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Sebenta português 12º ano

Camilo Castelo Branco – Amor de perdição

Vida e Obra
• Camilo nasceu a 16 de março de 1825, em
Lisboa, no sei de uma família humilde.
• Após a morte dos seus pais, ainda criança,
vai viver para casa de uma tia paterna, em
Vila Real.
• Com 16 anos casou.
• Aos 21 anos foge com outra mulher para o
Porto.
• Quatro anos mais tarde tem uma relação amorosa com uma freira, a quem lhe confia
a filha da última relação.
• Aos 31 anos relaciona-se com a sua “mulher fatal”, Ana Plácido, casada com um
comerciante, da qual tem um filho; são presos dois anos mais tarde por adultério.
• São absolvidos um ano mais tarde por D. Pedro V.
• No ano seguinte (1862) publica Amor de Perdição, novela escrita na cadeia.
• Em 1872, o imperador D. Pedro II visita-o no Porto e concede-lhe a Ordem da Rosa
– recompensa.
• A partir de 1881 agravam-se os seus sofrimentos, incluindo a doença dos olhos e em
1888 casa-se com Ana plácido.
• Em 1890, completamente cego, suicida-se, fim típico de um herói romântico.
• Este autor viveu apenas daquilo que escreveu.
• Embora tenha escrito panfletos, folhetos, artigos, folhetins de ficção, críticas,
novelas e muito mais.
• A novela Amor de Perdição insere-se na tradição peninsular do Infernos dos
namorados: rebeldes que obedecem à força do coração. Camilo associa-lhe a ideia
de Destino e Morte.
• Obra que pertence ao ultrarromantismo português – exagero dos ideais românticos.

Liliana Vieira Conde 1


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• Ideia geral: o sentimento deve sobrepor-se à vida e à razão; oposição entre emoções
e os limites impostos pela sociedade.

• Tema: amor impossível que leva a um destino trágico: Simão e Teresa são
separados pelas rivalidades entre as suas famílias – Os Albuquerques e os Botelhos,
moradores da cidade de Viseu, inimigos por questões financeiras.

• Cartas – Teresa escreve cartas a Simão e Mariana é a intermediária


o Funções:
▪ Revela a atitude dos dois e mantem-nos informados;
▪ Caraterização das personagens;
▪ Comunicar decisões tomadas;
▪ Explicar sentimentos;
▪ Mantém a chama do amor viva;
▪ Apressa o desenlace;
▪ Estas são um importante recurso retórico, o qual permite
intensificar o teor passional e dramático da história.

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• «Memórias de uma família» - vão estar presentes factos reais; evocação de


acontecimentos nos quais o autor fez parte e que lhe trouxeram alguma mudança. 1

Árvore genealógica de Camilo

Foi encarcerado por suspeita de


Fernão Botelho tentativa de regicídio, mas ilibado de
culpa por volta de 1758.

Domingos Botelho Marcos Luís Assassino em defesa de seu irmão


e Rita Preciosa Botelho Botelho Marcos numa contenda de ciúmes

Raptor Manuel Rita


Simão Maria Ana
e
desertor
e Jacinta
Rosa
Botelho

• Foi degradado para a


Índia;

Camilo • Órfão de pai e mãe, traz


no sangue as duas forças
motrizes da família: a
violência e o amor

Nuno Jorge

(vadio) (louco)

Como se pode ver na árvore genealógica, os familiares disponíveis para um


aproveitamento novelesco eram Luís Botelho e Simão Botelho.

As personagens históricas foram em certos casos adulteradas pela imaginação do


escritor. Assim, o pai de Simão é de origem plebeia; Simão cometeu vários crimes e não
se corrigiu; Manuel foi desertor encoberto pelo pai.

Teresa, Baltasar, João da Cruz e Mariana são fruto da Imaginação e encarnam


características hereditárias dominantes:

1
Aula Viva – Português 12 ano – Porto Editora – 1996.

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✓ Baltasar – assassino
✓ João da Cruz – matador
✓ Teresa – amor levado ao extremo da paixão; suicídio;
✓ Mariana – suicídio (amor e violência)

• «Amou, perdeu-se e morreu amando» na introdução, o narrador resumiu


lapidarmente a intriga principal com esta expressão
Introdução Amou 1. Simão vê Teresa e apaixona-se à Cap. II
primeira vista

Desenvolvimento Perdeu-se 2. Teresa recusa casar com Baltasar, Cap. IV


e é ameaçada de clausura
3. Simão vai a Viseu Cap. IV
4. Simão é agredido Cap. V, VI
5. Teresa vai para o convento de Cap. VII
Viseu
6. Teresa é transferida para o Cap. X
convento de Monchique
7. Simão vai ao convento Cap. X
8. Simão mata Baltasar Cap. X
9. Simão é preso Cap. XI
10. Simão é condenado à forca Cap. XII
11. Simão é condenado ao degredo Cap. XVI
12. Simão parte para o degredo Cap. XIX,
XX

Conclusão Morreu 13. Teresa morre Cap. XX


14. Simão morre Conclusão
amando

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• Intencionalidade crítica
o Camilo Castelo Branco mostra nesta novela uma visão vasta da sua época,
com a moral vigente.
o O casamento era visto como um acordo financeiro que traria benefícios;
o Critica-se, ainda, a burguesia, pois tinha o poder de mudar as leis (prisão e
julgamento de Simão, onde Domingos e Tadeu usam do seu poder).
o Também a Igreja é vista de uma forma depreciativa, pois quando Teresa
acredita que vai encontrar a salvação no convento, depara-se com falsidades,
intrigas e vícios das freiras.

• Elementos românticos e realistas

Elementos românticos Elementos realistas


✓ Teresa e Mariana são Mulher-Anjo; ✓ O retrato de João da Cruz
✓ Simão é romântico devido aos seus - terno com os amigos e cruel com
sentimentos e a sua transformação os inimigos = real
também é; - crueldade
✓ Cartas; -linguagem adequada às
✓ Morte romântica; personagens
✓ As cenas mais importantes ocorrem
à noite; ✓ A crítica pormenorizada às freiras
✓ Os problemas individuais são mais do convento de Viseu
importantes do que os da
sociedade;
✓ Ideia de morte associada ao amor.

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• Personagens
o Simão
▪ 18 anos;
▪ Personagem redonda: jovem inconsequente no início da obra; jovem
transformado pelo amor, jovem maduro no final;
▪ Herói romântico; grande nobreza de caráter; corajoso; fiel aos seus
sentimentos e ideais;
o Teresa
▪ 15 anos, bonita e bem nascida;
▪ Aparentemente frágil, mas com um caráter suficientemente frágil
para enfrentar o seu pai – personagem redonda;
▪ Rebela a coragem que caracteriza as heroínas românticas, rompe
com os desígnios da sociedade e da sua família em nome dos seus
sentimentos;
▪ Obstinada e apaixonada por Simão;
▪ Marginalizada e enclausurada num convento, mantém a fé na justiça
divina e confia no fim dos obstáculos, que se interpunham entre ela
e a felicidade. Felicidade, essa, que não se realiza.
o Mariana
▪ 24 anos;
▪ Amante silenciosa e mais bonita que Teresa;
▪ Camponesa;
▪ Para realçar a sua grandeza de amor por Simão, renuncia aos seus
sentimentos em favor da felicidade do amado;
▪ Nobre de sentimentos, ama de uma forma furtiva e à distância o
jovem romântico;
▪ Abnegação incontida, capaz de ajudar o seu amado a aproximar-se de
Teresa;
▪ Personagem romântica, pois jamais diz uma palavra sobre os seus
sentimentos e controla obstinadamente o ciúme, sofre, mas é fiel a
Simão.

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▪ Símbolo da gratidão desinteressada, do amor simples, puro, humilde,


paternal e filial.
o Domingos Botelho
▪ Patriarca da família Botelho, corregedor em Viseu;
▪ Fidalgo de linhagem, mas sem dinheiro;
▪ Autoritário, feio e inflexível.
o Baltasar Coutinho
▪ Primo de Teresa, que se aproveita da rivalidade entre Tadeu e
Domingos para conseguir herdar a fortuna do seu tio; uma vez que
não se consegue casar com Teresa, incita o tio a coloca-la num
convento;
▪ O burguês interesseiro entra num duelo com Simão e acaba por ser
ferido mortalmente.
o Tadeu Albuquerque
▪ Autoritário e inflexível;
▪ Criou obstáculos que impossibilitassem a felicidade de Simão e
Teresa.
o João da Cruz
▪ Pai de Mariana;
▪ Camponês rústico;
▪ Protetor de Simão: inicialmente cuida dele porque o pai de Simão o
havia salvo de uma questão judicial, depois acaba por se envolver
com os seus sentimentos, a ponto de matar para o defender
o Outras:
▪ Rita Botelho e Manuel Botelho – mãe e irmão de Simão;
▪ Mendiga
▪ Outras
Contribuem para a concretização do enredo.

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• A linguagem, o estilo e a estrutura:


o recursos expressivos: a comparação, a enumeração, a interrogação retórica,
a metáfora, a metonímia, a personificação e a sinédoque;
o Narrador: 3ª pessoa; heterodiegético, omnisciente – desvenda o universo
das personagens, sabendo mais do que elas próprias, o que lhes passa na
mente e no coração;
▪ em vários momentos, este narrador dirige-se diretamente a um narratário,
que ele designa por «a leitora» ou «o leitor». Desta forma cúmplice, envolve
os leitores na avaliação do mundo e das personagens da intriga e veicula as
ideias centrais da obra.

o Os diálogos

▪ nível de língua corrente, mas outros níveis de língua intervêm, consoante o


enunciador que produz o discurso. Se o narrador se pode exprimir num nível
mais literário e culto, as personagens recorrem a uma linguagem familiar ou
até regional e popular

▪ Também existem algumas palavras de um nível culto mas também


vocábulos populares e regionais.

▪ Dominam na novela a frase curta e a coordenação, que contribuem para


conferir ritmo e vivacidade à narração dos acontecimentos.

▪ O uso do pretérito perfeito e a escolha cuidada dos verbos servem este


mesmo fim. Note-se o efeito de antepor o verbo às restantes palavras da
frase («Conseguiu ele, sempre balanceado da fortuna, transferência para
Vila Real»).

▪ Já o adjetivo é usado com moderação.

▪ • Quanto ao uso de recursos expressivos destaque-se a subtileza da ironia


na crítica social veiculada pelo narrador ou por algumas personagens.

▪ Por outro lado, a metáfora é frequentemente usada para exprimir os


sentimentos das personagens. Neste ponto, importa também chamar a
atenção para a linguagem emotiva empregue por Simão e por Teresa na
expressão dos seus sentimentos, que revela influências do
Ultrarromantismo.

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▪ • Os diálogos merecem uma análise. Trata-se de momentos que nos


lembram cenas dramáticas (isto é, teatrais) e que são vivos, animados e
carregados de tensão. Nota-se na novela uma tentativa de reproduzir o
modo de falar das figuras populares e regionais, como sucede com João da
Cruz.

▪ Os diálogos longos, plenos de virtuosismo, servem para fazer avançar a


ação: recordem-se as palavras trocadas entre Baltasar Coutinho e Simão
antes de este o matar ou as conversas de Mariana com a freira Joaquina ou
com Teresa no convento (Capítulo X).

▪ • Os diálogos são também momentos em que as personagens se expõem e,


por isso, revelam-se situações privilegiadas de caracterização direta e
indireta (através de comportamentos, da linguagem, etc.). Por esse motivo,
estão em muitos casos ao serviço da crítica social.

o A concentração temporal da ação

▪ A ação da novela é narrada de forma linear, relatando-se os


acontecimentos por ordem cronológica. Há, no entanto, momentos de
retrospetiva (analepse), em que se narram antecedentes da ação. Por
exemplo, quando, no Capítulo I, se dá conta de antecedentes da família de
Simão.

▪ Se inicialmente a narração dos acontecimentos é rápida e avança a bom


ritmo o relato de vários acontecimentos, o ritmo abranda quando se trata
o conjunto de peripécias relacionadas com o amor de Simão e Teresa e o
comportamento das duas famílias. Mais adiante, perde-se a noção de
tempo quando a narração se concentra na vivência interior desse amor, que
é expressa em cartas e reflexões das personagens. O tempo psicológico
manifesta-se aqui e traduz-se nos períodos de reflexão das personagens
(quando pensam um no outro) ou na espera de correspondência2.

2
http://vazbox.synology.me/wordpress/wp-content/uploads/2018/01/1sistematizacao_amor_de_perdicao.pdf

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o Amor-paixão: o amor traz sofrimento e tristeza: ou porque a paixão choca


com as necessidades do mundo social ou porque significa um desejo cruel de
recuperar o paraíso na terra; acarreta: remorsos e a sensação de que o amor
maior é aquele que se apresenta e revela como impossível.

▪ o narrador assume uma posição subjetiva — salientando o carácter


absurdo do ódio entre as duas famílias, bem como a injustiça que está
subjacente às tentativas, por parte de Tadeu de Albuquerque, de
impor à sua filha um casamento com um homem que ela não amava,
e que a condenaria a ser infeliz para todo o sempre. Em contrapartida,
é louvado o carácter heroico de Teresa e de Simão, que, tendo
consciência da dimensão sublime da sua paixão, estão dispostos a
abdicar da liberdade e, posteriormente, até da própria vida, em seu
nome. A morte não os intimida, dado que ambos encaram o amor
como um sentimento ideal, que, caso não possa ser vivido na Terra,
será concretizado no Céu. Com efeito, ambos estão seguros do
carácter eterno da sua paixão, que não se coaduna com a mesquinhez
de uma sociedade movida por valores meramente terrenos3.
o O herói romântico:
▪ Em traços gerais, podemos defini-lo como uma personagem que
acredita em valores elevados e «humanos» e se move por ideais
grandes e, regra geral, inalcançáveis: o amor, a justiça, a liberdade, a
construção de um mundo melhor, etc.

▪ A grandeza do herói romântico decorre também do facto de entrar


em conflito com a sociedade, numa luta desigual, por recusar as
regras e convenções que esta impõe. A rebeldia termina geralmente
em desgraça ou frustração profunda.
• Simão Botelho encarna a figura do herói romântico. O protagonista
de Amor de perdição dedica a vida a um amor idealizado e sem
limites, por ele enfrenta a autoridade dos pais e as regras sociais e,

3
Ibidem.

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por não ser possível realizá-lo, acaba por morrer. Mas a elevação de
carácter da personagem reside também noutros nobres sentimentos
e atitudes que o animam: a coragem que revela nos seus atos, a
determinação, o seu conceito de honra, o respeito pelos que não são
da sua condição social (como Mariana ou João da Cruz). Por exemplo,
é sem hesitação que se entrega à justiça depois de matar Baltasar ou
que, no cárcere, recusa ser tratado com privilégios.
• Por outro lado, o herói romântico é uma personagem de grande
vitalidade, força e complexidade interior. Traça um grande plano para
a sua vida e dedica a existência ao cumprimento desse objetivo.
Simão Botelho move-se pelo ideal do Amor (do seu amor por Teresa)
e sacrifica toda a vida a esse ideal. A sua complexidade decorre das
contradições e dos conflitos interiores.
• O herói romântico é também uma personagem que se define pelo
seu isolamento existencial: individualista e egocêntrico, Simão
distingue-se e demarca- -se das demais personagens e existe num
mundo que é só seu e diferente do dos outros homens.
• Outro traço de Simão que faz dele um herói romântico é a oposição
que se estabelece entre ele e a sociedade, oposição que evolui para
um conflito. A personagem opõe-se com todas as suas forças às
convenções, regras e ideias-feitas da sociedade, mas acaba por
sucumbir nesse ato rebelde e heroico. Simão contesta desde cedo as
práticas sociais e os valores hipócritas e vazios que a comunidade
defende: um falso conceito de honra, a falta de integridade e de
carácter, a falência dos valores humanos e cristãos e dos sentimentos
e laços de família. Meneses e Albuquerques cultivam ódios entre si,
os privilegiados sentem-se superiores aos desfavorecidos e o
verdadeiro Amor não encontra espaço para existir nesta sociedade 4.

4
Ibidem.

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• A OBRA COMO CRÓNICA DA MUDANÇA SOCIAL


Na narrativa encontramos dois sistemas de valores, ideias e entendimentos do
mundo em confronto: por um lado, as noções de honra, de privilégio das classes
sociais dominantes, de autoridade familiar e de (falsa) virtude cristã, associados ao
Antigo Regime; e, por outro, os valores de liberdade, igualdade, justiça social, que o
Liberalismo e o Romantismo vêm reivindicar.
• As questões sociais são analisadas de forma crítica em Amor de perdição. O
narrador denuncia e satiriza os valores caducos da sociedade antiga (isto é, anterior
à Revolução Liberal) e os comportamentos sociais condenáveis — sobretudo da
velha nobreza e do clero —, tais como a falência da justiça, as práticas dos membros
da Igreja (recordem-se as freiras do convento onde Teresa é encerrada), a noção de
autoridade paterna (de Domingos Botelho e de Tadeu de Albuquerque), cujas
contradições são expostas perante os olhos do leitor 5.

▪ Espaço físico:
Sofre uma redução à medida que a intriga se vai desenrolando

Simão Teresa
Viseu Viseu
casa dos pais casa dos pais
Quarto de João da Cruz Convento de Viseu
Cela da prisão Convento de Monchique

Beliche cela

▪ Resumo
o O corregedor Domingos Botelho e a sua esposa Rita Preciosa, têm 5
filhos. Simão é aquele que tem o temperamento mais explosivo, ao
contrário de Manuel, que é calmo e ponderado.
o Simão vai estudar para Coimbra e adota os ideais da Revolução Francesa.
Acaba por ser encarcerado durante 6 meses, por desacatos.

5
Ibidem.

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o Ao sair da cadeia, volta para Viseu e apaixona-se por Teresa, com apenas
15 anos. Torna-se bom aluno, mas quando tem de lutar pelo amor de
Teresa, a sua rebeldia vem à tona, pois ela pertencia a uma família rival.
o Simão é enviado para Coimbra, para se afastar dela.
o São trocadas cartas de amor entre os dois, através de uma mendiga.
o O pai de Teresa quer casá-la com o primo Baltasar Coutinho, situação que
leva Teresa a revoltar-se.
o Simão regressa e hospeda-se clandestinamente na casa de um antigo
amigo do seu pai, a casa do ferreiro João da Cruz.
o Simão combina encontrar-se às escondidas com Teresa no dia do
aniversário da moça, mas esse encontro acaba por ser alterado porque
Teresa foi seguida.
o No encontro seguinte, Simão leva consigo o ferreiro, enquanto que o
primo de Teresa, Baltasar, leva consigo criados, para matar Simão, pois
pretendia a herança do seu tio.
o Nessa briga são mortos dois criados e Simão fica ferido, recuperando na
casa do ferreiro.
o Teresa vai para um convento.
o Mariana, a filha do ferreiro, mostra-se apaixonada por Simão.
o Mariana empresta as suas economias a Simão para que vá atrás de
Teresa, proferindo que o dinheiro pertence à própria mãe de Simão.
o No dia em que está previsto Teresa ir para o convento, Simão decide
raptá-la. Baltasar Coutinho é morto com um tiro na cabeça e Simão
entrega-se.
o Simão recusa a ajuda da família para sair da prisão e é condenado à forca.
o Mariana enlouquece com o sofrimento.
o A saúde de Teresa agudiza-se, no convento.
o Na cadeia, Simão lê as cartas de Teresa.
o João da Cruz é assassinado por um dos criados de Baltasar Coutinho.
o O pai de Simão pede que a sua pena seja alterada para dez anos de prisão,
mas Simão volta a recusar a ajuda do pai.
o Simão é desterrado para a Índia.

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o Teresa morre no convento.


o Simão, ao saber da morte da amada, fica doente e no décimo dia morre.
o O seu corpo é lançado ao mar e Mariana suicida-se, lançando-se também
ao mar, enquanto abraça o corpo morto de Simão.

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Exercícios:

Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente
bonita e bem-nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira a primeira vez, para amá-
la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o
também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos.
Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos,
como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o
mesmo. Enganam-se ambos. O amor aos quinze anos é uma brincadeira; é a última
manifestação do amor às bonecas; é tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do
ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que está da fronde1 próxima chamando:
tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.
Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma exceção no seu amor.
O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivos de litígios, em
que Domingos Botelho lhes deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois
criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria 2 da
fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtemperar3
e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte. E este amor era
singularmente discreto e cauteloso. Viram-se e falaram-se três meses, sem darem
rebate à vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias. O destino que ambos se
prometiam era o mais honesto: ele ia formar-se para poder sustentá-la, se não tivessem
outros recursos; ela esperava que seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar,
com o coração, o seu grande património. Espanta discrição tamanha na índole de Simão
Botelho, e na presumível ignorância de Teresa em coisas materiais da vida, como são
um património!
Na véspera da sua ida para Coimbra, estava Simão Botelho despedindo-se da
suspirosa menina, quando subitamente ela foi arrancada da janela. O alucinado moço
ouviu gemidos daquela voz que, um momento antes, soluçava comovida por lágrimas
de saudade. Ferveu-lhe o sangue na cabeça; contorceu-se no seu quarto como o tigre
contra as grades inflexíveis da jaula. Teve tentações de se matar, na impotência de
socorrê-la. As restantes horas daquela noite passou-as em raivas e projetos de vingança.
Com o amanhecer esfriou-lhe o sangue e renasceu a esperança com os cálculos.
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição
1 folhagem, copa de árvore.

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2 briga em que Simão se envolveu, descrita no início da obra.


3
obedecer.

1. Indica, com base no texto, quatro traços caracterizadores de Teresa.

2. Explicita dois dos valores expressivos presentes na seguinte afirmação: “é tentativa


da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que
está da fronde próxima chamando” (ll. 8-9).

3. Caracterize o amor neste excerto.

4. Identifica o recurso expressivo presente em “Não ficara ela incólume da ferida que
fizera no coração do vizinho” (l. 3) e comenta o seu valor.

5. Demonstre como os planos deles são ingénuos.

6. Explique a atitude de Simão na passagem «contorceu-se no seu quarto como o tigre


contra as grades inflexíveis da jaula»

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«Simão Botelho, meu amado esposo.


Não te admires da configuração daquela que te há de parecer uma bem estranha
carta. Quando estas laudas1 chegarem às tuas mãos, saberás que as escrevi com tinta
feita da cinza que dia e noite me rodeia, diluída na escorrenteza das minhas próprias
lágrimas. Oxalá matérias tão precárias resistam à viagem e consigam levar-te saudações
da minha parte, seja onde for que te encontres, e estejas tu acompanhado por quem
quer que seja que o destino te tenha dado por amiga ou amante.
Pois pelo meu lado, se muito mudei, continuo a querer-te como no primeiro dia em
que te vi cavalgando pelas ruas de Viseu, e a amar-te da mesma forma, sem refrigério2
nem apelo, como no último instante, quando te dirigiste ao portaló para receberes as
minhas cartas, na nau que em breve partiria levando-te a caminho da Índia. Nessa hora,
a minha vida acabou, Simão, mas a tua felicidade, fatalmente sem mim, continua a ser
o meu maior cuidado. A tua felicidade é o meu destino. Vê como são as coisas, meu
amado. Agora, pouco me importa que aquela, com quem fazias projetos de partilhar
uma casinha nos arredores de Coimbra, já não se chame Teresa, nem que o peito onde
sonhavas encostar a tua cabeça, já não seja o seu. A vida mudou, isto é, a morte mudou
o que foi sonhado em vida. Mas o mais importante é que sei agora o que não sabia antes.
E por isso posso dizer-te que a natureza daquela Eternidade que ora víamos como um
paraíso perfeito, ora como um lugar de quietude e silêncio para onde os dois iríamos
adormecer para sempre, afinal é muito diferente do que ambos imaginávamos. Posso
dizer-te que se escrevo esta carta, é porque faço empenho em avisar-te para que não
sejas tomado tu pela surpresa que a mim me prende. Meu divino esposo do céu, meu
amado, estávamos enganados, a vida a partir daqui tem um sentido diferente. O amor
que aí vivemos até ao desespero, cá deste lado, não tem o valor de um pinto, e os bens
que pensávamos que nos conduziriam a um lugar de bom merecimento, ficaram pelo
caminho. Grande dolo3. Só o meu amor por ti, meu adorado esposo, continua igual,
absoluto e derradeiro, e por isso preciso explicar-te o que por cá se passa, antes que
seja tarde. Podes crer. Tão grande é a minha emoção ao fazer esta denúncia, que me
atrapalho nas letras de cinza que desenho sobre este pedaço de sudário 4, e tão grande
a minha urgência em fazer-to saber, que nem sei como chamar as palavras.»
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição

1folhas de papel.
2 alívio, conforto.
3 engano, fraude.
4 lenço usado para envolver um cadáver, mortalha.

1. Qual o poder das Cartas nesta novela?


2. Que sentimentos perpassam nesta carta? Justifique com excertos do texto.
3. Explique a expresão das linhas 3-4: «saberás que as escrevi com tinta feita da
cinza que dia e noite me rodeia».

Liliana Vieira Conde 16


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4. Destaque o recurso expressivo presente na última frase do texto e evidencie o seu


valor expressivo.

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- Ouça-me, Mariana: que espera de mim?


- Que hei de eu esperar!... Por que me diz isso o senhor Simão?
- Os sacrifícios que Mariana tem feito e quer fazer por mim só podiam ter
uma paga, embora mos não faça esperando recompensa. Abre-me o seu
coração, Mariana?
- Que quer que eu lhe diga?
- Conhece a minha vida também como eu, não é verdade?
- Conheço. E que tem isso?
-Sabe que eu estou ligado pela vida e pela morte àquela desgraçada
senhora?
- E daí? Quem lhe diz menos disso?!
-Os sentimentos do coração só os posso agradece com amizade.
-E eu já lhe pedi mais alguma coisa senhor Simão?!
- Não me pediu, Mariana, mas obriga-me tanto, que me faz mais infeliz o
peso da obrigação. Mariana não respondeu; chorou.
- E porque chora? – tornou Simão carinhosamente.
- Isso é ingratidão… e eu não mereço que me diga que o faço infeliz.
- Não me compreendeu… Sou infeliz por não poder fazê-la minha mulher.
Eu queria que Mariana pudesse dizer:
- «Sacrifiquei-me por meu marido; no dia em que o vi ferido em casa de meu
pai, velei as noites a seu lado; quando a desgraça o encerrou entre ferros,
dei-lhe o pão que nem seus ricos pais lhe davam, quando o vi sentenciado à
forca, endoideci; quando a luz da minha razão me tornou num raio de
compaixão divina, corri ao segundo cárcere, alimentei-o, vesti-o, e adornei-
lhe as paredes nuas do seu antro; quando o desterraram, acompanhei-o, fiz-
me a pátria daquele pobre coração, trabalhei à luz do sol homicida para ele
se resguardar do clima, do trabalho, e do desamparo que o matariam…»
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição
1. Demonstre o papel de Mariana na economia da obra.
2. Caracterize as duas personagens, exemplificando com excertos do texto.
3. Explique porque optou Camilo Castelo Branco, por colocar na voz de Simão
os pensamentos de Mariana.

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«A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu ma pintavas nas tuas cartas, que
li há pouco! Estou vendo a casinha que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de
árvores, flores e aves. A tua imaginação passeava comigo às margens do Mondego, à
hora pensativa do escurecer. Estrelava-se o céu, e a Lua abrilhantava a água. Eu
respondia com a mudez do coração ao teu silêncio, e, animada por teu sorriso, inclinava
a face ao teu seio, como se fosse ao de minha mãe. Tudo isto li nas tuas cartas; e parece
que cessa o despedaçar da agonia enquanto a alma se está recordando. Noutra carta,
me falavas em triunfos e glórias e imortalidade do teu nome. Também eu ia após da tua
aspiração, ou adiante dela, porque o maior quinhão dos teus prazeres de espírito queria
eu que fosse meu. Era criança há três anos, Simão, e já entendia os teus anelos de glória,
e imaginava-os realizados como obra minha, se tu me dizias, como disseste muitas
vezes, que não serias nada sem o estímulo do meu amor.
Oh Simão, de que céu tão lindo caímos! A hora que te escrevo, tu estás para entrar na
nau dos degredados, e eu na sepultura.
Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há três
anos? Poderias tu com a desesperança e com a vida, Simão? Eu não podia. Os instantes
do dormir eram os escassos benefícios que Deus me concedia; a morte é mais que uma
necessidade, é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.
E que farias tu da vida sem a tua companheira de martírio? Onde tu irás aviventar o
coração que a desgraça te esmagou, sem o esquecimento da imagem desta dócil mulher,
que seguiu cegamente a estrela da tua malfadada sorte?!
Tu nunca hás de amar, não, meu esposo? Terias pejo de ti mesmo, se uma vez visses
passar rapidamente a minha sombra por diante dos teus olhos enxutos? Sofre, sofre ao
coração da tua amiga estas derradeiras perguntas, a que tu responderás, no alto mar,
quando esta carta leres.
Rompe a manhã. Vou ver a minha última aurora... a última dos meus dezoito anos!
Abençoado sejas, Simão! Deus te proteja, e te livre de uma agonia longa. Todas as
minhas angústias lhe ofereço em desconto das tuas culpas. Se algumas impaciências a
justiça divina me condena, oferece tu a Deus, meu amigo, os teus padecimentos, para
que eu seja perdoada.
Adeus! À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!»

1. Evidencie a função das cartas nesta obra camiliana.


2. Comprove que a personagem Teresa é uma personagem modelada, tendo em
atenção os planos iniciais que fazia com Simão e a sua postura neste excerto.
3. A pontuação adquire neste excerto um caráter bastante expressivo. Comprove
esta afirmação, com passagens do texto.
4. Que ideia é transmitida na última frase do texto?

Liliana Vieira Conde 18

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