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Parlamento e tratados: o modelo

constitucional do Brasil

Francisco Rezek

Sumário
I – Sistemas de partilha do poder convenci-
onal. 1. O modelo francês. O Império do Brasil,
o Peru e a Venezuela. 2. O Reino Unido. 3. Os
Estados Unidos da América. II – O poder con-
vencional no Brasil Republicano. 1. A polêmi-
ca Accioly – Valladão sobre os acordos executi-
vos no Brasil. 2. O regime constitucional de
1988. 3. Constituição e acordos executivos: juí-
zo de compatibilidade. 4. Procedimento parla-
mentar. III – O conflito entre tratado e norma
de produção interna. 1. Prevalência dos trata-
dos sobre o direito interno infraconstitucional.
2. Paridade entre o tratado e a lei nacional. 3.
Situações particulares em direito brasileiro atual.

É da responsabilidade do poder Execu-


tivo, mesmo nas grandes democracias par-
lamentares, a dinâmica das relações inter-
nacionais. Notadamente o comprometimen-
to externo formal, a expressão do consenti-
mento do Estado em relação aos tratados, é
algo que se materializa sempre num ato de
As primeiras lembranças, das muitas que governo – a assinatura, a ratificação, a ade-
me ficaram dela, são de Paris, onde ela vivia são. Mas é próprio das democracias, ainda
no Foyer International des Etudiantes, Boulevard que sob o sistema de governo presidencia-
Saint Michel, naquele ano alucinante de 1968. lista, que os pressupostos do consentimen-
Para mim, que chegava à Universidade, ela, já to, ditados pelo direito interno, tenham nor-
num ponto avançado de seu doutorado, era a malmente a forma da consulta ao poder Le-
palavra segura e o conselho prudente. Ana gislativo. Sempre que o Executivo depende,
Maria era, ao alcance permanente dos olhos, a para comprometer externamente o Estado,
imagem criada um dia por nosso poeta maior:
de algo mais que sua própria vontade, isso
o próprio espírito de Minas, lançando sobre as
incertezas de meu exílio o claro raio ordenador. vem a ser em regra a aprovação parlamen-
O mesmo que desde então, e até que ela nos tar. O modelo suíço, em que o referendo po-
fosse tirada à traição pelo destino, projetaria, pular precondiciona em caráter permanen-
sobre tantos, tanta luz. te a conclusão de certos tratados, configura
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uma exceção, assim como excepcionais têm Não há, assim, sob o aspecto qualitati-
sido os episódios avulsos de consulta ao elei-vo, diferença entre o modelo francês – her-
torado quando se cuida, como na Europa dado pela Constituição de 1958 às linhas
dos últimos anos, de integrar determinado gerais de suas predecessoras de 1946 e 1875
país a um processo comunitário de grande – e o que prevaleceu no Império do Brasil,
desenvoltura e de notáveis conseqüências. sob a Constituição de 25 de março de 1824.
O estudo dos pressupostos constitucio- Separa-os um fator puramente quantitativo,
nais do consentimento é, fundamentalmen- vez que neste último caso a aprovação da
te, o estudo da partilha do treaty-making po- Assembléia-Geral impunha-se apenas
wer entre os dois poderes políticos – Legis- quando o tratado envolvesse cessão ou tro-
lativo e Executivo – em determinada ordem ca de território imperial – “ou de posses-
jurídica estatal. Melhor proveito dará a aná- sões a que o Império tenha direito” –, e des-
lise do caso brasileiro se precedida, ainda de que celebrado em tempo de paz3.
que em molde sumário, pela consideração Com a mesma tônica distintiva ratione
de alguns outros sistemas nacionais. materiae, mas sem especificações temáticas
precisas, a Constituição peruana de 1979,
I – Sistemas de partilha do depois de estabelecer que os tratados têm
poder convencional como pressuposto de ratificação o abono do
Congresso, ressalva que o Presidente da
Deixam-se de lado os modelos nacionais República pode celebrá-los por si mesmo,
em que, de direito ou de fato, não há parti- devendo apenas informar imediatamente o
lha, entre governo e parlamento, do poder Legislativo, quando versem “matérias de
de comprometer o Estado no plano interna- sua exclusiva competência”4.
cional1. Em tais casos, hoje muito raros, não A Constituição venezuelana de 1961 re-
se pode falar, a rigor, em pressupostos cons- clama a aprovação legislativa dos tratados,
titucionais do consentimento, visto que excetuados aqueles que importam execução
nada o precondiciona senão a vontade da- ou continuidade de obrigações internacio-
quele mesmo poder que o exprime. No cená- nais preexistentes, desempenho de atos or-
rio restante, abordam-se, em razão de sua dinários em relações internacionais, exercí-
excelência didática, três modelos: o francês, cio de poderes que a lei expressamente con-
o britânico e o norte-americano. fere ao poder Executivo e, por último, apli-
cação de princípios expressamente reconhe-
1. O modelo francês. O Império do cidos pela república5.
Brasil, o Peru e a Venezuela
No modelo francês, a aprovação parla- 2. O Reino Unido
mentar constitui pressuposto da confirma- A originalidade do modelo britânico,
ção de alguns tratados que a Constituição construído sob o pálio de uma constituição
menciona, no seu artigo 53. São eles os tra- costumeira, está no modo de enfocar a ma-
tados de paz, os de comércio, os relativos à téria. Ali, como nos sistemas até agora vis-
organização internacional, os que afetam as tos, alguns tratados não prescindem do be-
finanças do Estado, os que modificam dis- neplácito parlamentar. Não se pretende,
posições legislativas vigentes, os relativos contudo, que seja esse um requisito de vali-
ao estado das pessoas e os que implicam dade da ação exterior do governo, mas um
cessão, permuta ou anexação de território. elemento necessário à implementação do
Cuida-se, pois, de um sistema inspirado na pacto no domínio espacial da ordem jurídi-
idéia do controle parlamentar dos tratados ca britânica. O governo é livre para levar a
de maior importância, à luz do critério sele- negociação de tratados até a fase última da
tivo que o próprio constituinte assumiu2. expressão do consentimento definitivo, mas

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não deve deslembrar-se da sua inabilidade A Corte de Apelação derrubou essa sen-
constitucional para alterar as leis vigentes tença, por entender que o direito internacio-
nal costumeiro garantia ao barco real privi-
no reino, ou para, de qualquer modo, onerar légio não inferior ao das naus de guerra.
seus súditos ou reduzir-lhes os direitos, sem Não desautorizou, porém, a assertiva de
que um ato do parlamento para isso concorra. Phillimore sobre a inidoneidade do tratado,
Esse, pois, o toque peculiar ao modelo nos termos em que formulada. O caso do
britânico. O mais singelo e estereotipado Parlement Belge é citado até hoje como ilus-
tração das limitações do Executivo britâni-
pacto bilateral de extradição reclama, para co no trato internacional7.
ser eficaz, o ato parlamentar convalidante,
porque não se concebe que uma pessoa, vi- 3. Os Estados Unidos da América
vendo no real território, seja turbada em sua
paz doméstica, e mandada à força para o A Constituição americana de 1787 ga-
exterior, à base de um compromisso estrita- rantiu ao Presidente dos Estados Unidos o
mente governamental. Concebe-se, porém, poder de celebrar tratados, com o consenti-
que tratados da mais transcendente impor- mento do Senado, expresso pela voz de dois
tância política sejam concluídos pela exclu- terços dos senadores presentes 8. Bem cedo,
siva autoridade do governo, desde que pos- porém, uma interpretação restritiva da pa-
sa este executá-los sem onerar os contribu- lavra inglesa treaties fez com que se estimas-
intes nem molestar, de algum modo, os ci- se que nem todos os compromissos interna-
dadãos. À margem da colaboração do par- cionais possuem aquela qualidade. Além
lamento pode o governo britânico, dessarte, dos tratados, somente possíveis com o abo-
adquirir território mediante compromisso no senatorial, entendeu-se que negociações
político; e só não pode ceder território ante a internacionais podiam conduzir a acordos
presunção de que, com esse gesto, estará ou ajustes, os ali chamados agreements, para
destituindo da proteção real os súditos ali cuja conclusão parecia razoável que o Pre-
instalados 6. sidente prescindisse do assentimento par-
lamentar. A prática dos acordos executivos
O Parlement Belge, embarcação civil de começa no governo de George Washington,
uso do soberano belga, colidiu em 1879, em
águas territoriais inglesas, com um barco e ao cabo de dois séculos ostenta impressio-
privado pertencente a súdito local, que de nante dimensão quantitativa. A Corte Supre-
pronto ajuizou no Tribunal do Almiranta- ma norte-americana, levada por mais de uma
do um pedido de ressarcimento, envolven- vez ao exame da sanidade constitucional des-
do a apreensão da nave. Em preliminar, o ses acordos, houve por bem convalidá-los.
governo belga sustentou a inviolabilidade
daquela embarcação pública civil, não di- Na realidade, em dois casos análogos,
versa da que cobria os navios de guerra, U. S. v. Belmont (1937) e U. S. v. Pink (1942),
fosse à vista do direito internacional costu- a Corte Suprema enfrentou de modo curio-
meiro, fosse em razão do tratado bilateral so a pretensão de particulares, do setor ban-
belgo-britânico de 1876, que estendia às cário nova-iorquino, que contestavam a va-
naves do gênero aquele privilégio. lidade do Acordo Litvinov – um acordo exe-
Robert Phillimore, juiz, na época, do Tri- cutivo entre o presidente Franklin Roosevelt
bunal do Almirantado, negou, primeiro, que e o ministro soviético daquele nome, em que
a inviolabilidade geralmente reconhecida se determinava a devolução, à fazenda pú-
pelo direito internacional comum fosse além blica soviética, de somas depositadas em
dos navios de guerra. Em seguida recusou bancos de Nova York por súditos russos,
qualquer préstimo ao tratado de 1876 para antes da revolução de 1917, e não reclama-
estabelecer a extensão do privilégio, eis que das mais tarde pelos depositantes priva-
não podia o governo, sem apoio num ato dos. Chamando em seu socorro as leis e a
do parlamento, pactuar com potência es- ordem pública do estado de Nova York,
trangeira de modo a reduzir os direitos de Belmont, e mais tarde Pink, afirmou não
um súdito local, entre os quais o de obter vislumbrar no acordo executivo o vigor ju-
satisfação judiciária. rídico bastante para neutralizar a proteção
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garantida por aqueles padrões de conduta II – O poder convencional no
a depósitos bancários particulares.
A Corte Suprema confirmou a valida-
Brasil Republicano
de do acordo executivo, sempre à luz da Mais de um século depois de lavrada a
idéia de que só para treaties – não para agre- Constituição dos Estados Unidos, e perfei-
ements – a Carta federal reclama o endosso
de dois terços do Senado. Em seguida – e
tamente cônscio de todos os seus dispositi-
nesse ponto reside a curiosidade, por apa- vos, e da respectiva experimentação cente-
rente contradição, de tal jurisprudência –, nária, entendeu o constituinte brasileiro da
afirmou a Corte a prevalência do acordo primeira República de dispor sobre o poder
Litvinov sobre as leis e a ordem pública do convencional nestes termos:
estado de Nova York, dando-lhe assim a
estatura hierárquica que a mesma carta, no “Compete privativamente ao Congres-
artigo VI, atribui aos treaties: a de “lei su- so Nacional:
prema do país” – o que traduz a virtude de (...)
prevalecer sobre a ordem jurídica dos esta- 12 o – resolver definitivamente sobre os
dos federados9. tratados e convenções com as nações es-
trangeiras;
(...)
Embora cresçam em números absolutos,
Compete privativamente ao Presidente
os acordos executivos do governo america- da República:
no têm revelado o exercício de uma prerro- (...)
gativa menos ampla do que se costuma su- 16 o – entabolar negociações internacio-
por. Não há indício da pretensão de que es- nais, celebrar ajustes, convenções e trata-
dos, sempre ad referendum do Congresso;”12
ses compromissos possam escapar ao âm-
bito de três categorias geralmente reconheci- A redundância terminológica – ajustes,
das: aqueles que se apóiam em diretrizes ou convenções, tratados –, alvo constante da
autorização prévia do Congresso; aqueles crítica doutrinária, persiste até hoje na lei
que só se executam mediante autorização fundamental brasileira, com um mínimo de
posterior do próprio Congresso; e aqueles variedade. Ali viu Carlos Maximiliano a in-
que derivam dos estritos poderes constitu- tenção de compreender, pela superabun-
cionais do Executivo. O’Connell estabelece dância nominal, todas as formas possíveis
um rol exemplificativo de cada uma dessas de comprometimento exterior13. O estudo da
três categorias, em que se vê que os acordos gênese das constituições brasileiras, a par-
da terceira – seguramente a mais discutível tir da fundação da República, não permite
– são os menos numerosos. Seus temas, en- dúvida a respeito da correção dessa tese.
tendidos como afetos à “estrita competên- Desprezado tal critério hermenêutico, e à luz
cia governamental”, incluem armistício, única da linguagem do dispositivo, poder-
ocupação militar de território estrangeiro, se-ia, entretanto, chegar à conclusão opos-
jurisdição sobre crimes militares, tratamen- ta. Afonso Arinos atentou para esse risco e
to de súditos americanos no exterior e pro- o deplorou em sua obra de 1957:
cessualística de registro de tratados 10. “A Constituição brasileira, ao falar em
Do ponto de vista processual, é conveni- tratados e convenções internacionais, em-
ente destacar que o modelo norte-america- pregou duas palavras para exprimir o mes-
no poucos seguidores teve no tocante à en- mo objeto jurídico, o que é de má técnica
constitucional. O que é mais grave, porém,
trega ao Senado – não às duas casas do Con- é que não ficaria excluída a hipótese de se
gresso – da competência para aprovar tra- entender que outros atos internacionais que
tados. O México adota, tradicionalmente, não viessem rotulados como convenções ou
esse sistema 11, bem assim as Filipinas e a tratados ficariam dispensados da fiscali-
zação do Legislativo” 14.
Libéria. Adotou-o também o Equador en-
quanto teve um Congresso bicameral – vale É notório que os grandes comentaristas
dizer, até 1970. da Constituição da primeira República –

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entre eles, destacadamente, João Barbalho e Exteriores e a Embaixada da França no Rio
Clóvis Bevilaqua15 – sustentaram a inviabi- de Janeiro.
(...)
lidade do comprometimento externo por A dúvida (...) concerne à necessidade
obra exclusiva do governo, em qualquer de aprovação do referido acordo pelo Con-
caso. A Constituição de 1934 foi, porém, gresso Nacional.
motivo de algum debate a respeito, ante uma É lição que vem de Clóvis Bevilaqua: ‘É
alteração redacional presente nos disposi- a ratificação que torna o tratado obrigató-
rio. No Brasil, compete a ratificação ao Pre-
tivos que regem a matéria: sidente da República, depois que o Con-
“É da competência exclusiva do Poder gresso aprove o tratado’(Direito Público In-
Legislativo: ternacional, § 168, T. II, 2 a ed., 1939, p. 17).
a) resolver definitivamente sobre trata- (...)
dos e convenções com as nações estrangei- A primeira interpretação, logo após a
ras, celebrados pelo Presidente da Repúbli- promulgação da Carta Magna de 24 de fe-
ca, inclusive os relativos à paz; vereiro de 1891, dada, ainda, pelos antigos
(...) constituintes, vamos encontrar na Lei no 23,
Compete privativamente ao Presidente de 30 de outubro de 1891, que reorganizou
da República: os serviços da administração federal, e ain-
(...) da em vigor no que não foi expressamente
6 o – celebrar convenções e tratados in- revogada.
ternacionais ad referendum do Poder Legis- Eis o que prescreve o § 3o do seu art. 9o:
lativo;”16 ‘§ 3o Os ajustes, convenções e tratados cele-
brados pelo Presidente da República, em
Desapareceu dessa derradeira norma a virtude das atribuições que lhe confere o
referência a “ajustes”, bem assim o advér- art. 48, no 16, da Constituição, serão sujei-
bio “sempre”, que precedia a expressão ad tos à ratificação do Congresso, mediante
um projeto de lei formulado pelo Poder
referendum. Superado o regime de 1937, em Executivo, nos termos do art. 29 da Consti-
que o texto básico outorgava ao Conselho tuição’.
Federal o exame de tratados 17, a Constitui- Nem outro foi o modo de ver do insigne
ção de 1946 retomou, quase que literalmen- João Barbalho ao justificar a necessidade
te, a linguagem de 193418. de aprovação pelo Congresso dos atos in-
ternacionais bilaterais: ‘Mas os tratados são
A história diplomática do Brasil oferece uma troca de concessões e estabelecem re-
exemplos de comprometimento externo, na ciprocidade de obrigações; ora, não é da
velha República, por ação isolada do poder alçada do poder executivo empenhar motu
Executivo e, pois, em afronta aparente ao proprio a responsabilidade da nação, criar-
texto constitucional. Foi, contudo, no regi- lhe compromissos, obrigá-la, ainda que em
permuta de vantagens, a ônus e encargos.
me da Carta de 1946 que floresceu neste país Por isso ficou reservada ao Congresso Na-
a doutrina da licitude dos acordos executi- cional a ratificação dos ajustes, convenções
vos, tendo Hildebrando Accioly como seu e tratados feitos pelo Presidente da Repú-
mais destacado patrocinador19. blica, o que redunda em corretivos e garan-
tia contra possíveis abusos, contra a má
1. A polêmica Accioly-Valladão sobre os compreensão e comprometimento dos al-
acordos executivos no Brasil tos interesses nacionais’.
(...)
A súmula do pensamento constituciona- Finalmente, do mesmo sentir foi a juris-
lista foi produzida por Haroldo Valladão, prudência nacional, manifestando-se a pro-
em parecer oficial, publicado depois no mes- pósito de extradições concedidas com base
mo periódico em que Accioly defendera seu em promessa de reciprocidade, em simples
ponto de vista 20: acordo mediante notas reversais.
(...)
“Consulta o Sr. Ministro das Relações Expressava, pois, Clóvis Bevilaqua o
Exteriores sobre a validade de Acordo de direito positivo brasileiro ao escrever: ‘Ain-
Pagamento entre o Brasil e França, por tro- da que a ratificação seja a solenidade que
ca de notas entre o Ministério das Relações torna o tratado obrigatório, pode ser dis-

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pensada por acordo das altas partes con- Eis os trechos fundamentais de sua ar-
tratantes. Exemplo disso nos dá a conven- gumentação: ‘Realmente, o Brasil poderá
ção postal concluída, entre o Brasil e a Grã- ser parte em atos internacionais que não
Bretanha, no Rio de Janeiro, a 16 de agosto dependem de aprovação do Congresso
de 1875. Nenhuma convenção internacional, Nacional. São eles, essencialmente, os que
porém, poderá, hoje, no Brasil, ser executa- não exigem ratificação. Dizer que há trata-
da sem a aprovação do Congresso. Todos dos que não exigem ratificação poderá pa-
os ajustes internacionais, em face da Consti- recer contraditório com o preceito de direito
tuição brasileira, como já ficou exposto, são internacional segundo o qual a ratificação
celebrados pelo poder executivo ad referen- constitui um dos requisitos para a valida-
dum do Congresso’ (op. cit., II, p. 21). de de tais atos, até na ausência de cláusula
Teriam os artigos da Constituição de expressa que a estipule. Trata-se, porém,
1934 e da atual, de 1946, já referidos, alte- ainda aqui, de um princípio de ordem ge-
rado aquela orientação do direito pátrio pelo ral, que admite exceções, conforme abaixo
fato de nos textos referentes ao Presidente veremos… Isto posto, indiquemos agora
da República falarem apenas em ‘conven- quais as exceções admitidas ao princípio
ções internacionais’ (1934, art. 56, 6o) ou da obrigatoriedade da ratificação. Elas se
‘tratados e convenções internacionais’ (1946, fundam principalmente na natureza do ato
art. 87, VII) na forma empregada nos dois internacional e, às vezes, nas circunstâncias
diplomas básicos quanto ao Poder Legisla- que o cercam ou em que é firmado. Alguns
tivo (1934, art. 40, a, e 1946, art. 66, I)? autores mencionam também a forma do ato,
O elemento histórico desautoriza uma como elemento suscetível de tornar dispen-
resposta afirmativa. sável a ratificação; mas, a nosso juízo, a
(...) forma nada significa, no caso; o que, na
Doutra parte, a expressão ‘tratados e verdade, importa é a matéria do pacto.
convenções’ vinha usada desde 1891, no Acontece, porém, que esta geralmente in-
sentido amplo, de quaisquer atos jurídicos flui naquela de modo que freqüentemente
bilaterais de caráter internacional. se dá forma mais simples aos atos que não
Não fala, apenas, em tratados, mas em devem ser ratificados. O princípio geral que
tratados e convenções, com largueza de deve predominar no assunto é o da compe-
expressão. tência privativa dos órgãos constitucionais.
Não se referindo mais os novos textos, Se a matéria sobre que versa o tratado é da
qual em 1891, também às negociações in- competência exclusiva do Poder Legislati-
ternacionais e ajustes nas atribuições do vo, está claro que o aludido ato não se pode
Presidente, ou esses atos entram na chave tornar válido sem a aprovação legislativa;
ampla ‘tratados e convenções’ ou o Poder e, se depende de tal aprovação, deve ser
Executivo não teria competência para assi- submetido à ratificação. A título de exem-
ná-los. plos, podemos citar, no caso do Brasil, os
Já escrevera Lafayette: ‘Aos tratados tratados que, por qualquer forma, estabe-
dá-se indiferentemente a denominação de lecem novos ônus para o Tesouro Nacional;
convenções, acordos, pactos e ajustes os que dispõem sobre a dívida pública fe-
internacionais’(Princípios de Direito Interna- deral; os que implicam cessão ou troca de
cional, II, 1902, p. 268). Não divergira Cló- território nacional ou resolvem sobre os li-
vis Bevilaqua (op. cit., § 163 e nota, desde a mites deste; os que concedem favores adu-
1 a edição, 1910) nem Hildebrando Accioly aneiros; os de aliança militar; os que permi-
(Tratado de Direito Público, 1934, no 1.251). tem o trânsito ou a permanência de forças
Há de ser, assim, mantida a interpreta- estrangeiras no território nacional; os de
ção clássica que subordina à aprovação do comércio e navegação; etc. Nada impede,
Congresso Nacional todo e qualquer tratado contudo, que o próprio Congresso tenha
ou convenção, ainda que com a simples de- disposto previamente sobre o assunto do
nominação de acordo, ajuste, convênio, etc. tratado e este não seja mais do que a apli-
Entretanto, ultimamente, em trabalho cação exata do que já se acha regulado por
especial, já mencionado, o eminente inter- lei, parecendo assim desnecessário que se-
nacionalista pátrio, Hildebrando Accioly, melhante tratado seja ainda submetido à
sustentou a possibilidade de ser o Brasil aprovação legislativa. Às vezes, também, o
parte em atos internacionais que não de- Congresso autoriza expressamente o Poder
pendem de aprovação do Congresso Naci- Executivo a dispor convencionalmente so-
onal. bre determinado assunto. Se este, depois,

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faz objeto de um tratado, nas condições tado vigente e são como que o seu comple-
indicadas, é bem de ver que se pode consi- mento; e) os de modus vivendi, quando têm
derar dispensável a aprovação subseqüen- em vista apenas deixar as coisas no estado
te, pelo Congresso. O último caso sucedeu, em que se encontram ou estabelecer simples
com alguma freqüência, nos Estados Uni- bases para negociações futuras. A esses ca-
dos. Foi o que se deu, por exemplo, com os sos, é freqüente que na prática se acrescen-
tratados de comércio concluídos durante o tem outros, como, por exemplo, os de ajuste
período governamental do Presidente Frank- para a prorrogação de tratado antes que este
lin Roosevelt, em virtude de ato do Con- expire, e as chamadas declarações de extra-
gresso aprovado a 12 de junho de 1934. dição, isto é, as promessas de reciprocidade,
Assim também, naquele país, as Con- em matéria de extradição, feitas por simples
venções Postais são concluídas pelo Presi- troca de notas’ (Boletim, pp. 5 a 8).
dente e o Postmaster General, sem necessida- A primeira consideração de Hildebran-
de de ‘parecer e consentimento do Senado’, do Accioly, de que independem de aprova-
porque antiga lei do Congresso, modifica- ção pelo Congresso os tratados que inde-
da em junho de 1934, dispôs nesse sentido. pendem de ratificação, – importaria em
Por outro lado, é princípio assento na União pedir ao direito das gentes a solução de um
norte-americana que os tratados meramen- problema de exegese da Constituição de um
te declaratórios da lei internacional (law of determinado país, o que não me parece ori-
nations), ou direito das gentes, não exigem entação aceitável.
sanção legislativa, porque a dita lei, confor- A maior ou menor amplitude de pode-
me tem decidido a Suprema Corte, é reco- res do Governo de um país para negociar e
nhecida como parte da lei do país. Como assinar atos internacionais há de depender,
quer que seja, apesar da disposição expres- evidentemente, dos textos da Constituição
sa da Constituição americana a que atrás e leis desse mesmo país.
aludimos, segundo a qual foi concedido ao É assunto típico de direito interno, que
Presidente ‘o poder de, com o parecer e con- escapa de todo ao direito internacional.
sentimento do Senado, fazer tratados, me- A consulta, no assunto, ao direito cons-
diante a aprovação de dois terços dos sena- titucional é o que aconselha a doutrina cor-
dores presentes’, é praxe antiga e muito se- rente no direito internacional, salvo, é claro,
guida nos Estados Unidos a de concluírem o caso anormal de um Governo revolucio-
ajustes ou compromissos internacionais, nário, ou melhor, extraconstitucional.
sobre várias matérias, por meio dos cha- (...)
mados ‘acordos executivos’ (executive agre- Sai, portanto, o modo de ver de Accioly
ements), para a validade dos quais é dis- também da orientação brasileira no campo
pensado o ‘parecer e consentimento do Se- do próprio direito internacional.
nado’. Os acordos executivos, segundo diz Proclama ele, a seguir, o princípio geral
Miller, não possuem talvez definição exata da competência privativa dos órgãos cons-
e compreendem atos da mais variada na- titucionais, fazendo depender da aprova-
tureza. Assim, por meio deles, têm sido ção legislativa os tratados que versam so-
ajustados, não só assuntos de pouca im- bre matéria exclusiva do Poder Legislativo.
portância, como, por exemplo, a execução É, manifestamente, fugir do jus consti-
de cartas rogatórias, mas também matéria tutum para penetrar no campo do jus consti-
de mais relevância, como a navegação aé- tuendum.
rea, e até assuntos de natureza política. Sem É criar, nos artigos constitucionais, con-
falar, porém, na praxe americana, pode di- tra seu texto, abandonando seu histórico,
zer-se, de conformidade com a doutrina desacompanhando tradição firme, na legis-
mais corrente, que a ratificação não é geral- lação (Lei 23, de 1890), na doutrina (João
mente exigida para os seguintes atos inter- Barbalho, A. Milton, Clóvis Bevilaqua), na
nacionais: a) os acordos sobre assuntos que jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-
sejam da competência privativa do poder ral, distinção que, em absoluto, não ocor-
Executivo; b) os concluídos por agentes ou reu quer aos seus autores, quer aos seus
funcionários que tenham competência para intérpretes.
isso, sobre questões de interesse local ou de A razão do preceito de nossas consti-
importância restrita; c) os que consignam tuições republicanas, exigindo a aprovação
simplesmente a interpretação de cláusulas pelo Congresso dos tratados e convenções,
de um tratado já vigente; d) os que decor- foi dada em trecho que já transcrevemos de
rem, lógica e necessariamente, de algum tra- Barbalho; visou a estabelecer um controle

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amplo do Congresso sobre o Presidente da to, poderia alterar a lei passível de regu-
República nas relações internacionais, da- lamento.
das as graves conseqüências que poderão A estabilidade, necessária aos acordos
advir para o país de compromissos assu- internacionais, apresentar-se-ia de forma
midos na ordem internacional. bem precária.
Não olharam os constituintes republi- E o Poder Executivo poderia criar, na
canos brasileiros a matéria ou a importân- espécie, um caso internacional, de inexecu-
cia dos ajustes internacionais. ção de um compromisso que assumira para
Quiseram subordinar o Executivo ao execução imediata.
Legislativo em matéria de política exterior, E tudo sem ponderar a repercussão ine-
não permitindo assuma o Brasil quaisquer vitável de tais acordos no campo orçamen-
responsabilidades, na ordem internacional, tário, de competência legislativa anual.
sem o consentimento do Congresso. A doutrina exposta por Hildebrando
Aliás, o critério proposto por Hildebran- Accioly está ligada, qual ele próprio o con-
do Accioly, de distinguir entre os tratados fessa, ao direito doutros povos, em especi-
que versassem matéria exclusiva do Poder al, ao dos Estados Unidos.
Legislativo e matéria ‘privativa’ do Poder (...)”21.
Executivo, levaria a sérias dificuldades em
assunto que deve ser preciso, dada sua al- Accioly replicaria, em número ulterior do
tíssima relevância: validade de atos inter- Boletim da Sociedade Brasileira de Direito
nacionais firmados pelo Brasil. Internacional:
É ‘exclusiva’ do Poder Legislativo, além
das atribuições básicas referentes à admi- “(...)
nistração federal propriamente dita, espe- Os fatos indicam que nunca se enten-
cificadas no artigo 65, I a VIII (orçamento, deu, entre nós, que a aprovação do Con-
tributos, dívidas públicas, cargos públicos gresso Nacional era necessária ou, melhor,
e vencimentos, operações de crédito e emis- indispensável ‘para quaisquer atos bilaterais
sões, fixação de forças, transferência de sede internacionais’.
do Governo Federal, limites do território Ainda no regime da Constituição de
nacional), toda a legislação concernente a 1891 – que era, nesse ponto, talvez mais
bens do domínio federal e a ‘todas as maté- exigente do que as posteriores, pois não se
rias da competência da União’, art. 65, IX, limitava a mencionar tratados e convenções,
art. 5o, I a XV, letra a a r; etc. falando também em ajustes –, numerosos
É todo o âmbito do Governo Federal. são os acordos bilaterais concluídos pelo
(...) Governo brasileiro com Governos estrangei-
Será possível considerar a matéria de ros e que vigoraram sem o preenchimento
um acordo daquela natureza ‘privativa’ do daquela condição. Percorra-se, por exem-
Poder Executivo? plo, o Código das Relações Exteriores, pu-
Para isto seria preciso fixar um limite à blicado em 1900, e lá se encontrarão vários
atividade legislativa no assunto, estabele- exemplos de tais acordos.
cendo-se que, a partir de um certo marco, a (...)
atribuição de estabelecer normas sobre a De datas posteriores a 1900, mas ainda
dívida pública federal cessaria para o Po- sob a vigência da Constituição de 1891,
der Legislativo e começaria, privativamen- poderíamos mencionar vários outros exem-
te, para o Poder Executivo. plos, inclusive alguns acordos para a de-
Tal distinção, separação de atribuições marcação de fronteiras e outros sobre a tro-
com esse caráter, inexiste no direito consti- ca de correspondência diplomática em ma-
tucional brasileiro. las especiais.
Se se quisesse, porém, ter em vista, em A opinião de João Barbalho, embora das
cada lei, a parte deixada à execução e à mais respeitáveis, não impediu a prática
regulamentação do Poder Executivo e, pois, acima referida, sem que, aliás, se confir-
parte sem fronteiras ‘privativas’ a depen- massem os receios do eminente comenta-
der da própria lei – nesse mesmo caso seria dor de nossa primeira Constituição repu-
perigoso admitir fizesse o Presidente acor- blicana. Por outro lado, custa-nos crer que
dos, ajustes, tratados ou convenções com o nosso Poder Executivo, ou melhor, o Pre-
Estados estrangeiros no exercício de um sidente da República, não tenha noção dos
poder, o regulamentar, diretamente subor- ‘altos interesses nacionais’ e fosse compro-
dinado ao Legislativo, que, a cada momen- metê-los em matéria atinente à sua competên-

128 Revista de Informação Legislativa


cia privativa, ao tratar, por intermédio de tabelece, primeiramente, o princípio de que
seus agentes, com países estrangeiros. os três Poderes pelos quais se dividem as
A declaração de que os constituintes atividades do Estado ‘são independentes e
brasileiros ‘quiseram subordinar o Executi- harmônicos entre si’. Depois, indica o que
vo ao Legislativo, em matéria externa’, ca- compete privativamente a cada um. Evi-
rece de provas. E não se justificaria. dentemente, haverá pontos de contacto nes-
Em toda parte, até nos países de regi- sas competências; mas parece-nos possível
me parlamentar, a política externa é ação distinguir sempre a que Poder cada uma
confiada precipuamente ao Chefe da Na- delas pertence.
ção ou do Governo e a seu órgão especial (...)
para esse fim, que é o Ministro das Relações Relativamente à prática nacional, já
Exteriores ou dos Negócios Estrangeiros. Por mostramos que foi freqüente, no sentido
isso, costuma dizer-se que o Chefe do Esta- indicado, durante a vigência da Constitui-
do é quem representa este perante os países ção de 1891. Depois, sob a de 1934 (que
estrangeiros e que o dito Ministro é o seu durou, apenas, pouco mais de três anos) e
mandatário direto para a direção dos servi- a de 1946, podemos referir mais, entre ou-
ços relativos às relações exteriores. tros, os seguintes casos:
Onde funciona o sistema parlamentar, (...)
poderá alegar-se que a orientação da políti- Parece deva ser aqui acrescentado um
ca externa depende da maioria do parla- caso correlato, talvez pouco conhecido, o
mento; mas, ainda aí, quem a executa é, qual não é propriamente o da ausência de
necessariamente, o órgão ordinário dos ne- aprovação legislativa e conseqüente ratifi-
gócios estrangeiros, ou seja, o ministro da cação de tratado ou convenção, mas o de
pasta que destes se incumbe. antecipação de sua execução, determinada
Como quer que seja, no sistema presi- por motivo de força maior. Trata-se de um
dencial, a situação é outra: a responsabili- fato que não ocorre somente no Brasil, mas
dade pela orientação e execução da política também em outros países. É o que sucede
externa cabe simplesmente ao Poder Exe- com certas convenções multilaterais, de ca-
cutivo. ráter técnico ou administrativo, que estabe-
Em nossa Constituição de 1946 (art. 87, lecem data fixa para sua entrada em vigor.
VI) está dito claramente que ‘compete pri- O melhor exemplo disso nos é dado
vativamente ao Presidente da República’: pelas convenções da União Postal Univer-
‘manter relações com Estados estrangeiros’. sal, que, em geral, determinam sua entrada
A circunstância de ser a nomeação dos em vigor numa data fixada à distância de
chefes de missão diplomática sujeita à cerca de um ano após o encerramento do
aprovação do Senado não significa, abso- Congresso que as elabora, e dispõem que a
lutamente, que este deva dirigir a política partir dessa data os atos postais anteriores
exterior do país. Ao Senado também cabe, ficam revogados.
por exemplo, a aprovação da nomeação dos Como essas convenções exigem tempo
Ministros do Supremo Tribunal Federal, demorado para a sua tradução em portu-
sem que isto possa importar na menor in- guês e como sua tramitação também é len-
terferência de nossa Câmara alta na ação ta, no Congresso Nacional, o Departamen-
do mais alto órgão judiciário da República. to dos Correios e Telégrafos vê-se sempre
O argumento de que aos autores da forçado a dar início à sua execução, entre
Constituição de 1891 e aos intérpretes da- nós ou nas relações com os demais países
quele documento nunca ocorreu o critério da União Postal Universal, muito antes de
da competência privativa dos órgãos cons- sua aprovação e de sua ratificação. A este
titucionais na celebração de acordos inter- propósito, baste-nos mencionar que, à data
nacionais não tem a importância pretendi- em que estamos escrevendo (2-VII-1953), a
da. Ainda que se comprove sua exatidão, convenção principal e demais atos do Con-
isto não quererá dizer que tal critério seja gresso da União Postal Universal realizado
inaceitável, nem o fato alegado impediu em Paris em 1952 já começaram a ser exe-
fosse o dito critério seguido várias vezes. cutados universalmente e, no entanto, entre
Não nos parece mais procedente a ale- nós, ainda não puderam ser submetidos ao
gação da dificuldade em distinguir a com- Congresso Nacional, por se não haver ain-
petência privativa do Poder Executivo da da concluído a respectiva tradução, feita
competência exclusiva do Poder Legislativo. pelo órgão administrativo competente.
Realmente, a Constituição Federal es- (...)

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 129


A tese da competência privativa é per- Muitas vezes se viu tratar a prática dos
feitamente razoável. Se a matéria de um acordos executivos como uma imperiosa
acordo é das que cabem peculiarmente den-
necessidade estatal, a ser escorada, a todo
tro das atribuições constitucionais do Po-
preço, pela doutrina. Os argumentos meta-
der Executivo, e dado que a este é que com-
jurídicos que serviram de apoio a essa tese
pete o exercício das relações com outros Go-
vernos, não há por que se lhe deva negar a
enfatizavam a velocidade com que se pas-
autoridade para celebrar o dito acordo e sam as coisas na política internacional con-
pô-lo em vigor, sem intervenção do Poder
Legislativo.
temporânea, diziam da importância das
(...) decisões rápidas, enalteciam o dinamismo
Seja como for, o que principalmente e a vocação simplificadora dos governos,
desejávamos era esclarecer que, entre nós, o
deplorando, por contraste, e, finalmente, a
costume já de muitos anos – ainda que se lentidão e a obstrutiva complexidade dos
pretenda estabelecido extra legem – é o de
não se exigir a aprovação do Congresso
trabalhos parlamentares. Não se sabe o que
mais repudiar nesse repetido discurso, se o
Nacional para certos atos internacionais, e
mostrar que, nisto, acompanhamos a cor- que tem de frívolo ou o que tem de falso. O
rente moderna e a melhor doutrina.”22 suposto ritmo trepidante do labor conven-
cional, nas relações internacionais contem-
2. O regime constitucional de 1988
porâneas, seria fator idôneo à tentativa de
A Constituição brasileira vigente diz ser inspirar o constituinte, nunca à pretensão
da competência exclusiva do Congresso de desafiá-lo. Por outro lado, é inexata e ar-
Nacional “resolver definitivamente sobre bitrária a assertiva de que os parlamentos,
tratados, acordos ou atos internacionais que em geral, quando vestidos de competência
acarretem encargos ou compromissos gra- para resolver sobre tratados, tomem nisso
vosos ao patrimônio nacional”, sendo que maior tempo regular que aquele dispendi-
ao Presidente incumbe “celebrar tratados, do pelos governos – também em geral – para
convenções e atos internacionais, sujeitos a formar suas próprias decisões definitivas a
referendo do Congresso Nacional”23. respeito, mesmo que não considerado o pe-
A Carta não inova substancialmente por ríodo de negociação, em que agentes destes
mencionar encargos, etc: não há compromis- – e não daqueles – já conviviam com a maté-
so internacional que não os imponha às ria em processo formativo. Toda pesquisa
partes, ainda que não pecuniários. Ela pre- por amostragem permitirá, neste país, e não
serva, ademais, a redundância terminológi- apenas nele, concluir que a demora eventu-
ca, evitando qualquer dúvida sobre o pro- al do Legislativo na aprovação de um trata-
pósito abrangente do constituinte. Uma exe- do é companheira inseparável da indiferen-
gese constitucional inspirada na experiên- ça do próprio Executivo em relação ao an-
cia norte-americana – e em quanto ali se pro- damento do processo; e que o empenho real
moveu a partir da compreensão restritiva do governo pela celeridade, ou a importân-
do termo treaties –, se não de todo inglória cia da matéria, tendem a conduzir o parla-
no Brasil republicano anterior, tornou-se mento a prodígios de expediência24.
agora (ou mais exatamente desde o regime Juristas da consistência de Hildebrando
constitucional de 1967-1969) impensável. Accioly e de João Hermes Pereira de Araújo
Concedendo-se, pois, que tenha Accioly abo- não escoraram, naturalmente, seu pensa-
nado, a seu tempo, uma prática estabeleci- mento em considerações do gênero acima
da extra legem, é provável que tal prática, na referido. Nem se pode dizer que tenham to-
amplitude com que tenciona convalidar mado por arma, na defesa da prática dos
acordos internacionais desprovidos de toda acordos executivos, o entendimento restriti-
forma de consentimento parlamentar, não vo da fórmula “tratados e convenções”, num
se possa hoje defender senão contra legem. exercício hermenêutico à americana. O gran-

130 Revista de Informação Legislativa


de argumento de que se valeram, na reali- Lembraram os deputados Flávio Mar-
dade, foi o do costume constitucional, que se cílio e Henrique Turner o texto constitucio-
nal, que dá competência exclusiva ao Con-
teria desenvolvido, entre nós, temperando a gresso Nacional para resolver definitiva-
fria letra da lei maior. mente sobre os tratados, convenções e atos
Parece, entretanto, que a gênese de nor- internacionais celebrados pelo Presidente da
mas constitucionais costumeiras, numa or- República, não importando que título te-
dem jurídica encabeçada por constituição nham tais documentos.
Revelou Flávio Marcílio o interesse da
escrita – e não exatamente sumária ou con- Marinha em que os acordos de pesca fos-
cisa –, pressupõe o silêncio, ou no mínimo a sem ratificados pelo Congresso Nacional,
ambigüidade do diploma fundamental. As- em contraposição à opinião dominante do
sim, a Carta se omite de abordar o desfazi- Itamaraty, pelo não-envio deles ao Legisla-
mento, por denúncia, de compromissos in- tivo sob o argumento de que sua aprova-
ção seria muito demorada.
ternacionais, e de partilhar a propósito a Henrique Turner acentuou que, no caso
competência dos poderes políticos. Permite do acordo de Roboré, o governo alegara que
pois que um costume constitucional preen- se tratava ‘apenas de notas reversais’, mas
cha – com muita nitidez, desde 1926 – o es- acabou remetendo seu texto ao Congresso,
paço normativo vazio. Tal não é o caso no para que se soubesse se era realmente um
tratado ou realmente ‘notas reversais’.
que tange à determinação do poder conven- O deputado paulista admitiu a hipóte-
cional, de cujo exercício a Carta, expressa e se de o Itamaraty não ter ainda encaminha-
quase que insistentemente, não quer ver ex- do o acordo ao Congresso, talvez por não
cluído o poder Legislativo. Não se pode com- lhe interessar a divulgação antes de serem
preender, portanto, e sob risco de fazer ruir concluídos entendimentos idênticos com ou-
tros países, como ocorreu recentemente com
toda a lógica jurídica, a formação idônea de os Estados Unidos.
um costume constitucional contra a letra da De qualquer maneira, mesmo com essa
Constituição. tentativa de explicação, a Comissão deci-
A própria realidade do elemento psico- diu, por unanimidade, sustar a votação do
lógico de qualquer costume é, no caso, mui- voto de aplauso e congratulação, proposto
pelo Deputado Marcelo Linhares, até que o
to discutível. Não há opinio juris onde, como Ministério das Relações Exteriores forneça
no Itamaraty, a sombra da dúvida, que se à Câmara os necessários esclarecimentos so-
projetava, em seu tempo, sobre o espírito de bre a matéria”25.
Raul Fernandes, marca ainda incômoda
presença. Está claro que os acordos executi- 3. Constituição e acordos executivos:
vos, até hoje celebrados sob o pálio doutri- juízo de compatibilidade
nário de Accioly, expõem-se à luz plena do
conhecimento: publica-os o Diário Oficial da Sobre a premissa de que um costume
União, e lêem-nos os membros do Congresso. constitucional se pode desenvolver em afron-
Mas o silêncio usual não perfaz a opinio juris, ta à literalidade da lei maior, os patrocina-
além de se ver quebrado vez por outra. dores contemporâneos da prática do acor-
Na edição de 25 de maio de 1972, à do executivo, no Brasil, prosseguem fiéis ao
página 3, o jornal O Estado de S. Paulo es- rol permissivo lavrado sob a vigência da
tampou esta notícia: Carta de 1946. Na lógica, na observação de
“O voto de aplauso ao Chanceler Gibson outros modelos nacionais, na própria expe-
Barbosa, sugerido pelo Deputado Marcelo
Linhares à Comissão de Relações Exterio- riência local – não na Constituição –, pre-
res da Câmara, pelo êxito brasileiro na assi- tendem encontrar base para sua lista de
natura do acordo de pesca com Trinidad- tratados consumáveis sem consulta ao Con-
Tobago, foi sustado pela unanimidade dos gresso. Não é de estranhar, assim, que a lista
membros daquele órgão técnico, sob a ale-
gação ‘de desconhecimento oficial do texto
seja encabeçada justamente por seus dois tó-
aprovado’. picos indefensáveis – visto que, quanto a eles,

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 131


nenhuma acomodação aos preceitos da lei dão que seria insensato assumir compro-
fundamental se pode conceber. Trata-se dos missos externos em área normativa subor-
acordos “sobre assuntos que sejam da com- dinada, por excelência, ao próprio Congres-
petência privativa do poder Executivo”, e so, que a todo tempo “poderia alterar a lei
daqueles “concluídos por agentes que tenham passível de regulamento”. Idêntico raciocí-
competência para isso, sobre questões de in- nio proscreve a conclusão de acordos exe-
teresse local ou de importância restrita”, que cutivos naquele domínio em que a lei for-
compõem as alíneas a e b do rol de Accioly26. mal tenha autorizado o governo à ação ad-
Tão nebulosa é a segunda categoria – ministrativa discricionária – concessão de
sobre a qual não se produziram fundamen- licenças de pesca ou pesquisa mineralógi-
tos teóricos, senão exemplos avulsos – que ca, entre outros temas comuns –, porque a
melhor parece não discuti-la em abstrato, mutabilidade da lei seria incompatível com
sobretudo à vista da probabilidade de que o vínculo assumido ante soberania estran-
não constitua mais que extensão periférica geira. O quadro é, na essência, diverso da-
da primeira. Esta, por seu turno, vem a ser quele em que o Congresso norte-americano,
uma versão da terceira categoria norte-ame- por lei, expressamente autoriza o governo a
ricana de executive agreements, concebida em pactuar com nações estrangeiras sobre de-
termos menos precisos que os do modelo. A terminada matéria. Nesse caso, a estabili-
adaptação, de todo modo, resulta impossí- dade dos tratados resultará garantida pela
vel: no Brasil, os poderes constitucionais que própria lei, conscientemente elaborada para
revestem o Executivo são por este ampla- servir de base ao comprometimento exterior.
mente exercitáveis à luz singular da ordem Mais grave parece o fenômeno da com-
jurídica nacional, mesmo no que tange ao placência perante os acordos executivos, em
relacionamento diplomático ordinário. nações cuja ordem constitucional não os
Quando se cuide, porém, de legislar inter- abona em princípio, quando se verifica que,
nacionalmente, de envolver no contexto ou- a propósito, o padrão norte-americano, mal
compreendido alhures, conduziu ou pro-
tra soberania, assumindo perante esta com- pende a conduzir a conclusões e a práticas
promissos regidos pelo Direito das Gentes, alarmantes. Descrevendo o entendimento
e apoiados na regra pacta sunt servanda, não oficial dessa questão na Argentina, Juan
há como agir à revelia da norma específica, Carlos Puig dá como pacífico que o que
que exige a combinação da vontade dos dois pode o governo, ali, resolver por decreto, é
matéria idônea para fazer objeto de acordo
poderes políticos, independentemente da executivo27.
importância do tratado ou de qualquer ou- No Brasil, como noutras nações de regi-
tro elemento quantitativo. me republicano presidencialista, o poder
Executivo repousa nas mãos do chefe de
Não é ocioso lembrar quanto se encon- Estado, a quem o ministério serve como um
tram já ampliados os poderes reais do Exe- corpo de auxiliares, na expressiva lingua-
cutivo, neste domínio, pela interposição dos
gem da lei fundamental28. Os poderes cons-
entes parestatais dotados de personalida-
titucionais privativos do governo são aque-
de jurídica de direito privado – e hábeis,
les que a Carta vigente atribui no artigo 84
assim, para contratar com seus congêneres
no exterior, e mesmo com Estados estran- ao Presidente da República, como exercer a
geiros, sob a autoridade política do gover- direção superior da administração federal,
no, e sem controle parlamentar. iniciar o processo legislativo, ou vetar pro-
jetos de lei. É importante observar que a com-
Por certo que a alegada competência pri- petência para celebrar “tratados, convenções
vativa do governo não pretende confundir- e atos internacionais” se inscreve nessa mes-
ma lista, só que acrescida do vital comple-
se com o poder regulamentar, e buscar legi-
mento “…sujeitos a referendo do Congresso
timidade nas leis votadas pelo Congresso. Nacional”. Não há, dessarte, como fugir à
Se assim fosse, tampouco haveria lugar para norma específica, a pretexto de que o tema
acordos executivos no setor: lembrou Valla- do ato internacional compromissivo pode

132 Revista de Informação Legislativa


inscrever-se noutro inciso da relação. Assim que nele se exprimem, abona o Congresso
fosse e nos defrontaríamos com uma pers- desde logo os acordos de especificação, de
pectiva convencional gigantesca, além de
tangente de pontos os mais sensíveis do po-
detalhamento, de suplementação, previstos
der político. O Presidente da República, por no texto e deixados a cargo dos governos
sua singular autoridade constitucional, no- pactuantes.
meia e destitui livremente os ministros de
Estado, bem como exerce o comando supre- Dir-se-á que o acordo executivo, sub-
produto evidente de acordo anterior apro-
mo das Forças Armadas29. Ninguém, contu-
vado pelo Congresso, escapa assim ao re-
do, o estimará por isso autorizado a celebrar
acordos executivos, por hipótese, com o clamo constitucional de uma análise do seu
texto acabado, implícito na fórmula ad refe-
Equador e com a Santa Sé, partilhando tem-
rendum. Ao contrário, porém, de toda exi-
porariamente aquele comando supremo, e
condicionando a escolha e a dispensa de gência legal de condição prévia – que em
princípio não se pode suprir com a respec-
ministros ao parecer da Cúria Romana.
tiva satisfação a posteriori –, a exigência do
Apesar de tudo, o acordo executivo – se referendo pode perfeitamente dar-se por
assim chamamos todo pacto internacional suprida quando ocorre a antecipação do
consentimento. Desnecessário lembrar que,
carente da aprovação individualizada do nesse caso, a eventual exorbitância no uso
Congresso – é uma prática convalidável do consentimento antecipado encontra re-
desde que, abandonada a idéia tortuosa dos médio corretivo nos mais variados ramos
assuntos da competência privativa do governo, do direito, e em todas as ordens jurídicas.
busque-se encontrar na lei fundamental a Nos exemplos seguintes observa-se, pri-
sua sustentação jurídica. meiro, a previsão convencional de acordos
Três entre as cinco categorias arroladas executivos, e em seguida a conformação vin-
por Accioly são compatíveis com o preceito culada destes últimos.
constitucional: os acordos “que consignam
a) No acordo Brasil-Marrocos sobre
simplesmente a interpretação de cláusulas
transportes aéreos regulares (Brasília, 1975),
de um tratado já vigente”, os “que decor- aprovado pelo Decreto Legislativo 86/75:
rem, lógica e necessariamente, de algum tra- “Art. VIII – 1. Cada Parte Contratante
tado vigente e são como que o seu comple- poderá promover consultas com as autori-
mento” e os de modus vivendi, “quando têm dades aeronáuticas da outra Parte para in-
terpretação, aplicação ou modificação do
em vista apenas deixar as coisas no estado
Anexo ao presente Acordo ou se a outra
em que se encontram, ou estabelecer sim- Parte Contratante tiver usado da faculda-
ples bases para negociações futuras”30. Os de prevista no Artigo III.
primeiros, bem assim estes últimos, inscre- 2. Tais consultas deverão ser iniciadas
vem-se no domínio da diplomacia ordiná- dentro do prazo de 60 (sessenta) dias a con-
tar da data da notificação do pedido res-
ria, que se pode apoiar em norma constitu-
pectivo.
cional não menos específica que aquela re- 3. Quando as referidas autoridades ae-
ferente à celebração de tratados. Os inter- ronáuticas das Partes Contratantes concor-
mediários se devem reputar, sem qualquer darem em modificar o Anexo ao presente
acrobacia hermenêutica, cobertos por pré- Acordo, tais modificações entrarão em vi-
gor depois de confirmadas por troca de no-
vio assentimento do Congresso Nacional.
tas, por via diplomática.”
Isso demanda, porém, explicações maiores. No Acordo básico de cooperação técni-
ca Brasil-Itália (Brasília, 1972), aprovado
O acordo executivo como subproduto de pelo Decreto Legislativo 31/73:
tratado vigente “Artigo I
4. (...) Os programas de cooperação se-
Nesse caso a aprovação congressional,
rão executados em conformidade com os
reclamada pela Carta, sofre no tempo um entendimentos técnicos que forem estabele-
deslocamento antecipativo, sempre que, ao cidos entre as autoridades qualificadas para
aprovar certo tratado, com todas as normas tanto. Esses entendimentos passarão a ter

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 133


força executiva na data em que forem con- A constitucionalidade do acordo execu-
firmados por troca de notas, as quais pas- tivo que, em razão do disposto em tratado
sarão a constituir Ajustes Complementa-
res ao presente Acordo.”
antes aprovado pelo Congresso, aparece
No Acordo Brasil-Colômbia sobre usos como subproduto daquele, não pode ser co-
pacíficos da energia nuclear (Bogotá, 1981), locada em dúvida. Essa tese é, no mínimo,
submetido ao Congresso pela Mensagem compatível com quanto preceitua o artigo
131/81 do Presidente da República: 84 da Carta de 1988. Dessarte, serve o costu-
“Art. 4. A fim de dar cumprimento à
cooperação prevista neste Instrumento, os
me para convalidá-la.
órgãos designados de conformidade com O Congresso, ademais, tem perfeita ci-
os termos do Artigo I, parágrafo 2, celebra- ência do assentimento prévio que confere a
rão Acordos Complementares de Execução, esses acordos antevistos na literalidade de
nos quais serão estabelecidas as condições um pacto submetido a seu exame. E se, por-
e modalidades específicas de cooperação,
incluindo a realização de reuniões técnicas
ventura, não deseja no caso concreto abdi-
mistas para estudo e avaliação de progra- car do controle individualizado de todos os
mas.” subprodutos ali enunciados, procede como
b) No Ajuste complementar ao Acordo quando aprovou o Acordo básico de coope-
básico de cooperação técnica Brasil-R. F. da ração Brasil-Líbia:
Alemanha, concluído por troca de notas,
em 5 de maio de 1981: “Decreto Legislativo no 23, de 1981.
“Senhor Embaixador, Aprovo o texto do Acordo Básico de
Tenho a honra de acusar recebimento Cooperação entre a República Federativa
da nota (...) datada de hoje, cujo teor em do Brasil e a Jamairia Árabe Popular Socia-
português é o seguinte: lista da Líbia, celebrado em Brasília, a 30
‘Senhor Ministro, de junho de 1978.
Com referência à nota (...) de 17 de abril Art. 1o – Fica aprovado o texto do Acor-
de 1979, bem como em execução do Acordo do Básico de Cooperação entre a República
Básico de Cooperação Técnica, de 30 de no- Federativa do Brasil e a Jamairia Árabe
vembro de 1963, concluído entre os nossos Popular Socialista da Líbia, celebrado em
dois Governos, tenho a honra de propor a Brasília, a 30 de junho de 1978.
Vossa Excelência, em nome do Governo da Art. 2o – Todas as emendas ou altera-
República Federal da Alemanha, o seguinte ções introduzidas no texto referido no arti-
Ajuste sobre o desenvolvimento de processo go anterior só se tornarão eficazes e obriga-
bioquímico contra a ferrugem no cafeeiro. tórias para o País após a respectiva apro-
(...)’ (H.J.S.). vação pelo Congresso Nacional.
(...)” (R.S.G.). Art. 3o – Este decreto legislativo entrará
No Ajuste complementar ao Acordo de em vigor na data de sua publicação.
cooperação científica e tecnológica Argenti- Senado Federal, em 09 de junho de 1981.
na-Brasil, lavrado em instrumento único e Senador Jarbas Passarinho
vigente à data da assinatura (Brasília, 15 Presidente.”
de agosto de 1980):
“O Governo da República Federativa do
Brasil O acordo executivo como expressão de
e diplomacia ordinária
O Governo da República Argentina
Animados do desejo de desenvolver a Precedendo o inciso que se refere à cele-
cooperação científica e tecnológica, com
bração de “tratados, convenções e atos in-
base no Artigo II do Acordo de Cooperação
Científica e Tecnológica, firmado em Bue- ternacionais, sujeitos a referendo do Con-
nos Aires a 17 de maio de 1980, e gresso Nacional”, o artigo 84 da Constitui-
Reconhecendo a importância da coope- ção encerra um inciso apartado que diz ser
ração no campo das comunicações para da competência privativa do Presidente da
promover o desenvolvimento econômico e
industrial, República “manter relações com os Estados
Acordam o seguinte: estrangeiros”. Nesse dispositivo tem sede a
(...)” (R.S.G.) (O.C.). titularidade, pelo governo, de toda a dinâ-

134 Revista de Informação Legislativa


mica das relações internacionais: incumbe- sim substantivo, e destinado à análise do
lhe estabelecer e romper, a seu critério, rela- Congresso. Acordos interpretativos, a seu
ções diplomáticas, decidir sobre o intercâm- turno, não representam outra coisa que o
bio consular, sobre a política de maior apro- desempenho do dever diplomático de en-
ximação ou reserva a ser desenvolvida ante tender adequadamente – para melhor apli-
determinado bloco, sobre a atuação de nos- car – um tratado concluído mediante endos-
sos representantes no seio das organizações so do parlamento.
internacionais, sobre a formulação, a acei- Deve-se haver, entretanto, como pedra de
tação e a recusa de convites para entendi- toque na identificação dos acordos executi-
mentos bilaterais ou multilaterais tenden- vos inerentes à diplomacia ordinária, e por
tes à preparação de tratados. Enquanto não isso legitimáveis à luz do inciso VII do artigo
se cuide de incorporar ao direito interno um 84 da lei fundamental, o escrutínio de dois
texto produzido mediante acordo com po- caracteres indispensáveis: a reversibilidade e
tências estrangeiras, a auto-suficiência do a preexistência de cobertura orçamentária.
poder Executivo é praticamente absoluta 31. Esses acordos devem ser, com efeito, des-
Também no referido inciso – cuja auto- constituíveis por vontade unilateral, expres-
nomia em relação ao referente a tratados sa em comunicação à outra parte, sem de-
merece destaque – parece repousar a autori- longas – ao contrário do que seria normal
dade do governo para a conclusão de com- em caso de denúncia. De outro modo – ou
promissos internacionais terminantemente seja, se a retratação unilateral não fosse há-
circunscritos na rotina diplomática, no re- bil a operar prontamente –, o acordo esca-
lacionamento ordinário com as nações es- paria às limitações que o conceito de rotina
trangeiras. Não seria despropositado, mas diplomática importa. Por igual motivo, deve
por demais rigoroso, sustentar que a opção a execução desses acordos depender unica-
pelo procedimento convencional desloca o mente dos recursos orçamentários alocados
governo de sob o pálio desse inciso lançan- às relações exteriores, e nunca de outros.
do-o no domínio da regra seguinte, e obri- São muitos os exemplos de acordos exe-
gando-o à consulta parlamentar. Dir-se-ia cutivos celebrados pelo governo brasileiro
então que, livre para decidir unilateralmen- – na pessoa do ministro das Relações Exte-
te sobre qual a melhor interpretação de cer- riores ou de chefe de missão diplomática,
to dispositivo ambíguo de um tratado em nas mais das vezes –, e caracterizáveis como
vigor, ou sobre como mandar proceder em expressão da atividade diplomática ordiná-
zona de fronteira enquanto não terminam ria, coberta por inciso autônomo do artigo
as negociações demarcatórias da linha li- 84 da Constituição em vigor. Alguns deles:
mítrofe em causa, ou sobre a cumulativida- Acordo Brasil-Uruguai sobre turismo,
de de nossa representação diplomática em concluído por troca de notas, em Brasília,
duas nações distantes, ou ainda sobre quan- em 11 de setembro de 1980:
tos escritórios consulares poderão ser aber- “Senhor Ministro,
tos no Brasil por tal país amigo, o governo Tenho a honra de dirigir-me a Vossa
Excelência com relação ao intercâmbio tu-
decairia dessa discrição, passando a depen- rístico entre a República Federativa do Bra-
der do abono congressional, quando enten- sil e a República Oriental do Uruguai, cujo
desse de regular qualquer daqueles temas volume experimentou um crescimento cons-
mediante acordo com Estado estrangeiro. O tante nos últimos anos.
rigor não elide a razoabilidade dessa tese, 2. Esta circunstância requer uma per-
manente adequação das normas aplicáveis
que não é, contudo, a melhor. Acordos como
para facilitar e promover o normal desen-
o modus vivendi e o pactum de contrahendo volvimento do turismo recíproco.
nada mais são, em regra, que exercício di- 3. Contudo, as normas que regulam a
plomático preparatório de outro acordo, este referida atividade, ou que de alguma ma-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 135


neira sobre ela incidem, referem-se atual- Sobre o assunto, tendo em vista que a
mente a temas específicos e conexos, como citada Comissão Especial deve finalizar seu
migrações, transportes, alfândega e outros, trabalho antes do dia 18 de junho de 1981,
cuja harmonia normativa é necessário lo- e que, não obstante haver avançado signifi-
grar para estimular as correntes turísticas cativamente na tarefa que lhe foi cometida,
entre nossos países. restam a precisar certos aspectos do Con-
4. Para tal fim, e com o objetivo de vênio, tenho a honra de manifestar a con-
harmonizar no maior grau possível as dis- cordância do Governo da República Argen-
posições que regulam o desenvolvimento tina com o de Vossa Excelência, em esten-
do intercâmbio turístico brasileiro-uruguaio der por 180 dias adicionais, a partir desta
e de consubstanciar num instrumento jurí- data, o prazo fixado para a conclusão das
dico a aspiração que nos é comum, é neces- tarefas da Comissão Especial.
sário concertar a adoção de medidas ade- A presente nota e a de resposta de Vos-
quadas para lograr um acordo de caráter sa Excelência, de mesma data e igual teor,
integral sobre facilitação do turismo. constituirão um acordo entre ambos os Go-
5. Para tanto, o Governo brasileiro con- vernos, que entrará em vigor no dia de hoje.
corda com o de Vossa Excelência em cele- (...)’ (R.A.R.).
brar o referido acordo, o qual seria concluí- 2. Em resposta, comunico a Vossa Se-
do como resultado do seguinte procedimen- nhoria que o Governo brasileiro concorda
to prévio: com a proposta de prorrogação de prazo
1. Criar uma Comissão ad hoc que terá contida na nota, a qual, com a presente,
a seu cargo os estudos prévios correspon- constitui acordo entre os dois Governos, a
dentes e a redação de um projeto de convê- entrar em vigor na data de hoje.
nio para a facilitação do turismo entre a (...)” (R.S.G.)33.
República Federativa do Brasil e a Repúbli- Acordo Brasil-Malásia sobre estabele-
ca Oriental do Uruguai. cimento de escritório comercial, concluído
2. A Comissão será integrada por fun- por troca de notas, em Brasília, em 15 de
cionários designados por cada uma das Par- outubro de 1981:
tes. “Senhor Embaixador,
3. A Comissão deverá finalizar os estu- Tenho a honra de levar ao conhecimen-
dos prévios e redigir o pertinente projeto de to de Vossa Excelência que o Governo bra-
acordo antes do dia 1o de janeiro de 1981. sileiro concorda em que seja mantido na
6. A presente Nota e a de Vossa Exce- cidade de São Paulo um escritório da Fede-
lência de mesma data e idêntico teor consti- ração da Malásia para fins comerciais, nas
tuem um acordo entre nossos Governos, o seguintes condições:
qual entrará em vigor a partir do dia de hoje. a) o escritório, designado como Escritó-
(...)” (R.S.G.)32. rio Comercial da Federação da Malásia,
Acordo Argentina-Brasil sobre trans- constituirá uma seção dos serviços comer-
portes marítimos, concluído por troca de ciais da Embaixada da Malásia no Brasil;
notas, em Brasília, em 18 de junho de 1981: b) o Escritório Comercial terá exclusiva
“Senhor Encarregado de Negócios, função de fomentar o intercâmbio comerci-
Tenho a honra de acusar recebimento al entre o Brasil e a Federação da Malásia e
da nota no 192, de 18 de junho de 1981, promover os interesses comerciais desta úl-
relativa às negociações de novo Convênio tima no Brasil, não podendo, entretanto,
sobre Transporte Marítimo entre o Governo praticar atos de comércio;
da República Federativa do Brasil e o Go- c) as instalações do Escritório Comerci-
verno da República Argentina, cujo teor em al, bem como sua correspondência, goza-
português é o seguinte: rão do privilégio de inviolabilidade;
‘Senhor Ministro, d) os funcionários de nacionalidade
Tenho a honra de dirigir-me a Vossa malásia que vierem a servir no Escritório
Excelência, com referência ao Acordo, por Comercial em São Paulo serão considera-
troca de notas, celebrado nesta cidade no dos um acréscimo ao número total dos fun-
dia 20 de agosto último, mediante o qual cionários da Embaixada da Federação da
nossos Governos criaram uma Comissão Malásia no Brasil;
Especial encarregada de preparar texto de (...)
um projeto de convênio sobre transporte ma- 2. Fica assegurada pelo Governo da
rítimo, que consolide e atualize as disposi- Federação da Malásia reciprocidade de tra-
ções que regulam o citado transporte. tamento ao Governo brasileiro caso este ve-

136 Revista de Informação Legislativa


nha a solicitar o estabelecimento de Escritó- O Protocolo preliminar Bolívia-Brasil
rio da mesma natureza na Federação da sobre navegação fluvial do Amazonas, fir-
Malásia. mado em La Paz, em 29 de março de 1958,
3. A presente nota e a respectiva res- com que se pôs a funcionar certa comissão
posta de Vossa Excelência, de igual teor, mista para estudos e sugestões, teria sido
constituirão um Acordo sobre a matéria celebrável pela autoridade dos dois gover-
entre os Governos do Brasil e da Federação nos, não importasse despesas de algum vul-
da Malásia, o qual entrará em vigor na data to na época. Como conseqüência disso, foi
de recebimento da nota de resposta. submetido ao Congresso, que o aprovou
(...)” (R.S.G.)34. pelo Decreto Legislativo 4/61.
Acordo Argentina-Brasil sobre identifi- O Acordo Brasil-FAO sobre estabeleci-
cação de limites, concluído por troca de no- mento de escritório da organização em Bra-
tas, em Buenos Aires, em 16 de setembro sília (Roma, 1979) não difere, em natureza,
de 1982: daquele acordo Brasil-Malásia citado no
“Senhor Ministro, item precedente, e consumado pelos dois
Tenho a honra de dirigir-me a Vossa governos. Aqui, porém, a necessidade do
Excelência para referir-me à conveniência abono do Congresso – que o aprovou pelo
de melhorar a identificação do limite de nos- Decreto Legislativo 122/80 – explica-se à
sos países, no trecho do rio Uruguai, que leitura do artigo IV:
compreende os grupos de ilhas Chafariz “O Governo, através do Ministério da
(argentinas) e Buricá ou Mburicá (brasilei- Agricultura, prestará assistência ao esta-
ras), tendo em conta que as citadas ilhas, belecimento e efetivo funcionamento do Es-
por sua situação geográfica, podem susci- critório do Representante da FAO no Brasil,
tar dúvidas nos habitantes da zona, com emprestando à FAO instalações, móveis,
respeito à jurisdição sobre as mesmas. material de escritório e demais acessórios,
2. As ilhas citadas foram incorporadas bem como um aparelho de telex e telefones,
definitivamente ao domínio territorial de e deverá também proporcionar pessoal de
cada um dos dois países, de conformidade apoio técnico e administrativo e serviços de
com o Tratado de 6 de outubro de 1898, limpeza e manutenção para as instalações
pelos ‘Artigos Declaratórios da Demarca- acima mencionadas. As despesas decorren-
ção de Fronteiras entre a República Argen- tes do uso diário dos aparelhos de telex e
tina e os Estados Unidos do Brasil’, assina- telefones e quaisquer outras que a FAO con-
dos no Rio de Janeiro, em 4 de outubro de siderar necessárias ao bom funcionamento
1910. do Escritório correrão inteiramente à conta
3. A respeito do assunto, é-me grato da FAO. A contribuição governamental está
levar ao seu conhecimento que o Governo especificada no Anexo ao presente Acordo.”36
brasileiro concorda com o de Vossa Exce-
lência em atribuir à Comissão Mista de Ins- Um raciocínio analógico talvez explique,
peção dos Marcos da Fronteira Brasil-Ar-
gentina, constituída por troca de notas de
a esta altura, a razão por que tradicional-
11 de maio e 17 de junho de 1970, as facul- mente se apontam como independentes de
dades para a construção dos marcos que aprovação parlamentar os acordos de trégua
considere convenientes nos grupos de ilhas e assemelhados, que se concluem, dentro do
Chafariz (argentinas) e Buricá ou Mburicá
estado de guerra, entre chefes militares –
(brasileiras).
4. A presente nota e a de Vossa Exce- agentes do poder Executivo das respectivas
lência, da mesma data e idêntico teor, cons- partes. Mais que o argumento pragmático,
tituem um acordo entre nossos Governos, tocante às circunstâncias prementes em que
que entra em vigor nesta data. se ajustam esses pactos, vale a considera-
(...)” (C.S.D.G.R.)35.
ção de que presenciamos, nesse quadro, o
Ficou visto que não se enquadra na ação exercício de uma diplomacia de guerra; ou
diplomática ordinária, não podendo, assim, a manutenção de relações – no caso especi-
celebrar-se executivamente, o acordo que alíssimas, por óbvio – com Estados estran-
envolva ônus apartado dos recursos do orça- geiros, dentro de um clima de guerra. A tré-
mento para as relações exteriores. A aprova- gua, o cessar fogo, o acordo para preserva-
ção do Congresso é neste caso indispensável. ção de certas áreas, ou para troca de prisio-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 137


neiros, e outras tratativas a cargo de coman- causa, tanto pode o chefe do governo man-
dos militares – quase todas previstas nas dar arquivar, desde logo, o produto a seu
grandes convenções de Haia e de Genebra – ver insatisfatório de uma negociação bilate-
configuram à evidência o resultado de uma ral ou coletiva, quanto determinar estudos
peculiar diplomacia ordinária; e, tais como mais aprofundados na área do Executivo, a
os acordos desta resultantes em tempo de todo momento; e submeter, quando melhor
paz, ostentam as características do não-com- lhe pareça, o texto à aprovação do Congres-
prometimento de recursos indisponíveis e so. Tudo quanto não pode o Presidente da
da reversibilidade. Mal há lugar para que República é manifestar o consentimento
se efetive esta útima, tão imediata a execu- definitivo, em relação ao tratado, sem o abo-
ção ou tão breve a duração de muitos dos no do Congresso Nacional. Esse abono, po-
acordos da cena de guerra. rém, não o obriga à ratificação39. Isso signifi-
Não se confundam esses acordos com
ca, noutras palavras, que a vontade nacio-
a celebração da paz. Esta é de tal modo nal, afirmativa quanto à assunção de um
valorizada pela Constituição brasileira que, compromisso externo, repousa sobre a von-
para o simples ato de fazê-la – e indepen- tade conjugada dos dois poderes políticos.
dentemente, assim, da confirmação de um A vontade individualizada de cada um de-
tratado de paz – depende o Presidente da
República de aprovação ou do referendo
les é necessária, porém não suficiente.
do Congresso37. A perspectiva aberta ao chefe do gover-
no, de não ratificar o tratado aprovado pelo
Congresso, torna lógica a simultaneidade
4. Procedimento parlamentar eventual do exame parlamentar e do pros-
Quando o tratado tenha podido consu-
seguimento de estudos no interior do gover-
mar-se executivamente, por troca de notas no. Ilustram essa hipótese as primeiras li-
ou pela assinatura do instrumento único, nhas de um parecer de Levi Carneiro, con-
publica-o o Diário Oficial no título corres- sultor jurídico do Itamaraty, com data de 9
pondente ao Ministério das Relações Exte- de junho de 1951:
riores. Em caso algum esses acordos pre-
tendem produzir efeito sobre particulares, “Tendo-se verificado que a convenção
mas, por imperativo do direito público bra- sobre privilégios e imunidades das agênci-
sileiro, a divulgação oficial se impõe para as especializadas das Nações Unidas, apro-
que a própria ação de funcionários públi- vada na Assembléia-Geral de 21 de novem-
cos da área, no sentido de dar cumprimen- bro de 1947, não foi oportunamente sub-
to ao avençado, seja legítima. Importa ago- metida à minha apreciação, como havia sido
ra informar sobre o procedimento que cir- determinado e se afirmou (até acentuando-
cunda, no Brasil, a apreciação do tratado se a demora do meu parecer) – veio-me
pelo Congresso Nacional. agora às mãos, para o mesmo fim, o referi-
do convênio.
Concluída a negociação de um tratado, No entanto, esse convênio já se acha, ao
é certo que o Presidente da República – que, que fui informado, em exame no Congresso
como responsável pela dinâmica das rela- Nacional – e, anteriormente, tivera, prova-
ções exteriores, poderia não tê-la jamais ini- velmente, a coparticipação e a assinatura
do representante do Brasil. Em tais condi-
ciado, ou dela não ter feito parte, se coletiva, ções, torna-se agora difícil fazer acolher al-
ou haver ainda, em qualquer caso, interrom- guma modificação conveniente.
pido a participação negocial brasileira – está Ainda assim, não me posso furtar à
livre para dar curso, ou não, ao processo satisfação do pedido que tenho presente.
determinante do consentimento. Ressalva- (...)”40.
da a situação própria das convenções inter- A remessa de todo tratado ao Congresso
nacionais do trabalho38, ou alguma inusual Nacional, para que o examine e, se assim
obrigação imposta pelo próprio tratado em julgar conveniente, aprove, faz-se por men-

138 Revista de Informação Legislativa


sagem do Presidente da República, acompa- 2. Trata-se de documento que, pela fle-
nhada do inteiro teor do projetado compro- xibilidade e característica de acordo-qua-
dro, visa a sistematizar a ampla área das
misso, e da exposição de motivos que a ele, relações entre os dois países, além de esta-
Presidente, terá endereçado o ministro das belecer diretrizes básicas de cooperação e
Relações Exteriores 41. Essa mensagem é ca- prever a institucionalização, por instrumen-
peada por um aviso do Ministro Chefe do tos complementares, de mecanismos pró-
Gabinete Civil ao Primeiro Secretário da Câ- prios para a consecução dos objetivos nele
fixados.
mara dos Deputados – visto que, tal como nos 3. O referido Tratado estabelece, em seu
projetos de lei de iniciativa do governo, ali, e Artigo II, a criação de uma Comissão de
não no Senado, tem curso inicial o procedi- Coordenação Brasileira-Equatoriana, que
mento relativo aos tratados internacionais. terá por finalidade fortalecer a cooperação
entre os dois países, analisar e acompanhar
Os papéis abaixo transcritos dão idéia o desenvolvimento de assuntos de interesse
da integralidade do que tem entrada no mútuo relativos à política bilateral, regio-
Congresso Nacional. nal ou multilateral, e igualmente propor aos
“Em 19 de abril de 1982. dois Governos as medidas que julgue perti-
Excelentíssimo Senhor Primeiro Secre- nentes, sobretudo nos seguintes campos:
tário: (...)
Tenho a honra de encaminhar a essa 4. Tendo presente a crescente impor-
Secretaria a Mensagem do Excelentíssimo tância do papel que a Amazônia deve de-
Senhor Presidente da República, acompa- sempenhar como elemento de união entre
nhada de Exposição de Motivos do Senhor os países que integram e como ponto focal
Ministro de Estado das Relações Exterio- de um vasto processo de cooperação, sob a
res, relativa ao texto do Tratado de Amiza- égide do Tratado de Cooperação Amazô-
de e Cooperação entre o Governo da Repú- nica, o Tratado de Amizade e Cooperação
blica Federativa do Brasil e o Governo da consigna a decisão das Partes Contratantes
República do Equador, concluído em Bra- de outorgar a mais alta prioridade à execu-
sília a 09 de fevereiro de 1982. ção dos diversos projetos acima relaciona-
Aproveito a oportunidade para reno- dos. Constituindo-se, dessa forma, em
var a Vossa Excelência protestos de eleva- marco significativo nas relações Brasil-
da estima e consideração.” (J.L.A. – Minis- Equador, o referido ato internacional pro-
tro Chefe do Gabinete Civil) porcionará elementos para que a coopera-
“Mensagem no 150 ção mútua se desenvolva e fortifique de
Excelentíssimos Senhores Membros do forma harmônica e sistemática, dentro de
Congresso Nacional: entendimento e boa vizinhança, em benefí-
Em conformidade com o disposto no cio do estreitamento dos laços que unem os
artigo 44, inciso I, da Constituição Federal, dois países.
tenho a honra de submeter à elevada consi- 5. À vista do exposto, Senhor Presiden-
deração de Vossas Excelências, acompanha- te, creio que o Tratado de Amizade e Coo-
do de Exposição de Motivos do Senhor Mi- peração em apreço mereceria ser submeti-
nistro de Estado das Relações Exteriores, o do à aprovação do Congresso Nacional, nos
texto do Tratado de Amizade e Coopera- termos do artigo 44, inciso I, da Constitui-
ção entre o Governo da República Federati- ção Federal. Caso Vossa Excelência concor-
va do Brasil e o Governo da República do de com o que precede, permito-me subme-
Equador, concluído em Brasília a 09 de fe- ter à alta consideração o anexo projeto de
vereiro de 1982. Mensagem ao Poder Legislativo, acompa-
Brasília, em 19 de abril de 1982.” (J.F.) nhado do texto do Tratado em apreço.
“Senhor Presidente, Aproveito a oportunidade para reno-
Tenho a honra de encaminhar a Vossa var a Vossa Excelência, Senhor Presidente,
Excelência o anexo Tratado de Amizade e os protestos do meu mais profundo respei-
Cooperação entre o Governo da República to.” (R.S.G.)
Federativa do Brasil e o Governo da Repú- (Segue-se o texto integral do tratado)
blica do Equador, assinado em Brasília, no
dia 9 de fevereiro passado, por ocasião da
A matéria é discutida e votada separa-
visita ao Brasil do Presidente Osvaldo Hur-
tado Larrea. damente, primeiro na Câmara depois no

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 139


Senado. A aprovação do Congresso impli- tido que esse ato aprobatório, espelhando
ca, nesse contexto, a aprovação de uma e com absoluta pureza a posição do Con-
gresso, comporte sanção do Presidente da
outra das suas duas casas. Isso vale dizer República – e abra, conseqüentemente, a
que a eventual desaprovação no âmbito da insólita possibilidade do veto.
Câmara dos Deputados põe termo ao pro- b) Nos períodos da história do Brasil
cesso, não havendo por que levar a questão em que, desativado o Congresso, assumiu
ao Senado em tais circunstâncias. o Executivo seus poderes, teria sido lógico
que o chefe de Estado simplesmente pres-
Tanto a Câmara quanto o Senado pos- cindisse de qualquer substituto formal do
suem comissões especializadas ratione ma- decreto legislativo de aprovação. Os juris-
teriae, cujos estudos e pareceres precedem a tas da época assim não entenderam. No
votação em plenário. O exame do tratado Estado Novo desencontraram-se, ademais,
internacional costuma envolver, numa e quanto ao diploma executivo preferível: al-
guns tratados foram aprovados por decre-
noutra casa, pelo menos duas das respecti- to simples 45, outros por decreto-lei46. Esta
vas comissões: a de Relações Exteriores e a última foi também a forma adotada pela
de Constituição e Justiça. O tema convenci- junta governativa no recesso parlamentar
onal determinará, em cada caso, o parecer compulsório de 196947. Em todos esses ca-
de comissões outras, como as de Finanças, sos, observou-se um curioso processo de
determinação da vontade nacional: o Exe-
Economia, Indústria e Comércio, Seguran- cutivo negociava e firmava o compromis-
ça Nacional, Minas e Energia. A votação em so. Analisava-o depois e, se disposto a ir
plenário requer o quorum comum de presen- adiante, editava o decreto ou decreto-lei
ças – a maioria absoluta do número total de aprobatório. Em seguida, munido de sua
deputados, ou de senadores –, devendo própria aprovação, ratificava o tratado…
c) A aprovação pode ter como objeto
manifestar-se em favor do tratado a maioria qualquer espécie de tratado, sem exclusão
absoluta dos presentes. O sistema difere, do que se tenha concluído por troca de no-
pois, do norte-americano, em que apenas o tas48, sendo numerosos os decretos legislati-
Senado deve aprovar tratados internacio- vos que já se promulgaram para abonar
nais, exigindo-se naquela casa o quorum co- compromissos vestidos dessa roupagem 49.
d) O decreto legislativo exprime unica-
mum de presenças, mas sendo necessário mente a aprovação. Não se promulga esse
que dois terços dos presentes profiram voto diploma quando o Congresso rejeita o tra-
afirmativo42. Os regimentos internos da Câ- tado, caso em que cabe apenas a comuni-
mara e do Senado se referem, em normas cação, mediante mensagem, ao Presidente
diversas, à tramitação interior dos compro- da República. Exemplos de desaprovação
repontam com extrema raridade na histó-
missos internacionais, disciplinando seu ria constitucional do Brasil, e entre eles des-
trânsito pelo Congresso Nacional. taca-se o episódio do tratado argentino-bra-
O êxito na Câmara e, em seguida, no Se- sileiro de 25 de janeiro de 1890, sobre a fron-
nado, significa que o compromisso foi teira das Missões, rejeitado pelo plenário
aprovado pelo Congresso Nacional. Incum- do Congresso em 18 de agosto de 1891, por
142 votos contra cinco50.
be formalizar essa decisão do parlamento, e e) Um único decreto legistativo pode
sua forma, no Brasil contemporâneo, é a de aprovar dois ou mais tratados51. Todavia,
um decreto legislativo, promulgado pelo pre- novo decreto legislativo deve aprovar tra-
sidente do Senado Federal, que o faz publi- tado que antes, sob essa mesma forma, haja
car no Diário Oficial da União. merecido o abono do Congresso, mas que,
depois da ratificação, tenha sido um dia
Alguns comentários tópicos, neste pon- denunciado pelo governo52. Extinta a obriga-
to, parecem úteis. ção internacional pela denúncia, cogita-se
a) O uso do decreto legislativo como ins- agora de assumir novo pacto, embora de
trumento de aprovação congressional dos igual teor, e nada justifica a idéia de que o
tratados é de melhor técnica que o uso da governo possa fazê-lo por si mesmo.
lei formal, qual se pratica na França43 e já se f) A forma integral de um Decreto Le-
praticou, outrora, no Brasil44. Não faz sen- gislativo que aprove, simplesmente, o tra-

140 Revista de Informação Legislativa


tado internacional é a seguinte: Senado Federal, em 15 de dezembro de
“Decreto Legislativo no 25 – de 28 de 1962.
maio de 1979 Auro Moura Andrade
Aprova o texto do Acordo Básico de Coope- Presidente do Senado Federal.”
ração Técnica e Científica entre o Governo da
República Federativa do Brasil e o Governo da Esse diploma revocatório de decreto le-
República da Guiné-Bissau, celebrado em Brasí- gislativo anterior resultou de um projeto que
lia, a 18 de maio de 1978. mereceu, no âmbito da Comissão de Consti-
Faço saber que o Congresso Nacional tuição e Justiça da Câmara dos Deputados,
aprovou, nos termos do artigo 44, inciso I,
da Constituição, e eu, Luiz Viana, Presi-
o parecer seguinte:
dente do Senado Federal, promulgo o se- “O Deputado José Bonifácio, pelo pro-
guinte: jeto de decreto legislativo número 36, de
Art. 1o É aprovado o texto do Acordo 1960, deseja a revogação do decreto legis-
Básico de Cooperação Técnica e Científica lativo acima transcrito. Em longa e bem ar-
entre o Governo da República Federativa ticulada justificação, demonstra o equívo-
do Brasil e o Governo da República da Gui- co a que foi levado o Congresso Nacional
né-Bissau, celebrado em Brasília, a 18 de para aprovar o Acordo de Resgate assina-
maio de 1978. do no Rio de Janeiro, em 4 de maio de 1956,
Art. 2o Este Decreto Legislativo entra entre os Governos dos Estados Unidos do
em vigor na data de sua publicação. Brasil e da França.
Luiz Viana É da competência exclusiva do Congres-
Presidente do Senado Federal.” so Nacional resolver definitivamente sobre
os tratados e convenções celebrados com os
A aprovação parlamentar é retratável? Estados estrangeiros pelo Presidente da
Pode o Congresso Nacional, por decreto le- República (art. 66, I, da Constituição Fede-
gislativo, revogar o igual diploma com que ral).
tenha antes abonado certo compromisso Em face das razões alegadas, algumas
internacional? Se o tratado já foi ratificado delas que atingem o decreto legislativo em
vigor para colocá-lo em orla de duvidosa
– ou seja, se o consentimento definitivo des- constitucionalidade, consideramos que se
ta república já se exprimiu no plano inter- deve permitir a tramitação do Projeto Le-
nacional53 –, é evidente que não. Caso con- gislativo no 36-60.
trário, seria difícil fundamentar a tese da Brasília, em dezembro de 1960.
impossibilidade jurídica de tal gesto. Temos, Pedro Aleixo, Relator.”
de resto, um precedente.
III – O conflito entre tratado e norma
“Decreto Legislativo no 20, de 1962.
Revoga o Decreto Legislativo no 13, de 6 de de produção interna
outubro de 1959, que aprovou o Acordo de Res- O primado do Direito das Gentes sobre o
gate, assinado em 1956, entre os Governos do
direito nacional do Estado soberano é, ain-
Brasil e da França.
Art. 1o É revogado o Decreto Legislati- da hoje, uma proposição doutrinária. Não
vo no 13, de 6 de outubro de 1959, que apro- há, em direito internacional positivo, nor-
vou o Acordo de Resgate assinado no Rio ma assecuratória de tal primado. Descen-
de Janeiro em 4 de maio de 1956, entre o tralizada, a sociedade internacional contem-
Governo dos Estados Unidos do Brasil e da
porânea vê cada um de seus integrantes di-
França, para a execução administrativa de
questões financeiras e a liquidação, por meio tar, no que lhe concerne, as regras de com-
de arbitramento, das indenizações devidas posição entre o direito internacional e o de
pelo Brasil, em decorrência da encampação produção doméstica. Resulta que, para o
das estradas de Ferro São Paulo-Rio Gran- Estado, a constituição nacional, vértice do
de e Vitória-Minas, bem como da Compa-
ordenamento jurídico, é a sede de determi-
nhia Port of Pará.
Art. 2o Este Decreto Legislativo entrará nação da estatura da norma jurídica con-
em vigor na data de sua publicação, revo- vencional. Dificilmente uma dessas leis fun-
gadas as disposições em contrário. damentais desprezaria, neste momento his-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 141


tórico, o ideal de segurança e estabilidade que o tratado recolhesse da ordem constitu-
da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si cional o benefício hierárquico. Sua simples
mesma, ao produto normativo dos compro- introdução no complexo normativo estatal
missos exteriores do Estado. Assim, posto o faria operar, em favor dele, a regra lex poste-
primado da constituição em confronto com rior derogat priori. A prevalência de que fala
a norma pacta sunt servanda, é corrente que este tópico é a que tem indisfarçado valor
se preserve a autoridade da lei fundamen- hierárquico, garantido ao compromisso in-
tal do Estado, ainda que isso signifique a ternacional plena vigência, sem embargo de
prática de um ilícito pelo qual, no plano ex- leis posteriores que o contradigam. A Fran-
terno, deve aquele responder. ça, a Grécia e a Argentina oferecem, neste
Embora sem emprego de linguagem di-
momento, exemplos de semelhante sistema.
reta, a Constituição brasileira deixa claro Constituição francesa de 1958, art. 55:
que os tratados se encontram aqui sujeitos “Os tratados ou acordos devidamente rati-
ao controle de constitucionalidade, a exem- ficados e aprovados terão, desde a data de
plo dos demais componentes infraconsti- sua publicação, autoridade superior à das
tucionais do ordenamento jurídico. Tão fir- leis, com ressalva, para cada acordo ou tra-
me é a convicção de que a lei fundamental tado, de sua aplicação pela outra parte”.
não pode sucumbir, em qualquer espécie Constituição da Grécia de 1975, art. 28,
de confronto, que nos sistemas mais obse- § 1: “As regras de direito internacional ge-
quiosos para com o Direito das Gentes tor- ralmente aceitas, bem como os tratados in-
nou-se encontrável o preceito segundo o qual ternacionais após sua ratificação (....), têm
todo tratado conflitante com a constituição valor superior a qualquer disposição con-
só pode ser concluído depois de se promo- trária das leis”.
ver a necessária reforma constitucional. Constituição política da Argentina, tex-
Norma desse exato feitio aparece na Cons- to de 1994, art. 75, § 22: “(....) os tratados e
tituição francesa de 1958, na Constituição concordatas têm hierarquia superior à das
argelina de 1976 e na Constituição espa- leis”.
nhola de 1978. Excepcional, provavelmente
única, a Constituição holandesa, após a re-
visão de 1956, admite, em determinadas 2. Paridade entre o tratado e a lei nacional
circunstâncias, a conclusão de tratados der-
rogatórios do seu próprio texto, cuja pro-
O sistema brasileiro se identifica àquele
mulgação importa, por si mesma, uma re- consagrado nos Estados Unidos da Améri-
forma constitucional. ca, sem contramarchas na jurisprudência
nem objeção doutrinária de maior vulto.
Abstraída a constituição do Estado, so-
Parte da “lei suprema da nação”, o tratado
brevive o problema da concorrência entre
ombreia com as leis federais votadas pelo
tratados e leis internas de estatura infracons-
Congresso e sancionadas pelo presidente –
titucional. A solução, em países diversos,
embora seja ele próprio o fruto da vontade
consiste em garantir prevalência aos trata-
presidencial somada à do Senado, e não à
dos. Noutros, entre os quais o Brasil con-
das duas casas do parlamento americano.
temporâneo, garante-se-lhes apenas um tra-
A supremacia significa que o tratado preva-
tamento paritário, tomadas como paradig-
lece sobre a legislação dos estados federa-
ma as leis nacionais e diplomas de grau equi-
dos, tal como a lei federal ordinária. Não,
valente.
porém, que seja superior a esta. De tal modo,
1. Prevalência dos tratados sobre o direito em caso de conflito entre tratado internacio-
interno infraconstitucional nal e lei do Congresso, prevalece nos Esta-
dos Unidos o texto mais recente. É certo,
Não se coloca em dúvida, em parte algu- pois, que uma lei federal pode fazer “repe-
ma, a prevalência dos tratados sobre leis lir” a eficácia jurídica de tratado anterior,
internas anteriores à sua promulgação. Para no plano interno. Se assim não fosse – ob-
primar, em tal contexto, não seria preciso serva Bernard Schwartz (1972, p. 87-88) –,
142 Revista de Informação Legislativa
estar-se-ia dando ao tratado não força de devesse garantir a autoridade da mais re-
lei, mas de restrição constitucional54. cente das normas, porque paritária a sua
Nos trabalhos preparatórios da Consti-
estatura no ordenamento jurídico58. Entre-
tuição brasileira de 1934, foi rejeitado o an- tanto ficou claro que, dada a diversidade
teprojeto de norma, inspirada na Carta es- das fontes de produção normativa, não se
panhola de 1931, que garantisse entre nós o deve entender que isso é uma simples apli-
primado dos compromissos externos sobre cação do princípio lex posterior derogat prio-
as leis federais ordinárias. A jurisprudên-
cia, contudo, não cessou de oscilar até pou-
ri. O tratado tem, sem dúvida, qualidade
co tempo atrás, e a doutrina permanece di- para derrogar a lei anterior desde o instante
vidida. Marotta Rangel, partidário do pri- em que passa a integrar nossa ordem jurídi-
mado da norma convencional, enumerou, ca. Mas a lei interna carece de virtude para
entre autores de idêntico pensamento, Pe- derrogar uma norma que envolve outras
dro Lessa, Filadelfo Azevedo, Vicente Rao,
Accioly e Carlos Maximiliano55. Azevedo,
soberanias além da nossa. Diz-se então que
quando ainda ministro do Supremo Tribu- o judiciário enfrenta, no caso do conflito real
nal Federal, em 1945, publicou comentário entre tratado e lei mais recente, a contingên-
demonstrativo da convicção unânime da cia de “afastar a aplicação” do primeiro, sem
corte, naquela época, quanto à prevalência dá-lo por derrogado. Por issso é que se, em
dos tratados sobre o direito interno infra-
constitucional56.
termos práticos, resulta preferível não que o
governo denuncie o tratado59 , mas que o
De setembro de 1975 a junho de 1977, Congresso revogue a norma interna com ele
estendeu-se, no plenário do Supremo Tri- conflitante, o tratado, jamais derrogado pela
bunal Federal, o julgamento do recurso ex- lei, volta a aplicar-se entre nós em plenitu-
traordinário 80.00457, em que assentada por de. Por acaso, foi justamente o que aconte-
maioria a tese de que, ante a realidade do ceu com o texto de Genebra sobre títulos de
conflito entre tratado e lei posterior, esta, crédito, uma vez que revogado, algum tem-
porque expressão última da vontade do le- po depois, o decreto-lei que com ele entrara
gislador republicano, deve ter sua prevalên- em conflito.
cia garantida pela Justiça – apesar das con-
seqüências do descumprimento do tratado, 3. Situações particulares em direito
no plano internacional. A maioria valeu-se brasileiro atual
de precedentes do próprio Tribunal para ter
Há, contudo, exceções à regra da pari-
como induvidosa a introdução do pacto –
dade? Há domínios temáticos em que, des-
no caso, a Lei uniforme de Genebra sobre
prezada a idéia de valorizar simplesmente
letras de câmbio e notas promissórias – na
a última palavra do legislador ordinário,
ordem jurídica brasileira, desde sua promul-
seja possível reconhecer o primado da nor-
gação. Reconheceu, em seguida, o conflito
ma internacional ainda que anterior à nor-
real entre o pacto e um diploma doméstico
ma interna conflitante? Duas situações me-
de nível igual ao das leis federais ordinári-
recem a propósito um comentário apartado,
as – o Decreto-lei 427/69, posterior em cerca
as que se desenham, no domínio tributário,
de três anos à promulgação daquele –, visto
à luz do artigo 98 do CTN, e, no domínio
que a falta de registro da nota promissória,
dos direitos e garantias individuais, à luz
não admitida pelo texto de Genebra coma
do artigo 5 o, § 2 o, da Constituição de 1988.
causa de nulidade do título, vinha a sê-lo
nos termos do decreto-lei. Admitiram as vo- Domínio tributário: o artigo 98 do
zes majoritárias que, faltante na Constitui- Código Tributário Nacional
ção do Brasil garantia de privilégio hierár-
quico do tratado internacional sobre as leis Esse dispositivo diz que os tratados (os
do Congresso, era inevitável que a Justiça que vinculam o Brasil, naturalmente) “…re-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 143


vogam ou modificam a legislação tributária por uma premissa ideológica hostil à exclu-
interna e serão observados pela que lhes sividade que a Carta dá à lei complementar
sobrevenha”. Essa linguagem sugere mais para ditar normas gerais de direito tributá-
uma norma preventiva de conflitos do que rio.
uma regra de solução do conflito consuma-
do, mas, se assim for entendida, ela é virtu- Direitos e garantias individuais:
almente supérflua. Não há dúvida de que o o artigo 5 o , § 2 o , da Constituição
tratado revoga, em qualquer domínio, a nor- No desfecho do extenso rol de direitos e
ma interna anterior; nem tampouco de que garantias individuais do artigo 5 o da Cons-
o legislador, ao produzir direito interno or- tituição de 1988, um segundo parágrafo es-
dinário, deve observar os compromissos tabelece que aquela lista não exclui outros
externos da República, no mínimo para não direitos e garantias decorrentes do regime e
induzi-la em ilícito internacional. Assim, dos princípios consagrados na Carta, ou dos
para que se dê ao artigo 98 efeito útil, é pre- tratados internacionais em que o Brasil seja
ciso lê-lo como uma norma hierarquizante parte. Sobre esta última categoria, não há
naquele terreno em que o CTN foi qualifica- um ensinamento consolidado no Supremo
do pela Constituição para ditar “normas Tribunal Federal, cuja maioria parece entre-
gerais”. O Supremo Tribunal Federal tem tanto pouco receptiva à idéia de que a nor-
reconhecido, desde que primeiro tratou do ma assecuratória de algum outro direito,
assunto até a hora atual, e de modo unifor- quando expressa em tratado, tenha nível
me, a eficácia do artigo 98 do CTN e sua constitucional. Isso pode resultar da consi-
qualidade para determinar o que determi- deração de que, assim postas as coisas, a
na 60. Em matéria tributária, há de buscar-se Carta estaria dando ao Executivo e ao Con-
com mais zelo ainda que noutros domínios gresso, este no quorum simples da aprova-
a compatibilidade. Mas, se aberto e incon- ção de tratados, o poder de aditar à lei fun-
tornável o conflito, prevalece o tratado, mes- damental. Quem sabe mesmo o de mais tar-
mo quando anterior à lei. de expurgá-la mediante a denúncia do tra-
Resolve-se por mais de um caminho, tado, já então – o que parece impalatável –
creio, a questão de saber se o CTN tem esta- até pela vontade singular do governo, habi-
tura para determinar na sua área temática litado que se encontra, em princípio, à de-
um primado que a própria Constituição não núncia de compromissos internacionais.
quis determinar no quadro geral da ordem Mas, se não se reconhece o nível consti-
jurídica. Faz sentido, por exemplo, dizer que, tucional dessas normas, tudo quanto o pa-
no caso do conflito de que ora cuidamos, a rágrafo quer dizer é que não se negará ao
norma interna sucumbe por inconstitucio- indivíduo um direito previsto em tratado
nalidade. Ao desprezar o artigo 98 do CTN sob o prosaico argumento de que ele não se
e entrar em conflito com tratado vigente, a encontra no rol da própria Carta? Tanto sig-
lei ordinária implicitamente terá pretendi- nificaria empobrecer demais o dispositivo,
do inovar uma norma geral de direito tributá- quando não negar-lhe um autêntico efeito
rio, estabelecendo, para si mesma, uma pre- útil. Como quer que seja, vale lembrar as
missa conflitante com aquele artigo, qual decisões majoritárias que o Supremo tomou
seja a de que é possível ignorar o compro- nos últimos anos a propósito da prisão do
misso internacional e dispor de modo des- depositário infiel (ou daqueles devedores
toante sobre igual matéria. É uma hipótese que o legislador ordinário brasileiro enten-
sui generis de inconstitucionalidade formal: deu de assimilar ao depositário infiel), ante
a lei não ofende a Carta pela essência do o texto da Convenção de São José da Costa
seu dispositivo, nem por vício qualquer de Rica61. As perspectivas da jurisprudência,
competência ou de processo legislativo, mas nesse domínio, parecem sombrias.

144 Revista de Informação Legislativa


Notas 14
Afonso Arinos de Melo Franco, Estudos de di-
reito constitucional; Rio de Janeiro, Forense, 1957, p.
1
Em sua obra de 1943, Paul de Visscher menci- 266.
onava alguns exemplos ostensivos de concentração 15
V., no volume II de Pareceres dos Consultores
do poder convencional nas mãos do governo. Eram Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores (1913-
eles, na época, o Império do Japão, a Alemanha sob 1934), diversos pronunciamentos de Clóvis Bevila-
o III Reich, a Etiópia, a República de São Marinho, qua, na qualidade de consultor do Itamaraty.
a Arábia Saudita, o Iêmen e o Vaticano (Paul de 16
Constituição de 1934, arts. 40 e 56.
Visscher, De la conclusion des traités internationaux. 17
Carta política de 1937:
Bruxelas, Bruylant, 1943. pp. 26-28). “Art. 54. Terá início no Conselho Federal a dis-
2
Quanto ao procedimento: manifestam-se, na cussão e votação dos projetos de lei sobre:
França, as duas casas do parlamento, quais sejam a) tratados e convenções internacionais;
a Assembléia Nacional e o Senado; e o fazem por .............................................................................
meio de uma lei, aprovando o tratado, e permitin- Art. 74. Compete privativamente ao Presidente
do, pois, sua confirmação pelo Presidente da Re- da República:
pública. .............................................................................
3
Constituição política do Império do Brasil, de d) celebrar convenções e tratados internacionais,
25 de março de 1824, art. 102 – VIII. ad referendum do Poder Legislativo;”
4
Constituição peruana de 12 de julho de 1979, 18
Constituição de 18 de setembro de 1946:
arts. 102 e 104. “Art. 66. É da competência exclusiva do Con-
5
Constituição venezuelana de 23 de janeiro de gresso Nacional;
1961, art. 128. I – resolver definitivamente sobre os tratados e
6
Cf., a propósito, os argumentos de Gladstone convenções celebrados com os Estados estrangei-
e William Harcourt no debate sobre a cessão de ros pelo Presidente da República;
Heligoland ao Império Germânico, em 1890 (Willi- .............................................................................
am Reyne’l Anson, The crown, II, p. 140). Relatam Art. 87. Compete privativamente ao Presidente
autores contemporâneos que, de 1924 a esta parte, da República:
o procedimento do governo britânico tem sido, na .............................................................................
prática, mais cauteloso do que lhe manda o direito. VII – celebrar tratados e convenções internacio-
Tem ele procurado enviar ao parlamento, com an- nais, ad referendum do Congresso Nacional;”
tecedência, todos os tratados não consumados pela 19
Pela comodidade que proporcionava, a dou-
assinatura — vale dizer, os dependentes de ratifi- trina granjeou adeptos dentro da diplomacia brasi-
cação —, exprimindo seu consentimento definitivo leira. Não seria exato, porém, associá-la de modo
caso aquele poder não se revele disposto, após al- raso ao Ministério das Relações Exteriores: Levi Car-
gumas semanas, a colocar a matéria em debate. neiro, consultor jurídico do Ministério, ofereceu apoio
Isso de certo modo aproxima a atual tendência das limitado às concepções de Accioly; e Haroldo Valla-
instituições britânicas, no particular, do modelo dos dão, ocupante do mesmo cargo, notabilizou-se como
Países Baixos. (v. Nguyen Quoc Dinh, Droit inter- adversário dessa doutrina, fiel ao pensamento cons-
national public, Paris, LGDJ, 1975, p. 153). titucionalista de Clóvis e de outros autores.
7
V. Paul de Visscher, op.cit. , pp. 32-33; 20
7 BSBDI (Boletim da Sociedade Brasileira de Di-
D.P.O’Connell, International Law, Londres, Stevens reito Internacional), 1948, pp. 5-11: Accioly.
& Sons, 1970, p. 867; Arnold McNair, The Law of 21
11-12 BSBDI (1950), pp. 95-108: Valladão.
Treaties, Oxford, Clarendon Press, 1961, pp. 83-84. 22
13-14 BSBDI (1951), pp. 20-33: Accioly.
8
Constituição dos Estados Unidos da Améri- 23
Constituição de 1988, art. 49-I e art. 84-VIII.
ca, de 17 de setembro de 1787, art. II, seção 2. 24
O chamado Tratado de Itaipu foi encaminha-
9
Sobre os casos U. S. v. Belmont e U. S. v. Pink, do ao Congresso por mensagem presidencial data-
v. McNair, pp. 64-65 e 80; e Bernard Schwartz, Cons- da de 17 de maio de 1973. No dia 30 do mesmo
titutional Law; Nova York, Macmillan, 1972, pp. 152- mês, promulgava-se o Decreto Legislativo 23/73,
155. aprovando-o. No Senado – cujo pronunciamento
10
O’Connell, op.cit., pp. 208-210. sucede sempre ao da Câmara – durou dois dias a
11
Constituição mexicana de 31 de janeiro de tramitação da matéria. O Acordo nuclear Brasil-
1917, art. 76-I. Não se refere a Constituição à mai- Alemanha também ilustra a assertiva do texto. A
oria qualificada (2/3). mensagem presidencial que o mandou ao Congres-
12
Constituição republicana de 24 de fevereiro so é de 21 de agosto de 1975, e o inteiro processo se
de 1891, arts. 34 a 48. concluiria, com a promulgação do Decreto Legisla-
13
Carlos Maximiliano, Comentários à Constitui- tivo 83/75, aprobatório do acordo, em 20 de outu-
ção brasileira de 1946; Rio de Janeiro, Freitas Bastos, bro seguinte. Nesse caso, foi de vinte dias a perma-
1948, vol. II, p. 238. nência da matéria no Senado.

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 145


A notícia é confirmada pela Ata da 6 a reunião
25
“Aprovado um tratado pelo Congresso Nacio-
ordinária da Comissão de Relações Exteriores da nal, pode o Poder Executivo adiar a sua ratificação
Câmara dos Deputados, realizada em 24 de maio ou deixar de o ratificar? A questão tem dois aspec-
de 1972. tos: o internacional e o interno (ou constitucional).
26
7 BSBDI (1948), pp. 8. V. também Araújo, pp. 1) Sob o primeiro, é princípio corrente, já con-
160-173. signado até em convenção internacional (art. 7o da
27
Juan Carlos Puig, Derecho de la Comunidad Convenção de Havana, de 1928), que a ratificação
Internacional, Buenos Aires, Depalma, 1975, p. 149. de um tratado pode ser livremente recusada por
28
Constituição de 1988, art. 76 e art. 84, II. qualquer de suas partes contratantes. Realmente,
29
Constituição de 1988, art. 84, incisos I e XIII, ou se considere a ratificação como a confirmação
respectivamente. explícita, dada pela autoridade competente do Es-
30
7 BSBDI (1948), pp. 8 e seguintes. tado, do ato assinado por seu representante, ou se
31
Temperam-na, não obstante, os fatores se- considere, como quer Anzilotti, como a verdadeira
guintes: declaração da vontade de estipular — é sabido que
a) A declaração de guerra e a celebração da ela não constitui mera formalidade, sem importân-
paz, promovidas pelo Presidente da República, têm cia, e que cada parte contratante tem a plena liber-
sua validade condicionada ao endosso ulterior do dade de a dar ou de a recusar. A assinatura ou
Congresso, quando este não haja manifestado an- acordo dos plenipotenciários é apenas — conforme
tecipadamente sua aquiescência. escrevi em meu Tratado de Direito Internacional
b) Na escolha dos chefes de missão diplomáti- Público — um primeiro ato, após o qual os órgãos
ca de caráter permanente, depende o Presidente da competentes do Estado vão apreciar a importância
aprovação prévia do Senado Federal, por voto se- e os efeitos ou conseqüências do tratado. Essa apre-
creto. ciação, entre nós, cabe em parte ao Poder Legislati-
c) Como todo ministro de Estado, encontra-se vo, mas não pode deixar de caber igualmente ao
o chanceler obrigado a comparecer perante a Câ- Poder Executivo ou, antes, ao Presidente da Repú-
mara dos Deputados, o Senado, ou qualquer de blica, que é o órgão ao qual incumbe a representa-
suas comissões, desde que convocado por uma ou ção do Estado e aquele a quem compete manter as
outra casa para prestar, pessoalmente, informa- relações do país com os Estados estrangeiros. Des-
ções acerca de assunto determinado. A convocação sa apreciação, pode resultar a confirmação ou a
dirá respeito, presumivelmente, a tema afeto às re- rejeição do tratado. Internacionalmente, a primeira
lações exteriores. Pode transparecer em tal ensejo a hipótese é representada pela ratificação, expressa
desaprovação do Congresso à política exterior do pelo Presidente da República. Pouco importa para
governo. Nada, porém, mais que isso. Num siste- a outra ou as outras partes contratantes que um
ma presidencialista, as convicções do Congresso dos órgãos do Estado (no caso, o Poder Legislati-
não vinculam o Executivo. Diversamente do que vo) já tenha dado sua aquiescência ao tratado. O
sucede nos regimes parlamentares, não depende que vale é que o Poder representativo do Estado,
entre nós o governo, ou cada um de seus integran- ou seja, o Executivo, o ratifique. Assim, a potência
tes em particular, da confiança do Legislativo. ou potências estrangeiras não têm propriamente
32
Diário Oficial de 4.11.80, S. I, p. 21.986. que indagar se já se verificou ou não a aprovação
33
Diário Oficial de 24.07.81, S. I, p. 13.962. do ato pelo Congresso Nacional: o que lhe ou lhes
34
Diário Oficial de 28.10.81, S. I, p. 20.515. importa é a ratificação pelo Chefe do Estado.
35
Diário Oficial de 19.10.82, S. I, p. 19.809. 2) Do ponto de vista constitucional, não vejo
36
Diário Oficial de 15.05.81, S. I, p. 8.842. onde exista a obrigação do Poder Executivo ratifi-
37
Constituição de 1988, art. 84, XX. Na vigên- car um tratado, como conseqüência necessária da
cia da carta de 1946, era necessária, em todos os aprovação do mesmo pelo Congresso Nacional. É
casos, a aprovação prévia do Congresso para a fei- verdade que a Constituição Federal, em seu art. 66,
tura da paz — assim entendida, juridicamente, a no 1, declara ser da competência exclusiva do Con-
terminação do estado de guerra. V., a respeito, o gresso Nacional resolver definitivamente sobre os
parecer de 26 de julho de 1951, de Levi Carneiro, tratados e convenções celebrados com os Estados
consultor jurídico do Itamaraty (Pareceres, IV, pp. estrangeiros pelo Presidente da República. Parece-
516-518). me, porém, que essa estipulação deve ser entendi-
38
Sobre as convenções internacionais do traba- da no sentido de que o tratado — celebrado como
lho e a razão pela qual é menor, nesse terreno, a deve ser, pelo Presidente da República (por meio de
liberdade do governo, v. Rezek, J.F., Direito dos Tra- delegado seu) — não está completo, não pode ser
tados, Rio de Janeiro, Forense, 1984, pp. 164-168. definitivo, sem a aprovação do Congresso Nacio-
39
Parecer de Hildebrando Accioly, consultor nal. Aquela expressão significa, pois, que o tratado
jurídico do Itamaraty, sob a vigência da Constitui- celebrado pelo Poder Executivo não pode ser con-
ção de 1946 (8 BSBDI (1948), pp. 164-166): firmado ou entrar em vigor sem a aprovação do

146 Revista de Informação Legislativa


Congresso Nacional; mas não quererá dizer que essa cação do ato já aprovado pelo Congresso ou, como
aprovação obrigue o Presidente da República a con- sucede nos Estados Unidos, pelo Senado.”
firmar o tratado. E não quererá dizer isso, não só 40
Pareceres, IV, pp. 505-509.
porque seria, então, desnecessária a ratificação, mas 41
Ocasionalmente, em razão da matéria, fir-
também porque o órgão das relações exteriores do mam a exposição de motivos outros ministros de
Estado, aquele a quem compete privativamente Estado além do titular das Relações Exteriores.
manter relações com Estados estrangeiros, é o Pre- 42
Essa maioria qualificada foi o que não conse-
sidente da República — que, por isso mesmo, se guiu obter no Senado, em 1919, o Presidente Woo-
acha mais habilitado, do que o Congresso, a saber drow Wilson, em relação ao Pacto da Sociedade
se as circunstâncias aconselham ou não o uso da das Nações.
faculdade da ratificação. Por outro lado, essa in- 43
E também, ao que informam os textos, na
terpretação lógica é confirmada implicitamente por Argentina, no Chile, na Colômbia e na Venezuela.
outra disposição da Constituição Federal. De fato, No México adota-se a forma da resolução d o
determina esta, em seu art. 37, no VII, que ao Presi- Senado.
dente da República compete privativamente cele- 44
V. em José Manoel Cardoso de Oliveira, Atos
brar tratados e convenções internacionais ad referen- Diplomáticos do Brasil, Rio de Janeiro, Jornal do
dum do Congresso Nacional; donde se deve con- Comércio, 1912, vol. II, p. 48, a referência ao Trata-
cluir que o papel do Congresso, no caso, é apenas o do brasileiro-peruano de 1874, sobre permuta terri-
de aprovar ou rejeitar o ato internacional em apreço torial, e alguns exemplos de aprovação de tratados
— isto é, autorizar ou não a sua ratificação, ou na vigência da Constituição de 1891.
seja, resolver definitivamente sobre o dito ato. As- 45
Tratado de extradição Brasil-Venezuela, de
sim, o Presidente da República assina o tratado, 1938 (Col. MRE no 160), aprovado pelo Decreto
por delegado seu, mediante uma condição: a de 4.868, de 9.11.39.
submeter ao Congresso Nacional o texto assinado. 46
Tratado de extradição Brasil-Colômbia, de
Depois do exame pelo Congresso, estará o Presi- 1938 (Col. MRE no 168), aprovado pelo Decreto-Lei
dente habilitado, ou não, a confirmar ou ratificar o 1.994, de 31.01.40; Acordo sul-americano de radi-
ato em causa. A rejeição pelo Congresso impede a ocomunicações, de 1935 ( Col. MRE no 217), aprova-
ratificação; a aprovação permite-a, mas não a tor- do pelo Decreto-Lei 687, de 14.09.38.
na obrigatória. 47
Acordo geral de cooperação Brasil-R. F. da
............................................................................. Alemanha, de 1969 (Col. MRE no 644), aprovado
Green Hackworth, em seu recente Digest of In- pelo Decreto-Lei 681, de 15.07.69; Tratado da Ba-
ternational Law (vol. V, p. 54), menciona um caso cia do Prata, de 1969 (Col. MRE no 633), aprovado
bem expressivo dessa interpretação, assinalando o pelo Decreto-Lei 682, de 15.07.69; Atos (diversos)
seguinte fato, relativo à convenção internacional da do XV Congresso da UPU, de 1964, aprovados pelo
hora (International Time Convention), de 1913. O Se- Decreto-Lei 544, de 18.04.69.
nado aprovou-a, o Presidente chegou a ratificá-la, 48
O ritual muda, preservado o princípio, se o
o respectivo instrumento de ratificação foi enviado compromisso, nesse caso, já se encontrava em vi-
à Embaixada americana em Paris, para depósito, gor quando da submissão ao Congresso.
mas, depois, por decisão do próprio Governo ame- 49
Decreto Legislativo 5/51; v. também a Men-
ricano, foi dali devolvido a Washington, sendo anu- sagem 532/80 do Presidente ao Congresso; e co-
lado. O consultor do Departamento de Estado, a mentário de Levi Carneiro, em 1949 (Pareceres, IV,
quem fora submetida a questão de saber se o Poder pp. 318-322) e 1950 (Pareceres, IV, pp. 401-414).
Executivo podia anular uma ratificação, indepen- 50
Nesse caso o próprio governo, e pela voz de
dentemente de qualquer ação do Senado ou Con- Quintino Bocaiúva — que conduzira as negocia-
gresso, opinara em sentido favorável. É de se notar ções com o chanceler argentino Zeballos — reco-
que, no caso, não se tratava de deixar de ratificar mendou a seus partidários no Congresso a desa-
um ato aprovado pelo Senado, mas de anular uma provação do Tratado (v. José Maria Bello, História
ratificação já dada e ainda não depositada. Na ver- da República; São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1964,
dade, poucas vezes sucederão hipóteses como essa pp. 73-75). Para outro caso de rejeição, ocorrido
ou como a que vim encarando; porque, em geral, o em 1949, e atinente a um pacto bilateral com a
governo que assina um ato internacional e o sub- Tchecoslováquia, v. o comentário de Levi Carneiro
mete ao poder competente, para sobre ele opinar, em Pareceres, IV, p. 410.
deseja que o mesmo seja posto em vigor. Assim, 51
Decreto Legislativo 91, de 1972:
logo que obtém a aprovação ou o parecer favorá- “Art. 1o É aprovado o texto do Tratado sobre
vel, trata de ratificar o ato em apreço. Nada impe- Vinculação Rodoviária, assinado em Corumbá, a 4
de, porém, que circunstâncias supervenientes mos- de abril de 1972, e o do Protocolo Adicional ao
trem a necessidade, às vezes imperiosa, de sustar, Tratado sobre Vinculação Rodoviária, firmado, em
por certo tempo ou, até, indefinidamente, a ratifi- La Paz, a 5 de outubro de 1972, celebrados sobre a

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 147


República Federativa do Brasil e a República da 53
E não é, no caso, importante saber se o trata-
Bolívia. do já entrou em vigor ou não; ressalvada a possibi-
Art. 2o Este Decreto Legislativo entra em vigor lidade de retirada da ratificação em circunstâncias
na data de sua publicação, revogadas as disposi- excepcionais.
ções em contrário. 54
Bernard Schwartz, Constitutional Law, Nova
Senado Federal, em 5 de dezembro de 1972. York, Macmillan, 1972, p. 87-88.
Petrônio Portella – Presidente do Senado Fede- 55
Vicente Marotta Rangel, La procédure de con-
ral.” clusion des accords internationaux au Brésil; R. Fac. SP
52
Decreto Legislativo 77, de 1973: (1960), v. 55, p. 264-265.
“Art. 1o É aprovado o texto da Convenção Na- 56
Filadelfo Azevedo, Os tratados e os interesses
cional Internacional para a Regulamentação da privados em face do direito brasileiro; BSBDI (1945), v.
Pesca da Baleia, concluída em Washington, a 2 de 1, p. 12-29.
dezembro de 1946, aprovada pelo Decreto Legisla- 57
Para comentário à decisão do STF, v. Mirtô
tivo no 14, de 9 de março de 1950, promulgada pelo Fraga, Conflito entre tratado internacional e norma de
Decreto no 28. 524, de 18 de agosto de 1950, e de- direito interno, Rio de Janeiro, Forense, 1997.
nunciada, por nota da Embaixada do Brasil em 58
V. a íntegra do acórdão em RTJ 83/809.
Washington, ao Departamento de Estado Norte- 59
O que não nos exonera da responsabilidade
Americano, a 27 de dezembro de 1965, com efeito a internacional por eventuais conseqüências do con-
partir de 30 de junho de 1966, em virtude de não flito, enquanto não surte efeito a denúncia.
haver, na ocasião, maior interesse do Brasil em con- 60
V. Carlos Mário da Silva Velloso, O direito
tinuar a participar da referida convenção. internacional e o Supremo Tribunal Federal, Belo Hori-
Art. 2o Este Decreto Legislativo entrará em vi- zonte, CEDIN, 2002.
gor na data de sua publicação, revogadas as dis- 61
V., por exemplo, ADIn 1.497-DF, ADIn
posições em contrário. 1.480-DF e HC 76.561-SP. V. ainda o estudo refe-
Senado Federal, em 7 de dezembro de 1973. rido na nota anterior.
Paulo Torres – Presidente do Senado Federal.”

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