Você está na página 1de 7

doug rickard

mini-impressões sobre 'A New American


Picture', do fotógrafo que usou imagens do
Google Street View para mostrar o subúr-
bio dos Estados Unidos

MARIANA VICK
CAP 0261 - Ensaio Fotográfico
Escola de Comunicações e Artes
apresentação
Este trabalho apresenta três impressões que
tive ao olhar o livro “A New American Picture”,
do fotógrafo americano Doug Rickard – um
livro que acho difícil de comentar, porque
tudo parece um pouco esquisito. Apresenta
também uma pequena biografia do arsita e
uma reflexão a partir de uma experiência
pessoal da área de expertise do americano –a
coleção habilidosa de imagens que a princí-
pio não haviam sido feitas para fazer livros.
"A New American Picture" é um livro foto-
gráfico de 2010, criado a partir de frames que
Rickard fez do Google Street View. Mostra
lugares dos Estados Unidos pobres, desertos,
anônimos, estranhos à iconografia america-
na, centrada nas produções glamourosíssimas
de Hollywood sobre o american dream. As
fotos aparecem no livro como aparecem no
Google, sem tratamento nem requintes estéti-
cos. Rickard, que editou o livro, é historiador.
1
As fotografias em “A New American Picture”
lembram um momento da história da fotografia
sobre o qual li recentemente em um livro de Su-
san Sontag. Foi quando o poeta Walt Whitman
(1819-1892) defedendeu que a beleza existe
também fora dos lugares belos, e a arte america-
na deveria encontrá-la – valorizando até mesmo
os fatos banais que criam a vida.
Um carro para no centro de um cruzamento
nos Estados Unidos. A grama é rala, os fios elé-
tricos cortam o céu em xis. Ao escolher a ima-
gem para “A New American Picture”, Rickard não
me mostra nada a não ser o potencial exclusivo
da fotografia – a autentificação, o "isto foi". Um
lugar remoto nos EUA tem um carro no meio
do cruzamento, e não há nada que posso fazer
sobre isso. Eis o mistério e a estranheza de toda
a fotografia – mas, mais ainda, o mistério e a
estranheza das fotografias de Rickard.
2
As fotografias de Rickard poderiam ser uma
obra de pintura. Entre mulhares (milhoes?) de
paisagens do Street View do subúrbio america-
no, o fotógrafo compôs algumas que chamam a
atenção pelas cores, disposição, geometria.
Um homem caminha em frente a uma parede
rosa-creme, abaixo de um céu azul em tonalida-
de estranha. As cores parecem divividas igual-
mente em três tiras. “Super fair”, diz a parede.
Aqui, é como se a dita versão banal do belo de
Whitman se tornasse uma cena bonita de fato.
3
As fotografias de Rickard lembram os quadros
que minha avó Wilma (1930-2018) pintava e
pendurava nas paredes de casa. Nunca perguntei
a ela sobre os lugares em que se inspirou para
fazer suas paisagens verdes, serenas, bucólicas –
cenários estranhos para ela, que pouco conheceu
outros lugares fora das cidades feita de indústria
no ABC Paulista, onde viveu a vida inteira.
A banalidade de casas, verdes e ruas vazias dos
quadros de minha avó e das fotografias de Ri-
ckard não pertence a nenhum deles. A imagem
de um homem que parece posar (para a câmera
do Google, seria?) em frente a uma casa térrea
azul entre árvores foi tirada nos EUA, mas po-
deria pertencer a qualquer lugar no passado do
Brasil – ou ainda em outros países onde outras
avós pintam quadros onde cabe o universo.
sobre o autor
O americano Doug Rickard cunstâncias pessoais – ele não
nasceu em 1968, na cidade podia viajar na época, disse ao
de San Jose, a terceira mais museu Pier 24 Photography –
populosa da Califórnia, oeste mas também para comentar
dos EUA, em uma família de o uso intenso da tecnologia e
pastores e missionários. seus efeitos para a vigilância e
Fotógrafo, é autor dos livros a privacidade no século 21.
“Tom”, “N.A.” e “Six by Six (Set “A New American Picture”
4)”, em 2013, e os primeiros e não é uma obra sobre o Street
mais famosos, a dupla “A New View, mas sobre a América,
American Picture”, produzidos destaca o fotógrafo.
entre os anos de 2010 e 2012. (Para fins de registro: o
É um dos artistas que es- Street View é uma ferramenta
tamparam a exposição “New do Google Maps que dispo-
Photography”, do MoMA nibiliza imagens, registradas
(Museum of Modern Art), em pelo Google, de todas as ruas
2011, em Nova York, sobre sob todos os ângulos do mun-
fotografia contemporânea. do. Ali, Rickard encontrou
O motivo? Produziu fo- rapidamente fotos de cidades
tos, para “A New American onde nunca havia pisado.)
Picture”, a partir do Google A inclinação política que
Street View, do qual extraiu deu origem a trabalhos como
as melhores imagens com um o do livro veio quando Ri-
clique no computador. ckard foi à faculdade – quan-
A ideia, inovadora, rendeu a do jovem, ele estudou socio-
Rickard outra exposição, esta logia e história dos EUA na
permanente, no San Francisco Universidade da Califórnia.
Museum of Modern Art, em A experiência, segundo ele,
seu estado natal. o fez ver injustiças que des-
As imagens de Rickard conhecia e “perder a fé” no
mostram os lugares dos Es- país onde morava, apontado
tados Unidos onde “o ‘sonho como “especial” e “único” pela
americano’ não existe e tudo família reaganiana.
ao redor está quebrado”, disse Além de “prints” do Goo-
ele em entrevista de 2011 ao gle, Rickard faz fotos a partir
britânico The Sunday Times. do YouTube (“N.A.”) e cria
No Street View, ao produzir coleções, em livros e sites, de
“A New American Picture”, imagens nem sempre suas da
procurou “estradas não vistas vida e cotidiano nos EUA.
e abandonadas”, como das Ele diz se inspirar em
periferias de Detroit, para fotógrafos como Ben Shahn,
ilustrar temas como a pobreza Robert Frank, Paul Graham
e a desigualdade nos EUA. e Anthony Hernandez, entre
Usou a ferramenta por cir- outros.
as fotos dos outros
Na primeira vez em que vi o Street View
de Doug Rickard não acreditei que aque-
las fotos pudessem ser realmente suas. Ele
nunca havia encarado de fato nenhuma das
cenas. Não havia decidido a circunstância
em que foram fotografadas. Nem visto todos
os detalhes das paisagens do livro antes de
decidir enquadrá-las em uma câmera.
Me convenci de que estava errada logo
em seguida. A escolha dos ângulos, a com-
posição das fotos (ainda que simplesmente
pela manipulação da ferramenta digital),
ou ainda os motivos que levaram Rickard
a querer procurá-las – e os sentidos que,
portanto, elas passaram a transmitir – eram
todos méritos do olhar de um fotógrafo.
Mais tarde, ainda neste semestre, não
lembro quantas semanas depois de ter olha-
do o livro, tive a oportunidade de repetir a
experiência de Rickard ao planejar o ensaio
fotográfico que queria apresentar como
trabalho final desta disciplina. Revirei caixas
de papelão (versões improvisadas dos baús) à
procura de fotos antigas de meus avós ainda
vivos para ilustrar um ensaio sobre sua casa.
A ideia era usar as fotografias antigas da
família – a maioria calorosa – e colocá-las
ao lado de imagens que eu mesma preten-
dia fazer da casa como ela está hoje, alguns
meses depois de meu avô e minha avó terem
falecido, em 2018 e 2019. Não deu certo – eu
não estava satisfeita com as fotos que pro-
duzia e achei que precisaria de tempo além
do semestre para concluir o trabalho. Acabei
entregando à disciplina um ensaio sobre a
estação Consolação do metrô em São Paulo.
Ao buscar fotografias antigas (que não
eram minhas) para o ensaio, percebi como
o processo de colecionar as fotos alheias em
um livro pode ser ainda mais criativo e desa-
fiador que organizar as minhas próprias, em
uma tentativa de criar uma história por meio
da disposição das imagens. Agora valorizo o
trabalho de Rickard. E a chance de terminar
o ensaio que deixei em aberto a partir das
fotos que descobri passa a me animar mais.

Você também pode gostar