RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 192882 - ES (2024/0020620-6)
RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA
RECORRENTE : IGOR VICENTINI GIACOMIN ADVOGADOS : HOMERO JUNGER MAFRA - ES003175 LÍGIA KUNZENDORFF - ES023937 RAFAEL MORAES SERPA NASCIMENTO - ES037319 DIOGO DADALTO SUZANO - ES040229 RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO CORRÉU : ROBSON RODRIGUES CORRÉU : MARLLON FABEM DA SILVA CORRÉU : WESLEY DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS CORRÉU : TALES RONY RAMOS CORRÉU : JÚLIO CESÁR SANTOS DA SILVA
DECISÃO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus com pedido liminar,
impetrado em favor de IGOR VICENTINI GIACOMIN, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº 5007336-68.2023.8.08.0000). O recorrente foi pronunciado pela prática das condutas tipificadas nos artigos 344 e 288 do Código Penal, c/c art. 8º da Lei 8.072/90 em 21/06/2023. A conduta imputada ao paciente é de ir além de seu papel de advogado e participar ativamente do grupo criminoso e, associando-se a eles, usou de grave ameaça contra testemunhas, dentre elas, Marcela Cristina Nascimento Cruz, buscando, com isso, favorecer o interesse de seus assistidos, intimidando as testemunhas para que estas não prestassem depoimentos, dizendo-lhes que teria acesso aos documentos e informaria aos outros denunciados, aquilo que fosse relatado à Autoridade Policial. O habeas corpus apresentado pela defesa foi denegado por meio de acórdão, cujo voto condutor transcrevo (e-STJ fl. 167-171):
"Conforme relatado, trata-se de “Habeas Corpus”, com pedido liminar,
impetrado em favor de IGOR VICENTINI GIACOMIN, contra suposto ato coator praticado pelo Juiz Direito da 3ª Vara Criminal da Serra/ES, nos autos da Ação Penal nº 0016958-20.2020.8.08.0048O paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 344 e 288 do Código Penal, cumulado com o artigo 8º da Lei 8.072/90 em 14/12/2020 nos seguintes termos: Noticiam os autos do inquérito policial, que serve de base à presente denúncia, que no dia 16 de
Edição nº 0 - Brasília, Publicação: terça-feira, 06 de fevereiro de 2024
Documento eletrônico VDA39858245 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA Assinado em: 05/02/2024 18:21:21 Publicação no DJe/STJ nº 3804 de 06/02/2024. Código de Controle do Documento: bfa0d7d0-fd76-49a5-9d13-6a5da94dbc45 outubro de 2020, por volta das 21h00min, na Rua Gaviões, bairro Porto Canoa, nesta Comarca, os denunciados ROBSON RODRIGUES, v. “COROA”, MARLLON FABEM DA SILVA, WESLEYDA CONCEIÇÃO DOS SANTOS, v. "Menor Wesley", TALES RONY RAMOS e JÚLIO CÉSARSANTOS DA SILVA, agindo em comunhão de vontades e unidade de ações, com animus necandi, concorreram para a prática do homicídio consumado em face das vítimas Diego Alexandre da Mota da Silva e Layson da Silva, atingidos por disparos de arma de fogo que lhes provocaram a morte, conforme demonstrado em laudos cadavéricos de fls. 138 139 e 141 142. Versam os autos que as vítimas Diego Alexandre e Layson atuavam no tráfico de drogas na região conhecida como “Praça”, no bairro El Dourado e, em razão disso, rivalizavam com o denunciado ROBSOM, vulgo “Coroa”, o qual cobiçava para si o controle da narcotraficâncianaquela localidade e, para isso, passou a proferir ameaças de morte às vítimas e, bem como pelo fato de que estas foram autores no homicídio de Lucas Ferrerini Alves, ocorrido em 16 de setembro do corrente ano. Diante desse contexto, consta que, na noite dos fatos, os denunciados MARLLON, WESLEY,TALES e JÚLIO CÉSAR, todos coordenados e a mando do denunciado ROBSON, v. "Coroa", responsável por planejar a empreitada criminosa e por atrair a vítima Diego Alexandre por um aplicativo de mensagens, saíram a bordo de um veículo, de cor branca, com intuito de matarem seus rivais, as vítimas. Ao chegarem ao local, os denunciados MARLLON, WESLEY, TALES e JÚLIO CÉSAR desembarcaram do carro e ficaram à espreita, por cerca de 40 minutos, aguardando que as vítimas chegassem. Ao visualizarem as vítimas a bordo do veículo Logan, cor prata, placas KXR3A52, o denunciado MARLLON, seguido dos demais, passaram a efetuar disparos de arma de fogo, atingindo as vítimas que, em razão da gravidade dos ferimentos, foram a óbito no local. Registra-se que, durante a empreitada criminosa, o denunciado MARLLON acabou sendo alvejado por uma das vítimas na perna e no braço, recebendo atendimento médico no Hospital São Lucas, em Vitória/ES, conforme relatório às fls. 20/23. Consta ainda que, após a prática do duplo homicídio, os executores procuraram abrigo na residência do nacional Patrick Rodrigues Traspardini, onde receberam o codenunciado IGOR, que chegou ao local auxiliado de uma enfermeira, para instruir que o grupo fugisse, uma vez que os moradores já comentavam no bairro que aqueles seriam os autores dos fatos apurados, bem como manteve contato telefônico com o denunciado TALES enquanto levava MARLON para atendimento ao hospital. Emerge dos autos, ainda, que o denunciado IGOR era advogado e integrantes do grupo criminoso e, associando-se a eles, usou de grave ameaça contra testemunhas, dentre elas, Marcela Cristina Nascimento Cruz, buscando com isso favorecer o interesse de seus assistidos, intimidando as testemunhas para que não estas prestassem depoimentos, dizendo-lhes que teria acesso aos documentos e informaria aos outros denunciados aquilo que fosse relatado à Autoridade Policial. Insta salientar que a testemunha Marcela Cristina, fragilizada por essa forte pressão psicológica sobre ela exercida, acabou sofrendo um aborto espontâneo. Assim, apurou-se que os DENUNCIADOS integram uma associação criminosa não episódica para o fim específico de cometimento de delitos relacionados ao domínio do tráfico de drogas na localidade onde atuam, galgando, assim, poder através da disseminação do medo e terror na comunidade, configurando-se a conduta típica prevista no art. 288 do Código Penal. Registra-se, por fim, que quanto à conduta do denunciado IGOR, ao associar-se ao grupo criminoso e praticar coação contra testemunha, no exercício da advocacia, subsumiu suas ações aos delitos formais
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Documento eletrônico VDA39858245 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA Assinado em: 05/02/2024 18:21:21 Publicação no DJe/STJ nº 3804 de 06/02/2024. Código de Controle do Documento: bfa0d7d0-fd76-49a5-9d13-6a5da94dbc45 descritos nos artigos 288 e 344, ambos do Código Penal que, por se tratar de crimes conexos ao duplo homicídio, devem ser processados e julgados em conjunto. DAS QUALIFICADORAS Restou evidenciada a motivação torpe do crime, eis que decorrente da disputa pelo domínio do tráfico de drogas, revelada pelo propósito dos denunciados de eliminarem traficantes rivais atuantes na região conhecida como "Praça", a fim de deterem o domínio sobre tal atividade ilícita naquele logradouro, bem como vingarem a morte do nacional Lucas Ferrarini Alves, sendo o delito, portanto, moral e socialmente desprezível. Registra-se que o crime foi praticado por recurso que dificultou a defesa das vítimas, que foram atraídas pelo denunciado ROBSON e surpreendidas no interior de um veículo, pela ação criminosa dos denunciados MARLLON, TALES, WESLEY e JÚLIO CÉSAR, em superioridade numérica e com armamentos de grande poderio, eis que todos portavam armas de fogo, dificultando-lhes sobremaneira as chances de esboçarem qualquer reação. [...]Em síntese, o pleito defensivo requer a revogação da medida cautelar de proibição do exercício da advocacia, imposto pelo juízo primário. Sustenta, a defesa, ausência de fundamentos mínimos que alicercem a medida imposta ao paciente, além de suposto excesso de prazo na sua aplicação. Pois bem. Após detida análise do feito, entendo que o pleito defensivo deve ser acolhido em partes, pelas razões que a seguir exponho. Extraio dos autos que medida cautelar de suspensão do exercício da advocacia perdurou aproximadamente 22 (vinte e dois) meses, sem o encerramento da instrução processual. Nessa linha, conforme decidiu esta Câmara Criminal, em caso recente (Habeas Corpus nº5011853-53.2022.8.08.0000), entendo que, no presente estado processual da ação originária, considerando a grande quantidade de réus, as peculiaridades e a complexidade da causa, a manutenção da suspensão do exercício da advocacia revela-se exacerbada, não se mostrando razoável que a medida se arraste no tempo. Por outro lado, não se deve esquecer da gravidade dos fatos, ora em apuração, o que demanda, ao menos neste momento, a imposição de determinadas restrições, com o intuito de garantir a ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal. Dessa maneira, entendo razoável e necessário ao caso em tela, confirmar a decisão liminar para impor ao réu IGOR VICENTINI GIACOMIN a proibição de entrar em todas as Unidades Prisionais do Estado do Espírito Santo, bem como de exercer a advocacia criminal. Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem."
A defesa alega em síntese: a) que a proibição do exercício da
advocacia, imposta como medida cautelar diversa da prisão extrapolou razoável lapso temporal, devendo ser cassada b) que o exercício da profissão do paciente não tem o condão de ocasionar risco de qualquer espécie às partes, testemunhas ou a coletividade, que justifique a manutenção da medida cautelar; c) o paciente cumpriu todas as outras medidas que lhe foram impostas, inclusive a de comparecimento pessoal ao juízo. Por fim, a defesa pede: a) a concessão em caráter liminar para revogação da medida cautelar de proibição do exercício da atividade profissional de advogado, na seara criminal e de visitação a estabelecimentos penais, imposta ao Recorrente, tendo em vista a inexistência de fundamentação idônea para a sua
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Documento eletrônico VDA39858245 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA Assinado em: 05/02/2024 18:21:21 Publicação no DJe/STJ nº 3804 de 06/02/2024. Código de Controle do Documento: bfa0d7d0-fd76-49a5-9d13-6a5da94dbc45 manutenção conforme argumentação acima trazida; c) a concessão da ordem de habeas corpus em caráter definitivo para cassar a medida cautelar mencionada. É a síntese do necessário. Decido. A acusação feita ao recorrente é grave. Entretanto, as medidas cautelares que lhe foram impostas ao longo do processo vem sendo diminuída em seu escopo e impacto. A prisão provisória foi substituída por cautelares alternativas à prisão. Por último, a proibição do exercício da atividade profissional do advogado, que era total, passou a limitar-se à seara criminal e à proibição de visitas aos estabelecimentos prisionais. O Direito surge do conflito e se afirma em sua resolução. Para essa resolução, acorrem o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia - não por outro motivo enraizada no latim como "aquele chamado para estar junto". Junto de quem está em conflito com a lei, ou que a autoridade assim suspeita que esteja. O conflito entre os atores do Direito é permanente. Mas esse conflito é institucional e com o fim único de resolver conflitos, não se alimentar deles, menos ainda de conflitos entre as próprias instituições. Quando se defende longamente uma perspectiva do conflito, surge o risco de a perspectiva passar a ser o bem defendido. Porém, não é assim com o Direito. O bem a ser defendido é a imposição do justo, na forma da lei. Não é o "interesse" (aquilo que se coloca "entre os seres") que deve orientar a resolução do conflito. Não é a perspectiva de um dos atores do Direito. É, sim, a consumação do Direito como estrutura consolidante da vida social. O dia a dia da advocacia, em especial a criminal, é lidar com o meio social em conflito com a lei. Confundir o advogado, ou a advogada, com seu cliente é uma postura que distorce a visão, que contamina a perspectiva do ator do Direito. Qualquer do povo pode cometer crime. O Direito nunca evitará o desvio. Mas as distorções precisam ser contidas a cada manifestação, para que as instituições funcionem bem e mantenham-se em seu papel. Não estamos nesse momento julgando a ocorrência ou não de crime. Cabe ao Estado fazer essa prova. Antes da prova, a liberdade. E na hipótese resta evidente que o paciente, ora recorrente, cumpriu as medidas cautelares que lhe foram impostas, de forma adequada até o momento. Tampouco cabe ao Judiciário intervir no exercício da Advocacia. Quem pode o mais (prender o advogado) não pode o menos (cassar o direito de exercer sua profissão). E isto é assim porque os atores do Direito, como dito acima, estão em permanente conflito. A paridade de armas e a horizontalidade na relação entre juiz, advogado, promotor e defensor público é de ser mantida a todo custo, contra toda tentação. Ante o exposto, defiro a liminar, para conceder a ordem tão-somente para cassar a decisão de suspensão do exercício da Advocacia na seara criminal e de visitação de estabelecimentos prisionais, sem prejuízo de revisão da medida quando apreciado o mérito.
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Documento eletrônico VDA39858245 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA Assinado em: 05/02/2024 18:21:21 Publicação no DJe/STJ nº 3804 de 06/02/2024. Código de Controle do Documento: bfa0d7d0-fd76-49a5-9d13-6a5da94dbc45 Prossiga-se a ação penal em curso. Oficie-se a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Espírito Santo, para que conheça das acusações feitas a seu membro e, se for o caso, dê início ao procedimento cabível para apurar sua conduta profissional. Solicitem-se informações ao Tribunal de origem e ao Juízo singular, que deverão ser prestadas preferencialmente por malote digital e com senha de acesso para consulta ao processo. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 05 de fevereiro de 2024.
Ministra Daniela Teixeira
Relatora
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