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Métodos de pesquisa para internet

FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana.1 Mé-


todos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011.
239 p. (Coleção Cibercultura). ISBN- 978-85-205-0594-6.

Muito se tem pesquisado sobre a internet, na internet


e com o auxílio da internet, mas ainda não tínhamos um livro
que tratasse com mais profundidade e abrangência dos di-
ferentes aspectos da pesquisa etnográfica virtual. Este livro,
que integra a Coleção Cibercultura, da editora Sulina, chega
em boa hora. Luiz Fernando Gomes
O livro está dividido em duas partes. A primeira, “Pers- Universidade de
pectivas da pesquisa empírica”, focaliza os aspectos gerais da Sorocaba (Uniso)
prática de pesquisa para internet. Esse tema é abordado em luiz.gomes@prof.uniso.br
três capítulos: “Panorama dos estudos de internet”, “Cons-
trução de amostras” e “Teoria fundamentada”. A segunda
parte, intitulada “Apropriações metodológicas”, apresenta
e discute três metodologias de pesquisa nos capítulos “Estu-
dos de redes sociais”, “Análise de hiperlinks” e “Abordagens
etnográficas”. Ao final, o livro traz um glossário com explica-
ções sucintas de termos recorrentes na pesquisa etnográfica
e em ambiente de internet, e ainda um providencial índice
remissivo. Além da organização coerente e da linguagem cla-
ra, há diversas tabelas que sistematizam os tópicos aborda-
dos, facilitando muito a recuperação das informações. Outra
característica positiva marcante é o resumo, que retoma e en-
cerra cada capítulo. Com toda essa usabilidade, o livro não é,
porém, um manual de fórmulas prontas.
A ideia do livro nasceu, segundo as autoras, de uma con-
versa numa cafeteria no intervalo de um evento científico e
foi, depois, produzido, em grande parte, na internet. Elabo-
rado dessa forma, ele reflete um pouco da trajetória das pes-
quisadoras e, por essa razão, elas advertem que, por ter sido
Suely Fragoso, Raquel Recuero e Adriana Amaral são professoras e
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pesquisadoras em programas de pós-graduação: Fragoso em curso de


Design (UFRS), Recuero, em Letras (UCPEL), e Amaral, no Centro de
Ciências da Comunicação (Unisinos).
elaborado a seis mãos, é possível perceber diferenças de estilo entre os
capítulos. Cada capítulo foi “capitaneado” pela coautora mais afinada com
a prática ou temática específica.
No Capítulo 1 da primeira parte, Adriana Amaral traz uma discussão
de fundo que prepara o leitor para o livro, contextualizando os métodos de
pesquisa sobre a internet. Para a autora, um dos dilemas da pesquisa nas Ci-
ências Humanas e Sociais é o como fazer, como aplicar e como pensar abor-
dagens metodológicas que sejam eficientes e que permitam, aos pesquisa-
dores, coletar e analisar dados compatíveis com seus problemas de pesquisa
e com suas perspectivas teóricas, mantendo o devido rigor científico. Amaral
esclarece que a ciência social produzida sobre a internet tem suas especifi-
cidades, já que a internet é aberta, não pode ser contida e está sempre se
modificando, contando, geralmente, com bancos de dados enormes.
Amaral relata que na periodização feita por Postill, a década de 1990
foi marcada por três tendências: a) o hype acerca do surgimento da pró-
pria internet; b) a polarização: real versus virtual, online versus off-line,
interações síncronas versus assíncronas; e c) o entendimento da internet
como esfera autônoma, distinta do real, o ciberespaço. A segunda metade
dos anos 1990 é caracterizada pela análise do objeto internet já inserido
no cotidiano, e não como item extraordinário. Usar a internet já não era
visto como deixar de fazer alguma coisa “na vida real” ou perder tempo.
A partir dos anos 2000, a tendência foi a descrição e a apropriação dos ob-
jetos dentro de suas próprias dinâmicas, apropriações e lógicas. Wellman
periodizou as pesquisas em três fases, sendo a primeira polarizada pela
dicotomia entre autores utópicos e distópicos e a percepção de que a co-
municação havia surgido com a internet. A segunda fase, que teria come-
çado por volta de 1998, foi marcada por pesquisas de opinião e entrevistas,
em virtude, talvez, da ampliação do acesso à internet a um público maior.
Os resultados relatam os tipos de apropriações feitas por diferentes faixas
etárias, gêneros, classes sociais etc. Na terceira fase, a abordagem é mais
focada na análise dos dados e padrões de conexões, personalização e co-
municação. No Brasil, a pesquisa empírica se fortalece a partir da segunda
metade dos anos 2000; antes disso as pesquisas eram mais filosóficas ou
teórico-ensaísticas.
Amaral vai buscar em fontes seminais informações sobre as principais
abordagens qualitativas da pesquisa sobre internet. Hine (2000) propõe que
a internet, como objeto de estudo, pode ser pensada, tanto como cultura
quanto como artefato cultural. Como cultura, ela seria um espaço, distinto
do off-line, onde se estuda o contexto cultural dos fenômenos que ocorrem
nas comunidades e/ou mundos virtuais, para saber o que as pessoas fazem
quando estão on-line. Nesse aspecto, Boyd (2009) lembra que os grupos
sociais atuais são definidos por meio de seus relacionamentos e de suas co-
nexões. Como artefato cultural, estuda-se a inserção da tecnologia na vida
cotidiana. A rede é tida como um elemento da cultura e não como uma enti-
dade à parte. Dois temas fundadores dos estudos de internet derivam dessa
visão: as comunidades virtuais (RHEINGOLD, 1997, RECUERO, 2005, entre
outros) e as identidades on-line (TURKLE, 1997). Atualmente, é possível des-
tacar, dentre algumas temáticas e objetos de estudo, o ciberativismo, com

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reflexões sobre a potencialização da ação indivíduo/coletividade em termos
de ação política via internet, inclusão digital e a inclusão social.
No capítulo 2 da primeira parte, Fragoso dispensa um olhar bastante
crítico ao tratar de questões relativas à coleta de dados e aos processos de
amostragem para pesquisas qualitativas e quantitativas. A autora fala da
construção de corpus, o dentro e o fora da rede, lembrando que a internet
é um universo difícil de recortar em virtude de sua escala, mas que a defini-
ção do tema é que deve delimitar o universo da pesquisa. Fragoso lembra
que nos primeiros tempos muitos erros foram cometidos na coleta de da-
dos, por exemplo, fazer-se passar por mulher para ganhar a confiança de
outras mulheres. Faz também uma crítica às escolhas de amostras, apenas
por serem mais fácies e mais baratas de estudar. Melhor, ressalta ela, seria
que os critérios fossem o máximo de informação, de máxima utilidade, a
partir de um número limitado de amostras. Nesse sentido, a autora reforça
que todos os pesquisadores têm a obrigação de explicitar seus processos
de seleção e recorte e explicar que aqueles casos estão sendo destacados
por que são peculiares.
O capítulo traz ainda inúmeras observações importantes sobre carac-
terísticas das pesquisas qualitativas e quantitativas que podem ser igual-
mente validas para o ambiente virtual ou real.
Quanto a amostragens quantitativas, Fragoso ressalta que o tama-
nho de uma amostra probabilística não pode ser definido de antemão,
arbitrariamente, pois é uma consequência das características do universo
da pesquisa, dos métodos de seleção e recorte utilizados e do grau de
generalização pretendido.
A pesquisa qualitativa é adequada para a apreensão de variações,
padrões e tendências, mas é frágil na apreensão de detalhes e singularida-
des. Ela visa a uma compreensão aprofundada e holística dos fenômenos
em estudo e, para tanto, os contextualiza e reconhece seu caráter dinâmi-
co. O número de componentes da amostra é menos importante que sua
relevância para o problema de pesquisa, de modo que os elementos da
amostra passam a ser selecionados deliberadamente. A escolha depende
do problema da pesquisa. Questões complexas e universos heterogêne-
os e dinâmicos, como a internet, frequentemente requerem observações
em diferentes escalas de análise, bem como desenhos metodológicos que
combinem diferentes estratégias de amostragem. Os critérios e estratégias
de amostragem qualitativa podem se alterar conforme o desenvolvimento
do trabalho – não são camisas de forças. A autora aconselha amostragens
qualitativas e quantitativas como abordagens complementares.
Na parte 3 do capítulo 1, Recuero fala da articulação dos aspectos te-
óricos e empíricos da pesquisa, enfatizando a teoria fundamentada (TF)
como um método útil para quem trabalha com muitos dados empíricos.
Na TF, a teoria deve surgir dos dados, a partir de sua sistemática obser-
vação, comparação, classificação e análise de similaridades e dissimilarida-
des. Nesse sentido, ela inverte o método tradicional de pesquisa no qual o
pesquisador deve ir a campo livre de pré-noções, livre de hipóteses e con-
ceitos e, apenas a partir de sua vivência empírica e do processo do método
deve elaborar as hipóteses e os preceitos teóricos. A TF valoriza o contato

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do pesquisador com o objeto, estimulando a criação de uma sensibilidade
para os dados e, em se tratando de um fenômeno novo, ela oferece a pos-
sibilidade de experimentar o campo empírico. Sua abordagem é indutiva,
pois deixa que os dados falem por si, sem observá-los de forma preconcei-
tuosa e, para tanto, a experiência e conhecimento do pesquisador são fun-
damentais. A autora também comenta algumas críticas ou questionamen-
tos feitos à TF, tais como: a) é quase impossível ir vazio para o campo e não
observarmos senão aquilo para o qual estamos preparados (teoricamente)
para observar; b) como coletar dados (entrevista, por exemplo) sem ter
ideia do que se deseja; e c) como saber quando temos dados suficientes
para fazer com que a teoria emirja e quando finalizar o processo.
Na Parte II do livro, intitulada “Apropriações metodológicas”, os capí-
tulos são divididos para tratar de três metodologias de pesquisa. No primei-
ro capítulo, “Estudo de redes sociais”, Recuero comenta exemplos que vão
além dos diagnósticos estruturais mais tradicionais sobre as redes sociais.
A autora retoma o conceito de redes sociais (RS) e o surgimento de seus
estudos nas primeiras décadas do sec. XX, ocorrido ao mesmo tempo em
que surgiam os estudos sociométricos. Nas RSs, os membros dos grupos
sociais percebem um espaço ativamente construído por seus participantes,
de acordo com suas ações. Estudar as RSs seria, de forma ampla, estudar as
relações de interdependência do grupo e do ambiente. Os estudos iniciais
das RSs eram estruturais e baseavam-se em dados matemáticos e gráficos.
Para realizar um estudo sobre RS, como o exemplificado por Recue-
ro, sobre fotoblogs, o pesquisador deve selecionar o objeto e a forma de
coleta de dados, os atores (indivíduos, instituições ou grupos) representa-
dos pelos nós que compõem a rede em questão. Esses nós são interconec-
tados pelas arestas que o pesquisador decidir levar em conta. É necessário,
depois, decidir o que serão consideradas conexões para que se possam ob-
ter dados sobre a estrutura da rede, tais como grau de conexão, densidade
e centralidade. A dificuldade é determinar os limites de uma RS, pois as
conexões são muitas e em vários graus, e as interações, muito dinâmicas,
o que pode reconfigurar as RSs indefinidamente. Os chamados sociogra-
mas auxiliam na determinação da qualidade dos laços sociais e, em última
instância, permitem observar o capital social do grupo, ou seja, o conjunto
de valores criado por um grupo social. Há diferentes tipos de capital social:
relacional, normativo, cognitivo, confiança e institucional.
O capítulo 2, “Análise de hiperlinks”, traz uma transposição dos mé-
todos e técnicas da ARS (Análise de Redes Sociais) para o estudo dos links
em sistemas hipertextuais. É uma abordagem essencialmente estrutural,
utilizada para identificar padrões de conectibilidade entre os nós. Fragoso,
responsável pelo capítulo, fala sobre o termo hiperlink e faz um interessan-
te comentário sobre as visões do conceito de acordo com a área de estudo
interessada: Letras e linguística, Jornalismo, Ciências Sociais etc. Como o nú-
mero de links dirigidos a um site ou página é um indicador de sua relevância,
a análise dos hiperlinks não foca atores ou laços sociais, mas os websites e
os hiperlinks. Por exemplo, os estudos permitem assumir que os links entre
os sites representam algum tipo de vinculação entre os atores sociais que os
criaram. Links e citações são análogos, pois se algum link foi acrescentado

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a outro site, significa que este tem alguma importância. No entanto, essa
relação é desigual, pois não há necessidade de reciprocidade. As pesqui-
sas sobre hiperlinks podem exigir um trabalho com amostras gigantescas,
como o caso exemplificado por Fragoso, de uma pesquisa envolvendo 200
milhões de páginas e 1,5 bilhão de links. A pesquisa sobre hiperlinks tem as-
pectos dificultosos, pois, segundo Fragoso (p.149), os “buscadores comer-
ciais operam com critérios de seleção e hierarquização sigilosos, misturam
resultados pagos e orgânicos, enviesando os resultados em direções sobre
as quais os pesquisadores não têm conhecimento nem controle”.
O último capítulo do livro, “Abordagens etnográficas”, discute a pes-
quisa social qualitativa na internet, sua amplitude e as limitações da adapta-
ção do método etnográfico ao contexto da comunicação digital. Creio, po-
rém, que aqui poderíamos tornar explícitas outras áreas, como a educação,
a linguística, a linguística aplicada etc. que se beneficiariam dessa aborda-
gem para as pesquisas que vêm sendo realizadas. Amaral inicia com a defi-
nição de etnografia de Angrosino (2009), para quem ela é a arte e a ciência
de descrever um grupo humano, suas instituições, seus comportamentos
interpessoais, suas produções materiais e suas crenças. Em seguida, dife-
rencia os termos “etnografia virtual”, “netnografia”, “etnografia digital”,
“webnografia” e “ciberantropologia”. Traz, também, questionamentos fei-
tos à etnografia virtual, sendo um deles a noção de campo, que fica dissol-
vida no tempo e no espaço, e discute perguntas como: “Que deslocamento
há em acessar um site ou um chat?” Ou ainda: “Que tipo de estranhamento
pode ser analisado em uma relação fria entre homes e máquinas?”
Amaral esclarece que para Christine Hine, responsável pela popula-
rização do termo etnografia virtual (anos 2000), a abordagem pode ser
usada para estudar práticas comunicacionais on-line e off-line, identidades
subculturais, blogs, chats, audiovisuais, fotografias, mundos virtuais etc.
Vale lembrar, porém, que a netnografia surgiu com Robert Kozinets (que
prefere este termo), em meados dos 1990, quando ele começou a utilizá-la
para estudar marketing e consumo nas redes. A netnografia também tem
se valido dos estudos linguísticos e semióticos sobre análise de discurso e
análise da conversação e análise de imagens (estáticas e em movimento)
para ampliar seu escopo teórico para interpretação dos dados coletados.
A autora encerra o capítulo lembrando ainda questões importantes,
tais como os graus de inserção do pesquisador e as questões éticas en-
volvidas, a observação silenciosa, o voyeurismo e o pesquisador insider,
a familiaridade com o objeto de estudo e as habilidades requeridas. Final-
mente, ressalta a importância da divulgação dos resultados da pesquisa a
todos os envolvidos.
Trata-se, como vimos, de uma obra de leitura densa, pela quantidade
de informações que traz e, ao mesmo tempo, familiar aos pesquisadores
e estudantes das áreas da educação, letras e linguística, comunicação e
ciências sociais, entre outras, interessados em pesquisas na, para e com
a internet, pois já devem ter, inevitavelmente, deparado com questões e
dilemas que o livro aborda.

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Referências Bibliográficas

ANGROSINO, Michael. Etnografia e observação participante. Porto Alegre:


Artmed, 2009.
BOYD, Danah. How can qualitative Internet Researchers define boundaries
of their project? A response to Christine Hine. Pp.26-32. In: MARKHAM, An-
nette N., BAYM, Nancy. Internet inquiry. Conversations about method. Los
Angeles: Sage, 2009.
HINE, Chrstine. Virtual Ethnography. London: Sage, 2000.
RECUERO, Raquel. Comunidades Virtuais em Redes Sociais na Internet: Uma
proposta de estudo. Anais do Seminário Internacional da PUC/RS, em no-
vembro de 2005, Porto Alegre/RS, 2005. Disponível em HTTP://pontomidia.
com.br/raquel/seminario2005.pdf. Acesso em 05/06/2009.
RHEINGOLD, H. A comunidade virtual. Lisboa: Gradiva, 1ª. Ed., 1997
TURKLE, S. Life on the screen: Identity in the age of the Internet. New York:
Touchstone, 1997.

Dados do autor

Luiz Fernando Gomes


(Universidade de Sorocaba)
Doutor em Linguística Aplicada, na área
de Linguagem e Tecnologia, pela Unicamp

Recebido:13/12/2011
Aprovado:09/10/2012

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