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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO

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DE JANEIRO
Comarca da Capital
Juízo de Direito da 33ª Vara Criminal

Ofício n.º 50/2022 Rio de Janeiro, 5 de julho de 2023.

Assunto: Conflito Negativo de Competência

Ação Penal 0064593-30.2023.8.19.0001


Juízo Suscitante: JUÍZO DA 33ª VARA CRIMINAL DA
COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO -
RJ
Juízo Suscitado: JUÍZO DA 19ª VARA COMARCA DA CAPITAL
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RJ

Excelentíssima Senhora 2ª Vice-Presidente do Tribunal de


Justiça do Rio de Janeiro,

Venho perante Vossa Excelência suscitar conflito negativo de


competência, com fulcro no artigo 105, inciso I, alínea d, da
Constituição Federal e artigos 114, inciso I, e 115, inciso III, do Código
de Processo Penal, pelas razões que seguem.

Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público em


desfavor dos acusados Luana Cardoso dos Santos e Roniel Cardoso
dos Santos, dando-os como incursos nas penas do artigo 171 do
Código Penal.
A denúncia foi encaminhada pelo Ministério Público a livre
distribuição, sendo distribuídos ao juízo da 19ª Vara Criminal.
O referido juízo suscitado, acolhendo manifestação ministerial,
entendeu que não seria competente para julgamento, destacando que
já haviam sido distribuídas diversas ações penais em face dos
mesmos acusados, pela prática de crimes praticados em semelhantes
formas de execução, “existindo forte conexão probatória entre todos
os processo”.
Em conclusão, tendo sido distribuído anteriormente a este juízo,
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inquérito policial, entendeu que seria caso de incidência do disposto
no artigo 76, inciso III, do Código de Processo Penal.
No entanto, em nosso entendimento, algumas peculiaridades, no
caso concreto, afastam a aplicação do dispositivo invocado pelo juízo
suscitante.
Inicialmente, necessário destacar que os procedimentos
referidos pelo juízo em sua decisão de declínio (0200357-
27.2019.8.19.0001 e 0249954-62.2019.8.19.0001), anteriormente
distribuídos a este juízo, permanecem em fase de inquérito, sem
que tenha sido proposta, até a presente data, a correspondente
denúncia.
Os referidos procedimentos consistem em inquérito instaurado
para apurar delitos de estelionato supostamente praticados por
Roniel Cardoso dos Santos e outros (0200357-27.2019.8.19.0001) e em
medidas cautelares respectivas (0249954-62.2019.8.19.0001).
Nos mencionados autos, foram deferidas medidas cautelares e,
posteriormente, o Ministério Público opinou pela necessidade de
realização de diligências complementares.
Os referidos autos, portanto, foram encaminhados, em 24 de
março de 2022, à delegacia especializada, onde permanecem até a
presente data, para prosseguimento das investigações.
Nesse contexto, sequer se pode concluir, com a segurança
necessária, que os mencionados inquéritos formarão justa causa
para a propositura de ação penal, impedindo-se que se reconheça a
conexão probatória pretendida pelo juízo suscitado.
Prevalecendo o referido entendimento, a ação penal
encaminhada para este juízo deveria permanecer sobrestada até a
conclusão do inquérito mencionado, para que se possa decidir
sobre o recebimento da inicial, sob pena de se tornar inócua a
pretendida conexão probatória.
Destaca-se que o próprio membro do Ministério Público, mesmo
ciente do curso do inquérito, direcionou a ação à livre distribuição,
vislumbrando que eventual vinculação a este juízo impediria o curso
da ação penal, violando-se os princípios processuais da economia e
celeridade.
Acrescente-se que os referidos autos são físicos, circunstância
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que, inclusive, impede que sejam visualizados os elementos de prova
produzida e seu compartilhamento.
Ademais, ainda que não existissem os óbices formais apontados,
a hipótese sob análise não configura conexão probatória.
O juízo suscitante sequer justifica o motivo de as provas
eventualmente produzidas nos autos mencionados serem necessárias
e convenientes para análise dos fatos imputados nesta ação penal.
Na realidade, pretende-se sustentar a reunião de processos
pelo fato exclusivo de terem sido cometidos inúmeros delitos pelos
mesmos agentes, contra vítimas diferentes.
No entanto, não é possível, nesse momento processual,
presumir eventual continuidade delitiva pela identicidade
subjetiva, uma vez que não iniciada a instrução probatória.
Ressalta-se, ainda, que a simples possibilidade de
reconhecimento de continuidade delitiva entre os fatos imputados
não é uma hipótese legal de conexão, notadamente porque pode ser
reconhecida em execução.
Nesse sentido, reiterado o entendimento deste Tribunal de
Justiça:

“0001566-13.2022.8.19.0000 - CONFLITO DE JURISDIÇÃO

Des(a). JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO - Julgamento: 26/07/2022 - SEXTA CÂMARA


CRIMINAL

CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. INTERESSADA DENUNCIADA PELO CRIME


TIPIFICADO NO ARTIGO 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO PELO JUÍZO
SUSCITANTE DE QUE NÃO EXISTE QUALQUER CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE AS
DIVERSAS INFRAÇÕES DE ESTELIONATO SUPOSTAMENTE PRATICADAS PELA RÉ EM
FACE DE DIFERENTES VÍTIMAS. CUIDA-SE, EM VERDADE, DE DELITOS DISTINTOS, SEM
QUALQUER VINCULAÇÃO PROBATÓRIA A DEMOSNTRAR A DESNECESSIDADE DE
UMA RECONSTRUÇÃO UNITÁRIA DOS FATOS. JUÍZO SUSCITADO QUE ALEGA QUE,
APÓS PEDIDO DA DEFESA TÉCNICA DA RÉ PUGNANDO PELO RECONHECIMENTO
DA CONEXÃO PROBATÓRIA EM TODOS OS DELITOS A ELA IMPUTADOS, COM A
REUNIÃO DAS DEMANDAS PARA JULGAMENTO CONJUNTO PERANTE O JUÍZO
PREVENTO DA 3ª VARA CRIMINAL, COM O QUE CONCORDOU O MINISTÉRIO PÚBLICO,
DECLINOU DA COMPETÊNCIA EM FAVOR DA DAQUELA VARA QUE, POR SUA VEZ,
NOVAMENTE DECLINOU DA COMPETÊNCIA PARA A 2ª VARA CRIMINAL DE CAMPOS
DOS GOYTACAZES. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E
JULGAR O FEITO OBJETO DO CONFLITO DO MM. JUÍZO SUSCITADO (1ª VARA CRIMINAL
DE CAMPOS DOS GOYTACAZES). EM VERDADE SÃO TRÊS OS JUÍZOS EM CONFLITO,
MUITO EMBORA, FORMALMENTE, A AUTUAÇÃO INDIQUE O CONFLITO DE
JURISDIÇÃO OU COMPETÊNCIA, ENVOLVENDO O MM JUÍZO DA 2ª VARA CRIMINAL DE
CAMPOS DOS GOYTACAZES E O DA 1ª VARA CRIMINAL DAQUELA COMARCA. A 339
HIPÓTESE VERSA SOBRE REITERAÇÃO DE CONDUTAS CRIMINOSAS OU
HABITUALIDADE DE CRIMES DA MESMA ESPÉCIE, NO CASO CRIMES DE ESTELIONATO,
E CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE OS VÁRIOS FATOS DELITIVOS EM APURAÇÃO
POR INQUÉRITOS POLICIAIS OU JÁ OBJETO DE DENÚNCIAS. AO QUE SE DEPREENDE,
PELOS ESCLARECIMENTOS DOS JUÍZOS EVOLVIDOS NO CONFLITO, JÁ HAVERIA
DENÚNCIA EM FACE DA INTERESSADA SIMONE BARRETO DE OLIVEIRA POR CRIME
DE ESTELIONATO PERANTE OS TRÊS JUÍZOS (1ª, 2 ª E 3 ª VARAS CRIMINAIS DE CAMPOS
DOS GOYTACAZES). CONTUDO, OS AUTOS DO PRESENTE CONFLITO DE JURISDIÇÃO
OU COMPETÊNCIA, FOI INSTRUÍDO, APENAS, COM CÓPIAS DA DENÚNCIA E DAS
DECISÕES PROFERIDAS NO PROCESSO N.º 0019540-26.2019.8.19.0014, INEXISTINDO NOS
AUTOS CÓPIAS DAS DENÚNCIAS DOS DEMAIS PROCESSOS EM TRÂMITE NAS OUTRAS
VARAS, MAS HAVENDO INDICATIVO DE QUE SE TRATA DE VÍTIMAS DIFERENTES EM
CADA CASO, SEM QUE SE SAIBA QUANDO, COMO E EM FACE DE QUEM FOI
PRATICADO OS DEMAIS SUPOSTOS DELITOS, RESPECTIVAMENTE. SENDO ASSIM,
BASTANTE PERTINENTE A AFIRMAÇÃO DO PARQUET EM ATUAÇÃO NA CORTE, NO
SENTIDO DE QUE NENHUM JUIZ QUE DECLINOU DA SUA COMPETÊNCIA INDICOU
QUAL A INTERFERÊNCIA DA PROVA DE UM FEITO EM OUTRO, MERECENDO SER
REPRODUZIDO A MANIFESTAÇÃO, NO PONTO: "CONFORME SE EXTRAI DOS
ARGUMENTOS POSTOS EM TESTILHA, A RÉ RESPONDE A VÁRIOS CRIMES
DE ESTELIONATO PRATICADO CONTRA VÍTIMAS DISTINTAS, NÃO HAVENDO NAS
RAZÕES DE DECLÍNIO NENHUMA LINHA JUSTIFICANDO
A CONEXÃO INSTRUMENTAL CONTEMPLADA NO ART. 76, III DO CPP DOS MÚLTIPLOS
CRIMES ENTRE SI, SENÃO A MESMA RÉ, REALIZANDO O MESMO TIPO PENAL, CONTRA
VÍTIMAS DISTINTAS E DISSOCIADAS ENTRE SI. O OBJETIVO
DA CONEXÃO INSTRUMENTAL DO ART. 76, INC. III É REUNIR PROCESSOS QUE
COMPARTILHEM FATOS COMUNS ENTRE SI POR OCASIÃO DO COMETIMENTO DE UM
OU MAIS CRIMES, DE MODO QUE UM INFLUENCIE NO OUTRO, E ASSIM SENDO A
PROVA DE UMA INFRAÇÃO SEJA INSTRUMENTAL A DEMONSTRAR A OUTRA. NÃO SE
TRATA, PORTANTO, DE MERA CONDUTA CRIMINAL REITERADA, CONTUMAZ, DO
RÉU.". DIANTE DISSO, O PRÓPRIO CONFLITO SE FEZ MAL INSTRUÍDO E HÁ QUE SE
PREFERIR QUANTO À COMPETÊNCIA DE UM JUÍZO CRIMINAL A SUPOSTA
REITERAÇÃO DELITIVA OU HABITUAL CONDUTA CRIMINOSA DO QUE SER
ANTECIPADO UM JUÍZO SUPOSTO DE CONTINUIDADE DELITIVA QUE EXIGE
APROFUNDADA PROVA PARA CONSTATAR-SE A ADEQUAÇÃO NO DISPOSTO NO ART.
71 DO CÓDIGO PENAL, MÁXIME QUANDO A CONTINUIDADE DELITIVA PODE SER
RECONHECIDA NA FASE EXECUTÓRIA. NÃO PROVADO, MANIFESTAMENTE,
INDICATIVO DE CONTINUIDADE DELITIVA, CADA JUÍZO A QUE COUBE POR REGULAR
DISTRIBUIÇÃO DEVE PROSSEGUIR COM SEUS FEITOS. RECONHECIMENTO DA
COMPETÊNCIA DO MM. JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DE CAMPOS DOS
GOYTACAZES, ORA SUSCITADO”.
Existem, ainda, notórios precedentes semelhantes, referentes
à prática de pluralidade de delitos por mesmos agentes contra vítimas
diferentes, tendo sempre prevalecido o entendimento pela
desnecessidade de reunião (Ex: Estelionato Judiciário, Réus Fernanda
Kengen Taboas e Pedro Borba Taboas).

Aparentemente, se trata de hipótese de mera habitualidade à


prática criminosa, que não tem o condão de prorrogar a competência
deste juízo.

Não há fundamento para sustentar a ocorrência de conexão


probatória, uma vez que a comprovação da materialidade e autoria
de cada delito singular não prescinde da oitiva do suposto lesado.
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Dessa forma, para a comprovação e julgamento de cada prática
criminosa, em separado, se afigura necessária a instrução própria,
com o depoimento do respectivo lesado.

Ilustrativamente, caso adotado entendimento do juízo


suscitado, todos os delitos de roubos praticados pelos mesmos
agentes, embora contra vítimas diversas e em diferentes
circunstâncias de tempo, obrigatoriamente seriam submetidos a
apreciação de um único juízo. A manutenção dessa tese exigiria,
ainda, que todos os delitos de tráfico praticados por uma associação
criminosa que exerça domínio sobre determinada região fossem
submetidos à análise do mesmo juízo.

Haveria, tanto nessas hipóteses como na presente, evidente


violação ao princípio do Juiz natural.

Não se configuram, igualmente, as espécies de conexão


intersubjetiva por concurso ou por reciprocidade.

Isso porque, como já esclarecido, se trata de fatos diversos,


contra vítimas diferentes, em contexto e circunstâncias distintas,
sendo a única semelhança o modus operandi dos supostos autores.

Não se encontra presente, portanto, nenhuma das hipóteses


previstas no artigo 76 do Código de Processo Penal.

A conexão é forma de modificação de competência, sendo


certo que a reunião dos processos tem por finalidade precípua a
celeridade na prestação jurisdicional, bem como evitar a
proliferação de decisões díspares acerca do mesmo fato.

Na hipótese apresentada, entende-se que a reunião dos feitos


acarretará efeito contrário, indo de encontro ao princípio
constitucional da razoável duração do processo, preconizado no
artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República.

Dessa forma, conclui-se que falece a este juízo competência para


processar e julgar o presente feito.
Por todo o exposto, se requer seja declarado competente o Juízo
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da 19ª Vara Criminal da Comarca da Capital para processar a ação
em destaque, na medida em que inafastável sua competência.

Certo de não estar denegando o exercício da função


jurisdicional, mas obedecendo às regras de competência e, em
especial, ao princípio do Juiz Natural, suscito perante V.Exa. o
presente conflito negativo de competência.

Aproveito a oportunidade para manifestar a V.Exa. meus


protestos de apreço, estima e consideração.

DANIEL WERNECK COTTA


Juiz de Direito

Exma. Srª. 2ª Vice Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio


de Janeiro
Desembargadora Suely Lopes Magalhães

Assinado de forma digital por


DANIEL WERNECK DANIEL WERNECK COTTA:33056
COTTA:33056 Dados: 2023.07.05 18:35:44
-03'00'

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