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SHEOL – O Consenso do Tanach

Houve 400 anos de silêncio – uma lacuna entre o momento do fechamento dos escritos dos profetas do Tanach
e a escrita da Aliança Renovada. Durante esse tempo, a doutrina do estado intermediário (o estado entre a morte e a
ressurreição) foi submetida a uma espécie de evolução. Os judeus foram imersos em comunidades pagãs que
sustentavam a doutrina que se tornou popular por causa da filosofia grega: a imortalidade da alma.
O Judaísmo que emergiu deste período não era consistente sobre a questão do estado intermediário. Alguns
judeus adaptaram o conceito grego quase por inteiro. Eles aceitaram que todas as almas humanas são imortais, e
passaram a entender “que as almas dos justos vão imediatamente para o céu no momento da morte deles, para
aguardar a ressurreição de seus corpos, enquanto as almas dos ímpios permanecem no Sheol.”1 Para eles, o Sheol
tornou-se um lugar inteiramente associado com a punição dos ímpios, apesar de suas próprias Escrituras insistirem que
o Sheol contém os justos também.2
Outros judeus não estavam dispostos a admitir que Sheol era exclusivamente para os ímpios. Em vez disso, eles
imaginaram “que houve uma separação espacial no mundo inferior entre os bons e os ímpios.”3 Estes retiveram a ideia
do Tanach de que todas as almas vão para o Sheol no momento da morte, acrescentando apenas o conceito grego de
que estas almas são imortais, e estão cônscias de estarem no Sheol – ou, como os gregos o chamaram – Hades.
Na época da Aliança Renovada, um terceiro conceito (na verdade uma variação do segundo) tornou-se
evidentemente popular entre a seita judaica conhecida como fariseus. Yeshua deve ter acomodado uma das próprias
histórias deles, quando falou aos fariseus sobre o homem rico e Lázaro.4 Nessa história, o homem rico morre e vai para
o Hades, enquanto Lázaro é levado corporalmente a um lugar chamado “Seio de Abraão”. A ironia não passou
despercebida dos fariseus, que esperariam justamente o contrário. Para eles, a riqueza era um sinal da bênção do
Senhor, enquanto a pobreza era encarada como uma maldição. Yeshua usou a história para avisar aos fariseus que sua
ganância sem Deus era uma desobediência às mesmas leis nas quais eles confiavam para sua salvação.
Ao usar essa história, Yeshua não estava de modo algum fazendo apologia para a teologia deles. Ademais, ele
não estava declarando uma doutrina para seus discípulos. Ele se dirigia a um grupo que estava em oposição aos seus
ensinamentos. Se Yeshua estivesse ensinando seus discípulos sobre o estado intermediário, as palavras dele teriam se
harmonizado com o consenso do Tanach.
O melhor lugar para procurarmos respostas acerca do estado intermediário é o Tanach. O povo de Deus lidou
com essa questão milênios antes do nascimento de Platão. Temos todo o direito de esperar que a Palavra de Deus
proveja respostas, e que essas respostas sejam consistentes. A grande maioria das referências bíblicas ao estado
intermediário encontra-se no Tanach.5 Por volta da época em que o Tanach foi concluído, um consenso teológico estava
claramente revelado. Este consenso do Tanach revela que o Sheol é um lugar muito diferente do que foi idealizado pelo
Judaísmo sincretista do Segundo Templo.

O Sheol Está Lá Embaixo

Quando disseram a Jacó que seu filho, José, tinha sido morto por algum animal selvagem, ele ficou perturbado.
Ele imaginou que José estivesse morto, jazendo sob a terra em algum lugar. Jacó estava tão pesaroso que pensou que
iria morrer de tristeza. Ele disse a seus filhos que tentavam confortá-lo: “Pois com choro hei de descer para meu filho ao
Sheol.”6 Esta primeira referência ao Sheol na Bíblia revela que o estado intermediário não é um mistério que ninguém
conhece. Jacó evidentemente sabia que todas as pessoas vão para lá por ocasião da morte.
Jacó sabia também que, de alguma forma o Sheol está lá embaixo. O restante do Tanach contém diversas
referências ao Sheol que utilizam a raiz verbal que Jacó usou: yarad – ir para baixo ou descer.7 Outras raízes verbais
usadas em conexão com o Sheol refletem a mesma ideia: nachat – ir para baixo8, e shafel – ser ou tornar-se
inferior.9 Tanto as pessoas de dentro da comunidade da aliança como as que estavam fora dela iam na mesma direção
por ocasião da morte.
Alguns sugeriram que todas estas são referências a ser enterrado na sepultura, e que o Sheol é simplesmente
uma referência ao que ocorre com o corpo. Desse modo, Sheol seria entendido como sinônimo de qever – uma
sepultura ou túmulo. Porém, Jacó não poderia estar se referindo a um túmulo literal, uma vez que o corpo de José não
foi encontrado para ser sepultado.
Ademais, nos paralelos poéticos o Sheol é normalmente associado com a morte, não com o túmulo. Dentre
todas as referências ao Sheol no Tanach, nenhuma estabelece um paralelo dele com qever. Porém, o termo Sheol é
muitas vezes colocado em paralelo com sinônimos da sepultura, tais como bor, o poço,10 e abadon, a
destruição.11 Isto leva à conclusão de que o termo Sheol tem algo em comum com o túmulo, mas não pode ser
equiparado com a própria sepultura em si. Embora o Sheol seja muitas vezes descrito como se fosse um local, seu uso
no Tanach leva à conclusão de que ele se refere mais especificamente à condição humana após a morte. A localização
dos mortos (pelo menos daqueles que foram enterrados) é a sepultura. Sua condição é o Sheol.
Esta foi a conclusão de Eric Lewis, cujo exame das 65 referências a Sheol no Tanach o levou à conclusão de que o
termo especifica “não o lugar do enterro, nem uma localidade presumida de espíritos de falecidos, e sim a condição de
morte, o estado da morte.”12 Lewis sugeriu que um sinônimo para Sheol que enfatiza esta conotação é a palavra
inglesa Gravedom. Mas, como é que se pode conciliar a ideia de o Sheol ser uma condição com todas estas referências a
uma direção (lá para baixo)?

O Sheol é de Extrema Profundidade

O Sheol está para baixo assim como o céu está para o alto. Ele não está simplesmente seis palmos abaixo da
superfície. Moisés falou do fogo da ira de Deus queimando nas profundezas do Sheol.13 Zofar disse que a sabedoria de
Deus é mais alta do que o céu e mais profunda do que o Sheol.14 Davi descreveu o Senhor como livrando a alma das
profundezas do Sheol.15 Ao descrever a onipresença de Deus*, ele disse: “Se eu subir aos céus, lá tu estás; Se eu fizer a
minha cama no Cheol, eis que estás ali”16 O Senhor se queixou por meio de Isaías que Israel se prostituiu por enviar
emissários a todas as terras distantes, enviando-os até mesmo para baixo, ao Sheol.17
As palavras dele por meio de Amós descrevem até que ponto Deus estava determinado a ir para trazer punição
sobre seu próprio povo desobediente:
“Embora cavem até o Sheol, dali os tirará a minha mão; embora subam até o céu, dali os farei
descer. Embora se escondam no cume do Carmelo, buscá-los-ei e dali os tirarei; embora
estejam escondidos dos meus olhos no fundo do mar, dali darei ordem à serpente, e ela os
morderá. Embora vão para o cativeiro diante dos seus inimigos, dali darei ordem à espada, e
ela os matará; porei os meus olhos sobre eles para o mal, e não para o bem.”18
Aqui novamente, o Sheol é contrastado com o céu – não porque ele seja um lugar de sofrimento e o céu um lugar
de prazer. O céu está listado porque é um lugar alto – assim como o topo do Monte Carmelo. O Sheol é mencionado
porque é um lugar baixo, assim como o fundo do mar.
Talvez os antigos hebreus imaginassem o Sheol como um lugar extremamente profundo por causa do mistério em
torno dele. Talvez eles pensassem isso porque as pessoas iam para lá e não voltavam. Talvez tenha sido considerado
assim porque ele era um mistério – oculto para todos, exceto para o próprio Deus.19 Independentemente disso,
quando os santos do Tanach falavam sobre o Sheol, ele obviamente, não era sinônimo de céu. Era exatamente o
contrário. No entanto, este é o lugar onde todas as almas entravam na morte.

O Sheol é Silencioso

Outro vivo contraste que o Tanach apresenta ao comparar o Sheol com o céu é a atividade que eles descrevem
para cada lugar. O céu e a terra são lugares onde se louva a Deus continuamente.20 Porém, quando a alma atinge o
Sheol esse louvor cessa abruptamente. Davi orou a Deus para que “envergonhados sejam os iníquos, fiquem mudos no
Cheol.”21 As mortes de seus inimigos não os silenciariam apenas sobre a terra, eles seriam silenciados no mundo
inferior também. O Sheol é um lugar onde o outrora poderoso agora está quieto.22 É a terra do silêncio, onde os mortos
descem ao silêncio.23
Ezequias orou para que Deus o livrasse de sua doença “pois o Cheol não te pode louvar, a morte não te pode
celebrar: Os que descem à cova, não podem esperar a tua verdade.”24 O que ele estava dizendo era que se ele
morresse, seus louvores cessariam. O Sheol é um lugar de silêncio, tanto para o crente como para o incrédulo. Por essa
razão, faz sentido que o rei Ezequias tenha suplicado a Deus para salvá-lo da morte. Sua morte não glorificaria a Deus.
Seu resgate sim – e de fato glorificou.
Davi teve uma experiência semelhante quando ele ficou sob ameaça de morte, e ele orou a Deus para livrá-lo;
“pois na morte não há recordação de ti, no Sheol quem te dará louvor?”25 Dessa forma, o apelo dele é semelhante ao
de Ezequias, quanto a estabelecer uma determinada abordagem para todo o conceito de Sheol. Para estes dois servos
de Deus, não havia vida após a morte. Havia apenas o silêncio e a quietude – uma espera em Deus, talvez para seu
resgate por meio da ressurreição. Para nenhum desses homens santos do Tanach uma residência no Sheol era
considerada como um objetivo a se atingir. Para ambos, isso era uma consequência inevitável de sua própria
mortalidade – algo para ser evitado a todo custo.
O filho de Davi, Salomão, tinha uma curiosidade insaciável, e punha sua mente para estudar tudo o que podia
ser estudado. Ele escreveu milhares de provérbios contendo sua sabedoria, e compôs mais de mil canções.26 A
sabedoria dele “excedia a de todos os filhos do Oriente, e toda a sabedoria do Egito.”27 No entanto, quando descreveu
o Sheol, ele só alertou seus leitores a fazer o que tivessem de fazer antes da morte, “porque no Sheol, para onde tu vais,
não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.”28 A avaliação informada dele acerca do Sheol
está de acordo com o consenso do Tanach. Salomão o encarou como um lugar onde os pensamentos são silenciados.

O Sheol é Escuro

Outras características do Sheol encontradas no consenso do Tanach não se harmonizam com os conceitos
modernos sobre a vida após a morte. Jó descreveu uma pessoa no Sheol como ‘estendendo seu leito nas trevas’.29 Ele
descreveu o Sheol como “a terra das trevas e da sombra da morte; terra escuríssima, como a mesma escuridão; terra da
sombra da morte, sem ordem alguma, e onde a própria luz é escuridão.”30 Davi descreve “os que há muito morreram”
como ‘morando nas trevas’.31 Jeremias descreveu “os que há muito morreram” como ‘habitando na escuridão’.32 Se
o Sheol for um lugar, então a escuridão pode significar unicamente uma falta de percepção visual naquele lugar. Se
o Sheol for uma condição, então essas referências à escuridão significariam uma falta de consciência cognitiva nessa
condição.

O Sheol é Sono

Davi orou ao Senhor: “Considera e responde-me, ETERNO, Deus meu. Alumia os meus olhos para que não
durma eu o sono da morte.”33 Ele antecipou que sua morte o encontraria no Sheol e fazendo o que todos os demais
estão fazendo no Sheol: não louvando, não cantando, não tocando harpas de ouro. Ele definiu a existência
no Sheol como dormir o sono da morte. A frase exata “dormiu com seus pais” é encontrada 36 vezes no Tanach.34 Era
uma expressão comum que se usava para descrever o fato de que alguém tinha morrido.
Daniel descreveu a existência no Sheol como dormir no pó da terra.35 Esta era uma condição que exigiria um
despertar – uma ressurreição. Este sono jamais foi a esperança dos santos do Tanach. A ressurreição e a restauração à
vida é que era a esperança. O sono era simplesmente uma maneira de descrever a condição da própria morte. Yeshua
usou a mesma terminologia para descrever a condição da filha falecida de Jairo.36 Ele disse sobre Lázaro (no Sheol):
“Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou até lá para acordá-lo.”37
Os condicionalistas preferem usar o termo “sono” para descrever o estado intermediário por várias razões,
entre as quais: 1) esse termo é usado pelas próprias Escrituras; 2) ele enfatiza a necessidade de ressurreição; 3) ele
coloca a esperança da humanidade não na própria condição da morte, e sim no Senhor, que irá levantar (despertar) os
mortos.

O Sheol é Universal

A coisa mais enfatizada no Tanach acerca do Sheol é que ele é sinônimo da própria morte. Na Aliança Renovada,
isso é visto pelo fato de os termos morte e Hades aparecerem lado a lado.38 Todos os que morrem (o evento)
experimentam o Hades (a condição). No Tanach, esse fato é observado em numerosos trechos onde a morte é colocada
em paralelo com o Sheol. Davi, por exemplo, diz: “As cordas do Sheol me cingiram, os laços da morte me
apanharam.”39 Ele também diz que “na morte não há lembrança de ti; no Sheol quem te louvará?”40
Outros salmistas refletem a mesma associação entre a morte como um evento, e o Sheol como o estado ao qual
ela dá início. Os filhos de Corá dizem sobre o insensato “Como ovelhas são encurralados no Cheol, a morte os
pastoreia.”41 Etã, o ezraíta proclama: “Que homem há que viva e não veja a morte? Ou que se livre do poder do
Sheol?”42
Ana orou: “ETERNO é o que tira a vida, e a dá; faz descer ao Sheol, e faz subir.”43 A teologia da oração dela é
impecável: Morrer é descer ao Sheol, onde todos os demais mortos estão. Ser resgatado dessa condição é ser trazido de
volta à vida, e isso é algo que só o Senhor pode fazer.
CONCLUSÃO

Portanto, o Sheol é um estado ou condição de escuridão e silêncio nos quais todos se encontram na morte, e
eles só podem viver novamente por meio duma ressurreição pelo Senhor. O Sheol é sempre contrastado com o céu, e
nunca igualado a ele. Ele não é a esperança dos santos; o resgate dele é que é a esperança dos santos. Este é o consenso
no Tanach.
Jefferson Vann

NOTAS:
1 Richard N. Longenecker, “Grave, Sheol, Pit, Hades, Gehenna, Abaddon, Hell” [Sepultura, Sheol, Poço, Hades, Geena,
Abadon, Inferno”] em Donald E. Gowan, ed. The Westminster Theological Wordbook of the Bible [Manual Teológico da
Bíblia de Westminster]. (Louisville, KY: John Knox Press, 2003), pág. 189.
2 Ezequias, por exemplo, lamentou que com a idade de 39 ele deveria atravessar os portões do Sheol, sendo privado do
resto de seus anos (Isaías 38:10). E Davi falou de sua esperança de que Deus o salvaria da morte por dizer com confiança
que Deus não iria abandoná-lo no Sheol (Salmo 16:10). Ambos estes servos de Deus entendiam entrar no Sheol como
um sinônimo de morrer.
3 A Bíblia e o Futuro.
4 Lucas 16:19-31.
5 As referências ao Sheol no Tanach superam as referências ao Hades no Aliança Renovada em mais de 6 para 1.
Ademais, a maior parte das referências do Aliança Renovada simplesmente usa o termo Hades sem explicá-lo.
6 Gênesis 37:35, SBB.
7 Gênesis 42:38, 44:29, 31; Num. 16:30, 33; 1 Sam. 2:6; 1 Reis 2:6, 9; Jó 7:9, 17:16; Salmo 55:15; Prov. 1:12, 5:5, 7:27;
Isaías 14:11, 15; Ezequiel 31:15, 16, 17, 32:21, 27.
8 Jó 21:13.
9 Isaías 57:9.
10 Salmo 30:3; Prov. 1:12; Isaías 14:15, 38:18; Ezequiel 31:16.
11 Jó 26:6; Prov. 15:11, 27:20.
12 Eric Lewis, Christ, The First Fruits [Cristo, as Primícias] (Boston: Warren Press, 1949), pág. 48.
13 Deuteronômio 32:22.
14 Jó. 11:8.
15 Salmo 86:13.
* N.T.: Em lugar do conceito de “onipresença”, um entendimento alternativo desta referência é a ideia de que nada
escapa à percepção de Deus.
16 Salmo 139:8, SBB.
17 Isaías 57:9.
18 Amós 9:2-4, SBB.
19 Jó 26:6; Prov. 15:11.
20 Salmo 69:34, 113:3, 145:3-7, 148:2.
21 Salmo 31:17, SBB.
22 Ezequiel 32:21, 27.
23 Salmo 94:17, 115:17.
24 Isaías 38:18, SBB.
25 Salmo 6:5, SBB.
26 1 Reis 4:32.
27 1 Reis 4:30, SBB.
28 Eclesiastes 9:10, AIB.
29 Jó 17:13, SBB.
30 Jó 10:21-22, SBB.
31 Salmo 143:3, NVI.
32 Lamentações 3:6, NVI.
33 Salmo 13:3, SBB.
34 1 Reis 2:10, 11:21, 14:20, 43, 31, 15:8, 24, 16:6, 28, 22:40, 50; 2 Reis 8:24, 10:35, 13:9, 13, 14:16, 22, 29, 15:7, 22, 38,
16:20, 20:21, 21:18, 24:6; 2 Crô. 9:31, 12:16, 14:1, 16:13, 21:1, 26:2, 23, 27:9, 28:27, 32:33, 33:20.
35 Daniel 12:2.
36 Mat. 9:24; Mar. 5:39; Lucas 8:52.
37 João 11:11, NVI.
38 Apocalipse 1:8, 6:8, 20:13-14.
39 2 Samuel 22:6, SBB.
40 Salmo 6:5, AIB.
41 Salmo 49:14, SBB.
42 Salmo 89:48, AIB.
43 1 Samuel 2:6, SBB.

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