336 DE JANEIRO Comarca da Capital Juízo de Direito da 33ª Vara Criminal
Ofício n.º 50/2022 Rio de Janeiro, 5 de julho de 2023.
Assunto: Conflito Negativo de Competência
Ação Penal 0064593-30.2023.8.19.0001
Juízo Suscitante: JUÍZO DA 33ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - RJ Juízo Suscitado: JUÍZO DA 19ª VARA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RJ
Excelentíssima Senhora 2ª Vice-Presidente do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro,
Venho perante Vossa Excelência suscitar conflito negativo de
competência, com fulcro no artigo 105, inciso I, alínea d, da Constituição Federal e artigos 114, inciso I, e 115, inciso III, do Código de Processo Penal, pelas razões que seguem.
Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público em
desfavor dos acusados Luana Cardoso dos Santos e Roniel Cardoso dos Santos, dando-os como incursos nas penas do artigo 171 do Código Penal. A denúncia foi encaminhada pelo Ministério Público a livre distribuição, sendo distribuídos ao juízo da 19ª Vara Criminal. O referido juízo suscitado, acolhendo manifestação ministerial, entendeu que não seria competente para julgamento, destacando que já haviam sido distribuídas diversas ações penais em face dos mesmos acusados, pela prática de crimes praticados em semelhantes formas de execução, “existindo forte conexão probatória entre todos os processo”. Em conclusão, tendo sido distribuído anteriormente a este juízo, 337 inquérito policial, entendeu que seria caso de incidência do disposto no artigo 76, inciso III, do Código de Processo Penal. No entanto, em nosso entendimento, algumas peculiaridades, no caso concreto, afastam a aplicação do dispositivo invocado pelo juízo suscitante. Inicialmente, necessário destacar que os procedimentos referidos pelo juízo em sua decisão de declínio (0200357- 27.2019.8.19.0001 e 0249954-62.2019.8.19.0001), anteriormente distribuídos a este juízo, permanecem em fase de inquérito, sem que tenha sido proposta, até a presente data, a correspondente denúncia. Os referidos procedimentos consistem em inquérito instaurado para apurar delitos de estelionato supostamente praticados por Roniel Cardoso dos Santos e outros (0200357-27.2019.8.19.0001) e em medidas cautelares respectivas (0249954-62.2019.8.19.0001). Nos mencionados autos, foram deferidas medidas cautelares e, posteriormente, o Ministério Público opinou pela necessidade de realização de diligências complementares. Os referidos autos, portanto, foram encaminhados, em 24 de março de 2022, à delegacia especializada, onde permanecem até a presente data, para prosseguimento das investigações. Nesse contexto, sequer se pode concluir, com a segurança necessária, que os mencionados inquéritos formarão justa causa para a propositura de ação penal, impedindo-se que se reconheça a conexão probatória pretendida pelo juízo suscitado. Prevalecendo o referido entendimento, a ação penal encaminhada para este juízo deveria permanecer sobrestada até a conclusão do inquérito mencionado, para que se possa decidir sobre o recebimento da inicial, sob pena de se tornar inócua a pretendida conexão probatória. Destaca-se que o próprio membro do Ministério Público, mesmo ciente do curso do inquérito, direcionou a ação à livre distribuição, vislumbrando que eventual vinculação a este juízo impediria o curso da ação penal, violando-se os princípios processuais da economia e celeridade. Acrescente-se que os referidos autos são físicos, circunstância 338 que, inclusive, impede que sejam visualizados os elementos de prova produzida e seu compartilhamento. Ademais, ainda que não existissem os óbices formais apontados, a hipótese sob análise não configura conexão probatória. O juízo suscitante sequer justifica o motivo de as provas eventualmente produzidas nos autos mencionados serem necessárias e convenientes para análise dos fatos imputados nesta ação penal. Na realidade, pretende-se sustentar a reunião de processos pelo fato exclusivo de terem sido cometidos inúmeros delitos pelos mesmos agentes, contra vítimas diferentes. No entanto, não é possível, nesse momento processual, presumir eventual continuidade delitiva pela identicidade subjetiva, uma vez que não iniciada a instrução probatória. Ressalta-se, ainda, que a simples possibilidade de reconhecimento de continuidade delitiva entre os fatos imputados não é uma hipótese legal de conexão, notadamente porque pode ser reconhecida em execução. Nesse sentido, reiterado o entendimento deste Tribunal de Justiça:
“0001566-13.2022.8.19.0000 - CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Des(a). JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO - Julgamento: 26/07/2022 - SEXTA CÂMARA
CRIMINAL
CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. INTERESSADA DENUNCIADA PELO CRIME
TIPIFICADO NO ARTIGO 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO PELO JUÍZO SUSCITANTE DE QUE NÃO EXISTE QUALQUER CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE AS DIVERSAS INFRAÇÕES DE ESTELIONATO SUPOSTAMENTE PRATICADAS PELA RÉ EM FACE DE DIFERENTES VÍTIMAS. CUIDA-SE, EM VERDADE, DE DELITOS DISTINTOS, SEM QUALQUER VINCULAÇÃO PROBATÓRIA A DEMOSNTRAR A DESNECESSIDADE DE UMA RECONSTRUÇÃO UNITÁRIA DOS FATOS. JUÍZO SUSCITADO QUE ALEGA QUE, APÓS PEDIDO DA DEFESA TÉCNICA DA RÉ PUGNANDO PELO RECONHECIMENTO DA CONEXÃO PROBATÓRIA EM TODOS OS DELITOS A ELA IMPUTADOS, COM A REUNIÃO DAS DEMANDAS PARA JULGAMENTO CONJUNTO PERANTE O JUÍZO PREVENTO DA 3ª VARA CRIMINAL, COM O QUE CONCORDOU O MINISTÉRIO PÚBLICO, DECLINOU DA COMPETÊNCIA EM FAVOR DA DAQUELA VARA QUE, POR SUA VEZ, NOVAMENTE DECLINOU DA COMPETÊNCIA PARA A 2ª VARA CRIMINAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO OBJETO DO CONFLITO DO MM. JUÍZO SUSCITADO (1ª VARA CRIMINAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES). EM VERDADE SÃO TRÊS OS JUÍZOS EM CONFLITO, MUITO EMBORA, FORMALMENTE, A AUTUAÇÃO INDIQUE O CONFLITO DE JURISDIÇÃO OU COMPETÊNCIA, ENVOLVENDO O MM JUÍZO DA 2ª VARA CRIMINAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES E O DA 1ª VARA CRIMINAL DAQUELA COMARCA. A 339 HIPÓTESE VERSA SOBRE REITERAÇÃO DE CONDUTAS CRIMINOSAS OU HABITUALIDADE DE CRIMES DA MESMA ESPÉCIE, NO CASO CRIMES DE ESTELIONATO, E CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE OS VÁRIOS FATOS DELITIVOS EM APURAÇÃO POR INQUÉRITOS POLICIAIS OU JÁ OBJETO DE DENÚNCIAS. AO QUE SE DEPREENDE, PELOS ESCLARECIMENTOS DOS JUÍZOS EVOLVIDOS NO CONFLITO, JÁ HAVERIA DENÚNCIA EM FACE DA INTERESSADA SIMONE BARRETO DE OLIVEIRA POR CRIME DE ESTELIONATO PERANTE OS TRÊS JUÍZOS (1ª, 2 ª E 3 ª VARAS CRIMINAIS DE CAMPOS DOS GOYTACAZES). CONTUDO, OS AUTOS DO PRESENTE CONFLITO DE JURISDIÇÃO OU COMPETÊNCIA, FOI INSTRUÍDO, APENAS, COM CÓPIAS DA DENÚNCIA E DAS DECISÕES PROFERIDAS NO PROCESSO N.º 0019540-26.2019.8.19.0014, INEXISTINDO NOS AUTOS CÓPIAS DAS DENÚNCIAS DOS DEMAIS PROCESSOS EM TRÂMITE NAS OUTRAS VARAS, MAS HAVENDO INDICATIVO DE QUE SE TRATA DE VÍTIMAS DIFERENTES EM CADA CASO, SEM QUE SE SAIBA QUANDO, COMO E EM FACE DE QUEM FOI PRATICADO OS DEMAIS SUPOSTOS DELITOS, RESPECTIVAMENTE. SENDO ASSIM, BASTANTE PERTINENTE A AFIRMAÇÃO DO PARQUET EM ATUAÇÃO NA CORTE, NO SENTIDO DE QUE NENHUM JUIZ QUE DECLINOU DA SUA COMPETÊNCIA INDICOU QUAL A INTERFERÊNCIA DA PROVA DE UM FEITO EM OUTRO, MERECENDO SER REPRODUZIDO A MANIFESTAÇÃO, NO PONTO: "CONFORME SE EXTRAI DOS ARGUMENTOS POSTOS EM TESTILHA, A RÉ RESPONDE A VÁRIOS CRIMES DE ESTELIONATO PRATICADO CONTRA VÍTIMAS DISTINTAS, NÃO HAVENDO NAS RAZÕES DE DECLÍNIO NENHUMA LINHA JUSTIFICANDO A CONEXÃO INSTRUMENTAL CONTEMPLADA NO ART. 76, III DO CPP DOS MÚLTIPLOS CRIMES ENTRE SI, SENÃO A MESMA RÉ, REALIZANDO O MESMO TIPO PENAL, CONTRA VÍTIMAS DISTINTAS E DISSOCIADAS ENTRE SI. O OBJETIVO DA CONEXÃO INSTRUMENTAL DO ART. 76, INC. III É REUNIR PROCESSOS QUE COMPARTILHEM FATOS COMUNS ENTRE SI POR OCASIÃO DO COMETIMENTO DE UM OU MAIS CRIMES, DE MODO QUE UM INFLUENCIE NO OUTRO, E ASSIM SENDO A PROVA DE UMA INFRAÇÃO SEJA INSTRUMENTAL A DEMONSTRAR A OUTRA. NÃO SE TRATA, PORTANTO, DE MERA CONDUTA CRIMINAL REITERADA, CONTUMAZ, DO RÉU.". DIANTE DISSO, O PRÓPRIO CONFLITO SE FEZ MAL INSTRUÍDO E HÁ QUE SE PREFERIR QUANTO À COMPETÊNCIA DE UM JUÍZO CRIMINAL A SUPOSTA REITERAÇÃO DELITIVA OU HABITUAL CONDUTA CRIMINOSA DO QUE SER ANTECIPADO UM JUÍZO SUPOSTO DE CONTINUIDADE DELITIVA QUE EXIGE APROFUNDADA PROVA PARA CONSTATAR-SE A ADEQUAÇÃO NO DISPOSTO NO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL, MÁXIME QUANDO A CONTINUIDADE DELITIVA PODE SER RECONHECIDA NA FASE EXECUTÓRIA. NÃO PROVADO, MANIFESTAMENTE, INDICATIVO DE CONTINUIDADE DELITIVA, CADA JUÍZO A QUE COUBE POR REGULAR DISTRIBUIÇÃO DEVE PROSSEGUIR COM SEUS FEITOS. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO MM. JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES, ORA SUSCITADO”. Existem, ainda, notórios precedentes semelhantes, referentes à prática de pluralidade de delitos por mesmos agentes contra vítimas diferentes, tendo sempre prevalecido o entendimento pela desnecessidade de reunião (Ex: Estelionato Judiciário, Réus Fernanda Kengen Taboas e Pedro Borba Taboas).
Aparentemente, se trata de hipótese de mera habitualidade à
prática criminosa, que não tem o condão de prorrogar a competência deste juízo.
Não há fundamento para sustentar a ocorrência de conexão
probatória, uma vez que a comprovação da materialidade e autoria de cada delito singular não prescinde da oitiva do suposto lesado. 340 Dessa forma, para a comprovação e julgamento de cada prática criminosa, em separado, se afigura necessária a instrução própria, com o depoimento do respectivo lesado.
Ilustrativamente, caso adotado entendimento do juízo
suscitado, todos os delitos de roubos praticados pelos mesmos agentes, embora contra vítimas diversas e em diferentes circunstâncias de tempo, obrigatoriamente seriam submetidos a apreciação de um único juízo. A manutenção dessa tese exigiria, ainda, que todos os delitos de tráfico praticados por uma associação criminosa que exerça domínio sobre determinada região fossem submetidos à análise do mesmo juízo.
Haveria, tanto nessas hipóteses como na presente, evidente
violação ao princípio do Juiz natural.
Não se configuram, igualmente, as espécies de conexão
intersubjetiva por concurso ou por reciprocidade.
Isso porque, como já esclarecido, se trata de fatos diversos,
contra vítimas diferentes, em contexto e circunstâncias distintas, sendo a única semelhança o modus operandi dos supostos autores.
Não se encontra presente, portanto, nenhuma das hipóteses
previstas no artigo 76 do Código de Processo Penal.
A conexão é forma de modificação de competência, sendo
certo que a reunião dos processos tem por finalidade precípua a celeridade na prestação jurisdicional, bem como evitar a proliferação de decisões díspares acerca do mesmo fato.
Na hipótese apresentada, entende-se que a reunião dos feitos
acarretará efeito contrário, indo de encontro ao princípio constitucional da razoável duração do processo, preconizado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República.
Dessa forma, conclui-se que falece a este juízo competência para
processar e julgar o presente feito. Por todo o exposto, se requer seja declarado competente o Juízo 341 da 19ª Vara Criminal da Comarca da Capital para processar a ação em destaque, na medida em que inafastável sua competência.
Certo de não estar denegando o exercício da função
jurisdicional, mas obedecendo às regras de competência e, em especial, ao princípio do Juiz Natural, suscito perante V.Exa. o presente conflito negativo de competência.
Aproveito a oportunidade para manifestar a V.Exa. meus
protestos de apreço, estima e consideração.
DANIEL WERNECK COTTA
Juiz de Direito
Exma. Srª. 2ª Vice Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro Desembargadora Suely Lopes Magalhães
Assinado de forma digital por
DANIEL WERNECK DANIEL WERNECK COTTA:33056 COTTA:33056 Dados: 2023.07.05 18:35:44 -03'00'