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Resenha do livro “A Riqueza das Nações” de

Adam Smith
Iago Folgoni
Sep 2, 2019 · 10 min read

O texto base do liberalismo econômico

O livro “A Riqueza das Nações” de Adam Smith foi o primeiro grande marco
para a fundamentação teórica na defesa de uma economia de mercado. Em um
momento em que se estava ganhando forma a primeira revolução industrial na
Inglaterra, Smith elaborou uma série de novos conceitos e relações que mudariam
completamente a forma como a Economia Política seria posteriormente analisada.
Dentre suas principais contribuições, a relação entre a especialização do trabalho e a
produtividade, o foco no consumidor e não na acumulação de metais, e a eficiência
gerada pelo egoísmo de cada produtor e consumidor (mão invisível), continuam
presentes até os dias de hoje.
O século XVIII foi decisivo para os rumos do mundo contemporâneo. Entre seus
acontecimentos, destacam-se a revolução americana, de 1776, a francesa, de 1789, a
repercussão das ideias iluministas, as primeiras revoltas e rebeliões de algumas
colônias europeias na América (como por exemplo a inconfidência mineira, ocorrida
no Brasil no mesmo ano da revolução francesa)e os enormes avanços científicos nas
ciências, especialmente no campo da química e da física. Tais acontecimentos não eram
em vão, ou apenas mera coincidência. Havia, no mundo todo, uma mudança estrutural
da sociedade, causada principalmente pela mudança na economia e no modo de
compreender a geração da riqueza. Nesse sentido, as mudanças geradas pela economia
tiveram um impacto ainda maior do que as próprias revoluções presentes no mesmo
período. Tanto a independência das 13 colônias e a sangrenta revolução francesa, que
colocavam em Xeque toda a estrutura político-administrativa colonialista e absolutista,
não tiveram a mesma intensidade quanto as mudanças econômicas. A última,
consolidada no século XVIII representa uma mudança na geração de riqueza, deixando
para trás não só as ideias econômicas do feudalismo e, mais contemporânea ao período
descrito, o mercantilismo, mas também a organização social e as interações pessoais.

Compreender todas essas mudanças e seus impactos no mundo não era uma tarefa
fácil. Alguns autores se aprofundaram nos estudos desses fenômenos, como por
exemplo Edmund Burke, que fez uma análise detalhada sobre a revolução francesa, e
Tocqueville, que embora autor do século XIX, compreendeu as raízes da democracia
Americana desde o período de sua independência. Porém, no campo econômico,
houveram diversos autores que foram capazes de identificar as mudanças que ocorriam
no comércio e na produção. Entre eles destacaram-se Richard Cantillon e Francis
Hutcheson, que fizeram as primeiras contribuições para a economia política. Tais
pensadores contribuíram de formas pontuais, tratando sempre de temas um pouco
mais restritos da economia. Entretanto, foi apenas em 1776 com Adam Smith, aluno de
Hutcheson, que toda a sociedade ocidental moderna foi descrita, de forma sociológica
e econômica, servindo como base teórica para toda a economia política liberal do
mundo.

Adam Smith nasceu em 1723, na Escócia, e por lá permaneceu durante grande parte
da sua vida. Foi criado somente pela mãe, pois seu pai, também chamado Adam Smith,
falecera um pouco antes de seu nascimento. Dedicou sua vida aos estudos, e se formou
na Universidade de Glasgow, onde fora discípulo de Hutcheson, e teve seu primeiro
contato com as ideias de economia política. Smith apresentou diversas palestras a
respeito de filosofia moral e direitos naturais, matéria que até então englobava muitos
assuntos como Ética, teologia, Jurisprudência, entre outras.

Foi somente em 1752 que Smith conseguiu a cadeira para dar aula na Universidade de
Glasgow. Ao longo de sua vida, Smith ascendeu e obteve contato com grandes
pensadores contemporâneos, entre eles David Hume, de quem se tornara amigo,
Voltaire e Burke. O professor já havia escrito “Teoria dos Sentimentos Morais” em
1759, mas foi em 1764 que Smith começou a elaborar um tratado de economia
política, tratado esse que demoraria doze anos para ser finalizado, denominado “Uma
investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”. O tratado é
uma junção de cinco grandes livros, e o impacto causado por tal obra no mundo
econômico e social é enorme, motivo pelo qual me propus analisar e identificar as
mudanças descritas por Smith, e que serão apresentadas logo adiante. Smith morreu
em 1790, em Edimburgo, mas seu pensamento e seu legado seguem vivos nos livros e
na economia mundial. Vale lembrar mais uma vez que o tratado que Adam Smith se
propôs a escrever condensa todo um pensamento que vinha sendo descoberto pelos
grandes intelectuais ao observarem as mudanças da sociedade e da economia.

Explicações do tratado

O primeiro livro da Riqueza das Nações explica toda a mudança e adaptação das forças
produtivas do trabalho, e como essas mudanças impactaram as diferentes classes
sociais. Adam Smith procura investigar como, em seu tempo, ocorrera um aumento
significativo na produtividade comparada aos séculos anteriores. Para Smith, tal
fenômeno tem relação direta com a divisão do trabalho. É bastante claro e intuitivo que
apenas uma pessoa produzindo qualquer artefato possuiria um rendimento muito
inferior comparado ao trabalho dividido entre muitas pessoas. Se uma pessoa, por
exemplo, produz 1 sapato em 3 dias, muitas pessoas, e cada uma responsável pela
produção de uma parte do sapato, sendo elas limpar o couro, colocar o cadarço, entre
outros, poderiam produzir mais sapatos e em menos tempo.

Essa ideia representava uma mudança significativa do ponto de vista de organização


do trabalho, pois ela concebia uma relação de causalidade entre o aumento na
produtividade com um maior nível de especialização. Os primeiros donos de fábricas se
utilizaram do conceito descrito por Smith, e o resultado era nítido : mais produtos em
menos tempo, ou seja, a produção de riqueza tornava-se maior. Vale ressaltar também
que Smith fez uma distinção muito clara entre aquelas sociedades que possuíam e não
possuíam a divisão do trabalho consolidada: as primeiras foram caracterizadas como
desenvolvidas, enquanto as segundas eram chamadas de rudimentares. Após breve
explicação, é importante analisar os impactos decorrentes da divisão do trabalho.

O primeiro ponto a ser destacado é o tamanho do mercado. Quanto maior for a


população de uma região, e tendo já se instalado a divisão do trabalho, maior será a
especialização de cada indivíduo na sociedade. E como consequência, cada indivíduo
produz não um artefato inteiro, mas uma parte dele, e, portanto, necessita de trocas
para que se adquira os bens necessários para sua sobrevivência. Além disso, os
indivíduos devem possuir um poder de troca em equilíbrio com a quantidade de
riqueza ou valor produzido, e que seja muito aceito entre a população.

Esse poder de troca é convertido na moeda. A moeda torna-se o facilitador necessário


para que ocorram as trocas entre diferentes produtores e assalariados, pois trocar
moedas por produtos é mais prático do que trocar produtos por produtos. O livro
conclui nos apresentando uma decomposição dos componentes que estão embutidos
dentro dos preços, sendo eles o salário dos trabalhadores, o lucro do proprietário e os
custos fixos, como por exemplo o aluguel dos produtores.

Enquanto o primeiro livro trata das consequências da divisão do trabalho e sua


mudança na organização social, o segundo livro começa a definir o capital, conceito
esse que até o período feudal nunca tivera destaque. Smith definirá o capital como
aquilo que poderá gerar rendimento, e possui 3 subdivisões, sendo elas o capital
imediato, o circulante e o fixo. O primeiro deles é utilizado para o consumo imediato
de bens básicos como (por exemplo alimentos e vestuários). O capital circulante é
principalmente empregado na compra e venda de produtos com o intuito de gerar lucro
(vale ressaltar que o lucro só existe após a venda do produto) e, finalmente, o capital
fixo é descrito como o capital reinvestido na fábrica ou empresa com o objetivo de
aumentar a produtividade ou aumentar seus lucros. Smith coloca o acúmulo de capital
como o terceiro e último fator para o aumento da riqueza das nações (o primeiro é a
divisão do trabalho e o segundo é o tamanho do mercado, já descritos anteriormente).
O autor acreditava que o acúmulo faria com que as pessoas reinvestissem o capital, de
forma a aumentar ainda mais a produtividade e a riqueza das nações.

Embora os dois primeiros livros caracterizem e investiguem a natureza do trabalho, das


trocas, do lucro e das relações sociais que Adam Smith observou, os três livros
seguintes procuram justificar aquilo pelo que Smith ficou mais conhecido, que é seu
liberalismo econômico. O final da idade média trouxe o avanço dos chamados Estados
nacionais, caracterizados pelas monarquias absolutistas e o mercantilismo. Embora as
estruturas políticas e econômicas tenham se modificado com o final da idade média, a
mentalidade da sociedade como um todo não possui a mesma capacidade de
adaptação, e por isso Adam Smith ainda discorre em seu livro três sobre o final do
império romano. A ideia de que a riqueza de uma nação era proporcional à quantidade
de ouro e prata acumulados se popularizou até mesmo em Roma, através de suas
grandes conquistas pelo mar mediterrâneo, e teve seu auge com as descobertas de
jazidas de ouro e prata na América. Tal mentalidade contribui para o que Adam Smith
definiu como mercantilismo, e que resultaria em uma espécie de protecionismo
alfandegário, isto é, aumentar as tarifas sobre os produtos importados com o objetivo
de não estimular a saída de ouro e prata da nação. Porém, a mentalidade mercantil não
procurava atender um dos aspectos que Adam Smith mais defendeu através do
liberalismo econômico: O consumidor. Talvez a primeira grande teoria econômica que
tenha de fato atribuído um sentido para que as pessoas produzam e realizem trocas
voluntárias tenha sido o liberalismo.

“não é da benevolência do açougueiro, do fabricante de cerveja ou do padeiro que


esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio
interesse”1.

Em outras palavras (e estas mais famosas) para a teoria liberal, quando os indivíduos
agem em detrimento de seus interesses pessoais, isto é, de maneira egoísta, eles são
guiados por uma “Mão invisível” do mercado, que se utiliza de suas leis de oferta e
demanda, para gerar o bem estar social.

A crítica liberal não é apenas ao protecionismo, mas também a qualquer tentativa de


intervenção estatal que pudesse modificar as leis de mercado. Smith criticou diversas
leis que interferiam no livre comércio, entre elas a lei de 1731 que impediu o livre
cultivo do vinho com a justificativa de que havia vinho em excesso e poucos cereais,

“mas, se fosse real, ela mesma, sem nenhuma ordem do conselho, evitaria de
todo modo a plantação de novos vinhedos”2

De certa forma, as intervenções distorcem as leis de oferta e demanda, desestimulando


a produtividade e aumentando seus custos.

Mas para que, afinal, servem os governos? Se os Estados não deveriam interferir na
economia com o objetivo de promover o bem estar social, quais seriam as suas funções?
Essa resposta é fornecida no último livro do tratado: na educação, na defesa e na
justiça. Adam Smith percebeu que a divisão do trabalho poderia levar à alienação,
prejudicando a saúde do indivíduo. Nesses casos, poderia caber ao Estado estimular o
estudo e outras práticas que impedissem que os trabalhadores fossem prejudicados.
Além disso, o Estado deveria garantir a defesa da nação, para que não fossem invadidas
por outros Estados independentes, e a Justiça com o objetivo de garantir a propriedade
privada e o cumprimento do contrato, aspectos fundamentais para gerar confiança na
sociedade e estimular o comércio (“no de proteger, na medida do possível, cada
membro da sociedade da injustiça ou opressão de todos os outros membros da mesma,
ou o dever de estabelecer uma administração judicial rigorosa”)3.

Uma perspectiva histórica

“Mas se não era a totalidade da Europa a seguir a liderança política da América, depois
que Smith pintou o primeiro verdadeiro quadro da sociedade moderna, todo o mundo
ocidental tornou-se o mundo de Adam Smith”4.

A consolidação das ideias de Smith teve um enorme impacto na sociedade do século


XVIII, pois fora uma forma de explicar e definir toda a estrutura que começou a existir
após o final da Idade Média. O povo feudal jamais pensou em uma divisão do trabalho
para o aumento da riqueza, os juros eram considerados pecado de usura, a economia
era impulsionada pela tradição ou pela imposição governamental, aspectos totalmente
contrários às posições de Smith em seu tratado. Após sua grande obra, economistas
futuros como David Ricardo aprofundaram o liberalismo econômico através da teoria
do valor-trabalho e da vantagem comparativa, enquanto Karl Marx fez oposição direta
com base no socialismo científico e comunismo. Além desses autores, vale destacar
Keynes, que fez sua contribuição econômica para a macroeconomia e caminhou na
direção oposta à visão de liberdade de Smith, acreditando em um Estado presente e
desenvolvimentista, e Schumpeter, que além de ter feito críticas ao sistema de Smith,
contribui para a utilização da tecnologia no sistema de mercado. A sociedade que
Adam Smith descreveu e que se desenvolvera de forma tão rápida e produtiva graças à
liberdade e à propriedade privada aos poucos se desmoronou durante o século XX,
atribuindo maiores poderes aos governos intervencionistas.

Atualmente, este debate está aceso novamente, especialmente no Brasil, onde questões
sobre privatizações, o papel do Estado na economia e até que ponto o governo poderia
cobrar impostos são temas que persistem na mídia e nos governos, mesmo que de
forma irresponsável e irracional.
Portanto, nunca é demais ressaltar a importância de Adam Smith para a defesa da
liberdade e do livre comércio através de um novo sistema econômico movido pelo livre
mercado. Sua principal obra foi fundamental para acelerar a quebra de velhos
paradigmas para que, assim, compreendamos o real caminho para aumentar as
Riquezas das Nações.

Referências bibliográficas

1. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas
da Riqueza das Nações.1 ed, São Paulo: Madras, 2009. 747p.

2. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas
da Riqueza das Nações.1 ed, São Paulo: Madras, 2009. 747p.

3. Figueirêdo, Lízia de. O papel do Estado para Adam Smith. 1 ed, Belo Horizonte:
Universidade Federal de Minas Gerais, 1997. 30p.

4. HEILBRONER, Robert. A História do Pensamento Econômico. 1 ed, São Paulo: Nova


Cultura Ltda, 1996. 314p.

Iago Folgoni é estudante de Economia, escritor e membro do Insper Liber

Liberdade Adam Smith Liberalismo Economia Historia

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