Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº
1501254-91.2021.8.26.0617, da Comarca de São José dos Campos, em que são apelantes GABRIEL GOMES DA SILVA e ERIKA GOMES DA SILVA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de
Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores BUENO DE
CAMARGO (Presidente) E GILDA ALVES BARBOSA DIODATTI.
São Paulo, 7 de março de 2023.
RICARDO SALE JÚNIOR
Relator Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
15ª Câmara de Direito Criminal
Apelação nº 1501254-91.2021.8.26.0617 São José dos Campos
Apelante: Gabriel Gomes da Silva e Erika Gomes da Silva Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo
Voto nº 30.414
APELAÇÃO CRIMINAL Extorsão Confissão Autoria e
materialidade delitiva demonstradas Prova robusta a admitir a condenação dos réus Grave ameaça Impossibilidade de desclassificação para o crime de estelionato ou aplicação do acordo de não persecução penal Penas e regimes fixados com critério Recurso defensivo desprovido.
Trata-se de recurso de apelação interposto
contra a r. sentença de fls. 321/327, cujo relatório se adota, que julgou procedente a denúncia para condenar GABRIEL GOMES DA SILVA e ERIKA GOMES DA SILVA, devidamente qualificado nos autos do processo, como incurso nas sanções do artigo 158, §1º, c.c. artigo 29, do Código Penal, à pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, no valor mínimo legal.
Pretende a Defesa dos réus, com o presente
recurso (fls. 382/399), a reforma da r. sentença, objetivando a absolvição dos réus, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, almeja o reconhecimento da tentativa de extorsão ou a desclassificação para
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constrangimento ilegal ou estelionato, com a possibilidade de
aplicação do acordo de não persecução penal, nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal.
Regularmente processado o recurso interposto,
com o oferecimento das contrarrazões de fls. 404/406, vieram os autos a esta Instância, tendo a Douta Procuradoria Geral de Justiça opinado pelo desprovimento do recurso defensivo (fls. 412/418).
É o relatório.
O recurso interposto não merece provimento.
Os apelantes foram condenados como incursos
no artigo 158, §1º, c.c. artigo 29, ambos do Código Penal, porque, de acordo com a exordial acusatória, entre os dias 11 e 15 de setembro de 2021, na Comarca de São José dos Campos, agindo previamente ajustados e nutrindo identidade de desígnios, cada um deles fazendo sua a ação do outro, constrangeram a vítima Devair da Cruz, mediante grave ameaça, com o intuito de obter, para si, indevida vantagem econômica, a entregar-lhes a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais).
Segundo o apurado, Erika já havia trabalhado
na mesma empresa em que a vítima, Devair, o que lhe possibilitou ter acesso aos dados pessoais dela, inclusive número de telefone. No período supracitado, os réus passaram a extorquir Devair, objetivando a obtenção de vantagem indevida no importe de R$ 6.000,00 (seis mil reais).
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(sábado), Gabriel, valendo-se do aparelho de telefone celular
pertencente à sua irmã, Erika, linha (12) 996394597, enviou mensagem de voz para a vítima, via aplicativo WhatsApp, afirmando- lhe que possuía fotografias e outras provas de que ela teria relacionamento extraconjugal com uma mulher de prenome Elaina, para quem já havia dado um carro de presente e comprado passagens aéreas. A partir desse contato, nos dias que se seguiram, o denunciado, Gabriel, passou a trocar mensagens escritas, via WhatsApp, com a vítima, exigindo-lhe que pagasse a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais), caso contrário, entregaria as tais provas à sua esposa, Creuza.
No dia 14 de abril de 2021, a vítima noticiou o
crime à autoridade policial e combinou com o denunciado um encontro no estacionamento do estabelecimento Telha Norte, para o dia seguinte, às 10h00, onde lhe entregaria o dinheiro e receberia, em contrapartida, as provas do alegado relacionamento extraconjugal.
Conforme combinado, ambos os denunciados
se dirigiram de motocicleta até as proximidades do citado estacionamento e, enquanto Erika permaneceu na motocicleta, aguardando, Gabriel foi ao encontrado da vítima, no interior do estacionamento. Ao encontrar-se com a vítima, antes mesmo que o dinheiro lhe fosse entregue, Gabriel foi preso por policiais civis, que haviam se posicionado no local, acabando Erika também por ser presa, naquela mesma ocasião.
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A materialidade delitiva restou devidamente
comprovada por meio do boletim de ocorrência (fls. 12/16), pelo Laudo Pericial de fls. 270/289, bem como da prova oral colhida sob o crivo do contraditório.
A autoria é igualmente certa.
Em sede de interrogatório, o réu Gabriel
afirmou ser verdadeira a acusação, pois enviou mensagens de áudio por Whatsapp à vítima a pedido de sua irmã, Erika. Como estranhou as mensagens, ficou com medo das consequências que isso poderia trazer à sua irmã, acompanhando então Erika no momento da entrega do dinheiro pela vítima. Não reputava correta a extorsão, arrependendo-se do crime. Desejava apenas conversar com Devair, entregar o pendrive e devolver o dinheiro. Atualmente trabalha em um mercado em Guararema/SP, com renda de R$ 1.500,00, estuda inglês e faz faculdade de logística na FATEC (vide mídia).
Também em sede de interrogatório, a ré Erika
afirmou que a acusação é em parte verdadeira. Ficou sabendo por terceiros da relação extraconjugal da vítima, que conhecia em razão do trabalho. Comprou um chip de celular e, além das mensagens de texto que encaminhou, solicitou ao irmão Gabriel o envio de áudios. Marcou um encontro com a vítima para receber o dinheiro, porém sua intenção não era ficar com o montante, e sim provar para a esposa de Devair a infidelidade. No pendrive não há provas concretas da relação extraconjugal, desconhecia a gravidade dos fatos e se arrepende. Redigiu todas as mensagens, e os áudios foram enviados por Gabriel a seu pedido. Atualmente trabalha e sua renda mensal média é em
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torno de R$ 2.000,00 (vide mídia).
Com efeito, as confissões dos acusados têm
grande valor e servem como base às suas condenações, não podendo serem recusadas, pois foram sinceras e não contrárias ao contexto probatório amealhado.
Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que as
confissões judiciais ou extrajudiciais valem pela sinceridade com que são feitas ou verdade nelas contidas, desde que corroboradas por outros elementos de prova inclusive circunstanciais (RTJ 88/371).
A vítima Devair da Cruz narrou que recebeu
telefonemas e mensagens de áudio e texto por Whatsapp dizendo que possuía uma amante em Guararema/SP, exigindo R$ 6.000,00 para manter silêncio sobre a informação, motivo pelo qual registrou Boletim de Ocorrência por extorsão. Na delegacia, os réus continuaram a enviar mensagens, sendo o crime testemunhado pelos policiais. No momento da entrega do dinheiro, o réu tentou pegar o montante, mas recebeu voz de prisão dos policiais que o acompanhavam, sendo o valor devolvido. Desconhece os acusados. Os áudios recebidos eram de voz masculina, e a foto do Whatsapp não é dos réus (vide mídia).
As declarações das vítimas foram consistentes,
devendo-se considerar ainda que não se desconhece o entendimento de que em casos de extorsão, a palavra da vítima é de suma importância.
Esse é o posicionamento adotado por esta
colenda 15ª Câmara Criminal e pelo Egrégio Superior Tribunal de
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Justiça:
“APELAÇÃO - EXTORSÃO - PALAVRA DA VITIMA -
VALOR: Em crimes desta natureza, cometidos na clandestinidade, a palavra da vítima reveste-se de grande valor probante quando não dissociada dos demais elementos de convicção e desde que não haja indícios de falsa inculpação. APELAÇÃO - EXTORSÃO - POLICIAIS MILITARES QUE SE APRESENTAM COMO POLICIAIS DO DENARC PARA EXIGIR VANTAGEM INDEVIDA SOB AMEAÇA DE "PLANTAR" DROGAS EM PROPRIEDADES DAS VÍTIMAS - PROVA COLHIDA MEDIANTE ESCUTA TELEFÔNICA AUTORIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES - NULIDADE - INOCORRÊNCIA: Ocorre que o ordenamento jurídico pátrio, imbuído do senso de justiça, admite a gravação de conversa telefônica mantida por um dos interlocutores com sua autorização, o que não se confunde com interceptação telefônica, que é aquela feita por terceiro sem o conhecimento dos interlocutores. APELAÇÃO - ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - NÃO CABIMENTO - HIPÓTESE: A extensa prova oral e material comprova com suficiência, a responsabilidade penal dos agentes, sendo incabível falar-se em absolvição” (TJSP, 15ª Câmara Criminal, Apelação nº 0006117-71.2011.8.26.0050, Rel. J. Martins, j. em 18.06.2013);
"A palavra da vítima, nos crimes às ocultas, em
especial, tem relevância na formação da convicção do Juiz sentenciante, dado o contato direto que trava com o agente criminoso"(STJ, Habeas Corpus nº 143.681/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. em 15.06.2010).
A testemunha Jefferson de Oliveira, policial
civil, ouvido em Juízo, asseverou que o réu veio até a delegacia e informou que estava sofrendo extorsão no valor de R$ 5.000,00 a R$ 6.000,00, para que não fosse divulgada uma suposta relação
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extraconjugal para sua esposa. A vítima foi orientada a manter a
conversa com os acusados e a marcar um encontro para entrega do dinheiro, a fim de que fosse dada voz de prisão aos acusados. Gabriel estava acompanhado da corré Erika no momento da prisão. Admitiram a extorsão, afirmando que o valor seria entregue à esposa da vítima, como uma “forma de compensação”. Não presenciou a extorsão por Whatsapp.
O depoimento do agente público que atendeu à
ocorrência tem valor relevante e merece total credibilidade. A propósito:
“Os testemunhos de policiais destacados para a
realização de repressão criminal devem ser aceitos quando se prestam a dar conta da tarefa realizada, inexistindo motivo para que sejam considerados tendenciosos, sendo certo que somente podem ser rechaçados se comprovado que houve falseamento da verdade ou que estão em desconformidade com o restante da prova” (TJSP Apelação nº 1.364.617/5 Rel. Luiz Ganzerla).
“É assente nesta Corte o entendimento de que são
válidos os depoimentos dos policiais em juízo, mormente quando submetidos ao necessário contraditório e corroborados pelas demais provas colhidas e pelas circunstâncias em que ocorreu o delito. Incidência do enunciado 83 da Súmula desta Corte (STJ - AgRg no Ag 158921/SP Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura Sexta Turma j. 10-5-2011).”
O Laudo Pericial contendo transcrição das
mensagens trocadas pelo aplicativo Whatsapp foi encartado às fls. 270/289, sendo a ameaça com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica evidenciada por mensagens
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como “Imagina todas as fotos de vocês no Instagram e Facebook?”,
“Imagina todos sabendo disso, começando pela sua esposa”.
Importante destacar que, de acordo com o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, pela Súmula 96: “o crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida”. Ou seja, não se exige, para a consumação do crime de extorsão, que o agente tenha conseguido o proveito que pretendia. O crime se consuma com o resultado do constrangimento, isto é, com a ação ou omissão que a vítima é constrangida a fazer, omitir ou tolerar que se faça.
Conclui-se, portanto, que o contexto probatório
é suficiente para provar que os apelantes realmente foram os autores do delito de extorsão, não havendo que se falar em insuficiência probatória, ou sequer em desclassificação para outro tipo penal.
Vislumbrada a grave ameaça, também não há
que se falar na possibilidade de acordo de não persecução penal, uma vez que o artigo 28-A do Código de Processo Penal prevê expressamente que “(...) tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente”.
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análise das reprimendas, resguardando-se o princípio da
individualização destas.
No que tange às penas do réu Gabriel Gomes
da Silva:
Na primeira fase da dosimetria, verifica-se que
a culpabilidade do réu se mostrou dentro do padrão dos delitos. Ele não possui antecedentes. A vítima, de modo algum, contribuiu para a prática do crime. Desse modo, sopesadas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 04 (quatro) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo.
Na segunda fase, presente a atenuante da
confissão espontânea. Contudo, deixa-se de aplicá-la em razão da Súmula 231 do C. Superior Tribunal de Justiça: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.
Na terceira etapa, presente a causa de
aumento prevista no §1º do artigo 158 do Código Penal, motivo pelo qual mantenho o aumento da pena na fração de 1/3 (um terço), resultando em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 13 (treze) dias- multa, no valor mínimo legal, a qual torno definitiva.
Incabível a substituição da pena privativa de
liberdade por restritivas de direitos, uma vez que sequer contemplados os requisitos objetivos que autorizariam a aplicação
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dessa benesse (cf. incisos do artigo 44 do Código Penal).
De rigor a manutenção do regime prisional
semiaberto para início de cumprimento da reprimenda, eis que este se mostra o mais adequado ao caso concreto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea “b”, do Código Penal.
No que tange às penas da ré Erika Gomes da
Silva:
Na primeira fase da dosimetria, verifica-se que
a culpabilidade do réu se mostrou dentro do padrão dos delitos. Ele não possui antecedentes. A vítima, de modo algum, contribuiu para a prática do crime. Desse modo, sopesadas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 04 (quatro) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo.
Na segunda fase, presente a atenuante da
confissão espontânea. Contudo, deixa-se de aplicá-la em razão da Súmula 231 do C. Superior Tribunal de Justiça: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.
Na terceira etapa, presente a causa de
aumento prevista no §1º do artigo 158 do Código Penal, motivo pelo qual mantenho o aumento da pena na fração de 1/3 (um terço), resultando em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, bem como ao pagamento de 13 (treze) dias- multa, no valor mínimo legal, a qual torno definitiva.
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Incabível a substituição da pena privativa de
liberdade por restritivas de direitos, uma vez que sequer contemplados os requisitos objetivos que autorizariam a aplicação dessa benesse (cf. incisos do artigo 44 do Código Penal).
De rigor a manutenção do regime prisional
semiaberto para início de cumprimento da reprimenda, eis que este se mostra o mais adequado ao caso concreto, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea “b”, do Código Penal.
Assim sendo, e nestes termos, nega-se
provimento ao recurso dos réus, mantendo-se, nos termos em que proferida, a r. sentença de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos.