C<QOLÇ C<VÕQÓUL, 'tÓV uma luz adm irável, e lhe acolhem lugares puros e pra-
à µ ÚT]'tOV EV'ta ÜÜa 'tWV Çwv'tWV <Kai> C<Ká0C<Q'tOV d ei ras, cheios de sons, d anças e a solen idade de palavras

502 503
)

Ê<poQwv õxAov Êv ~ºQ~ÓQWL 110AAwt KaL óµ(xA,;i sacras e visões santas. Uma vez que s saciou disso e foi
11a-roúµt:vov ú<j)' tau'toÜ KaLovvt:Aauvó µ t:vov, iniciado, se torna livre e marcha livrado; coroado, cele-
<pÓ~WL bi: 0avá1:ou 1:oiç KaK91ç àmmtm 1:wv EKÜ bra os mistérios e em compan h ía de homens santos e
àyaOwv l µµ Évovm. /
puros, vê dali a turba não iniciada e impura dos seres
viventes, em meio ao lodo e das trevas, pisando e em-
purrando uns aos oucros, persistindo ao medo da morte
em união dos malvados, pela falta de fé nos bens dali.

T 56 Leg.88la T 56 Leis 88 1a
0áva1:oç µ i:v ouv OUK fouv foxa1:ov, ot bi: evJ-\tbou
Pois a morre não é o extremo, mas sim que os pade-
'WÚ'l:OLOL At:yó~1t:vm 11óvm t'n 'l:E 1:oú1:wv daL µãA,,\ov
cimentos que d izem que sofrem no H ad cs, por mais que
EV foxá1:01ç, Klll àAT]0fo1:a1:a Myov'l:EÇ oubi:v
extremados e portadores da maior verdade, não bastam para
àvú1:oua1v 1:aiç 1:olllú1:mç ipuxaiç à1101:Qom1ç ou yàQ
âv i y(yvov1:ó 1101:E µT]'l:QllÀOiat 'l:E KaL 1:wv ãAAwv disuadi r a cais almas, pois não se produziriam rnatricídios
yt:vVTJ'l:ÓQwv àvóaLOL 11ATJYWV 1:óAµm - bü b~ 1:àç nem arrevirnenros ímpios de outras agressões contra os pais;
Êv0ábt: KoAáanç 71EQL 1:à 1:01aüm 1:oÚ'l:OLOL 'l:Cl'.Ç ev
'l:4} é necessário, pois, que no possível os castigos cm vida daqui
(fjv µT]bi:v 'l:WV i v '.A..tbou Admaüm 1w1:à búvaµ1v. cm nada sejam in feriores aos do Hades.

T 57 Leg. 8 15c
T 57 Leis 815c
ÓOTJ µ i:v ~mcxda 1:' fo'l:Lv KaL 'l:wv 'l:CTÚ'l:mç Pois toda a que é báquica e própria do que as acompa-
É11oµ Évwv, &ç Núµcj>aç 'l:E KaL TTã vaç KaL r.nArivouç nha, nas que, dizem, imitam bêbados, aos que dão o nome
KaL L,{X'fÚQOUÇ e11ovoµ á(OV'tfÇ, wç cpamv, ~llµ OÜV'l:(XL de N infas, Pans, Silcnos e Sátiras, e aquelas nas qua is são
Kll'l:WtvwµÉvouç, 71EQL KaÜaQµoúç 'l:E KaL 'l:EÀE'l:áç celebradas purificações ou mistérios, roda esta classe de dan-
'l:Lvaç à11o'l:EÀOÚV'l:WV, aúµ11av 1:oü1:0 1:fjç ÓQXJÍm:wç ças nem pode d efi nir facilmente corno pacíficas n em corno
'l:O y Évoç ou0 ' WÇ ELQTJVLKOV ou0' wç 710ÀêµLKOV ou0 ' guerreiras.
éín 710'l:i: ~oúA€1:m qátbtov à<j)oQ(aaa0m.
T 57a Filóstrato Vida de Apolonio 4.21 ( OF 101 8 VIII)
T 57a Philoscr. Vit. Apoll 4.21 (OF 10 18 VIII) Oiz.-se que repreendeu aos atenienses com respeico às
em11Afjl;m bi: Myt:'l:m 111:QL 6 tovua (wv d ionisias que são celebradas na época do Ancestcrión.
A0TJVCXLOLÇ, a 710l êl'C(XL acpLOLV f.V WQlll 'l:OU Pois acreditava que iam ao teatro disposcos a ouvir mo-
àv0W'CT]QLwvoç· ó µ i:v yàQ µovwtMaç nod ia e composições líricas das process ionais e de quan-
àKQoaaoµÉvouç KaL µ t:Ao11o üaç 1IlXQa~áat:wv tos rirmos são próprios da comédia e a tragéd ia, mas
'l:E KaL qu0 µwv, ó11óam 1<wµw1Maç 1:1: Ka L quando ouviu que aos sons da Aauca dançavam bailes

504 505
'CQaywLNaç da(v, eç 'l:Ó 8Éa'CQOV çuµ cponãv de contorções e que em meio ao canto épico e ao elo-
wu,'ro, i:mi. bi: ~KouaEv, õn ?úi\.oü gio d ivino d e Orfeu atuavam umas vezes como H oras,
Ú7lOCJT]µf]vav'tOÇ i\.uylaµouç'ç,QXOÜV'CC<l KC<l outras como Ninfas, outras como Bacanres, se aprontou
p E'l:açu rijç 'OgcpÉwç brnnoüaç 'CE Kai. 8wAoy(aç à censura.
nx µ i:v wç TOQm, 'l:à bt wç Núµcpm, 1:à bi: wç T 57b Luciano Da dança 15 ( OF 599 I)
BáKXC<l TIQá't't:OUOlV, f.Ç f.'TlLTIÀ'7ÇlV 'COÚ't:OU Omito dizer que não é possível encontrar nenhuma te-
Ka't:ÉO'r'7. leté antiga sem dança, por suposto das de Orfeu, Museu
T 57b Luc. Salt. 15 (OF 599 1) e os melhores dançari nos de enrão que as estabeleceram
ew Mynv, õn 'l:EÀf'CT]V oúbEµ(av àgxa[av fonv e dispuseram como algo mu ito charmoso o iniciar-se
EÚQÚV ãvw ógxf]aEwç, 'OQcpÉwç b17i\.ab~ icai. com ritmo e dança (...) e mu itos dizem que quem dá a
Mouaa(ou icai. 'l:WV 'CÓ'l:E Ó:QLO'CWV 6gx17a1:wv conhecer os mistérios "dançam fora".
KC<.'raa'rf)aaµÉvwv aú'Cáç, wç n Kái\.Amwv Kai. T 57c Luciano Da dança 79 (OF600 1)
'tOÜ'tO voµoüi::'C17aáv'l:WV, aúv (rnOµwl icai ÓQXJÍUEt A dança báquica (...) até tal ponto se apoderou da gen-
µufiaÜm.... O'Cl 't:0\JÇ f.ÇC<YOQEÚOV'l:IXÇ 'Cl\'. µua'CÍ]QLC< te dali que no momento estabelecido todos atendem,
EçOQXEiaOm AÉyoumv OL noAAoL esquecendo-se de tudo o demais e passam o dia sentados
T 57c Luc. Salt. 79 (OF600 1) vendo tilãs, coriba ntes, s,íti ros e vaqueiros. E bailam os
~ µ Év y1: Bmquo1 ÕQxq<Jtç ... OÜ't:Cl.> 1CEXEÍQC<>1:m 1:ouç mais nobres e mais notáveis em cada cidade, não só sem
àvOQwnovç 'l:OVÇ f.KEL W<J't:E KC<'tà 'l:OV 'l:E'tayµÉvov envergonhar-se, mas inclusive tendo-o em mais estima
EKC<O'rOl l<alQÓV, émáv1:wv emAa.8óµt:VOl 'CWV que sua nobreza, seus serviços à comun idade e as distin-
ãAAwv, KáÜí]VWl bl ' 1i µ ÉQC<.Ç n 1:ãvaç Kai. ções de seus antepassados.
KOQÚ~C<V'CaÇ ,cai. UC<'CÚQOUÇ KC<l ~OUKÓÀOUÇ T 57d Aristides Q uintiliano Da música 3.25 (129.11
ÓQWV'l:EÇ. 1<alÓQXOÜV'l:C<t y1: 'l:aÜ'Ca oL EvyEvfo1:a'l:Ot Wi nni ngton-lngram, OF600 li).
Kai. TIQW'CEÚOV'rEÇ f.V É1Cám17t 'CWV nÓÀEWV, oux. Po r isso, também dizem que as ceri mónias báquicas e
õm0ç cx iboúµ Evot àMà ,cai. µ Éya cpgovoüv1:Eç eni quantas são semelha ntes a estas têm uma ra7A'ío de ser,
't:Wl nQáyµan µãMov ~nEQ üc' EuyEvdmç Kai. a saber, que a paixão de quem é mais ignorante, por
AnwuQy(mç 1<ai. àçtwµam ngoyovtKoi:ç. sua fo rma de vida ou pela casualidade, seja pu rificada
, T 57d Aristid. Qu ine. De mus. 3.25 ( 129.1 1 W inningcon- pelas melodias ou da nças que junto às brincadeiras se
lngram, OF600 II). realizam nelas.
btó Ke<i. 'l:àç f3mqtKàç 'l:EÀi::1:àç icai. õam 1:aÚ'l:mÇ
naQanArímot Aóyou nvàç i:xwOa i cpaatv, õnwç
âv ~ 'l:WV àµa.Ow1:Égwv n'l:0(17a 1ç bLix ~[ov 1') -rúmv
únà TWV f.V 't:C<Ú'CC<.LÇ µEAWtbtwv 'CE KC<.l ÓQXIÍ<JEWV
iiµa nmbta.iç f.KKC<ÜC<LQ'7'Cat.

506 507
T 58 Euthyd. 277d (OF602) T 58 Eutidemo 277d (OF602)
otov 710LÜ'tov 'tW l;évw 71EQl'fJÉ' 110Lfrrov bi: 'tau1:àv Amam como na tefeté dos Coribanccs, quando fazem
ÕmQ ol i:v 'tfiL 'tEÀE't17L'tWV ~OQU~áv'twv, õrnv 'TTJV a entron ização ao redor daquele a quem vai administrar o
ÜQóvwmv 110Lwmv 71EQL 'tOÜ'tOV ov à.v µ éAAwaL ritual. Pois al i há corros e jogos, como sabes, se na verdade
n :Aüv. KaL yàQ f.KÜ xoQda -rí.ç fou KaL 11mbiá, d cu mpriu as teletai. E estes dois não fazem senão d irigir um
CXQa ,cai. 'tE'tÉÀWc'.X l' 1caL vüv 'tOÚ'tW ovbi:v iiMo r} corro cm corno de ti, ico mo se dançassem brincando para
XOQEÚE'tov 71EQi. ai:'. Kai. otov àQxüaüov celebrar ricuas d epo is disco.
11aíÇov'tE, wç µ E'tà 'COÜ'tO 'tEÀOÜV'tE.

T 59 Crat. 440d T 59 Crdtilo 440d


i'.awç µi:v ouv b~, w KQawAe, oÜ't:wç EXEL, i'.awç bi: Pois bem, Crátilo, quiçá as co isas sejam assim, quiçá
mi. ou. mcomia0m ouv XQ~ àvbQELWÇ 'tE 1mL eu, KaL µ~ não, de modo que deves examiná-lo com valentia e bem e
Qmb[wç à11ooéxwüm - eu
yàQ vfoç d mL ~ALKlav exnç não acei tá-lo Facilmente - pois ainda és jovem e tens idade
- mmjJáµt:vov bé, éàv EVQí]LÇ, µ embtbóvm 1m l. i:µ ol para isso - e, uma vez examinado, con ta- me também se o
descobrires.

T 60 leg. 669d (OF845) T 60 leis 669d (OF845)


7WLí]'tai. bi: àvOQwmvo1 acpóbQa 'tà 'tOLaüw: Os poecas humanos, que se dedicam a en redar e às mes-
1\111Aé1<0V'tEÇ Ka.L a uyKuKWV'tEÇ à Aóywç, yéAw-r ' clas irracionais, p rovoca ria m o riso dos homens q ue d iz O r-
b.v 11aQaaKwáÇ0Lev 'tWV àvÜQW71WV õaouç <J>riaLv feu que chegaram ao tempo do prazer.
'OQ<pEuç Aaxciv WQav 't~ç 'tÉQtjJLOç.

508 509
ABREVIAÇÕES
\

A&A = Antike und AbendLand


AC = L'Antiquité CLassique
AFLA = AnnaLes de La FacuLté des Lettres et
Sciences Humaines d''Aix
..:_ AGPh = Archiv für Geschichte der PhiLosophie
A]Ph = Amerietm }ournaL ofPhiLoLogy
ANRW = Aufitieg und Niedergang der rdmischen
Welt
AOr = Aula Orienta/is
ArchPhiLos = Archives de PhiLosophie. Recherches et
documéntation
BICS Bu/Letin of the lnstitute of CLassical
Studies ofthe University ofLondon
CCC CiviLtà classica e cristiana
CFC(Gr) Cuadernos de FiloLogía Clásica
(Estudios griegos e lndoeuropeos)
CLAnt CLassical Antiquity
CQ Classical Quarterly TAPhA Transactions and Proceedings of
CR Classical Review the American Philological Association
EC!ds Estudios Cldsicos UCPPh University ofCalifornia. Publications
HSCPh I larvard Studies on Classical Philology in Classical Phiwlogy
HThR Harvard Theological Review ws Wiener Studien
JHS = Journal ofHellenic Studies ZPE Zeitschriftfor Papyrowgie und Epigraphik
LeC Les Études Classiques
MusHelv Museum Helveticum
NHJ Neue Heidelberger Jahrbücher
OF A. Bernabé, Poetae Epici Graeci
Testimonia etfagmenta, Pars. II,
cescimonia ec fragmenta, Mo nachii et
Lipsiae 2004-2005, Berolini-Novi
Eboraci 2007.
OSAPh Oxford Studies in Ancient Philosophy
PP = La parola del passato
QUCC Quaderni Urbinati di Cultura Classicct
RE = Realenr:yclopadie der classischen
Altertumswissenschaft, Scuccgart.
REG Revue des Études Grecques
REL = Revue des Études latines
RFIC = Rivista di Filowgia e d1struzione Classica
RhM = Rheinisches Museum
RHR l?evue de l'Histoire des Religions
l?Ph Revue de Philologie, de Littérature et
d'Histoire anciennes
!?Phil = Revue de Philosophie
RSEL = Revista Espanola de Lingüística
SIFC Studi !taliani di Filologia Classica
SMSR Studi e Materiali di Storia dei/e Religioni

512 513
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Aelianus Alexis
fr. 25: 10 n. 7 fr. 140 K.-A. [T 10c): 11.

64, 1 n. 126
Aeschylus fr. 223. lss. K.-A.: 1 11. 62
Ch. 96: 15 n. 8
Eum. 107ss.: 2 11. 48 Anaximander
fr. 82 Mcttc = p.138 Radt: 1 B 1 D.-K.: 10 11. 6
11.46
fr. 58 Radc: 12 11. 76 Ano11ymus lyricus
fr. 28 l Radc.: 1O 11. 5 P Kiiln 21351 -21376 [T lei:
1 11. 2
Alcidamas
Ulix. 24 (p. 32 Avezzú = 30 Antiphanes
Muir): l n. 31 fr. J 33. l s. K.-A.: 1 11. 62

Alcmaeo Aristides
B 4 D.-K.: 5 11. 5 Or. 3.50: 4 n. 15, 4 11. 16

548
Aristides Quinrilianus fr. 60 Rose (OF 430 IV-V): 7 C lcmens Alexandrinus 30.10 [T 306J: 7 11. l ll,811.29
De mus. 3.25 (p. 129.11 § 7.2, 7 n. 22, 7 n. 23 Prot.2. l 7.2:2 n. 28, 12n.51
Wi1111ingro11-l11gram) IT Metaph. 983b 27 [T 19d]: 4 Prot. 2.22.2 [T 13c): 2 11. 42 Diodorus
57dJ: 12 11. 41, 12 11. 49 n. 38 Prot. 2.22.4: 2 11. 49 3.67.4: 111. 3 1
Metaph. 107 16 26 [T 19a]: Strom. 3.3. 17.1 [T 32a]: l 11. 5.28.6: 6 11. 22
Ariscopha11es 4 n. 23 98, 2 ll. 2], 7 11. J 1, 7 11. 63,
Av. 690-702: 1 n. 126 Metaph. 10916 4 [T 19b]: 4 12 11. 66 Diogc11es Laercius
Av. 690: 12 11. 89 n. 24 1.9 (T 296): 6 11. 42
Av. 692: 12 n. 89 Meteor. 3556 34 [T 23aj: 4 Cricias 6.39 [T 4Ic): 2 11. 85, 12 n.
Nub. 250: 12 n. 89 n. 52, 9 n. 49 B 3 D.- K.: 111. 31 18, 12 11. 88
Ran. 85: 1O 11. 37
Ran. 145s.: 10 11. 37 Ps.-Arisroceles Damascius Diogc:11cs O e11oandensis
Ran. 154s.: 10 n. 37 De m1mdo 40 1a 21: 1 11. 9 1 De princ.123 bis (Ili l 6 1.8 fr. 40 Smith [T 29a]: 6 n. 41
Ran.326s.: I0n.37 Wesreri11k) [T 31d]: 6 11. 64
Ran. 448s.: 1O n. 37 Arria11us De princ. 124 (Ili 162.19 Dio11ysius H al icarnasse11sis
Ran. 454: 10 11. 37 Anab. 4.9.7: 1O 11. 7 W.) [T 18h] : 4 11. 21 de compos. verb. 6.2 5.5
Ran. 1030- 1033 [T7a]: 111. in PI. Phaed. 1.11 (35 W.) IT (l76.2Aujac- Le6el) [T 18 6]:
2 1, 1 11 . 7 1, 1 11. 1 17, 1 11. Arhcnacus 35c]: 8 n. 20, 12 11. 8, 12 11. 4 11. 4
126 164 6 [T 10cJ: 1 11. 64 34
l?an. 1032 IT 7a l: 10 11. 38, 620d: 15 11. 8 in PI. Phaed. 1.2 (29 W.) IT Dio11ysius Scyco6rachio
15 n. 15 35e] : 8 11. 27 FCrHist 32 F 8, 1a 32 (= fr. 8
Ran. 1033 IT 7ai: 1 n. 24, Achcnagoras in PI. Phaed. 1.203 (123 W.) p. 135 Rusce11): 1 11. 31
12 n. 71 Pro Christ. 6.6.13: 7 11. 71 [T 266]: 6 11. 18
fr. 504 K.-A. [T 36d] : 1O n. in PI. Phaed. 1.541 (277 W) Empcdocles
39 Augusci11us [T 54aJ: 911. 5 1 fr. 12.3 Wrighc (B 8.3 0.-
e fui. 4.15.78: 7 11. 23 in PI. Phaed. 2.14 5 (363 W.) K.): 5 11. 6
Ariscopho [T 546]: 9 n. 52 fr. 47.1 4ss. Wrigh t (B
fr. 12 K.-A. [T 36íl: 2 n. 14, C ícero 35. l4ss. 0.-K.): 5 11. 6
10 n. 46 fr. 11 2 Cri Ili: 7 11. 23 Democricus fr. 10 7 Wright (B 11 5 0.-K.)
Senect. 73: 7 n . 74 B 16 D.-K.: l 11. 31 [T 31al: 6 11. 56, 9 n. 26
Ariscorclcs "fitsc. 1.98: 1 n. 16 fr. 1.07.1 Wrighc (B 115.1
De an. 4 106 27 [T 27d l: 6 Ps.-Dcmosthe11es 0.- K.) [T 3 laJ: 6 11. 62
11.29 C lcarchus 25.8 fT 246) : I 11. 92, 11 11. 4 fr. 132 + 133 Wrighc (B 146
De an. 4 106 29 [T 27dl: 6 fr. 38 Wehrli: 7 11. 67 25.1 1 [T 76 y T 24e): 1 n. + 147 0 .-K.) [T 25a): 6 11.
n.34 fr. 150W: 4 n. 21 2 1, 111. 92, 10 11. 14 7, 6 n. 52
fr. 7 Rose [T 27eJ: 6 § 6.1 Dio Chrysoscomus

550 551
Eratosrhcnes fr. 52 M. (= B 94 D .-K.): LO Morb. Sac,: 18.6 (90 Grc11- 10 /b. 94a D u6ois [T 33c):
Catast. 24 (p. l 66ss. Pàmias 11.6 sema1111) [T 136]: 12 11. 29, lntr. 11. 8, 7 11. 27, 11 11. 14
= 140 Robert): l n. 49 fr. 77 M. (= B 67 D .-K.): 11 15 11. 6 ! Olb. 94c Oubois [T 33d]:
11. 13 Morh. Sacr. 18.6 (90 Grense- lncr. 11. 8, 7 n. 28, 11 n. 14
Eudemus fr. 80 M. (= B 28 O.-K.): 1O11. 6 ma1111) [T 136]: 2 11. 42, 12
fr. 89 Wehrli [T 29b]: 6 n. 42 fr. 84 M. (= B 32 D.-K.): 11 11. 57 loannes Philoponus
fr. 150 W. [T 18h]: 4 11. 21 n. 16 inAristot. dean. 186.24 Hayd.
fr. 87 M. (= B 14 0.-K.) JT Homerus LT 27e) : 4 n. 26,611. 30
Eumelus? 13c]: 2 n . 42 !l. 2.595: 1 11. 13, 1 11. 1 11
POxy. 53.3698 [T 161: l 11. 2 li. 5.509, 15.256: 1 11. 3 lsocrares
Herodotus li. 8. 14 fT 23]: 4 § 4.3, 9 11. 48 Busir. 10.8 Math icu-Bré-
Eurípides 1.3 1.3: l 1 11. 1O l i. 8.539: 6 11. 28 mo11d LT 1 f]: 1 11. 38
Ale. 357-362 [T lc]: 1 n. 36, 1.1 32: 2 11. 50 li. 14.20 1 [T 21]: 4 11. 25, 4 11. Busir. 10.38 M.-8 . [T 22a]:
1 n. 11 7, 14 n. 10 2.47.9: 2 11 . 52 1 11 . 48, 4 11. 44, 8 11. 31
II. l 4.244: 4 11. 39
Bacch. 343: 12 11. 76 2.48. 1: 2 n. 52
/l 15.187- 192: 9 § 9.2
Bacch. 560-564 [T 6hJ: 1 n. 2.81.1 [T llaJ:2 11.1 2 lulia11us
/l.22.2 10:911. 17
18, 1 n. 11 7 2.8 1.2 fT 1 laJ: 1 11. 95 Or. 7.25 (li 1.88 Rochefort)
Od. l.l 54: 1 11. 13
Cret. fr. 472 Kannicht IT 2.1 23. 1 JT27a] : 2 n. 52,6 n.
Od. 5.218: 6 11. 28 IT 4 1ci: 2 11. 85, 12 11. 18,
1 Ib J: 2 n. 13, 12 11. 75, 12 11. 20, 6 11. 39, 6 n. 57
Od. l0.5 13s:9§9.3 12 n. 88
82, 14 ll. 12 7.6.2: 12 11. 72
Cret. fr. 472. l 8s. Ka1111ich1: 1 7.197: 15 11.8 Od. 10.521:6 11.42
Od. l l.568: 9 § 9.2, 9 § 9.6, Lamelfae aureae
n. 62, 2 ll. 43
Cycl. 646-648 IT 17a]: 2 11. Hcsiodus 9 n . 15 Amphipolica11a: vid. OF49611
56, 12 n. 58 Op. 12 1- 123: 7 11. 42 Hippo11ii reperca: vid. OF 474
HF 11 22: 12 11. 76 Op. 17 1:9§9.2 Hym ni H omcrici Pelin11ae rcpcrra: vid. OF485
Hipp. 952ss. [T I0bj: 1 11. Op. 256ss.: 1O 11. 4 Hymn. Ven. 214: 6 n. 28 Peccliae repena: vid. OF 476
61, 2 n. l i , 12 n. 75, 14 n. l"h. 116: 4 n. 25 Phcris repcrra: vid. OP 493
1 1, 15 n. 37 "Jh. 132: 4 § 4. 1 lam6lichus Thuriis repercae: vid. OF
Phrix. fr. 833 Ka11ni::li r . IT 7h. 305: 6 11. 28 Protr. 77.27 Oes Placcs IT 487-490, 492
33aJ: 7 n. 26, .14 n. Ili Th. 337: IT 211 3261: 7 11. 22
Polyid. fr. 638 Kannich c IT Th. 361: 9 § 9. 3 Li6anius
336]: 7 n. 26, 9 n. 8, 14 11. 14 Th. 789-79 1: 9 11. 54 lnscriptiones Decl. 49.2.1 l : 10 11. 7
Rhes. 943-94 4 [T 7c]: 1 n. Th. 883-885: 8 § 8. 1 Inser. Cumana (Sokolowski,
2 1, 1 11. 7 1 lois Sacrées, Supplément, Livius
Hippocrarcs 1962, 11. 120, p. 202) [T 39.8.3: 2 11. 19
l leraclit11s Morb. Sacr. 1.1 O (60 Grc11sc- 4 1c]: 12 n. 75, 12 11. 77
fr. 45 Marcovich (= B 32 0.- ma11n) [T 13a]: 2 11. 4 1, 12
K.): 10 11. 6 29
11.

552 553
Lucia11us O lympiodorus
1 n. 116, 1 n. 127,4 11. OF 23 1I: 4 11. 58
Salt. 15 [T 576]: 12 n. 47 in Aristot. Categ. prol. 12.8
Salt. 79 [T 57c]: 12 11. 48 29, 13 11. 5 OF231 II: 4 n. 58
Busse [T 18f]: 4 11. 11
OF21 ec 24 [T 19J: 4 n. 18, OF233 [T 24c]: 10 11. 9
in PI. Phaed. 7.10 (115 Wes- 411.62,13 11. 14
Lydus, Ioa11nes OF276: 8 § 8.1
ceri11k): Incr. 11. l
OF22 T [T 21]: 111. 77, l 11. OF280-283: 8 § 8.1
De mens. 2.8 (26. l Wünsch) in PI. Phaed. 8.7 (123 W.) [T
[T 19c]: 4 n. 30 129, 4 n. 33,411. 65 OF296-300: 8 § 8.1
41a): l n. 101
OF22 III [T 19d]: 4 11. 38 OF250: 9 n. 70
in PI. Phaed. 10.3 (I 4 1 W.): OF25 I [T 20): 1 11. 79, 111.
Mnesimachus OF~,01 -3 17 : 8 § 8.1
Incr. 11. l
130,4 11. 31, 4 n . 66 OF 3 18 II [T 35d]: 8 11. 23,
fr. 1 K.-A.: 1 n. 62 in PI. Phaed. 10.6 (I 4 5 W.) OF26 l [T 22]: 4 11. 41, 4 11. 13 n. 2
[T 26a]: 1 11. 94, 6 11. 18
49, 4 11. 63, 8 11. 30 OF335 1: 5 11. 4
Musacus (ed. A. Berna6é
2007) OF26 II [T 22a): l n. 48, 4 OF .';,38 H: Intr. n. l
O11omacricus
n.44,8n. 3 1 OF339 [T 27g]: 6 11. 33
frr. 10- 14: 1 n. 72 tese. 5 D 'Agostino [T 27e) : 6
fr. 17s.: 1 n. 75 OF 27 1 [T 23]: 4 n. 64, 9 OF3;39.4_5 [T 27g]: 6 11. 34
§ 6.1
11. 49 Qp3;40 [T 36c]: 10 n. 20
frr. 20-23: 1 11. 67
fr. 20 [T 12]: l 11. 69 OF27 II [T 23a]: 4 11. 52, 9 OF34 1 li [T 54aJ: 9 11. 51
O rphica (OF = Orphicorum
fr. 29 I: 1 11. 31 n. 49 OF 34 1 IV y 342 fT 546] 9
.fragmenta, ed. A. Berna6é)
OF31 lII [T 24]: l 11. 88, 10 11. 52:
fr. 33 IT 7c]: 1 11. 71 Arg. 33-36: 12 11. 70 11. 3, 11 n. 1, 10 n. 3, 13 11. 3, OF3 42 [T 546]: 9 § 9.3
fr. 46 I [T 5] : 1 11. 68 Hymn. 62 [T 24f]: 10 11. 15
13 n. 18, 13 11. 15 OF343 [T54cJ: 9 11. 54
fr. 63 [T 7a]: 1 n. 24, 111. 71 OF 1-378: 3 11. I
fr. 64 [T 7]: 1 11. 70 OF32 I [T 24): 111. 88, 10 11. OF344 [T 54d]: 9 11. 55
OF 1 [T 18J: 12 11. 20 3, 1111. 1, 13 11. 15, 1311.18
fr. 62-71: 12 11. 7 1 OF 346 [T 31c]: 6 11. 60, 9
OF la6 [T 18a]: 4 n. 2
OF33 [T 24e]: 10 11. 14 11.95
fr. 76 [ [T 35J : 111. 74 OF I III [T 18d]: 4 11. 8
fr. 76 III [T 3): 1 11. 73 OF37 I [T 34]: 8 11. 6 OF 348.2 [T 35a]: 8 § 8.4,
OFl V1 [T 18f): 4 11. 11
OF37 TT [T 35] : 8 11. 12 12 11. 37
OF 1 XlI [T 186]: 4 11. 4
Ps.-N o1111us OF38 1 [T 35e] : 8 n. 27 OF350 [T 35c] : 811. 20, 12
OF 1 XVIII [T 18]: 4 n. 1, OF64: ln. 126 n. 8, 10 11. 26, 12 11. 34
Comm. in IV Orat. Gregor. 4 11. 67
OF77 [T 3 1d]: 6 11. 64 OF379-402: 3 §3.l
Naz. 78 (1 51 Nimmo Smi- OFl XX [T 18e]: 4 11. 9
th): 4 11. 54 OF77 [T 31d]: 9 11. 70 OF383 [T l lg[: 211. 23, 12
OF3 [T 18c]: 4 11. 15 OF80: 4 11. 56 n. 27, 15 11.15
OF 19 [T 18] : 4 11. 1,4 11.67
Numc11 ius OF l 11 .3 [T 236]: 4 n. 51 OF398 IT 10a]: 111. 56
OF20 I [T 18h]: 4 11. 2 1
OF 135 !-II: 4 11. 55 OF 403-420: 3 ll. 2, 5 11. l
fr. 36 D es Places [T 54d]: 9 OF20 II [T 19a]: 4 n . 23
§ 9. 3
OF 159- 160: 14 11. 2 OF4 12 : 5 11. 4
OF20 IV [T 196]: 4 11 . 24 OF2 10: 9 n. 70 OF 421 1 [T 27d]: 6 11. 30,
OF20 V [T 19c] : 4 11. 30
OF2 16-218: 14 n. 2 6 11. :34
OF21 [T 2): 1 n. 5. l 11. 87,
OF225: 8 § 8.1 OF 4 2 1 li [T 27c]: 4 11. 26,

554
555
6 n. 29 11, 13 n. 23 47, 12 11. 42 OF474. l [T 50a]: 9 n. 77
OF 422 [T27f]: 6 11. 3 1 OF 430 II [T 40): 1 n. 108 OF 434 IX [T 55]: 9 11. 80, OF474.10 [T 50al: 9 § 9.6
OF 423 [T 27aJ: 6 n. 20, 6 OF 430 lII [T 32a]: l n. 98, 9 11. 85 OF 474.15- 16 [T 50a] : 9 §
n. 57 211. 21,711.1 0,711.63, 12 OF435 I lT 41c): 2 n. 83, 12 9.5, 12 n. 74
OF 424 [T 25): 1 11. 109, 2 n.66 11. 18, 12 11. 88 OF474.16 [T 50a]: 2 11. 44,
n. 59, 6 n. 2, 6 n. 39, 6 n . 51, OF 430 IV: 7 11. 23 OF435 II [T 4 1c]: 2 n. 85, 4 11. 17
6 n. 58, 7 n. 97, 12 n. 85, 13 OF 430 V [T 32b]: 7 11. 22 12 11. 18, 12 n. 88 OF 476 [T 25c]: lntr. 11. l O,
n. 8, 13 11. 20, 13 11. 25 OF 431 l [T 36): 1 n. 74, 1 OF439 [T 55a]: 9 n. 88, 10 OF476.ll [T 25c]: 6 11. 12,
OF 425-426 [T 27bc]: 6 n. 11. 123, 2 n. 67, 6 11. 10, 9 n. 11. 37, 12 11 . 40, 14 n. 5 9 § 9.5
27,6 n.44 64, 10 11. 16, 13 n. 13 OF 485 [T 36b]: l ntr. n. 10,
OF440 [T 55b]: 9 11. 89
OF 427 I [T 29a]: 6 n. 41 OF 43 1 ll [T 36a]: 1 11. 76, OF 443 [T 25]: 6 11. 5, 14 7 11. 88, 13 11. 19
OF 427 II [T 29b]: 6 n. 42 10 11. 18 11. 4 OF485.2 lT 36b]: 12 11. 36
OF 428 [T 26]: 6 n. 19, 9 OF 431 III [T 36f]: 2 11. 14, OF445 [T 31bJ: 6 n. 59, 10 OF485.6 [T 36b]: 9 § 9.6
n. 38 10 11. 46 11. 20, lO 11. 32 OF 485.7 [T 36b]: 9 § 9.5
OF428 I [T 26]: 1 ll. 93, 13 OF 432 I [T 36d]: 10 11. 39 OF445 [T 55d] : 9 11. 91 , 10 OF487lT25b]:111tr.11. 10
ll. 3 OF 432 11 [T 36e]: l O 11. 44 11. 30, 10 n. 32 OF487.2: 9 § 9.5
OF 428 II [T 26a]: 1 11. 94, OF 433 I [T 27): 1 n. 95, 6 OF446 [T 55c] : 9 n. 90 OF487.4 fT 256]: 6 11. 11,
6 n. 18 n. l, 9 11. 16, 10 11. 30, 13 11. OF 448 [T 25a]: 6 n . 7, 6 n. 9 11. 36
OF 428 III [T 26b]: 6 ll. [8 4, 13 n. 21 52 OF487.5-6 lT 50bl: 9 n. 75
OF 429 lT 301: 1 n. l04, 1 OF433 II lT 371: 1 11. 99 OF449 [T 3 1a]: 6 11. 56,611. OF 488 [T 53 bl : 9 § 9.6, 9
n. 133, 13 11 . 10 OF433 UI [T 38]: 9 11. 66 62, 9 n. 26 n . 36, 15 n. 16
OF 429 I [T 30): 7 n. 70, 8 OF434 I lT 36]: 1 n. 74 OF459 [T 31]: 6 n. 50,611. OF488.I fT S3b]:9§9.6
n. 26, 13 n. 24, 13 n. 30, 13 OF434 I [T 39]: 9 n. 64, 10 54,611. 6l, 12 n. 63 OF 488.S [T 5361: 8 § 8.4
n.32 11. 17 OF 461 [T 47]: 9 11. 68 OF488.7 [T 53b]: 9 n. 70
OF 429 ll lT 30a]: 1 n. 105, OF 434 II [T 33]: 1 n. 97, OF462 IT 48]: 9 n. 72 OF 489-490 [T 53a): 13 n. 19
7 n. 71 15 n. 27 OF 463 [T 33c]: 7 11 27, 11 OF 489-490.1 [T 53a]: 7 n .
OF 429 li! IT 30bl: 7 n. OF 434 II [T 40): 1 n. l08, 11. 14 91, 9 n. 28, 9 n. 35, 12n. 31,
11 1, 8 n. 29 2 n. 65, 1211. 5, 12 11. 15, 12 OF 465 [T 33dl: 7 n. 28, 11 15 n. 16
OF 430 lT 32): li ll. 14 11. 86, 13 11. 42 11. 14 OF489 lT 53a]: lncr. n . 10,
OF430 I [T 32) : 1 n . 8 1, 1 OF434 III [T 4 1]: 111. 100, OF 470 [T l3e]. 2 11. 76, 2 n. 13 n. l9
n . 97, ln. 110, 1 n. 122, 1 n. 2 n. 67, 6 11. 53, 9 n . 37, 12 84, l5 n. 37 OF 489.4 [T 53a]: 7 n. 93,
134, 2 ll. 73, 7 ll. 7, 7 ll. 75, n. 10, 12n.1 5, 1211.23, [2 OF47l [T 13d]: 2 11. 44, JO 10 n. 3 1
8 n. 24, JO n. 26, 13 n. 17, 11. 73, 12 11. 79, 12 n. 87, 13 11. 3l , 12 11. 60, 15 n. 35 OF489.6-7 [T 53a) : 9 n. 28
13 n. 23, 13 n. 32 11.9 OF473: 12 11. 64 OF 489.7 IT 53aJ: 9 § 9.5,
OF 430 II [T 33): 1 11. 97, 2 OF 434 IV [T 41b): 1211. 28 OF 474 [T 50aj: lncr. n. 10, 10 n . 19
11. 65, 7 11. 9, 7 11. 106, 13 n. OF 434 VIII [T 406]: 10 11. 911.73,1511. 13 OF 490 [T 53a]: lntr. n. 1O,

556 557
13 n. 19 12 11. 56, 12 n. 62 OF627 [T 106]: 1 11. 6 1, 2 11.58
11. 11, 12 11. 75, 1411. 11, 15 OF845 [T 60]: 1 11. 80, l 11.
OF 490.1 [T 53a]: 9 n . 35, OF 573 IV [T 15) : 2 11. 35,
12 n. 31 1211. 56, 14 11. 16, 15 11. 36 11. 37 [31, 10 11. 42
OF 490.6-7 [T 53a]: 9 n. 28 OF573 [T 161: 2 11. 38 OF650[Tl l a):2n. 12 OF890-894: 1 n. 2
OF490.7 [T 53a] : 10 11. 19 OF 573 V I [T 17]: 2 11. 39, OF652 [T 4 l e): 12 11. 75, OF899 l [T ld]: l 11. 3, l n.
OF 492: 9 11. 78 12 11. 56, 12 11. 62, 14 11. 16 12 n. 77 117, 1 11. 126
OF 493 [T 50c] : Inrr. 11. 10, OF 574 [T 43]: 1 11. 4, 1 11. OF653 [T llc]: 2 n. 15, 12 OF907-911 : l 11. 6
11. 17 OF9 12 l [T la]: 1 11. 2
7 n. 92, 9 11. 76 , 9 § 9.5, 10 20, 111 .85, 4 11. 20, 12 11. 2,
11. 3 1, 12 11. 16 OF654 [T lldl: 2 11. 16, 12 OF912 1: 111. 126
l2 11. 33, l3 11. 6
OF943 [T 6a]: 1 11. 18, ln.
OF 493a: 9 11. 93 OF 575 [T 45]: 2 11. 31, 12 n.65
OF49611: 10 11. 19 11. 8, 12 11. 13, 12 11. 24, 12 11. OF655 [T I le): 2 11. 17, 12 117, 1 n. L26
OF51 I [T 7cl: I n . 21 33, 12 11. 90, 15 11. 33 n.39 OF944: ln. 126
OF5 12 [T 76]: l 11. 2 1, I OF 656 Ilf [T 13c]: 2 n. 42 OF947 [T 66]: l 11. 18, I 11.
OF576: 1 n . L00
11.92 OF576 1 [T 4 1] : l 11. 100, OF 657 l [T 136]: 2 n. 4 1, 11 7
1211.29, 1211.57 OF949 I [T 6]: 1 n. 19, 1 11.
OF5 17 1: 111. 16 2 11. 67, 6 11. 53, 9 11. 37, 12
OF 657 11 [T 13a]: 2 11. 40, 112, 2 11. l, 15 11. 38
OF536 I: 1 n. 49 11. 10, 12 11. 15, 12 11. 23, 12
OF547 1 IT7a]: 1 11. 2 1,111. 11. 73, 12 11. 79, 12 11. 87, 13 12 11. 29 OF973 IT 4]: 1 n. 9, 1 11. L4,
11 7, 111. 126, 10 n. 38, 12 n. 11. 9 OF659 [T l l f): 2 11. 19, 12 2 11.58,1211. 85
n.39, 1211.67 OF980 IT lei: 1 11. 36, I n. 117
7 1, 15 11. 15 OF 576 JJ1: l11tr. 11. l
OF 549 1 [T 71: 1 11. 23, l n. OF576V[T4 Ia]: l 11. 10 1 OF680-705: 1 n. 56 OF982 [T lfJ: l n. 38
OF68 I [T 10]: 1 n. 53, 1 11. OF983 IT I]: 111. l , 111. 15,
70, 1 n. 102, J n. 122, 2 n. 2, OF 578: 2 11. 28
l 11, 1 n. 119, 1 11. 125 I n. 4 1, l 11. 1 14, 15 11. 41
2 11. 4, 12 11. 1, 12 11. 69, 13 OF578.4: 10 11. 26
OF7 l3 Ili [T 55] : 9 11. 80, OF J005al [T 16): 111.2
11. 2, 13 11. 29, 15 11. 39 OF 578.236: 7 n. 13
OF 10 17 [T 9]: 1 11. 10, 1 11.
OF567 IT 116): 2 11. 13, 12 OF 578.28ss.: 12 11. 46 9 n. 85
11. 75, 12 11. 82, 14 11. 12 OF587 [T l3cJ: 2 11. 43 OF7 l 7: 9 § 9.2 30, 1 n.11 3
OF594 [T 55e]: 2 11. 29, 9 11. OF7 l7.73-85 [T 47a]: 9 11. 27 OF 101 8 1 IT I0c] : 1 11. 64,
OF573 1 IT 31 y [T 441: 1 11.
7, l 11. 57, 1 11. 73, 1 11. 86, 92, 12 11. 19, 12 11. 30, 12 11. OF7 17. I 24 [T 32d]: 7 n. 99 I 11. 126
ln. 116, 1 Jl. 1. 20, 1 n. 128, 35, 12 11. 4 1, 12 11. 80 OF804-81 l: 12 11. 68 OF 1018 VIII [T 57a\: 12
2 11. 20, 4 11. 20, 9 11. 65, 12 OF599 I [T 576) : 12 11. 47 OF804: 1211.70 n. 46
11. 3, 12 11. li , 12 11. 26, 12 OF6001 [T 57c]: 12 11. 48 OF807: 1211.72 OF 1026: 1 11. 31
11. 32, 12 11. 50, 12 11. 55, 12 OF600 II [T 57dl : 12 11. 4 1, OF808: 12 11. 72 OF 1027: I 11. 31
11. 62, 13 11. 7, 13 11, 39, 15 12 11. 49 OF809: 1211. 72 OF 1029: 1 11. 31
1111. 9 y 36 OF602-605: 12 11. 54 OF810: 12 11. 68 OF 1032-105 1: 1 11. 50
OF 573 II IT 3a]: 1 11 . 59, OF602 [T 58]: 12 11. 53 OF8 12-834: 2 n. 56, 3 §3. I OF 1033 I: 1 11. 49
OF8 l 3: 12 11. 68 OF 1057: 12 11. 68
111, 90 OF625 [T 11]: 2 11. 9,2 11.
OF8 l4 [T l7a]: 2 11. 56, 12 OF I076 l [T5]: 1 n. 9, 1 n.
OF 573 m [T 14J: 2 n. 33, 82,911.96, 14 11. 13

558 559
16, 1 n. 68, 1 n.11 8, 9n. 14 , 13 n. 26 Philochorus 0l. 2 .59-60 [T 55d]: 9 11. 18,
15 n. 32 R Derv. col. VII 9 [T 18c]: FGrHist 328 F 77: 12 n. 68 9 § 9.6
0 F 1077 l [T 8]: 1 n . 5 1, 1 l11 tr. n. 8, 4 n . 6 01. 2.68-70 [T 3 16): 6 n. 59
n. 11 1, 1 n . 11 5, 9 11. 71 P. Derv. ':ºI. VII 9-JO [T Philodernus O!. 2.68-72 [T 3 16): 9 n. 9 1,
OF I 11 5 [T 27e]: 6 § 6.1 18c] : lntr. n. 8, 4 n. 15 De poem. P. Hercul. l 074 fr. 10 n. 20
0 F 11 28: 2 n. 75 P. Derv. col. XX [T 13e]: 2 30 (181. lss. Ja11 ko) [T l l e): 0l. 2.70 [T 3 16): 9 n. 11
OF l l 3 1: 2 11.75 11. 84 2 11 . 17, l2 n. 39 0l. 2 .70-82: 9 § 9.6
0 F 1140 [T 12] : 1 11. 69, 1 P. Derv. col. XX 1- 12 [T 0l. 5.24: 6 n. 13
11. 1 11,2 11.5 l 3e]: l ntr. 11. 8, 2 n. 76 Philo laus Py. 4. 176s. IT ld]: 1 n. 3, 1
P. Derv. col. XX 1O: 15 11. 37 44 8 5 0 .-K.: 7 11. 66 11. 117, 1 n. 126
Ovidius P. Derv. col. XXII l 1- 12 [T 44 B 13 0.-K.: 7 ll. 66 Py. 5. 104: 1 n. 3
Met. 10. l ss: 1 11. 33 10a]: !nu·. n. 8, 1 11. 56 44 B 14 0.- K. (= fr. 14 T irn- fr. 128c M aehl = 56 Can11acà
P. Derv. col. XXIII 1-2: 7 11. 29 pa11aro-Cardi11i II 224 ss. = Fera [T l aj: 1 n. 2, 1 n . 3, 1
Papyri P. Derv. col. XXV 14: 2 n. 70 p. 402ss.) Huffman [T 32a] : n. 126
P Berol. 44 IT l l gJ: 2 n. 23 !!Gurob. 2 n. 28 1 11. 98, 2 n. 22, 7 n. l O fr. 129 Maehl. = 58 Cann atà
P. Berol. 44. lss. [T 11g]: 12 P.Gurob. 4: 10 n. 26 44 B 15 D.-K.: 7 11. 7 1 Fera [T 55aJ: 9 n . 88, 10 n.
n. 27 PGurob. 236: 7 11. 13 44 B 22 D.-K. (= fr. 22 T irn- 37, 12 n. 40, 14 n. 5
PBonon. (OF7 17): 9 § 9.2 RGurob. 28ss.: 12 11. 5 1 pa11aro Cardi ni li 244 ss.): 7 fr. 130 Maehl. = 586 Ca1111a-
P.Bonon. (0F7 17) 73-85 [T 11. 14 cà Fera [T 55b]: 9 n. 89
47ai: 9 n. 27 Paliadas 44 B 23 D .- K. (= fr. 23 Tirn- fr. 133 Maehl. = 65 Cannacà
P.Bonon. (0F 7 17) 124 [T AP 10.88.3-4 [T 30ci: 7 n . panaro Cardi11i 1T 244 ss.): 7 Fera [T 25] : 6 n. 5, 6 n. 5 1,
32d J: 7 11. 99 J 12 11. 14 ...§ n. 58, 7 11. 97, 13 n. 19,
P. Derv. col. II 8: 12 11. 39 14 n . 4
P Derv. col. Ill [T 5 la]: l11cr. Parrnenidcs Philostratus fr. 143 Maehl. [T 55c]: 9 n. 90
n. 8,9 11. 42 8 1.14 0.-K. [T 24d]: 1O11. 12 Vit. Apo!L. 4. 14: 12 n. 68
P. Derv. col. V 3ss.: 12 11. 64 Vit. Apoll. 4.2 1 [T 57aJ: 12 Plato
P. Derv. col. V I O: 2 n. 72 Pherecrares 11.46 Alcib. 2. 1476: 2 n. 70, 13 n . 27
P Derv. col. V I [T 13d]: lntr. fr. 1l 3.30ss. K.-A. [T 36eJ: Vit. Apoll. 6 .1 1: 1 n. 62 Apol. 246: 15 n. 23
n. 8, 1O 11. 3 1 10 11. 44 Apol. 3 lcd: 9 n. 59
P. Derv. col. VI. 1-4 [T 13d]: Pindarus Apol. 40c-4 l c: 12 11. 94
lnt r. n. 8, 9 11. 43 Philetaerus lsth. 5.1 4 : 6 n. 13 Apol. 4 1a [T 5]: 1 11. 9, ln.
P. Derv. col. VI 1- 13 [T 13dJ: fr. 17 K.-A. [T 406]: 1O n. 01. 2: 9 § 9.5 16, 1 11.68, 111. 118,9 n. 14,
l ntr. n. 8 , 2 11. 44-, 12 n. 60 47, l2 n. 42 O!. 2.56 [T 55d]: 9 11. 91 15 11 . 32
P. Derv. col. V [ 2-5 [T 13d.J: 0 /. 2.56-58 [T 55d]: 10 n. 30 Crat. 395e-396c: 15 § 15.3
15 n. 35 Phi lo 01. 2.56-72 [T 55d yT 31 b]: Crat. 396d [T 62)
P. Derv. col. VII 4-5: 2 n. 70, De losepho 48: 10 n. 7 10 n. 32 Crat. 397a: 7 § 7.6, 15 n. 16

560 561
Cmt. 397e ss.: 13 n. 32, 13 11. 41 14,2n.58, 12 11.85 Men. 8 16 [T 25]: 9 § 9.6 Ph,ud. 114c: 9 11. 57
Crat. 398e ss.: 7 11. 43 Ton 534 c-d: 6 n. 3 Men. 91c: 15 11. 22 Ph,aed. 114d: 13 n. 45
Crat. 4006: 7 § 7 .5 Ion 5366 [T 12]: 1 n. 69, 1 n. Phaed. 626 [T 30]: l 11. 104, Ph,aedr. 244a-249a: 12 11. 95
Crat. 400c fT 32): ln. 81, 1 111,211. 5 1 11. 133, 7 11. 70, 8 11. 26, Ph,aedr. 244d [T 45]: 2 11. 31,
11. 97, 111. 110, 111. 122, l Leg. 6696 ss.: 12 11. 43. 13 11. 10, 13 11. 24, 13 n. 30, 12 11. 8, 12 n. 13, 12 11. 24, 12
n. 134, 2 n. 73, 7 n. 7, 7 11. Leg. 669d [T 60]: 1 n 80, 1 13 11. 32 11. 33, 12 11. 90, 15 n11. 10 e 33
75, 7 § 7.6, 7 § 7.7, 8 11. 24, 11. 13 1 Phaed. 63c [T 52]: 9 11 . 33, Phaedr. 244e: 15 n. 8
10 n. 26 , 13 11. 17, 13 11. 23, Leg. 677d [T 9]: 1 11. 10, 1 n. 13 11. 22 Ph.aedr. 245c: 6 11. 38
13 n. 32 13,1 11. 3 0, 1 n. 113 Phaed. 676 lT 53] : 9 11. 34, Ph.aedr. 245c ss.: 8 § 8.6
Crat. 4026 [T 2 1]: 1 n. 77, 1 Leg. 7016 [T 34J: 8 n. 6 15 11. 14 Ph.aedr. 246a: 13 11. 44
11. 129, 4 11. 33,411. 65 leg. 7 15e [T 24]: 1 n. 88, 10 Phaed. 68a: 1 11. 42 Phaedr. 247e: 12 n. 96
Crat. 440d [T 59): 13 11. 37 11. 3, 11 n. l , 13 11. 3, 13 n. Phaed. 69c [T 41): 1 n. 100, Phaedr. 248d [T 3 1]: 6 n. 50,
Crit. 54d: 12 n . 53 15, 13 n. 18 2 11. 69, 6 11. 53, 9 n. 37, 9 § 6 n. 61, 12 11. 63
l:,pist. 7.335a [T 27J: 1 n. 95, Leg. 773d: 5 n. 4 9.6, 12 ll. 10, 12 11. 15, 12 Phaedr. 248e [T 31): 6 11. 54
6 n. 1, 9 11. 16, 10 11. 30, J 3 Leg. 782c [T I I] : 1 n. 62, 2 n. 11. 23, 12 11. 73, 12 11. 79, 12 Phaedr. 2506c: 12 n. 96
n. 4, 13 n. 2 1, 15 n . 30 9, 2 n. 82, 9 n. 96, 14 n. 13 11. 87, 13 n. 9, 15 1111. 8 e 12 Phaedr. 250c [T 32]: 7 11. 89
Euthphr. 5c [T 22): 4 n. 4 1, Leg. 81 5c [T 57]: 12 n. 25, e§ 15.3 Phileb. 66c [T 20] : 1 n. 79, 1
4 11 . 63, 8 11. 3 0 12 n. 44 Phaed. 69e-70a [T 29): 6 n. n. 130, 4 n. 3 1, 4 n. 66
Euthyd. 277d [T 58J: 12 n. Leg. 829d IT 10): 1 n. 53, 1 40, 15 n. 3 1 Pol. 270dc: 4 n . 57
53 n. 1 11, 1 n. 11 9, 1 n. 125 Phaed. 7 0c [T 26] : l 11. 93, 6 Prot. 3 10d: 1 n. 27
Corg. 492ss.: 7 n. 1O1 Leg. 8546 [T 35]: 8 n. 12 11. 19, 9 § 9 .6, 9 n. 38, 13 n. 3 Prot. 3 116-c: 1 11. 27
Gorg. 492c: 9 n. 8 Leg. 870d IT 37) : l n. 99 Phaed. 82e [T 49): 7 n. 92, Prot. 313c: 15 n. 36
Corg. 492e-493c: 9 § 9.2, 9 Leg. 88 1a [T 56J: 10 11. 33 13 11. 34 Prot. 3 15a [T6): 1 11. 19, 111.
§9.6 Leg. 9036-905d: 9 n. 2 Phaed. 107c: 9 § 9.3 26, 1 11. ] 12, 2 n. 1, 15 11. 38
Corg. 493a [T 33 y T 40]: 1 Leg. 908d [T 141: 2 n. 33, 12 Phaed. 107c ss.: 9 § 9.6 Prot. 316d [T 7]: l 11. 23, 1
n. 97, 1 n. 108, 2 n. 67, 7 n. n. 56, 12 11. 62 Phaed. 108a: 9 11. 40 11. 26, l n . 70, 1 11. 102, 1 n.
9, 7 n.· 106, 8 ll . 11 , 12 11. 5, Leg. 909a fT 15 1: 2 11. 36, 12 Phaed. 108c: 9 11. 44 122, 12 11. 1, 12 11. 69, 13 n .
12 11. 15, 12 n. 86, 13 n. 11, 11. 56, 14 n. 16, 15 11. 36 Phaed. 11 l d: 5 n. 4, 9 n. 46 2, 13 n. 29, 2 n. 2, 2 n . 4,
13 11. 23, J 3 ll. 42, 15 11. 27 l eg. 933a IT 16]: 2 n. 38 Phaed. l ll e [T 23): 4 11. 49, 15 11. 39
Corg. 493c: 9 § 9.2 Leg. 933d [T 17]: 2 n . 39, 12 4 ll. 64 Resp. 330d [T 38]: 9 11. 66
Gorg. 523a: 9 § 9.2 n. 56, 12 n. 62, 14 n. 16 Phaed. l l l e- l 12a [T 23]: 9 Resp. 363c [T 36 y T 39) : 1
Gorg. 523a-527a: 9 § 9.2, 9 §9.6 Leg. 9596: 9 11. 16 11. 49 11. 74, 1 n. 123, 2 11. 67, 6 n.
Corg. 523c [T 50]: 9 11. 13 M en. 8 1a IT 25]: 111. 109, 2 Phaed. 1 l 2e- 113c [T 54]: 9 10, 8 n. 11, 9 11. 64, 9 § 9 .6,
Corg. 524a: 9 § 9.6 11.61,6 11. 2, 6 §6.4, 7 11. 97, n. 50 10 11. 16, 13 n . 13
Corg. 525c: 9 § 9.2 12 11. 85, 13 11. 8, 13 11. 20, Phaed. 113a: 9 n. 53 Resp. 363d [T 39]: 9 § 9.2,
Ion 5336 [T 4): l n. 9, 1 11. 13 11. 25 Phaed. 113d: 9 § 9.3 10 11. 17

562 563
9 n. 85 Proclus
Resp. 3646 lT 13 y T 44): 9 Soph. 226ad: 15 § 15.1 in PI. Remp. I 157.8 Kroll: 1
n. 65, 12 n. J l , 12 n. 55, 12 Soph. 227c [T 61): 15 11. 7 Axioch. 37ld [T 55): 12 11. 41
11. 16
11.62 Soph. 227d : 15 § 15.4 in PI. Remp. H 3 12.16 Kroll:
Resp. 364c: I 5 n. 36 Soph. 228a: J 5 11. 20 y § 15.4 Plocinus
1.6.6 [T 41b]: 12 n. 28 1 11. 16
Resp. 364c [T 3 yT 44J: I 11. Soph. 228cd: l 5 1111. 24-25 y in Pi. Remp. II 339 17ss.
7, 1 11. 8, I 11. 57, I 11. 73, I § 15.5 4.8.3: 7 11. 73
Kroll [T 27g): 6 11. 33
11. 86, I n. I 16, 1 11. 120, 1 11. Soph. 229a-230a: 15 § 15.5 in Pi. Remp. li 173.12 Kroll
128, 2 §2.5, 2 §2.6, 2 n. 20, Soph. 2306e: I 5 § 15.3 Plucarchus
Alex. 52: 10 n. 7 [T 31c]: 6 11. 60, 9 n. 95
2 n. 36, 4 n. 20,711.1 05, 12 Soph. 230c [T 63): I 5 11. 29 in PI. 'Jzm. I 333.26ss. Diehl:
11. 3, 1211. 26, 1211. 32, 1211. Soph. 23 1h: I 5 § I 5.8 Comp. Cim. Luc. 1.2 [T 36aJ:
1 11. 76, 10 n. 18 7 n. 73
45, 13 11. 7, 13 11. 39, 15 1111. Soph. 231 d: 15§ 15.7 in Pi. Tim. lll 180.8 Diehl
8-9 e§ 15.3 Soph. 232a [T 64]: 15 n. 42 Apophth. lacon. 224 O [T
llcj: 2 11. 16, 12 11. 17 [T 54c): 9 n. 54
Resp. 366a [T 43): 1 11. 4, 1 Soph. 233ab: 15 § 15.8 in PI. Tim. III 250. 17 Diehl:
11. 8, 1 11. I 2, J 11. 20, 1 11. Soph. 233c IT 65): 15 11. 43 De E np. Deiph. 391 O [T
18d]: 4 11. 8 5 11. 4
85, 4 n. 20, 12 11. 2, 12 n. Soph. 242c: /4 § /4.4. Theol. PI. 5. 1O (V 34.21 Sa-
33, 1311.6 Symp. 179d IT I] : 1 11. 1, 1 De Pyth or. 407B: 12 11. 72
De esu carn. 9968 [T 35d]: ffrey-Wescerink): 4 11. 58
Resp. 398c ss.: 12 11. 43. 11. 15,111.4 1, 1 n.11 4, 15

Resp. 5 I 4a ss: 9 11. 4 5 11.4 1 13 11. 2


Ser. num. vind. 5540: 7 11. 73 Scholia
Resp. 600a: 2 11. 64 Symp. 189c ss: 4. n. 54 Ariscid. Or. 3.50 (III 471.5
Resp. 6056: J 5 11. 26 Symp. 215c: 1 n. 13 Ser. num. vind. 5668: 5 11. 4
De esu carn. 9968 [T 35dl: Oi11dorf)[T 18e]: 4 11. 9
Resp. 608d fT 281: 6 n. 39 Symp. 2 18b IT 18]: 4 11. 1, Hes. Op. 11 3- 11 5(51.7 Per-
Resp. 61 le:711. 89 4 11. 67 8 11. 23
fr. 178 Sandbach lT 55e): 2 cusi): 4 11. 58
Resp. 6 14a: 9 § 9.4 7tm. 306: 15 11. 26 PI. leg. 7 15e (3 l 7 Grce11e)
n. 28, 9 n. 92, 12 n. 19, 12 n.
Resp. 614a ss.: 9 § 9.6 nm. 35: 5 11. 4 35, 12n.30, 1211. 41, 1211. 80 [T24a]: 1111. 3, 13n. 16
Resp. 6 146-62 16: 9 11. 67 Tim. 40d IT 2 y T 19]: 1 11. PI. Phaed. 626 ( 1O Gree11c)
5, 1 11. 8, 1 11. 87, 1 11. 11 6, 1 fr. *202 Sa11d6ach [T 18gl:
Resp. 6146 (T 47J: 9 11. 68 [T30aJ: 111.105,7 n. 7 1
Resp. 6 14c: 9 11. 69 11. 127, 4 Jl. 18,411.29, 4 11. 4 11. 13
PI. Remp. 364c (201 Grce11e)
Resp. 615a n·· 46! : 6 11. 55 62, 1311.5, 1311. 14 [T 3a): 1 11. 59, 1 n. 90
Resp. 6 15c: 6 § 6.5 Tim. 786: 5 n. 2 Porphyrius
Resp. 6 16c: 6 11. 63 Tim. 78d: 5 n. 2 Abst. 2.36: 1 n. 62
nd Gauntm 2.2.9 (34.26 Kal- Semo11idcs
Resp. 620a [T 8]: 1 11. 51, I fr. 1. 1s. Wcsc: 1l 11. 12
6Acisch,) (T 54d]: 9 n. 55
11. 1 11, l n. I 15, 9 11. 71 lPlaco) Servius
Resp 620c fT 481: 9 11. 72 Axioch. 365e (T 321: 7 11. 72 inAen. 3.98 (l 358.29Thilo-
Resp. 62 1a: 9 § 9. 3 Axioch. 37 1a [T 551: 9 § 9.6, Posido11ius
fr. 169 (139.6Theiler): 6 11. 22 Hagc11): 12 11. 68
Soph. 226a-231 e: cap. 15 9 11. 80
passim /Jxioch.371c IT 55]: 9 11. 83,

565
564
Simo11idcs Terpander l l 11. 6
fr. 62 Page (PMG 567) [T6a]: fr. 3 Gostoli (= PMG 698.1 fr. 26 G.-P. (= B 23 0.-K.):
ln. 18, J n.117, 1 n.1 26 Page): 1111. 12 11 11. 7
fr. 90 Page (PMG 595) : l n. fr. 27 G.-1~ (= B 24 0 .-K.) :
126 Theocritus l l n. 8
ldyL. 26: 2 n. 43 fr. 28 C.-P. (= B 25 0 .-K .):
Simplicius 11 11. 9
in Aristot. Ctzef. 377.1 2 Hei- ·1ºheoph rasrus
bcrg IT 35a]: 12 11. 37 Ch11r. 16.11 IT I ld]: 2 11.
17, 12 n. 65
Sophoclcs
Oed. Col. 1381s.: IOn. 5 Thcopompus
OT 1228: 15 11. 8 FGrHist 11 5 r, 64 [T 29bl:
fr. 837 Rad t: JO n. 47 6 n. 42

Stcsicho rus Vergilius


fr. S 11.8 Page: 6 n. 28 Aen.6: 9 § 9.2
Georg. /i .4 53ss: 1 11. 33
Srobacus
Flor. 3. 1.1 99 (l ll 150. 17 Veuius Valens
l lc11sc) [T 18gl: 4 11. 13 3 17. 19 Pingrec IT 27bcl: 6
11. 27, 6 n. 44

Strabo 3 17.19 Pi11grce f r· 2?Fj: 6 n . 3 1


7, fr. IOa Radt IT I l f l: 2 n.
19, 12 n.39, 12 11. 67 XcnocraLes
ír. 2 19 lsnard i Parente [T
Suda 35cj: 8 n . 27
s. o. .Epirnenides: 15 n . 8
s. 11. 011Jhe11s (111 565 .1 Ad- Xc11opha11cs
lcr): 12 n. 72 fr. 6 Gcntili-Prato (= B 7 D.-
s. 11. Orpheus (111 565.5 A.): K.): 6 n. 22
12 n. 54 fr. 15 C .-1~ (= B 11 D.-K.):
s. v. Ph11nes (IV 696. 17 A.) : 11 11. 5
4 n. 55 fr. 15.3 G.-1~ (= B 11 D.- K.):
s. v. Pythagoms (IV 263.2 A.): 1 11 . li?
1 n. 62 fr. 19 C .-1~ (= B 15 0.-K.):

567
566

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