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A HISTÓRIA ORAL COMO MÉTODO PARA A PRODUÇÃO DE FONTES:

USOS E POSSIBILIDADES NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Ana Flávia Braun Vieira1

RESUMO: Este capítulo apresenta uma sistematização dos aspectos elementares do


desenvolvimento da história oral e seus usos como método para a produção de fontes nas
Ciências Sociais, com destaque para investigações nas áreas do esporte e do lazer. Assim,
foram abordados elementos de sua trajetória, debatendo críticas a ela dirigidas; foram
pontuados os seus procedimentos, técnicos e éticos; e, por fim, foi demonstrada sua
utilização em pesquisas que problematizaram aspectos do esporte e do lazer a partir da
história oral. Espera-se que este texto possa motivar mais pesquisadores a produzir suas
fontes a partir da história oral, contribuindo para uma renovação temática às pesquisas
nas Ciências Sociais.
Palavras-chave: História oral, metodologia, produção de fontes, Ciências Sociais.

Considerações iniciais
A história oral é um método de pesquisa que “privilegia a realização de entrevistas
com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões
de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo” (ALBERTI, 2012, p. 18)2.
Ela é tanto uma das formas mais antigas de investigação histórica, anterior a palavra
escrita, quanto uma das mais modernas, iniciada com gravadores na década de 1940 e
agora usando tecnologias digitais do século XXI.
Em sua vertente acadêmica, é atualmente conhecida pelo rigor em relação aos seus
procedimentos metodológicos e éticos (MEIHY, 2011), todavia, ao longo do seu processo
de desenvolvimento diversos foram os questionamentos dirigidos às práticas precedentes
– formulados principalmente por pesquisadores ligados a uma tradição historiográfica
que conferiu ao documento escrito, pela crença em sua pretensa objetividade 3, o status de
fonte histórica fidedigna.

1
Historiadora, mestre e doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta
Grossa.
2
Apesar de sua denominação parecer inscrevê-la na História, a história oral há muito tem sido utilizada nas
mais diversas disciplinas das Ciências Sociais. Inclusive, até a década de 1980, “os pesquisadores que
trabalhavam com história oral eram majoritariamente cientistas sociais” (AMADO; FERREIRA, 2017, p.
x). Ademais, a história oral tem ultrapassado os limites das Ciências Humanas e Sociais e “está se
infiltrando nas demais áreas do conhecimento” (ATAÍDE, 2016, p. 164).
3
De acordo com Luca (2011, p. 116), objetividade é um “atributo que, de fato, nenhum vestígio do passado
pode ostentar”. Para a autora, são as subjetividades presentes nas fontes que trazem ainda mais riqueza às
pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais.
Tais questionamentos estimularam a sistematização cada vez mais criteriosa dos
procedimentos metodológicos. Com isso, a história oral passou a ser utilizada com maior
frequência pelos pesquisadores como método para a produção de fontes. Mas, apesar de
seu crescente reconhecimento, comparativamente, ainda são poucos os estudos que se
desenvolvem a partir de entrevistas orais 4. Acredita-se que isso tenha relação com a
ausência de familiaridade dos pesquisadores com suas diferentes vertentes e
procedimentos5.
Nesse sentido, esse capítulo objetiva sistematizar os aspectos elementares do
desenvolvimento da história oral e seus usos como método para a produção de fontes nas
Ciências Sociais, com ênfase para investigações nas áreas do esporte e do lazer. Para
tanto, foram utilizadas as principais referências brasileiras do campo da história oral,
como Alberti (2011 e 2012), Ferreira (1998 e 2012), Amado e Ferreira (2017), Meihy
(1996 e 2011) e Freitas, Araújo e Sales (2017). Ademais, textos clássicos como os de
Pollak (1992) e Portelli (1996) auxiliaram a observar possíveis rupturas e permanências
em seu processo de desenvolvimento.
Para fins didáticos, o capítulo foi organizado em três momentos. Inicialmente
serão apresentadas as características elementares da história oral, debatendo algumas das
críticas a ela dirigidas; em seguida, serão pontuados seus procedimentos, técnicos e
éticos; e, por fim, será demonstrada a sua utilização em duas áreas temáticas passíveis de
investigação nas Ciências Sociais, a saber: o esporte e o lazer.
Espera-se que esse texto auxilie na desmistificação de alguns pré-conceitos sobre
a história oral – especialmente aqueles relacionados à objetividade/subjetividade da fonte
e à complexidade de seus procedimentos –, contribuindo, assim, para que mais
pesquisadores considerem essa metodologia para a produção de fontes, possibilitando que
aspectos sociais que de outra forma estariam à margem da “história” sejam também
protagonistas desta. Além de valorizar a experiência dos sujeitos, acredita-se que a

4
A título de comparação, foi realizado o levantamento do número de produções que adotam a “história
oral” e aquelas que utilizam a “pesquisa bibliográfica”. No Portal de Periódicos CAPES/MEC foram
encontradas 1.693 e 3.960 resultados, respectivamente. Na Scientific Eletronic Libraty Online (Scielo), os
resultados foram: 401 e 916, concomitantemente. Na Rede de Revistas Científicas da América Latina e
Caribe, Espanha e Portugal (Redalyc) estão indexadas 3.979 produções com a expressão “história oral” e
4.974 com o termo “pesquisa bibliográfica”. Apenas na base de dados SciVerse Scopus os resultados foram
distintos, tendo apresentado 51 produções em “história oral” e 13 em “pesquisa bibliográfica”. Consulta
realizada em 31 jul. 2018.
5
Existem três diferentes concepções que norteiam sua utilização e que resultam em práticas distintas: a
história oral pode ser concebida como uma técnica, como uma disciplina ou como uma metodologia. Apesar
de diretrizes gerais comuns, cada uma guarda suas especificidades. Para maiores informações conferir
Amado e Ferreira (2017) e Ferreira (2012).
utilização frequente a história oral pode representar uma renovação temática às pesquisas
em Ciências Sociais, uma vez que sua adoção como método pode ser responsável pela
criação de conhecimento novos a partir da produção de fontes inéditas (LOZANO, 2017).

Aspectos elementares do desenvolvimento da história oral


A estratégia de ouvir participantes de determinados eventos ou conjunturas a fim
de compreendê-los melhor não é novidade. Segundo Alberti (2011, p. 156), Heródoto e
Tucídides, “historiadores da Antiguidade, já utilizaram esse procedimento para escrever
sobre acontecimentos e sua época”. Passado muito tempo, é a possibilidade de gravação
das entrevistas em áudio/vídeo que constitui a principal diferença entre o que pode ser
chamado de história oral moderna e as práticas precedentes.
A primeira geração de oralistas se desenvolveu nos Estados Unidos, na década de
1950, e objetivava a coleta de materiais para os historiadores futuros. Nesse período,
dadas as caraterísticas do fazer historiográfico vigente, os pesquisadores se ocupavam em
entrevistas grandes personagens políticos e o trabalho realizado visava “preencher as
lacunas do registro escritos através da formação de arquivos com fitas transcritas”
(FERREIRA, 1998, p. 04).
A segunda geração surgiu no final dos anos 1960 e opôs-se às práticas anteriores,
que consideravam a fonte oral apenas como um complemento às fontes escritas e oficiais.
Neste período, o desenvolvimento de pesquisas valendo-se unicamente da história oral
privilegiou setores que, de outra maneira, não poderiam inscrever suas experiências na
“história”. Assim, dadas as formas vigentes de pensar e estudar a sociedade, os
pesquisadores buscavam oportunizar a palavra aos “povos sem história”, como operários,
mulheres e negros (JOUTARD, 2017). Apesar de sua característica militantes, as histórias
orais produzidas nesse período “começaram a recriar essas vidas esquecidas e
contribuíram para que as pessoas reconhecessem que elas também haviam sido
historicamente significantes” (THOMSON; FRISCH; HAMILTON, 2017, p. 72).
A terceira geração se desenvolveu em meados de 1975 e demonstrou um esforço
para a sistematização metodológica da prática da história oral, visando seu efetivo
reconhecimento nas Ciências Humanas e Sociais. De acordo com Joutard (2017, p. 49),
essa geração pode ser definida como “um período de reflexões epistemológicas e
metodológicas, no qual se contestou a ideia ingênua de que a entrevista permitiria atingir
diretamente a realidade, havendo inclusive uma profissionalização maior no tocante aos
projetos de pesquisa oral e sua utilização”. Data dessa geração a utilização da história oral
no Brasil, impulsionada pela criação do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, destinada à coleta de
depoimentos de líderes políticos do início do século XX.
Em 1990 teve início a quarta geração. Diferente dos momentos anteriores, onde
havia um embate entre as “verdades” oriundas das formas mais tradicionais e “objetivas”
de estudar a história e a utilização das fontes orais, passou-se a valorizar as
especificidades desta última. Nessa época iniciou também o registro das entrevistas em
vídeo, o que possibilitou uma melhor apreensão do processo de construção do relato,
permitindo que as hesitações, desvios, expressões e emoções dos entrevistados fossem
também consideradas no momento da análise.
Por fim, acredita-se que uma quinta geração tem se desenvolvido e pode ser
balizada temporalmente a partir da popularização novos recursos de gravação, em meados
de 2010. Nas gerações anteriores havia uma preocupação constante com a interferência
de equipamentos, como gravadores de voz e de vídeo, na qualidade da entrevista. Tais
recursos, nas décadas anteriores, costumavam ser grandes e poderiam intimidar os
entrevistados, alterando a construção do relato. Atualmente, dispositivos móveis, como o
smartphone, vêm sendo utilizados por possuírem qualidade equivalente ou superior aos
gravadores de voz e filmadoras convencionais. Ademais, tais aparelhos são cada vez mais
comuns no cotidiano, tanto dos entrevistadores como dos entrevistados, o que minimiza,
em potencial, a interferência dos equipamentos na realização das entrevistas 6.
Ao longo dessas sucessivas gerações, a história oral não foi isenta de críticas.
Ainda hoje, a mais ferrenha delas se dirige à questão da subjetividade e da mentira
(FREITAS; ARAÚJO; SALES, 2017). A origem de tais questionamentos está relacionada
ao predomínio da história positivista, que no século XIX estimulou a escrita da história
de grandes atores políticos, a partir de documentos oficiais (SCHMIDT, 2012, p. 190).
Assim, sob essa perspectiva, os depoimentos não teriam a mesma validade de outras
fontes históricas, dado o seu caráter subjetivo 7.

6
Em relação às tecnologias de gravação, Alberti afirmou ser necessário sensibilidade ao oralista na hora da
escolha: “Eu estou falando assim porque hoje em dia é tão comum ter coisas no YouTube, ter coisas
filmadas, que, se você chega com uma coisa só de áudio, a pessoa também pode se decepcionar. Há uma
expectativa. (...) a gente tem que analisar a circunstância em que a gente está” (FREITAS; ARAÚJO;
SALES, 2017, p. 244-245).
7
À época de Pollak, para que os trabalhos em história oral fossem reconhecidos nas Ciências Humanas e
Sociais, fazia-se necessário contrastar as informações obtidas nos relatos com outros documentos. Segundo
o autor, “Para uma só entrevista, uma só história de vida, quatro pessoas trabalharam durante dois anos.
(...) Se pretendemos controlar todos os dados, será muito difícil realizar isso na prática” (POLLAK, 1992,
09).
Para Portelli (1996, p. 60), “O principal paradoxo da história oral e das memórias,
é de fato, que as fontes são pessoas, não documentos”. Nesse sentido, é fundamental
entender que subjetividade é parte integrante do sujeito, pois é a partir dela que as pessoas
“constroem e atribuem o significado à própria experiência e à própria identidade”. Aquilo
que determinado colaborador diz ter vivido pode não ter ocorrido da forma narrada, mas
representa algo na existência (ou para a geração) do entrevistado, portanto, deve ser
analisado historicamente e problematizado em relação a outras fontes, primárias ou
secundárias (MONTENEGRO, 2013).
Historiadores e cientistas sociais influenciados pelas técnicas e métodos das
Ciências Exatas buscam excluir a subjetividade de seus trabalhos, entretanto, a pretensa
exatidão de métodos quantitativos, por exemplo, não é capaz de responder à
complexidade dos fenômenos sociais. Essa afirmação está pautada nas considerações de
Portelli (1996, p. 61) acerca de um estudo quantitativo sobre o número de açoites
recebidos pelos escravos em dado período da história:
Utilizando todas as fontes documentais disponíveis e sofisticados métodos de
análise estatística, chegaram à conclusão de que os escravos eram açoitados
uma média de 0,7 vezes por ano. Trata-se de uma modalidade de pesquisa
indubitavelmente legítima e necessária, ainda que possua uma grande dose de
abstração quanto à realidade e, portanto, em última instância, um risco sério de
falsificação: pois, apesar de tudo, é literalmente impossível açoitar uma pessoa
0,7 vezes. Em realidade, é impossível até mesmo comparar os açoites entre si,
ou medir precisamente o vigor com que os açoites foram ministrados; (...) Por
isso, por muito controlável ou conhecida que seja, a subjetividade existe, e
constitui, além disso, uma característica indestrutível dos seres humanos.

Diante desse exemplo, entende-se que melhor que tentar excluir a subjetividade
das pesquisas é encontrar um método, com procedimentos rigorosos, que permita
compreendê-la e utiliza-la na produção do conhecimento. No caso da história oral, o
depoimento expressa a forma como o passado foi percebido e interpretado pelo sujeito
entrevistado e, por essa razão, tal como qualquer outra fonte, seu conteúdo deve ser
problematizado histórico e teoricamente. Adotando uma postura crítica, não mais será
“fator negativo o depoente ‘distorcer’ a realidade, ter ‘falhas’ de memória ou ‘errar’ em
seu relato; o que importa agora é incluir tais ocorrências em uma reflexão mais ampla”
(ALBERTI, 2012, p. 19), tencionando as razões que o levaram a uma construção
específica do passado e estabelecendo aproximações entre suas concepções e as dos
demais depoentes.
Além disso, após a produção da entrevista, a análise – tal qual as realizadas em
documentos escritos – deverá ancorar-se na teoria, pois é ela que fornecerá subsídios para
a apreciação da fonte em relação ao fenômeno investigado. Sendo a história oral uma
metodologia, “não dispõe de instrumentos capazes de compreender os tipos de
comportamentos descritos”, apenas a teoria é capaz de fazê-lo, afinal, é “a
interdependência entre prática, metodologia e teoria produz o conhecimento”
(FERREIRA, 2012, p. 170).
Ainda sobre a questão da subjetividade na constituição de fontes orais, a
participação ativa do entrevistador na produção do relato oral – por intermédio das
perguntas ou estímulos e até mesmo por sua presença diante do sujeito que rememora –
foi também objeto de críticas, pela possibilidade de manipulação do entrevistado.
François (2017, p. 09), ao afirmar que “uma testemunha não se deixa manipular tão
facilmente quanto uma série estatística”, defende que a produção do conhecimento a partir
das fontes orais é tão valida quanto aquela que deriva de consulta a documentos oficiais.
Nesse sentido, entende-se que a evidência oral deve receber igualmente os mesmos
controles críticos aplicados a outras fontes, como jornais, relatórios, atas, etc.
No processo de apreciação das fontes a história oral, inclusive, apresenta uma
vantagem: a produção da fonte já inclui o exercício da crítica interna e externa. Isso ocorre
porque o oralista, conhecedor dos aspectos históricos e teóricos que envolvem o objeto
da pesquisa, é capaz, no ato da entrevista, de perceber possíveis falhas, exageros ou
enquadramentos no discurso do entrevistado, podendo intervir se julgar necessário.
Alberti (2012, p. 22) exemplificou essa questão: se o entrevistado “distorce” o passado
“em função de sua visão particular, omite informações, evita falar sobre determinados
assuntos, isso pode ser percebido ainda durante a gravação da entrevista e, dependendo
da relação estabelecida, problematizado junto com o entrevistado”.
Por fim, entre as críticas mais contundentes à história oral é possível citar os
questionamentos relativos à representatividade dos entrevistados diante ao todo social.
Realmente, o número de entrevistados em pesquisas que utilizam a história oral não
costuma representar uma amostra específica, tal como ocorre em pesquisas quantitativas.
Entretanto, partindo dos estudos sobre memória, é possível compreender que os
colaboradores, quando falam de si, apontam também questões sobre seu contexto
sociocultural. A esse respeito Rousso (2017, p. 94) escreveu: a memória é uma
reconstrução “psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do
passado, um passado que nunca é daquele indivíduo somente, mas de um indivíduo
inserido num contexto familiar, social, nacional. Portanto, toda memória é, por definição,
‘coletiva’”.
As discussões sobre memória em trabalhos que fazem uso da história oral podem
ser mais ou menos aprofundadas, conforme a modalidade de história oral a ser realizada.
Quando o pesquisador entende que a história de vida de um ou mais sujeitos é
significativa para a compreensão de determinado fenômeno – como a história
institucional de um clube recreativo ou papel das mães na carreira de um jogador de
futebol –, faz-se necessária uma discussão mais aprofundada sobre memória, dada a maior
possibilidade de enquadramentos8. Já a história oral temática “é a mais prezada por se
aproximar das possibilidades de manejo de dados, informações, cruzamentos
documentais e inscrição em exames historiográficos” (MEIHY, 2011, p. 51). Nela, a
produção de fontes ocorre a partir da percepção das pessoas sobre um objeto e um recorte
temporal específico 9, como um estudo geracional comparativo sobre o significado dos
jogos e brincadeiras na infância.
Os exemplos de pesquisa acima mencionados evidenciam o potencial de
inovação temática da história oral em relação a outros métodos, justificando a sua adoção
nas mais diferentes áreas do conhecimento. Por vezes, historiadores e cientistas sociais
limitam suas pesquisas às fontes documentais disponíveis, ação que contribuem para que
determinados fenômenos sociais não sejam investigados. O caráter interdisciplinar da
história oral oportuniza, a problematização de temas até então não pesquisados e
configura-se como uma “voz alternativa” sobre fatos até estão estabelecidos socialmente
(MEIHY, 2011, p. 29).

Princípios e melhores práticas10


A produção intencional de documentos é uma das especificidades do trabalho com
a história oral e demanda uma série de etapas, visando aspectos técnicos e éticos que
implicarão na qualidade da entrevista. Meihy (1996, p. 15) as definiu como
um conjunto de procedimentos que se inicia com a elaboração de um projeto e
que continua com o estabelecimento de um grupo de pessoas a serem
entrevistadas. O projeto prevê: planejamento da condução das gravações com
definição de locais, tempo de duração e demais fatores ambientais; transcrição
e estabelecimento de textos; conferência do produto escrito; autorização para

8
De acordo com Pollak (1989, p. 10), o trabalho de enquadramento da memória é reinterpretar o passado
e veiculá-lo à luz “da imagem que ela forjou para si mesma”.
9
Aspectos biográficos elementares também precisam ser levantados, pois contribuem para o processo de
análise.
10
Em referência à Oral History Association, organização internacional comprometida em valorizar a
história oral, que estabeleceu “principles and best practices” para tornar o método cada vez mais preciso.
As orientações da associação foram utilizadas como princípios norteadores desta sessão, aliadas as
considerações de referenciais frequentemente utilizados no Brasil.
o uso; arquivamento11 e, sempre que possível, a publicação dos resultados que
devem, em primeiro lugar, voltar ao grupo que gerou as entrevistas.

Diante do número de procedimentos, os encaminhamentos metodológicos da


História Oral foram sistematizados em: 1) pré-entrevista; 2) entrevista; e 3) pós-
entrevista. A apresentação abaixo deve funcionar apenas como uma orientação. Nessas
poucas páginas seria impossível esgotar todas as situações relacionadas à produção de
fontes por meio da história oral. Assim, cabe ao pesquisador aprofundar suas leituras
sobre o método e a teoria relativa ao problema investigado, a fim de desenvolver um
percurso adequado à sua pesquisa.
A pré-entrevista corresponde às ações de preparação do encontro onde será
realizada a entrevista. Nesta etapa o pesquisador deverá:
1. Escrever o projeto de pesquisa. A prática da história oral demanda uma série de
decisões que devem ser previstas no projeto, a fim de orientar as ações do oralista.
No projeto em história oral devem ser previstos: os objetivos e perspectiva teórica
que conduzirá a realização das entrevistas e posterior análise; a modalidade de
história oral a ser desenvolvida, de vida ou temática, e elencados os narradores em
potencial de acordo com a relevância de suas experiências em relação ao objeto
investigado; e o roteiro dos estímulos ou perguntas a serem realizadas, embasadas
em sólido referencial sobre o tema de pesquisa.
2. Submeter o projeto ao Comitê de Ética. De acordo com a Resolução nº. 466/12 do
Ministério da Saúde, toda pesquisa envolvendo seres humanos deve ser submetida
à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa 12, de maneira que a inserção no
campo só pode ser iniciada após a aprovação do projeto. Enquanto aguarda a
apreciação do Comitê de Ética, que leva aproximadamente 45 dias, recomenda-se
que o pesquisador utilize esse período para o aprofundamento de questões teóricas
e historiográficas acerca do objeto investigado, além de aspectos biográficos
elementares dos entrevistados em potencial, visando aprofundar o conhecimento
para que durante a produção da fonte o oralista já esteja familiarizado com o tema

11
A questão do arquivamento é um dos desafios à história oral no Brasil. Não existe um repositório público,
de abrangência nacional, para que as entrevistas realizadas por pesquisadores individuais, não vinculados
à instituições, sejam salvaguardadas e consultadas em trabalhos futuros.
12
Em 2016, o Ministério da Saúde, por meio da Resolução nº.510, estendeu essa obrigatoriedade às
Ciências Humanas e Sociais, tal como consta em seu artigo primeiro: “Esta Resolução dispõe sobre as
normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos
envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis
ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana”. A submissão do projeto
para a apreciação do Comitê de Ética deverá realizada no site da Plataforma Brasil, disponível em:
http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf.
e possa, ao longo da própria entrevista, ir considerando os elementos estudados
em relação ao relato e, se necessário, problematiza-los com o entrevistado.
3. Agendar as entrevistas. Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em
Pesquisa, o oralista deve entrar em contato com os colaboradores em potencial,
listados no projeto. Esse contato inicial pode ser feito por e-mail, telefone ou
pessoalmente13. Nele devem ser descritos ao potencial participante os objetivos
da pesquisa e explicitada a importância daquela contribuição para a construção do
conhecimento na área investigada. Após o aceite, o pesquisador deve agendar uma
primeira reunião, onde irá apresentar os propósitos e procedimentos da história
oral, bem como os objetivos e usos previstos da entrevista, e os direitos do
colaborador, como o de não responder algum questionamento ou solicitar a
retirada de trechos de sua entrevista transcrita. Por fim, o oralista deve solicitar a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, documento em que o
entrevistado atesta ciência das informações supracitadas, de sua forma de
participação e dos eventuais riscos. Após esses procedimentos a entrevista pode
ser agendada, de acordo com as preferências dos entrevistados.
4. Preparar os materiais para a entrevista. O pesquisador deverá utilizar
equipamentos com os quais está familiarizado 14. Estes devem ser capazes de
captar com qualidade a voz do narrador ou o vídeo, no caso de entrevistas
filmadas. Para a entrevista, além dos recursos de gravação, o oralista deverá ter
em mãos o roteiro com as questões15 e um caderno de campo, onde irá anotar
informações que não possam ser captadas em áudio16.
As dúvidas mais frequentes em relação à pré-entrevista dizem respeito a escolha
dos colaboradores e o número de entrevistas a realizar, aspectos diretamente interligados.
De acordo com Alberti (2011, p. 172), “Isso significa que os entrevistados são tomados
como unidades qualitativas, e não como unidades estatísticas”. Assim, entende-se que

13
O pesquisador deve adequar a forma de contato às características dos entrevistados.
14
É fundamental testar os equipamentos com antecedência para evitar possíveis constrangimentos durante
a realização das entrevistas.
15
Além dos estímulos do pesquisador, podem ser realizadas leituras de textos, apresentadas imagens e
outros recursos que auxiliem o colaborador na construção de sua narrativa.
16
As entrevistas em vídeo costumam dispensar o uso do caderno de campo, uma vez que as emoções,
hesitações e outras questões dignas de nota estarão gravadas em filme para posterior acesso. Para que isso
seja possível, Alberti (2012, p. 63) recomendou: “Nas gravações em vídeo, o ideal é realizar a entrevista
em um ambiente suficientemente amplo para que seja possível filmar não só o entrevistado, mas também
os entrevistadores, isto é, a situação mesma da entrevista: a posição dos que dela participam, suas reações,
expressões e movimentos, procurando assim registrar o clima e as circunstâncias de produção do
documento oral”.
o critério para a participação na pesquisa está relacionado à importância da pessoa em
relação ao fenômeno investigado e qualidade do relato. Em relação a amostra, a história
oral não advoga um número predeterminado, mas recomenda “diversificar ao máximo
seus informantes no que diz respeito ao tema estudado” (ALBERTI, 2012, p. 37). Nesse
sentido, o pesquisador deve procurar integrar colaboradores que tenham diferentes
perspectivas sobre o objeto pesquisado, fator que possibilita ricas inferências17.
A entrevista consiste no momento de gravação do relato, em áudio ou vídeo. Nesta
etapa o pesquisador deverá:
1. Promover um ambiente propício para a entrevista. No dia e local agendado com
os colaboradores, a entrevista deverá ser realizada em um ambiente silencioso,
sem distrações e, preferencialmente, de forma privada. O pesquisador deve ter
sempre em mente que a qualidade da entrevista dependerá da relação estabelecida
entre ele o entrevistado. Assim, recomenda-se criar um ambiente de confiança
mútua18: “Essa cumplicidade pressupõe necessariamente que ambos reconheçam
suas diferenças e respeitem o outro enquanto portador de uma visão de mundo
diferente, dada por sua experiência de vida, sua formação e sua cultura específica”
(ALBERTI, 2012, p. 102). Isso não significa que o oralista deverá permanecer
calado, mas deve, em primeiro lugar, saber ouvir e, sempre que julgar necessário,
realizar intervenções (novos questionamentos ou trazer o colaborador novamente
ao tema da conversa, em caso de desvios não significativos).
2. Gravar a entrevista. No início da gravação, seja ela em áudio ou vídeo, o
pesquisador deverá registrar os detalhes da entrevista: nome do entrevistado, dia
e ano da sessão, local da entrevista, assunto e uma autorização verbal para o
registro da conversa. É importante lembrar que o roteiro é apenas um guia. Serve
para orientar, portanto, não deve ser concebido como um relatório de perguntas
prontas que devem ser sistematicamente respondidas. Além disso, durante a
entrevista o colaborador pode apresentar novas informações, de modo que surgem
questionamentos igualmente novos19. Em entrevistas temáticas as questões

17
É bastante comum nos trabalhos de história oral que a seleção dos entrevistados se dê por amostragem
em bola de neve. Isso significa dizer que o pesquisador deverá selecionar os primeiros colaboradores e os
próprios participantes, conhecendo o estudo e os critérios de inclusão, são convidados a indicar outros
sujeitos para contribuir com a pesquisa (DEWES, 2013).
18
Além da construção conjunta da fonte, é em referência a esta relação de diálogo e sinceridade que muitos
oralistas concebem os entrevistados como colaboradores.
19
Para a Oral History Association (2009, s/p, tradução nossa), bons entrevistadores “devem explorar
apropriadamente todas as áreas de investigação e não se dar por satisfeitos com respostas superficiais. Ao
costumam ser mais direcionadas. Já na história de vida, os estímulos à
rememoração são mais abertos20.
3. Observar a hora de terminar uma entrevista. No primeiro contato com os
colaboradores, na apresentação das etapas que compõem a pesquisa, é importante
estabelecer a duração aproximada da entrevista. Essa organização prévia deve
favorecer os participantes e estabelecer um limite aproximado de duração de cada
sessão, visando a qualidade do relato, uma vez que o cansaço pode alterar a
organização discursiva dos envolvidos. Em pesquisas temáticas, a maioria das
entrevistas são feitas em, no máximo, duas horas. Nas pesquisas que envolvem
histórias de vida são realizados diversos encontros – de aproximadamente duas
horas cada, que devem ser agendados com antecedência de acordo a
disponibilidade das pessoas. Em ambas as situações, se o entrevistado manifestar
o interesse em prosseguir, esse desejo deverá ser, sempre que possível, atendido.
Uma dúvida bastante frequente sobre o momento da entrevista diz respeito à
postura do entrevistador enquanto ouve as respostas dos colaboradores. O oralista deve
ter sempre em mente que não se trata de uma conversa. Trata-se da produção de um
documento histórico a partir da narrativa de um sujeito com uma experiência única em
relação ao fenômeno investigado. Portanto, é fundamental ouvi-lo falar. E enquanto ele
articula sua resposta, é preciso demonstrar interesse, dando-lhe atenção, entendendo o
que é dito, enfim, ouvindo de verdade o que ele tem a dizer 21. Tudo isso, sem perder de
vista a orientação teórica que vem conduzindo o desenvolvimento da pesquisa.
A pós-entrevista corresponde aos procedimentos que concluem a produção da
fonte. Nesta etapa o pesquisador deverá:
1. Transcrever a entrevista. Após realizar cópias de segurança do arquivo da
entrevista, o pesquisador deverá fazer a transcrição, que é a primeira versão escrita
do depoimento. É uma tarefa que demanda dedicação e tempo, pois cada minuto
de gravação leva, em média, 5 minutos para ser transcrito. Absolutamente tudo
deve ser transcrito – incluindo as perguntas – e, se por ventura, o transcritor tiver

mesmo tempo, devem incentivar os narradores a responder as questões em seu próprio estilo e linguagem,
refletindo suas preocupações”.
20
São exemplos de questionamentos mais amplos: “O senhor, como presidente do clube, poderia falar sobre
as atividades de lazer promovidas em 2014?” e “A senhora falou que, no seu tempo, as mulheres tinham
barreiras sociais para a prática de alguns esportes. Como era isso?”.
21
Alberti (2012, p. 115) recomendou a utilização de gestos e expressões para demonstrar aos entrevistados
que o pesquisador está interessado e acompanhando sua narrativa. A autora exemplificou: “afirmar com a
cabeça e usar expressões que evidenciam a apreensão do que está sendo dito (do tipo “hum, hum”, “é”,
“sei” etc.)”.
dificuldade em compreender algo ou houve uma interrupção, um telefonema, etc.,
deverá sinalizar o trecho explicitando o ocorrido entre colchetes. O caderno de
campo22, nesses casos, auxilia a lembrar de determinadas situações não
explicitadas no áudio, como uma pausa solicitada pelo entrevistado em razão de
informação confidencial e/ou de elementos da linguagem corporal constituintes
do relato23.
2. Conferir a transcrição. Na conferência deve ser realizada a leitura e a escuta do
áudio ao mesmo tempo. Nessa etapa devem ser corrigidos eventuais erros,
omissões ou acréscimos, bem como alterações para adequar a linguagem falada à
escrita, visando a posterior consulta do documento. Tanto a transcrição como a
conferência devem ser realizadas, sempre que possível, logo após a entrevista,
momento em que o encontro ainda é lembrado em detalhes. No caso de dúvidas,
é possível procurar o entrevistado para esclarecimentos, de nomes próprios por
exemplo. Em razão de informações imprecisas, “As dúvidas podem – e devem –
surgir com respeito à veracidade do que é dito por um entrevistado são as mesmas
que devem surgir na consulta de qualquer documento escritos, iconográfico etc.”
(ALBERTI, 2012, p. 194). A crítica, portanto, é fundamental.
3. Contatar os colaboradores. Com as entrevistas devidamente transcritas e
corrigidas, é hora de entrar em contato outra vez com os participantes, a fim de
entregar o documento para apreciação. Após a leitura, o entrevistado pode
solicitar a retirada de uma ou outra informação que julgue necessário, ou mesmo
retirar o consentimento. Assim que aprovado o conteúdo da transcrição 24, o
pesquisador deve solicitar a assinatura da cessão gratuita de direitos de
depoimento oral e, quando necessário, de compromisso ético de não identificação
do depoente25. Com esse documento o oralista fica autorizado a utilizar, divulgar
e publicar – para fins acadêmicos e culturais – o depoimento (na íntegra ou em
partes).

22
O mesmo princípio serve para as entrevistas em vídeos, com a vantagem de que tais expressões podem
ser resgatadas posteriormente e repensadas à luz de novas informações sobre o objeto investigado,
possibilitando outras interpretações.
23
Como exemplos é possível citar: “Eu tenho muita dificuldade em definir isso que você me pediu...
[silêncio] Mas acho que tem relação com (...)”, “A minha infância foi muito sofrida. [emoção] As
dificuldades eram grandes... E mamãe trabalhou duro para nos criar”.
24
Esse processo pode levar algum tempo e, em todo ele, o desejo dos entrevistados e os acordos
preestabelecidos antes mesmo do início das entrevistas devem ser respeitados.
25
Quando as informações prestadas podem, de alguma maneira, expor os participantes ou coloca-los em
risco, recomenda-se a adoção de pseudônimos.
O momento da transcrição suscita muitas dúvidas, especialmente sobre a tradução
da linguagem verbal ao texto escrito. Como a oralidade possui ritmo e forma de
organização própria, é comum nas entrevistas a contração de palavras, como “pra”, “né”,
“tá”, ou erros de concordância, especialmente quando a construção narrativa é extensa. A
recomendação nos casos em que a fala não está de acordo com a norma culta é realizar a
adequação, desde que tal ação não comprometa a contribuição do entrevistado. Todavia,
essa é uma decisão relacionada à área e ao tema da pesquisa, pois “se o seu projeto for
enfatizar muito, do ponto de vista linguístico, como as pessoas pronunciam as palavras, a
sua transcrição tem que ser a mais fiel ao fonema” (FREITAS; ARAÚJO; SALES, 2017,
p. 240).
Ao término dessas etapas a produção de fontes está, enfim, concluída. Assim, o
próximo passo ao pesquisador é analisar teoricamente as entrevistas em relação ao
fenômeno investigado. Nesse processo, é importante ter em mente que a história oral
estabelece e ordena procedimentos de trabalho, mas as respostas aos problemas da
pesquisa não irão emergir apenas com a realização das entrevistas. Para Amado e Ferreira
(2017, p. xvi), a história oral é capaz de “suscitar, jamais solucionar questões; formula
as perguntas, porém não pode oferecer respostas. As soluções e explicações devem ser
buscadas onde sempre estiveram: na boa e antiga teoria”. É na teoria (da história, da
filosofia, da sociologia, da psicanálise etc.) que estão agrupados os conceitos que
permitirão problematizar e produzir conhecimento a partir das entrevistas.
As fontes em história oral devem ser analisadas em relação às condições de sua
produção, pois, apesar da liberdade que o entrevistado tem na exposição de suas
experiências, a construção do relato é orientada pelas perguntas e estímulos do
entrevistador e da relação estabelecida entre os envolvidos. Ademais, os aspectos factuais
não são, necessariamente, os mais importantes – visto que, na maioria das vezes,
encontram-se disponíveis em outras fontes. Segundo Alberti, interessa à análise em
história oral observar a construção dos sentidos, as hesitações, repetições, emoções, uma
vez que “permite[m] que se apreendam os significados não diretamente ou
intencionalmente expressos” (ALBERTI, 2012, p. 24).
Os procedimentos para a análise de documentos produzidos por intermédio da
história oral têm caráter interdisciplinar e estão centrados na narrativa, uma vez que, ao
organizar o relato, os narradores transformaram suas experiências em linguagem,
“selecionando seus temas e organizando os acontecimentos de acordo com determinados
sentidos” (ALBERTI, 2010, p.171). Assim, as análises concentram-se nos núcleos de
sentidos (principais temas) emergidos nas entrevistas orais, que são comparados entre si,
tencionados em relação a outras fontes de informação e problematizadas teoricamente 26.

A produção de fontes nas áreas do esporte e do lazer


A história oral, por vezes, é desconsiderada pelos pesquisadores das Ciência
Sociais, dado o seu rigor metodológico e ético. Além disso, as lógicas que regem a
produção acadêmica têm pressionado professores e estudantes no sentido de apresentarem
resultados em prazos cada vez mais exíguos. Com isso, metodologias que envolvem um
tempo de produção mais elevado têm sido preteridas. Todavia, é importante encontrar
alternativas às fontes já disponíveis, tornando possível o estudo de temas inéditos ou
marginais, sufocados pela história oficial (FERREIRA, 1998, p. 04). A esse respeito
Alberti (2012, p. 15) escreveu: “a contribuição da história oral é sempre maior naquelas
áreas pouco estudadas da vida social, em que predominam zonas de obscuridade, seja no
estudo das elites seja nas grandes massas”. Nesse sentido, a realização de pesquisas em
história oral nas áreas do esporte e lazer podem contribuir para novas formas de
interpretar esses fenômenos, levando em consideração as experiências de atores
significativos, como é o caso das pesquisas abaixo relacionadas.
Hollanda, no artigo Futebol, memória e relatos orais: a trajetória de ex-jogadores
da Seleção Brasileira e as narrativas memorialísticas das Copas do Mundo FIFA, entre
1954 e 1982, que apresentou resultados de um projeto para a constituição de um acervo
documental para o Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), afirmou a
importância da metodologia em questão: “a história oral possibilita a criação de um
corpus documental e vai ao encontro da constituição de um subcampo científico – a
história, a antropologia e a sociologia dos esportes” (HOLLANDA, 2017, p. 102).
A produção de fontes ocorreu por intermédio de 54 entrevistas com ex-jogadores
que representaram o Brasil em Copas do Mundo. Sobre a modalidade de entrevista,
Holanda justificou sua opção em relação a história de vida: ela permite analisar elementos
da trajetória individual de cada participante, ao mesmo tempo em que oportuniza uma
visão de conjunto acerca do campeonato em questão; além disso, “possibilita entender os
acontecimentos e as conjunturas daquele evento quadrienal à luz das versões e das
experiências particulares dos atletas” (HOLANDA, 2017, p. 104). Todavia, é interessante

26
Para Alberti (2011, p. 185, “Esse modo de interpretar pode ser adotado na análise de qualquer tipo de
fonte e não se afasta muito da lógica do círculo hermenêutico: o todo fornece sentido às partes, e vice-
versa”.
notar a necessária articulação da metodologia às especificidades de cada projeto, já que
não existe uma forma de antever os desafios em campo.
Hollanda (2017, p. 107) comentou acerca da dificuldade da realização de histórias
de vida com os ex-jogadores: “Por mais que as finalidades da pesquisa fossem
explicitadas aos atletas, muitos ainda associavam a gravação de sua fala à de uma edição
destinada para uma emissora de televisão ou para um jornal impresso” e, por essa razão,
os entrevistados abreviavam passagens consideradas importantes aos oralistas, como
aspectos da infância, relações com a família etc. As entrevistas de vida, que possuem
aproximadamente 10 horas de duração, foram concluídas com a média de duas horas de
gravação.
Em relação às demais escolhas e procedimentos metodológicos, como o recorte
temporal e das pessoas a serem entrevistadas, o autor os apresentou em detalhes27,
evidenciando um dos cuidados que os pesquisadores em história oral devem ter: o de
elucidar todas as etapas da pesquisa, justificando com embasamento suas escolhas, e
evitando, assim, a recorrente crítica em relação à subjetividade desta metodologia.
Entre as diversas considerações de Hollanda acerca dos relatos dos ex-jogadores
sobre as Copas do Mundo de Futebol entre 1954 e 1982, destaca-se para os propósitos
dessa sessão a seguinte afirmação: tais entrevistas permitiram ponderar aspectos mais
amplos e forneceram “subsídios documentais para que se pudesse articular, em uma
perspectiva crítica e diacrônica, a memória esportiva à memória coletiva e à história
política do país durante os últimos oitenta anos” (HOLLANDA, 2017, p. 121) –
evidenciando a diversidade de pesquisas possíveis a partir de um conjunto de entrevistas.
Além do futebol e de outras modalidades de esporte, as diversas esferas do lazer
podem ser estudadas a partir da produção de fontes por intermédio da história oral. É o
caso de Coelho e Sossai (2014, p. 36), que buscaram “compreender os sentidos atribuídos
ao lazer nos processos de identificação cultural e de pertencimento urbano” no artigo
História oral, cidade e lazer no tempo presente. Nesse trabalho os autores articularam
fontes periódicas com as fontes orais produzidas em colaboração com idosos, estudando
as práticas de lazer passadas e presentes em uma cidade média de Santa Catarina.
Esse artigo realiza uma discussão importante acerca da história oral, que por vezes
é compreendida erroneamente como uma metodologia exclusiva para do estudo do

27
O pesquisador utilizou os padrões preexistentes do Centro de Pesquisa e Documentação em História
(CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas. Para saber mais acerca dos procedimentos adotados pelo CPDOC,
consultar: ALBERTI (2005).
passado. Os autores dedicaram uma sessão do trabalho para realizar aproximações entre
a história oral e a história do tempo presente, afirmando a metodologia para investigações
de temáticas contemporâneas. Para Coelho e Sossai, o tempo presente é o tempo da
experiência vivida e, por essa razão, as testemunhas estão ali no momento dos fatos. Nesse
sentido, a história oral privilegia, quando do estudo do tempo presente, a desconstrução
de determinados fatos históricos e sociológicos.
Nesse trabalho em específico, a história oral foi empregada como “base
operatória” aos propósitos de pesquisa: como dimensão e elemento procedimental que
“torna possível à história do tempo presente alcançar excertos de passado; como meio de
produção de fragmentos sobre o presente no e com o qual interagimos; como tática de
registro de experiências de ser e estar no tempo” (COELHO; SOSSAI, 2014, p. 16). As
fontes foram produzidas a partir de relatos de idosos e a entrevista contemplou as
subjetividades, os modos de conceber o bairro e a cidade e os sentimentos de
pertencimento dos colaboradores.
Um recurso que tem sido mais frequentemente utilizado na história oral também
foi empregado nessa pesquisa: o uso de materiais que contribuam o processo de
organização discursiva. Nessa pesquisa, as narrativas produzidas pelos moradores do
bairro partiram de “evidências sobre acontecimentos referenciados em discursos da
imprensa e de órgãos oficiais” (COELHO, SOSSAI, 2014, p. 32). Ao investigar a
perspectiva dos idosos residentes do bairro em questão, os pesquisadores observaram que
o discurso oficial é dissonante daqueles que experienciam o lugar, colocando em xeque
explicações genéricas do poder público sobre a utilização dos espaços de lazer em áreas
periféricas.
Por fim, entre as possibilidades não hipotetizadas pelos autores, os achados
demonstraram que os moradores conhecem os equipamentos de lazer do bairro apenas de
passagem, mas isso também não significa que as pessoas não se articulem para promover
divertimentos. A novidade possibilitada pela a história oral, nesse caso, veio das senhoras,
que organizaram um “sorteiozinho” (análogo ao bingo), evidenciando que a sociabilidade
tem um importante papel na organização de atividade de lazer comunitário.
Essas duas pesquisas são apenas exemplos das possibilidades de investigação nas
áreas do esporte e do lazer a partir da produção de fontes com recurso à história oral.
Existem outras tantas que podem contribuir para tornar as orientações da história oral
mais palpáveis. Observar as escolhas metodológicas de outros pesquisadores auxilia na
construção de estratégias próprias, ajustada às especificidades do seu problema de
pesquisa. Como foi possível observar com a descrição sumária desses artigos, cada
trabalho que utiliza a história oral guarda sua singularidade, e todos eles permitem pontos
de vista inéditos.

Considerações finais
A história oral é um método para a produção de fontes, que privilegia a realização
de entrevistas com sujeitos significativos em relação ao fenômeno investigado. Sua
especificidade está na valorização dos aspectos subjetivos daqueles que participaram ou
testemunharam determinados acontecimentos ou conjunturas e sua principal contribuição
está na possibilidade de renovação temática, uma vez que oportuniza o estudo de
fenômenos ainda não documentados, como formas de lazer operário, o efeito catártico
das séries de TV, o protagonismo das mães de jogadores, estigma e preconceito de gênero
em determinado setor esportivo, representações sociais de jovens atletas sobre sua
carreira e futuro, as relações de poder em um time de futebol amador, o protagonismo
negro no esporte e o lazer de indígenas, para citar alguns exemplos.
Nesse sentido, entende-se a importância da história oral como metodologia para a
produção de fontes em áreas como o esporte e o lazer, pois possibilita a problematização
de aspectos sociais que de outra maneira estariam à margem da “história”. Seu rigor
metodológico e ético não deve ser compreendido como empecilho para a produção do
conhecimento, mas como elemento fundamental para uma pesquisa comprometida em
visibilizar problemas que ainda estão à margem das produções nas Ciências Sociais.
Por fim, fica a recomendação aos futuros oralistas: “aprende-se melhor a história
oral experimentando-a, praticando-a sistemática e criticamente; mantendo a disposição
de voltar atrás reflexivamente sobre os passos percorridos, com a finalidade de melhorar
cada vez mais o nosso desempenho” (LOZANO, 2017, p. 25).

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