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CADERNOS DE SEGURO
Da competência
privativa da União
Para legislar sobre seguros
ALESSANDRA CARNEIRO
A autonomia das do não contiveram dispositivo
específico sobre repartição de
entidades federativas
competências. Tanto a Consti-
pressupõe repartição tuição Imperial de 1824 como a Nos 39
CADERNOS DE SEGURO
de competências Constituição da República dos
para o exercício e
Estados Unidos do Brasil de defrontamos
1891 não se debruçaram sobre a
desenvolvimento de sua questão. Foi somente no Estado
Novo que a Constituição Brasilei-
com uma
atividade normativa.*
ra de 1934 atribuiu à União com-
petência privativa para fiscalizar
avalanche
as operações de seguros, dentre
de projetos
P assados 25 anos da pro-
mulgação da Magna Carta
de 1988, que contém pre-
visão expressa no sentido de que
outras operações. O comando
constitucional que conferiu à
União tal autoridade específica
para legislar sobre o regime de
de lei
compete privativamente à União seguros e sua fiscalização foi inau- originários
legislar sobre seguros, ainda so- gurado na Constituição de 1937.
mos surpreendidos com a publica- Por sua vez, as Cartas de 1946 e de Assembleias
ção de leis estaduais e municipais 1967 reafirmam a competência da
tratando dessa matéria. Provocada União para legislar sobre normas
a Suprema Corte, através de Ação gerais de seguro.
Legislativas
Direta de Inconstitucionalidade,
que por sinal é ferramenta proces- A tentativa de caracterização mais e Câmaras
sual criada pela Constituição de clara do Estado brasileiro como
1988, o STF tem declarado tais leis uma Federação levou a Constitui- Municipais que,
inconstitucionais, expurgando-as ção da República Federativa do
Brasil de 1988 a confiar expressa-
do mundo jurídico. Também nos
mente à União competência pri-
equivocadamente,
defrontamos com uma avalanche
vativa para legislar sobre seguros.
de projetos de lei originários de
Ela o faz com base no princípio
ou sob o pretexto
Assembleias Legislativas e Câma-
ras Municipais que, equivocada- da predominância do interesse,
mente, ou sob o pretexto de legis- que passa a nortear a repartição de legislarem
larem sobre matéria de consumo, de competências entre a União, os
se imiscuem em terreno que não estados e os municípios, na busca sobre matéria
lhes é próprio para legislar, qual do equilíbrio federativo. Assim,
seja, sobre seguro. cabem à primeira matérias e as- de consumo, se
suntos de predominante interesse
Historicamente, pelo lapso de geral, nacional, aos segundos, ma-
mais de um século, os textos cons- térias de interesse majoritariamen-
imiscuem em
titucionais que regeram as relações te regional, e aos últimos, assuntos
dos cidadãos brasileiros e o Esta- de característica local.
terreno que não
lhes é próprio
para legislar, qual
* (HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estado-Membro no direito constitucional
brasileiro. In: DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São
Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 479.) seja, sobre seguro.
Opinião
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A reserva à União das competências
CADERNOS DE SEGURO
A reserva à União das compe- Logo, os estados somente pode- Federal a legislar sobre questões
tências administrativa e legisla- rão legislar em matéria de seguro específicas das matérias previstas
tiva sobre matérias e questões de se a própria União delegar a eles no art. 22 da CF/1988, por força
predominante interesse geral está competência para tanto, median- do disposto no § 1º do art. 32 da
disciplinada nos arts. 21 e 22 da te a edição de lei complementar. Constituição, que determina que
CF/1988. Aqui será tratada espe- Não havendo tal delegação, cabe- “ao Distrito Federal são atribuídas
cificamente a competência legis- rá aos estados legislar apenas so- as competências legislativas reser-
lativa desse ente federativo. bre o que não for de competência vadas aos Estados e Municípios”.
da União, nos termos do art. 25,
A Constituição Federal de 1988 § 1º, da CF/19881 , com a ressalva Segundo Alexandre de Moraes4,
dispõe, no inciso VII do art. 22, do art. 24, § 4º, da Magna Carta2. para que haja a delegação de com-
que compete privativamente à petência de assuntos privativos da
União legislar sobre seguros. Cumpre observar que há entendi- União aos estados, faz-se necessá-
mento3 no sentido de que a União, rio o atendimento aos seguintes
Art. 22. Compete privativamente mediante lei complementar, tam- requisitos: (i) a delegação tem que
à União legislar sobre: bém pode autorizar o Distrito ser objeto de lei complementar
aprovada pela maioria absoluta
[...]
dos membros da Câmara dos De-
VII – política de crédito, câmbio, putados e do Senado Federal; (ii)
1 “Art. 25. Os Estados organizam-se e
seguros e transferência de valores; regem-se pelas Constituições e leis que a delegação deverá ser particula-
adotarem, observados os princípios desta rizada, por impossibilidade de se
[...] Constituição.
delegar toda a matéria constante
[...] de um único inciso do art. 22; e
Essa competência é delegável, nos
§ 1º – São reservadas aos Estados as (iii) a União só poderá delegar
termos do parágrafo único do re- competências que não lhes sejam veda-
por lei complementar um ponto
ferido art. 22, abaixo transcrito. das por esta Constituição.
específico de sua competência a
2 Art. 24. Compete à União, aos Estados e
Art. 22. (...) ao Distrito Federal legislar concorrente- todos os estados, em respeito ao
mente sobre: princípio da igualdade de trata-
[...] mento às entidades federadas.
[...]
CADERNOS DE SEGURO
nos termos do inciso I do art. 22
da CF/1988:
[...]
CADERNOS DE SEGURO
cional atual, que “compete pri-
Diante da exegese realizada, no vativamente ao Governo Federal
plano da constitucionalidade for- formular a política de seguros
mal vislumbro a existência de ví- privados, legislar sobre suas nor-
cio que macula a proposição. mas gerais e fiscalizar as opera-
ções no mercado nacional”.
Como dito, a proposição do ilus-
tre Deputado versa sobre direito Por fim, vale ainda assinalar
do consumidor, porém hostiliza a que, no mesmo sentido de re-
Constituição Federal no seu art. 22, servar à União e somente a ela a
que assegura a competência priva- competência para legislar sobre
tiva da União, para legislar sobre seguros, o art. 153, V, da Magna
seguros conforme manifestação ju- Carta lhe atribuiu competência
risprudencial do STF, reafirmando exclusiva para instituir impos-
a força e amplitude deste princípio tos sobre "operações de crédito,
escolha da oficina em caso de co- constitucional”. (grifamos) câmbio e seguro, ou relativas a
bertura securitária para os danos títulos ou valores mobiliários" –
ocasionados a veículo segurado, Cumpre salientar que o Decre-
o denominado IOF.
o que resultou no arquivamento to-Lei nº 73/1966 instituiu o
Sistema Nacional de Seguros Em que pesem as insistentes ten-
da proposição legislativa.
Privados, constituído, entre ou- tativas dos estados e municípios
É importante destacar o seguin- tros, pela Superintendência de em legislar sobre matéria de segu-
te trecho do parecer da referida Seguros Privados – Susep (art. ro, há que se reconhecer que con-
Comissão: 8º, alínea “b”), autarquia vincu- testada sua constitucionalidade,
lada ao Ministério da Fazenda, o STF tem proferido decisões no
Sob o prisma da constitucionalida- responsável pelo controle e fis- sentido de banir tais leis do mun-
de e legalidade, verificamos conter calização do mercado de seguro, do jurídico, reafirmando, como
no artigo 22, inciso VII, da Consti- previdência privada aberta, ca- guardião da Constituição que é,
tuição Federal a seguinte determi- pitalização e resseguro. a competência privativa da União
nação, competência da União para para legislar sobre seguro.
legislar privativamente sobre polí- O art. 1º do referido decreto-lei
tica de crédito, câmbio, seguros e estabelece que “todas as opera-
transferência de valores, matéria ções de seguros privados reali-
versada neste projeto de lei. zadas no País ficarão subordi-
Alessandra Carneiro
nadas às disposições do presente
Gerente jurídica da Confederação
[...] Decreto-lei”. Seu art. 2º estabele- Nacional das Empresas de Seguros
ce que “o controle do Estado se Gerais, Previdência Privada e Vida,
Neste passo, entendemos não ser Saúde Suplementar e Capitalização
exercerá pelos órgãos instituídos
possível prosseguir tratando a ma- (CNseg), Membro da Associação
neste Decreto-lei, no interesse Internacional de Direito de Seguros
téria apenas como da órbita do
dos segurados e beneficiários dos (AIDA-Seção Brasileira), graduada
Código de Defesa do Consumi- em Direito pela Pontifícia
contratos de seguro”.
dor, pois a visão do STF foi mais Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-Rio) e pós-graduada
ampla e assim considerando que o Destaca-se que o art. 7º do De- em Direito Lato Sensu pelo Instituto
Direito, como ciência que é, com- creto-Lei nº 73/1966, em previ- Superior do Ministério Público (ISMP).
porta nova interpretação. são muito anterior à promulga- alessandra@cnseg.org.br