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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2019.0000253647

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1050365-86.2017.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MAYARA
CARDOSO (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de


São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Em julgamento estendido, por maioria de votos,
negaram provimento ao recurso, ficando vencido o Relator Sorteado, que declara.
Acórdão com o 3º Juiz, Des. Bandeira Lins, que passa a ser o Relator designado.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


BANDEIRA LINS, vencedor, JOSÉ MARIA CÂMARA JUNIOR, vencido, ANTONIO
CELSO FARIA (Presidente), LEONEL COSTA E PERCIVAL NOGUEIRA.

São Paulo, 20 de março de 2019

BANDEIRA LINS
RELATOR DESIGNADO
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO CÍVEL nº 1050365-86.2017.8.26.0053

APELANTE: MAYARA CARDOSO


APELADO: ESTADO DE SÃO PAULO

COMARCA: SÃO PAULO

VOTO Nº 11266

APELAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. Pretensão ao


cargo de soldado PM 2.ª Classe. Reprovação na fase de
investigação social, pela terceira vez. Relacionamento
afetivo com pessoa presa em flagrante por tráfico de
drogas e envolvido em outras práticas criminosas.
Legítima a apreciação a que a Administração
procedeu. Improcedência Mantida. Recurso
desprovido.

Adota-se ao relatório do voto do Eminente Relator Sorteado:

MAYARA CARDOSO, inconformada com a respeitável sentença


de fls. 199/201, que julgou improcedente o pedido mediato,
interpôs recurso de apelação alegando, em síntese, (i) a
inexistência de relação atual com pessoas ligadas ao tráfico de
drogas; (ii) a ilegalidade da exclusão da candidata do concurso; (iii)
a demonstração da reputação ilibada da candidata.

A Fazenda apresentou suas contrarrazões (fls. 218/222), e o


recurso foi regularmente processado.

Respeitada a convicção do Eminente Desembargador Relator, tenho


que a conclusão de improcedência merecer ser prestigiada, nos exatos termos da r.
sentença.

Não se trata do primeiro processo judicial da autora contra


reprovações em investigação social, mas do terceiro; e nos dois anteriores, relativos a
concursos pregressos, a conclusão foi amplamente desfavorável à autora.
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1. No primeiro concurso por ela disputado, que teve início em 2013, a


reprovação se deu em virtude de ela haver ocultado o relacionamento com Marcelo
Henrique Cavalcanti, alcunhado “Marcelo B.O.” e preso em flagrante em 2 de janeiro
daquele ano.

A autora ajuizou a ação anulatória de nº 1022660-21.2014.8.26.0053,


distribuída em grau de recurso à Colenda 4ª Câmara Extraordinária de Direito Público; e
esta, por votação unânime, em 30 de novembro de 2016, negou provimento ao apelo da
candidata valendo transcrever excerto do V. Acórdão, do qual foi Relator o Eminente
Desembargador Aliende Ribeiro:

“Segundo consta dos autos, a reprovação da autora em fase de


investigação se baseou em omissão no Formulário de Investigação
Social de dados e informações relevantes relacionamento amoroso
com Marcelo Henrique Cavalcanti, vulgo Marcelo 'BO' , conhecido
traficante de drogas na cidade de Avaré/SP, preso em 02 de janeiro
de 2013, conforme Boletim de Ocorrência nº 22/2013, na Delegacia
Seccional de Avaré/SP, sendo conduzido à Penitenciária de Avaré
II/SP, em regime fechado. E mais, segundo consta, “o romance
estabelecido entre a interessada e o citado traficante (Marcelo 'BO'foi
significativo e comprometedor; foi um relacionamento de sério
compromisso, não se tratando de um 'namorico qualquer', havendo
sim, por parte da candidata, uma relação de CONVIVÊNCIA E
CONIVÊNCIA com o parceiro criminoso a ponto de 'Marcelo BO'
tatuar em seu corpo, mais precisamente em seu braço direito, o nome
da Interessada (anexo 5), conduta que caracteriza a confirmação do
vínculo amoroso que se estabelecia entre o casal.”

2. No segundo concurso em que a autora foi reprovada, iniciado em


2014, já não se tratava de omissão, mas do fato mesmo de haver mantido
relacionamento com Marcelo àquela altura, condenado a 7 anos de reclusão, pena
incomum para os padrões do crime de tráfico e de haver figurado como averiguada em
ocorrência de crime contra a honra, por haver noticiado a parentes de terceira pessoa
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que esta mantinha relacionamento extraconjugal.

A autora questionou sua reprovação por meio da ação de nº


1050119-61.2015.8.26.0053; e embora em primeiro grau tenha tido êxito, a apelação da
Fazenda foi provida pela Colenda 13ª Câmara de Direito Público desta Egrégia Corte
cujo V. Acórdão, relatado pelo Eminente Desembargador Spoladore Domingues,
analisou detidamente a situação:

“Respeitado o entendimento do Juízo a quo, era caso mesmo de


exclusão da autora do concurso.

Ainda que não tenha omitido seu relacionamento amoroso com


pessoa envolvida em tráfico de entorpecentes, quando do
preenchimento do formulário de investigação social, a gravidade
deste fato não condiz com a reputação ilibada exigida no presente
concurso.

Não se desconhece os princípios da pessoalidade da pena e da


presunção da inocência. No caso, contudo, não há punição da autora
por ato de terceiro, mas, apenas, verificação de que suas próprias
condutas são prejudiciais ao interesse da defesa social (objetivo
maior do concurso em tela).

Vejamos.

Consta dos autos, que a autora manteve relacionamento de cunho


amoroso com traficante ('Marcelo BO'). Não trouxe qualquer prova
da superficialidade da relação, como alegado. Ao contrário, não
negou o fato do criminoso ter tatuado no braço direito seu nome
fato apurado pela investigação social (fl. 85) , circunstância que
mostra um envolvimento afetivo mais profundo com aquela pessoa.
Além disso, a omissão deste relacionamento, em formulário
preenchido no concurso anterior (fl. 86), demonstra que a autora,
sabendo da gravidade do fato, tentou, naquela oportunidade,
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ludibriar a Administração de suas más condutas.

Mais, ainda, o documento de fls. 85 (Informação Pessoal da


candidata), mostra que Marcelo foi preso pela prática de tráfico
ilícito de entorpecentes no dia 02 de janeiro de 2013, conduta que lhe
rendeu condenação à pena de 07 anos de reclusão em regime
fechado. Também, mostra que no dia 05 de janeiro de 2013, apenas
três dias após aquela prisão, a candidata lavrou Boletim de
Ocorrência, na Delegacia Seccional de Avaré/SP, envolvendo a irmã
de Marcelo, Rosemeire, no qual relata seu relacionamento amoroso
com 'Marcelo BO'. Diante disso, pela proximidade das datas, vê-se
que a candidata manteve o tal relacionamento amoroso com Marcelo
na época em que o mesmo praticava a conduta delituosa seria muita
ingenuidade supor que Marcelo iniciou a prática criminosa na mesma
data em que foi preso , por certo, ela convivia com seus comparsas,
em meio ao ambiente criminoso que se cria nestas situações.

Ora, a conduta da candidata não é compatível com a idoneidade que


se exige dos integrantes da Polícia Militar e, não se vislumbra, aí,
qualquer autoritarismo, já que a corporação existe, exatamente, para
garantia da ordem e proteção da sociedade.

Verifica-se, pois, ser manifesta a convivência e conivência com


parceiro criminoso, mesmo porque o término da relação é, apenas,
alegado, sem qualquer comprovação.

Constatou-se, portanto, conduta desabonadora por parte da própria


autora, que, repita-se, não foi excluída por conta da condenação de
Marcelo, mas, sim, pela sua convivência e conivência com o modo de
vida dele, prática que não se coaduna com o exercício do cargo
pretendido.”

3. Lidos à luz dos Arestos precedentes, os informes que a autora presta


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a fls. 157/159 não oferecem a segurança necessária para que, a partir deles, se
desmereça a conclusão da Administração.

O relato da autora não é o de pessoa isenta e despreocupada em


relação ao efeito que suas palavras terão em quem as leia: trata-se de declarações
oficiais dela à Comissão de seu quinto concurso para ingresso na Polícia Militar. O
relacionamento com Marcelo, a tatuagem do nome dela no braço dele e o registro de
ocorrência policial em que a autora se declarara ex-companheira de Marcelo já não
eram fatos que pudessem ser omitidos; e não surpreende terem sido articulados em
narrativa na qual a autora procura realçar traços de ingenuidade, de sua parte, e de
virulência, da parte de Marcelo depois de ter sido reprovada em investigações
anteriores pela força das evidências de relacionamento bem mais profundo entre ambos.

Nesse contexto, o que sobressai nas declarações da autora é o


reconhecimento de que, por meses, conviveu com pessoa que, sem provas nesse sentido
ou sem exagerada ingenuidade como aponta o Eminente Desembargador Spoladore
Domingues , não se irá supor que tenha se voltado ao tráfico de drogas na data em que
foi preso; nem que mantivesse essa atividade estritamente oculta do conhecimento de
sua companheira, sendo mesmo possível que a tenha apresentado a outros envolvidos.

Diante desses elementos, a Comissão de Concurso não divisou, nas


declarações da autora, nenhuma novidade em relação ao que ela inicialmente ocultou, e
depois se descobriu; nem passou a ver como a efetiva concretização de um sonho em
lugar de fato ensejador de questionamentos a sucessiva inscrição da autora, desde o
ano em que seu ex-companheiro foi preso em flagrante, em concursos da Polícia
Militar.

4. Não há falar-se, portanto, em ausência de motivos para que a autora


houvesse sido excluída do concurso ou em exclusão desarrazoada ou desproporcional.
Presume-se legítima a apreciação a que a Administração procedeu; e nada nos autos
infirma essa presunção.

Há de se recordar, ao revés, que o mérito do ato administrativo é


matéria em que ordinariamente não se há de intervir como assinala Seabra Fagundes:
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“Ao Poder Judiciário é vedado apreciar, no exercício do


controle jurisdicional, o mérito dos atos administrativos.
Cabe-lhe examiná-los, tão somente, sob o prisma da
legalidade. Este é o limite do controle quanto à extensão.
O mérito está no sentido político do ato administrativo. É
o sentido dele em função das normas da boa
administração, ou, noutras palavras, é o seu sentido como
procedimento que atende ao interesse público, e, ao
mesmo tempo, o ajusta aos interesses privados, que toda
medida administrativa tem de levar em conta. Por isso,
exprime um juízo comparativo. Compreende os aspectos,
nem sempre de fácil percepção, atinentes ao acerto, à
justiça, utilidade, equidade, razoabilidade, moralidade
etc. de cada procedimento administrativo.”1

E nada nos autos justifica ingressar no mérito da exclusão da autora do


concurso e rever a decisão da Administração assumindo-se postura oposta àquela já
expressada em dois Venerandos Acórdãos desta Egrégia Corte.

Ressalte-se que a investigação social é instrumento válido de que


dispõe a Administração Pública para aferir a conduta de quem deseja integrar os
quadros da Instituição, atendendo o princípio da eficiência, na medida em que são
selecionados os melhores candidatos para a função. Essa investigação não fere o artigo
37, inciso I, da Constituição Federal, na medida em que a missão da Polícia Militar, de
preservação da ordem pública, reclama todos os cuidados para que dela se ocupem
aqueles sobre os quais não recaia nenhuma suspeição.

A sensibilidade da Administração para os sutis aspectos encerrados no


histórico da autora não pode ser descartada em favor de estimativa que, na ótica de

1FAGUNDES. Miguel Seabra. Controle dos Atos Administrativos pelo poder judiciário. 8º edição. Rio
de Janeiro. Editora Forense. 2010. Pg. 179/180
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Merkl, não será estruturalmente distinta da avaliação administrativa, visando ambas a


dotar de conteúdo concreto normas abstratas, e enfrentando, nesse mister, vicissitudes
análogas;2 sem que se esteja diante de patente ilegalidade hipótese que inclui os juízos
de proporcionalidade e razoabilidade , não se há de interferir no ato da Administração,
infundido da compreensão, que é própria daquela, das peculiaridades de sua ação e dos
requisitos para que atenda corretamente às necessidades do bem comum mormente na
delicada tarefa de recrutar interessados em velar pela segurança pública.

Ante o exposto, portanto, voto no sentido do desprovimento do


apelo.

BANDEIRA LINS
Relator Designado

2 Posição bem exemplificada no seguinte excerto: “...el arbitrio no es una institución arbitraria del
derecho positivo, como suele interpretarse muy a menudo, ni tampoco una deficiencia inevitable de la
técnica legal, más propiamente del lenguaje legal, que, según se cree, dejaría paso al arbitrio a falta de
medios de expresión, sin[o] una necesidad fundada jurídico-teóricamente en la esencia de la
ejecución como concretización de una norma abstrata, y, a este tenor, queda excluida la consideración
del arbitrio como algo exclusivo de la administración o como algo de categoría superior al arbitrio
proprio de otras funciones”. MERKL, Adolf. Teoria General del Derecho Administrativo,
Granada:Comares, 2004, p. 184 (destaques nossos).
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Voto n. 19175
Apelação n. 1050365-86.2017.8.26.0053
Natureza: Anulação
Comarca: São Paulo
Apelante: Mayara Cardoso
Apelada: Fazenda do Estado de São Paulo
Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público
RELATOR DESEMBARGADOR JOSÉ MARIA CÂMARA JÚNIOR

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO


MEDIATO.

CONCURSO PÚBLICO. Pretensão ao cargo de soldado PM 2.ª


Classe. Reprovação na fase de investigação social. Inconsistência
da justificativa da exclusão. A motivação empregada considera a
existência de relacionamento afetivo amoroso com pessoa presa
em flagrante por tráfico de drogas e envolvido em outras
práticas criminosas. Consistência dos esclarecimentos
espontaneamente prestados pela candidata. Demonstração da
boa-fé da candidata que, embora tenha se relacionado com
terceiro preso em flagrante por tráfico de drogas e envolvido em
outras práticas criminosas, anunciou fatos que indicam que a
relação foi passageira e que não tinha ciência do perfil de seu
consorte. Relacionamento amoroso extinto após a ciência do
perfil do ex-namorado. A motivação empregada pela
Administração evidencia que não houve uma ponderação a partir
de elementos concretos colhidos em sede de investigação para
formação de juízo quanto à idoneidade do candidato. Critérios
empregados pela Administração violam os princípios basilares do
Estado de Direito, não podendo subsistir como motivo da
reprovação do candidato. Inaptidão do fato para impedir o
ingresso na carreira pretendida. Inexistência de conduta que
desabone a idoneidade do candidato. Ilegalidade do ato que
determinou a exclusão do candidato. Recurso provido neste
ponto.
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DANO MORAL. Não configuração. A proposição de fato não reúne


potencial e aptidão para determinar repercussão moralmente
danosa. A possibilidade de desclassificação é inerente à
participação do certame, notadamente nos casos em que o
concurso envolva etapa de investigação social, e este fato, por si
só, não revela potencial para imputar a quem quer que seja
qualquer pecha injuriante. Improcedência do pedido mediato
relacionado à indenização por dano moral.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Fiquei vencido pela douta maioria que negou provimento ao


recurso. Passo a declarar as razões de meu convencimento.

MAYARA CARDOSO, inconformada com a respeitável sentença


de fls. 199/201, que julgou improcedente o pedido mediato, interpôs recurso de
apelação alegando, em síntese, (i) a inexistência de relação atual com pessoas
ligadas ao tráfico de drogas; (ii) a ilegalidade da exclusão da candidata do concurso;
(iii) a demonstração da reputação ilibada da candidata.

A Fazenda apresentou suas contrarrazões (fls. 218/222), e o


recurso foi regularmente processado.

É o relatório.

A ação foi manejada por entender a autor ter direito ao amplo


e universal ingresso em cargo público, nos termos do art. 37, I e II da Constituição
Federal. Sustenta que participou do concurso para Soldado PM de 2ª Classe e que foi
excluída na fase de investigação social. Contudo, afirma que a motivação do ato
administrativo não está correta, suscitando falta de razoabilidade, pois embora
tenha se relacionado afetivamente com pessoa ligada ao tráfico de drogas, tudo se
restringiu a um breve período de relacionamento e que não mais existe na
atualidade. Postula a anulação do ato administrativo, bem como indenização por
danos morais.
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A sentença julgou improcedente o pedido mediato.

A controvérsia gravita em torno da legalidade do ato


administrativo que excluiu a candidata do certame por ocasião da fase de
investigação social.

Na contestação, a Fazenda alegou a existência de fatos que


desabonam a conduta da candidata (fls. 78/129), porque a mesma manteve relação
afetiva com pessoa presa em flagrante por tráfico de drogas e que figurava na
condição de potencial autor de outros crimes.

O boletim foi lavrado porque a apelante teria se relacionado


com indivíduo preso em flagrante por tráfico de drogas e que teve diversas outras
passagens pela polícia (lesão corporal no âmbito doméstico e porte ilegal de arma de
fogo).

Inegável que a administração pode, na esfera de


discricionariedade, selecionar o candidato que atenda o perfil desejado pela
instituição e, com isso, motivar atos administrativos que determinam a
desclassificação de candidatos.

A causa serve como pressuposto de validade do ato


administrativo e consiste no “vínculo de pertinência entre o motivo e o conteúdo do
ato” (Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 29ª ed., São
Paulo: Malheiros, 2012, p. 404). Neste sentido, é indispensável que o ato seja
acompanhado de motivação pertinente, isto é, enunciação dos motivos, com a
finalidade de verificar a observância das diretrizes constitucionais a que a
Administração está adstrita.

A motivação inibe que o Estado possa blindar suas


manifestações através do exercício de suas competências discricionárias. A ausência
de motivação caracteriza vício relevante passível de controle do Poder Judiciário.
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A fase de investigação social reserva momento relevante no


certame para se apurar fatos pontuais sobre a conduta do candidato, permitindo
reunir informações sobre a probidade de sua vida pregressa. Se houver algum fato
determinante para impedir a continuidade do candidato no certame, certamente não
será possível para o administrador furtar-se à motivação do ato que determina sua
reprovação. Aliás, a motivação é o meio pelo qual o candidato certifica a lisura do
ato que o reprovou, certificando-se da inexistência de desvio de finalidade.

Interessa saber se a proposição de fato controvertida


configura hipótese excepcional de controle jurisdicional.

Observa-se do edital a especificidade do procedimento de


investigação social, na qual o candidato fornece à Administração as informações que
demonstrem sua ilibada conduta social. Trata-se, com efeito, de ato vinculado à
aprovação do candidato nesta etapa do certame e, assim, cabe a Administração zelar
pela admissão em seus quadros de pessoas ajustadas integralmente ao perfil exigido
para o cargo, no interesse da Administração e da própria sociedade.

Não se nega que a Administração tem liberdade para


estabelecer as bases do concurso e seus critérios de julgamento, mas é também
verdade que ela não pode se distanciar dos limites impostos à sua competência
discricionária. Dentro de sua margem de discricionariedade, a Administração deve
observar os princípios inerentes à função administrativa, impostos pela Constituição
Federal. Em não havendo a devida observância, admite-se o controle jurisdicional
para corrigir o desvio e, especialmente, afastar a violação ao direito de ingresso na
carreira almejada.

Nessa esteira, é de ser reconhecida a inaptidão dos fatos


narrados pela Administração para impedir o ingresso na carreira, de modo que se
reputa ilegal o ato que determinou a exclusão do candidato do certame.
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Os documentos de fls. 157/159 são incisivos em relação à boa-


fé da candidata e revelam que, embora tenha se relacionado com pessoa presa em
flagrante por tráfico de drogas e envolvida em outras práticas criminosas, a relação
foi temporária, sem qualquer demonstração de que a candidata tivesse
conhecimento, à época do laço afetivo, dos hábitos delituosos de seu parceiro.

O relato feito pela candidata deixa bem claro que a autora já


tinha sido reprovada nessa mesma fase, pelo mesmo motivo em outros concursos.
Contudo, as informações são esclarecedoras e transmitem a sensação de boa-fé da
candidata, que não tinha ciência alguma do perfil delituoso de seu ex-namorado.

Admitida a motivação empregada pela administração, estaria


chancelada a postura írrita de que a candidata teria sido reprovada pelo
comportamento de terceiro que não mais convive em seu meio social e que não
passou de mero relacionamento afetivo temporário.

A própria autora declara que após tomar ciência do perfil


delituoso de seu consorte, colocou fim no relacionamento e passou a ser perseguida
pelo ex-namorado e por sua cunhada. Esse fato, inclusive, se coaduna com a notícia
de que houve instauração da “persecutio criminis” contra a irmã de seu ex-namorado
pelo crime de injúria.

Nesse contexto, identifica-se a excepcionalidade da situação,


não sendo possível perpetuar no tempo a repercussão experimentada pela candidata
em outro concurso, não podendo sofrer eternamente as consequências dos hábitos de
terceiro que em nada está ligado à sua atual fase da vida. Sensível aos elementos
que se extraem dos autos, entendo ser plenamente possível ser inferida a boa-fé da
autora.

O exame da idoneidade moral do investigado está atrelado ao


mérito administrativo que, em regra, não pode ser analisado pelo Poder Judiciário,
porquanto trata de conteúdo discricionário, fundamentado nos princípios da
conveniência e oportunidade.
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Acontece que os critérios empregados pela Administração


violam os princípios basilares do Estado de Direito, não podendo subsistir como
motivo da reprovação do interessado.

Por tudo o que se vê, deve ser julgado procedente o pedido


mediato de anulação do ato de desclassificação, condenando, ainda, a Fazenda a
submeter a autora às demais etapas do processo de admissão.

Outro capítulo da impugnação não merece prosperar. Não há


falar na indenização por danos morais.

Não vislumbro a existência de dano moral no caso em


epígrafe.

O artigo 37, § 6º, da CF/88 recepciona a responsabilidade civil


se houver dano provocado pelo serviço público e, para tanto, o sistema adota a
teoria do risco administrativo, que, como regra, dispensa o lesado da comprovação
da culpa da Administração para obter indenização.

Acontece que a dispensa da demonstração de culpa não retira


do Estado a possibilidade de provar que o evento danoso resulta de culpa da vítima
e, com isso, excluir sua responsabilidade, porquanto não há falar no risco integral.

A teoria do risco administrativo “não significa que a


Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo
particular; significa apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da
culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do
lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou
parcialmente da indenização” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro,
Ed. Malheiros, 29ª ed., 2004, pág. 627).
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Casos há em que a ocorrência de dano moral prescinde de


prova para determinar a responsabilidade da Administração para indenizar a vítima.
Acontece que, no caso dos autos, não é possível determinar que os fatos descritos
pela autora na petição inicial são capazes, por si, de gerar danos morais
indenizáveis. Trata-se de situação que, embora aborrecedora, não determina a
configuração “in re ipsa” de dano moral indenizável.

Sobre o tema considero relevante destacar orientação do


Superior Tribunal de Justiça, que assim anuncia: "os danos morais, a justificarem
reparação, são aqueles que surgem em decorrência de uma conduta ilícita ou
injusta, que venha a causar sentimento negativo, em qualquer pessoa de senso
comum, como vexame, constrangimento, humilhação, dor" (REsp. 628.854-ES, Rel
Min. Castro Filho, 03-05-2007, DJ 18-06-2007, p 255).

E os fatos articulados, sobre os quais não se formou


controvérsia, não se revelam suficientes para determinar a configuração de dano
moral indenizável. As circunstâncias que envolvem a repercussão experimentada pelo
ofendido não determinam a existência de significativo sentimento negativo que seja
capaz de configurar o dano moral.

A possibilidade de desclassificação é inerente à participação


do certame, notadamente nos casos em que o concurso envolva etapa de
investigação social, e este fato, por si só, não revela potencial para imputar a quem
quer que seja qualquer pecha injuriante.

A controvérsia reside em saber se quem tem ou teve contato


com pessoas envolvidas em fatos criminosos pode ou não pode ser desclassificado de
concurso público. O Poder Judiciário corrigiu o ato da Administração, mas não há
como reconhecer dano moral advindo da desclassificação.

Identifica-se a improcedência do pedido mediato atinente à


indenização por dano moral.
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O provimento em parte do recurso determina a reforma da


sentença no capítulo em que fixados os ônus da sucumbência.

Em razão da sucumbência parcial, a Fazenda reembolsará a


autor por metade de eventuais custas e despesas processuais por ele suportadas. Os
honorários advocatícios devem ser fixados com observância da norma contida no art.
86 do CPC.

A fixação da verba honorária, “in casu”, deve levar em conta


o grau de zelo do profissional; o lugar da prestação do serviço; a natureza e
importância da causa; o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o
seu serviço, conforme incisos I, II, III e IV, todos do § 2º do artigo 85 da do CPC,
vigente à época da prolação da sentença. Além disso, considerando que a Fazenda
Pública é parte na demanda, deve ser observada a norma contida no § 3º do artigo 85
do mesmo diploma legal.

Em vista disso, cada parte a pagar ao advogado da outra


honorários no importe de 10% sobre o valor da causa devidamente atualizado,
ressalvada a concessão da gratuidade da justiça à autora.

Nesse contexto, a sentença deve ser parcialmente reformada,


nos termos acima estipulados.

Em vista disso, pelo meu voto, dava parcial provimento ao


recurso.

JOSÉ MARIA CÂMARA JUNIOR


Relator
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Este documento é cópia do original que recebeu as seguintes assinaturas digitais:

Pg. inicial Pg. final Categoria Nome do assinante Confirmação


1 8 Acórdãos CARLOS OTAVIO BANDEIRA LINS B99E850
Eletrônicos
9 16 Declarações de JOSE MARIA CAMARA JUNIOR BDA0839
Votos

Para conferir o original acesse o site:


https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informando o processo
1050365-86.2017.8.26.0053 e o código de confirmação da tabela acima.

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