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Ética da Esperança de Jürgen

Moltmann [Resenha]
Ethics of Hope by Jürgen Moltmann [Book Review]

Ética de la esperanza de Jürgen Moltmann [Reseña]


Helmut Renders
Resumo
Resenha do livro: Jürgen Moltmann. Ética da Esperança. Tradução de Vilmar
Schneider. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012.

Abstract
Book review of: Jürgen Moltmann. Ética da Esperança. Tradução de Vilmar
Schneider. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012.

Resumen
Reseña del libro: Jürgen Moltmann. Ética da Esperança. Tradução de Vilmar
Schneider. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012.

No conjunto da obra de Moltmann, “Ética da Esperança” (2010


[em alemão]) pode ser vista de duas formas. Primeiramente, ela ainda
faltava no ciclo das monografias teológico-sistemáticas deste autor que
são, em ordem cronológica:

• Prolegômenos: Teologia da Esperança (1964)


• Antropologia: A alegria de ser livre (1970). [literalmente: Os
primeiros libertos da criação]
• Antropologia: O ser humano: antropologia cristã nos conflitos
contemporâneos. (1971) – sem tradução para o português;
• Método teológico: O Deus crucificado: a cruz de Cristo como
fundamento e crítica da teologia cristã (1972);
• Eclesiologia: Igreja na força do Espírito: uma contribuição para
uma eclesiologia messiânica (1975);
• Antropologia: Quem é o ser humano? (1975);
• Ética: Dignidade humana, justiça e liberdade (1979);
• Experiências de Deus: esperança, medo e mística (1979);
• Doutrina da trindade: Trindade e Reino de Deus: em relação à
doutrina de Deus (1980);
• Ética: Diaconia no horizonte do reino de Deus: passos para uma
atitude diaconal1 de todos os crentes (1984);
1
“Diakonentum aller Gläubigen” ecoa “Priestertum aller Gläubigen” (sacerdócio universal). A
expressão ganha sua importância pelas circunstâncias da criação do livro. Em 1984, o
ano da diaconia na Alemanha, Moltmann destacou uma diaconia não predominantemente
institucional, mas atitudicional de cada pessoa no cotidiano.

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• Ética: Teologia política, ética política (1984).
• Doutrina da criação: Deus na criação: uma doutrina da criação
ecológica (1985);
• Cristologia: O caminho de Jesus Cristo: cristologia em dimen-
sões messiânicas (1989);
• Pneumatologia: Espírito da vida: uma pneumatologia integral (1991);
• Escatologia: A chegada de Deus: escatologia cristã (1995);
• Ética: Ética da esperança.

Quinze anos depois da escatologia, a ética fecha um ciclo, iniciado


há 46 anos, com a obra Teologia da esperança. De certo modo, parece
retomar temas anteriores à sua ênfase na teologia trinitária (MOLT-
MANN, 1980), na criação (MOLTMANN, 1985), na cristologia (1989) e
na pneumatologia (1991). Considerando ainda as duas obras de 1984,
uma pouco conhecida sobre a diaconia (Cf. RENDERS, 2008, p. 53-66)
e a outra não traduzida sobre a ética política, poderíamos também dizer
que os temas da ética estão permanentemente presentes em Moltmann,
tanto na primeira fase da sua obra, como nos momentos central e final.
Isso acompanha a tendência do autor de não apresentar, seja qual for o
assunto, uma teologia especulativa, mas aquela que leia a vida e a sirva.

Organização
O livro é organizado em cinco capítulos: (1) Escatologia é ética (p. 15);
(2) Uma ética da vida (p. 59); (3) A ética da terra (p. 132); (4) A ética da
paz justa (p. 195 ); (5) A alegria em Deus – contrapontos estéticos (p. 271).
No primeiro capítulo, o autor parte de perguntas existenciais (o
agir livre, o fazer necessário, esperar e apressar) para depois discutir,
basicamente, contribuições luteranas e calvinistas, sob consideração de
perspectivas “anabatistas”. Este primeiro capítulo fecha como a proposta
de uma escatologia transformadora, base da sua ética da esperança.
No segundo capítulo, o autor propõe uma cultura da vida que se opõe
aos sinais de culturas da morte. Este tema é recorrente em Moltmann
desde a sua análise do nacional-socialismo. Desta vez, o autor explicita
seu ponto pelos temas do terrorismo e da indústria nuclear. Com bases
nos sinóticos, em Paulo e João, Moltmann desenha uma mentalidade
que se opõe ao império, suas lógicas sacrificais e de negação da vida.
Na segunda parte desse capítulo, o autor trata de questões da ética da
medicina, com focos no início e no fim do ciclo humano de vida. Essas
profundas reflexões irão ajudar muitas pessoas a trilhar seus caminhos
em áreas tão conflitantes.
O terceiro capítulo responde aos temas ecológicos. Novamente, o
autor introduz uma fundamentação bíblica, sem ignorar a contribuição

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de Lovelock (modelo da gaia). Depois, abre uma conversa com a teoria
da evolução – especialmente, para desconstruir modelos como o do
social-darwinismo. Segue um subcapítulo sobre a ecologia no sentido
mais específico que finaliza com uma problematização do modelo da
ecologia profunda. Na última parte, conduz a discussão para a questão
de um “estilo de vida alternativo” ou a importância do tema do homo
sustentabilis.
O quarto capítulo volta, de certo modo, a um tema do primeiro
quando discute o monopólio da violência no estado moderno e o direito à
resistência (V.§3). O enfoque é, desta vez, a questão política, mas a dis-
tinção entre justiça distributiva e justificativa – não imputativa – é também
relevante nas questões que envolvem o sujeito. No quarto parágrafo, o
autor discute a relação entre controle e confiança – em conversa com o
famoso ditado de Lenin – e termina (§5) com uma ampla reflexão sobre
direitos humanos e cidadãos. Esta parte, lamentavelmente, não contém
um aprofundamento bíblico.
O quinto capítulo volta ao tema da esperança e apresenta-o sob um
ângulo trinitário. Aqui, não foca no projeto da antecipação do reino na
ação, mas no efeito da dimensão trinitária sobre a vida da comunidade
da fé como fundamento da sua caminhada. O shabbat: a celebração da
criação (p. 273); O júbilo da ressurreição de Cristo (p. 277); “É paz em
meio ao conflito” (p. 281). As ênfases aqui correspondem àquelas dos
capítulos dois a quatro, mas invertem a ordem dos dois primeiros, pro-
vavelmente, pela sequência trinitária mesmo.

A contribuição desta obra


Primeiro, chama atenção por não se tratar de uma ética predominante
deontológica (apesar de não ignorar o assunto [p. 16: “O que devo temer?
O que devo fazer?”]). Diferentemente, o texto bíblico é introduzido nos
capítulos dois a quatro como horizonte de esperança em relação à vida, à
terra e à convivência. Podemos dizer que o teólogo Moltmann não segue
a tentação clássica da teologia calvinista de enfatizar o compromisso da
fé, mas constrói seu discurso a partir do “Evangelho” e da “Esperança”
como base e horizonte. Em tudo transparece nesta obra o bonhoefferia-
no “resistir e se entregar”, e isso já desde o início do livro (“Esperar e
apressar”, p. 20), como atitude que assume a sua responsabilidade sem
se desesperar com o caráter prolixo e lento de processos sociais.
Segundo, os capítulos 2 a 4 representam um convite de responder às
três ameaças da vida atualmente mais evidentes e globalmente relevantes
com os recursos da esperança cristã. Apesar da visão ampla, seguem-se
sempre ponderações concretas, como é o caso nas escolhas da ética da
medicina, do estilo de vida e da promoção de uma cultura justa e, por

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causa disso, confiável. O foco não é o problema, mas seu enfrentamento,
inclusive não somente institucional, mas pessoal.
Terceiro, como sempre nas obras de Moltmann, encontram-se mui-
tos detalhes riquíssimos, como, por exemplo, a sua reflexão sobre a
existência de vida humana inteligente a partir dos princípios “antrópico
forte” e “antrópico fraco” (p. 66). O autor responde com a constatação
de que se trata de uma pergunta e uma resposta da fé e que o universo
ou a natureza em si certamente não providenciarão um sentido da vida.
De certo modo, é isso para Moltmann a principal razão da existência de
uma ética cristã: articular esperança em um mundo ao qual não se sabe
dar seu sentido último e, por causa disso, não se sabe valorizar a vida,
tanto do ser humano como da criação. Já a esperança cristã é o ingre-
diente principal para alimentar os processos da transformação (I.§4.3)
com alegria (5§1-3).
Moltmann não defende e idealiza a preservação de uma suposta
ordem cristã e jamais um “retorno” para o modelo da cristandade à qual
todo mundo deve se submeter. Ele apresenta uma visão de outro mundo
possível, porém ainda não visto (nem na época da cristandade), mas
baseado nas grandes promessas bíblicas. A ética da esperança contribui
para que cada cristão e cristã, comunidade e igreja, sejam “sempre pre-
parados para responder com mansidão e temor a qualquer que pedir a
razão da esperança que há neles”.

Temas não abordados


Na página 12, o autor explica duas ausências: uma reflexão especí-
fica sobre a doutrina social católica e sobre uma ética da economia (que,
junto à questão da terra e da justiça, teria fechado o conjunto de uma
ética da sustentabilidade). Para o contexto mundial – talvez menos alemão
– uma discussão da ética em consequência da escatologia dispensacio-
nalista faz também falta (2Ts 2.7-8 ,“O katechon apocalítico”, p.26s e Ap
16.14.16, “O Hermagedon”, p. 30s, são tratados como temas do luteranis-
mo alemão e calvinismo anglo-saxão). A ética católica e aquela resultante
da escatologia dispensacionalista caberiam bem no primeiro capítulo. Já
a ética econômica, o autor menciona como direito humano econômico
em relação aos direitos ecológicos da natureza (p. 260). Outras questões
de grande impacto, como as de gênero, de etnia e de orientação sexual
não receberam atenção. Aqui transparece, provavelmente, o contexto
europeu do autor e sua tendência a responder essas questões de uma
forma menos conflitante e mais a partir dos interesses do estado laico.

Quanto à tradução e à editoração


O livro foi bem traduzido e contém somente uma decisão de tradução
que, segundo o meu ver, é um caso limite. No primeiro capítulo, no pa-

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rágrafo 3 e seus subcapítulos 2 a 4 traduz-se “Täufer” por “batistas“. Na
academia alemã, estabeleceu-se “Täufer” para substituir o discriminatório
“Anabatistas”, reservado ao movimento na época da reforma protestante.
O tradutor, aparentemente ciente desse problema, colocou simplesmente
“batistas”. Esta escolha de tradução merecia uma nota explicativa, além
da possível confusão criada na cabeça do/a leitor/a brasileiro/a, levado
a identificar os batistas em geral e os batistas brasileiros em especial
com os movimentos dos séculos 15 e 16, o que, historicamente, seria
totalmente errado.
Apesar de ser uma editora católica cujo grupo alvo, os religiosos,
passa por um momento de uma nova apreciação institucional do latim em
estudo e culto, algumas citações em latim como “Deus non est otiosus”
(“Deus não é ocioso” ou “desocupado”) poderiam ser não somente tradu-
zidas (como é o caso, por exemplo, na p. 27), mas até explicadas. Assim,
a tradução teria se destacado até em comparação ao original.
Não entendemos a forma de diagramação escolhida tanto para o su-
mário como para os índices de nomes e de versículos bíblicos. Na página
7, encontramos um sumário minúsculo contendo somente os capítulos;
nas páginas 307-313 (!) o mesmo de forma completa, dessa vez, chamado
“Índice Geral”. Primeiro, deveria o sumário conter, no mínimo, os subtítulos
do primeiro nível (no texto, marcados como “§...”). Segundo, as longas
listas com espaços generosos entre as linhas não favorecem a leitura e
impedem uma rápida orientação no índice geral e nos índices remissivos.
Isso, porém, são detalhes que não conseguem diminuir a qualidade
geral do texto e da editoração.

Referências bibliográficas
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Gegenwart. Berlin: Kreuz. Verlag, 1971.
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MOLTMANN, Jürgen. Ethik der Hoffnung. Gütersloher: Gütersloher Verlagshaus,
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de uma contribuição moltmanniana no ano do centenário do credo social”. In:
Caminhando, vol. 13, n. 2, p. 53-66 (jul./dez. 2008). Dipsonível em: < https://
www.metodista.br/revistas/ revistas-ims/index.php/CA/article/view/1046/1083 >.
Acesso em: 20 out. 2012.

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