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Amor de Perdição
Amor de Perdição
Vida e Obra
• Camilo nasceu a 16 de março de 1825, em
Lisboa, no sei de uma família humilde.
• Após a morte dos seus pais, ainda criança,
vai viver para casa de uma tia paterna, em
Vila Real.
• Com 16 anos casou.
• Aos 21 anos foge com outra mulher para o
Porto.
• Quatro anos mais tarde tem uma relação amorosa com uma freira, a quem lhe confia
a filha da última relação.
• Aos 31 anos relaciona-se com a sua “mulher fatal”, Ana Plácido, casada com um
comerciante, da qual tem um filho; são presos dois anos mais tarde por adultério.
• São absolvidos um ano mais tarde por D. Pedro V.
• No ano seguinte (1862) publica Amor de Perdição, novela escrita na cadeia.
• Em 1872, o imperador D. Pedro II visita-o no Porto e concede-lhe a Ordem da Rosa
– recompensa.
• A partir de 1881 agravam-se os seus sofrimentos, incluindo a doença dos olhos e em
1888 casa-se com Ana plácido.
• Em 1890, completamente cego, suicida-se, fim típico de um herói romântico.
• Este autor viveu apenas daquilo que escreveu.
• Embora tenha escrito panfletos, folhetos, artigos, folhetins de ficção, críticas,
novelas e muito mais.
• A novela Amor de Perdição insere-se na tradição peninsular do Infernos dos
namorados: rebeldes que obedecem à força do coração. Camilo associa-lhe a ideia
de Destino e Morte.
• Obra que pertence ao ultrarromantismo português – exagero dos ideais românticos.
• Ideia geral: o sentimento deve sobrepor-se à vida e à razão; oposição entre emoções
e os limites impostos pela sociedade.
• Tema: amor impossível que leva a um destino trágico: Simão e Teresa são
separados pelas rivalidades entre as suas famílias – Os Albuquerques e os Botelhos,
moradores da cidade de Viseu, inimigos por questões financeiras.
Nuno Jorge
(vadio) (louco)
1
Aula Viva – Português 12 ano – Porto Editora – 1996.
✓ Baltasar – assassino
✓ João da Cruz – matador
✓ Teresa – amor levado ao extremo da paixão; suicídio;
✓ Mariana – suicídio (amor e violência)
• Intencionalidade crítica
o Camilo Castelo Branco mostra nesta novela uma visão vasta da sua época,
com a moral vigente.
o O casamento era visto como um acordo financeiro que traria benefícios;
o Critica-se, ainda, a burguesia, pois tinha o poder de mudar as leis (prisão e
julgamento de Simão, onde Domingos e Tadeu usam do seu poder).
o Também a Igreja é vista de uma forma depreciativa, pois quando Teresa
acredita que vai encontrar a salvação no convento, depara-se com falsidades,
intrigas e vícios das freiras.
• Personagens
o Simão
▪ 18 anos;
▪ Personagem redonda: jovem inconsequente no início da obra; jovem
transformado pelo amor, jovem maduro no final;
▪ Herói romântico; grande nobreza de caráter; corajoso; fiel aos seus
sentimentos e ideais;
o Teresa
▪ 15 anos, bonita e bem nascida;
▪ Aparentemente frágil, mas com um caráter suficientemente frágil
para enfrentar o seu pai – personagem redonda;
▪ Rebela a coragem que caracteriza as heroínas românticas, rompe
com os desígnios da sociedade e da sua família em nome dos seus
sentimentos;
▪ Obstinada e apaixonada por Simão;
▪ Marginalizada e enclausurada num convento, mantém a fé na justiça
divina e confia no fim dos obstáculos, que se interpunham entre ela
e a felicidade. Felicidade, essa, que não se realiza.
o Mariana
▪ 24 anos;
▪ Amante silenciosa e mais bonita que Teresa;
▪ Camponesa;
▪ Para realçar a sua grandeza de amor por Simão, renuncia aos seus
sentimentos em favor da felicidade do amado;
▪ Nobre de sentimentos, ama de uma forma furtiva e à distância o
jovem romântico;
▪ Abnegação incontida, capaz de ajudar o seu amado a aproximar-se de
Teresa;
▪ Personagem romântica, pois jamais diz uma palavra sobre os seus
sentimentos e controla obstinadamente o ciúme, sofre, mas é fiel a
Simão.
o Os diálogos
2
http://vazbox.synology.me/wordpress/wp-content/uploads/2018/01/1sistematizacao_amor_de_perdicao.pdf
3
Ibidem.
por não ser possível realizá-lo, acaba por morrer. Mas a elevação de
carácter da personagem reside também noutros nobres sentimentos
e atitudes que o animam: a coragem que revela nos seus atos, a
determinação, o seu conceito de honra, o respeito pelos que não são
da sua condição social (como Mariana ou João da Cruz). Por exemplo,
é sem hesitação que se entrega à justiça depois de matar Baltasar ou
que, no cárcere, recusa ser tratado com privilégios.
• Por outro lado, o herói romântico é uma personagem de grande
vitalidade, força e complexidade interior. Traça um grande plano para
a sua vida e dedica a existência ao cumprimento desse objetivo.
Simão Botelho move-se pelo ideal do Amor (do seu amor por Teresa)
e sacrifica toda a vida a esse ideal. A sua complexidade decorre das
contradições e dos conflitos interiores.
• O herói romântico é também uma personagem que se define pelo
seu isolamento existencial: individualista e egocêntrico, Simão
distingue-se e demarca- -se das demais personagens e existe num
mundo que é só seu e diferente do dos outros homens.
• Outro traço de Simão que faz dele um herói romântico é a oposição
que se estabelece entre ele e a sociedade, oposição que evolui para
um conflito. A personagem opõe-se com todas as suas forças às
convenções, regras e ideias-feitas da sociedade, mas acaba por
sucumbir nesse ato rebelde e heroico. Simão contesta desde cedo as
práticas sociais e os valores hipócritas e vazios que a comunidade
defende: um falso conceito de honra, a falta de integridade e de
carácter, a falência dos valores humanos e cristãos e dos sentimentos
e laços de família. Meneses e Albuquerques cultivam ódios entre si,
os privilegiados sentem-se superiores aos desfavorecidos e o
verdadeiro Amor não encontra espaço para existir nesta sociedade 4.
4
Ibidem.
▪ Espaço físico:
Sofre uma redução à medida que a intriga se vai desenrolando
Simão Teresa
Viseu Viseu
casa dos pais casa dos pais
Quarto de João da Cruz Convento de Viseu
Cela da prisão Convento de Monchique
Beliche cela
▪ Resumo
o O corregedor Domingos Botelho e a sua esposa Rita Preciosa, têm 5
filhos. Simão é aquele que tem o temperamento mais explosivo, ao
contrário de Manuel, que é calmo e ponderado.
o Simão vai estudar para Coimbra e adota os ideais da Revolução Francesa.
Acaba por ser encarcerado durante 6 meses, por desacatos.
5
Ibidem.
o Ao sair da cadeia, volta para Viseu e apaixona-se por Teresa, com apenas
15 anos. Torna-se bom aluno, mas quando tem de lutar pelo amor de
Teresa, a sua rebeldia vem à tona, pois ela pertencia a uma família rival.
o Simão é enviado para Coimbra, para se afastar dela.
o São trocadas cartas de amor entre os dois, através de uma mendiga.
o O pai de Teresa quer casá-la com o primo Baltasar Coutinho, situação que
leva Teresa a revoltar-se.
o Simão regressa e hospeda-se clandestinamente na casa de um antigo
amigo do seu pai, a casa do ferreiro João da Cruz.
o Simão combina encontrar-se às escondidas com Teresa no dia do
aniversário da moça, mas esse encontro acaba por ser alterado porque
Teresa foi seguida.
o No encontro seguinte, Simão leva consigo o ferreiro, enquanto que o
primo de Teresa, Baltasar, leva consigo criados, para matar Simão, pois
pretendia a herança do seu tio.
o Nessa briga são mortos dois criados e Simão fica ferido, recuperando na
casa do ferreiro.
o Teresa vai para um convento.
o Mariana, a filha do ferreiro, mostra-se apaixonada por Simão.
o Mariana empresta as suas economias a Simão para que vá atrás de
Teresa, proferindo que o dinheiro pertence à própria mãe de Simão.
o No dia em que está previsto Teresa ir para o convento, Simão decide
raptá-la. Baltasar Coutinho é morto com um tiro na cabeça e Simão
entrega-se.
o Simão recusa a ajuda da família para sair da prisão e é condenado à forca.
o Mariana enlouquece com o sofrimento.
o A saúde de Teresa agudiza-se, no convento.
o Na cadeia, Simão lê as cartas de Teresa.
o João da Cruz é assassinado por um dos criados de Baltasar Coutinho.
o O pai de Simão pede que a sua pena seja alterada para dez anos de prisão,
mas Simão volta a recusar a ajuda do pai.
o Simão é desterrado para a Índia.
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Exercícios:
Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente
bonita e bem-nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira a primeira vez, para amá-
la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o
também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos.
Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos,
como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o
mesmo. Enganam-se ambos. O amor aos quinze anos é uma brincadeira; é a última
manifestação do amor às bonecas; é tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do
ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que está da fronde1 próxima chamando:
tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.
Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma exceção no seu amor.
O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivos de litígios, em
que Domingos Botelho lhes deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois
criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria 2 da
fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtemperar3
e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte. E este amor era
singularmente discreto e cauteloso. Viram-se e falaram-se três meses, sem darem
rebate à vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias. O destino que ambos se
prometiam era o mais honesto: ele ia formar-se para poder sustentá-la, se não tivessem
outros recursos; ela esperava que seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar,
com o coração, o seu grande património. Espanta discrição tamanha na índole de Simão
Botelho, e na presumível ignorância de Teresa em coisas materiais da vida, como são
um património!
Na véspera da sua ida para Coimbra, estava Simão Botelho despedindo-se da
suspirosa menina, quando subitamente ela foi arrancada da janela. O alucinado moço
ouviu gemidos daquela voz que, um momento antes, soluçava comovida por lágrimas
de saudade. Ferveu-lhe o sangue na cabeça; contorceu-se no seu quarto como o tigre
contra as grades inflexíveis da jaula. Teve tentações de se matar, na impotência de
socorrê-la. As restantes horas daquela noite passou-as em raivas e projetos de vingança.
Com o amanhecer esfriou-lhe o sangue e renasceu a esperança com os cálculos.
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição
1 folhagem, copa de árvore.
4. Identifica o recurso expressivo presente em “Não ficara ela incólume da ferida que
fizera no coração do vizinho” (l. 3) e comenta o seu valor.
_________________________
1folhas de papel.
2 alívio, conforto.
3 engano, fraude.
4 lenço usado para envolver um cadáver, mortalha.
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«A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu ma pintavas nas tuas cartas, que
li há pouco! Estou vendo a casinha que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de
árvores, flores e aves. A tua imaginação passeava comigo às margens do Mondego, à
hora pensativa do escurecer. Estrelava-se o céu, e a Lua abrilhantava a água. Eu
respondia com a mudez do coração ao teu silêncio, e, animada por teu sorriso, inclinava
a face ao teu seio, como se fosse ao de minha mãe. Tudo isto li nas tuas cartas; e parece
que cessa o despedaçar da agonia enquanto a alma se está recordando. Noutra carta,
me falavas em triunfos e glórias e imortalidade do teu nome. Também eu ia após da tua
aspiração, ou adiante dela, porque o maior quinhão dos teus prazeres de espírito queria
eu que fosse meu. Era criança há três anos, Simão, e já entendia os teus anelos de glória,
e imaginava-os realizados como obra minha, se tu me dizias, como disseste muitas
vezes, que não serias nada sem o estímulo do meu amor.
Oh Simão, de que céu tão lindo caímos! A hora que te escrevo, tu estás para entrar na
nau dos degredados, e eu na sepultura.
Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há três
anos? Poderias tu com a desesperança e com a vida, Simão? Eu não podia. Os instantes
do dormir eram os escassos benefícios que Deus me concedia; a morte é mais que uma
necessidade, é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.
E que farias tu da vida sem a tua companheira de martírio? Onde tu irás aviventar o
coração que a desgraça te esmagou, sem o esquecimento da imagem desta dócil mulher,
que seguiu cegamente a estrela da tua malfadada sorte?!
Tu nunca hás de amar, não, meu esposo? Terias pejo de ti mesmo, se uma vez visses
passar rapidamente a minha sombra por diante dos teus olhos enxutos? Sofre, sofre ao
coração da tua amiga estas derradeiras perguntas, a que tu responderás, no alto mar,
quando esta carta leres.
Rompe a manhã. Vou ver a minha última aurora... a última dos meus dezoito anos!
Abençoado sejas, Simão! Deus te proteja, e te livre de uma agonia longa. Todas as
minhas angústias lhe ofereço em desconto das tuas culpas. Se algumas impaciências a
justiça divina me condena, oferece tu a Deus, meu amigo, os teus padecimentos, para
que eu seja perdoada.
Adeus! À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!»