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15ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA

EXMO. (A) SR. (A) DR. (A) JUIZ (A) DA 1ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA
COMARCA DE TERESINA/PIAUÍ,

PROCESSO Nº 0804216-92.2022.8.18.0140
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ – 15ª PROMOTORIA DO JÚRI
ACUSADOS: JOÃO PAULO DE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES, FRANCISCO
DAS CHAGAS SOUSA, GUILHERME DE CARVALHO GONÇALVES SOUSA
VÍTIMAS: LUIAN RIBEIRO DE OLIVEIRA e ANAEL NATAN COLINS SOUZA DA SILVA

MEMORIAIS

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, por intermédio do Promotor de


Justiça subscrito, titular da 15ª Promotoria de Justiça do Tribunal Popular do Júri, vem à presença
de Vossa Excelência, nos autos da ação penal de nº 0804216-92.2022.8.18.0140, apresentar M E
M O R I A I S, em substituição aos debates orais, nos moldes dos arts. 411 e 403, § 3º, todos do
Código de Processo Penal, este último aplicável analogicamente ao rito do Júri, argumentando para
tanto o seguinte:

I – DA DENÚNCIA
Em resumo, JOÃO PAULO DE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES,
FRANCISCO DAS CHAGAS SOUSA e GUILHERME DE CARVALHO GONÇALVES
SOUSA foram denunciados por esse Órgão Ministerial em 21.02.2022, em virtude da prática –
entre a noite de 12.11.2021 e a madrugada de 13.11.2021 – dos crimes de: DUPLO HOMICÍDIO
QUALIFICADO, tipificado no art. 121, §2º, incisos I (motivo torpe), III (tortura/meio cruel) e IV
(recurso que impossibilitou a defesa do ofendido), do Código Penal; em concurso material (art. 69
do Código Penal) com os crimes de DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO DE
CADÁVER, na modalidade ocultação, previsto no art. 211 do Código Penal; e SEQUESTRO E
CÁRCERE PRIVADO QUALIFICADO, previsto no art. 148, §1º, inciso IV (praticado contra
menores de 18 anos), também do Código Penal, contra as vítimas LUIAN RIBEIRO DE
OLIVEIRA e ANAEL NATAN COLINS SOUZA DA SILVA, sob as diretrizes da Lei nº 8.072/90
(Lei dos Crimes Hediondos).

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II – DO PROCESSO
Aos 15 (quinze) dias do mês de novembro de 2021, por volta das 16h, na estrada vici-
nal do Povoado Anajá, em um terreno de mata densa, vizinho à chácara do professor Inácio, Zona
Rural Leste, nesta capital, os menores LUIAN RIBEIRO DE OLIVEIRA e ANAEL NATAN
COLINS SOUZA DA SILVA foram encontrados mortos e em estado de putrefação avançado (ID:
24007426 - Págs. 9/15 e 24007428 - Págs. 1/5 – Recognição Visuográfica de Local de Morte Vio-
lenta), vítimas de disparos de arma de fogo, conforme se infere dos Laudos de Exames Periciais –
Cadavéricos acostados aos autos (ID: 24007428 - Págs. 14/16 e Num. 24007429 - Págs. 01/12).
Ab initio, as investigações se processaram nos autos da cautelar n° 0842206-
54.2021.2021.8.18.0140 (apartados). Objetivando o andamento das investigações e a elucidação
fática do delito foi determinada ordem de busca e apreensão (Decisão inserta no ID: 22943126)
nos seguintes endereços:
1. Av. Senador Candido Ferraz nº 1770, Apt. 501, bairro Jóquei, Teresina-PI;
2. Rua Herculândia nº 3331, bairro Planalto Uruguai, Teresina-PI;
3. Residencial Nova Alegria, Quadra AO, Casa 01, bairro Santo Antônio, Teresina-
PI;
4. Av. João XXIII, 7237 - Gurupi, Teresina - PI, 64049-010 - Ibiza Pub, essa com
a autorização de apreensão do veículo CAMINHONETE MMC L200 TRITON PRATA,
PLACA OUB-9973, da arma de fogo GLOCK G28 SINARM 201400842937500, ou
outra encontrada, bem como dos veículos tipo sedan claro (TOYOTA COROLLA e/ou
HONDA CIVIC).

Sucessivamente, ainda nos autos da referida cautelar, determinou-se a Prisão


Temporária do acusado JOÃO PAULO DE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES (ID:
23414667).
Efetivado o cárcere temporário de JOÃO PAULO e concluídas as buscas e apreensões
anteriormente mencionadas, os acusados JOÃO PAULO DE CARVALHO GONÇALVES
RODRIGUES, FRANCISCO DAS CHAGAS SOUSA e GUILHERME DE CARVALHO
GONÇALVES SOUSA, quando ouvidos pela autoridade policial, apresentaram versões
inverossímeis acerca das execuções dos menores, visando, notadamente, o embaraço da instrução
processual.
Desta feita, em 07/02/2022, foi decretada a prisão preventiva dos acusados.
Devidamente instaurado, o processo seguiu seu curso normal, sendo a Denúncia
recebida, em todos seus termos, na data de 03.03.2022.

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Já em 24.03.2022, por meio de advogado particular, os acusados apresentaram resposta


à acusação. Em sede de preliminar, arguiu-se a rejeição da denúncia em favor de FRANCISCO
DAS CHAGAS SOUSA, diante da ausência de justa causa, além da revogação das prisões
preventivas decretadas em desfavor dos três denunciados.
Paralelamente, a Defesa de FRANCISCO DAS CHAGAS SOUSA requereu a
substituição da cautelar preventiva do acusado em prisão domiciliar, alegando severas
complicações de saúde enfrentadas pelo acusado (ID: 26367270).
Em 26/04/2022, Vossa Excelência converteu a prisão preventiva de FRANCISCO DAS
CHAGAS em prisão domiciliar. Ainda na mesma decisão, manteve a custódia preventiva dos
acusados JOÃO PAULO DE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES e GUILHERME DE
CARVALHO GONÇALVES SOUSA.
Ato contínuo, nos dias 04 e 05 de agosto de 2022, durante as audiências de instrução e
julgamento, ocorreram as oitivas dos informantes: MARIA DO SOCORRO DE CARVALHO
GONÇALVES; MARCELLE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES FREITAS;
AMAURI MENDES FREITAS; AILTON PEREIRA DA SILVA; MARIA DA CRUZ
RIBEIRO PACHECO; LUCIANO LUIZ DE OLIVEIRA; LUCIVALDO LUIZ DE
OLIVEIRA; CLODOALDO BALDEZ ROCHA JÚNIOR; MARCOS VINÍCIUS
FERREIRA VILAÇO; EYCK GABRIEL NASCIMENTO DA SILVA e TAWAN FERREIRA
BARROS (menores – ouvidos em regime especial); bem assim das testemunhas arroladas pelo
MP/Defesa: MARIA LAYLA DE MACEDO COSTA; ISRAEL ALVES DE SOUSA;
MARCELO DE SOUSA ALVES e EULÁLIO NONATO DA COSTA FILHO. Por fim,
realizaram-se os interrogatórios dos acusados JOÃO PAULO DE CARVALHO GONÇALVES
RODRIGUES e GUILHERME DE CARVALHO GONÇALVES SOUSA.
Noutro giro, FRANCISCO DAS CHAGAS SOUSA, após ser intimado, reservou-se
ao direito de permanecer em silêncio, não comparecendo a qualquer das audiências de instrução.
Durante a instrução processual, restou comprovado o alegado pelo Ministério Público
na exordial. Afirma-se isso pois houve confissão de dois acusados, quais sejam JOÃO PAULO
DE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES e GUILHERME DE CARVALHO
GONÇALVES SOUSA.

III – DA APLICAÇÃO DA LEI


Caracteriza-se, no caso, os crimes de Duplo Homicídio Qualificado, tipificado no art.
121, §2º, incisos I (motivo torpe), III (tortura/meio cruel) e IV (recurso que impossibilitou a defesa

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do ofendido), em concurso material (art. 69 do Código Penal) com os crimes de Destruição,


Subtração ou Ocultação de Cadáver, na modalidade ocultação, tipificado no art. 211.
Há indícios de que se trata de crime doloso contra a vida (além de delitos conexos),
pois JOÃO PAULO DE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES, FRANCISCO DAS
CHAGAS SOUSA e GUILHERME DE CARVALHO GONÇALVES SOUSA agiram com
animus necandi, ou seja, a intenção de ceifar a vida das vítimas em tela.
Em tempo, constatou-se que, na noite de 12.11.2021, LUIAN RIBEIRO DE
OLIVEIRA e ANAEL NATAN COLINS SOUZA DA SILVA saíram de casa em uma
motocicleta HONDA 150, TITAN, PLACA LVE 7815 (a motocicleta estava com o pedal solto),
com destino ao “Bar Skina do Caranguejo”, para comemorar o aniversário de uma amiga dos
adolescentes de nome RAFAELA.
De acordo com a linha de tempo do Google Maps – compartilhada pelos aparelhos
celulares de ANAEL (ocultado) e sua genitora, conforme ID: 24007432 (Págs. 1/16) – as vítimas
chegaram às 19h46min no estabelecimento “Bar Skina do Caranguejo”, deixando-o às 23h43min,
informação essa, corroborada, em uníssono, no depoimento das testemunhas/informantes
MARCELO DE SOUSA ALVES, MARCOS VINÍCIUS FERREIRA VILAÇO e EYCK
GABRIEL NASCIMENTO DA SILVA (os dois últimos menores).
MARCELO DE SOUSA ALVES narrou ter encontrado as duas vítimas no local
supracitado, onde estavam a comemorar o aniversário de uma amiga. Logo mais, resolveram sair
do estabelecimento e conduziram-se ao “Bar Diretoria”, momento em que ANAEL decidiu ir ver
seu pai, o Sr. AILTON PEREIRA DA SILVA, que se encontrava no “Bar Rei do Malte”.
Na espera das vítimas, a testemunha e os adolescentes MARCOS VINÍCIUS
FERREIRA VILAÇO e EYCK GABRIEL NASCIMENTO DA SILVA, aguardaram o retorno
de LUIAN e ANAEL em um local próximo.
AILTON PEREIRA DA SILVA, pai de ANAEL, no decorrer da instrução, confirmou
que, naquela noite, estava no “Bar Rei do Malte”. Ressaltou que seu filho foi ao seu encontro,
instante em que o entregou a quantia de R$ 10,00 (dez reais) ou R$ 20,00 (vinte reais), chegando a
pedir que o filho retornasse para casa cedo, pois já era por volta de 00h (meia-noite).
Ato contínuo, ANAEL e LUIAN retornaram ao encontro dos amigos e, em seguida, se
dirigiram ao “Bar Depósito Mais”, aportando nesse às 00h15min, local onde ingeriram bebida
alcoólica até 01h58min (os horários citados em específico são referentes ao constante na linha de
tempo do Google Maps – compartilhada pelo aparelho celular de ANAEL).
Nesse cenário, por volta das 02h da manhã de 13.11.2021, os 05 adolescentes
decidiram ir embora, ínterim em que o grupo se deslocou, inicialmente, até a residência de EYCK

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GABRIEL, deixando-o em seu lar. Em seguida, dirigiram-se a rua da casa de ANAEL, momento
em que se separaram, ao passo que MARCELO DE SOUSA ALVES e MARCOS VINÍCIUS
FERREIRA VILAÇO foram para suas casas, sendo a última vez que viram as vítimas.
Estima-se que as vítimas, agora em dupla, encaminharam-se até uma festa que
acontecia no “BAR IBIZA DRINKS E EVENTOS”, localizado na Avenida João XXIII, nº 7237,
chegando ao local às 02h56min, sendo recepcionados por ISRAEL ALVES DE SOUSA,
segurança do local.
ISRAEL ALVES DE SOUSA, relatou que, por conta do horário (já ultrapassava as
02h da manhã) a bilheteria do evento estava fechada, e teve que chamar MARIA LAYLA DE
MACEDO COSTA (esposa do responsável pelo evento) para atender os meninos.
Ouvida, MARIA LAYLA afirmou que atendeu LUIAN, ocasião em que o menor
declarou fazer parte da lista de convidados de “MAGO”. Entretanto, a testemunha assentou que
não conhecia “MAGO”, pessoa indicada por LUIAN como convidante. Historiou, ainda, ter
oportunizado a entrada da vítima na festa mediante o pagamento de R$ 70,00 (setenta reais),
referente ao valor do ingresso.
Retomando o depoimento de ISRAEL, vê-se que LUIAN, sem dinheiro para comprar
os ingressos, se retirou do local, ocasião em que o segurança fechou o portão. O depoente também
grifou que LUIAN estava com um pedal da motocicleta em uma das mãos e, passados alguns
minutos, ouviu um barulho de confusão que imergia do terreno ao lado (residência de
FRANCISCO), mas, em razão do som alto da festa, não soube dizer do que se tratava.
LUIAN e ANAEL, visando ingressar na festa de modo clandestino, decidiram
percorrer a lateral do muro do estabelecimento (adentrando ao enorme terreno vizinho) para, na
parte menos vigiada, transpassar para a estabelecimento onde ocorria a festa, todavia, durante essa
travessia, foram interceptados por FRANCISCO.
FRANCISCO, ainda em sede inquisitorial, disse que estava dentro de casa quando
ouviu seu cachorro latir e percebeu uma movimentação suspeita. Foi então que se dirigiu para a
parte externa de casa, deparando-se com a presença dos dois meninos e, com o auxílio do seu filho
GUILHERME, dominou os menores.
Em razão das várias versões apresentadas pelos acusados, não foi possível confirmar
se, no momento supradito, FRANCISCO ou GUILHERME faziam uso de arma de fogo,
havendo apenas indicativos apontando que GUILHERME blefou ao gritar que estava armado,
obrigando os menores a se renderem e se deitarem no chão.
JOÃO PAULO, em seu primeiro depoimento, também na fase inquisitiva, disse ter
recebido – na madrugada de 13.11.2021, por volta das 02h – uma ligação de sua tia/madrinha

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MARIA DO SOCORRO DE CARVALHO GONÇALVES, requerendo ajuda, pois, dois


indivíduos haviam invadido sua residência.
Mister destacar que, em suas primeiras declarações JOÃO PAULO, GUILHERME e
FRANCISCO – visando impedir a elucidação dos fatos, ludibriar a justiça e esquivarem-se da
responsabilidade penal, precisamente quando da prisão temporária de JOÃO PAULO –
apresentaram uma versão utópica dos fatos, onde FRANCISCO seria o único autor do delito.
Na data de 05.08.2022, agora em audiência de instrução e julgamento, JOÃO PAULO
e GUILHERME prestaram informações, mais uma vez, contraditórias. Todavia, assumiram a
autoria do delito, respondendo positivamente à acusação que lhes é feita.
Certo é que, do todo apurado, resta patente a conclusão por homicídio perpetrado
visando disciplinar as vítimas, na forma de vingança privada, pois os adolescentes haviam
adentrado ao terreno de FRANCISCO, ao passo que afirmavam, quando eram agredidos, que a
ação dos acusados não ficaria impune.
Dessa forma, considerando as regiões corpóreas atingidas (nuca), a gravidade das
lesões (traumatismo cranioencefálico), bem como a forma de execução do delito (concurso de
pessoas, disparo de arma de fogo, recurso que impossibilitou a defesa, motivação torpe e ocultação
de cadáver) e o meio empregado (arma de fogo), vislumbra-se que os ora denunciados agiram
com a vontade livre e consciente de tirarem as vidas das vítimas.
Por óbvio, uma vez que os acusados, mediante diversas ações, incidiram em várias
condutas típicas, resta configurado o concurso material (art. 69 do CPB) entre os crimes de
DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO; DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO
DE CADÁVER.
Em sentido oposto, não se configura, no caso, nenhuma excludente de ilicitude que
possa resultar em eventual impronúncia de JOÃO PAULO, FRANCISCO e GUILHERME.
Em sede de conclusão, encontram-se presentes os indícios suficientes de autoria e prova
da materialidade delitiva, consubstanciados nos depoimentos de testemunhas, na confissão dos
acusados, além da Recognição Visuográfica de Local de Morte Violenta (ID: 24007426 - Págs.
9/15 e 24007428 - Págs. 1/5), dos Laudos de Exames Periciais – Cadavéricos (ID: 24007428 -
Págs. 14/16 e Num. 24007429 - Págs. 01/12), Achado de Cadáveres (ID: 24007416 - Pág. 09/12),
Relatório de Investigação Policial (ID: 24007432 - Pág. 01/16), Imagens da Placa do Veículo
Transitando na PI-112 (ID. 24007434 - Pág. 01/05), Relatório de Ordem de Missão Complementar
(ID: 24007440), Ocorrência Policial (ID: 24007696 - Pág. 07/14) e Relatório de Investigação do
Processo nº 0803942- 31.2022.8.18.0140 (ID: 23982237) e Cumprimento de Cautelares nos autos
do Processo nº 0803942-31.2022.8.18.0140 (ID: 24307655 - Pág. 01/08).

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IV. I – Do motivo torpe


No tocante à incidência da qualificadora da torpeza, conforme já alinhavado, restou
comprovada, especialmente pela confissão, que o crime se deu em contexto de vingança, quando
os acusados, tendendo a fazer “justiça” com as próprias mãos, perpetraram na prática de duplo
homicídio, visando assim, disciplinar as vítimas.
Segundo o jurista Júlio Fabrini Mirabete, em sua obra Código Penal Interpretado,
motivação torpe é: “(...) aquela repugnante, ignóbil, desprezível, profundamente imoral (...)”.
(MIRABETE, Júlio Fabrini. Código penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p.650).
Em um apanhado histórico, ROBERT GRAVES, citado por ROGÉRIO SANCHES
(Manual de Direito Penal. vol. úni. parte especial. 13ª ed. Salvador: Juspodivm. 2021. p. 59),
relembra a origem do homicídio cometido por vingança, ressaltando a punição, aplicada por
Teseu, a bandidos viajantes, senão vejamos:

O homicídio cometido por vingança é também chamado de


homicídio teseuniano, originado do mitológico Teseu, que, na rota
costeira que ligava Trezena a Atenas, se vingava de bandidos
aplicando-lhes punições proporcionais aos atos por eles
cometidos: “Quando chegou a Coridalo, na Ática, Teseu matou
Polipêmon, pai de Sínis, apelidado de Procusto, que vivia às margens
da estrada e tinha duas camas em casa, uma pequena e outra grande.
Ao hospedar os viajantes que por ali passavam, ele colocava os
homens baixos na cama grande e os torturava estirando-os até que se
ajustassem ao tamanho do leito; e os homens altos ele colocava na
cama pequena, cortando-lhes a parte das pernas que não coubesse na
cama. Há quem afirme, contudo, que ele tinha uma só cama, portanto
estirava ou amputava seus hóspedes para que nela se encaixassem.
De qualquer modo, Teseu fê-lo sentir na pele o sofrimento infligido
aos outros” (Graves, Robert. Os mitos gregos. Vol. 1. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2018, p. 490)

Em que pese a discussão doutrinária e jurisprudência, prevalece que a vingança pode


configurar motivo torpe, a ser sopesada pelo Conselho de Sentença, como bem aponta o STJ,
reverberando decisão do STF, in verbis:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍ-


DIO QUALIFICADO. MOTIVO TORPE. VINGANÇA. VERI-
FICAÇÃO. DECISÃO DOS JURADOS. SOBERANIA. LIMITES
DE APRECIAÇÃO NA VIA ELEITA I - A verificação se a vingan-
ça constitui ou não motivo torpe deve ser feita com base nas pe-
culiaridades de cada caso concreto, de modo que, não se pode esta-
belecer um juízo a priori, seja positivo ou negativo. Conforme res-
saltou o Pretório Excelso: a vingança, por si só, não substantiva o
motivo torpe; a sua afirmativa, contudo, não basta para elidir a impu-
tação de torpeza do motivo do crime, que há de ser aferida à luz do

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contexto do fato."(HC 83.309/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda


Pertence, DJ de 06/02/2004). II - Dessarte, não há como, na via elei-
ta, concluir se a vingança narrada na denúncia, e submetida a apreci-
ação dos jurados, traduziria hipótese de configuração do motivo tor-
pe, eis que, para tanto, seria indispensável o reexame aprofundado
do material fático-probatório, incompatível com o rito do habeas cor-
pus (Precedente). Ordem denegada (STJ - HC: 80107 SP
2007/0069349-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julga-
mento: 08/11/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ
25.02.2008 p. 339)

Dito assim, os autos apontam que os acusados resolveram ceifar a vida das vítimas
como forma de discipliná-las, a fim de que não mais invadissem a propriedade de FRANCISCO,
bem assim evitar represálias dos familiares daquelas, fugindo ao mero conceito de vingança e
alcançando desproporção na conduta e repugnância moral, sobretudo quando sopesado que dois
dos três acusados eram advogados.

IV. II – Da crueldade/tortura
A presença da qualificadora de crueldade dispensa maiores esclarecimentos, haja vista
a notoriedade das ações empreendidas pelos acusados, comprovadas no exame pericial cadavérico,
que explicitam a gravidade das lesões sofridas pelos adolescentes, o que corrobora com a confissão
de JOÃO PAULO DE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES, afirmando que os menores
foram agredidos pelo seu primo GUILHERME DE CARVALHO GONÇALVES SOUSA. Além,
de disparos na cabeça das vítimas (na nuca).
Descrita essa situação, indubitável asseverar ainda que a exclusão de qualificadoras da
conduta criminal só pode ocorrer quando essas forem manifestamente improcedentes, o que não é
o caso. Dessa forma, cabe apenas ao Conselho de Sentença, juiz natural da causa, decidir sobre a
ocorrência ou não dessas circunstâncias típicas. Senão vejamos o entendimento do Tribunal de
Justiça do estado de Minas Gerais:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO


QUALIFICADO CONSUMADO - PRELIMINARES -
CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL NA DECISÃO DE
PRONÚNCIA - IMPERIOSIDADE - PREFACIAL ACOLHIDA. (...)
MÉRITO -DECOTE DE QUALIFICADORA-
INADMISSIBILIDADE - SÚMULA N.º 64 DO TJMG. RECURSO
NÃO PROVIDO. Devem ser mantidas as qualificadoras descritas
na denúncia quando estas não se apresentarem manifestamente
improcedentes, consoante entendimento já sumulado por este
Egrégio Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 64, que dispõe:
“Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão

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pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase de


pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes”. (TJ-MG
- Rec em Sentido Estrito: 10433200095746001 Montes Claros,
Relator: Rubens Gabriel Soares, Data de Julgamento: 09/11/2021,
Câmaras Criminais / 6ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação:
12/11/2021)

IV. III – Do recurso que dificulta ou torna impossível a defesa do ofendido


No tocante à incidência da qualificadora de recurso que tornou impossível a defesa
dos ofendidos, esta restou comprovada, pois, é evidente que o crime foi cometido quando as
vítimas estavam totalmente desarmadas e imobilizadas (com as mãos amarradas nas costas) sendo
executadas com disparos na nuca (pelas costas).
Os autores Alberto Silva Franco e Rui Stoco, em obra intitulada Código Penal e sua
Interpretação Doutrina e Jurisprudência assim se manifestam acerca do tema:

“O inciso IV cuida dos modos de execução. São reprováveis,


merecendo punição agravada, porque revelam insídia ou
impedem ou dificultam a defesa da vítima (...)”. (FRANCO,
Alberto Silva; STOCO Rui (coord.). Código penal e sua
interpretação: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais. 2007. p. 632)

IV. IV – Dos demais crimes


Confirma-se a ocorrência do concurso material (art. 69 do CPB) entre os crimes de
DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO e DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU
OCULTAÇÃO DE CADÁVER.
Por sua vez, após a instrução processual, restou comprovado que o crime de Sequestro
e Cárcere Privado Qualificado, previsto no art. 148, §1º, inciso IV (praticado contra menores de 18
anos) todos do Código Penal, não restou caracterizado, vez que o sequestro é a forma geral dessa
espécie punível, da qual o cárcere privado é um modo particular da execução, que se distingue
porque nele a detenção da vítima se faz em recinto fechado, donde não lhe é permitido sair.
In casu, aplicável o princípio da consunção para absorção dos crimes de Sequestro e
Cárcere Privado Qualificado, previsto no art. 148, §1º, inciso IV, do CP, uma vez que aquele serviu
de meio para a realização do delito-fim, que é o duplo homicídio qualificado.

VII – DO PEDIDO
Ao teor do exposto, estando caracterizado os crimes de DUPLO HOMICÍDIO
QUALIFICADO tipificado no art. 121, §2º, incisos I, III e IV do Código Penal, em CONCURSO

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MATERIAL (art. 69 do Código Penal) com os crimes de DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU


OCULTAÇÃO DE CADÁVER, na modalidade ocultação, previsto no art. 211 do Código Penal,
como presentante do Ministério Público, REQUEIRO a PRONÚNCIA dos acusados JOÃO
PAULO DE CARVALHO GONÇALVES RODRIGUES, FRANCISCO DAS CHAGAS
SOUSA e GUILHERME DE CARVALHO GONÇALVES, nos termos dos crimes em comento,
a fim de que se submeta a julgamento pelo Egrégio Tribunal Popular do Júri.
Termos em que PEÇO e ESPERO Deferimento.

Teresina-PI, 18 de agosto de 2022.

REGIS DE MOARES MARINHO


Promotor de Justiça

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