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'Volume 1

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ANA I l ENRIQYFS P ER EI ~ \ D[ Sou:,,\
Os infratores estão sujeitos às penas da lei. (ORG) /

~
~~-
E) RAÔÜÇÃO:
E~ S DE TEO ~J,,ÇAE l RADUÇÀÇTTITERARIA

Dados Internacionais de Catalogaçlo na Publicaçlo (CIP)

Sousa, Germana Henriques Pereira de. (Org.)

História da tradução/ Germana Henriques Pereira de Sousa (Org.)


Campinas, SP : Pontes Editores, 2015.
Coleção: Estudos da Tradução - Volume 1

Bibliografia.
ISBN 978-85-7113-639-7

1 Tradução - história 2. Tradução - literària


1. Titulo li. Coleção

fndiccs parn cat41ogo sistcmlltico:

1. Tradução - história - 418


2. Tradução - literària - 418
Hr~TÓRIA DA TRADUC,:AO: F.NSAIOS DE TEORVl, CRtnCA E TRADUÇÃO !ITERARIA

ESCRITORES NIGERIANOS NO BRASIL: TRADUÇÃO


DE UM SISTEMA LITERÁRIO EM FORMAÇÃO
Fernanda Alencar Pereira
Doutora/ UnB
fapfernanda@gmail.com

Amarílis Anchieta
Doutoranda cm Estudos da Traduçao/ PGET / UFSC
amarilisanchieta@gmail.com

O objetivo deste trabalho é analisar como um possível sistema


literário nigeriano tem sido recebido pelas editoras brasileiras. O
artigo se divide em duas partes. Num primeiro momento, discuti-
remos a possibilidade de que a Nigéria tenha um sistema lite rário
e m formação segundo o conceito de Antonio Candido. Em segu ida ,
faremos uma análise quanto à inserção de algumas obras nigerianas
no sistema literário brasileiro. Pretendemos responder como o Brasil,
considerado aqui como um sistema literário "central", trata literaturas
de um sistema em formação e claramente periférico. Esse é o início
de uma pesquisa que visa responder algumas das perguntas propostas
por Even-Zohar ( 1990):

Não há consciência da possível existência de litera-


tura traduzida como um sistema literário próprio.
O conceito que ainda prevalece é de "tradução" ou
apenas "obras traduzidas" tratadas numa base indivi
dual. Existe alguma base para uma hipótese diferente,
isto é, por considerar literatura traduzida como um
sistema? Existe o mesmo tipo de rede cultural e ver -
bal das relações dentro do que parece ser um grupo
arbitrário de textos traduzidos como o que de bom
tt
197
\
Ht, r Ó RI.\ DA TRADUÇÃO : lNSA(O, DC T EORIA,CRtrtC A E TRADUÇÃO LrrERÁRIA f-hSTÓRL\ D\ TRADUÇÃO: ENSAIOS DE TEORIA,CRTT1C \ E TRADUÇÃO LITER.\Rl\

grado a hipótese para a literatura original? Que tipo No ensaio "Thoughts on the African Novel", Achebe ( 1977)
de relações pode haver entre obras traduzidas, que são constata, ironicamente, a existência de um desses preconceitos com
apresentados como fatos concluídos, importados de
relação aos primeiros romances africanos, que precisava ser superado :
outras literaturas, destacados por seus contextos de
origem e, consequentemente, neutralizados do ponto
de vista das lutas de centro-e-periferia?' Eu não poderia concluir sem uma palavra de r eco-
nhecimento para aquela pequena escola de críticos
que a.firma, com ares de propriedade, qu.: o romance
As literaturas africanas ainda ocupam uma posição periférica den- africano não existe. Motivo: o romance foi inventa.elo
tro do contexto das traduções que são feitas no Brasil . Os contextos na Inglaterra. Pelo m esmo motivo, cu não sabai.1
de origem das produções literárias africanas e as especificidades dos dirigir um carro, porque não sou descende nte de
embates para legitimação e afrrmação identitárias não são dadas para o Henry Ford .♦
público brasileiro. Faz-se necessário, portanto, compreendermos que
as obras literárias vindas da Nigéria, que aqui nos interessa, não são Apesar das críticas ncgativas que Ac hcbe receb eu, a contribui-
manifestações isoladas, mas sim partes de um sistema amplo e proüfico. ção que Thin9s Fali Apt1rt ( 1958) trouxe às literaturas afi-icanas foi
reconhecida, e hoje Ac b :bc é con siderado um pio neiro do romance
A Nigéria faz parte da região conhecida como África Ocidental,
africano. A esse respeito, Jonathan A. Peters ( 1993) afirma : ~No des-
que p ossui hoje uma rica produção literária. Os primeiros romances
pe rtar do sucesso imediato de C hinua Ac he be como autor fkcinn ,tl ,
publicados ali datam da d écad a de 1940; The Palm- Wine Drinkard
um grande número ele .1fricanos cle t o do o contine nte! come, o u .1
( 1952), do nigerianoAmosTutuola , foi o primeiro em língua inglesa.
escrever ficção." s
Desde então, a Nigéria tem se destacado como terreno literariamente
mais fértil , como afirma Jonathan Peters ( 1993): De fato , Ac hebe serviu de modelo par,1 o despertar Jt• um.1
grande produção !iteraria lllle se seguiu . Seu país nat.i.l tnrn,1L1 sc
Assim como a África Ocidental de língua inglesa e fran- um dos mais prolíficos produtores de autorcs e o bras. Isso se deveu
cesa tem superado outras regiões africanas em termos não só ao tam,mho da popula<,.-ão niger iana (7" país m .i.is populoso
de produção literária, a Nigéria, dentre os países de
do mundo) , mas t,unbé m à qu.i.ntidade d c institutos de forma.,:.io Jc
üngua inglesa da região, tem claramente dominado
tanto a produção criativa quanto o comentário crítico.' nível superio r situados nos centros m e tropo litanos e uni vt· rs1t.íriu-.
como lbadan . A Nigéria uispunha, nos anos Jc 1960, J.: muit.1s cd1
Da,·id Carroll ( 1970), por sua vez, destaca a importância dos toras, tanto particulares c1uanto univcrsitári.l..'> Tudo isso f1.n11t·11tou
romancistas da África Ocidental que, na elaboração de suas obras, se a atmosfera de criação literária l!Ue fc✓, do p,1Ís o maior ,.:xpu,·nll: d1.·
sua região ( PET EKS, 199 j , p. 1 3) .
posfcionaram contra o cplopialismo literário. Segundo ele, essa foi
uma importante contribuição no sentido da independência política e Durante o período 1.:oloni.11 , não havi.i., 11.\ N igéria , urn conjunro
cultural : "Os escritores africanos e mpregaram a literatura em urna de de leitores significativo em língua ing lc~.i. Dessa furm.i , os p r imeiro-.
suas funções tradicionais para explorar e abrir áreas de experiência romances africanos t inham corno público, principalmente, a Eurnp,1 c
novas ou n egligenciadas , limpando o t erreno de prejulgamentos e os Estados Unidos. 1\1\.is c~sa situ.i.~·::io rnud.1 Jepoi!-. da inJcpcnd;·nt ia
preconceitos."•

198
1'J'J
rflITÓRI.\ O.\ T RADUÇ.\ O: [ 'l,AIOS l>E Tt.O Rl \ ,C RITIC.\ f TRADUÇ V> LITFR\Rt\
f ft, J<>RI\ n, T R \ llllÇ~O : l '< , .\ lúS Df. TEO Rl.\ , CRI IICh E l'Rh OUÇÃO Líl FRÁRIA

H oje, a N igé ria ainda manté m uma pos içã o e xtremamente


logo depois da independência da Nigéria em 1960,
[ . .. J

uma edição mais barata do romance foi imi;iresso e se significati..-a no que con cerne à qualidade <la li te ratura produzida
tornou amplamente disponível por toda Africa. Em no país, com jovens autores aclamados que continuam a m oldar o
1964, Thm9s Fall Apart se tornou o primeiro romance sistema literário niger iano e dialogam co m a tradição forjada pelos
de um escritor africano a ser inscrito no programa de representantes das ge rações anteriores. Podemos citar, com o exem-
escolas secundárias africanas. Em meados dos anos de
plo, C himamanda Ngozie Adichie , autora de Purple J-l1biscus (2003)
1960, as vendas na Nigéria superarillll em muito as
vendas na Grã-Bretanha.' e Ha!fefaYellow Sun ( 2006) . Chimam.lll<la, também d e o r igem igbo,
não hesi ta cm nomear Chinua Ac hebe como sua maior in tl ul!n cia .
Tal r elação de heran ça fica explíc ita cm clin d'reils presen tes em Pur-
As Yendas de Thin9s Fall Apart na Nigéria já sinalizam a constitui-
ção de um público leitor nigeriano consolidado, capaz de movimentar ple Hibiscus, que fazem referên cia ao prime iro romance d e Ac hebc,
o cenário editorial do país e r eceber a produção das próximas gera- Thin9s Fali Apart.
ções de escritores. De fato, a geração formadora, de Chinua Achebe, Além disso, a obra d e C'hinuaAc heh c já foi adaptada para outr as
\Vole Soyinka, Cyprian Ekwensi, entre outros , estabeleceu marcos formas de re prese ntação ar tísticas. F.m 1 97 1, o diretor e produto r
e fomentou a construção da literatura nigeriana. Francis Olaclc· lc ada ptou o s romances Thin9s fül/ Apart e ,Vo Lon9er
Peters classifica a produção literária nigeriana em três tendên- at Ea.,e par,\ o cinema . p o q uarto rnmam:c d e Ac hebc, .1 J /,m ef eh.:
cias diferentes (waves) . A primeira delas vai desde as publicações de People ( 1966), ganho u uma versão l'm quadrinhos , publicada no jornal
Amos Tutuola até 196+ , constituindo a fase inicial, justamente a dos New N i9aian , cm 1975 . O e scr itor Biyi B.mdclc , autor de R11r mt.1 B~r
três primeiros romances de Achebe, quando a literatura niger iana (2007) e diretor da adaptação dL' 1-fa!J ef u Yellvw Sun p,1r..i o cinem.i ,
começa a ser produzida e a dar cara à identidade nacional , ressaltando cm 20 13, também é au tor da vers.io par,1 o tt:atro de Thmgs fu/J .·lpart,
dementas da cultura local e da tradição oral. A segunda onda, que encen.ida pela primeira vez cm 1997 1

vai de 1965 a 1976 , com eça a expressar a desilusão com a nação Esses exe mplos cit.idos acim.i dem o nstram os pon tos de con
independente e a denunciar a corrupção no governo. Um marco
vergência e ntre o bras e autores o u adaptayões de obras litcdr ias quL'
dessa segunda fase é o romance The lnterpreters ( 1965) , de W olc
Soyinka, que , junto com A Man ef the People ( 1966), estabeleceu o
apo ntam para a co m olidação d e um siste ma liter.irio nigc::riano llm
sistema lite rário , nos t er m os de Anto n io Candido (20 13), <lel1nc-sc
f
com pessimista que permeou a maioria das obras dessa fase, que o
como a artic ulação en tre Cl'rtos elementos, com dcstac1uc par..i .
crítico chama d e "romances de g uerra". Peters classifica uma terceira
fase, na qual escritores cada vez mais jovens começam a surg ir e os
[ ... 1a exist ência ele um conjunto de produture:, htc
temas coloniais deixam de ser o foco principal (PETERS, 1993 , p. r.irio:., mais ou menu, consucntl'S du seu papd , um
13) . Esses csc.Titores produzem obras focadas muito mais nas con se- conjunto de n.:ccptores, form.uido us difcrl·ntl':, upo:.
quências de cer to neocolonialismo, que preocu pa t odo o continente de público, sem u, q u.ii:, ,1 obr.i niu vive, um 111c...:a
africano. Além disso, um público le itor nigeriano já está formado, nismo transm issor, (ele m udo geral, u m .i lmlragcm ,
e os rom,mces escritos rtesse pe ríodo intentam alcançar tais leitores t raduzid,1 cm estilos) , <[Ut· liga u11:, aos o utro:. (C AN
mui to mais do que e uropeus o u americanos. D IDO, 20 13 , p. 2~) .

~ºº 20 1
\
111,róR!A º' TRADUÇÃO: ENSAIOS OE TEORU,C Rh lCA E TRADUÇÃO LnERÁRIA H i, í Ó RLA O\ TRAOUÇÃC>: ENS.\ IOS Ol TlO RIA, CIÚI ICA f Tk.\ C>U( A ) 1 ITI ll \ RL\

Segundo o escritor ganense Ngugi waThiong' o , uma certa "clas- que acompanham , que variam t'm cxtens.io e ,lpólI.'.!n-
se bi.irgu<:'sa nacionalista" usou a literatura para "explicar a África para cia, constituem o que .:u ch.lmei [ .. j dr p;iro1tt!..'l.to d.i.
o mundo", mas ele também r econhece que as literaturas africanas ohra [ ... j O para.texto é o que permite que um téxto
em geral , mesmo escritas em línguas europeias, desenvolveram -se ao se torne um lino e seja oferecido como tal a ><'lts
leitores t' para o púhl1co de modo geral '
ponto d e formar uma "tradição coesa e um conjunto de referências
literárias comuns" (NGUGI , 1986, p. 20) .
Th.: Palm ll'ine Dri nkard, de Amos Tutuo la , foi primcir.l obra
O que Ngugí descr eve é a formação, ou a intenção de constru- nigeri.lna tnduzicb . Sob o título de O b.:b.tdor Jt vinh<> Jc p<1lmeu.i
ção, d e um sistema literário africano como um sistema continental ou de Eliane Fontcnclh·, foi public.ldo na <léc.icb de 1970 peb Editora
nacional , de acordo com cada país. E, de fato, se tomarmos a N igéria, Nov,1 Frontt·ira e pelo C írculo d o l.i\-To (REIS, 200~. p. 9) . Pd.i
que aqui nos interessa , é possível afirmar que um sistema literário Edito r;i Nov,1 Frontcir.l, fez parte d,1 coleção Rom.inces d.1 Al"riL.1 ,
está em formação nesse país, se já não estive r constituído, no sentido que publ icou , ,1 p;u-tir Jc l lj76, pelo m enos mais qu,1tro rom:inLcs,
da definição de Antonio Candido, ou seja, o sistema como a tripla além de dt·sst•.
articulação d e elem entos essenciais: as obras literárias, os autores e
Logo ap6s essa. publicação, surgi.1 n,1 Editnr.l Atica u111.1 outr.1
seus leitores. N a Nigéria , existe hoje uma tradição de autores e obras
coleção, int itulacla "Auton·s a.l'ricanos'' , cujas o br as foram publica.d.is
que se tornaram refer ência para as novas gerações de escritores e que
<lo final da d écada de 11.)7 0 .ité o início d a. Jéc;itl.t <le 1',)lJO . Lm,:ou
são obje to de estudo, tanto em seu país quanto fora dele .
27 obras <\lll' variavam 1·11trc rom.inn·s t' ,mtologias ele con tos t· dt·
Considerando então o contexto nigeriano, passamos à análise do poesias. A maior p,1rte d o ,\l'Crvo J .i. colc1;ão l'r,1 1ll' ,ihr.is escrit.is
m odo como o Brasil tem recebido alguns d esses romances. Faremos c m língu,1 portugue,.i. , l\llL' " ,rn.1\ .tm 1H obr.1:, J1• ,\utnn:, .1ngol.111tH,
um panorama d esse cenário na intenção de investigar de que forma cabo -verdianos ou mo,·ambicanos. Apcnas nove obras ti Vl'f ;irn t \llé'
o m ercad o editorial brasile iro tem tratado esse sistem a literário cm passar pelo processo tradutúrio. St•is dd.1s 1:r.1m traduçôes de ohr,1~
formação. Para conduzir a investigação dessas obras traduzidas, anali- cm língua franc.csa d,· .tutores d o Co ngo, Custa Jo M.H llm , l;utnt·,
sam os alguns dos aspectos dos paratextos r esponsáveis pela inserção Scnt:gal ; :,omcntc três ,-r.1m traduções ..1 p,1rtir da lingu..1 111glc~.1: doi,
da literatura nigeriana n o Brasil. Utilizam os o conceito de paratextos da Nigéri.i e um da Som.'1li..1
c unhado por Genette ( 1997) :

Uma obra literária consiste, inteiramente ou essencial-


mente, de um texto, definido (muito minimamente)
como uma sequência mais ou menos longa de de-
clarações verbais que são mais ou menos dotadas de
significação. Mas este texto é r aramente apresentado
sem adornos, sem reforço e sem acompanhamento
de um determinado número de outras produções,
verbais ou n.io, t~is_c• 10 o nome de um autor, um
título, um prefácio, ilustrações. [ ... 1 Estas produções

202 20J
~
1lisr,~RI.\ " ' TRAUUÇÃO : ~:SSAIOS DE TIORIA,CRITICA E TRADUÇÃO Lll ER.-ÍRIA i1 Hl5'í ÓRIA D.\ TRJ\DUÇAO : E:-.SAIOS DE TEORIA ,CRtT!CA E TRADUCÃO IITER.~RU

1
A coleção se destaca também pe la escolha dos discursos d e a~o~1-
Lista de obras traduzidas e publicadas pela Editora Ática na anhamento de cada uma das obras. A seleção das capas, prefacios
coleção Autores Africanos 1
~ 0 uso de glossários demonstram que a editora se preocup~v~ com
:\utur Título Ano Tradutor Título País
l · - d~s
a mserçao " obras de autores africanos no conte xto bras1lerro. A
Editora Ática usou a estratégia d e publicar os romances como uma
original
coleção, reun indo escritores d e países e culturas distintas sob a deno-
\'. Y. Mudm,bé O bdv imundo 198 1 Sérgio Bath Le bel immond, Congo minação de "autores africanos". Tal tática editorial se deve talvez ao
Nuruddm De uma canela 1982 Sérgio F. G. From a Somália fato de, na época cm que foram publicadas, ''essas literaturas [serem]
Farah tcrtu: romance Bath Crooktd Rib
praticamente desconhecidas da totalidade do público r eceptor e le i-
B.-rnard B. Oirnbiê 1982 Natividade Petlt Cl,mb,, Costa do
Dadié Marllm
tor, em pote ncial" (SOUZA; RIBEIRO , 20 11 , p. 7) . N~ entan~o'. o
Che1kh Hamí- Avtncura ambígua 1982
agrupamento em forma de coleção reforça urna construçao s1mbohca
Wambcrto H . L'.Avtnture Senegal
dou Kanc Ferra.ira ambi9ué e imaginária sobre o continente africano :
Diíbril Tamsir Sund1ata: ou, a 1982 Oswaldo Biato Soundjata Guiné
Niane tpôp<ia man- ou l'epopé, Ressalte-se que no tocanlc às outr.lS literaturas, a
dmga mand1n9ue
exemplo das literaturas da Europa e da América do
Chmua O mundos, 1983 Vera Queiroz Thin91 Fali Nigéria Norte, não se costuma reservar coleção composta
Achebe d,sp,daça C. Silva Apart
por autores dinamarqueses t' norte-americanos , e
Chcms Nadir O aruolâbio do 1983 Sérgio Tapajós L'Astrolab, de Tunísia intitulada por critérios continentais, enquanto, cm
mar la mu
se tratando ele África, pelo mt·nos nos anos 1970 e
Cyprian Gtnu da cidade l 9S3 Sérgio F. G. Pevple oJ the Nigéri3 1980 no Brasil , coube à Edito ra Ática fazer uso do
Ekwen,; Bath CitJ
epíteto, considerando que ru altura es;as literaturas
Sem~nc .i ordem de paga· 1984 JaymeVilla- lt mandate, Senegal eram praticam ente desconhecidas da totalidade do
Ousma.ne memo &..Branca Lobos precedi de público receptor e leitor, e111 potencial. Trata-;e,
9tnese Vthi-ôosani ou
Blanche-G,nese ademais, de uma estratégia que atualme nt.: tem
sido evitada na maioria das editor.is ( . .. ) qu.: têm
publicado escritores como Luandino Vidra , Mia
Esse projeto editorial da Ática foi laureado com o Prêmio Jabuti Couto, José Agualusa, Nadint· Gordimcr, J. M. Co-
etzee, Chimamanda Aclichie, sem incluí los em um.i.
de melhor produção editorial, e m 1980, e de m elhor coleção editada
coleção espt::d fica, e sem reikraçio da su.i. condi.,:ãu
no Brasil, em 1984 . Os prêmios demonstram o reconhecimento con- de africanos ou de sua.s respecti,·a~ nacionalidades
cedido a essa coleção não apenas pela impor tância e resgate de uma (SO UZA ; RIBEIRO, 20 11 , p. 7) .
parte da África, que era até então desconhecida para os brasileiros
no momento do lançamento das obras. Elas formam um retrato das No Brasil , a m esma tradução d e Thinas foll Apart foi publicad.i
relações da produção edit orial das literaturas africanas em um período 1 duas vezes, em 1983 , na coleção Autores Africanos , sob o título de
específico da história, e, com isso , essas escolhas têm implicações
políticas, econômicas e culturais. l
1
O mundo se despedaça. Foi rccditado cm 2009 , pd.i Companhia tias
Letras , com poucas d ifcrcnças: ganha uma nova capa e: algumas no
\
1

1
204 1 205
1
~
l li'il ÓRI~ ll,1 TR,\OUÇ.~ O: ENS \IOS OE l"CORIA, CRITICA E lMDUÇÃO LffERÁRL\ 1 H 15TÓRLI 0 1 T R\ DUÇÃO: f'-SW )S ()F, n ORl l , CRtnc I l TR , ou,\() tm~ \RI\

tas se tr,msformaram em verbetes no glossário, que não existia na (a partir de 2006), vê-se hoje um aumento intcrcs,,.1ntc n,1 q u.rn ti
primeira edição, assinado por Alberto da Costa e Sil va. No entanto, dade de obras traduzidas para o português do Brasil . Começando
os textos das notas de rodapé são idênticos e a edição apresenta o pela tradução do romance 8t"af ts oj no .Vacwn (2005) , do c~cn to r
mesm o texto introdutório, do diplomata brasileiro Alberto da Cos- americano-nigeriano llzodinma lwcab, outros autort•s nigc ri.rnos
ta e Silva, marido da tradutora. É lamentável que a edição de 2009 compõem o cenário J c traduções no Brasil, como Ch1m.1m.rnJ.1
não faça nenhuma refer ência ao cinquentenário de Thin9s Fall Apart :'\igozi Adichie e o também clássico \ Vo te Soyinb
( 1958), comemorado no ano anterior.
Tabela de obras nigt"rianas traduzidas e public.idas no Br.is11
A Editora Companhia das Letras publicou também dois ou-
tros r omances de Achebe, uma coletânea de ensaios e um livro Autor Titulo Ano Tradutor Titulo or1g1n,I blttor.1
infantil. Nas capas dos três romances, per cebem os um esfor ço <le
Amos 0 ~ 1 dt•1nho 1'176 Eli,nc T,.. I\J,., lfo,, i\lnv-.1
padronização na escolha das ilustrações, que liga as obras umas às Tutuol• J, palmtlru funt<ndlc D11niurJ ( 1'1 i l) Fron tr-ir.1

outras. Tal estratégia é interessante se levarmos em conta que os três Cir'-~ln


,!., livro
primeiros romances de Achebe, Thin9s Fall Apart ( 1958), No Lon9er
at Ease ( 1962) e Arrow of God (1964), são geralmente reunidos cm
Chanu, () mUIIJ.> W l'IX 1 Vri, Qu<tro•
e s,,.,
f lung, fu/1 "I""' .\ ttLJ
Achcbr J t>p<t/JfJ ( 1•»~)
forma de trilogia, como o exemplo <la edição de 2010 da Editora
C)pn.,, G,nr, J ., ,1J.,J, l'lH 1 Sfrg,o F e; r..,p!,of1h,C11, AttLJ
Everyman 's Library: TheAjrican TriloBJ, que é introduzido por texto Ek.,,·n,i S.th ( l'IH)
de Chimamanda Ngosi Adichie. Percebemos aqui que nos países
anglófonos também é possível encontrar uma generalização quando ,....,.
ll, odinnu fua, J , lu,'I",
n,nhum
100/, Chri,un,
R.aum
~ -. "Í""
i'/JIIJn {!005)
~,)\',&

1ron rr"1r.a

se trata da classificação de obras africanas, evidenciada no fato de os Clum1m, n Wttu SvJ,la,ur,/u !llOH
L-

l!r th V1,1r,
- 1- --
11.,Ifef., 1,u.,.. l\,mp,nhi•
-
d, Ngo, I Sun (100f>) J .a., l d u,
três romances de Achebe, que tratam especificam ente da realidade i\d>chi,
dos igbos na Nigéria , serem agrupados sob a denominação de "Tri-
Clunu, U mundo ,, lll<~J Vf't• Qu,.1ru,
-'-- -- -
fh1n~• fui/ llp,m Cump.rnh,,
logia Africana". O que se justifica no caso dessas obras de Achebe, AchcLc Jnp..Ía\J C \1l v1 ( l 'J iM) ,La, 1c1r4,
pois essas marcaram a produção das literaturas em língua inglesa B1y1 B.inddc O menino d• !IJO'J lldu,..,
-- .
ª"'"'" R l"l.Ofd

-
&,y
de todo o continente, lançando as bases para futuras produções e BurniJ Mour,au (2007)
constituindo modelos que justificam a investigação de um sistema Clumu ,i j/o.ha J, D,w 2011 \ e, • Qu,110, ti11 ,. J 1,.,J l'ump,nhJJ
literário africano antes da constituição de sistemas nacionais.
Hoje, a Nigéria possui uma tradição própria que se evidencia
i\chcbc

Ch1m1m1n
d, 1\gou
11,bu,o /l,,;u lO I I
e ~., ••
Juh. Rum.-u -- ( l'lt,1)

l'i,,p/, fl,b, ,u,


(lOO l1
....
1IJ ~ Lr trJ ,

\ ·11111p,mh1.i
d.u l t"UJ1
nos diálogos entre as obras e nas r eferências que fazem umas às Awch,c
--

outras. Como já mencionamos acima, a literatura nigeriana se Clunu• t odo<u1Jo d, um• 20 12 lw M.1r. Ih, EJu,:Jtt 111 < t1mp.anh1•
A<hcbc man1u ..d! o pro l .m<lo uj J Hnr,1h
desenvolveu mais do que as de outros países vizinhos e a produção dJ1 1<lf4 S
uto,aJu b, ,Wn""' Prot«ttJ (h1/ 1
crítica também ganhou vigor. O país assim tem chamado a atenção (Fn,..,u,) b,.,11 (!W'I l
.... - - '--
de estudiosos e leitores de outros países. No Brasil, apesar do g rande \\'rilc o lt.io < J /OIJ 1012 w,11,.... I h, {1;0 ,,.J 1h, \1f:íJ\JU
intervalo entre o início das traduções (década d e 1970) e as no vas S.,) 1nlu
- l•.i-v• /rw,/ ( l 'J,'I J 1d1t1)t IJI

206 207
7~ H 1TTORL\ DA TR.\OUÇ.\ O: E., ;5AIUS DE TlO RH,C llITIC.\ l Tll.\ DUÇ ~O LITll\ \ '-1\
l lht Ó RI.\ [l\ TR \ llll( \ O: E!\~.,10, l)E TCORl\, CRtnc ,1 E TRA DUÇÃO LITERÁRU

cm Portugal h.i uns dez anos. A situação era mais ú u


Chrnuo .1 paz Jura f""'º 201 J Rubens No Lons<r a, fu« Comp•nhn menos equivalente. Acredito que , cm cinco .rnos ,
:\dwh.: F,gu~ircdo ( 1962) das Letr»
autores africanos vão ser muito ,·endidos :iqui no
Ctunu,l As gcrra, do 20 1 l Érico Assis Ho" ,h, leopard Comp•nhi• Brasil (AGUA LUSA , 2006, (s.p.))
Achebc /,aparda 901 hu claws d .. Letras
( 1973)

Scfi Alta Tudo d, bom ,,,. 2013 Vcro Whatdy fatr)th ,ng Good Rccord Obsenamos hoje qut·, de fato, c xist<.'m no Brasil muitas publi-
~conttctr IV11/ Come cações de escritores afr icanos tr.,duzidos do frances <· do ingles. O
(2005)
que ainda não vemos é um esfor ço mais amplo para especializar as
. 1
traduções ou p,1ra sairmos <la classiÍlcação generalizadora de "lite-
Como já mencionado anteriormente e faz-se visível na tabela ratura africana". Não podemos nos esquecer de que a Árrica é um
acima, Chinua Achebe é o autor nigeriano mais publicado no Brasil. continente extenso e povoado por uma ri ca diversidade cultural , com
l\o entanto, suas traduções foram publicadas com urna distância signi- manifestações bastante distintas. Os 5 3 países :ifricanos não dever iam
Bcativa das publicações originais, o que também acontece com Wole ser agrupados dentro Ut' um., classificação única D., mesma forma
Soyinka. Já autores mais novos e com publicações recentes, como que não podemos falar cm "litcr.1tura africana", pois, ape-sar de alguns
r\dichie, Iweala e Bandeie, ganharam versões brasileiras com inter- países de determinadas regiões pos!iUÍrem pontos histó ricos em co-
valos de um ou dois anos entre o original e a tradução. O primeiro mum, hoje suas respectivas cultur.,s possuem características próprias
romance deAdichie, I-la![ efa }'el/ow Sun (2006), por exemplo, foi um que os d istinguem e os legitimam . Daí a necessidade de transpor para
grande sucesso de vendas, ganhador <lo Orange Prize for Fiction, em as traduçõt:s realizada.~ no Bra:.il unu prcocup,1ç-~o n>m ., origem J.i:;
2007. Talvez essa aclamação internacional tenha despertado o inte- obras e a tradição litt-rári., <1ue ~t· desenvolve t·rn l'Jd., p,1Ís.
resse do mercado editorial brasile iro, ou talvez haja maior interesse Nos anos de 1970 e 1980, d.itas tbs colc<,.Ôes .Kima mencionadas,
por obras provindas do continente africano. O escritor angolano José "Autores Africanos" e "Romances cl.1 África" , era pus.sível justificar
EduardoAgualusa compara o comportamento do m ercado editorial tanto o ag rupamento cm culeçõcs quanto u usn de notas cxplicati\,\S
brasileiro com aque le de Portugal: e textos introdutório:; como sendo urna forma de tnscnr a:,, li ter a
turas africanas e ).CUS co ntextos para u leitor bra:,,ileiro. Queriam
Hoj e você vai às livrarias e encontra livros de es-
apresentar a produção literária da África para os ll·itorl'S que tinh,1111
critores nigerianos, por exemplo, que não estão
publicados em \ ortugal , curiosam ente. Portanto, po uco ou nenhum conhecimento das produções afril'an.ts. ~ lo jl.' , 11.10
é de uma outra Africa, porque , cm Portugal, dá-se há mais co leções <laqueie tipo ; u~ autore~ :,,:i<, publicados dl· form.t
muita atenção para a Àfrica de língua portuguesa, indivi<lual. No entanto, vemo~ que permanece pres;:ntc um t:spírito
'
mas não a outra Africa. '
Mas a Africa de Lmgua
' por- ex plicativo, que acaba por reforçar a ideia d.i t\fric.:a rnmo um grande::
tuguesa sim, você tem que pensar que o Mia Couto continente uniforme. Para tratar l.'~S.1 (1uest:io com att·n11ào, elegemos
é o segundo autor mais vendido em Portugal depois como amostra o romano: de C hinu.i Achl·hc : O munJu )t! J.:)pt!,luçu
de José Saramago. Faz primeiras edições de 30 mil
( 2009) . É pos~ível perceber tal atitude cm nota~ Jc rodap~, como
exemplares. Portanto, os editores todos portugueses
sabem t1ue podem fazer dinheiro com África. No nos exemplos abaixo:
\
Brasil, começa a aco ntecer uma coisa que acontece u r
1
20<)
208
/ li>TÓRIA DA TRA DUÇÃO : ENSAIOS U E TEORIA,CRITICA E TRAD UÇÃO LITERÁRIA
T
1
f-llSTÔRI.\ D.\ TRADUÇ.\O : E:SS.\10S DE TEORL\ ,CRmCA F TRADUÇÃO UTfRÁRI.\

Tão logo a avistara, punha-se a cantar com todo o trais. Na Bahia, é conhecida pelos nome~ que toma
seu ser, a dar-lhes as boas-vindas, após a longa, longa em iorubano, obi e orobô (ACHERE , 2009 , p. 233).
viagem , e a perguntar-lhe se trouxera, de volta a casa,
alguns metros de tecido. Para explicar a relação dos Igbos cem a cola e a noz-de-cola ,
menciona-se a cultura dos lorubás , que, apesar de serem também
*O tecido simbohza a história do povo africano; certos
habitantes da Nigéria, não compartilham necessariamente das mes-
tecidos têm significados especiais: na tradição peul, por
exemplo, um tecido dobrado significa passado. (N.T.) mas tradições dos igbos.
(ACHEBE , 2009 , p. 25). O mercado editorial brasileiro com eça a receber diver sas obr as
traduzidas, vindas do continente africano, da Nigér ia , cm especial.
Na nota acima, percebe-se na tentativa de explicação do texto Apesar desse claro interesse crescente, evidenciado pela quan tidade
um acréscimo de informações que não se relacionam diretamente de traduções publicadas após 2006, as literaturas africanas ainda são
com o texto e uma generalização das culturas africanas. Primeiro, publicadas como algo exó tico que deve ser inserido com glossário e
temos "a história do povo africano", pressupondo a existência de notas que acabam por generalizar a riqueza daque las culturas. Como
um povo Único. Em seguida temos a inserção do exemplo do povo vimos, a Nigéria , hoje, já possui um sistema literário em estágio
Peul e do modo como eles significam o uso de tecidos, mas o texto avançado de desenvolvime nto , com manifestações liter árias que j.í
de Achebe não menciona os Peuls. Os Peuls, na Nigéria e nos países evocam uma tradição consoliJada e que , po rtanto, devem receber
africanos de língua inglesa , são conhecidos como "fulas" ou "fulani", mais cuidado editorial cm sua apresentação. Ainda resta espaço p.irJ
e não ocupam a mesma região dos Igbos, personagens de Achebe . A investigações futuras que se atenham também à riqueza linguística
generalização não é mais e vidente , mas ainda existe. Ora, o agrupa- das obras nigerianas e suas diversas possibiliJades de transposição
mento em forma de coleção é uma maneira explícita de generalização para o português do Brasil .
cultural, enquanto que notas como essas se transfiguram numa forma
mais implícita da mesma prática . Vemos outro exemplo em Achebe: NOTAS
" There IS nu awaren"s.r of 1>,., posslble txlJ/enCt' of rrarulated /11erature .u " fJ<l'IICular
Unoka foi até o quarto interior e, de volta, trouxt: /11erary :rystem. The preva,ling concttpl IS rather that of 'tra,ul.111un · or Ju:JI tr,11ul<1tl!J
um pequeno disco de madeira, com uma noz de cola, work.r · treated 011 an md1vidwl ba:m. Is there any basu for a different a.uw,1ptw11, thm
Is f or corul<kring tra,u/ated /11erature as a systitm ? Is tliere ,1.., .'l<Jm<1 .1ort qf c ultur11/ ,mJ
um pouco de pimenta e um pedaço de giz branco • verbal networlc ofre/alluru w11h1n wh,11 s"<1ms lo be an arbllrary gru11p uftrwulut,J 1,1<1., ,u
(ACHEBE , 2009, p. 26). the one we w,llmgly hyputhe,ue for original /11erature? What kmd ofrelatw ru "''Khl tlh!U
be among tra,u/at.td wurlu. wh1ch are pn1n111ed U.J complded Jacu. unpurt,J/ ram 01l1er
/11eratUl'f!s, detached_from the,r ho/111! conttxts and COII.Sl!qu.tntly 11<1utru/1u d from 1h11 po,nt
Glossário ofview ofcenter-and-peripherysrruggl.s?" (EVEN-ZO HAR, l<l<JO, p. ·15, truduç:to nu,s11)
cola :Noz do fruto de árvore da família das esterculi- 2 "'Ju.rt a., Eng/uh - and French-speakmg We,i A/rica U.J a regwn h,u /ar n ceedrd othu
reg,oru 1n /1rerary product,on. so wlthm Engluh-sf"'a/ung Wttst ,ifrica N11{<!na lrw cl,wrly
áceas (das quais a mais comum é a Cola acuminata) , dommated m both creallve and cr ,11cal comnientary" (PETEKS, 199 J. p 1J. traduç:tu no~sa)
muito usada na África Ocidental como estimulante e 3 "Afrtcan wrl/ers have employed t11,m1ture III one o/llS trud111onul r11/<1s to aplore ai,J op,m
up new or 1,eglected area:, a/experl,mce by clearmg the ground ufprt!Judtct! and prttco11Cr!p-
refrescante. Mascada, seu gosto é de início acre, mas t10n" (CARROLL, 1970, p 31, tradução nossa).
depois deixa na boca uma sensação muito agradável. 4 "l daNI not cios" w11hou1 a word of n1cogn111on for thut sma/1 wtd propnt!turv s,·hvol o/
crillcs who a.ssun: u., that th.! Afr1can novel dQo/J nvt t!.t u l. Rru.wn th~ novel wu1 inv~ntcJ
Geralmente oferecida aos visitantes, é também usada m Eng/a,u:l For the wme /mui o/ n1wo11 I shouldn ~ lcnuw how lo dr,v., u cur b"'""-'~ l ,1111
como alime·,1to de ofertório aos deuses e aos ances- 1101 descenda111 of 1/~nry Forr:I' (ACIIEUE, 1977. p. 54, trmluçao nu~a)

210 2 11
H tSTÓRI.~ DATRAUUÇAO : ENSAIOS DE TEORIA,CRITICA E TRADUÇÃO LITERÁRIA
1- HISTÓRIA DA TRADUÇ.\ O: ENSAIOS DE TEORIA,CRtTICA E TRADUÇÃO UTER.\RI\

\
. . d U B B íli 2007 Disponível em : <http: / / repositon o.unb.
Institucional a n . rasi a, ·
s
" ln tire wake ofChtnua Achem, immediate success as a wriler offiction. a /arge number oj
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Africansfrom ali over t/1.! contment bega11 to writefiction'" (PETERS, 1993. p. 20, tradução

6
nossa).
"l·lwrtly after N ,geria gained independence in 1960, a cheap paperback edition ojthe novel
was printe d and became widely available throughout Africa. ln 1964. Thmgs Fali Apart
1 ·d M E· RIBEIRO Maria de Fatima M. De s1lenoos e memo rias.
SOUZA Josene1 a • , ' . B -· \
1' - A tores Africanos e a legitimação das literaturas afncanas no ras1 .
;:º~~~~GRESSO LUSO AFRO BRASILEIRO DE CltNCIAS SOCIAIS.
became tire first no,·el by an Afrrcan writer to be /isted on the syllabi for Afrtcan second-
ary sclrools t/1ro11gho11t tire continent. By the mid-/960s, sales ofthe novel in Nigeriafar \ UFBA, 2011.
surp..isu d tlrose in Bntain □ (SICKELS, 2010, [s.p.], tradução nossa).
1
" A /iterary work consists, e11tire/y oressentially, ofa text, defined (very minimally) as a more
or lo!ss long uqumce ofverbal statements that are more or less endowed wllh significance.
8111 rlris ti?.xt IS rarely presented m an unadorned state, unreinforced and unaccompanied by
a am am number ojverbal or other productions, such as an author 's name, a title, a preface,
illusrrations. (. .. ) These accompanying productions, which vary in extent and appearance,
com111111e wlrat 1 have called paratext. Tire paratext is wlrat enables a text to become a book
and ro be offered as such to its readers and, more generally, to tire public" (GENETIE,
1997, p. 27, tradução nossa).

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1 2 13
212
H ISTÓRI.\ DA TRADUÇÃO: ENSAIOS DE TEO RIA , CRffiCA E TRADUÇÃO LITERÁRIA H ISTÓ RIA DA TRADUÇÃO: ENSAIOS DE TEO RIA,CRffiCA E TI\ADUÇÃO UTI:RARI\

NOTAS

•:l---1_meus estudos (jamais acabados e que não podem jamais sê-lo)." (Todas as traduções
contidas neste ensa10 silo de nossa autoria.) (N. da T.)
2 " Meu trabalh~, o tr~balho, deveria ser apresentado como o principio fundamental e deter-
m!nante de mmha b10grafia. ('Viver para trabalhar'), ainda uma vez."
3
-1
Disponível em: <hnp://melodiaweb.com/Scssao.aspx?cod=490>. Acesso em: 09 set 2013. ESCRITORES BRASILEIROS TRADUTORES:
"Mas_. de repente, pensei na Leitura, na fina e sutil felicidade da Leitura Era bastante, aquela
alegna que os Anos não podem enfraquecer, aquele vício refinado e impune, aquela egoísta, O CASO RACHEL DE QUEIROZ
serena e durável embriaguez". (N. da T.)
5 Dis_poníve_l em:_<hnpJ/ativastentativas.wordpress.com/page/2/>. Acesso em: 10 set. 2013.
6 O lmo foi escnto em 1985. (N. da T.) Germana Henriques Pe reira de Sousa
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Lorena Melo Rabelo


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FREYRE, Gilberto. Tempo morto e outros tempos, trechos de um diário de adolescência Este artigo é o seguim e nto do projeto de pesquisa, intitulado
e mocidade 1915-1930. São Paulo : Global Editora, 2006.
"Tradução e sistema literário - história da tradução no Rrasil · J
LARBAUD,_Valery. Ce vice impuni, la lecture (Domaine an9lais). Paris: Gallimard, 1936.
_ _ _ . Fermina .Márquez. Tradução de Maria Emília Vassalo. Lisboa: Edição tradução <los classicos e os cscr itorcs-tracluto rcs" , 1 cuj o obJ<-'ti,u e
"Livros do Brasil", 1956. investigar a relação en tre litl!raturas nacional e traduzicl.t através Jo
_ __ . Les poésies de A. O. Barnabooth. Paris: Gallimard , 1966. estudo das traduções feitas po r cscritorl!s-tradutorcs brasileiros. No
_ _ _. Antolo9ia do conto moderno. Tradução de Luís Amado. Coimbr a: Atlântida
caso presente , a esn itora-tradutora em quest:io é Rac:hd de Queirol
Editora, 1967.
_ _ _. AmantesJelizesamantes... Tradução deTizziana Giorgini. Rio de Janeiro: Sabe-se que nas décadas d e 19 30 e 19+0 o mcrc:aJo .:ditori.d
Guanabara, 1986.
no Brasil sofreu mudanças devido aos acuntedmcntos nJ política du
_ _ _ . Amantes,jelizes amantes. .. Tradução de Tizziana Giorgini. Rio d e Janeir o:
Círculo do Livro, 1989 . país à época. Uma verdadeira re form.i nu mercado cditori.il e 11.1
. Sous l'invocation de Saint Jérôme. Paris: Gallimard, 1997 . imprensa tomou lugar durante o cham.ido "EstaJ u Norn" , in~t.1ur.1du
- --
- -- · Soba invocação de São j erônimo. Tradução de Joana Angélica d ' Avila Melo. pelo presidente Getúlio Vargas. Tudo o_t1uc p_urvcn tur,1 aprc~en1.1~,e
São Paulo : Mandarim , 2001.
conte údo contrario ao Sl!U governo er a penali1adt1 ; purtant,,, .l"UlllOS
_ _ _ _ . Notes pour servir à ma bio9raphie. Paris: Éditions Claire Paulhan, 2006 .
PAZ , Octavio. Si9nos em rotação. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo : com teor político eram e vitados . Como resultado disso, c:rt·~n•r,1111
Editora Perspectiva, 2012 . as demandas d e resenhas d e livros e críticas liter.í.ri,ts . ( ) 111 <.'rc:a<lo
VILA-MATAS, Enrique. Batlerby e companhia. Tradução d e Maria Carolina de
Araújo e Josely Vianna Baptista. Cosac Naify, 2002 .
..
de livros assumia , en tão, uma nova identidade :
_ _ _ . Bartleby e companhia. Tradução de JosdyVianna Baptista e Maria Carolina
Em novembro [193S! , os m alogrados lev.1111,·, ,·n11111
de Araújo. São Paulo: Cosac Naify, 2004 .
n istas deram a Varga.s o pretexto p..1r.1. d cnl'l,1r u 111
. História abreviada dr. literatura portátil. Tradução de Júlio Pimentel Pinto.
- --
São Paulo : Cosac Naify, 20 11.

247
246
H 1sr ó RIA DA TRADUÇAO: ENSAIOS DE TEORU ,CRITICA E TRADUÇ\ O LITER \RlA
f lisn'lRIA P\ TRADUÇ\ü : ENSAIOS DE TEO RIA,CRh ICA E TRA DUÇÃO LrfERÁRIA

correção precisa, uma vez que o tradutor clc,da pensar


estado de sítio de 30 dias que, depois, foi seguidamente
na própria reputação como escritor (HALLEWELL,
prorrogado no correr dos dois anos subsequentes.
2005 , p. 460) .
Isso ofereceu ampla esfera de ação para a opressão
do governo, mas ainda assim a censura, no final das
contas, provavelmente acabou beneficiando o comér- Foi nesse momento que a Editora José Olympio recorreu aos
cio de livros. Exatamente os perigos do comentário escritores José Lins d o Rego e Rache l de Q ueiroz para serem os
político levaram os jornais a dedicar espaço a assuntos organizadores da coleção de traduções intitulada "Fogos Cruzados",
menos arriscados, tais como resenhas de livros e crítica
que propunha traduções de clássicos da lite ratura mundial , bem como
literária, ao mesmo tempo em que as restrições nos
meios normais de expressão ao descontentamento de alguns best-sdlers.
político levaram tanto escritores quanto leitores_a Natural <le Quixadá , Cear,1 , Rachel de Queiroz assinou grandes
buscar na nova ficção a crítica social" (HALLEWELL,
títulos da literatura brasileira , como os romances O quinu ( 1930) , ,ü
2005 , p. 503) .
crês Marias ( 1939) e M.:rr,orial de Mana ,lfoura ( 1992), para citJr apenJS
alguns. O sucesso <le sua primeir,\ ohra, O quinze, foi instJntâneo, e
Laurence Hallewell afirma ainda que os efeitos da crise finan -
pouco depois da publicação Ja segunda edição, José O lympio, então
ceira de 1929 aumentaram o preço das importações, e o início da
um modesto editor, convidou -a para fazer parte da "Casa" m odo
Segunda Guerra dificultou o transporte marítimo, impedindo que
carinhoso como chamavam a editora; e daí nasceu uma associaç:io
produtos estrangeiros chegassem até aqui (HALLEWELL, 2005, p.
que durou ~7 anos. A José Olympio foi quase a editora cxdusiv.1 de
374). Devido à impossibilidade de se conseguir livros importados,
Rachel , até que a morte cio editor os separasse ; e durante todo esse
a demanda por traduções do público leitor brasileiro cresceu muito.
tempo da foi mais <lo que um.i escritora publicaJa por eles
Sobre esse momento do mercado editorial do Brasil , Hallewell diz
que "o desempenho da Glo_b o nas traduções, junto com outras edi-
RACHEL DE QUEIROZ: A TRADUTORA-ESCRITORA
toras, em particular a José O lyrnpio, levou Paulo Rónai a designar os
anos de 1940 'a idade de ouro da tradução no Brasil "' (HALLEWELL,
A escritora cearense destaca-se por uma litcratur.i piuneir,1,
2005 , p. +03) .
sobretudo para uma voz feminina a seu tempo , o que t' n·rt.1me11tc
Para as editoras da época, lançar essas traduções seria uma uma característica exaltada nos livros did.íticos e na histúri.1 litcr,1ri.1
atitude de risco em termos de vendagem , e, ao mesmo tempo, os brasileira. No entanto, a tradução foi outra atividade J ttue cl,1dcdirnu
esc.T itores tinham cada vez mais receio de assinar e publicar suas grande par te de sua vida profissional, e que é por vezes ncgligemüda ,
próprias obras, sujeitas à censura. Portanto, uma estratégia adotada esquecida ou até mesmo desconhecida pelo público brasileiro.
para beneficiarem ambos os lados foi a de contratar escritores que já O primeiro relato de Rachel como tradutor a dat.1 de 19 3 ~,
tinham certa visibilidade no cenário literário do paí~ para assinarem quando fazia parte <le um grupo trotskista em S:io P,1ulu e u-.iduú.1
1
as traduções. Hallewell também afirma que José Olympio memórias <lc Trotsky para .1 Atena Edito ra: w[ .. -1 cm São P.iulu, me

[...] assegurava-se não só de que todos os textos esta-


senti muito fe liz. Ensinava, da\'a aulas particulares à nuitl· , n,, Sindi l
1
cato de Professores de Ensino Livre, l' traduzia par.a ,1Att·n.1 b litor.i" {
riam bem escritos, como também de que os trabalhos
(QUEIROZ, 1998 , p. 65) . Ainda assim , foi somcnt•· ttu,rndu l"nlrou ~
seriam feitos com cuidado e com preocupação pela

248
24<.J
\
I IJ~•róRIA [),\ T HADUÇAo : ENSAIOS DE f EORIA CRtr . ·-
' ICA E I RAD UÇÃO LITERÁRIA
HrSTÓRIA DA TRADUÇÃO: E~S AIOS DE lEO RIA, CRtnCA [ TRADUÇÃO UTFRÁRIA

p.1ra a et1uipc da José O lym .


pio 9ue sua carreira como tradutora
d eslanc hou . memórias que Queiroz traduziu ao longo de 20 anos. Natália Guc-
rellus , em sua dissertação de mestrado cm História, afirma que as
N , :l
. . o p e~1oc o que compreende as décadas de 1940 e 1970, a escri- traduções de "biografias ou m emórias iníluenciaram os trabalhos dos
~or ~ t1 aduziu cerca de 50 títulos , contando com parcerias e traduções próprios regionalistas como Graciliano Ramos , José Lin.s <lo Rego e
m<l~d.is. Deste total de traduções , 42 foram publicadas pela Editora Rachel de Queiroz" (GUERELLUS, 2011 , p . 144) . Embora a afir-
Jose 01 ~~to · , (azen do de Queiroz a grande responsável pelo acesso mação pareça por demais categórica, no caso de Queiroz , todavia ,
dos brasileiros a grandes títulos da literatura universal. Verteu obras é possível fazer essa aproximação. O crítico Wilson Martins, por
de nomes como Balzac , Dostoievski, Emily Bronte, Jane Austen e exemplo, afirma que o gesto tradutório exerceu grande influencia
Agatha Christie, indo desde a literatura canônica à literatura popular. na escrita da autora, já que , por meio dele , ela teria se familiarizado
com processos narrativos de alta qualidade . Martins ress,1lta ainda
A escritora cearense via sua atividade enquanto tradutora co~o
que não devemos ignorar os efeitos dessas obras tra<luzidas sobre
uma via d e mão dupla , em que, além de contribuir para a visibilidade
seu trabalho como romancista, que teria provocado o contato com
da obra , d e acordo com o projeto inicial de José Olympio, também
novas perspectivas cm relação à arte de escrever, "afinal , a tradução
rcíletia de modo a aperfeiçoar seu ofício como escritora:
é uma reescTitura" . 3

Quanto à importância da atividade para a literatura, Isso significa que Queiroz não foi apena.~ uma escr itora que
eu diria que e realmente grande, uma vez que atraves traduzia, mas uma tradutora que escrevia . Por outro lado , é válido
da tradução o escritor se familiariza com os procedi- ressaltar que não era ela quem assumia por completo a tarefa de
mentos dos autores traduzidos - e pode aprender com selecionar as obras a serem traduzidas , pois essa função era cncab..:
eles. Eu lembro que na época em que eu traduzia, eu
çada por Vera Pereira , esposa de José O lympio . Nessa p.irceriJ rnm
me sentia como se estivesse desmanchando a costura,
desmanchando o crochê de certos escritores, desco-
a editora, a escT itora teve de se adaptar tanto à dem anda dl' titu lo!,
brindo os pontos, os truques prediletos deles. 2 quanto às exigências e peculiaridades que cada obra escolhicb apr.·
sentava , sobre o que ela conta:
É possível supor que existam influências dos autores que Queiroz
traduziu em suas próprias obras , o que justificaria a grande quan- Passe i a ser tradutora efetiva, um livro .itr.i:i dn nutro
e recebe ndo uma retirada mens.il. As ve✓.c; m e oc.orn·
tidade de escritoras femininas que traduziu . Uma forte evidência é
faze r uma conta d os livros que traduzi ncs,<' p<·nodll.
sua quarta obra, As três Marias, de 1939, que circula pelo universo
Adestrei-m e então no ingl.:s, no <1u,1I .it,· ,·ntfo a.1
feminino de três personagens principais ; não possui caráter regional ; frac:a, desde que Vera Pereira, mulhe r de Jo,i,: ( Jl~mp1,, ,
é mais intimista; e foi escrita em primeira pessoa, ao contrário de ass umiu a esco lha de autores a tra<luL1r ,. ,·l.1 go,t.1
suas três obras anteriores . Nesse mesmo ano, a autora trabalhou na va de literatura inglesa. [ . . ] Altern~ va111m d o1,, Ir~,
tradução de Eu soube amar, de Edith Wharton, de 1922 , que também grandes autores pela litcr,1tura c1ue nú, ,·h.1111.í, ;1111m
narra a vida de três mulher_!'!s na Nova York do século XIX . "barata", autores sem import l noa , m.1, bót ,dias n.,
época. Eu c hegava .i. traduúr t.io rapid.1m,•n1e ,.,".
Além disso, Dàra, Doralina (1975) , com aspectos biográficos, tipo de livros, qu~ pagava wna datilógr,1Li (>JI .1 h.1L,-r u
pode ter sido influenciada pelo estilo narrativo das seis biografias e quet.!uditava(QUl:I R()L , <._Jll l:IK.<)'J. , 1')'1/l , p IH 7J

250 2'> 1
tn ouçAo UT ERÁRI\

l
1h ITÔRIA DATRADUÇÃO: E:-15\10S DF TEORl.\ ,CR C,\ E TR.\
111, ró RIA O.\ TR\ DllÇÃO E'.\'SAl05 OE TEO RV. ,CRTTIC ~ E TRADUÇÃO LrrERÁRI.\

. traduzidos língua de partida, ano de publicação d a traduçà~ e


A Editora José Olympio foi de fato a grande responsável pela na1s e ' d (*) - 0 traduçocs
A do autor Tod os os títulos assina1a os com sa
produção tradutória - e litt:rária, uma vez que foi lá que também oenero . (**) - tr duções de
de segunda m ão, e aqueles assinal~do,s com _sao a
lançou seus próprios títulos - de Rachel , porém não foi a única a segunda mão , cuja tradução de apo io e desconhecida .
publicar traduções assinadas por ela. A autora publicou traduções pela
Editora Delta, Edições de Ouro, Guanabara, Agir e Ópera Mundi, Traduções para a Editora José Olympio (total de 4 2)
sendo essas três últimas desconhecidas pela bibliografia da autora
nos arquivos <la Academia Brasileira de Lctras.4 Do mglês

A BIBLIOGRAFIA TRADUTÓRIA DE RACHEL DE QUEIROZ Autor


T ítulo
Orl Ln:t.l
- + -~ üngu•
tnc~'..'..---f~
hizido
Titulo
fo=ntc'---t_
:1.n_n te· , nero _.

,t Jomllio a,oJ,, ("O .:,nulo lngli, 19-+0 ~\


Até pouco tempo atr ás, os arquivos da Academia Brasileira de H.itur", C.istl,
A.J. Cromn Jo h.,m,m san o/mJ/
Letras (ABL), instituição da qual Rachel de Queiroz foi membro,
eram a fonte de maior credibilidade a divulgar os títulos de suas fh, 0/J M~,d 1I!'
Eu soub4 Jm.Jt (".~ Solw ·
obras traduzidas. De acordo com o site da instituição, Queiroz havia
traduzido 42 obras para a Editora José O lympio, além de outras
quatro para as editoras Delta e Edições de Ouro. Além de apresentar
um erro de edição , que duplica o títu lo de uma obra e atribui a dois
Fdith Wharto ll

J~c l\ustcn
fi_fiw (dJ coltfJo 0/d
N,w)or•J

ilfon<fJ,/J l\,,k

Th, 1\isr ,J ,11/ Fl«h ----t


n,nJ J

MJn,ji,IJ l'Jrk

De.n ino J.J <llrn,


~--:-:0-: 1.~:±:\
lnglc, l 'H !
:,•mucl Buli«
autor es diferentes, o siu também enumera de maneira equivocada a +-

.'" t
[ nrh M,rt• Rc U,tu J, 1n,n V..1,hu, n lq-4 1 \\
produção de Rachel de Queiroz para a José O lympio, uma vez que, .\/Jujr"IJ'" l11-1lê ~
mMqur (,no 1n9/i.s Flou,,m)
se contarmos com atenção os itens da lista, percebemos um total /,mpcsr.,J, J'.,/mJ lnl\l;, F
Phylli, Rottumr fh, ,lfortJ/ Stor m
de 4 1 traduções, e não 42 , como consta na observação da página ---- t ,ufoJiJ fft:NW de umJ
ele tronica da ABL. Pe.irl Buck l h1tu l,
m u, i.lffl4rlu.UIJ
ln~l,', 1'14 1

O jornalista Ítalo Gurgel (20 10)5 relata cm artigo que esmiúça a ----
U• phnc Du M• u 11111,l~,
l l 'l-1 1 1-
h,mr.hm,rn ', C",~ 0 ( Q(lltCJ J cJ1 ffOl'f'OCi.JJ
bibliogr afia tradutória de Rachel de Queiroz a descoberta de quatro
novas traduções J a escritora. Tal levantamento foi feito a partir de
\
n~r

Concorda Mcrrcl l Ir ., t h', Juurncy C ur .l\AU mdccuo 1 ln~h•,


t l'l+ I
i

uma visita à biblioteca particular de José Augusto Bezerra, em For-


ef
taleza. Após a morte de Queiroz , sua família confiou ao biblióftlo
l J•mCi H1h1111
/)u wn A,1.. . <IOlnlJ
Furi..1 nv <1/u 1111\t,i, .\\ 1

\::.)
( /1,,g, 1n /1,umn)
o acervo pessoal da escr itora, contendo os mais diversos volumes, l ~tuJ , h,m H,/, ,,,
11,/,~o IVl!{u,r
1 lni,:lh• 1
além de todas as suas publicações. V1d u 11..um
IV1/ljut1 (//,1,n,)
t 1
111~1-- l 'H ,
Confor m e os dados obtidos, tanto nos arquivos da ABL quan- He nry 1kll, 11unn A totrt.nu

to no artigo de Ítalo Gurgel, elaboram os as tabelas a seguir, para O hvc Prouty 5ul/J 0.,11.,, ' """ n.,11.,, L,11,I~,
,... ' 1 .
m elho r ilustrar as tr aduções de Rachel de Queiroz , confo rme suas \ r l 'l-lh
especificidacies ~ Tas apresent.,m os autores das obras, títulos orig i- '-
PcMI BucL:. l h, Pronu., 1 p,om""' 11111,t;.,
t
252
2')3
\
--.,-
f-11>,ÓRLA 011 TRADUÇÃO : EN~AIOS Dt TEORIA,CRh iCA t TRADUÇÃO LITERÁRIA
H ISTÓRIA DA TRADUÇÃO: El-'511105 DE TEORlll,CIÚTICA E TRADUÇÃO UITR \RH

John t.;alsworthy The Fonyte s~aa A crônica dos limytt Inglês 19+6
~

M La mauon d 'crillru A casa dos cravos


Yves Lo,sd Fnncês 19+7 M 1
Eli.s,beth G..,kcll Crariford
~ blaocs brancos
Crariford Inglês 19+6 F
Honoré de LaJanmt dr utnlt A mulhtr de trinu,
A J Cronin frMl CÔ 19+3 .\1
Th e Gran Yean Anos de ternura
~

S.lzac ans anos


Inglês 19+7 M
Em,ly Brontc 1Vuthuin9 flei9hts
- André Bruyerc
Le, Rob1nson1 dt la Os Robinsons d~
Fn.ncês 19+~ M
O morro dos vtntos uivantes Inglês 19+7 moncasn, Montanha
F

~lario Dona! Germaine À /a conquitt du ,1 conquwa da torre


? O quarto misterioso e Fr>ncê:I 19+8 F
(1\1,ric C h.unbon) Inglês 1947 Vcrdat mpcb/tlU Don1on muturos.J
Congresso de bonecas F
Os dou amom de Grey
Jean Rosmer
Forrest Rosairc Ean oJ midni9ht Mannin9 Inglês 19+~ A afilhada do
M Ueanne Louis< ? Francês 19;0 F
impaador
Marie lchard)
Advencures oJ a black
A.J. C ro nin A"·t nrnra.s da maltta ntgra
ba9 Inglês 1948 M
Raph•clle
LJ priflrh A pred,ltca Fn.ncb 19;0 F
Tht doaor H"taN chrtt WJlcms
Mary Bard O doutor meu marido Inglês 1952
faces F
Suzannc S.illy J A deuSJ dJ urbo FnncC.1 1950 F
,\ , J. C ro nin Jupittr l.au9hs Os deuses r,em Inglês 1952 M Dostoiévslc.i Bby O, d,monlos Fnncb• 1951 1\1

C harles Chaplin Minha vido (capiculos I Os rrmãos KJra-


My Autobiagrophy Inglês 1965 M
a 7) Dostoiévslc.i Brac 'f" KarumJ10•J Fnncd• 1952 1\1
m.Jló't

Idade da fé (Bibliot<ca de Total 1 l


Annc Frem.mtle The Age of fuith Inglês 1970 F
Hrscór ia Univtrsal L!fa) ·-
Agatha Chnstie At Beruam's Hotd A m ulhtr d,a/,,;lica Inglês 1971 F
Total : 27 Outros

Ungu• 7
Autor T ítulo origln•I T itulo tracluudo Ano Gent"ro
Do francês foote

..;.:111.
- --.. - ,. ? ,l/,m6r1,s

~~ -
Lcon Toli.tó1 Russo•• \1
---,,~
Llngu:, Gê-
Autor Titulo orig inal T ítu lo tqduzido Ano
fonte nero
Vida d, SantJ rn,

Ot,:,,to1êvslci
Um7htnnp! 1 oskor-
blyonye
Humilhados e
oj,nd,dos
Francês* 19-14
"'
S.nta Ter~ de
Je,u,
L, Vul., dt /~ S.inc.i
,1/aJ« r,,,,., d, jtru, 10 J, j esUJ (t1mW

por ,lu propr1a.)


E'l'anhul l 'Hb 1
Zapiski iz Myortvo- Recordações da casa
Oostoiévski Francês• 1945 M
vo doma dos mortos

~1. D'Agon d~ ÂVe'OW10 $ d,


Pauvre Charlotte Franc~s 19+7 F
la ContTie Carioca

Alc.uncln, Memórias d, Ale-


? Francl"s 19 47 .VI
Ouma.5 :randrt Dumas. pa,

254 255
- --- ----- - -· -----------------------------
HISfÓIUA DA T RADUÇÃO : ENSAIOS DE TEORIA,CRITICA E TRADUÇ,\ O LITERÁRIA
H1sróRIA DA TRADUÇÃO : ENSAIOS DE TEORIA,CRinCA E TRADUÇÃO urERÁRI.~

Para outras editoras


autoria dos romances Manpeld Park (1942), de JaneAusten, e O morro
dos ventos uivantes ( 1947), de Emily Bronte. Tais análises foram reali-
Autor Título original Lmgua
Título traduzido Ano zadas observando-se elementos macro e microestruturais das obras,
Í--·- Editora
Verner Os carolinos desde seus índices morfológicos (capa, contracapa, folha de rosto,
Karolinerna
Von (crônica de
(Th, Charles M, n) Inglês* 1966 Delta orelhas, etc.) às minúcias referentes à tradução propriamente dita .
HcidnstJm Carlos XII)
François Le désm Dentre os itens observados, o que nos chamou a atenção foi o
Mauriac d, /'amour O deserto do amor Francês 1966 Delta fato de o nome de Rachel ter sido omitido da capa de Manifield Park
Julio Vernc Michel Strog'!!J Mi9uel Stro9eff Edições de em um momento, 1942, em que o nome da autora já havia adquiri-
Francês 1972
Ouro do prestigio o bastante para ser usado para promover a coleção. Por
Theopltile O romance da
Gautltier
Le pied de momie Francês 1972
Edições de outro lado, a capa da tradução de O morro dos ventos uivantes traz seu
múmia Ouro
nome tão destacado quanto o nome da autora da obra . É possível
Jack London The Sea- Wolf O lobo do mar Edições de especular que tal ocorrência se deva à popularidade das autoras entre
Inglês 1972
Ouro
os leitores brasileiros no momento, uma vez que JaneAusten já tinha
Total: 5
sido traduzida anteriormente para o português•e já era reconhecida
como um grande nome da literatura inglesa .
Fora dos registros da ABL (via levantamento de Ítalo Gurgel)

Autor Título original Título traduzido Llngua fonte Ano Editora


André Édouard Vil " Eduardo Vil e o seu Guana-
r-.iJaurois Francês 1935
son umps tempo bara
1

Irving Stone lmmorta!Wife Mulher imorcal Jose ,1


Inglês 1947
Olympio
i\larcdle
Auclair
Shmuel
Vcrs unt! vieíl•
lesse heureuse
Viva j ovem! Francês 1973 Agir ~
1
The Brida/ Noivado e outros Ópera 1
Yoseph Inglês 1973
Canopy contos Mundi
Aonon
Total: -1-

A "VIA DE MÃO DUPLA'' DA TRADUÇÃO: LITERATURA NACIONAL E


LITERATURA TRADUZIDA
Capa de Mcmsjield Park ( 1942)
A fim de det ectar màis detalhadamente como se dava o trabalho
ele Queiroz como tradut?ra, foram analisadas duas traduções de sua

256 257
t't'JpÇ
HtSTÓRJ,\ DA TRADUÇÃO : ENSA IOS DE TEO RIA,CRITICA E TRADUÇÃO LITERÁRIA
HISTÓRIA !)A TRADUÇÃO : ENSAIOS DE TfORIA ,CRtrrc A f. nunuç AO LllfR~MIA

planejamento homogêneo para a coleção com relação aos paratextos.


Por outro lado, a diferença no tratamento das duas traduções rc\·cla
.liMll,Y Jl~NT};
o amadurecimento de Queiroz como tradutora.
O ~ \ \ ( )'R;RJ,,J
DO \ ' Jt'~ •Ilü Itamar Even-Zohar, em The Position efTranslated l. uerawre wich,n
T. I\ ;\:,-:TI~ theLiterary Poly~stem (1990, p. 47), afirma que a tradução pode ocup,1r
~~..,,e.,
«..
l',.1Jrc.l• a posição primária em um dado polissistema literário. Para que isso
:P~f:.u, ~~;t,-~
ocorra, são consideradas as seguintes premissas: i) quando falamos dt:
uma cultura nova ou em transformação, que se beneficiará de outras
experiências literárias; ii) quando a literatura original cm questão é
fraca , periférica ou insuficiente para uma determinada cultura; iii)
quando há uma inflexão no sistema, ou seja, quando há crise e estag-
nação da literatura original que depende do mome nto histórico, em
que os modelos conservadores não se apresentam coert!ntcs com .1
exigência da nova geração. No caso do Brasil nas décadas de 1930 e
1940, a tradução surge como um recurso para alavancar o comércio
livreiro, incentivar a produção intelectual brasileira, form.i.r um
Capa de O morTo dos ventos uivantes (1947)
público leitor de literatura. Nesse momento histórico, a traduçãu
ocupa uma posição de destaque no polissistt:ma brasileiro, urna wz
E esta não é a Única diferença entre a visibilidade de Queiroz que pelo viés da tradu ção, não só o público leitor brasileiro p,1s~a .1
tradutora em Manefield Park .e O morro dos ventos uivantes. Na primeira, ter acesso a grandes obras estrangeir.is, m.i.s d c o tem graças an tr.1
a tradutora é silenciosa, sem se valer de quaisquer recursos paratex- balho de grandes escritores nacionais, o que institudon.i.liza o ge-'tu
tuais para introduzir a tradução ou justificar suas escolhas tradutó- tradutório, e por aí , a pró pria produç·ão litcr.Íria n.i.cio11.1I. :--.::i,l -'l'
rias , omissões e afins. Na segunda, a situação é outra: ela marca sua tratava nac1uele momento de se descobrir nuvus l'Sl·ritores ou rrnv.1'
presença por meio de prefácios e notas de rodapé , revelando, página obras; as traduções, corno .i.firrno u .i.dma Rachel de Queiroz, t111lu111
por página, sua autonomia enquanto tradutora da obra, desimpedida por pretensão aprest:ntar ao público leitor ohr.i.s yuc, Je n :rt.1 form., ,
das exigências comuns das regulamentações editoriais aos traduto - já deviam ser conhecidas de publicos cspecialbt,L~, po is, pnr t·.xen,
res de modo geral. Essa liberdade, conferida por parte da editora, pio, uma Jane Austen , ou um Proust , já er.1111 .1ut,1n:s 1.:onsagr.1do~
favorecia a aceitação do público, pois deixava claro que a tradução na primeira rni;t.i.de do século passado. /\ novid.1,11.: c!>t.iv., cni vcncr
provinha de uma fonte segura - uma escritora de renome no cenário esses autores para o portugu~s do Bra:;il.
literário brasileiro. Ainda assim, é curioso que duas obras publicadas
l:::rn sum.1 , a presença de grandt's 1101 m ·, da litL·r.i.tur.i. n.1du11.1l 11.,
na m esma coleção e traduzidas p ela m esma pessoa tenham seguido as
literatura tnduzida k g itima J. tradui;ão e .ltrihui ohra~ tr.1du·,id.1s ·
estratégias de visibilidade· do tradutor tão distintas. Isso mostra que um sdo de qualidade, sobretudo de l[Ualidad1.: d.i língua li ter.iria d.is
o projeto de tradução da editora era irregular e que não havia um
traduções. De fato , a tracluç'ào literária l'xigillllo 111uitu 111.iis d n l jlll' 0

258
251)
- -~
1 h sróRI , l},\ T RAOLIÇÀO ; El"SAIOS DF. TEO RIA, CRl-n c A E TRADUÇÃO LffERÁRJA i H ISTÓRIA o , TRADUÇ.\O ESiAIOS DE TEORl<,C RITICA E TRADUÇÃO LITCR \ RL'

Com o se vê 1 escreve r e traduz ir são at ividades q u e envolvem


conhecim ento de ambas as línguas de partida e de chegada , é no rmal
inerentem en t e 0 processo criativo, ainda que d e mane iras dis tin -
q ue fosse consider ada um trabalho de fôlego pelos escrit ores-tradu -
tores , e não um mero passatempo. Era preciso fazer urna apropriação tas. Acred itamos tluc o t radu to r, m esm o ocupando uma posição
da o bra a ser traduzida , corno se fosse um material de sua própria de subordinação cm relação ao texto o r ig inal , e xe r ce um papd
auto ria . So bre isso, Rachel de Queiroz reflete em uma entrevista: criador sobre O seu produ to . Além disso , po d e m os assu m ir que
para desen\'o lver uma produç ão literária au tõn o m a , o cscr it~r
É necessário possuir expressão literária na língua para tam bé m compar t ilha d e fo ntes in sp irado r as par,\ a co nstr uçao
a qual você traduz. E veja: é importante você saber de uma o bra . Ten do c m vista essas p ro posições , pe r cebe m os que
muito bem a língua do autor que traduz, porque se Rachel de Que ir oz, q ue transitava entre essas ocupações conco -
não souber apreender o espírito, a poesia, o ritmo, .ª mitantem ente , par tic ip o u <lc forma .i.tiva e pass iv.i n esse processo
musicalidade, o sentido exato do texto, aquilo que o
criado r. Seu tr abalho como tr adu tor a e vide n cia cl.i.r.imente su.1
autor desejou exprimir naquela frase ou naquele verso,
então sua tradução fica a desejar. Somente técnica não relação com a escrita , ao m esmo t empo c m que se podt! investigar
resolve . É preciso ter sensibilidade literária para saber em sua produção pessoal a in fluênc ia d o m ater ial qut! tr;iduziu J.<>
"ler" um texto de literatura, seja prosa, poesia ou en- lo ngo dos anos , o que ain<la resta a se r fe ito . Que iroz sou be n::ss.il-
saio. O tradutor pode saber muito bem o inglês, mas tar a tradução c:om u uma atividade impo rtan t e c m su,\ p rodução
se escreve mediocremente em português, sem nenhum
int electual, re forçando c1uc o s laços e nt re .1111b.1s as .it i vid.idcs sju
refmamento estético, então poderá comprometer a
obra que traduz, principalmente se ela tiver qualidade mutuamente b ené fi cos e van tajosos .
literária (NERY, 201 2, p. 156) .
NOTAS
Essa forma de contribuição à literatura nacional , por m e io da 1 O rientado por Gcrmana Hcnri4ucs Pcrcu11 de Sousu
2 Q ueiroz, citada cm Cackrnos da b utuuto ,\,fo,.,va Sa/1~3. 1997, p 25
legitimação da tradução, r eafizada po r grandes escritores com o Mário 3 Marti ns, citado cm CadernoJ do lrutuuto Mur~ir.i Salle3, l 'N7, p 85
Q uin tana , Carlos Drummo nd de Andrade, Érico Veríssim o , Rachel 4 Bibliografia de Rachel de Queiroz. pela Academia Ur11S1kira ,.k l ct111s D1>po111,cl c111
<hnp /lwwv. acadcm1a.urg br/abl/cgi/cg1lua.cxc/sys/su1rt.hlJn'/111fü1d- 260&>1d 11 5 > A,n,.,
de Q ue iroz , entre outros , consagrando obras estrangeiras por m eio cm. out 20 13
5 GURGEL, Í talo Rcdimcns,onandu a b1bhugralia de l{ud1d truJuturu x r1ptur111m h11L11c1J
do prestígio q ue tinham na carreira de escritor es, foi crucial para Expressão. 2010, p 25-39 Dispon ível cm . <h ttp //www p.:rlocutu110 cum/S,11ptonum2
a for m ação de um público leitor no Brasil , para a disseminação da php> Acc,~o cm uut. 20 13 .
6 O primeuo volume lançado p.:l11Culcçao Fogos Cnuadu, l01 a u aJu,;ilu de Lu.:i0 l'J1Jo,o Jc
literatura e par a a legitimação dos escritores- tradutor es e da tradu- Orgulho e Preconceito AUSTEN. Jane: Urgulho« pn:cu,u:mc, l'raJu.,:llo Jc l u"o ( 'u.rdow
Rio de Jane iro. Jost O lymp,o, 1940
i;:io em si. Por o utro lado , isso evidencia uma relação de conflu ência
entre os sistem as liter ár ios produtor das obras literárias e r ecepto r REFERÊNCIAS
das tr aduções , uma vez que as obras traduzidas de escrito res canô ni-
cos também serão traduzidas no sistem a de chegada por renomados C AD ERN O S D E LITERATURA BRASILEIRA Rathd J.: (.lumuL S .10 P.iulo
escrito res nacionais. É a literatura brasile ira , portanto , que está lnslltuto Moreira Sall1:s, 1997, 11. +.
EV EN-Z O I IAR, lt.irnar ( 1978) .The P o , 1l1011 olTr.1mlat1:J l 11<:1 ~tun: W1t.l11n the
sendo leg itimada pela via 9a tradução , e isso po r si só basta para ser Litcrary Po lysyst<::m . Polysyscem SwJ1~s = Po~tics fo.J.,y, , . 11, ri 1, p. +e; 51 ,
identificado como um fenô m eno impo r tante na história literária 1990. [Revi.st:d vers1on of Evc:n Zohar. [
nacio n.il .:, po r conseguinte, na história da tradução.

260
26 1
\
HISTÓRIA DA TRAD UÇÃO : ENSAIOS DE TEO RIA CRtnCA E TRADl Ç' A
' 1 "º LITER RIA H!STÓRU DA TRADUÇÃO: ENSAIOS DE TEO RIA ,CRlnCA E TRADUÇÃO LITERÁRIA

GUERELLUS N ' t· S
__ _, ata ia • Rachel de Q_ueiroz: regra e exceção (19 10- 1945).
Di_ssertaçao (~cs~rado em História) . Universidade Federal Fluminense,
ln, lltuto de C1enc1as Humanas e Filosofia, 201 1.
GLIRGEL.' halo. Reescrevendo a bibliografia de Rachel de Queiroz tradutora.
ln: Scriptonum. Fortaleza: Expressão 2010. v. 2
HALL · ' .
EWELL, Laurence. O li vro no Brasil: sua história São Paulo· Edl!SP. 2005
NERY H R dr . . '
• ermes o 1gues. Presença de Rachel - conversas irÚormais com a escritora
. LITERATURA DRAMÁTICA EM TRADUÇÃO NO
Rachel de Queiroz. Ribeirão Preto: Funpec Editora, 2012. TEATRO BRASILEIRO MODERNO
OLIVEIRA, Priscilla Pellegrino de. As traduções de Rachel de Qyeiroz na década de
40 do século XX. Juiz de Fora: Faculdade de Letras da UFJF, 2007. Marcel:> Paiva de Souza
QUEIROZ, Maria Luíza de; QUEIROZ , Rachel. Tantos anos. 3. ed. São Paulo: Universidade Federal do Paraná
Siciliano, 1998 . mrclpvdsz@hotmail.com
RO NAI, Paulo. A tradução vivida. 2 . ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981 .
SOUSA , Germana H . P. O Brasil em Oran: leitura crítica da tradução de Graciliano
Ramos do romance La peste, de Albert Camus, 2008 . Disponível em: Investidas historiogr áficas pioneiras em busca de contornos e
< http: / /www.abralic .org.br/ anais/ cong2008/ Anaisü nline/ simposios/ meandros do passado da prática tradutória no país não deixaram sem
pdf/ 0+5 / germana_sousa.pdf>. Acesso em: o ut . 2013.
algum registro o vulto do problema aqui sob escrutínio. José Paulo
Paes , por exemplo , a cuja lúcida erudição devemos" A tradução lite-
rária no Brasil"- "despretensioso" (PAES, 1990a, p. 11 ) , indispensável
esb oço do "itiner_ário histórico [ .. . J da arte de traduzir no quadro
geral" (PAES, 1990a, p. 1O) de nossas letras -, discerniu com justeza ,
de um lado , o significativo incremento do fazer tradutório impel ido
pelo boom da indústria do livro brasile ira cm meados do sécul o XX.
De o utro , todavia, adver tiu :

Não deve Hcar tampouco esquecida a tfúduç,fo Jc pcç<1,


de teatro , que se constitui hoj e numa atividade especia -
lizada em que pontificam ou pontificaram t radutores
corno G uilherme de Alme ida, Magalhães J únio r, Gui -
lherm e Figueiredo, Mülô r Fe rnandes , J,1có G uinsburg
[ ... ] etantosoutros (PA~_S , 1990a , p. 30, g n fu n osso) .

Louve-se a vigilância do estudioso e retenha-se o impor tante


distin9uo . Não é de todo claro, verdade seja dita, o sentido emprestado
ao "hoje" na afirmação, o q ual tanto pode se referir estritame nte ao
agora da escrita e/ ou publicação do artigo , quanto - cm .iccpção
mais ampla - ao arco de te mpo "dos últimos quarenta anos" (PAES,
1990a , p. 29) , a contar de 198 3 , quando pela primeira vez vem a

262
263
L

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