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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000027585

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº


0002911-05.2014.8.26.0160, da Comarca de Descalvado, em que é apelante GABRIEL
VINICIUS TONDATO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 16ª Câmara de Direito Criminal


do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao
recurso para absolver Gabriel Vinícius Tondato da imputação de prática do crime de
furto descrito na inicial, por força do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. V.
U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CAMARGO ARANHA


FILHO (Presidente sem voto), OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO E GUILHERME DE
SOUZA NUCCI.

São Paulo, 21 de janeiro de 2021.

NEWTON NEVES
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº: 43684


APEL.Nº: 0002911-05.2014.8.26.0160
COMARCA: DESCALVADO
APTE...: GABRIEL VINÍCIUS TONDATO
APDO...: MINISTÉRIO PÚBLICO

FURTO QUALIFICADO e CORRUPÇÃO DE MENORES


Furto de três bicicletas - Negativa do réu Prova oral respaldada
no depoimento do comparsa adolescente, ouvido apenas na
delegacia e já falecido e do “ouvir dizer”- Prova frágil Mera
suspeita que não autoriza decreto condenatório - Ônus da acusação
em comprovar, de forma segura, o fato concreto imputado ao
acusado Prova deficiente e incompleta Dúvida autorizadora da
absolvição Recurso provido (voto nº. 43684).

A r. sentença de fls. 337/345, com


relatório adotado, julgou procedente a ação penal
para condenar GABRIEL VINÍCIUS TONDATO à pena de 03
anos, 07 meses e 16 dias de reclusão, em regime
semiaberto, e ao pagamento de 16 dias-multa, no
piso, por infração ao art. 155, §4º, incisos II e
IV, por três vezes, na forma do art. 70, todos do
Código Penal e ao art. 244-B do Estatuto da Criança
e do Adolescente, por duas vezes, na forma do art.
70 do Código Penal.

Ao final foi fixada indenização à


vítima Marcos no valor mínimo de R$1.000,00.

O réu está preso por outros processos.

Apela o réu, buscando a absolvição


ante a fragilidade das provas (fls. 362/365).
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Recurso processado e respondido (fls.


371/374).

A d. Procuradoria Geral de Justiça


opinou pelo acolhimento parcial do recurso para que
aumento pelo concurso formal de crimes se dê pela
fração de 1/5 e não de 1/6 como feito pelo juízo
(fls. 390/397).

É o relatório.

O recurso comporta provimento.

Foi o réu, vulgo “Potão”, denunciado,


processado e condenado porque, segundo a denúncia,
no dia 22 de março de 2014, às 19h30min, na Rua 15
de Novembro, 1.070, no interior do Supermercado Jaú
Server, Comarca de Descalvado, agindo em concurso
de agentes com os adolescentes Daniel Aparecido
Vicente Junior e Felipe Tondato, subtraiu, para si,
mediante escalada, uma bicicleta, marca Caloi, cor
preta e laranja, seminova, pertencente à vítima
Marcos Francisco de Moraes Silva; uma bicicleta,
marca Verden Achieves, cor amarela e amortecedores
pretos, pertencente à vítima Leonardo da Silva
Honório e uma bicicleta de cor vermelha,
pertencente à vítima Douglas Wesley Silva.

Consta ainda que, nas mesmas


circunstâncias de tempo e local, o réu, facilitou a
corrupção dos adolescentes Daniel Aparecido Vicente

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Júnior e Felipe Tondato, com eles praticando a


infração penal descrita.

Segundo apurado, o réu e os


adolescentes passavam defronte ao Supermercado Jaú
Server e avistaram ao fundo do estacionamento,
algumas bicicletas, decidindo subtraí-las. Para
tanto, o réu adentrou ao local escalando um muro
alto e os demais permaneceram do lado de fora,
dando guarida à empreitada criminosa. Em seguida, o
réu e os adolescentes subtraíram do local 03
bicicletas que pertenciam a funcionários do
supermercado.

As vítimas registraram o boletim de


ocorrência e, por meio de diligências, uma das
bicicletas foi encontrada na posse de Lucas Stralli
e este declarou à polícia que as bicicletas teriam
sido subtraídas por um indivíduo conhecido por
“Potão”.

Prosseguindo nas investigações, o


adolescente Daniel foi apreendido e confessou o
furto, delatando o réu e Rafael Tondato (fls. 08).

A materialidade restou evidenciada


pelos boletins de ocorrência (fls. 05/07 e 40/42) e
pelo auto de avaliação (fls. 55).

A autoria, todavia, é duvidosa.

O réu, ouvido apenas em juízo, negou

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os fatos. Disse que tinha desavenças com o


adolescente Daniel.

O adolescente Rafael, irmão do réu,


confessou o furto praticado na companhia de Daniel,
já falecido. Negou que seu irmão, Gabriel,
estivesse no furto.

O investigador de polícia Edinir


confirmou que uma das vítimas encontrou sua
bicicleta com um rapaz de nome Stralli e este disse
ter comprado a bicicleta de uma pessoa conhecida
por “Potão”, mas esse “Potão” não é o réu e sim
outro rapaz já falecido, o Daniel. Acrescentou que
“Potão”, que já era conhecido dos meios policiais,
disse que o réu e o adolescente Rafael participaram
do furto. Os adolescentes Daniel e Rafael
costumavam andar juntos e praticaram muitos furtos
juntos.

A vítima Leonardo recuperou sua


bicicleta, mas teve de pagar a quantia de R$70,00.
Ficou sabendo, por Douglas, outra vítima, que o
furtador se chamava Gabriel.

A vítima Douglas disse ter encontrado


sua bicicleta na posse de um rapaz que lhe contou
ter emprestado a bicicleta de uma pessoa de apelido
“Potão”.

A vítima Marcos não recuperou a

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bicicleta e nada soube informar a respeito do


possível furtador.

Do conjunto probatório carreado, vê-se


que não houve flagrância do crime, e tão pouco
houve a apreensão de qualquer uma das bicicletas em
poder do réu.

E a instrução criminal, lastreada que


está no depoimento do adolescente Daniel, ouvido
apenas na delegacia, vez que já falecido,
respeitado o entendimento do d. sentenciante não é
suficiente para justificar a condenação.

Veja-se que o investigador de polícia


relatou o que ouviu do menor Daniel, sem que outras
diligências fossem realizadas. E, ao contrário do
que constou na r. sentença, o falecido Daniel
andava sempre com o adolescente Rafael praticando
furtos e não na companhia do réu, Gabriel.

De se ver ainda, ao contrário também


do que constou na r. sentença, de que não foi
Rafael, o irmão do réu, quem mencionou a respeito
de rivalidades entre o réu Gabriel e o falecido
Daniel, mas o próprio Gabriel.

No mais, a vítima Leonardo também


ficou sabendo por terceiro, não ouvido em juízo, de
que o furto teria sido praticado por “Potão”,
apelido de Daniel, adolescente falecido e não

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praticado por Gabriel.

Portanto, a prova oral colhida em


juízo não teve o condão de afastar as dúvidas
existentes acerca dos fatos narrados na denúncia,
que imputam ao réu a prática da subtração, de sorte
a ser de rigor a absolvição do apelante por
insuficiência de provas.

Não é demais destacar que, pela


divisão do ônus probatório, como exigido pelo
artigo 156 do Código de Processo Penal, cabe
primeiro à acusação fazer a prova inequívoca das
imputações feitas ao réu, somente havendo a
inversão dessa prova quando alegado, pelo acusado,
álibi para desconstruir a acusação.

É certo que há indícios de que o réu


possa ter praticado o furto a ele imputado.
Todavia, mero indício, ou dedução não autorizada
pelo conjunto probatório, não comporta a
condenação, uma vez que o quadro probatório acerca
da autoria é por demais frágil, respeitado o
convencimento do d. Magistrado.

Desse modo, pelas provas coligidas,


não restou demonstrada de forma inconteste a
participação do réu na subtração.

Assim, e respeitado douto entendimento


em sentido contrário, a prova produzida é

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demasiadamente frágil para albergar uma sentença


condenatória, pois a dúvida deve ser interpretada
em favor do acusado.

Dessa forma, não se tendo colhido


prova suficiente e segura para justificar o decreto
de condenação, a absolvição é medida que se impõe.

Ante todo o exposto, dá-se provimento


ao recurso para absolver Gabriel Vinícius Tondato
da imputação de prática do crime de furto descrito
na inicial, por força do artigo 386, VII, do Código
de Processo Penal.

É como voto.

Newton Neves
Relator

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