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André Bueno
Dulceli Estacheski
Everton Crema

FUTURO EM CONSTRUÇÃO
Reflexões sobre a Aprendizagem Histórica

3
BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA,
Everton [orgs.] Futuro em construção: reflexões sobre a
aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória:
Sobre Ontens Ebook, 2016.
ISBN: 978-85-65996-38-9
Disponível em: www.revistasobreontens.blogspot.com.br

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Índice

Prefácio
7

A volta dos Discos voadores e o Ensino de História no Brasil


André Bueno
9

Formação Docente para o Ensino de História: um relato de


experiência
Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski
31

O Tempo dos Quadrinhos


Rodrigo Otávio dos Santos
51

Outras Vozes: Homofobia e Afetos Políticos na Educação


Celso Kraemer
Carla Fernanda da Silva
Cristiane Theiss Lopes
71

As Diretrizes Curriculares Paranaenses da Educação Básica em


História: um Balanço Educacional Necessário [2004-2014]
Everton Crema
107

Bios
131

5
6
Prefácio

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem


as sensações de momentos idos me são saudosas: o que
se sente exige o momento; passado este, há um virar de
página e a história continua, mas não o texto.
Fernando Pessoa

Nesse breve prefácio, damos a nota do que será essa nossa


publicação: um ensaio sobre questões atuais da história, urgentes,
que atingem diretamente seus problemas de ensino e formação.
Não buscamos fórmulas, nem se trata de uma panaceia, mas uma
conscientização lúcida sobre nossas angústias – e também, sobre
nossos possíveis caminhos.
Das experiências do LAPHIS – Laboratório de
Aprendizagem Histórica, presente na cidade de União da Vitória,
PR, extraímos as reflexões que elaboraram esse pequeno volume.
Por isso, temas tão diversos, mas tão atuais: no ensaio de André
Bueno, a preocupante volta dos discos voadores para as salas de
aula brasileiras; já Dulceli Tonet relata sua enriquecedora
experiência educacional na cidade; Rodrigo Scama nos traz um
pouco das inovadoras teorias sobre história e história em
quadrinhos; Celso Kraemer, Carla Silva e Cristiane Lopes nos
revelam o sensível e complexo panorama da educação e do ensino
de gênero; e Everton Crema aborda o necessário balanço das
teorias usadas na construção das diretrizes de ensino de história
no PR.

7
Diversos, porém unidos, os ensaios trazem a questão
crucial: o que faremos adiante?

Uma boa leitura!

8
A volta dos Discos voadores e
o Ensino de História no Brasil

André Bueno

Recentemente, a Aeronáutica liberou uma série de documentos


sobre aparições e avistamentos de objetos voadores não
identificados [em português, ‘OVNI’, em inglês ‘UFO’] no

9
Brasil.1 A notícia, comemorada pelos ‘ufólogos’, foi bastante
criticada por alguns setores da intelectualidade brasileira, que
contestaram o fato da mesma Aeronáutica não liberar documentos
sobre os desaparecidos durante o período militar [1964-85]. Por
causa disso, esses intelectuais não levaram a sério o ato da
Aeronáutica, que por seu turno, não costuma levar a sério
também os intelectuais e os ufólogos; ufólogos esses que, em geral,
não são levados a sério por quase ninguém, mas que se
preocupam, sim, com desaparecidos – aqueles abduzidos pelos
Et’s, e não pelas forças armadas ou por guerrilheiros de esquerda.
Esse debate foi eclipsado pelas tensões eleitorais desse ano
[2014], mas podemos dizer que ele faz parte de um conjunto
maior de problemas históricos e intelectuais. Não faz muito
tempo também, o canal de Tv History Channel começou a
promover o programa ‘Alienígenas no Passado’ 2 [desde 2010],
que tenta a todo custo provar as diversas interferências
extraterrestres no curso da história da humanidade. Embora a
maior parte das inferências feitas possa ser refutada com o auxílio
de bons manuais de história, ou com a consulta de especialistas
nas áreas das ciências, o programa tem atingido bons níveis de
audiência [já está na sétima temporada], revelando um profundo
desconhecimento do público sobre os problemas tratados. A
insistência desse tema já valeria a perda, por parte do canal, do
título de ‘History Channel’, mas ele revela o distanciamento que
uma parte substancial da sociedade mantém sobre o que significa
o estudo da história como uma ciência. O público geral parece

1
http://www.ufo.com.br/noticias/governo-brasileiro-libera-um-dos-mais-
importantes-documentos-secretos-sobre-ufos-ate-agora
2
http://www.seuhistory.com/programas/alienigenas-do-passado

10
não se interessar mais pela história, essencialmente politizada, que
tem sido imposta constantemente nas escolas. Que se entenda: em
minha opinião pessoal, o ensino de história deveria fomentar,
justamente, a construção dessa consciência crítica, que tanto
precisamos para uma sociedade saudável e autônoma. Todavia,
algo está acontecendo de errado no ensino de história.
Tivemos durante décadas um ensino superficial, baseado
em heróis, batalhas, efemérides e elementos cívicos basilares, mas
em geral, superficiais. A virada desse ensino, após o fim do regime
militar, buscou uma politização necessária, que embarcou nas
lutas de classes, regimes produtivos, escravidões, consciência
social, etc. Aparentemente, porém, isso também não deu
certo. Nossos alunos saem da escola sem serem empreendedores
decididos ou revolucionários idealistas. Vivemos, ainda, numa
sociedade racista, machista, preconceituosa, que está se
envolvendo em um processo de radicalismo religioso preocupante.
Tal fator é notável; se uma grande parte da sociedade parece não
acreditar em alienígenas, porque os exclui de um plano divino que
transformou o planeta Terra no único lugar habitável do
universo, a outra metade não apenas parece acreditar neles como,
ainda por cima, os vê pululando em eventos históricos do
passado.
Isso se deve a uma desconsideração generalizada sobre o
campo da história em nosso país. Ela tem sido mal ensinada, por
profissionais com sérios problemas de qualificação, amarrados por
orientações de cunho ideológico e planejamentos educacionais
fracos e cheios de deficiências estruturais. Isso tem tornando a
história chata e desinteressante. As imensas lacunas causadas por
esse ensino problemático deixam abertas as portas para o
aparecimento de teorias esdrúxulas, como as do History Channel,

11
que parecem ser absolutamente plausíveis para aqueles que
desconhecem um curso de história bem feito nos níveis básicos da
educação.
Não é meu intuito afirmar a inexistência de alienígenas;
mas até termos provas definitivas de sua existência, trabalhamos
num campo de pura especulação, que deve ser lido com cuidado,
e para o qual possuímos poucos especialistas sérios. Chamo
atenção para o fato de que eventos históricos simples, que podem
ser razoavelmente bem explicados pela arqueologia, pela história,
pela engenharia ou medicina, transformam-se em episódios
obscuros, de desinformação completa, devido a esse tipo de
desconhecimento sobre o passado. Esse é o meu foco, aqui.
Assim, temos uma equação macabra: um ensino
desinteressante, superficialmente crítico, dirigido por políticas
públicas problemáticas, torna o campo da história um grande
aborrecimento para a maior parte do público. Quando esse se
interessa pela história, busca na literatura histórica aquilo que lhe
parece atraente, diferente, alternativo. Eis porque livros cheios de
fofocas históricas, escândalos ou guerras, por exemplo, vendem
aos cântaros. São as lacunas desse ensino. E deveríamos, então,
ensinar essas coisas na escola? Claro que não. O que me preocupa,
nesse caso, é a ausência de um instrumental crítico histórico, que
permita a alguém duvidar, pôr em questão esse tipo de leitura. Os
extraterrestres entram nesse mesmo tipo de buraco. Nosso
desconhecimento básico em ciências e história cria esse abismo,
que propicia o aparecimento das teorias mais estapafúrdias para
explicar o passado da humanidade. É o que torna ‘absolutamente
interessante’ descobrir o que os documentos da Aeronáutica
trazem sobre OVNI’s; por outro lado, faz parecer, para muitos,

12
uma ‘grande chateação’ querer saber algo mais sobre os
desaparecidos do período militar.
Desta forma, podemos dizer que o ensino de história tem
um longo desafio pela frente: ele terá que ser capaz de se
reinventar, de propiciar a criação de uma consciência histórica e
de um conjunto de ferramentas que permitam, ao indivíduo,
analisar os eventos históricos, desconstruí-los e não aceitá-los
tacitamente. Porém, no caso dos Et’s, o que fazer com eles, se eles
não fazem parte [ou ao menos, não deveriam] da história
humana? Precisamos, então, detalhar um pouco mais esse
problema, e partir em busca de propostas.

O Maravilhoso na sociedade contemporânea

Precisamos empreender um retorno ao passado, para


compreendermos como opera nossa mente histórica, e em que
lacunas atuam os problemas de nossa formação escolar. As raízes
são mais antigas do que podemos supor, e por isso demandam
uma apresentação sucinta.
Jean Claude Schmitt [1999, p.98-100] definiu com
elegância e profundidade o padrão da mente medieval, da qual
somos herdeiros diretos, que entendia os eventos do mundo em
dois âmbitos: Miracula e Mirabilia. Miracula é o ‘Milagre’, um
tipo de intervenção divina absolutamente ‘crível e explicável’
dentro de uma lógica religiosa cristã, cujo sentido reporta-se
diretamente ao problema. Já Mirabilia, o ‘Maravilhoso’, trata-se
daqueles eventos ainda inexplicáveis, pois não se encaixam
diretamente na lógica explicativa de um mundo cristão. São
acontecimentos, criaturas ou ações cujo sentido só pode ser
especulado nesse mundo, mas cuja explicação encontra-se ainda

13
além de nosso conhecimento imediato. Pode parecer estranho
invocar aqui o conceito de Schmitt, mas se repararmos bem, ele é
perfeito para explicar o vasto conjunto de mitos e lendas que
foram introduzidos ou criados no Brasil ao longo dos séculos. O
que caracteriza o que chamamos de criaturas do nosso folclore
[Saci, Mula sem cabeça, Lobisomem, Boitatá, Curupira, etc.]
pertence ao ‘Maravilhoso’, já que não se possuía uma explicação
direta sobre elas no âmbito religioso [exemplo: em que momento
da criação divina, por exemplo, teriam surgido os lobisomens?],
mas eram ‘reais’ no âmbito popular. Por isso, não raro, os
especialistas religiosos e sacerdotes classificavam como ‘crendices’
tais criaturas e crenças, desprezando-as categoricamente. Entre o
povo em geral, porém, tais crendices eram amplamente
difundidas até algum tempo atrás. É o advento da modernidade,
da evolução dos meios de comunicação e de informação que iria
enfraquecer tremendamente a existências desses mitos
maravilhosos. Os fragmentos de ciência paulatinamente inseridos
e divulgados na mídia [‘novas descobertas científicas’, alertas sobre
questões mundiais, de saúde, etc] foram paulatinamente
esvaziando as possibilidades desses seres fantásticos.
No entanto, não podemos esquecer que somos herdeiros
diretos da cultura portuguesa, talhada no medievo europeu, que
nos legou essa estrutura mental – Mirabiliae Miracula – de sacis e
curupiras por um lado, mas que consolidou Nossa Senhora de
Aparecida por outro. Enquanto permanecerem lacunas em nossos
conhecimentos históricos e científicos, ambos os conceitos atuam
preenchendo nossas ausências, nossos anseios, nossas dúvidas.
Por isso, os retalhos de ciência que a população absorveu
nos últimos tempos pela mídia fez sumir nossos sacis, tornando-os
improváveis, mas acabou o substituindo pelas ficções cientificas,

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amplamente exploradas pela mesma mídia, de extraterrestres,
naves voadoras, conspirações alienígenas, entre outras. O
‘Maravilhoso’ se revela novamente, absorvendo o inexplicável ser
de outro planeta, e transformando-o numa espécie de crença. Ele
é algo que ‘existe’, mas ninguém sabe ao certo como, porque ou
qual sua inserção numa lógica universal [e no caso do Brasil,
ainda, essencialmente cristã].
Em um texto anterior, ‘História e Realismo Fantástico:
uma questão de ensino’3, eu apresentei um levantamento
bibliográfico das obras que fomentaram, no século 20, a criação
desses mitos extraterrestres, e de como eles operavam no nível do
discurso, dentro de suas próprias especificidades. Porém,
precisamos esmiuçar as razões pelas quais cedemos a esses
discursos. Como vimos, essas reminiscências medievais ainda
operam em nossa mentalidade, buscando articular uma existência
imaginária no âmbito do senso comum. Porém, sabemos que o
senso comum é uma condição inalienável do mundo – e no atual
estágio de nossos conhecimentos técnicos, sua amplitude é ainda
maior. Atualmente, podemos colecionar pedaços de informações e
ideias de vários campos de conhecimento e organizá-los em frágeis
teias de ‘coerência’, supondo uma certa cientificidade sobre eles –
como se dá, no caso, em relação aos extraterrestres na história.
As explicações dadas pelos supostos especialistas do
History Channel ou por Eric Von Danikken, o ‘apóstolo’ dos
UFO’s históricos, empregam, todas elas, informações ou teorias
importadas das ciências. Ainda que usadas de modo
absolutamente superficial e muitas vezes equivocado, elas parecem

3
http://sinografia.blogspot.com.br/2014/01/historia-e-realismo-fantastico-
uma.html

15
conferir sentido ao que se propõe – e justificam o injustificável.
Assim, os alienígenas penetram o campo do Maravilhoso em
nossa mente: podemos especular sobre eles, ‘vê-los’, imaginá-los,
mas não sabemos ao certo suas razões, suas origens ou seu papel
no cosmo.

Nossas deficiências no Ensino

Carl Sagan, numa brilhante explanação sobre o problema dessa


postura ‘científica’, afirmou que:

Mas a superstição e a pseudociência estão sempre se


intrometendo, [...] fornecendo respostas fáceis,
esquivando-se do exame cético, apertando casualmente
nossos botões de admiração e banalizando a
experiência, transformando-nos em profissionais
rotineiros e tranquilos, bem como em vítimas da
credulidade. Sim, o mundo seria um lugar mais
interessante se houvesse UFOs escondidos nas águas
profundas, perto das Bermudas, devorando os navios e
os aviões, ou se os mortos pudessem controlar as nossas
mãos e nos escrever mensagens. Seria fascinante se os
adolescentes fossem capazes de tirar o telefone do
gancho apenas com o pensamento, ou se nossos sonhos
vaticinassem acuradamente o futuro com uma
frequência que não pudesse ser atribuída ao acaso e ao
nosso conhecimento do mundo. Esses são exemplos de
pseudociência. Eles parecem usar os métodos e as
descobertas da ciência, embora na realidade sejam
infiéis à sua natureza - frequentemente porque se

16
baseiam em evidência insuficiente ou porque ignoram
pistas que apontam para outro caminho. Fervilham de
credulidade. Com a cooperação desinformada (e
frequentemente com a conivência cínica) dos jornais,
revistas, editoras, rádio, televisão, produtoras de filmes
e outros órgãos afins, essas ideias se tornam acessíveis
em toda parte. Muito mais difíceis de encontrar [...],
são as descobertas alternativas, mais desafiadoras e até
mais deslumbrantes da ciência. A pseudociência é mais
fácil de ser inventada que a ciência, porque os
confrontos perturbadores com a realidade - quando
não podemos controlar o resultado da comparação -
são evitados mais facilmente. Os padrões de
argumentação, o que passa por evidência, são muito
menos rigorosos. Em parte por essas mesmas razões, é
muito mais fácil apresentar a pseudociência ao público
em geral do que a ciência. Mas isso não é o suficiente
para explicar a sua popularidade. [Sagan, 1997, p.21]

O que ele classifica como ‘pseudociência’ é, justamente, o campo


no qual operam as teorias maravilhosas, que sobrevivem graças ao
nosso desconhecimento histórico e científico. Sagan desenvolve
sua linha de raciocínio no seguinte sentido:

É natural que as pessoas experimentem vários sistemas


de crenças, para ver se têm valia. E, se estamos bastante
desesperados, logo nos dispomos a abandonar o que
pode ser visto como a pesada carga do ceticismo. A
pseudociência fala às necessidades emocionais
poderosas que a ciência frequentemente deixa de

17
satisfazer. Nutre as fantasias sobre poderes pessoais que
não temos e desejamos ter (como aqueles atribuídos
aos super-heróis das histórias de quadrinhos modernas
e, no passado, aos deuses). Em algumas de suas
manifestações, oferece satisfação para a fome espiritual,
curas para as doenças, promessas de que a morte não é
o fim. Renova nossa confiança na centralidade e
importância cósmica do homem. Concede que
estamos presos, ligados ao Universo. Às vezes parece
uma parada no meio do caminho entre a antiga
religião e a nova ciência, inspirando desconfiança em
ambas. [idem, p.22]

E de onde provêm essas ausências, essas lacunas que buscamos


suprir com as crenças? Uma resposta evidente é, justamente, a
deficiência no ensino. Mesmo assim, seria fácil e extremamente
simplificador dizer que tais concepções nascem apenas do
desconhecimento. A questão das crenças opera em níveis diversos
do imaginário. Sagan acreditava que a ciência seria capaz de
explicar várias dessas pseudociências [assim como faz Richard
Dawkins, hoje]. O que ambos não queriam aceitar, porém, é que
o mesmo mecanismo que ‘supre carências espirituais e materiais’
atinge inclusive os cientistas. Muitas vezes, médicos se convencem
de intervenções milagrosas em quadros clínicos que consideravam
perdidos; por motivos religiosos diversos, um cientista pode
acreditar em Deus e na bomba atômica ao mesmo tempo. Isso
nos remete diretamente ao quadro dos professores de história.
Ignorantes, mal formados, e por vezes preguiçosos e acomodados,
eles suprem suas defasagens profissionais e incapacidades

18
intelectuais com as respostas simples e atraentes dessas
pseudociências, que formam o chamado Realismo Fantástico.
Por causa disso, não é difícil encontrar professores de
história que, tendo parcos conhecimentos sobre história antiga
[que consideravam inútil, chata ou distante], admitem as teorias
mais surpreendentes para explicar o passado - tão somente porque
parecem coerentes perante o seu desconhecimento. Por exemplo:
diante da clássica pergunta ‘como foram feitas as pirâmides?’,
reagem de modo embaraçoso. Poucos sabem, e outros poucos
admitem simplesmente que não sabem [e talvez ‘não sabe, não
quer saber, e tem raiva de quem sabe!’]. Alguns admitem que os
egípcios as fizeram – não sabem como ao certo, mas como a Terra
seria o único mundo habitado na criação divina, é impossível
alguém de fora tê-las feito. Essa resposta tacanha, embora
‘correta’, é totalmente privada de cientificidade, posto que se calca
numa religiosidade restrita. Assim, caímos em outro extremo: de
que os antigos eram incapazes de construí-las, que eram limitados,
que eram ‘primitivos’, e por fim, que somente uma inteligência
superior [tal como se julga que só exista agora!] foi responsável
pela sua construção – e logo, seria alienígena. O preconceito
contra os estudos clássicos atinge aí seu ápice: transfere-se aos
antigos uma total incapacidade de pensar, criar ou imaginar
tecnologias. Tal incapacidade é, justamente, daquele que a
transfere: mas ele não consegue se perceber ignorante ou incapaz
de utilizar as ferramentas da pesquisa histórica para solucionar o
problema, e adota a solução mais fácil. A pseudociência, do
Realismo Fantástico, surge para suprir suas lacunas ‘científicas’, e
alimentar ainda mais o seu preconceito contra o que não conhece
bem. É no mínimo irônico que, na mais das vezes, esse que rejeita
a história antiga e medieval comporta-se com, de fato, como um

19
popular antigo ou medievo – e vive num ‘mundo assombrado por
demônios’, como disse Sagan.

Examinando as ausências em busca de respostas

Precisamos, pois, compreender as razões pelas quais tantos


profissionais que atuam no ensino de história compartilham
dessas dificuldades.
A primeira razão que podemos elencar, de modo claro,
ainda é o baixo número de especialistas em história antiga e
medieval no país.* Grande parte dos cursos universitários de
história emprega especialistas de outras áreas nessas disciplinas, e
não raro, desestimula o aprofundamento nelas, colocando-as
como ‘desnecessárias’ no contexto cultural brasileiro.
Obviamente, esse tipo de visão é causado pelo pouco
conhecimento que se possui sobre a antiguidade e sua herança
cultural. É comum ouvirmos que o estudo de história antiga, por
exemplo, é elitizado, distante no tempo e inviável, pois demanda
o aprendizado de outros idiomas, o estudo interdisciplinar, etc.
Ora, se não é o estudo do passado o objetivo da história; se a
interdisciplinaridade não é um dos meios mais apropriados para
uma reconstituição histórica mais segura; e por fim, se o
aprendizado de novos instrumentos de leitura e pesquisa não
aperfeiçoa as capacidades do historiador; então, do que se trata
fazer história de forma séria e científica? Embora o número de
estudiosos em história antiga tenha se elevado significativamente
nos últimos anos, e nas mais variadas temáticas, sua inserção no
panorama universitário é dificultosa e arduamente negociada. São
poucas as vagas em concursos, e menos ainda as instituições que

20
promovem – ou ao menos, que aceitam abrigar - grupos de
pesquisa nessa área.
Ora, se há uma orientação generalizada nesse sentido,
partindo de uma ideia de ‘cultura’ que é essencialmente
excludente, então, é mais do que compreensível a manutenção
dessa lacuna na formação dos docentes. Embora temáticas
totalmente atuais tenham seu fundamento na antiguidade ou no
medievo – a república, o embate religioso, a renovação das
mitologias fantásticas – tais temas são tratados como se tivessem
surgido há menos de seis meses atrás. Novamente, é esse cenário
que proporciona situações inusitadas no século 21, tais como o
profissional que reza confessionalmente em sala de aula - e que é
refutado por alguém que, desconhecendo igualmente história,
clama pela alternativa ET como resposta.
Essa situação nos revela, claramente, a primeira das
ausências – ou deficiências – que precisamos investigar.
No excelente artigo de Miranda & de Luca [2004]4, observamos a
problemática estruturação de nossos livros didáticos de história –
o primeiro [e na maior parte das vezes, o último] contato que a
maior parte dos estudantes terá com o tema. Há uma ênfase
muito grande em narrativas episódicas, e seguem-se em, em
muitos casos, a ordenação cronológica e contextual tradicional.
Podemos adicionar, a essa análise, o fato de que a história antiga e
a história medieval [seguindo a estrutura eurocêntrica de fases
históricas] continuam sendo passadas de forma brevíssima na
maior parte desses livros. Ignora-se quase por completo a Ásia; a

4
Veja o link: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
01882004000200006&script=sci_arttext

21
história africana tem conquistado espaço e literatura própria, mas
que não penetra diretamente nessas narrativas.
Assim, como os livros são fracos e falhos, e como a maior
parte dos leitores brasileiros não se interessa muito pela literatura
histórica, não é incomum que os poucos livros de sucesso,
classificados como ‘históricos’, não sejam feitos por historiadores.
Apenas para citar: as obras de Eduardo Bueno, Laurentino Gomes
e Leandro Narloch foram sucessos de venda entre o público
comum. Christian Jacques, egiptólogo que escreveu um romance
histórico sobre Ramsés, é outro desses casos. Isso reflete
diretamente o fato, no Brasil, de que a história, em sua base, é
feita de forma deficiente [e absolutamente pouco atrativa]. Outro
exemplo cabal disso é a coleção Nova História Crítica, feita por
Mário Schmidt. Provavelmente o livro didático mais difundindo
no país, ele contém erros grosseiros de conteúdo, e juízos de valor
bastante problemáticos. A coleção tem sido criticada pelos
próprios historiadores5, e apesar do Ministério da Educação
desaconselhar seu uso [após passarem anos indicando-a como
adequada], ela continua sendo usada em várias escolas do país. A
questão importante é que Mário Schmidt não é formado em
História; e como os outros autores, é graças justamente a uma
escrita mais atraente e menos compromissada com a ciência
histórica que seus livros alcançam sucesso – sendo usados por
historiadores preguiçosos, mal formados, e inábeis no uso dos
instrumentos de pesquisa histórica [pois afinal, uma leitura crítica
capacitada sobre os mesmos apontaria rapidamente essas falhas].
No entanto, o escopo da crítica histórica se perde, na medida em

5
Veja o link: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/reportagem/livro-
didatico

22
que os principais detratores da coleção não são, também,
historiadores, o que nos permite supor até onde a ingerência
política e midiática se envolve no tema.
Esse abismo, que aborda de maneira ainda mais superficial
a história antiga, deixa abertas as portas para a especulação. Sobre
ela, projetam-se os anseios do senso comum. O espaço da história
antiga é coberto pelas visões religiosas, ou pelos aventureiros do
Realismo Fantástico. A dificuldade e a escassez de classicistas dão
margem à difusão dessas concepções capciosas e pseudocientíficas.
Além disso, muitas vezes a produção acadêmica está distante do
grande público, e é escrita para poucos. Apenas alguns manuais
foram produzidos buscando aproximar-se do público mais
comum, já que o professor universitário que se preocupa com a
vulgarização histórica é mal visto. Ele tende a ser considerado por
seus pares como ‘menos qualificado’, já que seu foco exigiria
‘menos erudição’. Pois é justamente erudição, poder de síntese, e
escrita interessante que constituem talentos raros na academia. A
combinação deles é mais difícil ainda de ser vista. Desse modo,
abre-se então espaço para pseudo-cientistas de narrativa
envolvente, que convencem o leitor de que seus livros o tornam
alguém ‘com um conhecimento singular, especial, que poucos o
sabem’.
A situação fica tanto mais complicada quando
constatamos um segundo ponto importante nessas ausências; a
quase inexistência do ensino de história das ciências e história da
arte. Ambas as áreas, que poderiam solucionar a maior parte dos
‘enigmas fantásticos’ ainda no ensino médio, caem simplesmente
no umbral do ensino histórico. Nem bem são lecionadas em
outras áreas [ciências ou artes], nem são abordadas por
historiadores. Aqui, delineia-se uma equação sinistra: temos um

23
ensino deficiente de história antiga e medieval nas escolas +
ausência de história das ciências e artes + despreparo no
instrumental de pesquisa histórica... Não é preciso continuar para
ver que qualquer livro que ofereça uma versão mais curiosa,
exótica alternativa da história será vista, como certeza, de modo
fascinante pelo leitor comum.
Haja visto que temos mesmo poucos títulos para resolver
essa questão. Uma coleção bastante interessante e enriquecedora
é A História ilustrada da Ciência de Cambridge, publicada por
Colin Ronan [Zahar, 1997]. São quatro volumes, que cobrem a
história das ciências desde o mundo antigo até a época mais
recente. O livro de Ronan tem ainda a vantagem de quebrar a
ideia, muito comum, de que as ciências são acumulativas. O senso
comum tende a acreditar que as ciências vêm acumulando
conhecimento desde a antiguidade, numa evolução contínua. Isso
torna inaceitável, por consequência, a ideia de que os antigos
pudessem conhecer técnicas capazes de construir palácios, templos
e pirâmides. Não se admite, por exemplo, que conhecimentos
científicos tenham se perdido, ou ainda, que certas teorias não
tenham sido desenvolvidas em função do contexto de época. Isso
abre a brecha para a alternativa ET, que não pode ser comprovada
arqueologicamente, mas também [ao menos seus defensores assim
o acreditam, numa inversão completa do paradigma científico],
não pode ser ‘refutada por ausência de provas’! É justamente a
ausência de provas que refuta uma teoria vaga. Mas para o senso
comum, não. Do mesmo modo, a complexidade da explicação
dada pela história da ciência tende a afastar o leitor despreparado,
que crê estar sendo ‘ludibriado’ por uma grande quantidade de
informações. A leitura de livros como o de Ronan ajudaria
bastante a desfazer esses equívocos. Todavia, nem mesmo a

24
história das ciências é uma área muito divulgada em nosso meio
histórico, cabendo a outros campos científicos a sua construção
conceitual.
O mesmo pode ser dito sobre a história da arte. Embora
os historiadores se aventurem, ocasionalmente, no campo das
imagens, as limitações de seu emprego no ensino básico e mesmo
na formação acadêmica, deixa margem à promoção de concepções
errôneas. Um exemplo clássico são os códigos de representação
imagética. Egípcios, por exemplo, usavam proporções de tamanho
diferentes para indicar o faraó, nobres e populares em seus murais.
Indianos representavam seus deuses com vários braços, o que
significava a extensão de seu poder. Mas os leitores do realismo
fantástico leem isso ao ‘pé da letra’, supondo que tais diferenças
marcam, na verdade, seres diferentes dos humanos. Por analogia,
seria como acreditar na existência de bichos falantes, por causa das
atuais propagandas de ração. Há uma desconexão absoluta com o
sentido de passado, incapaz de conceber a ideia de representação
simbólica no mundo antigo. O problema acentua-se na medida
em que concepções ingênuas, tais como as de que ‘antigamente se
mentia menos’, são usadas como cerne da dúvida. É
impressionante, pois, o que o desconhecimento pode causar.
Junte-se a isso o próprio desconhecimento do Realismo
Fantástico sobre suas ‘fontes históricas’. O mito do ‘disco voador’
é muito mais recente do que se imagina. Em julho de 1943, a
revista americana Amazing Stories publicou um conto sobre novas
máquinas voadoras nazistas, que ameaçavam as missões de
bombardeiros americanos. A ilustração mostrava um ‘disco
voador’, arcaicamente armado de metralhadoras.

25
A ilustração do primeiro Disco Voador, tal conhecemos.
Amazing Stories, Julho, 1943.

Era apenas um conto, mas depois de 1947, quando houve o


primeiro ‘avistamento’ de um ‘disco voador’, a febre em torno de
discos voadores começou – fossem eles nazistas ou alienígenas.
E não teria o aviador Kenneth Arnold, 'vítima' desse encontro, se
inspirado numa dessas histórias? Afinal, apenas um mês antes dele
se deparar com o OVNI, a mesma revista Amazing Stories lançou,
em junho de 1947, um outro número em que ao tema

26
'extraterrestre' aparecia novamente. A par de nossa especulação,
de lá pra cá, as teorias ficaram cada vez mais ‘complexas’ e sutis, e
a versão ET sobrepujou os discos voadores do Eixo – a mente do
realismo fantástico é implacável, e sempre opta pelo mais
misterioso e fascinante, já que não pode ser provado...**

Capa da Amazing Stories, edição de junho de 1947

27
Conclusões

Diante desse quadro, as soluções que poderíamos encaminhar são


as mais óbvias possíveis. Ensejar um espaço para a difusão da
história das ciências e das artes possibilitaria um excelente diálogo
interdisciplinar, expandiria o campo das ideias cientificas e do
espírito de pesquisa. Conhecendo esse instrumental, seria possível
realizar as adequações e inserções necessárias ao campo histórico.
Mesmo assim, o fortalecimento do campo de história
antiga e medieval, começando pelo ensino básico, se faz
necessário. Cumprindo a função basilar de fazer compreender a
aurora da humanidade, a história antiga torna-se o campo de
nascimento e reinterpretação dos conceitos fundamentais das
civilizações. Sem ela, mesmo o ensino da ciência ou da arte
correria o risco de ficar comprometido, se restrito a períodos mais
recentes da história.
É importante salientar que a discussão em torno da
história antiga não se dirige, somente, a ela própria. Trata-se,
finalmente, de estabelecer o alicerce satisfatório para a construção
de um conhecimento e de uma consciência histórica. Se o estudo
da história for circunscrito somente a períodos mais recentes,
correremos sempre o risco de desconectarmos com o passado,
criando miragens sobre ele – e nessas ilusões, a influência
ufológica, ou religiosa, são as mais problemáticas. Ao fazermos
opções restritivas no ensino de história, deixando de lado a
história antiga, deixamos de lado também a própria construção do
conhecimento histórico.
Há que se buscar, enfim, uma ampliação de nossos
campos de estudo e de visão sobre nossas origens, e sobre as outras
civilizações que compõem nosso vasto mundo. No ‘outro’ – no

28
antigo, no medievo, no asiático, no africano – escondem-se ainda
maravilhas, ao nosso conhecimento comum, que por si só revelam
o que ainda existe de realmente fantástico em nosso mundo, sem
as interferências alienígenas ou hierofânicas. Se as ciências e a arte
puderem, ainda, nos encaminhar para uma tradução dos
símbolos, meios e sentidos de outras formas de compreender o
mundo, isso por si só fomentará a criação de uma consciência
histórica bem diversa daquela que conhecemos hoje, e que
possibilitará uma formação enriquecedora, crítica e aberta aos
desafios de uma verdadeira investigação do mundo.
E então, somente então... Poderemos saber também se
algum extraterrestre já passou por aqui. Mas falta de tudo pra isso!

Anotações

* Para compreendermos melhor o problema, no site do GT de


História Antiga da ANPUH, um mapeamento preciso apresenta
quantos professores especializados em História Antiga estão
presentes em instituições públicas de Ensino Superior. Comparem
com o número de universidades no Brasil e veremos o quão
urgente é o problema. Conferir em:
http://www.gtantiga.com/estados.htm

** Cito aqui apenas a aparição da primeira imagem do 'Disco


Voador' como máquina 'fantástica' e 'real'. Não é preciso ressaltar
que em 1898, H. G. Wells já havia publicado "Guerra dos
Mundos" tratando sobre Marcianos, e em 1902, "O primeiro
homem na Lua", falando dos selenitas [insetos lunares]. Em 1928
surgiu o personagem de quadrinhos Buck Rogers, num ambiente

29
espacial cheio de máquinas voadoras. Havia uma substancial
literatura de ficção em andamento.

Referências

Além daquelas, já citadas no corpo do texto, podemos consultar:


SAGAN, Carl. Um mundo assombrado por demônios. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos na sociedade
medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

30
Formação Docente para o Ensino de História:
Um relato de experiência

Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski

Refletir sobre a formação docente em História é, de certa


maneira, repensar minha própria trajetória acadêmica e
profissional. A busca pelo curso de História em 2002 surgiu do
interesse em ser professora, não necessariamente de História. A
escolha do curso foi por um encantamento pela disciplina, a
escolha da profissão surgiu pelo exemplo de um professor de um
curso técnico em Processamento de Dados que tinha muito
entusiasmo ao ensinar e extremo empenho para que
conseguíssemos aprender. Ele nos dizia que tinha prazer em nos
ensinar naquele curso público e queria muito que aprendêssemos,
pois este conhecimento nos traria outras oportunidades na vida.
Percebi nele a importância da docência, quis para mim também
uma profissão que poderia fazer a diferença na vida das pessoas.
Tenho ouvido constantemente comentários em relação à
opção de jovens que prestam vestibular para os cursos de
licenciatura na UNEPSAR/FAFIUV. São comuns afirmações de
que tal procura seria somente por falta de opção, já que estes
seriam os únicos cursos gratuitos na cidade de União da
Vitória/PR e região. A ideia de que a docência somente é
procurada como profissão por pessoas de grupos sociais menos
favorecidos financeiramente é recorrente. Pessoas com mais
recursos buscariam outras áreas de formação. Percebe-se que a
desvalorização que a Educação tem sofrido ao longo dos anos

31
afeta a concepção das pessoas. Salários baixos e estruturas
precárias de trabalho seriam os maiores desabonadores da
docência. Tais afirmativas sugerem que teríamos em nossos cursos
pessoas descompromissadas com a área de formação, buscando
apenas um diploma de nível superior. Sugere que o futuro da
Educação no país seria ainda mais desolador que o presente, já
que as aulas seriam ministradas por quem não tem o menor
interesse em ensinar para crianças, adolescentes e jovens que
também são acusados de desinteressados em aprender.
Ao concluir minha graduação em História em 2005
escrevi em meu trabalho final de estágio supervisionado que
gostaria muito de ser professora, pois minhas práticas de estágio
haviam confirmado o encantamento pela prática docente e as
aulas do curso reafirmaram o encantamento pela disciplina de
História. Ensinar e perceber a aprendizagem de alunos e alunas
era e é enriquecedor. Estudar constantemente, aprender mais para
ensinar melhor, superar-se para demonstrar a alunas e alunos que
também podem fazer escolhas melhores para suas vidas a partir da
construção de saberes, do conhecimento que é a única coisa que
ninguém nos pode roubar, são anseios que me acompanham
desde então.
Diferentes foram os espaços de atuação profissional. Do
trabalho como bolsita recém-formada no Projeto ‘Contando
nossa História, construindo cidadania’ 6 do curso de História que
ensinava a história de União da Vitória para crianças da rede
municipal nos locais históricos do município até a docência no

6
Projeto que integrava o Subprograma Apoio às licenciaturas do Programa
Universidade Sem Fronteiras da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior do Paraná.

32
próprio curso de História, passei por diferentes escolas: da
periferia, da área central da cidade, escola do campo, instituições
públicas e particulares. Vivi os dilemas da profissão: falta de
estrutura, indisciplina estudantil, carga horária extrema com
pouco tempo para preparação das aulas. Fins de semana e feriados
utilizados para correção de trabalhos e provas, para pesquisa e
estudo. Mas como salienta Seffner

o ensino de História na escola é analisado pelo ângulo


do déficit, da falta: falta teoria, faltam aulas, faltam
conhecimentos, falta perceber mecanismos ideológicos,
falta capacitação e remuneração ao professor, faltam
bons livros didáticos ou falta isso e aquilo no livro
didático, etc. (Seffner, 2000, p. 265)

Concordo com o autor e não é por este viés que pretendemos


seguir. Vivi e tenho vivido, por outro lado, o prazer da profissão:
prazer em crescer em conhecimento e experiência, em ver pessoas
aprendendo, construindo saberes, mudando de perspectivas,
ampliando seus horizontes. Foi minha escolha ser professora de
História e é minha escolha continuar sendo. Aprendi a ler melhor
o mundo e trabalho em uma área que possibilita às pessoas novas
leituras do mundo. Acertei na escolha.
Esse meu pensar sobre a profissão e essa minha experiência
nela, ainda que não tenha tantos anos assim de carreira, me
conduzem a refletir sobre a preocupante questão de que a
licenciatura seria apenas uma opção para um público sem recursos
financeiros. Como professora das disciplinas de Didática da
História, Metodologia e Prática de Ensino de História e Estágio
Supervisionado, essa questão incomoda. Não tenho percebido ao

33
longo destes anos em que leciono no curso, desde 2007, um
desencanto tão grande de discentes em relação à docência para
que a sociedade aponte esse dilema. Uma pesquisa realizada com
68 estudantes das quatro turmas do curso de História no mês de
setembro de 2013 revelou que em relação ao interesse das pessoas
que fazem o vestibular para o curso de História na profissão de
docência, a maioria ingressa no curso com interesse em atuar na
área após a formação, como demonstra o gráfico abaixo:

Gráfico 01: Interesse discente em relação à profissão ao fazerem o vestibular


20 15
15 10
10 8 7 8 7 7
6 Sim
5 Não
0
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano

Fonte: Pesquisa com 68 alunos e alunas do curso de História


UNESPAR/FAFIUV

É claro que os números revelam também um percentual


considerável de pessoas que ingressam no curso sem o intuito de
seguir a carreira docente, mas pelo interesse no conteúdo próprio
da História, no diploma de ensino superior, e há os que o fazem
por ser a única instituição pública de ensino superior. Mas a
pesquisa rompe com um preconceito da sociedade em relação aos
cursos de licenciatura e à carreira docente. Tal constatação deve
nos impulsionar a atuar com esmero na formação de professores e
professoras. Outros números positivos revelados pela pesquisa
referem-se à mudança de opinião de estudantes em relação à

34
profissão docente ao longo do curso de História, demonstrados
no gráfico a seguir:

Gráfico 02: Mudança de opinião de estudantes em relação à profissão ao


longo do curso
15 14 Mantiveram
positivamente
10 8 Mantiveram
55 5 5 5 6
negativamente
5 3 34
10 1 1 1 00 10 Mudaram
0 positivamente
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano Mudaram
negativamente
Fonte: Pesquisa com 68 alunos e alunas do curso de História
UNESPAR/FAFIUV

Se ao ingressarem no curso de História, 38 de 68 estudantes que


participaram da entrevista tinham a intenção de tornarem-se
professores e professoras de História ao concluírem a graduação e
30 não, no decorrer do curso as percepções acerca da licenciatura
foram se alterando e o número de interessados e interessadas na
docência passou a 51 contra apenas 16 que reafirmaram sua
postura inicial ou alteraram negativamente sua intenção em
relação à docência. Apenas um aluno ainda se afirma indeciso
frente à questão.
Entre estudantes do primeiro ano do curso, o motivo que
levou a mudar negativamente de opinião foi a “falta de paciência
com crianças e jovens mal educados”. O que fez mudar
positivamente de opinião foi o encantamento por determinadas
aulas, o exemplo de professores e professoras e ainda, dos cinco
que alteraram sua opinião três apresentaram como motivação a

35
percepção de que “pode ser bom” ensinar o que sabe. Entre
aqueles e aquelas que mantiveram positivamente sua opinião
também foi apontado como motivo o exemplo de docentes do
curso como reforço positivo, a afinidade com o curso e o gosto
pela disciplina em si.
No segundo ano do curso encontramos maior diversidade
de posicionamentos, há um equilíbrio numérico maior entre
discentes que mantêm ou alteraram suas posições iniciais em
relação à docência. Entende-se que em partes isso é reflexo da
inserção da primeira disciplina voltada diretamente ao ensino e
aprendizagem da História, Didática da História, que explora de
forma mais efetiva o debate sobre a docência. É um momento do
curso em que estudantes passam a refletir mais sistematicamente
sobre a profissão, revelando com mais clareza suas dúvidas em
relação a ela.
A indecisão apontada por um estudante na pesquisa em
relação a ser ou não professor após a formação foi justificada pela
diferença que vê na História como disciplina escolar e seu estudo
na academia. Para ele “ser professor é algo complexo” e se revela
na tarefa de “auxiliar o aluno na formação de uma consciência
histórica”. Há nestas respostas uma superação da ideia de
professor ou professora de História como profissional que se
preocupa apenas com os conteúdos da disciplina, com o domínio
do saber histórico, não retirando, evidentemente, a importância
desse saber para a docência. A complexidade de “ser professor ou
professora” estaria na preocupação com a aprendizagem histórica
dos alunos e alunas e não apenas com o ensino do conteúdo.
Para Rüsen não é válida a concepção de ensino como
“ferramenta que transporta conhecimento histórico dos
recipientes cheios de pesquisa acadêmica para as cabeças vazias

36
dos alunos” (Rüsen, 2010, p. 23). Para o autor a educação
histórica é um processo intencional e organizado de formação de
identidade. O passado rememorado ajuda a entender o presente e
perspectivar o futuro. A História, portanto, como disciplina a ser
ensinada e aprendida precisa orientar para a vida. Nesse sentido,
ensinar História não se pauta apenas na transposição didática de
conteúdos. Mas preocupa-se com o desenvolvimento da
consciência histórica de estudantes, cuja função é ajudar “a
compreender a realidade passada para compreender a realidade
presente” (Rüsen, 2010, p. 56).
Entre as justificativas para a permanência da intenção de
atuar na docência após a graduação e para a mudança positiva de
opinião em relação a isso entre estudantes do segundo ano do
curso está a compreensão da relevância da História como
disciplina que auxilia na leitura de mundo e na capacidade dos
sujeitos de agirem no mundo a partir da compreensão das
realidades passada e presente. O estímulo de docentes do curso e
os conteúdos históricos por eles trabalhados são também
apontados como motivadores do interesse despertado para a
docência. Entre três estudantes que mudaram negativamente de
opinião encontramos respostas semelhantes entre si que revelam
que o entendimento do papel docente, que é “bem mais que
contar historinhas”, leva a refletir sobre a própria capacidade de
assumir ou não tal tarefa. O que entendemos como ponto
positivo para um curso de licenciatura em sua responsabilidade
por formar profissionais conscientes.

Os resultados obtidos com a pesquisa no terceiro ano do


curso foram bastante surpreendentes por revelar que de 14
estudantes que participaram da entrevista, apenas um não deseja

37
atuar na área de formação após a graduação por já ter uma
formação em jornalismo e seu interesse no curso de História era
justamente ampliar seus conhecimentos para atuar em sua área.
Os demais alunos e alunas justificaram a manutenção da intenção
inicial ao ingressarem no curso pelo interesse na profissão e a
mudança positiva em relação à profissão pela vontade de ensinar,
por gostar da sala de aula, por influência de familiares, pela
compreensão da importância da disciplina e pelo papel do
professor ou professora de História de criar possibilidades para
“que os alunos se questionem e se posicionem na sociedade”.
O terceiro ano do curso marca o início dos estágios no
ensino fundamental e médio para estudantes de licenciatura. E
esta experiência de sala de aula foi apontada por diferentes pessoas
como razão para confirmarem seu interesse na docência ou
despertarem seu interesse por ela. A “boa experiência com os
estágios” e a percepção de “um pouco do dia a dia em sala de
aula” fez com que estudantes mudassem de perspectiva em relação
à profissão. E entre aqueles e aquelas que já tinham o objetivo de
lecionar destacamos as seguintes afirmações sobre o estágio: “me
confirmou o meu interesse para dar aula, pois percebi que me
realizei”, “quando fiz o estágio em sala de aula, percebi que é isso
que eu quero para mim, pois me sinto bem ensinando”. Esta
realização pessoal proporcionada pelo ato de ensinar é ainda mais
significativa quando aliada à experiência de percepção da
aprendizagem de seus alunos e alunas, como demonstra o seguinte
relato: “por mais que não seja fácil trabalhar em sala de aula, por
mais que nem todos os alunos sejam interessados, quando você
gosta, quando um aluno aprende, se interessa, você se sente
realizado”. Não se tratam, portanto, de escolhas inconscientes, já
que mesmo compreendendo e vivenciando um pouco das

38
dificuldades do dia a dia em sala de aula, foi justamente esta
experiência que proporcionou a convicção em relação à profissão.
As repostas de estudantes do quarto e último ano do curso
não seguem esta harmonia de interesses encontrada no terceiro
ano. As pessoas entrevistadas demonstraram-se muito diferentes
em seus interesses, três delas que ingressaram no curso sem o
intuito de atuar na profissão após a graduação, mantiveram sua
posição devido às dificuldades que a docência apresenta que vão
desde a dificuldade de vagas para docentes até a postura de
professores que apenas reclamam da profissão ou são incoerentes
entre discurso e prática. Infelizmente este olhar pautado nas
carências do ensino, desprovido de capacidade de perspectivar um
futuro diferente e agir para sua construção é ainda recorrente
entre docentes. E as mazelas reais da educação no Brasil
desmotivam muitas pessoas a atuar na área.
A única mudança negativa de opinião em relação à prática
docente apresentada nesta turma foi justificada pela dificuldade
encontrada na prática de sala de aula, ao substituir docentes na
educação básica e perceber a própria falta de domínio de turma, o
que conduziu a opção por outra profissão. Esta postura é também
demonstração de maturidade acadêmica e de responsabilidade
frente à educação básica.
A maioria dos alunos e alunas não apenas ingressaram no
curso para tornarem-se professores, mas mantiveram sua posição
inicial no decorrer do curso. Isto foi motivado, segundo os relatos,
por incentivos e qualidade de docentes do curso, pela
compreensão da importância da disciplina para a educação básica
ao proporcionar o entendimento da realidade movendo os alunos

39
e alunas a questionarem e agirem no mundo e pela participação
em projetos, como o PIBID7 e as experiências de estágio.
Entre aqueles e aquelas que mudaram positivamente de
opinião em relação à docência as justificativas para tal postura se
referem aos conhecimentos adquiridos no decorrer do curso,
tanto os conteúdos próprios das disciplinas específicas quanto os
saberes em relação ao ensino e à aprendizagem histórica. Um dos
relatos destaca que “a primeira coisa” que fez mudar de opinião
“foi o contato com a sala de aula, perceber a realidade fez desertar
a vontade de estar lá. Após isso, perceber que podemos ajudar um
aluno a se ‘preparar’ para o mundo é fascinante, receber um olhar
de gratidão de nossos alunos é o que nos faz continuar”. Tal relato
faz recordar a menção anterior feita ao professor de ensino médio
que me inspirou a ser professora. Querer que os alunos e alunas
aprendam e alegrar-se com isso demonstra a postura de quem
entende o sentido da docência.
Vemos, portanto, resultados bastante positivos no
entusiasmo de alunos e alunas do curso de História da
UNESPAR/FAFIUV para a atuação na educação básica e também
no ensino superior. O que não pode ser motivo apenas de euforia,
mas sim de despertar para a responsabilidade frente a tal questão.
Oliveira (2012) ao discorrer sobre a dicotomia da formação
específica versus a formação pedagógica nos cursos de licenciatura
em História destaca a carência de produções escritas a este
respeito e apresenta o que ela chama de duas dimensões da
produção do conhecimento histórico: o ensino e a pesquisa. Para
a autora as tarefas para quem deseja atuar como profissional de
História consistem na pesquisa, na escrita histórica, na

7
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – CAPES.

40
preservação, organização e sociabilidade de fontes, nas políticas de
musealização, nas construções de expectativas de aprendizagem e
concepção do trabalho docente para além da sala de aula com
atividades de planejamento, formação continuada, avaliação
escolar. Para capacitar estudantes para atuarem em todas essas
diferentes ações é preciso um empenho contínuo de docentes e
discentes, que são os sujeitos da formação universitária.
Professores e professoras com capacitação adequada com alunos e
alunas que não se sentem responsáveis pela própria formação
podem gerar uma formação tão inadequada quanto aquela
proporcionada por discentes aplicados que possuem docentes cuja
competência é questionável. Da mesma forma que entendemos
que o papel do professor ou professora de História na educação
básica é proporcionar possibilidades aos alunos e alunas para
desenvolverem sua capacidade de pensar historicamente, mas o
pensamento em si depende do sujeito que pensa e não de quem o
estimula a pensar, na formação docente a via é a mesma. Os
professores e professoras do ensino superior precisam criar as
possibilidades para uma boa formação enquanto cabe aos
acadêmicos e acadêmicas dedicarem-se a elas.
E o que tem feito o curso de História para cumprir a parte
que lhe cabe na formação eficaz de profissionais em História? Em
2002, ano de meu ingresso no curso, implantou-se uma nova
matriz que inseriu no curso de História a disciplina de
monografia. Anteriormente era exigida de estudantes a produção
de um trabalho final para a conclusão de curso que era composto
de uma pesquisa em relação a determinado tema histórico
acompanhada do relato de experiência do ensino de tal temática
na educação básica. A inserção da produção monográfica no
terceiro ano do curso e para além dela, a produção do trabalho

41
final de estágio supervisionado no quarto ano do curso visava a
possibilidade de ampliação da capacidade de pesquisa, escrita e
ensino da História.
A pesquisa, embora fosse antes também desenvolvida, não
era voltada para a escrita de uma monografia e a alteração fez com
que uma preocupação maior em torno dela se desenvolvesse entre
estudantes. O lado positivo disso se revelou no aumento de
procura posterior à graduação pela continuidade da vida
acadêmica em cursos de especialização e mestrado em História.
Por outro lado, a parte do curso destinada à formação docente era
composta por disciplinas vinculadas à área de Educação tanto em
relação aos conteúdos quanto aos docentes que nelas atuavam. E
tal realidade fazia ressaltar o que Oliveira (2012) chama de
dicotomia da formação específica versus formação pedagógica,
mencionada anteriormente.
A pesquisa representava a produção do conhecimento
histórico que encantava estudantes do curso. A área de ensino
significava uma área oposta e aparentemente menos importante
ou interessante. Enquanto escrever sobre os resultados de suas
pesquisas era uma tarefa prazerosa, refletir sobre o ensino era
enfadonho porque as discussões existentes eram tão distantes da
área de conhecimento própria e parecia tão difícil relacionar a
teoria e o conhecimento histórico com as reflexões sobre o ensino
e a aprendizagem escolar. Afirmo tais questões pela experiência
vivenciada no curso, por colegas e por mim mesma. Muito
embora, meu interesse inicial e constante no curso era de tornar-
me professora, o curso gerou em mim maior gosto pela pesquisa.
Com o interesse e o compromisso com a pesquisa
histórica ampliado no curso a preocupação seguinte foi
direcionada para os rumos que a formação para a licenciatura

42
deveria tomar. E a matriz curricular foi rediscutida e alterada em
2011, sendo suprimidas as disciplinas de Estrutura e
Funcionamento de Ensino, Psicologia da Educação e Didática
que eram organizadas e ministradas por profissionais da área de
Educação e inserida a disciplina de Didática da História.
A didática pensada a partir da Pedagogia refere-se ao
conjunto de doutrinas, princípios e métodos da educação. Por
método entende-se o traçado das metas/etapas de ensino e a
técnica seriam os procedimentos, os recursos empregados para
atingi-las. Pela etimologia da palavra didática significa arte ou
técnica de ensinar. Mas e a didática da História? Para Cardoso
(2008, p. 154) “No Brasil a Didática da História é
frequentemente entendida como um tema subordinado à área de
Educação, sem vínculos com a atuação do pesquisador da área de
História. Essa concepção se fundamenta na crença de que o papel
da didática é adaptar ao contexto escolar o conhecimento criado
pelos historiadores.” O autor, porém argumenta que a Didática da
História não pode ser vista como um mero facilitador da
aprendizagem e deveria ser pensada a partir da própria História.
Tal percepção tem sido constantemente refletida por
diferentes pesquisadores e pesquisadoras do ensino de História.
Maria Auxiliadora Schmidt é uma delas. A autora apresenta a
ideia de cognição histórica situada, que seria a aprendizagem
histórica a partir da própria ciência da História (Schmidt, 2009).
Tais reflexões, segundo a autora surgiram da constatação dos
indicativos de desinteresse de crianças e adolescentes pelo
conhecimento histórico escolar e dos insucessos escolares em
relação a aprendizagens históricas significativas. Nessa perspectiva
a didática da história se ocuparia tanto da pesquisa histórica

43
(método, objeto, teoria), como das operações do aprender e do
ensinar História e da consciência histórica da sociedade.
Os estudos de Schmidt (2009) e também de Barca (2011,
p. 1) que reforça a ideia de que a aprendizagem histórica deve
suplantar a simples recepção de informações históricas e equipar
estudantes com estratégias cognitivas que lhes permitam orientar-
se pessoal e socialmente ao saber cruzar tais informações, “ler os
implícitos e o que é explicitamente negado”, questionar,
investigar, se pautam no pensamento de Rüsen (2001) que aponta
a razão como força motora do pensamento histórico e reforça que
é racional todo o pensamento que se expressa pela argumentação.
Para o autor, há um engano na concepção de didática da história
como disciplina que faz a mediação entre a história como
disciplina acadêmica e a educação escolar, pois nessa concepção
não há conexão com o trabalho do historiador e a didática da
história seria entendida, como já mencionado anteriormente,
como mero instrumento de transmissão de conteúdos históricos,
construídos pela pesquisa acadêmica, para alunas e alunos que
nada sabem (Rüsen, 2010, p. 23).
Para Rüsen (2012) a didática da história lida com três
fatores fundamentais para a aprendizagem histórica. Primeiro com
a consciência histórica dos indivíduos, que nasce na vida prática,
das experiências na realidade social, no tempo e espaço em que os
sujeitos estão inseridos. Segundo, com a historiografia que se
ocupa do modo com que a história é criticamente escrita. E
terceiro, com o ensino da história, especialmente no âmbito
escolar. O autor lembra que embora o ensino de História tenha
sido considerado um tema de menor valor para muitos
historiadores/as por um determinado tempo, relegado apenas a
profissionais da Educação, essa realidade tem mudado e

44
historiadores/as tem sido “confrontados com o desafio do papel
legitimador da história na vida cultural e na educação” (Rüsen,
2010, p. 29). A Didática da história, por um tempo vista como
auxiliar da didática geral, vista como disciplina pedagógica, fato
que foi “exacerbado pela tradicional mentalidade estreita de
muitos historiadores profissionais que excluíam todas as questões
de função prática da história de uma autorreflexão histórica séria”
(Rüsen, 2010, p. 31) é novamente entendida como propiciadora
da análise de todas as formas e funções do raciocínio e
conhecimento histórico na vida cotidiana, prática. Ela se ocupa da
metodologia de instrução na sala de aula; das funções e usos da
história na vida pública; das metas para educação histórica nas
escolas; da análise geral da natureza, função e importância da
consciência histórica.
Para o autor, a educação histórica é um “processo
intencional e organizado de formação de identidade que
rememora o passado para poder entender o presente e antecipar o
futuro” (Rüsen, 2010, p. 38). Nesse sentido, como afirma Barca
(2011, p. 1) “Aprender a pensar historicamente (o que exige
compreensão contextualizada e uso adequado da evidência) deverá
ser a meta essencial para a aprendizagem da História na era da
globalização”.
Dentro deste contexto, refletir sobre a formação docente
em História ganha um novo sentido, pois o foco de atenção
supera a preocupação com reflexões sobre o ‘como ensinar’ de
forma mais dinâmica, o que muitas vezes se pauta apenas em um
interesse por parte de docentes já graduados e docentes em
formação em tornar sua aula mais atrativa ou simplesmente
ocupar o tempo em sala de aula de uma forma que mantenha os
alunos e alunas envolvidos nas atividades propostas, avançando

45
para o empenho real em propiciar oportunidades de
desenvolvimento do pensamento histórico de estudantes.
O uso de diferentes linguagens para o ensino de História,
como as apresentadas por Fonseca (2003) em sua obra ‘Didática e
prática de ensino de História’, como o cinema, a música, jornais,
poemas e outros documentos escritos, bem como imagens,
fotografias, objetos de museu e arquitetura histórica, como aponta
Bittencourt (2004) é entendido como instrumento de
investigação histórica em sala de aula ou aulas de campo e não
apenas como recursos dinamizadores das aulas. Mais do que
trabalhar conteúdos de forma atrativa aos alunos e alunas com o
uso de diferentes tecnologias ou linguagens de ensino, docentes de
História devem estimular estudantes a analisarem diferentes fontes
para construírem suas narrativas históricas. Ao invés de apenas
receberem informações sobre o passado, estudantes precisam ser
estimulados a desenvolver sua capacidade de pensar
historicamente.
Ao assumir esta perspectiva de formação com a disciplina
Didática da História, o curso de História da UNESPAR/FAFIUV
tem encontrado resultados positivos em relação ao entendimento
de discentes sobre a função da disciplina de História e também do
papel de docentes de História no ensino fundamental e médio. As
respostas às perguntas sobre a importância da disciplina de
História na educação básica e sobre o papel do professor ou
professora de História na pesquisa realizada com 68 alunos e
alunas do curso revelaram um entendimento geral de que
aprender história é mais do que apenas adquirir informações a
respeito do passado, é ter a capacidade de questionar esse passado
à luz das experiências presentes e encontrar respostas que
permitam não apenas a compreensão de si mesmos e do mundo,

46
mas também que direcionem a ação no mundo. Desta forma, não
cabe ao professor ou professora apenas a tarefa de ‘transmitir’
saberes, mas de proporcionar a estudantes as oportunidades para
sua construção.

“Ser professor de História é ter em suas mãos uma


grande responsabilidade de ensinar, e isso resulta da
construção do conhecimento de ambos, educador e
educandos”. (estudante do 2º ano de História)
“é pela História que o aluno se reconhece como
cidadão, o qual pode (e deve) ser consciente e ativo, ela
amadurece o senso crítico do aluno, dando
oportunidade de entender o mundo em que vive e suas
relações por mais complexas que possam ser”.
(estudante do 4º ano de História)

O encantamento pela História em si não é desprezado. Aprender e


ensinar história pelo enriquecimento intelectual que proporciona,
pela curiosidade, pelo gosto pela História, retomando o que Marc
Bloch (2001) já dizia ao explicar ao filho a função da História
dizendo que mesmo que não servisse para mais nada, a História
diverte, é uma realidade que se mantém ou se aprimora entre os
graduandos estimulados pela pesquisa, mas toma também rumos
mais amplos, entendendo que mais que divertir ela possibilita
orientar-se na vida prática.
O curso de História forma para a pesquisa histórica e para
a docência em História. Fortalecer a área da pesquisa com a
inserção da obrigatoriedade da produção monográfica no curso de
História possibilitou uma experiência mais efetiva com a análise
de fontes, com a discussão com a historiografia e a produção de

47
uma narrativa histórica. Por outro lado, trazer para a História a
reflexão sobre a didática da História pautada em sua ciência de
referência permitiu que o entendimento e o encantamento gerado
pela pesquisa estimulassem o interesse pelo ensino. Se antes as
duas áreas pareciam dicotômicas, agora dialogam, pois o método
da História é pensado também como metodologia para o ensino
de História.
O interesse pela licenciatura manifestado pela maioria dos
alunos e alunas que integram o curso de História da FAFIUV,
como demonstrou a pesquisa realizada com 68 discentes, gera
uma preocupação sempre crescente em relação à qualidade da
formação docente. Embora a exigência de dois trabalhos de peso,
a monografia e o trabalho final de estágio supervisionado,
demandem tempo e dedicação de estudantes, compreende-se que
o esforço é necessário para que não apenas capacitem-se a
produzir narrativas históricas voltadas para a academia, com o
texto monográfico, mas que exercitem sua competência narrativa
para a produção de materiais didáticos a serem utilizados nas
escolas de educação básica, o que fazem em seus planejamentos de
estágio, bem como reflexões sobre o ensino que pautarão sua ação
quando graduados, função do trabalho final de estágio
supervisionado.
A licenciatura em História está muito longe de ser uma
área de desencanto, procurada apenas por pessoas que não tem
condições de ingressar em outros cursos. As mazelas da educação
preocupam, mas não destroem o interesse pelo ensino. Ao
contrário, reforçam o compromisso com a qualidade da formação
docente.

48
Referências

BARCA, Isabel (org.). Educação e consciência histórica na era da


globalização. Braga: Universidade do Minho, 2011.
BITTENCOURT, C. Ensino de História: fundamentos e
métodos. SP: Cortez, 2004.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do
Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da
História. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, n. 55.
2008. p.153-170.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de
História. Campinas: Papirus, 2003.
OLIVEIRA, Margarida Dias de. O ensino de história como
problemática nos cursos de graduação de História.
Conferência. São Gonçalo: ANPUH-Rio, 2012.
SEFFNER, Fernando. Teoria, Metodologia e Ensino de História.
In: Questões de Teoria e Metodologia de História. Porto
Alegre: UFRGS, 2000.
RÜSEN, J. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas.
Curitiba: W.A. Editores, 2012.
RÜSEN, Jörn. Didática da História: Passado, presente e
perspectivas a partir do caso alemão. SCHMIDT, M. A.;
BARCA, I.; MARTINS, E. R. (orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de
História. Curitiba: UFPR, 2010.
RÜSEN, Jörn. O desenvolvimento da competência narrativa na
aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa à
consciência moral. SCHMIDT, M. A.; BARCA, I.; MARTINS,
E. R. (orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de História. Curitiba:
UFPR, 2010.

49
RÜSEN, J. Razão histórica: teoria da história, os fundamentos
da ciência histórica. Brasília, DF: UNB, 2001.
SCHIMDT, M. A. Cognição história situada: que aprendizagem
é essa? In: SCHMIDT, M. A.; BARCA, I. (orgs.). Aprender
História: perspectivas da educação histórica. Ijuí: UNIJUÍ, 2009.

50
O Tempo dos Quadrinhos

Rodrigo Otávio dos Santos

Os quadrinhos detém características próprias, que ora os


aproximam, ora os afastam das demais mídias de massa, como o
cinema ou a televisão. Além disso, com a imprensa cada vez mais
atuante, em determinado momento do século XVII, como nos
fala Chartier (2002), a própria leitura de livros baratos e de
consumo mais fácil torna-se padrão na Europa. Assim, os
quadrinhos também utilizam-se das características da literatura.
Compreender a linguagem dos quadrinhos é mister para
que possamos analisar além daquilo que está escrito e desenhado.
É necessário compreender como o desenho se articula com o
texto, e a relação espaço/tempo.

Elipse Temporal

Talvez a maior contribuição dos quadrinhos e sua principal força,


a elipse temporal é a razão de existir arte sequencial a partir de
elementos estáticos, quando as imagens e textos oriundos de
quadros estáticos distintos compreendem uma narrativa.
A elipse temporal nos quadrinhos utiliza-se do espaço
denominado “sarjeta”, ou seja, o espaço existente entre dois
requadros, entre dois quadrinhos. Esta seria, de acordo com
Mendo (2008), o espaço a ser completado pela imaginação do
leitor, espaço que liga o quadro anterior ao posterior, fazendo
com que a história tenha uma sequência contínua. Para Cirne

51
(1975, p. 41), cada hiato que separa a cercadura dos requadros
praticamente representam uma elipse. Este corte, em si, já impõe
ao leitor uma leitura de imagens “ocultas ou subentendidas pela
narrativa”. Por outro lado, pode-se obter também interessantes
surpresas temáticas com grande eficácia. Na sequência a seguir,
cabe ao leitor compreender o caminho entre o quintal da casa
onde estavam as personagens e o interior da residência, bem como
imaginar o trajeto e suas peculiaridades.

Figura 1. Transição entre quintal e casa.


Fonte: EISNER, Will. O nome do Jogo. São Paulo: Devir, 2003. p. 18

Carrier (2000) explica que para entender uma história em


quadrinhos, é necessário entender o que aconteceu no quadrinho
anterior ao lido para compreender o acontecerá depois. Em uma
narrativa quadrinizada, uma imagem pode parecer ambígua até
ser vinculada ao requadro anterior ou posterior.
McCloud (2005) ignora os quadrinhos de apenas um
requadro. Para o autor, este tipo de expressão não pode ser

52
chamada de artes sequencial, uma vez que não constitui
sequência. Duas imagens constituem uma narrativa, desde que
sejam colocadas como uma sucessão, ou que o leitor as entenda
assim. Nas histórias em quadrinhos, o leitor constrói e confirma a
narrativa que faz sentido na história. A elipse de tempo aceitável
entre duas imagens é explicitada pela capacidade ou não dessas
imagens representarem uma continuidade. As transições são
possíveis porque o leitor está acostumado a ler o corpo do texto
como narrativa.
O leitor procura, então, juntar ambos os quadros para
formar uma linearidade. Para McCloud (2005), esta busca para
“fechar” a narrativa, ou para “completá-la” vem da incapacidade
humana de perceber toda a “realidade” existente. Assim, os seres
humanos têm que completar as lacunas existentes, observar
apenas as partes perceber o todo, ainda que haja uma percepção
gestáltica existente pela própria diagramação da página ou
desenhos da tira. McCloud (2005) chama este processo de
conclusão. A conclusão é, naturalmente, oriunda não só do
processo mecânico da leitura, mas principalmente do processo
cultural da leitura e apreensão da realidade existente. Os hábitos e
modos de leitura são diversos nas diversas localidades do mundo
ou, como salienta Munari (1968), são tantos quantos são os
habitantes do planeta. A tentativa de compreensão será única para
cada um dos leitores. Há, no leitor, além da função de receptor,
de consumidor, a função de co-criador da obra. Para Chartier
(1999) o leitor é produtor da obra e, portanto, cada obra tem
dinâmica diferenciada de acordo com quem a lê. O texto lido não
tem apenas o sentido que o autor tentou passar. Todo leitor tem a
liberdade de subverter aquilo que o escritor parece lhe impor. As
restrições do leitor estão associadas muito mais às próprias regras

53
da sua cultura do que as regras impostas pelo livro em si. Nos
quadrinhos e, principalmente nas tirinhas, estas regras parecem
ser ainda mais flexíveis. O tempo de leitura, tempo de reflexão e o
resultado obtido na leitura da sarjeta é próprio de cada leitor.
A sarjeta é a responsável pela essência dos quadrinhos. É
na sarjeta que a imaginação humana capta duas imagens distintas
e as transforma em uma única idéia. O leitor vale-se de seu
repertório para concluir algo que não está nem desenhado e nem
escrito, algo que está ausente, que permanece apenas no vácuo da
sarjeta, como a capacidade do leitor de perceber que a personagem
está ficando com sono, e que o último quadrinho representa o
sonho dela. Os indicadores para esta percepção são, de certa
forma, sutis, e o que deixa explícito o sono da personagem é
justamente a experiência do leitor.

Figura 2. Passagem do tempo.


Fonte: CREPAX, Guido. Valentina de botas. São Paulo: Conrad, 2007. p.20

A elipse é completada pelo leitor, segundo Quella-Guyot (1994),


a partir da análise dos dois requadros: o anterior e o posterior
além da diagramação da página, que influencia graças a escolha do
autor no que tange à disposição dos quadros para a leitura. Além
disso, há também o virar de página, que altera a percepção da
elipse por parte do leitor, uma vez que há uma quebra muito

54
maior no movimento de virada de página do que no movimento
de passar os olhos de um quadrinho à outro. Eisner (2001) diz
que o artista deve ter cuidado ao fazer a transição das páginas,
uma vez que este parece ser o momento onde o leitor pode
abandonar o título. Para o autor, sempre é necessário colocar um
elemento de suspense ao final de cada página, justamente para
que o movimento conseguido por meio da elipse não se perca
com o folhear da página.
Já Quella-Guyot (1994), afirma que a arte do quadrinista
é a arte da ruptura, da descontinuidade, é a arte de fazer o leitor
acreditar que existe uma continuidade, mesmo que esta não esteja
visualmente representada. O autor da obra de quadrinhos precisa
criar um elo com seu leitor em que ele concorde e participe
ativamente da leitura do quadrinho. Quella-Guyot (1994 p.37)
afirma “inúmeros autores se divertem com frequência ao se referir
ao fato de leitores lhes falarem de imagens que eles nunca
desenharam; o que não causa espanto, pois elas nascem da
imaginação do leitor”, como na tira 711 de 20 de fevereiro de
2006, onde Dahmer não desenha o massacre das crianças, mas faz
com que o leitor possivelmente o imagine, ao mesmo tempo que
pode imaginar todas as crianças mortas e apenas uma em pé.

Figura 3. Malvados Tira 711


Fonte: <http://www.malvados.com.br/tirinha711.gif>

55
Para o autor de quadrinhos, criar a elipse não é apenas escolher o
que não se vai mostrar entre um requadro e outro, mas também,
como afirma Quella-Guyot (1994), o que vai negligenciar “ao
redor” da cena desenhada, ou seja, o que está fora do campo de
visão do leitor, tal qual no cinema, com o fora de cena, ou mesmo
na literatura, ou até na discurso oral, quando o autor decide
omitir certas informações para obter melhor narrativa. O recurso
de esconder ou mostrar determinada questão da história não é, de
forma alguma, exclusivo das histórias em quadrinhos, e Beronä
(2002) afirma que em qualquer tipo de narrativa a omissão tem
um papel crucial na história contada. Para o autor, a história não
existe e não pode existir sem narrador E plateia. Narrativa é uma
troca social que é comprometida se um dos lados é esquecido no
momento de sua formulação.
O tamanho da sarjeta, entretanto, não importa muito.
Saraceni (2003) afirma que o que realmente importa é a sarjeta
existir, é a ausência de elementos entre um quadrinho e outro, a
divisão entre os requadros. Prova-se verdade esta afirmação
quando percebemos histórias em quadrinhos onde apenas um
risco separa um requadro do outro, como a tira de Benett,
publicada em 09 de março de 2009 e que não possui nada além
de uma linha separando um quadrinho do outro, como vemos a
seguir:

56
Figura 4. Fonte: GAZETA DO POVO Online in:
<http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/charges/index.phtml?foffset=188&offs
et=160&ch=Benett>

Há também aquelas que não há sequer um risco, apenas um vazio


entre um quadrinho e outro, como a de Sérgio Aragonés, a seguir.
Mesmo não havendo uma demarcação clara indicando ao leitor
onde está o final de um quadro e o começo de outro, este vazio é
facilmente compreendido por qualquer leitor já habituado à
leitura de quadrinhos de um modo geral.

Figura 5. Cimentando
Fonte: ARAGONÉS, Sergio. Best of. USA: E.C. Comics. 2010. p. 38

Pode-se inclusive inserir algo “dentro” da sarjeta, como faz André


Dahmer, que em todas suas tirinhas insere o endereço online de

57
seu website no espaço entre os requadros. Como o arquivo digital
da tira é um elemento apenas, uma só imagem, ainda que
composta pelos vários requadros, torna-se interessante para o
autor no momento em que estas tiras são inseridas em outros
contextos, outros websites ou publicadas. Assim o leitor sempre
pode conhecer o endereço virtual das tiras que está lendo, como
vemos na tira 521, de 21 de março de 2005:

Figura 3. Malvados Tira 521


Fonte: <http://www.malvados.com.br/tirinha521.gif>

Há, então, diversos tipos de transição. McCloud (2005) divide-as


como transições momento-a-momento, onde obtém-se pouca
conclusão, onde está tudo posto para o leitor, é quase explícita;
transições ação-para-ação, onde há um único tema em progressão,
efetuando uma ação óbvia; transições tema-para-tema, onde há
um mesmo tema direcionando o pensamento do leitor, fazendo
com que este reflita um pouco mais; transições cena-a-cena, onde
o escritor direciona o leitor através do tempo ou do espaço, com
distâncias significativas entre eles; transição aspecto-para-aspecto,
onde são mostrados vários aspectos de um mesmo lugar, como se
o leitor estivesse virando seu rosto e percebendo o lugar com um
olho migratório; e por fim, as transições non-sequitur, onde é
impossível para o leitor conectar os quadros.

58
McCloud (2005), porém, percebe que dificilmente haverá
uma sequência entre quadros sem nenhuma ligação entre eles.
Isto porque, mesmo que o escritor deseje algo sem conexão, a
mente leitora vai tentar ligar os quadros, com resultados variáveis.
Devemos lembrar que os elementos omitidos de uma obra são tão
partes dela quanto os elementos explícitos. Nos dois quadros a
seguir, extraídos da história de Schaal intitulada Opus I, não há
aparente conexão entre as imagens. O que gera a conexão que faz
com que o leitor entenda a relação entre os quadros é o próprio
leitor. O autor, porém, utiliza esta conexão da mente do leitor
com intuito de gerar um final surpreendente. Neste caso, embora
pareça que as personagens estão assistindo a um telejornal, e que a
guerra nuclear havia sido deflagrada, na verdade era apenas um
filme.

Figura 6. Apocalipse.
Fonte: Schaal. Opus I in: Aventura e Ficção 1. São Paulo: Editora Abril, 1986.
p.48

Os quadrinhos podem, ser aditivos, quando coloca-se mais


quadros para compor a história, ou subtrativos, quando retiram-se
quadros para que o leitor componha a história.
As transições podem ser percebidas também através das
mudanças de tempo entre os requadros. Cirne (1975) percebe a

59
mudança da transição espacial, recurso que o escritor utiliza para
mover o leitor de um ponto da história para outro ponto no
espaço. Há várias formas disto ocorrer, tais como a mudança de
plano que revela uma nova imagem com legendas do tipo
"enquanto isso...", como podemos perceber nos quadrinhos de
Goscinny e Uderzo. Aqui o leitor é remetido de um cenário (o
acampamento romano) a outro (a vila dos irredutíveis gauleses). A
forma encontrada pelos autores de explicitar isto ao leitor é com o
recordatório acima do segundo quadrinho.

Figura 7. Aldeia dos irredutíveis gauleses.


Fonte: GOSCINNY, René & UDERZO, Albert. O adivinho. Rio de Janeiro:
Record, 2007. p.10

Outra forma que os autores podem utilizar é indicar o local da


ação, como no exemplo a seguir, onde Millar e McNiven deixam
claro a transição de espaço para o leitor. No primeiro quadrinho
vê-se uma sala de controle de televisão. No próximo, uma cidade.
Ambos os requadros possuem legendas que informam ao leitor a
transição espacial que se dá no momento da narrativa.

60
Figura 8. Antes da entrada.
Fonte: MILLAR, Mark & McNIVEN, Steven. Guerra Civil. São Paulo:
Panini, 2007. p. 5.

Outra forma de ocorrer a transição espacial é por meio do detalhe


que se insere no meio de uma dada imagem ou sequência, como
podemos perceber na sequência da história mostrada acima. Cabe
ao leitor perceber que a personagem está empunhando um
binóculo no primeiro quadrinho e, no segundo, ele é deslocado
para a ação mais próxima, graças ao detalhe gerado pelo binóculo.

61
Figura 9. Espiando.
Fonte: MILLAR, Mark & McNIVEN, Steven. Guerra Civil. São Paulo:
Panini, 2007. p. 6.

Há ainda a imagem que se completa com o plano precedente, o


posterior, o superior ou inferior, como na imagem abaixo, onde o
rastro produzido pela personagem atravessa dois quadrinhos,
proporcionando ao leitor a sensação de deslocamento no espaço.

Figura 10. Precursora.


Fonte: PEREZ, George & WOLFMAN, Marv. Crise nas Infinitas Terras. São
Paulo: Panini, 2003. p. 21

62
Há também a montagem alternada entre planos temporais
simultâneos, unificados especialmente pelo balão que contém o
mesmo discurso personagens diferentes, como no caso das
televisões diferentes, em casas diferentes, mas com o mesmo
balão, mostrando a distância espacial entre as casas.

Figura 11. Ouvindo rádio.


Fonte: BARKS, Carl. Meninos Modernos. in: O Melhor da Disney - As Obras
Completas de Carl Barks vol.2. São Paulo: Abril, 2004. p.140

Também podem existir dois ou mais planos que focalizam a


mesma situação temática a partir de dois ou mais ângulos
diferentes, como no diálogo abaixo, onde ora uma personagem é
o foco, ora outra.

63
Figura 12. Discussão.
Fonte: JOHNS, Geoff & JIMENEZ, Phil. Crise Infinita 1. São Paulo: Panini,
2006. p. 30.

O autor percebe também a transição temporal, a mudança de


plano que revela uma nova imagem com legendas do tipo "mais
tarde", "pouco depois" etc. e os planos de uma sequência cujo
tempo ficcional não corresponda ao tempo da narrativa. Os
artistas de quadrinhos utilizam-se destes recursos para desenvolver
uma quebra no ritmo de leitura, avançando o leitor até o próximo
ponto de interesse da história, como percebemos na imagem
abaixo.

64
Figura 13. Mais tarde...
Fonte: DISNEY. Almanaque do Superpato. São Paulo: Abril, 1982. p.10

Por último, Cirne (1975) vê a transição espaço-temporal: o plano


que indica uma mudança de lugar e tempo, como na imagem
abaixo, onde percebe-se o avançar da motocicleta, indicando
mudança não só de tempo mas também de lugar, uma vez que
esta movimenta-se na estrada.

Figura 14. Espaço-tempo


Fonte: STARLIN. Jim & APARO, Jim. As dez noites da besta. São Paulo:
Abril, 1989. p.13

65
Salienta-se também os planos que indicam uma ação paralela à
temática principal de uma dada história ou ainda o corte que
marca a passagem de uma realidade concreta para uma realidade
abstrata na história, como no corte providenciado pela porta que
vai aos poucos fechando a personagem antagonista, indicando um
tempo não real, mas psicológico às duas personagens envolvidas.

Figura 15. Fechando a porta


Fonte: STARLIN. Jim & APARO, Jim. As dez noites da besta. São Paulo:
Abril, 1989. p.93

McCloud (2005) fala que o escritor de quadrinhos tem que se


preocupar com o nível de flexibilidade de interpretação do leitor.
Quando a conclusão entre os quadros fica mais intensa, a
interpretação do leitor parece mais flexível. Para McCloud
(2005), quanto mais o autor de quadrinhos deseja ter efeito sobre
o leitor, menores deverão ser as elipses. Entretanto, como explica
Chartier (1999), este processo não determina a maneira que a
leitura se efetuará, já que o leitor é produtor e condutor do
processo de leitura e, portanto, possui liberdade muito maior do

66
que a imposta ou imaginada pelo artista, que no máximo pode
sugerir a maneira pela qual esta leitura se produzirá.
Outra questão não levantada por McCloud (2005) são as
histórias quadrinho de apenas um quadro. Nestas a elipse é ainda
maior, uma vez que é necessário que o leitor compreenda a
história sem um prévio conhecimento do acontecido, apenas com
as indicações fornecidas pelo desenhista. Neste caso, o processo de
criação do leitor é ainda maior, provavelmente gerando maior
quantidade de interpretações. Para Carrier (2000), o leitor
interpreta o que conhece, daí a popularidade da charge e da
caricatura. O exagero e a sequência narrativa imaginada é o que
conduz à comicidade ou ao entendimento da trama estabelecida
naquele mínimo espaço temporal. Neste tipo de narrativa, o
repertório do leitor é mais exigido que nas narrativas compostas
de vários quadros. Na tira a seguir, apenas com prévio
conhecimento da filosofia cristã se é capaz de compreender a
piada.

67
Figura 16. Deus e Jesus.
Fonte: SIEBER, Alan. Últimas Palavras. São Paulo: Opera Graphica, 2001.
p.13

O mesmo pode-se dizer da tira a seguir, que só faz sentido


quando o leitor compreende o que é o Titanic e qual seu destino
histórico.

68
Figura 17. Titanic
Fonte: SIEBER, Alan. Últimas Palavras. São Paulo: Opera Graphica, 2001.
p.18

Em ambos os casos, a narrativa completa-se na capacidade de


compreensão do leitor e em seu conhecimento prévio de
determinadas questões. A compreensão da piada faz-se mais graças
ao leitor, e menos graças ao artista. As questões culturais são
novamente entendidas como a forma pela qual os leitores
compreendem determinado texto, seja ele em quadrinhos ou não.

69
Referências

BERONÄ, David A. The work of Gross, Dorgathen, Drooker


and Kuper. In: VARNUM, Robin & GIBBONS, Christina T.
The Language of Comics Word and Image. EUA: University
Press of Mississipi, 2002.
CARRIER, David. The Aesthetics of Comics. The Pennsylvania
State University Press: EUA. 2000.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao
navegador. São Paulo: Unesp, 1999.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e
representações. Lisboa: Difel, 2002.
CIRNE, Moacyr. Para ler os quadrinhos. Petrópolis: Vozes,
1975.
EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
McCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo:
M. Books, 2005.
MENDO, Anselmo Gimenez. História em Quadrinhos
Impresso vs. web. São Paulo, Unesp: 2008.
MUNARI, Bruno. Design e Comunicação Visual. Portugal:
Martins Fontes, 1968.
QUELLA-GUYOT, Didier. A História em Quadrinhos. São
Paulo: Unimarco, 1994.
SARACENI, Mario. The Language of Comics. Inglaterra:
Routledge, 2003.

70
Outras Vozes:
Homofobia e Afetos Políticos na Educação

Celso Kraemer
Carla Fernanda da Silva
Cristiane Theiss Lopes

Os estudos sobre gênero vêm se constituindo nas últimas décadas


e, no âmbito destes estudos, a homossexualidade é um tema que
gera muitos debates e questionamentos e a certeza da necessidade
da pesquisa acadêmica para problematizar as respostas já
existentes, permeadas de preconceitos e fundamentalismos. Não
há consensos sobre o modo como a homossexualidade é
produzida no indivíduo, mas o modo como segmentos moralistas
a tem atacado e promovido a homofobia, torna necessário um
amplo estudo que denotem o seu significado social, histórico,
político, econômico e afetivo. Para tanto a homossexualidade
tornou-se um objeto de estudo na área de humanas, como
psicologia, sociologia, história, educação, etc. Sem esquecermos a
audácia dos escritores do final do século XIX e início do século
XX, como Oscar Wilde, Marcel Proust, Gertrude Stein,
Radycliffe Hall, Djuna Barnes, entre outros; que entre a ficção e o
autobiográfico iniciaram um debate no âmbito do afetivo e o
direito em expressar livremente a sua sexualidade, desafiando as
normatizações legais, médicas, religiosas e moralistas. Destaca-se
que esta pesquisa também pode servir de embasamento empírico
na área do direito e dos estudos jurídicos acerca da

71
homoafetividade e proporcionando um debate relevante e
essencial para a conquista de direitos civis.
No interior do debate sobre a homoafetividade, um grupo
de pessoas ligadas à Universidade Regional de Blumenau (FURB)
vem se aplicando ao estudo de temáticas relativas à questão de
gênero e suas implicações sobre as pessoas e a sociedade. O
presente artigo é parte do projeto de pesquisa ‘Outras Vozes:
Análise de Narrativas Homoafetivas Femininas em Blumenau’,
projeto financiado pelo CNPq, em parceria com a Universidade
Regional de Blumenau, com duração de dois anos, estando na
fase final de seu desenvolvimento.
O viés metodológico da pesquisa é a história oral. Com ele
se delineia a possibilidade de restituir dignidade às vozes que a
história às vezes silencia. Assim, busca mostrar e problematizar,
nos modos de subjetividades, como as mulheres homossexuais
têm superado o preconceito de si, dos outros, para si e para os
outros. A análise delineia a cartografia de uma sociedade selada na
regulamentação da sexualidade.
O período histórico abrangido é de quatro décadas, vai de
1970 ao tempo presente, na região de Blumenau. Ao total, doze
entrevistas foram realizadas, no ano de 2011 e 2012, com
mulheres homossexuais; seis delas com casais e seis com mulheres
solteiras. A faixa etária das entrevistadas situa-se entre 17 e 46
anos.
Do ponto de vista teórico, os dados coletados nas
entrevistas são discutidos sob a perspectiva dos estudos de
Gênero, compreendendo um olhar interdisciplinar, na
colaboração da filosofia (Celso), da história (Carla) e da educação
(Cristiane). O objetivo central da proposta é constituir condições
para narrativas de vida deslocadas da normatividade

72
convencionada pela tradição historiográfica, erigida na
heterossexualidade. Ouvir a voz de pessoas comuns, restituir-lhe
sua autoria, prestar atenção nas experiências singulares que se
apresentam em seus relatos, discutir o significado das dores,
alegrias, preconceitos e conquistas destas pessoas efetiva um
âmbito de trabalho intelectual atento para o presente, com suas
ambiguidades e devires.
Embora cientes de que o resultado do trabalho de
pesquisa e escrita extrapola e modifica as intenções de seus
autores, destacamos como objetivos específicos do artigo: discutir
as categorias públicas “mulher”, “homossexual” e “feminino”;
problematizar o preconceito, a fim de obter um olhar múltiplo e
questionador do engendramento que prolifera o ódio, insultos e
injúrias pela constituição da homofobia; produzir conhecimento e
discutir a questão das homoafetividades femininas, ao deslocar
“verdades” estabelecidas tanto em nível local (Blumenau), quanto
em espaços mais abrangentes.
Afetos e afetividades, sexualidade e gênero, sujeito e
subjetividade não são, segundo o pressuposto desta pesquisa, entes
“naturais”, aguardando para serem descobertos, estudados e
conhecidos pelo trabalho intelectual. Eles são conceitos
construídos historicamente, resultantes da trama social, dos
confrontos, conflitos, disputas, mas também das alianças,
amizades e parcerias. Mas não são conceitos abstratos e
indiferentes ao acontecimento social. São, ao contrário,
dispositivos estratégicos de poder. É no seu meandro que se
desenrola boa parte da constituição de nós mesmos. O modo
como estes conceitos são definidos e praticados sofre, por um
lado, a interveniência do debate e das disputas públicas sobre eles
e, por outro lado, tem efeitos práticos sobre como vivemos, nos

73
conduzimos, amamos, sofremos, nos governamos e somos
governados. Assim, o presente trabalho não é neutro ou passivo;
insere-se ativamente nas tramas e disputas do presente. (Kraemer;
Silva; Lopes, 2012)

Assumir, Sofrer, Superar

Em meio a muitas questões, experiências múltiplas e singulares, a


análise das entrevistas mostrou também pontos em comum às
entrevistadas. Um destes pontos em comum é o fato de que todas,
em algum momento, evocaram a ‘escola’ em suas falas, mesmo
este não sendo um espaço evocado ou sinalizado por nenhuma das
perguntas do roteiro de entrevistas. As memórias escolares, das
entrevistadas, remetem a experiências de sofrimento, de injúria e
preconceito. Este dado da análise chamou a atenção dos
pesquisadores. Com isso, optou-se por fazer uma discussão mais
profunda e abrangente sobre o tema da injúria, do preconceito e
dos sofrimentos provocados em pessoas que assumem sua
homoafetividade, sobretudo em ambientes escolares.
Uma das consequências da injúria é moldar as relações
com os outros e com o mundo. E, por conseguinte, moldar a
personalidade, a subjetividade, o próprio ser de um indivíduo
(Eribon, 2008). Dessa forma, a escola é um importante espaço de
constituição de relações, no qual os indivíduos permanecem em
torno de 15 a 20 anos. Portanto, um convívio social extenso e
importante em suas memórias, com profundas consequências na
constituição de sua subjetividade.
Quando perguntamos às entrevistadas sobre suas infâncias,
retomavam ao período escolar e suas vivências, como se o único
espaço possível para a infância fosse a escola. Excluindo possíveis

74
amizades no bairro ou rua, ou mesmo o convívio entre parentes,
primos e etc.:

Então, eu lembro pouca coisa da minha infância. Não


tenho muita coisa guardada, lembro que estudei a
minha vida inteira em escola particular. (Priscila,
Psicóloga, 29 anos) Mas, da minha infância... sei lá, eu
sempre fui quietinha. Na escola também, ia em uma
escola lá do bairro, era uma aluna exemplar! (Caroline,
Auxiliar de Produção, 20 anos)

O espaço escolar é um marco da infância. Porém, como observa


Guacira Lopes Louro, não é possível atribuir à escola a
responsabilidade de explicar identidades sociais ou de, sozinha,
determiná-las de forma definitiva. Mas isso não isenta a escola de
suas influências profundas sobre as pessoas. É necessário
reconhecer que na escola “suas proposições, suas imposições e
proibições fazem sentido, têm ‘efeitos de verdade’, constituem
parte significativa das histórias pessoais.” (Louro, 1999)
Constituiu-se na sociedade a expectativa de uma escola
padrão, que sirva de modelo para todos, da criança ao adulto, da
servente à diretora. São modelos estereotipados do moralismo
religioso e jurídico. Tais estereótipos transferem ao estudante a
responsabilidade de ser visto também como um aluno padrão ou
exemplar, carregando assim o peso da instituição, seja em seu
uniforme, comportamento e relações (Louro, 2011). Do ponto de
vista das crianças, dos adolescentes e mesmo dos adultos, ser
submetido a tais estereótipos pode traduzir-se em experiências
desagradáveis e mesmo de sofrimento, principalmente para quem

75
não se ‘enquadra’ nos padrões estabelecidos, conforme o
testemunho de Laura ao relacionar infância e homossexualidade:

Para dizer a verdade, nunca gostei muito da minha


infância, eu acho que mais da minha infância escolar,
assim, eu lembro que eu não gostava da infância
escolar, tenho uma coisa muito forte com não gostar
de escola, da infância que a escola traz pra gente.
(Laura, Pedagoga, 33 anos)

Essas relações mostram que a escola é um espaço a ser discutido e


pensado, pois ela é um espaço de interações, vivência e
experiências, que proporciona relações entre os sujeitos que a
frequentam, sejam alunos, funcionários ou comunidade, onde
constroem conhecimentos e saberes que marcam de forma
subjetiva cada uma dessas pessoas.
A escola é uma das principais instituições sociais, pelo fato
de estar presente por um determinado tempo que se faz em anos e
também pela capacidade de alcance da população, pois
geograficamente ela está presente em todo território que tenha um
determinado numero de pessoas, mesmo que este seja pequeno, a
escola sempre se faz presente. Mas nem sempre foi assim, esta
instituição “concebida para acolher alguns e não outros, foi
requisitada por aqueles/as que quais havido sido negada” e desta
forma trouxe uma diversidade para dentro dela fazendo que seja
repensada sobre esse olhar (Louro, 1997, p.57)
Para ser “garantida” se fez necessário um ato jurídico, na
forma de lei8, assim a escola passou a ser uma instituição

8
Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. TITULO III.

76
obrigatória na vida de toda pessoa, na infância e adolescência,
caso alguma criança não frequente a escola o responsável pode até
ser preso. Desta forma é perceptível a importância desta
instituição e o fato de se tornar marcante na vida das pessoas.
A necessidade e imposição de escolarização, faz-nos
questionar o seu papel como instituição disciplinadora e
normatizadora. Importante lembrar que, dentro da sociedade, a
escola não é neutra. Ela é construtora de conhecimentos de si, dos
outros e do mundo social. Ao vivenciar as experiências cotidianas
de socialização que a escola proporciona, constituem-se na criança
os saberes básicos, suas referências de mundo social, político,
afetivo, linguístico, ético, sobre os quais se pautam sua conduta e
decisões futuras. É nesse sentido que a escola atua diversos
dispositivos de poder, constituintes de formas específicas de
governabilidade das condutas. A escola produz e reproduz práticas
e discursos assumidos como verdades, o que a torna, além de uma
instituição de educação, também um espaço político. Quem não
se lembra do tempo de escola?
Nesse contexto, a escola tem uma função social para além
do transmitir saberes e informações, ela educa, disciplina,
normatiza e normaliza. Torna o sujeito, naquilo que se
compreende como apto a viver em sociedade, ou seja, uma
instituição “civilizadora”.

Temos visto consolidar-se uma visão segundo a qual a


escola não apenas transmite ou constrói o
conhecimento, mas o faz reproduzindo padrões sociais,
perturbando concepções, valores e clivagens sociais,
fabricando sujeitos (seus corpos e identidades),

77
legitimando relações de poder, hierarquias e processos
de acumulação. (Junqueira, 2009)

A escola “através de múltiplos mecanismos de classificação,


ordenamento, hierarquização desde seu início exerceu uma ação
distintiva” (Louro, 1997) Os saberes que nela são transmitidos são
cuidadosamente trabalhados para produção de um discurso pouco
reflexivo, trazendo uma “naturalidade” e mantendo um papel
acumulativo de conhecimento e não reflexivo. Para um corpo
disciplinado e normatizado é necessário uma mente igualmente
passiva.
Mesmo quando o Estado busca “debater” determinados
temas, por meio de cartilhas ou no caso brasileiro os cadernos
intitulados Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, alguns
profissionais da educação refletem (ou não) o que é proposto
pelos parâmetros educacionais, porém o que se observa é pouca
discussão ou mesmo interesse, principalmente em relação ao tema
gênero e sexualidade, obinubilado pelos preceitos religiosos
moralizantes ou mesmo por um senso comum, apático em seu
refletir, não permitindo assim criar outras possibilidades. “inserir
o debate sobre homossexualidade e homofobia na escola é
também colocar-se a escuta daquilo que não é dito, que é negado”
(Bassalo, 2011) O que se tem visto é um ensino pautado em
perguntas e respostas, ou seja, uma pedagogia das respostas, onde
o educando reproduz o que lhe foi ensinado e assim obtêm certo
conhecimento, de forma eficaz e satisfatória para o sistema
avaliativo escolar e para a vida em sociedade.

A cultura da escola faz com que respostas estáveis


sejam esperadas e que o ensino de fato seja mais

78
importante do que a compreensão de questões íntimas.
(...) tudo isso faz com que as questões da sexualidade
sejam relegadas ao espaço das respostas certas ou
erradas. (Britzman, 2000)

Qual é a discussão que se faz nestes espaços sobre a questão de


gênero? Encontramos barreiras para discutir o tema em nossas
escolas. Apesar de existirem vários documentos e fontes teóricas
que indicam a necessidade de se discutir e tratar do tema
sexualidade e gênero na educação escolar, o assunto ainda é
praticamente inexistente nos espaços educacionais formais ou
ainda é trabalhado de forma superficial.

Questões relevantes da vida social são parcial ou completamente


negligenciadas pelas práticas institucionais de educação. São
processos que tornam “invisíveis” certos temas e experiências. No
que se refere à homoafetividade, no currículo se fazem invisíveis
essas discussões.

O processo de invisibilização de homossexuais,


bissexuais e transgeneros no espaço escolar precisam ser
desestabilizados. Uma invisibilidade que é tanto maior
se fala de uma economia de visibilidade que extrapole
os balizamentos das disposições estereotipadas e
estereotipantes. Alem disso, as temáticas relativas às
homossexualidades, bissexualidades e transgeneridades
são invisíveis no currículo, no livro didático e até
mesmo nas discussões sobre direitos humanos na
escola. (Junqueira, 2009).

79
As questões que se colocam à escola, se levarmos em conta o
ponto de vista das pessoas que não se enquadram no estereótipo
heterossexual instituído pela moral oficial, são relevantes. Todas
as pessoas são atingidas pelo tema da sexualidade, em qualquer
idade, mas na infância e na adolescência a vulnerabilidade é ainda
maior. As violências originadas pela homofobia resultam de
processos educacionais estereotipados. Não adianta lamentar a
agressão praticada por indivíduos ou grupos a pessoas com
sexualidades diversas. É necessário trazer a discussão para a
própria experiência, para o interior dos espaços educacionais,
provocar o debate e a reflexão. Na escola, até o presente
momento, o enfrentamento da homoafetividade, a superação dos
preconceitos e das agressões está pesando exclusivamente sobre as
vítimas.

Homofobia e Afetos Políticos na Educação

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a


Ciência e a Cultura – UNESCO, este ano (2012) será lançado
um documento com orientações a governos de todo o mundo
para o enfrentamento da homofobia em ambiente escolar. Entre
as principais recomendações à formulação de políticas específicas
para atender esse público, a orientação de professores para
problematizar a questão em seu cotidiano escolar e incentivar a
produção de materiais de combate ao preconceito contra
homossexuais nas escolas. Observa-se que a homofobia prejudica
o desempenho de alunos e alunas homossexuais e, muitas vezes,
conduz a desistência. Como exemplo, é possível citar a pesquisa
de 2009 da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade – USP (Universidade de São Paulo. Segundo essa

80
pesquisa, no Brasil, 87% da comunidade escolar – sejam alunos,
pais, professores ou servidores – têm preconceito contra
homossexuais.

Tabela 1: Pesquisa FEA/USP

A homofobia nas escolas brasileiras é visível e necessita de muita


atenção. A escola é:

Um dos espaços mais difíceis para que alguém


“assuma” sua condição de homossexual ou bissexual.
Com a suposição de que só pode haver um tipo de
desejo e que esse tipo – inato a todos- deve ter como
alvo um indivíduo do sexo oposto, a escola nega e
ignora a homossexualidade (provavelmente nega
porque ignora) e, desta forma, oferece muito poucas
oportunidades para que adolescentes ou adultos
assumam, sem culpa ou vergonha, seus desejos. O

81
lugar do conhecimento mantém, com relação à
sexualidade, como lugar do desconhecimento e da
ignorância (Louro,1999).

Segundo as entrevistadas na presente pesquisa, o medo de não ser


aceita faz com que a pessoa se feche, esconda o que sente. Isso
impõe à sua subjetividade que viva um mascaramento, muitas
vezes sofrendo por não poder ser elas mesmas.

Eu me descobri na minha adolescência. No começo,


sofri um monte, tinha muito medo que as minhas
amigas descobrissem. Eu sabia que seria excluída. Eu
ficaria aquele patinho feio no meio da galera. Sempre
tive todo o cuidado pra que não descobrissem.
Quando começava a desencadear algum tipo de
interesse por alguém, aí é que me martirizava mais
ainda, porque tinha que esconder aquilo a ferro e fogo.
(Mariana, Enfermeira, 33 anos)

Buscando abordar o tema, superar o silenciamento promovido


sobre o tema da sexualidade e da homoafetividade nos espaços
escolares, o Ministério da Educação e entidades que defendem os
direitos da população LGBT, elaboraram um ‘kit anti-homofobia’
que seria distribuído em escolas de ensino médio. O kit continha
cartilhas com orientações aos professores e três vídeos que
primeiramente seriam assistidos pelos professores e esses poderiam
optar por passá-los a turma quando necessário. A produção do
material, entretanto, foi suspensa pelo governo após reclamações
de parlamentares da bancada religiosa, católica e evangélica, sobre
o seu conteúdo. Porém, orientar para uma educação que respeite a

82
diferença e a igualdade civil, não é orientar para uma opção
sexual, e sim lutar contra o preconceito estabelecido na sociedade.
A partir de uma série de equívocos, preconceitos e moralismos
relega-se a discussão da sexualidade para a vida privada,

A sexualidade é então cuidadosamente encerrada.


Muda-se para dentro de casa. A família conjugal a
confisca. E observa-a, inteiramente, na seriedade da
função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O
casal, legítimo e procriador, ditam as leis. Impõe-se
como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade,
guarda o direito de falar, reservando-se o princípio do
segredo. (Foucault, 1999).

É através desse ‘silenciar’, ou seja, do não falar sobre a


sexualidade, do domínio por meio de atos polidos e policiados
que o sexo é tido como algo naturalizado e enraizado. Esse
comportamento, próprio do senso comum, chega ao ponto em
que todos “sabem” o que é necessário e não precisam se
pronunciar nem discutir. Como problematiza Foucault,

Como se, para dominá-lo no plano real, tivesse sido


necessário, primeiro, reduzi-lo ao nível da linguagem,
controlar sua livre circulação no discurso, bani-lo das
coisas ditas e extinguir as palavras que o tornam
presente de maneira demasiado sensível. Dir-se-ia
mesmo que essas interdições temiam chamá-lo, o
pudor moderno obteria que não se falasse dele,
exclusivamente por intermédio de proibições que se

83
completam mutuamente: mutismos que, de tanto
calar-se, impõe o silencio. Censura. (Foucault, 1999)

Blumenau se inscreve na categoria de censura. Ela ocorre aqui de


forma velada. Exalta-se a característica acolhedora de seu povo,
mas não é possível trabalhar a questão do corpo e sexualidade de
forma pública, sem causar olhares e comentários preconceituosos.
Quando a homoafetividade se mostra publicamente, o que se vê
são enunciados de injúria que produzem efeitos de inferiorizarão.
“É como se a gente fosse algo bem diferente do que eles são. Eles
são bem melhores, a gente é aquela coisa que sobrou, sei lá... é
uma metamorfose. Entende? É isso que eu acho que eles pensam,
não sei.” (Mariana, Enfermeira, 33 anos). Aquele que lança a
injúria me faz saber que tem o domínio sobre mim, que estou em
poder dele. E esse poder é primeiramente o de me ferir. (Eribon,
2008).
A apresentação pública dos resultados da presente pesquisa
causou polêmica junto às pessoas em espaço escolar, podendo-se
ver neste fato os efeitos da censura presente na cidade. Tendo
como objetivo divulgar e discutir com os estudantes o trabalho
vem realizando, foi proposta uma apresentação dos resultados
parciais em uma escola de Blumenau. O público alvo seria alunos
e profissionais da escola. A proposta foi aceita, mas a apresentação
primeiro teve que ser feita aos professores, para ver se receberia
aprovação para a apresentação aos alunos. Durante a apresentação
não houve muito interesse por parte dos profissionais, muitos
estavam conversando sobre outros assuntos. Algumas professoras
acompanhavam e, logo surgiram alguns comentários,
evidenciando os preconceitos: “Mas essas pessoas chamam a
atenção! Querem chamar a atenção! Depois reclamam que sofrem

84
preconceito.” Outra ainda afirmou: “Conheço muitas mulheres
que só viraram isso porque tiveram alguma decepção com
marido, que traía, tratava mal e, aí ficou assim.” (Grifo nosso)
A convicção sobre o isso (doença, desvio, decepção
amorosa, coisa a ser tratada) relativo à homoafetividade, vindo de
profissionais graduadas em universidades conceituadas é chocante.
O preconceito e a desinformação, aliados ao moralismo que
silencia qualquer discussão acaba reafirmando o discurso
heteronormativo. Nesses momentos percebe-se que a homofobia é
o medo de que a identidade homossexual seja reconhecida; ela se
manifesta, entre outros aspectos, pela angústia de ver desaparecer
a fronteira e a hierarquia da ordem heterossexual. (Borrilho,
2010)
Nessas falas é perceptível a falta de preparo dos professores
para lidar com a discussão da sexualidade. É visível a necessidade
de grupos de discussões, orientados por pesquisadores da área,
junto à Rede de Ensino de Blumenau, pois com esse
desconhecimento de políticas e programas de combate ao
preconceito, dificulta o reconhecimento da homofobia presente
no cotidiano escolar. E evidencia a necessidade do chamado kit
anti-homofobia e outras políticas já existentes, porém que ainda
não tiveram alcance a todo país onde possibilite debates, tanto
entre os alunos e professores quanto com os próprios professores
entre si, assim realizando o que é proposto no PCN vol.10, que
aborda a Orientação Sexual como um tema transversal, que deve
estar presente no currículo escolar. Ao tratar a sexualidade o
documento denuncia a atitude comum da escola em ocultar e
reprimir as questões que se referem à sexualidade e em atribuir
tais discussões exclusivamente ao espaço familiar, ou seja, que o
assunto se refere ao campo privado. O documento traz que essa

85
discussão também deve ser realizada no espaço escolar definindo
assim questões de gênero e construção sociocultural do que é ser
homem e mulher, e mostra também o papel do professor nessa
construção.

O professor deve então entrar em contato com


questões teóricas, leituras e discussões sobre as
temáticas especificas de sexualidade e suas diferentes
abordagens; preparar-se para a intervenção prática
junto dos alunos e ter acesso a um espaço grupal de
supervisão dessa prática, o qual deve ocorrer de forma
continuada e sistemática, construindo, portanto, um
espaço de reflexão sobre os valores e preconceitos dos
próprios educadores envolvidos no trabalho de
Orientação Sexual (Brasil, 2000, p. 123).

Porém a única vez que se percebe a palavra homossexualidade, de


forma explicita é como algo polêmico. “Isso porque, a partir da
puberdade, os alunos também já trazem condições de refletir
sobre temáticas como aborto, virgindade, homossexualidade,
pornografia, prostituição e outras.” (Brasil, 2000, p. 129)
Essa localização que se da no texto mostra ainda um
silencioso discurso de que a homossexualidade continua sendo
algo da imoralidade, não vista pela sociedade e quando, mau vista.
Porém, no documento, também se mostra uma possibilidade de
se trazer a discussão da homossexualidade em um de seus
objetivos gerais que propõe: “reconhecer como determinações
culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e

86
ao feminino, posicionando-se contra discriminações a eles
associadas.” (Brasil, 2000, p. 133)
Abordando assim, outra forma de se pensar as relações
afetivas e a sexualidade que não seja apenas a heterossexual. É
“ingenuidade” pensar que ao se debater, ou mesmo orientar, sobre
a sexualidade na escola, as discussões ficam apenas na sala de aula,
é perceptível que se envolve também a comunidade (de forma
indireta ou direta), que são as famílias desses alunos, que em
muitos casos convivem com o preconceito dentro de casa.

Educação e Família

Entende-se a educação como um processo histórico, onde seus


objetivos e métodos têm em cada época suas necessidades. Porém,
não cabe apenas a escola o educar, o sujeito que nela está é
também construção de uma trama social onde não uma, mas
várias instituições e ações, interesses e experiências estão
relacionadas. Assim há diferença em ensinar e educar, o ensino se
faz com a pedagogia, utilizando de métodos e técnicas, já o educar
pode ser por qualquer indivíduo, é uma ação social, sendo social é
também política e traz consigo certos discursos “naturais” de seu
senso comum. Como problematiza Reich, “A formação das
massas no sentido de serem cegamente obedientes à autoridade se
deve não ao amor parental, mas à autoridade da família. A
supressão da sexualidade nas crianças pequenas e nos adolescentes
é a principal maneira de conseguir essa obediência.” (Reich, 2004
p.17)
Educar é a ação que torna o sujeito educado ou, é possível
afirmar: civilizado, apresenta como se deve agir, se comportar e

87
isso se tornam conhecido a todo indivíduo não só pela escola mais
por outras instituições importantes como a família, por exemplo.
A família, é um conceito também bastante amplo onde,
hoje não se cabe mais dizer que é constituída por pessoas do
mesmo sangue. As famílias atualmente podem ser constituídas de
diferentes maneiras, quebrando antigos padrões sociais ainda com
um pouco de resistência ao olhar de alguns, mas já são aceitas. É
no lar familiar que se tem contado pela primeira vez com a
cultura, esta que varia de regiões, tradições e costumes. É na
família que você recebe a primeira educação e esta lhe insere na
sociedade que em conjunto com outros fatores constrói por assim
dizer sua subjetividade. E assim é mutável vista que é, produtora e
produto de seu tempo e cultura. É no seio familiar que se tem os
primeiros contatos com a cultura e se aprende como se portar em
sociedade. “Olha, eu desde pequenininha, assim, eu sempre fui
bem feminina, meiguinha, aquelas coisas, então a minha mãe
sempre teve aquelas coisas de sonho de a menina que vai casar, ter
filhos, não sei, tudo bem, não que não role, mas aquela coisa
tradicionalzinha, assim, sempre teve (Samara, Redatora
Publicidade, 21 anos) È na família também que experimentamos
as relações de afeto e segurança. Porém nesse ultimo não se pode
pensar “inocentemente”, pois é na família também que
encontramos a fonte de muitos preconceitos e violências que
muitas vezes são silenciados.

Foram situações, eu acho que contribuíram também


no meu processo, na adolescência, criança já se
manifestava, a questão do medo, da insegurança, eu
acho que é porque, coisas que eu vi em casa, com
relação ao meu pai. E a questão dessas violências (...)

88
contribuíram com certeza pra todo o meu processo de
me achar inferior, de insegurança, de medo, e eu
acredito que até hoje” (Virgínia, Assistente Social, 34
anos)

Quando se trata de questões como sexualidade e gênero ainda é


presente certo tabu em se discutir e aceitar a diversidade existente.
Como problematiza Foucault

Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo,


procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais
familiar também, é a interdição. Sabe-se bem que não
se tem o direito de dizer tudo, que não pode falar de
tudo em qualquer circunstância (...). Tabu do objeto,
ritual da circunstância, direito privilegiado ou
exclusivo do sujeito que fala. (Foucault, 1971, p. 9).

O conceito família ainda é visto por muitos de forma tradicional,


um estereótipo já conhecido como “família margarina” onde há
um pai, uma mãe e filhos, quase sempre um menino e uma
menina. Desta forma percebe-se a dicotomia e a naturalização
desse discurso heteronormativo que é norma para a nossa
sociedade.
Assim podemos também trazer para discussão outra
instituição importante que também educa: a igreja. Nela o sujeito
aprende também outros saberes relacionado ao lado espiritual, ter
fé, e entender de certa forma o meio em que vive, mas a igreja
assim como a família vem mudando junto com a sociedade, tendo
novos discursos e organizações. É possível vivenciar diversas
experiências religiosas ou até mesmo nenhuma como é o caso do

89
ateísmo. É importante lembrar que a igreja também é um
dispositivo de poder que cria discursos de verdade, assim como o
Estado organiza e trabalha na construção dos sujeitos que dela
participa. “Minha mãe: Ah, isso não á natural, isso não está na
bíblia e o homem foi feito pra mulher e a mulher pro homem, se
não for, não "encaixa". (Aline, Estudante/Bolsista, 17 anos)
Os professores muitas vezes se mostram contra as
discussões em sala quando o assunto é sobre homossexualidade,
tendo uma postura de não alteridade, onde muitos ainda têm na
religião a única base de argumento para essas questões, mesmo
sabendo que o estado é laico e a escola sendo ela publica não deve
favorecer nenhuma religião.
É necessário o professor ter essa consciência e refletir sobre
sua prática de maneira a entender que sua ação pedagógica não é
neutra, mas sim política, que suas ações têm influencia na
construção do conhecimento dos alunos assim como também a
dele mesmo e nesse ato de ensinar e aprender é necessário um
estudo contínuo que busque sempre praticas que estejam de
acordo com o que é proposto nos documentos oficiais e leis
educacionais que tem como objetivo o combate ao preconceito
seja ele qual for.
Essa relação entre a religião e a prática pedagógica ainda é
muito forte na realidade escolar. Sabemos que isso vem desde
jesuítas e permanece até hoje. Muito se vem discutindo, são vastas
as teorias e praticas que transcendem essa maneira de pensar a
escola e o ensino, porém se tem esse “vício” de misturar política
com crença religiosa que faz com que não se cumpra o que é
discutido e pensado de maneira democrática e laica pelo Estado.
Centenas de escolas públicas em pelo menos 11 Estados do Brasil
não seguem os preceitos do caráter laico do Estado e impõem o

90
ensino religioso, alerta a Organização das Nações Unidas. (Chade,
2011), vale ressaltar que entre os 11 estados, está o de Santa
Catarina. Segundo a relatora da ONU que preparou o
documento, Farida Shaheed “alerta que intolerância religiosa e
racismo "persistem" na sociedade brasileira” e também para
Shaheed:

Deixar o conteúdo de cursos religiosos ser determinado


pelo sistema de crença pessoal de professores ou
administradores de escolas, usar o ensino religioso
como proselitismo, ensino religioso compulsório e
excluir religiões de origem africana do curriculum
foram relatados como principais preocupações que
impedem a implementação efetiva do que é previsto na
Constituição. (Chade, 2011)

Assim quando discutido o projeto anti-homofobia, as igrejas


mostraram ter força, tanto na bancada parlamentar, quanto em
seu discurso na sociedade, que mostra não aceitar outra condição
a não ser a heteronormatividade. Isso é preocupante ao ponto de
ver que as igrejas têm influência nas discussões de propostas
educacionais, com isso ela se contradiz em seu discurso como
lembra a entrevistada:

É, amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei,


então, beleza...acho que não há distinção. Eu não vejo
como distinção! Acho que o que eu sinto por ela é o
que qualquer homem sente por qualquer outra
mulher, ou enfim, e o sentimento é o mesmo, então
não tem diferença. Quem é que vai me julgar por

91
gostar? Se eu tiver gostando, eu não estou matando,
não estou fazendo nada, então beleza...a pessoas
acham do jeito que quiser e eu vivo do jeito que quiser.
Pra mim, eu acho normal. (Andressa, Assistente Social,
34 anos)

A entrevistada mostra que não faz sentido essa diferenciação,


trazendo assim a própria religiosidade para mostrar isso. As igrejas
necessitam aceitar e também respeitar. Seu discurso se torna
hipócrita a classificar quem tem o “direito” de gostar de quem. O
julgamento que se faz não pode ser tido como ‘verdade’ assim a
escola como instituição pública e laica, além de ter a obrigação de
respeitar e aceitar, é determinante para o fim da homofobia,
segundo título da pesquisa de Gustavo Venturi: “Quem mais
estudou, discrimina menos.” (Venturi, 2011) E lamenta a
suspensão do kit anti-homofobia.
Venturi acredita que sozinha a escola não será capaz de
combater o preconceito contra gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e
travestis. Mas o ambiente escolar é o local mais promissor para por
fim à homofobia. Por isso, Gustavo Venturi, coordenador do estudo,
defende que o debate sobre esse tipo de discriminação faça parte das
aulas, inclusive na infância. De acordo com os dados da pesquisa,
enquanto metade dos brasileiros que nunca frequentou a escola
assume comportamentos homofóbicos, apenas um em cada dez
brasileiros que cursaram o ensino superior apresentam o mesmo
comportamento.
O Estado, a família e as igrejas, articulados, atuam sobre o
indivíduo criando dispositivos de controle e poder na população,
tendo como objetivo conhecê-la e garantir sua existência, pois é
com base nas famílias e assim na sociedade que se pode manter a

92
economia. Como lembra Reich, “é por isso que o Estado
autoritário tem o maior interesse na família autoritária; ela
transformou-se numa fábrica onde as estruturas e ideologia do
Estado são moldadas” (Reich,2001 p.28) Assim, completa, “a
família é o Estado autoritário em miniatura, ao qual a criança
deve aprender a se adaptar, como uma preparação para o
ajustamento geral que será exigido dela mais tarde”. (Idem, p.29)
A família impõem certos papéis onde não é necessária a
fala, pois é em ações tidas como atos “naturais” que se mostra o
que é “certo” e “errado”. Papéis este que legitima o binarismo do
gênero e tem como a única sexualidade possível a heterossexual.
Meninos são vestidos de azul e meninas de rosa, não só roupas,
mas decorações e brinquedos, há todo um comércio para
contribuir e manter a heteronormatividade.
Esse discurso heteronormativo, onde se tem uma
dicotomia do genero, homem/mulher, menino/menina, ja de
muito cedo é apresentada as crianças como uma verdade. Assim as
enunciações limita as possibilidade, cria indentidades que se
mostram e localizam. Assim “todo o sitema de educação é uma
maneira política de manter ou de modificar a apropiação dos
discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”
(Foucault, 1971, p. 44). Nessa relações muitas vezes esta presente
a injuria, esta que “molda as relações com os outros e com o
mundo. E por conseguinte, molda a personalidade, a
subjetividade, o próprio ser de um indivíduo” (Eribon, 2008)
nessa relação se tem uma forma de violência que atua no
disciplinamento e molda o corpo do sujeito. “Minha mãe
mandava, ficava mandando andar com o livro na cabeça porque
ela ficava preocupada com o jeito que eu andava, sabe, meu pai
ficava brigando comigo ‘Seja mais feminina!’” (Cláudia,

93
Musicista/Professora de Música, 29 anos) Essa fala da entrevista
mostra claramente que “ao classificar os sujeitos, toda a sociedade
estabelece divisões e atribui rótulos que pretendem fixar
identidades. Ela define, separa e, de formas sutis ou violentas,
também distingue e discrimina” (Louro, 2000 p. 6).
Então, a família tendo uma concepção de gênero
produzido dentro de uma lógica dicotômica implica em uma ideia
singular de masculinidade e feminilidade, e supõe ignorar ou
negar todos os sujeitos sociais que não se “enquadram” em uma
dessas formas (Louro, 1997) “Daí... cresci, aquela pressão: Ah, tu
nunca teve um namorado? Tu nunca teve namorado?”(Aline,
Estudante/Bolsista, 17 anos). Só que essa pressão tem efeito nos
corpos dos sujeitos a que se obrigam a tentar se enquadrar nesses
padrões estabelecidos “depois na minha adolescência, com quinze,
dezesseis, eu lembro que eu tinha a coisa de querer manter um
casamento, de querer casar, namorei alguns meninos... tinha
atração sexual, tinha desejo sexual pelos meninos também, mas na
minha mente, passava a ideia de viver com meninas.” (Laura,
Pedagoga, 34 anos)
Nesse caso se percebe a violência “travestida” onde não é
física nem verbal, mas como uma relação que produz no corpo da
entrevistada sensações que implicam em seus atos, no caso
permanecer em silêncio. Mas podemos perceber em outro caso
que quando não reprimido, não silenciado suas intenções,
também pode haver violência como é o caso da Daiane; “minha
irmã me apoiou muito, minha mãe, mais ou menos, até na época
quando eu falei pra ela, levei um baita de um tapa no meio da
cara.” (Paloma, Empresária, 24 anos) Alem da violência física, há
também a verbal que usa argumentos que colocam o homossexual
como uma categoria inferior, de forma preconceituosa, com

94
relação a outros preconceitos “É, o meu pai, pra ele era pra eu
casar, ele prefere que eu casasse com um traficante, morasse na
favela, tivesse dez filhos, fosse ver meu marido na cadeia, mas que
não fosse lésbica” (Paloma, Empresária, 24 anos) Ou seja não
importa a situação que a filha esteja, mas a mesma deve estar na
norma heterossexual.
Assim o “desviante” é trazido para a ordem familiar
heterossexual vista ai o preconceito, a homofobia. Para Daniel
Borrillo, “a homofobia é o medo de que a valorização dessa
identidade seja reconhecida; ela se manifesta, entre outros
aspectos, pela angústia de ver desaparecer a fronteira e a
hierarquia da ordem heterossexual” (Borrillo, 2010 p. 17). Porem
como ele mesmo coloca, é uma “verdadeira alienação dos
heterossexuais” que exprimi-se no cotidiano, insultos e injurias,
algo consensual, tido como senso comum e que já é familiarizado.
(Borrillo, 2010). Em uma de suas falas Aline relata: “o resto da
minha família, não sabe, porque eu tenho medo da reação deles, a
família da minha mãe se souber, [faz sinal de cortar o pescoço] eu
estou ferrada, literalmente... Eles são homofóbicos, bem
homofóbicos (Aline, Estudante/Bolsista, 17 anos).

Finalizando: Corpo, Estereótipo, Diferença

Pensando as diferenças, sejam elas de classe, raça, religião ou


gênero a forma com que são constituídas e fixadas, valorizadas ou
negadas é possível perceber como é sutil essa “desconfiança” que
vem ao falar do diferente, daquele que não se fala, do amor que
não se diz o nome. Como pensar e aceitar o diferente? Desconfiar
do que é ‘natural’ é necessário para pensar e discutir sobre essa
norma que existe, segundo a qual só se vê a heterossexualidade

95
como realidade possível. A instituição escolar, ao identificar os
sujeitos pela classe social, etnia e sexo, historicamente tem
contribuído para (re)produzir e hierarquizar as pessoas, fazendo
do diferente um desigual, um inferior. Essa tradição deixa à
margem aqueles que não estão em conformidade com a norma
hegemônica. Desta forma, não contempla a inclusão da
diversidade sexual, proposta na atualidade. (Santos; Ramos;
Timm; Cabral; Lobo, 2008)
A ausência de discussão sobre a diversidade também se faz na
Universidade. No curso de Pedagogia, onde se formam todas as
professoras e os professores para trabalhar nos primeiros anos
escolares com todas as crianças, não se tem uma disciplina, tópico
de ementa ou um espaço adequado para se discutir, pesquisar e
socializar informações acerca da sexualidade, da homoafetividade,
propiciando o debate sobre a diversidade. Quando o tema é
proposto, por iniciativa pessoal de alguma professora ou professor,
ou mesmo por algum colega de turma, predomina o silêncio sobre
o assunto, denotando, mais uma vez a censura velada. Silêncio
travestido em uma suposta prática do ‘politicamente correto’:

Tinha casal hetero que só faltava transar no corredor.


Uma vez a guardinha veio encher o saco da gente, só
porque nós estávamos abraçadas, rolava uns estalinhos,
e ela disse: O pessoal está se sentindo incomodado com
vocês duas, separem, não pode isso na FURB.
Realmente pela lei da FURB não pode demonstrar
afeto, está no código e tem casais que passam dos
limites! (Aline, Estudante/Bolsista, 17 anos)

96
Esse “incômodo” que é causado pelo diferente, muitas vezes o
coloca como uma representação do errado. Na relação com outro
tenta se justificar essa diferença colocando como base um padrão,
sendo esse o heterossexual.
Ao professor cabe conhecer e reconhecer a diversidade. É
seu papel educar para a diminuição da agressão, da violência
praticada cotidianamente sobre o diferente. Mas esse não é um
papel só dele; envolve a todos que trabalham e participam do
ambiente escolar. Infelizmente, a escola continua sendo apenas o
espaço da heteronormatividade. Segundo Louro (2000),

O investimento mais profundo, contudo, o


investimento de base da escolarização se dirigia para o
que era substantivo: para a formação de homens e
mulheres "de verdade". Em que consistia isso?
Existiam (e, sem dúvida, existem) algumas referências e
critérios para discernir e decidir o quanto cada menino
ou menina, cada adolescente e jovem estava se
aproximando ou se afastando da "norma" desejada.
Por isso, possivelmente, as marcas permanentes que
atribuímos às escolas não se refletem nos conteúdos
programáticos que elas possam nos ter apresentado
mas sim se referem a situações do dia-a-dia, a
experiências comuns ou extraordinárias que vivemos
no seu interior, com colegas, com professoras e
professores. As marcas que nos fazem lembrar, ainda
hoje, dessas instituições têm a ver com as formas como
construímos nossas identidades sociais, especialmente
nossa identidade de gênero e sexual.

97
Muitas vezes, os pais desejam que a escola seja uma extensão de
seus preconceitos, que vá ao encontro do que eles desejam e
transmitem para seus filhos em casa. Nas falas dos alunos é visível.
Um exemplo disso é o caso de uma professora de um Centro de
Educação Infantil público de Blumenau que relatou a seguinte
conversa com sua aluna de três anos:

Eu estava amarrando o cabelo quando a criança


comentou:
- hmm, agora a pofi tá menina, que bonita!
- Por que agora eu estou menina? Antes eu era o quê?
- Um piá.
- Quem falou isso?
- A minha mãe.
- O que tua mãe falou?
- Que você era um piá!

No exemplo se vê como a criança reproduz a representação de


menino e menina / masculino e feminino, presente no imaginário
do adulto. São estereótipos do verdadeiro homem e da verdadeira
mulher, porque correspondem à natureza criada por Deus que
habitam alimentam a representação dos adultos. Tais
representações acabam formando na criança os conceitos de
identidade. Caso tais conceitos não sejam discutidos e
problematizados na escola, serão a fonte que geram práticas
preconceituosas. Embora esses discursos heteronormativos se
apresentam de maneira sutil, é deles que brotam grande parte da
violência, seja ela verbal ou física, que se verifica na escola e na
sociedade.

98
O corpo heterossexual, desejado, visto como normal e
disciplinado, serve como referência e como padrão para a
educação. Assim, a partir do padrão, se desqualifica aqueles que
não se enquadram. “Criando assim divisões e atribuindo rótulos
que levam a fixar identidades. Definindo separa, e de formas sutis
ou violentas, também distingue e descrimina”. (Louro, 2000 p.
11)

Desde criança sempre tive um comportamento que aos


olhos dos outros era muito andrógino, o jeito que eu
andava o jeito que eu falava, (...) eu queria jogar
futebol e não queria brincar de boneca, eu queria usar
calça e não queria usar saia, na escola o pessoal sempre
tirava sarro de mim, eu me sentia excluída, sofri um
monte com isso, e também minha família, meu pai e
minha mãe invocavam com isso, minha mãe ficava me
mandando andar com um livro na cabeça. (Cláudia,
Musicista/Professora de Música, 29 anos)

Essa educação do corpo, esse andar, vestir e brincar


“corretamente”. Isso tudo é exigido não só no ambiente familiar,
mas também na sociedade e na escola.
Esses estereótipos são resultado de uma relação política-
social-cultural na qual se mantém um discurso heteronormativo
que, na prática, pode ser visto desde os primeiros anos de vida, ou
até antes mesmo da criança nascer. Isto já está imposto a ela
como, por exemplo, as cores e imagens na decoração, os
brinquedos, as roupas - azul para meninos, rosa para meninas,
carro para meninos e bonecas para meninas. Tudo isso os
classifica de maneira binária em uma sociedade que busca essa

99
padronização, onde não há espaço para o diferente, espaço negado
à aquele que não está dentro do padrão.
Na escola e na universidade, enquanto produtoras de
conhecimentos e saberes, se faz necessário promover discussões e
questionamentos sobre a diversidade. Não é mais aceitável um
discurso pautado na lógica da heteronormatividade afetiva, que
homogeniza. Se faz necessário investir na compreensão da
diversidade, novas formas de governamentalidade das condutas.
Nessa lógica se vai além do hetero e do homo, pensa-se a partir de
identidades múltiplas que transcendem a dicotomia de
homem/mulher, feminino/masculino. Entende-se que a educação
é o meio para se trabalhar a questão da aceitação, combatendo a
intolerância às múltiplas diversidades, sendo uma delas a de
gênero. Deste modo se pode positivar as relações na diversidade.

Referências

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Reconhecimento? Professores e professoras diante da
homossexualidade. 34ANPEd, GT23 Genêro, Sexualidade e
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+para+o+fim+da+homofobia+diz+pesquisador/n1596978678723.
html Ultimo acesso em 29/08/2012.

Entrevistas

Luiza (Educadora Social, 41 anos) e Clara (Diretora Escolar, 40


anos) (pseudônimos/sigilo). Entrevista em história oral para a
pesquisa: Outras Vozes, concedida à Carla Fernanda da Silva;
Sally Rejane Satler; Fabiele Lessa; Blumenau, 11 de dezembro de
2010.

Laura (Pedagoga, 34 anos) (pseudônimo/sigilo). Entrevista em


história oral para a pesquisa: Outras Vozes, concedida à Carla
Fernanda da Silva; Sally Rejane Satler; Fabiele Lessa; Blumenau,
02 de janeiro de 2011.

Cláudia (Musicista/Professora de Música, 29 anos) e Priscila


(Psicóloga, 29 anos) (pseudônimos/sigilo). Entrevista em história
oral para a pesquisa: Outras Vozes, concedida à Carla Fernanda
da Silva; Sally Rejane Satler; Fabiele Lessa; Blumenau, 06 de
fevereiro de 2011.

Patrícia (Auxiliar de Escritório, 26 anos) e Josiane (Operadora de


Telemarketing, 19 anos) (pseudônimos/sigilo). Entrevista em

103
história oral para a pesquisa: Outras Vozes, concedida à Fabiele
Lessa; Blumenau, 27 de fevereiro de 2011.

Caroline (Auxiliar de Produção, 20 anos) (pseudônimo/sigilo).


Entrevista em história oral para a pesquisa: Outras Vozes,
concedida à Fabiele Lessa; Blumenau, 08 de março de 2011.

Samara (Redatora Publicidade, 21 anos) (pseudônimo/sigilo).


Entrevista em história oral para a pesquisa: Outras Vozes,
concedida à Fabiele Lessa; Blumenau, 12 de março de 2011.

Natália (Auxiliar de Escritório, 17 anos) e Aline


(Estudante/Bolsista, 17 anos) (pseudônimos/sigilo). Entrevista em
história oral para a pesquisa: Outras Vozes, concedida à Fabiele
Lessa; Blumenau, 26 de março de 2011.

Andressa (Assistente Social, 34 anos) e Mariana (Enfermeira, 33


anos) (pseudônimos/sigilo). Entrevista em história oral para a
pesquisa: Outras Vozes, concedida à Fabiele Lessa; Blumenau, 02
de abril de 2011.

Vanessa (Empresária, 25 anos) e Paloma (Empresária, 24 anos)


(pseudônimos/sigilo). Entrevista em história oral para a pesquisa:
Outras Vozes, concedida à Fabiele Lessa; Blumenau, 07 de abril
de 2011.

Virgínia (Assistente Social, 34 anos) (pseudônimo/sigilo).


Entrevista em história oral para a pesquisa: Outras Vozes,
concedida à Fabiele Lessa; Blumenau, 13 de abril de 2011.

104
Rafaela (Autônoma, 42 anos) (pseudônimo/sigilo). Entrevista em
história oral para a pesquisa: Outras Vozes, concedida à Fabiele
Lessa; Blumenau, 16 de abril de 2011.

Sarah (Professora Aposentada, 46 anos) (pseudônimo/sigilo).


Entrevista em história oral para a pesquisa: Outras Vozes,
concedida à Fabiele Lessa; Blumenau, 19 de maio de 2011.

105
106
As Diretrizes Curriculares Paranaenses da Educação
Básica em História: um Balanço Educacional
Necessário [2004-2014]

Everton Crema

A construção de um currículo escolar está profundamente


marcado por um ordenamento político, sua criação se insere
diretamente através das demandas e espaços sociais em disputa, e
em nada é um projeto neutro. As Diretrizes Curriculares em
História do Estado do Paraná, não diferentemente, reproduziram
essa perspectiva ao inserirem um novo quadro teórico
metodológico na disciplina de História, rompendo com modelos
educacionais tradicionais que refletiam o momento político
brasileiro.
O distanciamento de um modelo neoliberal de educação
deu lugar a promessa de uma construção coletiva, das práticas e
saberes educacionais, pautadas nas teorias críticas do
conhecimento e contextualização dos sujeitos históricos. Nessa
perspectiva, o conhecimento desenvolvido criticamente permitiria
a compreensão da dinâmica dos processos sociais, e viabilizaria
uma tomada de consciência e ação política. Portanto, o currículo
representa muito mais do que uma estrutura de conhecimento
formal ou uma perspectiva de conhecimento puramente
científico, o currículo opera diretamente na conformação social, e
naturalmente se torna lugar privilegiado da pesquisa e da
educação histórica. Nossa investigação, pois, vincula-se a um

107
necessário balanço da implementação das Diretrizes Curriculares
em história. Buscamos investigar como o documento orientador
transformou o ‘pensar e o fazer’ do professor de história, na sala
de aula e as condições de ensino decorrente desse processo.
Precisamos compreender historicamente o contexto de mudança
no ensino de história, o lugar do professor, do aluno e da escola, e
as condições objetivas de participação/resistência possíveis para
uma ‘educação histórica’.

O Balanço

Em 2014 se completam dez anos do inicio dos primeiros


trabalhos do que se constituiria, posteriormente, nas Diretrizes
Curriculares para a educação básica do Estado do Paraná, um
documento orientador e unificador da política educacional
governamental, que buscava romper com o modelo educacional
do Governo Federal representado no final dos anos 90 pelos PCN
- Parâmetros Curriculares Nacionais. Segundo Yokohama (2006),
a proposta do Currículo Básico de educação do Estado do Paraná
elaborado em 1990, apresentava no inicio do século XXI,
problemas de ordem significativa, reflexo de uma relativa anomia
e indefinição pedagógica, que segundo a autora, desconfigurou e
deformou a proposta do Currículo Básico.
O contexto político paranaense, com o fim do governo
Lerner (1995-2003) e a chegada ao poder de Roberto Requião
(2002-2009), pode ser relacionado diretamente a mudança na
gestão e no planejamento educacional do Estado. Alinhado com o
governo federal de orientação neoliberal, Lerner reproduziu no
Paraná um modelo educacional marcado pela diminuição dos
investimentos educacionais, esvaziamento crítico, desumanização,

108
desmobilização social e privatização dos espaços públicos. O
resultado prático desse processo foi à fragilização das políticas
educacionais paranaenses, que almejavam uma reforma e
valorização educacional nos anos pós-ditadura. A sucessão política
recolocou a questão educacional em debate.

Assim, desde o inicio dessa Gestão 2003-2006,


estabeleceu-se como linha de ação prioritária da SEED
a retomada da discussão coletiva do currículo. A
concepção adotada é a de que o currículo é uma
produção social, construída por pessoas que vivem em
determinados contextos históricos e sociais. Portanto,
não almejamos construir uma proposta curricular
prescritiva, mas uma intervenção a partir do que está
sendo vivido, pensado e realizado nas e pelas escolas.
(Paraná, 2003, p. 3)

De outro lado, o projeto das Diretrizes Curriculares Paranaenses,


buscava um necessário distanciamento das políticas nacionais de
educação, especificamente dos Parâmetros Curriculares Nacionais
– PCNs e sua proposta de unificação das matrizes curriculares
nacionais. A construção dos PCNs reproduziu de maneira geral a
política centralizadora do MEC – Ministério da Educação e
Cultura, e se construiu como modelo distante da realidade
brasileira, sendo concebido a partir de intelectuais espanhóis e
educadores paulistas, da educação privada, distante da realidade
educacional brasileira, e muito mais ainda, da paranaense.
Além disso, não existia um debate consistente sobre
educação nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que pudesse
sustentar uma perspectiva ou metodologia educacional,

109
sobrepondo-se a isso ainda podemos perceber seu caráter
prescritivo, e a ausência de diálogos com o professorado,
problemas de um modelo nacional que desconsiderava a cultura e
história regional. O processo de reformulação curricular das
escolas públicas do Paraná construiu-se em seis fases, descritas
aqui sucintamente:

Tabela 1: Fases de elaboração das Diretrizes Curriculares Paranaenses

Fase Ano Ação Desenvolvimento


Levantamento da situação Realização de seminários pela
1ª 2003 das Diretrizes Curriculares SUED/SEED buscando a criação
paranaenses. de documentos referências.
Criação do Portal Dia-a-Dia
Discussão de propostas
educação, veículo de informação
2003 - pedagógicas por área de
2ª e valorização dos saberes dos
2004 ensino com o coletivo de
educadores, lugar de troca e
professores.
inovação.
Processo coletivo de construção
2004 -
3ª Reformulação curricular continuada a partir das bases
2005
escolares.
Sistematização das Construir modelos educacionais
2004 - propostas curriculares por representativos e orientadores

2005 disciplina, níveis e das disciplinas atingindo a
modalidades de ensino. formação do aluno.
Preparo, elaboração,
efetivação e avaliação, do
Os Núcleos Regionais de
projeto político
5ª 2005 Educação organizaram o processo
pedagógico. Capacitação
por área educacional.
do professor e produção
de material de trabalho.
Avaliação e Os Núcleos Regionais de
acompanhamento Educação desenvolveriam
contínuo e permanente estratégias de continuidade dos
6ª 2005... das propostas da base trabalhos, organizando as práticas
disciplinar. Formação dos docentes e os programas de
professores e formulação capacitação temáticas nos níveis e
de materiais de apoio. modalidades de ensino.

110
Na elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação Básica do
Estado do Paraná foram construídos grupos de trabalho das
disciplinas especificas, congregando professores da área de
conhecimento especifico, representantes da SEED – Secretaria de
Estado da Educação e NREs – Núcleos Regionais de Educação, a
ideia defendia que “o coletivo da escola possa, com subsídios e
autonomia construída, produzir sua proposta educacional.”
(Paraná, 2006, p. 4)
Desse esforço, originaram-se especificamente as Diretrizes
Curriculares da Educação Básica em História, apresentadas
definitivamente em 2008, apesar de diversos problemas, limites e
criticas, à sua construção e implementação, entendemos que as
Diretrizes Curriculares da Educação Básica em História,
alcançaram um significativo avanço educacional e, sobretudo
definiram de forma inequívoca o tipo de educação e o perfil do
aluno que frequenta e depende da escola publica, como meio de
transformação da própria realidade. “Um sujeito é fruto de seu
tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é,
também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo
como o compreende e como dele lhe é possível participar”
(Paraná, 2008, p. 8).
Ou seja, as Diretrizes Curriculares em História são um
documento fundante e orientador das práticas e saberes de
professores e alunos, pois a conformação do modelo educacional
interfere e orienta diretamente o cotidiano escolar, ao mesmo
tempo em que dele é reflexo. Ao mesmo tempo, a escola deve ser
percebida como espaço de continuado confronto e diálogo, entre
os conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do cotidiano
popular: “As propostas curriculares e conteúdos escolares estão
intimamente organizados a partir desse processo, ao serem

111
fundamentados por conceitos que dialogam disciplinarmente com
as experiências e saberes sociais de uma comunidade
historicamente situada” (Paraná, 2008, p. 30).
O professor, ao pensar a prática de ensino, deve ter em
mente os sujeitos e os fundamentos teóricos da educação, as
dimensões e formas de conhecimento e os fundamentos teóricos
metodológicos da disciplina que leciona. Deve ainda dominar os
procedimentos do pensamento histórico, bem como conhecer em
nível suficiente os teóricos e correntes historiográficas que
sustentam a formação do conhecimento histórico. Para o aluno, a
construção do conhecimento histórico mediado pela realidade
social e cultural, passa pelo formato educativo e pelas ciências de
referência, não diferindo nesse processo os princípios
epistemológicos e cognitivos.

A necessidade de ponderar

Segundo Schmidt, (2009) o aprendizado histórico no Brasil está


diretamente ligado às concepções e fundamentações da disciplina
de história e da produção histórica, sendo o ensino de história,
lugar de referência para a construção de manuais e currículos de
História. Sendo assim, podemos depreender a importância de
uma análise/balanço acerca das Diretrizes Curriculares em
História no Paraná, pois se percebe a articulação direta entre o
ensino e suas carências, e sua relação com a construção do
documento orientador. Entretanto a educação, e parte dela, o
ensino, decorrem e emergem diretamente no corpo social,
exigindo que a ‘educação histórica’ responda à suas demandas e
problemas.

112
Existe uma forte crítica ao distanciamento da produção
historiográfica da educação básica na disciplina de História, fruto
de uma hierarquização de saberes e de uma incompreensão da
relação da produção histórica com o ensino. Devemos olhar para
o processo de construção das Diretrizes Curriculares como
ruptura e superação de modelos anteriores, em seus diversos
níveis. Para Schmidt, (2009) a criação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998) partiu do problema do fracasso e
repetência escolar, para propor um novo projeto de ensino em
nível nacional. Desconsideraram totalmente o contexto histórico-
social e as potencialidades da educação, como um poderoso
processo de mudança social e autonomia política. Apresentaram
um modelo educacional sem um debate sobre educação, seu
significado e objeto social, e a preocupação com a repetência
sistematizou o debate de forma pontual e interventiva, focada
numa ‘profilaxia social’.
Se pensarmos em termos comparativos, os diferentes
projetos educacionais, contextualizados, sejam os Parâmetros
Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares do Estado do
Paraná, percebemos concepções de modelos teórico-
metodológicos distintos. Precisamos ter em mente que suas
concepções de ensino se materializaram em programas de ensino e
processos de aprendizagem postos ‘no chão da sala de aula’ e a
comparação entre os modelos citados somente adquire significado
quando podemos perceber os resultados reais de suas
implementações. Também precisamos perceber que a definição de
‘sucesso escolar’ é muito difusa e em geral reflete seu modelo
educacional. Em termos de documento, como proposta de
transformação as Diretrizes Curriculares da Rede Pública de

113
Educação Básica do Estado do Paraná, inova sobre diversos
aspectos quando é pensada e construída socialmente:

...para a maioria da população brasileira, a escola


constitui a alternativa concreta de acesso ao saber,
entendido como conhecimento socializado e
sistematizado na instituição escolar. Sob essa
perspectiva de escola publica, construímos essas
Diretrizes Curriculares, por meio de uma metodologia
que primou pela discussão coletiva ocorrida,
efetivamente, durante os ultimo cinco anos e envolveu
todos os professores da rede. Com essas Diretrizes e
uma formação continuada focada nos aspectos
fundamentais do trabalho educativo pretendemos
recuperar a função da escola pública paranaense que é
ensinar, dar acesso ao conhecimento, para que todos,
especialmente os alunos de classes menos favorecidas,
possam ter um projeto de futuro que vislumbre
trabalho, cidadania e uma vida digna. (Paraná, 2008,
p. 8)

Em diversas perspectivas, as Diretrizes Curriculares em História


avançam se comparadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais;
pontualmente podemos, perceber, segundo Schmidt (2009, p.
29), que existe uma diferenciação entre conhecimento escolar e
conhecimento científico, bem como o tempo é tratado pelos
PCNs dentro de uma cronologia tradicional, que suscita uma
forma de linearidade. Outra crítica evidente é a opção pela
descrição objetiva das categorias do conhecimento, que não
passam pela construção de formas de compreensão históricas, ou

114
seja, o aprender ‘história’ deve passar pelo ensinar história,
historicamente, desde que compreendida a relação com a ciência
histórica:

Como tais correlações são abordadas do ponto de vista


da racionalidade do pensamento histórico, a mediação
operada pela teoria entre ciência e profissão não pode
reduzir-se a uma mera instrumentalização da ciência
em benefício da profissão, nem se volta para a ciência
“pura” em detrimento da aplicação dos conhecimentos
por ela produzidos no contexto social do pensamento
histórico. (Rüsen, 2001, p. 42)

O papel e o lugar da teoria histórica não podem ser


desconsiderados em nosso processo de análise, pois aliada a
metodologia, acabam por sustentar o processo de construção
historiográfica. Em termos educacionais, a teoria permite a
construção de uma problematização e contextualização
fundamental, para que o aluno perceba como a história é
construída, adquirindo um principio reflexivo sobre a mesma.
Problematizando a questão, durante os momentos iniciais
da construção coletiva das Diretrizes Curriculares em História, os
professores se manifestaram em suas apreensões e interesses, e os
documentos síntese elaborados pela Diretoria de Ensino de
História – SEED, apontaram que 26,1% dos professores
participantes se preocupavam com a linha teórica-política que
nortearia o documento. De acordo com o parecer CNE/CEB
04/98 das Diretrizes Curriculares Nacionais, não se adotou
apenas uma visão teórico-metodológica. Portanto, a adoção das
linhas teóricas e perspectivas diversas advindas da ‘Nova História’,

115
‘Nova História Cultural’ e ‘Nova Esquerda Inglesa’, mediaram os
interesses dos educadores, e da política governamental contida no
documento, adequando ao projeto curricular à importância e
significância desses referenciais dentro do campo da história. De
forma geral a análise e balanço dos resultados das Diretrizes
Curriculares de História para a educação básica paranaense se
apresenta de forma urgente para a investigação do campo
educacional, e se enquadra a linha de pesquisa cultura, escola e
ensino.

Questões

No centro do debate ensejado pelo currículo, encontramos a


cognição histórica situada, um aprender histórico a partir da
própria racionalidade da história. Segundo Schmidt (2009) o
distanciamento na formação inicial e continuada do professor em
relação a percepção programática da disciplina, impediriam a
integração da consciência histórica com os fatores constitutivos da
história. Para a autora, “tais considerações põem em relevo a
importância de serem sistematizados referenciais teóricos que
indiquem os caminhos possíveis de uma cognição histórica
situada na própria racionalidade da História” (Schmidt, 2009, p.
32). De certa forma, as Diretrizes Curriculares de História são
percebidas como um documento burocrático e administrativo,
sem funcionalidade ou aplicabilidade no ensino de História,
soma-se ainda que o desconhecimento do documento reforça o
distanciamento do professor, que reproduz as práticas didáticas e
teóricas da sua formação e experiência profissional.
Existe uma relação direta entre a teoria e a prática, não
como uma oposição, opção ou sobreposição, mas sim como

116
integração mediada, sobretudo, se pensarmos o campo
educacional e os papéis dos ‘sujeitos sociais’ inseridos. Entretanto
a ‘mediação’ não deve ser aqui entendida como simetria, pois as
relações de interseção entre esses universos, frequentemente, por
vezes se constroem assimétricas e desproporcionais. O desejável
seria uma aproximação de resultado entre a teoria e prática,
currículo e ensino, por vezes tão próximos, por vezes tão distantes:

É tempo de nós, historiadores, nos responsabilizamos


por explicar o que fazemos, como fazemos, e porque é
importante fazer. Não é apenas o público que está
confuso sobre o papel e o estatuto da história. A
maioria dos formandos em história tem pouca noção
da vocação do historiador ou sobre como seus
professores aprenderam o que ensinam. Não é preciso
dizer, a situação dos estudantes do ensino médio é
ainda mais complicada, já que a história é muitas vezes
soterrada por um currículo generalizante de estudos
sociais. Ademais, cursos de história, em todos os níveis,
são geralmente concebidos para organizar um objeto
especifico e não para cultivar um modo de pensar o
passado. (Appleby; Hunt; Jacob, 2011, p. 367).

A escrita da história e seus referenciais teóricos se desenvolvem em


constante superação em relação a seus próprios paradigmas, já que
o contexto da produção histórica reflete o lugar e o momento de
sua criação/superação, construindo nesse processo um novo
contexto interpretativo. Para Barros (2011), o momento de
critica/superação de uma teoria histórica acompanha uma
variedade de perspectivas interpretativas, evidenciando os limites

117
de uma teoria ou corrente histórica, visto que o surgimento de
variações explicativas não demonstra o fortalecimento de uma
teoria ou corrente, mas sim seu esvaziamento, sobretudo, porque
a variedade interpretativa aponta os limites, fragilidades e
inadequações do pensamento histórico contextualizado e a
tentativa de superá-los. Segundo Rüsen, surge dessa necessidade
de superação, uma crítica de sentido entendida como um novo
paradigma. Nas palavras do autor:

A constituição crítica de sentido é o meio de uma


comunicação intercultural, na qual o discurso histórico
se modifica radicalmente, quando novas representações
substituem as antigas, ou mesmo quando uma
linguagem simbólica do histórico, inteiramente nova,
varre a precedente. (Rüsen, 2001, p. 55).

Portanto, a dinâmica histórica e sua superação teórico-


metodológica influem diretamente nas condições de produção da
história; por seu turno, segundo Maria Auxiliadora Schmidt
(2009), as condições de produção da história acabam por
influenciar o ensino de história, e no caso das Diretrizes
Curriculares de História, influenciam diretamente as concepções
teórico metodológicas, os conteúdos estruturantes e os
procedimentos metodológicos. Não diferentemente desse
processo, os professores da rede de ensino paranaense, formados
em diversos momentos e em diversas instituições de ensino
superior reproduzem características especificas em relação a sua
formação e orientação teórico metodológica. Segundo Schmidt:

118
Os significados do que é “aprender História” têm
acompanhado e fundamentado os processos de
produção da História enquanto disciplina escolar no
Brasil. Nesse sentido diferentes abordagens da
aprendizagem histórica têm servido de referência para
questões, como propostas curriculares e manuais
didáticos destinados à formação de alunos e
professores. (Schmidt, 2009, p. 21)

Nesse sentido, podemos compreender as preocupações iniciais na


construção do documento de referência para o ensino de História
no Paraná, que mostraram “a diversidade de referências e
convicções entre os professores, por isso definir apenas uma linha
significaria excluir e negar todas as demais”. (Paraná, 2006, p.
116). Por essa perspectiva, olhar para a construção coletiva das
Diretrizes Curriculares de História é compreender a variedade de
ideias postas e seu caráter representativo. Segundo o documento;
“os consensos mínimos construídos no debate entre as vertentes
teóricas não expressam meras opiniões, mas implicam
fundamentos do conhecimento histórico que se tornam
referenciais nestas Diretrizes” (Paraná, 2008, p. 45).
Do debate consolidado, três propostas teórico-
metodológicas alicerçaram o documento, são elas: a Nova
História, a Nova História Cultural e a Nova Esquerda Inglesa.
Segundo o documento, a Nova História surge a partir da
contribuição dos Annales, a partir dos anos 1960 na Europa, num
reflexo aos contextos reivindicatórios de maio de 68 na França e
da Primavera de Praga. O feminismo e as lutas raciais nos Estados
Unidos deram o tom da mudança. “Os movimentos dos direitos
civis nos Estados Unidos e os protestos contra a Guerra do Vietnã

119
colocaram em questão a habilidade de cientistas, estadistas e
professores de escapar aos preconceitos políticos e raciais.”
(Appleby; Hunt; Jacob, 2011, p. 365). A inflexão do campo
histórico foi em direção das ‘mentalidades’, entendidas em relação
“aos modos de pensar e de se comportar dos sujeitos em
determinadas épocas e locais. A mentalidade geralmente se
articulava a uma temporalidade de longa duração em relação aos
acontecimentos.” (Paraná, 2008, p. 49).
O surgimento da mentalidade e da longa duração, somada
a perspectiva de fragmentação pela escolha de novos objetos,
deslocou o fazer história. Segundo Novais, (2013) ao invés de
estudar Estados, estruturas, produção, consumo e poder, a
história passou a estudar os modos de sentir, os amores e os
humores, conceitos e objetos tradicionais na pesquisa histórica
foram abandonados.
Dessa maneira, os fundamentos teórico-metodológicos da
Nova História vêm de encontro e sustentam às perspectivas dos
conteúdos estruturantes, conteúdos básicos e das expectativas da
aprendizagem do Caderno de Expectativas de Aprendizagem da
Diretriz Curricular de História, além disso, a noção de fonte foi
qualitativamente ampliada, ao mesmo tempo em que recortes
regionalizados permitiram o desenvolvimento da história regional
e local. De outro lado, a crítica que se faz a Nova História pontua
a desvalorização da ação política dos sujeitos históricos,
desconsiderando suas condições objetivas de ação/produção, em
detrimento das estruturas mentais, construindo compreensões
históricas fragmentadas, distantes do sujeito em sua
individualidade e contexto histórico. Essa fragmentação do campo
histórico reside na crítica de François Dosse (1992), de uma
‘História em migalhas’:

120
A História se tornou um show permanente, em que
produções altamente impregnadas de fantasmagoria se
sucedem umas após as outras, numa cadência
acelerada, e em vedetes de estilo mais coruscante
incorrerem no risco de se desgastar dentro de poucos
anos. (Martin; Bourdé, 2013, p. 62)

No contexto de crítica, surge a Nova História Cultural, fruto de


uma aproximação da História com a Antropologia iniciada nos
anos 70 e 90 do século XX, vindo a despontar a partir de 1987,
com Lynn Hunt. Segundo Burke (2005), a Nova História
Cultural buscou integrar o campo e o objeto histórico, fragilizado
com a crescente fragmentação e descontextualizarão metodológica
da Nova História. A proposta da Nova História Cultural
defendeu a reorganização da pesquisa histórica através da cultura,
como eixo aglutinador, recompondo o campo, e, sobretudo,
retomando a ideia de uma ‘estrutura subjacente’ ao social, a
cultura precisava estar presa à um ‘contexto material’. Em termos
curriculares, os estudos culturais, ampliaram o campo social e seus
personagens. A produção da cultural material e imaterial de uma
sociedade, aproximou-se da sala de aula. Possibilitou a
construção de uma percepção social onde o aluno, como ‘agente
histórico’ participava diretamente da produção da história, e não
mais como expectador.
A reorganização conceitual da Nova História Cultural se
articulou poderosamente através de Mikhail Bakhtin, Norbert
Elias, Michel Foucault e Pierre Bourdieu, suas ideias e conceitos
sustentaram concretamente pesquisas e abordagens culturais
inovadoras, que mantiveram proximidade com estruturas sociais
reais, enriquecendo e articulando campos distintos da história,

121
permitindo a escrita de uma historiografia renovada e
comprometida teórica e conceitualmente. Uma ‘história das
práticas’ ou, segundo Chartier (1990, p. 19):

...uma história cultural do social que tome por objetivo


a compreensão das formas e dos motivos – ou, por
outras palavras, das representações do mundo social –
que, à revelia dos atores sociais, traduzem as suas
posições e interesses objetivamente confrontados e que,
paralelamente, descrevam a sociedade tal como pensam
que ela é ou como gostaria que fosse. A partir desta
proposição, três conceitos se tornam fundamentais:
representação, prática e apropriação.

Em relação à Nova Esquerda Inglesa, singularizaremos o debate


ao redor das ideias de Edward Palmer Thompson, seja pela
vanguarda na critica política ou ainda, pela centralidade dos
conceitos de experiência, lógica histórica, história vista de baixo e
economia moral. Em 1957, Thompson junto com John Saville,
lançam a revista New Reasoner, e em um dos seus mais
importantes artigos, ‘Socialist humanism’, marcou a ruptura
epistemológica com o estruturalismo histórico, denunciando a
separação ‘fria’ entre ‘estrutura’ e ‘superestrutura’. Thompson
desenvolve um modelo metodológico que insere as ações
humanas, dentro da complexidade social, articulando cultura,
economia, política ao cotidiano social, numa perspectiva realista e
concreta:

Uma divisão teórica arbitrária como está, de uma base


econômica e uma superestrutura cultural, pode ser

122
feita na cabeça e bem pode assentar-se no papel
durante alguns momentos. Mas não passa de uma idéia
na cabeça. Quando procedemos ao exame de uma
sociedade real, seja qual for, rapidamente descobrimos
(ou pelo menos deveríamos descobrir) a inutilidade de
se esboçar a respeito de uma divisão assim.”
(Thompson, 2001, p. 254-255)

Sua principal obra, ‘A formação da classe operária Inglesa’,


dominou o debate intelectual na Inglaterra por três décadas e
remodelou significativamente a historiografia social. As ideias de
Thompson evidenciam que a experiência histórica, se expressa na
consciência social dos indivíduos, e a partir dessa relação
pragmática, as relações de poder, classe, sociedade em sua visão
mecânica são superadas. Assim a percepção do campo histórico se
dá através de uma concepção dialética, valorizando a experiência,
a mudança e as permanências, em meio a uma estrutura social
menos rígida. Dentro de uma ‘educação histórica situada’,
reproduzir o pensamento histórico-metodológico da Nova
Esquerda é permitir que o aluno, professor e escola valorizem suas
práticas culturais e econômicas, suas normas sociais e a produção
do conhecimento de forma direta, recolocando os papéis de
produção da história, numa mudança de olhar e lugar.
O conceito de experiência histórica relaciona-se “as
tradições ligadas às festas populares, à religiosidade, ao cotidiano
das classes trabalhadoras, constituem historicamente a formação
de classes”. (Paraná, 2008, p. 54). A perspectiva de Thompson
sobre classe social não é uma abstração mecânica, é, sobretudo
social, construída nas experiências e expectativas do operariado,
entretanto a consciência se constrói a partir da luta de classes, não

123
numa visão fechada e categorizada, mas sim, dentro de um
processo social real, onde homens e as mulheres vivem e lutam,
construindo a percepção dos espaços e lugares sociais, que podem
e desejam ocupar. “Um sujeito é fruto do seu tempo histórico,
das relações sociais em que está inserido, mas, é também, um ser
singular, que atua no mundo a partir do modo que o compreende
e como dele lhe é possível participar.” (Paraná, 2008, p. 14)

Uma conclusão possível...e temporária

As concepções teórico-metodológicas descritas de forma sucinta,


por si só, não apresentam uma perspectiva adequada de ensino.
Entretanto, as contribuições de Jörn Rüsen e Maria Auxiliadora
Schmidt para a educação histórica, superam as narrativas
tradicionais, ou segundo Schmidt (2009), a ‘pedagogização’ da
história. Os conceitos de ‘educação histórica’ e ‘cognição histórica
situada’ são fundamentais tanto na compressão da proposta
curricular como abrem perspectivas extremamente profícuas, se
pensarmos o ensinar e aprender história. Em relação à educação
história, nas palavras de Saddi:

A importância de reconhecer que a Educação Histórica


é um esforço hermenêutico é fundamental por dois
motivos. Primeiro porque isto evita uma simples
percepção rápida das ideias históricas dos alunos. Isto
é, evita um rápido olhar sobre as narrativas produzidas
de forma a não perceber que compreender as ideias
históricas contidas nelas exige este processo profundo e
complexo que se desenrola sempre que se abre para a
compreensão. Reconhecer a operação hermenêutica

124
significa reconhecer que se realiza algo mais do que
uma compreensão automática e imediata e que este
algo mais m deve ser pensado como operação
metódica. Segundo, porque reconhecer a operação
hermenêutica nos abre a análise da tradição
hermenêutica. A análise desta tradição nos possibilita
definir como devemos proceder durante um esforço de
compreensão das ideias do outro, evitando assim
cairmos em equívocos já superados. (Saddi In Barca,
2011, p. 124)

Dentro das concepções de ensino e diretamente ligada à tarefa de


ensinar, a compreensão do processo de aprendizagem histórica é
fundamental para o professor, visto que a compreensão do
processo, permite o professor dialogar diretamente com o aluno,
através das suas formas de compreensão e dos níveis de
complexidade da elaboração das ideias históricas. Para Schmidt
(2009) a importância da ‘aprendizagem histórica situada’ infere
diretamente na relação de aprendizagem histórica a partir dos
pressupostos da ciência histórica, ou seja, se aprende história da
mesma forma que historiadores fazem seu trabalho histórico.
Segundo a autora, as teorias psicológicas do conhecimento
buscam desenvolver dentro da sala de aula, mediações entre o
ensino e aprendizagem descontextualizadas. Dentro da
aprendizagem histórica situada não existem mediações externas, e
a educação histórica se constrói de forma direta com o
conhecimento histórico, se aprende história, historicamente. O
resultado desse processo é a criação de uma racionalidade
histórica.

125
Outro aspecto relevante da construção do conhecimento
histórico é a ‘consciência histórica’; segundo Rüsen (2001, p.
59) “A consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo
homem para tornar suas intenções de agir conformes com a
experiência do tempo. Esse trabalho é efetuado na forma de
interpretações das experiências do tempo”. Segundo Husbands
(2003 In Schmidt, 2009) a importância da narrativa é diversa
para historiadores e alunos. Para os alunos as narrativas históricas
criam novas compreensões históricas individuais, já para os
historiadores as narrativas, os permitem criar novos
conhecimentos históricos. Portanto a construção de narrativas
históricas na sala de aula evidencia a experiência histórica do
aluno, ao mesmo tempo em que permite uma polissemia
narrativa, onde a validade do conhecimento histórico é mediado
pela narratividade construída. Por último, e também de forma
sucinta, a ‘Matriz Disciplinar’ de Rüsen representa:

Um paradigma da constituição narrativa do sentido


histórico leva em conta os fatores mentais
determinantes da narrativa histórica e seu contexto
sistemático. Ele precisa identificar, distinguir e
articular os princípios, necessários um a um e
suficientes em seu conjunto, que fazem a constituição
histórica de sentido aparecer como um processo que
obedece a determinados fatores e que pode ser
reconstruído e entendido a partir deles. (Rüsen, 2001,
p. 161)

Os componentes da Matriz Disciplinar evidenciam e


correspondem aos espaços elementares e constitutivos da vida e do

126
conhecimento histórico, sendo respectivamente as carências de
orientação da vida pratica, e funções de orientação cultural. Já os
fatores especializados da ciência histórica se apresentam em
perspectivas de interpretação, métodos e regras da pesquisa
empírica e as formas de apresentação. Na inter-relação dos
campos existe a possibilidade de se analisar a constituição histórica
de sentido, baseado na coerência dos fatores e das dimensões
apresentadas. Para Rüsen (2001) a Matriz Disciplinar analisa os
processos cognitivos da história, o quadro teórico referencial das
práticas do pensamento histórico e as representações
historiográficas, numa ‘mediação’ entre a ciência de referência, a
vida prática e as formas de compreensão da história.
O projeto de pesquisa buscou apresentar sua adequação a
linha de pesquisa e o debate teórico metodológico, que envolve a
‘educação histórica’ e as Diretrizes Curriculares de História do
Paraná. Sobretudo, a necessidade investigativa premente, sobre o
tipo de ‘educação histórica’ que temos e qual a ‘educação
histórica’ queremos.

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_____. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Copydesk,
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129
130
Bios

André Bueno é Prof. Adjunto do Curso de História da UERJ,


Doutor em Filosofia e Pós Doutor em História.

Carla Fernanda da Silva é Doutoranda em História pela


Universidade Federal do Paraná – UFPR.

Celso Kraemer é Doutor em Filosofia – PUC/SP e Professor do


Mestrado em Educação da Universidade Regional de Blumenau –
FURB.

Cristiane Theiss Lopes é Mestranda em Educação pela


Universidade Regional de Blumenau – FURB.

Dulceli Tonet Estacheski é Mestre em História pela Universidade


Federal do Paraná e Professora de Didática da História,
Metodologia de Ensino de História e Estágio Supervisionado do
curso de História da UNESPAR, campus FAFIUV.

Everton Crema é Doutorando do PPGE - Educação UFPR -


LAPEDUH - Orientadora: Dra.Maria Auxiliadora Schmidt.

Rodrigo Otávio dos Santos [Rodrigo Scama] é Doutor em


História, especializado na área de História em Quadrinhos, e
Professor da OPET.

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UMA PRODUÇÃO:

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