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Sistemas de equações lineares

I
I.1. Equações lineares

Equações lineares são equações de termos com certas incógnitas formados utilizando apenas
produtos com constantes reais e somas finitas. Exemplos de equações lineares são
3x + 7 = 9y, 3(x − y + z) = 2x + 8z + 1, 2x1 − 9x2 + x3 = 0;
mas as equações
 
2
p 4
x = 1, 1 + xy = 4, x1 3− = x2
x1
não são lineares. Tipicamente apresentamos uma equação linear na forma normal onde o
primeiro termo é uma soma de parcelas da forma “constante · incógnita” e o segundo termo
é uma constante real. Portanto, as três equações lineares acima escrevem-se como
3x − 9y = −7, x − y − 7z = 1, 2x1 − 9x2 + x3 = 0.
De forma geral, uma equação linear de n incógnitas é dada por uma sequência de n
incógnitas (aqui consideramos tipicamente x1 , . . . , xn ou x, y, z no caso de três incógnitas), uma
lista de números reais a1 , a2 , . . . , an (os coeficientes da equação) e um número real b (o termo
independente); esta informação organiza-se na forma
a1 x1 + · · · + an xn = b.
Uma sequência (s1 , . . . , sn ) ∈ Rn de n números reais é solução desta equação quando
a1 s1 + · · · + an sn = b;
e dizemos que (s1 , . . . , sn ) satisfaz a equação.

Exemplos I.1.1. (1). A equação


3x = 6
de só uma incógnita x tem a única solução x = 2.
(2). Consideramos agora a equação
x1 + x2 = 1
nas incógnitas x1 e x2 . Observa-se logo que esta equação tem várias soluções; por exemplo
(1, 0) e (0, 1) satisfazem ambos a equação. De forma sistemática, podemos obter as soluções
desta equação escolhendo um valor genérico para x2 , e calculando depois x1 = 1 − x2 .
Assim, o conjunto das soluções é dado por {(1 − x2 , x2 ) | x2 ∈ R}.
7
8 I.1. Equações lineares

(3). De forma similar, as soluções da equação

x1 + x2 + x3 = 1

nas incógnitas x1 , x2 e x3 obtêm-se do seguinte modo:


• escolhe-se um valor arbitrário x2 ∈ R e um valor arbitrário x3 ∈ R,
• depois calcula-se x1 = 1 − x2 − x3 . Assim, {(1 − x2 − x3 , x2 , x3 ) | x2 , x3 ∈ R} é o
conjunto de soluções desta equação.
(4). A equação
0x1 + 0x2 = 1
nas incógnitas x1 e x2 não tem nenhuma solução.
(5). Cada número real é solução da equação

0x = 0

na incógnita x.

Observa-se que uma equação linear pode ter ou nenhuma solução, ou exatamente uma
solução, ou várias soluções; e no último caso tem uma infinidade de soluções. Porém, aqui
é importante “não esquecer nenhuma incógnita”: algumas podem ser invisı́veis na equação. Por
exemplo, ambas as equações

0x = 0 e 0x + 0y = 0

escrevem-se tipicamente como 0 = 0. Da forma similar, as equações

3x = 6 e 3x + 0y = 6

escrevem-se ambas como 3x = 6 onde a incógnita y não é visı́vel na segunda equação. Assim, a
equação
3x = 6
tem a solução única x = 2 se consideramos esta equação na incógnita x. Se consideramos esta
equação nas incógnitas x e y, então cada valor y ∈ R completa x = 2 para uma solução; ou seja,
neste caso o conjunto das soluções é

{(2, y) | y ∈ R}.

Motivado por estas considerações, diz-se que a incógnita xj (com 1 ≤ j ≤ n) de uma equação
linear
a1 x1 + · · · + an xn = b
nas incógnitas x1 , . . . xn é visı́vel quando aj 6= 0. No caso de aj = 0 diz-se que xj é invisı́vel ;
intuitivamente, as incógnitas invisı́veis podem tomar qualquer valor. Para representar da forma
sistemática todas as soluções de uma equação linear, pode-se utilizar o seguinte procedimento:

Resolver a equação linear a1 x1 + · · · + an xn = b nas incógnitas x1 , . . . xn .

• Se todas as incógnitas são invisı́veis:


Neste caso a equação tem a forma 0 = b. Então, se b 6= 0, a equação não tem
nenhuma solução. Se b = 0, então cada elemento (x1 , . . . , xn ) de Rn é solução da
equação.
Capı́tulo I. Sistemas de equações lineares 9

• Se a equação tem mais do que uma incógnita e pelo menos uma incógnita é visı́vel:
Escolhe-se uma das incógnitas visı́veis. Para sermos sistemáticos, aqui e no
futuro vamos sempre escolher a incógnita visı́vel xj com o menor ı́ndice. Refere-
se esta incógnita como a primeira incógnita visı́vel da equação. Note-se que
a1 = a2 = · · · = aj−1 = 0. Atribuem-se valores genéricos a todas as restantes
incógnitas e calcula-se:
b − aj+1 xj+1 − · · · − an xn
xj = .
aj
Assim, as soluções desta equação são dadas por
(x1 , x2 , . . . , xj−1 , xj , xj+1 , . . . , xn )
com
b − aj+1 xj+1 − · · · − an xn
xj =
aj
e
x1 , x2 , . . . , xj−1 , xj+1 , . . . , xn ∈ R.
• Se a equação tem apenas uma incógnita, x1 , que é visı́vel:
Calcula-se x1 = ab1 , sendo esta a única solução do sistema.

Procedimento I.1.2

Exemplo I.1.3. Consideremos a equação

3x2 + 6x3 − 3x4 = 9

nas incógnitas x1 , . . . , x5 . Nesta equação, a incógnita x2 é a primeira incógnita visı́vel. Calcu-


lamos x2 = 9−6x33 +3x4 = 3 − 2x3 + x4 . Assim, o conjunto das soluções desta equação é

{(x1 , 3 − 2x3 + x4 , x3 , x4 , x5 ) | x1 , x3 , x4 , x5 ∈ R}.

Cada escolha particular de valores para x1 , x3 , x4 , x5 produz uma solução particular da equação.
Por exemplo, x1 = x3 = x4 = x5 = 0 dá a solução (0, 3, 0, 0, 0), e considerando x1 = −1,x3 = 0,
x4 = 1 e x5 = 2 obtém-se a solução (−1, 4, 0, 1, 2).

I.2. Sistemas em escada

Um sistema de equações lineares de n incógnitas x1 , . . . , xn e m equações é dado por


uma sequência

 a1,1 x1 + · · · + a1,n xn = b1 ,



 a2,1 x1 + · · · + a2,n xn = b2 ,


..



 .


a
m,1 x1 + · · · + am,n xn = bm
de equações lineares de incógnitas x1 , . . . , xn com os coeficientes ai,j ∈ R e os termos indepen-
dentes bi ∈ R, para todos os 1 ≤ i ≤ m e 1 ≤ j ≤ n. Diz-se solução de um sistema com n
incógnitas cada (s1 , . . . , sn ) ∈ Rn que é solução de todas as equações deste sistema.
10 I.2. Sistemas em escada

Exemplos I.2.1. Consideremos o sistema de duas equações lineares


(
x1 + 2x2 − x3 = −1,
x2 + x3 = 2

com incógnitas x1 , x2 e x3 . Verifica-se que, por exemplo, (−2, 1, 1) e (1, 0, 2) são ambas soluções
deste sistema. Por outro lado, (0, 0, 1) é solução da primeira equação mas não da segunda; logo
não é solução do sistema.

É importante salientar que ambas as equações acima são equações com incógnitas x1 , x2 e
x3 , embora x1 não seja visı́vel na segunda equação. Como consequência, (1, 1) não é solução
desta equação mas (1, 1, 1) é; de facto, qualquer escolha x1 ∈ R completa o par (1, 1) para uma
solução (x1 , 1, 1) da equação x2 + x3 = 2 com incógnitas x1 , x2 e x3 .

Exemplos I.2.2. Como ilustração, no que se segue consideramos os seguintes dois sistemas com
incógnitas x1 , x2 e x3 :
 

 x1 + 2x2 − x3 = −1, 
 x1 + 2x2 − x3 = −1,
 
(A) 2x1 − x2 + x3 = 4, e (B) x2 + x3 = 2,

 

 −x − x + 2x = 3;  8x = 16.
1 2 3 3

No sistema (A), as incógnita x1 , x2 e x3 são visı́veis em todas as três equações. No sistema


(B), x1 , x2 e x3 são visı́veis na primeira equação, mas x1 não é visı́vel na segunda e na terceira
equação e x2 não é visı́vel na terceira equação.

Um dos nossos objetivos é resolver um dado sistema; ou seja, descrever convenientemente o


conjunto de todas as soluções do sistema. Olhando para os sistemas acima, esta tarefa parece
muito mais simples no caso do segundo sistema.

Exemplo I.2.3. Consideremos o sistema (B) do Exemplo I.2.2. Como ponto de partida na
resolução do sistema, reescrevemos o sistema na forma


 x1 = −1 − 2x2 + x3 ,

x2 = 2 − x3 ,


 x = 2.
3

Começando com a última equação, substituı́mos os valores das incógnitas em todas as equações
acima; assim obtém-se

x3 = 2, x2 = 2 − 2 = 0 e x1 = −1 − 2 · 0 + 2 = 1.

Consequentemente, (1, 0, 2) é a única solução deste sistema.


Por outro lado, não é tão simples obter todas as soluções do sistema (A). Contudo, verifica-se
que (1, 0, 2) também é solução deste sistema porque satisfaz todas as três equações.

Intuitivamente, o sistema (B) dos Exemplos I.2.2 é (mais) fácil de resolver porque a incógnita
x1 não aparece na segunda equação e as incógnitas x1 e x2 não aparecem na terceira equação.
No que se segue vamos primeiro estudar estes tipos de sistemas, e na próxima secção veremos
como transformar um sistema num tal “sistema fácil” sem alterar o conjunto das soluções. Para
começar, descrevemos rigorosamente o significado de “sistema fácil”.
Capı́tulo I. Sistemas de equações lineares 11

Definição I.2.4. Um sistema




 a1,1 x1 + · · · + a1,n xn = b1 ,


 a2,1 x1 + · · · + a2,n xn = b2 ,


..



 .


a
m,1 x1 + · · · + am,n xn = bm ;
de m equações lineares nas incógnitas x1 . . . xn diz-se escalonado, ou em escada, quando
satisfaz a seguinte condição:
• para cada i ∈ {2, . . . , m}, se xj é a primeira incógnita visı́vel da equação i, então há
uma incógnita visı́vel na equação i − 1 que tem um ı́ndice menor do que j.

Intuitivamente, num sistema em escada cada equação “começa mais tarde”, um facto que
simplifica a resolução do sistema. Com esta nomenclatura, o sistema (B) dos Exemplos I.2.2
é escalonado mas o sistema (A) não é. Note-se também que, num sistema em escada, todas
as equações onde nenhuma incógnita é visı́vel estão atrás das equações onde pelo menos uma
incógnita é visı́vel.

Exemplos I.2.5. O sistema 



 x1 + 5x2 − 7x3 = −8,


−x2 + x3 = 4,




 0 = 0,


 0=3
nas incógnitas x1 , x2 e x3 é escalonado, e o sistema


 x1 + 5x2 − 7x3 = −8,

x2 + x3 = 0,


 −x2 + x3 = 4
nas incógnitas x1 , x2 e x3 não é escalonado.

Como foi feito no Exemplo I.2.3, um sistema escalonado pode-se resolver resolvendo sucessi-
vamente as equações, começando pela última. Contudo, o procedimento pode ser mais complexo
se escolhas arbitrárias de valores são envolvidas.

Exemplo I.2.6. Consideremos o sistema de duas equações


(
x1 + 2x2 − x3 − x4 + 3x5 = −5,
x3 + x4 = 1
nas incógnitas x1 , x2 , x3 , x4 e x5 . Tal como no Exemplo I.2.3, reescrevemos o sistema na forma
(
x1 = −5 − 2x2 + x3 + x4 − 3x5 ,
x3 = 1 − x4
onde em cada equação apenas a primeira incógnita visı́vel fica no lado esquerdo. Num segundo
passo, substituı́mos x3 por 1−x4 na primeira equação, assim podemos reescrever o sistema como
(
x1 = −4 − 2x2 − 3x5 ,
x3 = 1 − x4 .
12 I.2. Sistemas em escada

Desde modo, as equações acima expressam cada das incógnitas x1 e x3 em função das incógnitas
x2 , x4 e x5 . Portanto, as soluções do sistema obtém-se
• escolhendo valores para x2 , x4 e x5 , e
• calculando depois os valores de x1 e x3 .
Em conclusão, o conjunto das soluções do sistema é
{(−4 − 2x2 − 3x5 , x2 , 1 − x4 , x4 , x5 ) | x2 , x4 , x5 ∈ R}.
Cada escolha concreta de valores para x2 , x4 e x5 produz uma solução do sistema. Por exemplo,
a escolha x2 = x4 = x5 = 0 dá a solução (−4, 0, 1, 0, 0), e considerando x2 = 1, x4 = 0 e x5 = −1
obtém-se a solução (−3, 1, 1, 0, −1).

Salientamos mais uma vez que é importante indicar claramente quais são as incógnitas de
um sistema. O sistema do exemplo acima pode também ser considerado nas seis incógnitas
x0 , x1 , . . . , x5 . Neste caso, o mesmo procedimento não produz nenhum valor para a incógnita
x0 ! Como x0 não é visı́vel no sistema, podemos atribuir qualquer valor a x0 . Para termos um
procedimento sistemático, observamos que em cada equação determinamos a primeira incógnita
visı́vel em função das incógnitas seguintes; portanto, as incógnitas com valores genéricos na
solução são precisamente aquelas que não ocorrem em nenhuma das equações como primeira
incógnita visı́vel. Estas incógnitas dizem-se livres, as restantes dizem-se determinadas. No
Exemplo I.2.6, as incógnitas x1 e x3 são determinadas porque x1 é a primeira incógnita visı́vel
da primeira equação e x3 é a primeira incógnita visı́vel da segunda equação. Por outro lado, as
incógnitas x2 , x4 e x5 são livres; de facto, são precisamente estas incógnitas que recebem valores
arbitrárias na solução apresentada no Exemplo I.2.6.
Descrevemos agora um procedimento para determinar todas as soluções de um sistema em
escada com as incógnitas x1 , . . . , xn .

Resolver um sistema em escada com as incógnitas x1 , . . . , xn .

• Se o sistema tem uma equação da forma 0 = bi com bi 6= 0, então o sistema não tem
nenhuma solução e o procedimento acaba aqui.
• Caso contrário, apagam-se todas as equações da forma 0 = 0; ou seja, consideramos
apenas aquelas equações onde pelo menos uma incógnita é visı́vel.
• Começando pela última equação, em cada equação determina-se a primeira incógnita
visı́vel desta equação em função das incógnitas de ı́ndice superior, substituindo
sempre as incógnitas já determinadas.
• As incógnitas livres são precisamente aqueles incógnitas que em nenhuma equação
aparecem como a primeira incógnita visı́vel.

Procedimento I.2.7

Em algumas situações não será necessário obter as soluções de um sistema mas sim responder
a perguntas como
• Existem soluções?
• Se sim, quantas?
Assim, diz-se que um sistema de equações lineares é impossı́vel quando não existe uma
solução, e diz-se que o sistema é possı́vel quando existe pelo menos uma solução. Além disso,
Capı́tulo I. Sistemas de equações lineares 13

diz-se que o sistema é possı́vel e determinado quando tem exatamente uma solução e possı́vel
e indeterminado quando tem mais do que uma solução. Neste caso, define-se o grau de
indeterminação como o número de variáveis livres. Um sistema possı́vel e indeterminado com
grau de indeterminação 1 (2) diz-se simplesmente (duplamente) indeterminado.
Analisando o procedimento para resolver um sistema, obtém-se imediatamente o seguinte
resultado.

Teorema I.2.8. Um sistema de equações lineares em escada classifica-se como


• impossı́vel se e somente se o sistema tem uma equação da forma 0 = b com b 6= 0.
• possı́vel e determinado se e somente se é possı́vel e cada incógnita do sistema é deter-
minada.
• possı́vel e indeterminado se e somente se é possı́vel e pelo menos uma incógnita do
sistema é livre.

Em particular, todo o sistema de equações lineares em escada em que cada equação tem
incógnitas visı́veis é possı́vel. Salientamos que o teorema acima só se aplica aos sistemas escalon-
ados. Além disso, apenas num sistema escalonado se fala de incógnitas livres e determinadas.

Exemplos I.2.9. (1). Consideremos o sistema escalonado




 3x − 7y + 8z + 10w = 1,

y + w = 2,


 w=6
nas incógnitas x, y, z e w. O sistema é possı́vel porque cada equação tem incógnitas visı́veis.
Note-se que as incógnitas x, y e w são determinadas e a incógnita z é livre. Em conclusão,
o sistema é possı́vel e indeterminado, com grau de indeterminação 1.
(2). O sistema escalonado


 3x − 7y + 8z + 10w = 1,


y + w = 2,




 w = 6,


 0=1
nas incógnitas x, y, z e w é impossı́vel porque tem a equação 0 = 1.
(3). O sistema escalonado


 x − y + z = 8,

y + z = 4,


 z=6
nas incógnitas x, y e z é possı́vel e determinado porque toda a equação do sistema tem
incógnitas visı́veis e cada incógnita é determinada.
(4). Consideremos o sistema

 x + y − z = 3,


y + z = 2,


 αz = 1
nas incógnitas x, y e z, onde α designa uma constante real. Queremos determinar os valores
de α para os quais o sistema não tem solução e para os quais o sistema tem solução.
14 I.3. Utilizando a linguagem de matrizes

Se α 6= 0, o sistema é em escada e é possı́vel e determinado porque não tem nenhuma


equação da forma 0 = b, com b 6= 0, e todas as incógnitas do sistema são determinadas. No
entanto, se α = 0, obtemos o sistema


 x + y − z = 3,

y + z = 2,


 0=1
que é impossı́vel porque a última equação 0 = 1 não tem solução.
(5). Embora o sistema
(
x + y = 1,
x+y =2
nas incógnitas x e y não é um sistema em escada, podemos logo classificá-lo como impossı́vel.
Este exemplo mostre que em geral um sistema pode ser impossı́vel sem ter uma equação da
forma 0 = b com b 6= 0.
(6). O sistema


 3x − y + 8z + w = 0,

x + y − z + w = 0,


 −x − y + 5z = 0
nas incógnitas x, y, z e w não é escalonado; mesmo assim, podemos logo afirmar que o
sistema é possı́vel porque tem a solução (0, 0, 0, 0).

Em geral, um sistema de equações lineares diz-se homogéneo quando o segundo membro


de cada equação é igual a zero:


 a1,1 x1 + · · · + a1,n xn = 0,


 a2,1 x1 + · · · + a2,n xn = 0,


..



 .


a
m,1 x1 + · · · + am,n xn = 0.
Observamos imediatamente que cada sistema homogéneo é possı́vel porque tem a solução nula
onde todas as incógnitas tem o valor 0.

I.3. Utilizando a linguagem de matrizes

Nesta secção estudamos sistemas de equações lineares em geral, e descrevemos um método


para transformar um sistema


 a1,1 x1 + · · · + a1,n xn = b1 ,


 a2,1 x1 + · · · + a2,n xn = b2 ,


.. (I.3.i)



 .


a x + ··· + a x = b ;
m,1 1 m,n n m

de equações lineares num sistema escalonado de modo tal que ambos os sistemas tem as mesmas
soluções. Assim podemos obter as soluções do sistema (I.3.i) resolvendo um sistema em es-
cada. Em geral, dois sistemas de equações lineares dizem-se equivalentes quando têm o mesmo
conjunto de soluções.
Capı́tulo I. Sistemas de equações lineares 15

Nota I.3.1. A partir do sistema (I.3.i) obtém-se um sistema equivalente se se aplicar uma das
seguintes operações:
(1). troca de duas equações,
(2). multiplicação de uma equação por um número real diferente do zero,
(3). adição de um múltiplo de uma equação a uma outra equação.

Exemplo I.3.2. Se adicionamos no sistema


(
x1 + 2x2 − x3 = 2,
−2x1 + 3x2 + x3 = 4
o dobro da primeira linha à segunda, obtemos o sistema equivalente
(
x1 + 2x2 − x3 = 2,
7x2 + x3 = 8.

Note-se que o segundo sistema do exemplo acima é escalonado, o que nos permite clas-
sificá-lo logo como possı́vel e indeterminado. Portanto, também o primeiro sistema é possı́vel e
indeterminado.
De facto, veremos nesta secção que as operações da Nota I.3.1 permitem transformar cada
sistema num sistema em escada equivalente; contudo, a manipulação de sistemas é mais simples
se organizamos a informação pertinente da forma mais sucinta. Como “os nomes das incógnitas”
são irrelevantes, temos toda a informação sobre o sistema (I.3.i) necessária para resolver ou
classificar o sistema se soubermos
• o número n de incógnitas e o número m das equações, e
• os coeficientes ai,j e os segundos membros bi .
Por exemplo, o sistema


 2x − 7y + 3z = 2

x+y =1


 −x − 4y + 7z = −3

nas incógnitas x, y e z pode ser descrito por um quadro com 3 linhas e 4 colunas:
 
2 −7 3 2
1 1 0 1 .
 

−1 −4 7 −3
Em geral, um quadro deste tipo denomina-se matriz. Mais concretamente, uma matriz consiste
em:
• um tipo m × n com números naturais m e n, e
• a cada par (i, j) com 1 ≤ i ≤ m e 1 ≤ j ≤ n está associado um número ai,j ∈ R.
De forma mais legı́vel, representa-se uma matriz A como
 
a1,1 . . . a1,n
 .. 
A=  . 
 ou, simplesmente, A = [ai,j ],
am,1 . . . am,n

assim m corresponde ao número de linhas e n ao número de colunas da matriz A. O elemento


que se encontra na linha i e na coluna j, aij , designa-se por entrada (i, j) de A.
16 I.3. Utilizando a linguagem de matrizes

Portanto, ao sistema (I.3.i) de m equações lineares com n incógnitas associa-se a matriz


 
a1,1 . . . a1,n b1
 .. 

 . 

am,1 . . . am,n bm

de m linhas e n + 1 colunas; aqui


 
a1,1 ... a1,n
 .. 
A=
 . ;

am,1 . . . am,n

é a matriz dos coeficientes do sistema e



b1
 . 
b= . 
 . 
bm

é a coluna dos segundos membros. Com esta notação, denota-se a matriz do sistema por A | b.
Vice versa, cada matriz do tipo m × (n + 1) com n, m ∈ N pode ser interpretada como
um sistema de n incógnitas e m equações lineares: escolhem-se n incógnitas (por exemplo, x1 ,
. . . , xn ), a última coluna da matriz fornece os segundos membros das equações e os restantes
elementos são os coeficientes.

Exemplo I.3.3. Consideramos a matriz


" #
2 1 0 7
1 −1 2 0

do tipo 2 × 4. Escolhendo as três incógnitas x, y e z, obtém-se o sistema


(
2x + y = 7,
x − y + 2z = 0.

Obviamente, a matriz deste sistema é precisamente a matriz inicialmente dada.

Note-se que ambos os processos


• sistema de m equações e n incógnitas 7→ matriz do tipo m × (n + 1),
• matriz do tipo m × (n + 1) 7→ sistema de m equações e n incógnitas
são inversos entre si, a menos dos “nomes das incógnitas”. Com esta equivalência disponı́vel,
pode-se perguntar qual é o significado “matricial” de
• incógnita visı́vel, livre, determinada,
• sistema em escada,
• sistema possı́vel e determinado . . . ?
Para desenvolver um tal dicionário, temos de introduzir alguns conceitos sobre matrizes.
Dada uma matriz A do tipo m × n, o primeiro elemento não nulo de uma linha da A diz-se pivô
desta linha. Portanto, as linhas nulas de uma matriz não tem pivô e cada linha não nula tem
exatamente um pivô. Diz-se que a coluna i da matriz A tem um pivô, ou A tem um pivô na
coluna i, se A tem uma linha com pivô na coluna i.
Capı́tulo I. Sistemas de equações lineares 17

Exemplo I.3.4. Consideremos a matriz


 
1 1 1 1 1
 2 0 0 0 0
A= .
 
 0 0 0 3 3
0 0 0 0 0
O pivô da primeira linha é logo o primeiro elemento, igualmente para a segunda linha. O pivô
da terceira linha é o elemento na quarta coluna. A última linha não tem pivô. Portanto, apenas
a primeira e a quarta colunas de A têm um pivô.

Uma matriz A é uma matriz em escada (ou escalonada) quando,


para cada i ≥ 2, se a linha i tem um pivô, então a linha anterior (ou seja, a linha i − 1)
também tem um pivô que está numa coluna mais à esquerda do que a coluna do pivô
da linha i.  
? − − ... − − ... −
0 ? − . . . − − . . . −
 
 .. 
.
 
 
 
0 0 . . . 0 ? − . . . −
..
 
.
Note-se que numa matriz em escada cada coluna têm no máximo um pivô, e todas as linhas nulas
estão abaixo de cada linha com pivô. Com esta nomenclatura, podemos apresentar o seguinte
“dicionário”.

Sistemas vs. matrizes.

• O sistema (I.3.i) corresponde à matriz A | b (I.3).


• As entradas da coluna j de A são precisamente os coeficientes da incógnita xj no
sistema. Por isso vamos dizer que a incógnita xj corresponde à coluna j de A.
• A incógnita xj é a primeira incógnita visı́vel da equação i se e somente se a linha i
de A tem um pivô na coluna j.
• O sistema (I.3.i) é escalonado e e somente se a matriz A da correspondente matriz
A | b é escalonada. Neste caso, as incógnitas livres do sistema correspondem às
colunas de A sem pivô e as incógnitas determinadas do sistema correspondem às
colunas de A com pivô.

Procedimento I.3.5

Exemplos I.3.6. (1). Consideremos a matriz aumentada em escada de um sistema nas incógnitas
x, y e z,
 
1 −1 3 1
0 2 −1 4
 
 
0 0 3 1
0 0 0 5
A última linha desta matriz tem o pivô 5 na última coluna (i.e., na coluna correspondente
aos termos independentes) representando assim a equação 0 = 5, o que torna o sistema
18 I.3. Utilizando a linguagem de matrizes

correspondente 

 x − y + 3z = 1,


2y − z = −4,




 4z = 1


 0=5
impossı́vel.
(2). A matriz aumentada em escada
 
1 −1 3 5
A | b = 0 2 1 4
 

0 0 −1 2
corresponde a um sistema nas incógnitas x, y e z que é possı́vel pois não tem nenhum
pivô na última coluna. Além disso, como todas as colunas de A têm pivô, as incógnitas do
sistema são todas determinadas. Assim, o sistema correspondente a A | b,


 x − y + 3z = 5,


2y + z = 4,




 −z = 2


 0=5
é equivalente a 
 x = 5 + y − 3z,


 y = 1 (4 − z),



2
z = −2






0=5

com solução única (14, 3, −2).


(3). Consideremos agora o sistema nas incógnitas x, y, z e w com matriz aumentada em escada
 
1 −1 2 0 1
A | b = 0 0 −1 1 3
 

0 0 0 2 4
Este sistema é possı́vel pois A | b naõ tem nenhum pivô na última coluna. As colunas 1, 3
e 4 da matriz A são as colunas com pivô correspondentes às incógnitas determinadas x, y
e w. A coluna 2 não tem pivô, pelo que a incógnita y é livre. Assim o sistema e possı́vel e
simplesmente indeterminado.

Utilizando o dicionário acima, o Teorema I.2.8 escreve-se como:

Teorema I.3.7. Seja A | b a matriz de um sistema de equações lineares e suponha-se que A é


uma matriz em escada.
(1). O sistema é possı́vel se e só se a última coluna de A | b não tem pivô.
(2). O sistema é possı́vel e determinado se e só se é possı́vel e cada coluna da matriz A tem
um pivô.
(3). O sistema é possı́vel e indeterminado se e só se é possı́vel e pelo menos uma coluna da
matriz A não tem um pivô.
Capı́tulo I. Sistemas de equações lineares 19

Finalmente, as operações da Nota I.3.1 traduzem-se nas seguintes operações elementares


nas linhas de uma matriz:
• troca de duas linhas,
• multiplicação de uma linha por um número real diferente do zero,
• adição de um múltiplo de uma linha a uma outra linha.
Escrevemos A B para indicar que a matriz B se obtém a partir da matriz A aplicando
um número finito de operações elementares. Ao processo A B referimos como redução de
1
Gauß ou simplesmente redução, e dizemos que A e B são equivalentes por linhas. Quando B
é em escada, diz-se que A B é uma escalonação de A. Assim, o problema de transformar
um sistema num sistema em escada equivalente acaba por ser uma questão sobre matrizes: dada
uma matriz A, encontre uma escalonação A B.

Lema I.3.8. Seja A uma matriz do tipo n × m, cuja primeira coluna é não nula, e onde o
primeiro elemento ai,1 da linha i é diferente do zero. Então, existe uma redução A B onde
todos os elementos da primeiro coluna de A fora da linha i são iguais ao zero.
 
0 − ... −
. 
 .. 
 
0 − . . . −
 
 
A ? − . . . −
 
0 − . . . −
 
. 
.
.


0 − ... −
A redução descrita no lema anterior obtém-se realizando as seguintes operações: para cada
a
j ∈ {1, 2, . . . , n} \ {i}, adiciona-se à linha j a linha i multiplicada por − aj1
i1
. Note-se que no caso
da primeira coluna de uma matriz ser nula, o lema anterior aplica-se à primeira coluna não nula
da matriz.

Teorema I.3.9. Para cada matriz A existe uma escalonação A B.

A escalonação de uma matriz não nula A pode ser feita realizando sucessivamente o proced-
imento seguinte:
• reduz-se A a uma matriz A0 cuja primeira coluna não nula tem um só elemento não nulo
na linha i;
• trocam-se as linhas 1 e i de A0 , obtendo-se uma nova matriz A00 ;
• considera-se a matriz A1 obtida da matriz A00 por eliminação da primeira linha; e repita-
se o procedimento com a matriz A1 até a última linha.
Em conclusão:

Teorema I.3.10. Cada sistema de equações lineares é equivalente a um sistema em escada.

Exemplo I.3.11. Consideremos o sistema nas incógnitas x, y, z e w




 x+y−z+w =1

−z + 2w = 3


 2x + 2y + z = 2

1
Johann Carl Friedrich Gauß (1777 – 1855), matemático alemão.
20 I.3. Utilizando a linguagem de matrizes

com matriz aumentada em escada


 
1 1 −1 1 1
A | b = 0 0 −1 2 3 .
 

2 2 1 0 2
Procedendo à escalonação de A | b, adicionando à linha 3 a linha 2 multiplicada por −2 e,
posteriormente, adicionando novamente à linha 3 a linha 2 multiplicada por 3:
     
1 1 −1 1 1 1 1 −1 1 1 1 1 −1 1 1
A | b = 0 0 −1 2 3 0 0 −1 2 3 0 0 −1 2 3
     

2 2 1 0 2 0 0 3 −2 −1 0 0 0 4 8
obtemos o sistema em escada 

 x+y−z+w =1

−z + 2w = 3


 4w = 8
equivalente ao sistema dado. Continuamos este exemplo no Exemplo I.3.12

Para determinar a solução de um sistema, por vezes é útil reduzir a matriz do sistema ainda
mais de modo que cada pivô seja igual a 1 e cada um dos restantes elementos de uma coluna
com pivô seja igual a 0.  
1 0 − ... 0 − ... −
0 1 − . . . 0 − . . . −
 
 .. 
.
 
 
 
0 0 . . . 0 1 − . . . −
..
 
.
Esta matriz diz-se em escada reduzida. Uma tal redução é sempre possı́vel aplicando as
operações elementares.

Exemplo I.3.12. Consideremos o sistema do Exemplo I.3.11




 x+y−z+w =1

−z + 2w = 3


 2x + 2y + z = 2

cuja matriz aumentada foi reduzida à matriz


 
1 1 −1 1 1
0 0 −1 2 3 .
 

0 0 0 4 8
Procedendo à redução desta matriz a uma matriz em escada reduzida,
       
1 1 −1 1 1 1 1 −1 1 1 1 1 0 −1 −2 1 1 0 0 0
0 0 −1 2 3 0 0 1 −2 −3 0 0 1 −2 −3 0 0 1 0 1 ,
       

0 0 0 4 8 0 0 0 1 2 0 0 0 1 2 0 0 0 1 2
obtemos os sistemas equivalentes
 

 x + y = 0 
 x = −y
 
z = 1 ⇐⇒ z=1

 

 w=2 w = 2
Capı́tulo I. Sistemas de equações lineares 21

com conjunto solução {(−y, y, 1, 2) | y ∈ R}.

Resumindo, um sistema (I.3.i) de equações lineares pode-se resolver de seguinte modo:

Resolver um sistema de equações lineares.

• Escrever o sistema na forma matricial A | b.


• Fazer uma redução de Gauß A | b A0 | b0 tal que A0 | b0 é uma matriz em escada.
• Resolver o sistema correspondente à A0 | b0 .

Procedimento I.3.13

Se a redução de Gauß A | b A0 | b0 for tal que A0 | b0 é uma matriz em escada reduzida, a


resolução do sistema correspondente é imediata.
De forma semelhante podemos descrever a classificação de um sistema de equações lineares.
Por exemplo, o sistema (I.3.i) de equações lineares é impossı́vel se e somente se, fazendo uma
escalonação A | b A0 | b0 da matriz A | b correspondente ao sistema, a matriz A0 | b0 tem um pivô
na última coluna. Mas esta formulação não é satisfatória porque não expressa uma propriedade
do sistema diretamente com uma propriedade da correspondente matriz A | b mas refere uma
redução A | b A0 | b0 . Qual é matriz A0 | b0 ? Existem, de facto, várias maneiras de escalonar
uma matriz, com resultados diferentes. Claro, como todas as reduções produzem sistemas equiv-
alentes, cada escalonação tem de conduzir-nos a mesma resposta e por isso podemos escolher
qualquer escalonação A | b A0 | b0 para classificar o sistema. Mais geralmente, podemos agora
utilizar “o pensamento em sistemas” para deduzir uma propriedade puramente de matrizes: se
A B, A B 0 e B, B 0 são matrizes em escada, então B e B 0 tem os pivôs nas mesmas colunas.
De facto, sendo a1 , . . . , am as colunas de A, a matriz B tem um pivô na coluna j se e somente
se o sistema de j − 1 incógnitas correspondente à matriz [a1 . . . aj ] for impossı́vel; e igualmente
para B 0 . Portanto, a posição e o número de pivôs de B e de B 0 dependem apenas de A e por
isso coincidem. Assim, podemos definir:

Definição I.3.14. Ao número de pivôs de uma matriz em escada obtida a partir de uma
matriz A aplicando um número finito de operações elementares diz-se caracterı́stica de A e
representa-se por car(A).

Nota I.3.15. Além disso, a matriz em escada reduzida obtida a partir de uma matriz A é única.

Por definição, a caracterı́stica de uma matriz A calcula-se fazendo alguma escalonação A B


e contando os pivôs de B. Este conceito vai ajudar-nos a formular propriedades de sistemas (e
matrizes) da forma mais sucinta e por isso mais legı́vel. Tendo em conta o Teorema I.3.7, o
seguinte resultado descreve a classificação de sistemas de equações lineares em geral.

Teorema I.3.16. Dado um sistema (I.3.i) com a matriz correspondente A | b e a matriz dos
coeficientes  
a1,1 · · · a1,n
 . .. 
A= ..
 . ,
am,1 · · · am,n
tem-se que
• o sistema (I.3.i) é impossı́vel se e só se car(A) < car(A | b).
22 I.3. Utilizando a linguagem de matrizes

• o sistema (I.3.i) é possı́vel se e só se car(A) = car(A | b).


• no caso do sistema (I.3.i) ser possı́vel:
– o sistema (I.3.i) é determinado se e só se n = car(A).
– o sistema (I.3.i) é indeterminado se e só se n > car(A). Neste caso o sis-
tema (I.3.i) tem grau de indeterminação n − car(A).

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