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LUZES NA FLORESTA
O governo democrático e popular em Belém (1997-2001)
2a. Edição
Revista e ampliada
© Copyright 2002
Obra editada pela Prefeitura Municipal de Belém
Revisão
Débora David
Coordenação editorial
Fax Comunicação
Dados de Catalogação
Aclemilda Sousa Ferreira Aldenor Monteiro de Araújo Júnior Ana Conceição Oliveira
Carlos Alberto Barros Bordalo Cristina Maria Baddini Lucas Egídio Machado Sales Filho
Eneida Canedo Guimarães Castelli Esmerino Neri Batista Filho Esther Bemerguy de
Albuquerque Everaldo Carmo da Silva Francisco Eduardo Pasetto Lopes José de Andrade
Raiol José Jomar Gonçalves de Oliveira Manfredo Ximenes Pontes Márcio Augusto Freitas
de Meira Moisés Moreira dos Santos Nelson Marzullo Maia Neuton Miranda Sobrinho
Orlando Melchiades Ribeiro de Oliveira Paulo Sérgio Miranda Uchoa Pedro Ribeiro Anaisse
Raimundo Luiz Silva Araújo Raimundo Vasconcelos Martins Rodrigo Peixoto Ruth
Granhen Tavares Ruth Helena Guimarães Vieira Sandra Helena Morais Leite Sandra
Helena Ribeiro Cruz Silvia Helena Ribeiro Cruz Stefani Henrique Santos
LUZES NA FLORESTA
O governo democrático e popular em Belém (1997-2001)
1
Censo Demográfico 2000: resultados preliminares / IBGE. – Rio de Janeiro : IBGE, 2000.
diferentes umas das outras, elas têm especificidades, características tanto físicas quanto
culturais peculiares; o tipo de paisagem natural, as formas de relação do homem com o
meio natural onde vive, as formas urbanas construídas, um conjunto de valores e
manifestações culturais, inclusive a maior ou menor tradição de organização política,
experiências de lutas entre as classes, maior ou menor consciência de direitos, dão feições
próprias a cada cidade. Ao mesmo tempo, a cidade é palco privilegiado para a percepção
da sociedade como totalidade; o grau de internacionalização da economia e seus setores
hegemônicos, a dinâmica das transformações científicas, tecnológicas e das linguagens
artísticas, as representações do poder político, etc. As peculiaridades de cada local, em
constante processo de ressignificação, são evocações de uma história e uma dinâmica
cultural próprias. Essas identidades locais estão subsumidas dialeticamente a estruturas
regionais, nacionais e internacionais, o que lhes inserem numa esfera cosmopolita. Nesse
sentido, ainda que estejamos num mesmo país; ainda que esse seja dependente econômica,
política, cultural e tecnologicamente; ainda que esteja submetido a lógica global de
dominação capitalista, a cidade nem por isso deixa de ser um espaço fundamental para o
exercício, a prática, o experimento, da possibilidade da construção de um futuro diferente 2.
Então, as forças do campo democrático e popular têm o dever de pensar um projeto
estratégico alternativo ao modelo liberal de sociedade. Atualmente, as cidades são vítimas
do “neoliberalismo” - padrão de acumulação capitalista que, para realizar a acumulação
ampliada, reduz o papel do estado, destrói políticas públicas garantidoras de direitos
sociais, suprime direitos conquistados ao longo de décadas de lutas populares, destrói
soberania nacional, fragiliza valores culturais alternativos como os laços de fraternidade
entre indivíduos e povos, o internacionalismo solidário, impondo a cultura individualista,
o egoísmo, afinados com a lógica da apropriação privada, cada vez mais concentradora da
riqueza socialmente produzida, pela “minoria próspera” as custas do aumento da massa
humana socialmente excluída, a “maioria inquieta”.
Os valores culturais que se realizam como hegemônicos interferem na vida humana
no espaço urbano, na cidade. Os valores culturais de uma sociedade são determinantes
na/da cidade, sua materialidade e sua capacidade de manter ou construir formas de
superação das desigualdades sociais. No momento histórico presente, as forças políticas
críticas ao neoliberalismo, independentemente de terem ou não compromisso estratégico
com a superação do capitalismo, o que devem fazer quando se concretiza a possibilidade
de assumir um governo local?
Quais as possibilidades e limites das forças do campo democrático e popular, ao
assumirem a máquina estatal, um aparato institucional jurídico-político submetido à lógica
da sociedade de mercado, para contribuírem com mudanças reais e não apenas cosméticas
no espaço da cidade? Sabe-se que não se consegue superar com políticas de âmbito local
problemas estruturais; que a macro-política econômica, causadora do desemprego, do
aumento de mazelas como a mortalidade infantil, o analfabetismo, as diversas formas de
violência têm determinantes que extrapolam o poder local. Logo, o que fazer quando se
têm condições de conquistar o governo e a consciência de que não se pode realizar no
espaço urbano de uma cidade particular o sonho de uma sociedade justa, democrática,
solidária e feliz? Deve-se ousar ocupar esse espaço, com a consciência de que se não se faz
2
Entre outras fontes, merecem destaque três obras de Lefebvre, Henri: A Cidade do Capital. – Rio de
Janeiro : DP&A, 1999. (onde o autor recupera as contribuições teóricas de K. Marx e F. Engels sobre a
cidade); A Revolução Urbana. – Belo Horizonte : Ed. UFMG, 1999 e O Direito à Cidade. – São Paulo :
Editora Moraes, 1991. Ver também: Leite, Maria Angela Faggin Pereira. Uma história de Movimentos, In.:
Santos, Milton e Silveira, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. – Rio de
Janeiro: Record, 2001, pp. 433-446.
socialismo a partir de um governo local, através desse as camadas populares podem
experimentar novas formas de direção política do aparelho estatal, na perspectiva de
realização de projeto transformador.3
A experiência política e organizativa de um governo popular local deve se expressar
como prática social inovadora, revolucionária. A capacidade de manter viva a esperança,
vivo o sonho da libertação humana, de uma sociedade feliz, antagônica a sociedade atual
produtora da barbárie. Um governo de caráter democrático e popular, compromissado
com o objetivo da transformação da realidade social, deve colocar as dimensões cultural e
política como centrais e estratégicas, porque quando não se muda valores, não se muda
nada!
As forças conservadoras, ao longo de séculos, têm governado os Municípios, as
Unidades Federativas, e a Federação Brasileira. Têm permanecido hegemônicos nos
aparatos estatais. E, a despeito de longos períodos de ditadura formal, a hegemonia hoje é
legitimada pelo voto popular, em geral corruptamente obtido devido a farsa da
democracia burguesa. Desse modo, pode-se questionar os mandatários do poder político,
mas eles vão continuar podendo dizer: “governamos desse jeito porque temos
legitimidade popular, porque o estado de direito, 'a democracia', autoriza-nos a assim
proceder, em nome do povo que nos elegeu". A total apartação entre os interesses dos
"representantes do povo" (a maioria dos mandatários) e os do povo (a maioria, formada
pelos que vivem-do-próprio-trabalho) tem sido justificada por essa "democracia" que se
resume na realização de eleições de quatro em quatro anos. Quais as causas da
manutenção dessa velha hegemonia? Fundamentalmente, encontram-se no campo dos
valores culturais hoje hegemônicos.
A produção social de uma nova cultura política, onde o povo desempenhe o papel
de protagonista, deve ser um objetivo central de governos que têm compromisso com a
transformação social: a desconstrução de valores enraizados no egoísmo, no
individualismo e a construção de novos valores baseados no ideal de um mundo novo, de
relações novas entre homens e mulheres que se expressem na associação democrática e
livre, na solidariedade, na fraternidade, no amor.
Só o povo pode ser sujeito, protagonista, das transformações sociais. A concepção
espontaneísta que tenta convencer de que os governos devem assumir uma postura de
neutralidade política, é hipócrita. Nenhum governo é neutro! Como não é neutro quem vê
uma criança sendo violentada e cruza os braços, não denuncia o agressor, não tenta evitar
a continuidade do estado de violência. Ainda que indiretamente, estaria também
protagonizando a violência. Uma postura que se pretenda neutra contribui concretamente,
para a manutenção do “status quo” social. Como conciliar a contradição de tanto o povo
quanto o governo serem protagonistas das transformações sociais? Como não transigir do
princípio da autonomia popular em relação ao governo sem negar a este o direito de,
através do aparelho do estado, contribuir para a realização de um projeto de futuro
representativo dos interesses populares? A construção social de uma esfera pública não
estatal de planejamento e de controle social do estado pode representar um mecanismo
político privilegiado para contribuir com a mudança da cultura política permeada por
valores burgueses e com o processo de acúmulo de forças para as transformações
estruturais necessárias para tornar possível o sonho de um mundo novo. Uma esfera
pública não estatal que respeite a autonomia da parcela da população tida como
3
Ver Rodrigues, Edmilson Brito. Modos Petistas de Governar. In.: Vários. Governo e Cidadania: balanço e
reflexão sobre o modo petista de governar. - São Paulo : Ed. Perseu Abramo, 1999.
organizada, sociologicamente falando, e daquela parcela significativa que é tida como
desorganizada, mas que nas reuniões de vizinhos, nos rituais de umbanda, nos encontros
de casais cristãos, nos trabalhos dos grupos artísticos, nos mutirões comunitários, outras
formas de resistência cultural e de lutas pelo direito a condições dignas de vida, mesmo
ao largo das entidades ou movimentos sociais institucionalizados, participam como
protagonistas da história.
A experiência do “Congresso da Cidade” 4 - planejamento socialmente construído -
tem, através da criação de espaços de debates estratégicos, decisão política e controle
popular das ações do governo e de todo o aparelho de estado, principalmente na esfera
municipal, ajudado na construção de uma esfera pública autônoma em relação ao estado,
porém sugerida, incentivada e financiada pelo governo municipal.
O Congresso da Cidade, experimentado mais radicalmente em Belém em 2001,
incorporou o acúmulo dos 4 anos de Orçamento Participativo do primeiro mandato do
Governo do Povo (1997-2000) que bebeu na fonte de Porto Alegre, Belo Horizonte e outras
experiências democráticas e populares de governo. Incorporou, também, a tradição
participativa e organizativa de algumas categorias profissionais ou setores como: saúde,
educação, assistência social; dos Conselhos Municipais, os já tradicionais (Condição
Feminina, Educação, Saúde, etc.) ou os recentemente criados (Negros, Transportes,
Turismo, Assistência Social, etc.). Vale observar que alguns conselhos vem sendo
redefinidos, a exemplo do de educação que cumpria um papel estritamente burocrático e
do próprio Conselho Municipal de Saúde que, passaram a protagonizar políticas públicas
e aperfeiçoar as experiências de controle social. Os acúmulos obtidos com a juventude
através do Orçamento Participativo da Juventude (OPJ), o papel central desenvolvido pelo
Conselho do Orçamento Participativo (COP) e a inovadora experiência da formação dos
Conselhos de Acompanhamento e Fiscalização das obras do OP (COFIS), enfim, esse
conjunto de formas de participação e controle social foram reunidos num único processo, o
Congresso da Cidade, para entre outros objetivos, avançar na construção de uma nova
cultura política contra-hegemônica aos valores e ideologia dominantes.
Quando se governa com um horizonte centrado apenas na realização de reformas da
sociedade atual, ainda que radicais, acaba-se por reproduzir uma cultura meramente
administrativa dos problemas locais. Nesse sentido pode-se mostrar competência na
administração da crise, mas pouco se contribuirá para dar ao espaço local o significado de
4
A idéia de Congresso da Cidade, como espaço permanente de participação popular no planejamento e à
execução socialmente controlada do plano definido nesse exercício de democracia participativa surgiu por
avaliar-se insuficientes outros instrumentos. Reconhece-se a importância da adoção de métodos de
planejamento restritos aos membros do governo, a fim de compatibilizar a construção dos objetivos
estratégicos com a construção cotidiana do governo – o Planejamento por Ação Estratégica (PAE) proposto e
adotado por Luiz Sérgio Gomes da Silva têm contribuído para uma ação integrada e imprescindível para a
apropriação, pelos membros do Governo do Povo, dos mecanismos estatais de administração; têm
possibilitado a elaboração de propostas de estratégias para a ação de governo a fim de qualificar o processo de
decisão popular sobre o plano para a cidade. Porém, concordando com Carlos Vainer (Vainer, Carlos B.
Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano . In.:
Arantes, O, Maricato, E. e Vainer, C. B. A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos. – Rio de
Janeiro : Vozes, 2000), para governos comprometidos “com alternativas capazes de oferecer outros valores e
projetos ideais de cidade” o Planejamento Estratégico Urbano que tem Borja e Castells como ideólogos não
servem de modelo alternativo ao “padrão tecnocrático-centralizado-autoritário de planejamento. Constatou-se
enormes limitações da experiência de planejamento participativo centrado exclusivamente na elaboração do
orçamento da cidade - o Orçamento Participativo – OP, dessa forma, o Congresso da Cidade pretende
significar um passo além do Orçamento Participativo, uma negação dialética que ao negá-lo, apropria-se de
suas positividades e supera-o qualitativamente.
palco privilegiado da luta do povo por conquistas a serem obtidas no nível local e,
especialmente, por transformações da estrutura social brasileira e internacional, a fim de
garantir conquistas estruturantes de um projeto de futuro democrático, justo, igualitário e
feliz.
A busca de mudanças da cultura política, na perspectiva da transformação radical
do modo de produção, da construção de uma sociedade socialista como valor estratégico,
é o que media os processos de participação que possam resultar na construção de espaços
públicos não estatais, da consciência de direitos e a conquista do exercício do Direitos à
Cidade, à cidadania cultural, que possibilitem ao povo a condição de sujeitos do
planejamento do futuro, do controle do Estado; que lhe permita apropriar-se do
patrimônio da cidade, firmando a construção do poder popular.
O SISTEMA DE PLANEJAMENTO
DO GOVERNO DO POVO
1
VAINER, Carlos B. É possível planejar as cidades e regiões? planejamento e mercado na
periferia Belém, 2000, 27p. (curso de Especialização em Gestão Urbana. Aula inaugural.
Belém, CESUPA 12/05/2000
1
VAINER, Carlos B. op cit
2
idem
3
idem
4
RODRIGUES, Edmilson Brito. Modos petistas de governar, In: GOVERNO e Cidadania
balanço e reflexões sobre o modo petista de governar./ Inês Magalhães (org) et al. São
Paulo: Ed. Fundação Perseu Abrano. p.26-34.
Essa combinação garante a democracia interna, significa a indicação direta pelo povo
de suas demandas, a eleição direta dos delegados e conselheiros e o controle popular sobre
eles, que podem ser reeleitos ou destituídos, conforme o interesse da comunidade.
Essa participação direta completa-se com a delegação de poderes, para que
delegados e conselheiros passem a representar o povo na definição dos critérios da
distribuição dos recursos e na definição dos investimentos, num permanente processo de
ida e vinda entre os delegados e a base que os elegeu.
É claro que nem sempre funciona assim perfeitamente, mas esse é o objetivo a ser
alcançado e jamais podemos burlar o direito de participação ampla da comunidade,
decidindo quem são os “seus representantes”, ou impor limites (que não sejam aqueles
previamente definidos) que impeçam a participação do povo.
•Solidariedade e não-exclusão
Visibilidade
No Governo do Povo, Belém insinua-se vigorosamente como a Metrópole das Luzes,
cidade amazônica, onde a conjunção da floresta, das águas do rio e das chuvas é símbolo
da resistência de nossos povos à injustiça e à exclusão. Belém também se insurge, sediando
eventos de envergadura, nos quais os povos excluídos da região, do país e de todo o
mundo se encontram para denunciar e propor. Belém, enfim, envolve o morador e o
visitante com seus atrativos no inquietante espírito de transformação de tudo o que nos é
dado enquanto “definitivo”, “inquestionável” pela ordem do dia do capitalismo.
Os projetos da Frente de esquerda, que propuseram as condições para que o povo de
Belém, segregado nas baixadas, se reencontrasse com o rio, com a floresta e com sua
própria história de resistência, articulam-se numa concepção que busca a inclusão de
largos segmentos de excluídos e, ao mesmo tempo, extrai da invisibilidade o teor de
nossos principais signos apagados e soterrados pela irresponsabilidade das “dinastias
familiares”, que se apoderaram dos instrumentais de decisão da cidade por séculos: os
signos do rio, do verde e da resistência.
A cidade passa a ser vista por todos os quadrantes, ângulos e matizes. Pela visão, ela
vai sendo apropriada e desejada por todos, porque o povo nela se vê refletido. Ao
devolver o convívio com o rio, com a floresta, com a sua história, a cidade se amplia ao
serem considerados outros fatores que produzem impacto positivo na qualidade de vida.
O desenho da política ambiental construída nos coletivos vai se convertendo em
processos vivos nos Comitês Ambientais do Congresso da Cidade, nas Comissões de
Fiscalização (COFIS), nas Conferências de Meio Ambiente e de Saneamento.
Belém é a cidade insinuante para quem observa da janela do avião a sua península
abraçada por 43 ilhas. O verde da mata, entrecortado pelos labirintos de rios, de repente
cede lugar à cal das torres de concreto, que se desenham nas artérias e vias. Lá embaixo, o
Aeroporto de Val-de-Cans está encravado em zona militar, com o fio de sua história ligado
à resistência dos países aliados durante o conflito da 2a Guerra Mundial.
Para quem vem pelos rios, Belém é a cidade insurgente, por aflorar com toda a força
dos rios e baías, flutuando com seus prédios modernos, casario antigo, palácios e torres de
igrejas seculares. A cidade acha-se caprichosamente ancorada sobre um volume
inesperado de águas. Quando chove, as águas da terra unem-se às do céu e a cidade vibra
em fantástica miragem. O mercado do Ver-o-Peso é também um histórico porto, vizinho
do Forte do Castelo, cenário que lembra a defesa do colonizador à resistência indígena e a
resistência cabana ao Império.
Por terra, Belém é a cidade envolvente. Quem chega é recebido com o monumento à
Cabanagem - insígnia da resistência do povo paraense - deixando claro que a história da
cidade foi marcada por uma revolução popular. Ao adentrar a cidade, aconchegantes
túneis de mangueiras e praças arborizadas deixam entrever seu histórico e significante
patrimônio arquitetônico.
Na síntese de sua geografia física, Belém é simultaneamente 70% do verde
arquipélago com suas praias de água doce, com baixo índice demográfico e 30% de
península, onde a vida efervesce urbanizada. A água, a floresta e a história de resistência
do seu povo são componentes vitais do ambiente de nossa Belém insurgente, insinuante e
envolvente.
Multiplicidade
Nesta Belém, um milhão e meio de almas projetam e realizam os seus destinos por
meio do Trabalho, da Política, do Saber, da Arte e da Socialidade. Cinco esferas básicas de
realização humana que se entrelaçam, criando a complexidade em que a substância da
cidade se alimenta. Adolfo Sanchez Vasquez1 , ao mergulhar profundamente na práxis
marxiana, descobriu essas cinco atitudes humanas ali refletidas e veio nos dizer isso
pessoalmente, através do Projeto Belém Cidade das Luzes.
No trabalho, Belém destaca-se no setor de serviços - característica que a aproxima
das tendências mundiais das metrópoles contemporâneas e ao mesmo tempo marca a
psicosfera da cidade. É impossível negociar na região amazônica sem incluir Belém, como
ponto de partida, passagem ou chegada. No Ver-o-Peso, a economia cabocla tem sua
síntese, ao mesmo tempo em que vários núcleos comerciais nos bairros centrais e da
periferia evidenciam o vigor do setor terciário.
A esfera pública tem participação fundamental na estrutura da economia da região.
A filosofia do Banco do Povo redistribui a renda, por exemplo, ao privilegiar os excluídos
do circuito econômico, antenando-se nas tendências de mercado que colocam uma faixa de
nosso povo - as micro-empresas e as pequenas cooperativas - em reais condições de
participação crítica mais perene na estrutura econômica da região.
No Governo do Povo, a população de Belém construiu mecanismos vivos de decisão,
em que adultos, jovens e crianças emitem suas opiniões e tomam decisões responsáveis
pelas diretrizes e rumos da cidade, tendo como bússola e astrolábio os coletivos de
participação popular. Sentimentos, pensamentos e ações atravessam os sentidos desses
coletivos. Um dos movimentos do Congresso da Cidade, o Orçamento Participativo,
apresenta indicadores substantivos de que o povo vai tornando a cidade em pólis em
virtude da atuação política conseqüente.
Em outra dimensão, Belém é uma cidade cosmopolita que, ao longo de sua história,
recebeu e abrigou levas de migrantes do estrangeiro, de outros estados do Brasil, de todas
as microrregiões do Pará, onde ainda resistem muitas nações indígenas. A cidade plural
que é, por sua rede de socialidade, faz de Belém uma unidade baseada na miríade de
costumes, comportamentos e jeitos de ser. Hoje, tal como no projeto Ver-o-Rio, a partir de
1997, a dimensão pública no município é construída sob o prisma da inclusão e da abolição
de quaisquer formas de segregação, nos logradouros, vias e outros espaços da cidade.
Em Belém, a dimensão artística deriva de múltiplas fontes. As nações indígenas da
região, a nossa caboclitude e mesmo o choque com outras culturas têm feito jorrar a força
da expressividade das nossas identidades culturais. A Amazônia multi-cultural expressa-
se em Belém mediante a produção, circulação e consumo de seus bens artístico-culturais
de maneira singular. Em nossa cidade, o poder público municipal estimula o engajamento
das manifestações artísticas em processos de resistência ao apelo da indústria cultural, na
contra-mão dos ditames do “mass media”.
A unidade na multiplicidade de que Belém é constituída, só poderia se manter ou ter
sido mantida ao longo do tempo, pelo esforço dos centros produtores e reprodutores dos
saberes, que circulam formal ou informalmente pela cidade. As redes do ensino público,
centros universitários públicos, hoje feridos de morte com os processos privatistas, foram e
ainda são, na resistência, locus de difusão e democratização dos saberes. Esse esforço de
unidade deve ser dedicado aos trabalhadores da educação da cidade que, mesmo tendo a
categoria empurrada historicamente à exclusão, souberam converter saber em poder. Não
se pode falar em Governo do Povo sem ver sua gênese na categoria dos trabalhadores da
educação. Hoje, as propostas de Escola Cabana e de Bolsa Escola vêem na autonomização,
na criatividade e na criticidade as fontes libertárias que abastecem a resistência em Belém.
Velocidade
Embora moderna, não se pode dizer que Belém é um centro nervoso e estressante
semelhante às metrópoles que se organizaram no caos sob o regime do capital. Sua
pulsação varia no espectro da música, da batida cadenciada de um lundu à marcação
animada de um carimbó. É possível cruzar a agitação da Avenida Presidente Vargas e
inesperadamente atravessar a Praça da República com seus túneis de mangueiras,
monumentos e teatros desaguando a mente num ambiente em que o compasso do tempo
ajuda a descarregar as tensões.
Aqui as chuvas refrescantes se alternam com o sol, povoando as tardes e as ruas com
modulações de luzes naturais indescritíveis. Próximo ao rio, essas modulações dão à
cidade um ambiente misterioso de luminosidade.
Mesmo tendo nascido em Belém, não é difícil se surpreender sempre com seus
recantos e ritmos. Ruas estreitas da antiga cidade, de repente, abrem-se em bulevares,
praças e largos convidativos. A seqüência de prédios modernos é quebrada, num átimo,
com a visão de um imponente prédio histórico aqui e ali. São muitos os ritmos a romper
com a rotina e justamente por não ser rotineira é que é sempre possível o clima de paixão
constante pela cidade.
Durante o dia, a cidade possui uma pulsação e uma iluminação de sol intenso,
mesclada ao sombreamento de maciços de nuvens. Durante a noite, a cidade também
pulsa com uma programação intensa e sob a delicadeza de luzes ornamentais de lugares
aprazíveis.
Os ritmos do sol e da chuva, da luz e da sombra, do jeito de ser de seu povo, no
continente e nas ilhas, fazem de Belém uma cidade progressiva a oscilar entre suas marcas
instantâneas e suas marcas perenes.
Ritmo e luminosidade. Cadência e efervescência dão pulsação à Belém. E é
justamente sob essa pulsação, que floresce a possibilidade de se ter grandes áreas de
vizinhança dentro da metrópole. Nichos de província e aldeia encravados na complexa
cidade.
Em 10 de janeiro de 1997, ainda sob o impacto dos resultados das eleições, a modorra
burocrática governamental do município cedeu lugar ao ritmo arejado do Governo do
Povo, em que as demandas populares passaram a ser atendidas com mais rapidez e
fluidez, principalmente pela instauração de canais de participação popular, pelos
processos de desconcentração e descentralização dos serviços públicos provenientes dos 5
distritos que compõem a estrutura político-administrativa de Belém, antes apenas 3.
A grande maioria das Conferências de Políticas Públicas foi de imediato realizada,
criando-se seus respectivos regimentos, conselhos e resoluções e democratizando-se a
avaliação e o planejamento.
Nos distritos e seus bairros, cerca de 160 mil pessoas mobilizaram-se para decidir
milhares de obras e serviços prioritários para que a cidade, vertiginosamente, fosse
colocada na direção dos desejos coletivos.
No plano do concreto, o ritmo de mudanças na cidade é reconhecido por quem não a
visitava há muito tempo e até mesmo pelos oponentes políticos, obrigados agora a
construir um discurso da negação que, ao final, só afirma o novo momento que a cidade
vive. No plano do intangível, o ritmo de mudanças pode ser sentido pela qualidade da
participação maciça e permanente do povo, pelo ressurgimento das organizações
populares, bem como pela verbalização de que o belenense vem se reapaixonando por sua
cidade.
Definitivamente, os ritmos da cidade no tempo e no espaço foram despertados e,
entre a cadência e a efervescência, a ânima de Belém inquieta-se novamente.
Exatidão
Leveza
Sobre Belém, ainda pesam os 385 anos de história, e os graves problemas de sua
infra-estrutura agora começam a ser revertidos. As elites que comandaram o Estado do
Pará, a partir de Belém, transformaram os interesses públicos em negócios de família,
olvidando os clamores populares para os dramas da periferia.
Ao assumir Belém, o Governo do Povo encontrou a cidade chumbada no perau do
descaso, vergada sob o fardo de uma enorme dívida social, abatida em sua auto-estima.
Seu primeiro ato não foi apenas simbólico, tratou-se, sobretudo, de definir a matriz da
forma de governar. A assinatura do Programa da Bolsa Escola não foi só o signo, mas o
seu teor, ao indicar, naquele ato, que os recursos públicos, acima de qualquer coisa, são de
interesse coletivo, de todas as famílias da cidade e não apenas de algumas - gente que
disse, por muito tempo, que o povo não tem direito à pólis. Por isso, o Governo do Povo
escolheu a leveza do signo e do teor da infância para marcar o futuro ainda no presente.
Era necessário dar peso político à inversão de prioridades, à linha de informação e
controle dos serviços públicos, à democratização em todas as dimensões da cidade, dar
peso à transparência das decisões, retirando os fardos dos ombros dos trabalhadores e
excluídos de toda sorte, de tal maneira que eles passassem a fruir também da dignidade.
Da mesma maneira que se retirava de circulação, pela disciplina, o tráfego pesado da
principal artéria da cidade e o redistribuia com lógica e bom senso, era necessário acenar,
sem polícia, para os ambulantes com melhores dias e com a leveza urbanística da estética
que incorpora o homem, elegendo-os como prioridade nos processos de revitalização dos
logradouros públicos. Assim, a Avenida Almirante Barroso sem tráfego de cargas em
certos horários e o largo de São Braz onde ela deságua respiram mais leves com o
reordenamento. O mesmo foi feito no Entroncamento, entrada da cidade, onde nasce a
Avenida Augusto Montenegro.
Na cidade que queremos não estão os emaranhados de viadutos e elevados fora do
movimento de ir e vir da cidade, da fluidez com segurança no trânsito, a gerar graves
problemas de manutenção como estão gerando nas megalópoles de outros países. A
cidade e seus cidadãos precisam fluir sem que criemos para tanto mega-estruturas
descontextualizadas da dimensão humana com que se faz cidade. Ao existirem,
respondem em primeiro plano a essa dimensão. Tornam-se necessários remover o máximo
das pesadas estruturas existentes e erguer estruturas mais leves, mais parecidas com o que
temos de mais humano. Priorizar o transeunte, os ciclistas, os passageiros de ônibus, que
por sinal são mais numerosos, implica fazer uma opção pela cidade da maioria. Atribuir
peso para certas dimensões coletivas esquecidas da cidade e dar leveza a outras fazem
parte do mesmo movimento de tornar a cidade capaz de levitar sobre a monotonia, fazê-la
caminhar sem parecer uma ameba urbanóide e disforme, que se movimenta
aleatoriamente para lugar nenhum. De preferência chegar ao cúmulo de fazê-la flutuar sob
o comando de muitas vontades.
Há orgulho em dizer que o Governo do Povo combina na cidade o lastro da sua
história de resistência com a leveza do sonho socialista alimentado por milhares de
mártires.
Consistência
1
VASQUEZ, Adolfo Sanchez. A filosofia da práxis. Tradução Luiz Fernando Cardoso. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1990. 454p.b
2
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO MUNICÍPIO DE BELÉM. Belém: PMB/SEGEP, 1997 e
1998
3
Cf: CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. Tradução Ivo Barroso. 2 ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. 142p.
UCHOA, Paulo. Notas para o Congresso da Cidade. Belém, 1999.
1
BONDUKI, Nabil. Habitat: as práticas bem–sucedidas em habitação, meio ambiente e gestão urbana nas cidades brasileiras.
2 ed. São Paulo: Stúdio Novel, 1997. 267p.
2
Vide, por exemplo, Belém, com premiação da Abrinque “Prefeito Criança 1999 e 2000” e muitos outros prêmios nacionais e
internacionais.
3
Ressalta-se a importância histórica e conjuntural, II Encontro Americano Pela
Humanidade Contra o Neoliberalismo, realizado em Belém no início de dezembro de 1999.
4
“Art. 13 - O Plano Diretor deverá instituir Sistema de Planejamento do Município de Belém. a ser composto pela Secretaria
Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão, de órgãos específicos de planejamento e gestão de cada uma das
demais Secretarias. Administrações Regionais e órgãos da Administração Indireta.
Art. 310 - Para melhor execução do processo de Planejamento e Gestão Urbana, a cidade de Belém será dividida em Regiões
Administrativas pertencentes ao governo municipal, que serão geridas por Administrações Regionais descentralizadas, com
dotação orçamentária e quadro de pessoal próprios. Parágrafo 1° - Às Administrações Regionais compete representar o
Executivo Municipal em função das peculiaridades dos problemas locais que ocorrem nos seus limites territoriais, na
agilização de soluções que favoreçam o desempenho, tendo por objetivos:
I - permitir a eficiência do processo decisório:
II - eliminar atividades concorrentes ou superpostas:
III - valorizar os recursos humanos;
IV - eliminar hiatos existentes na Administração:
V - propiciar maior participação comunitária:
VI - viabilizar a implantação do processo de planejamento ascendente e participativo.
Parágrafo 2° - As Administrações Regionais exercerão as atividades de operação, manutenção e conservação dos sistemas de
infra-estrutura urbana. prestação de serviços e planejamento, que sejam de caráter local.
Art. 317 - Os planos de trabalho das Administrações Regionais. após a aprovação em sua própria instância. deverão integrar
o plano global de governo da Administração Direta e Indireta com o objetivo de possibilitar a cada nível de decisão superior.
a compatibilização das ações de cada Região Administrativa nos seus limites de competência.
Art. 320 - Será criado. sob a coordenação do órgão central de planejamento. um grupo de
trabalho para orientar. avaliar e acompanhar as atividades de modernização das
Administrações Regionais e órgãos setoriais da administração direta e indireta. com vistas a
viabilizar a absorção. pelas administrações regionais. do planejamento e execução de
atividades de sua competência atualmente centralizadas em níveis superiores de decisão.
5
BORJA, Jordi. Local y Global: la gestion de la ciudades en la era de la información.
Madrid: Taurus, 1997. 418p.
Ao longo de 381 anos, desde a sua fundação, Belém passou por várias
administrações ou gestões municipais.. Do ponto de vista do “bem administrar”, pode-se
dizer que a gestão do Governo do Povo tem sido incomparável, se levarmos em conta seus
poucos anos de duração até o momento.
Com exceção dos governos cabanos, nos quais o povo assumiu o poder por pouco
tempo, somente em 1997, uma nova gestão municipal veio romper com uma cultura
impregnada pela centralização, pelo fisiologismo e pela prática antidemocrática e
paternalista. As decisões acerca dos gastos do dinheiro público eram tomadas dentro dos
gabinetes e o povo era sempre excluído, marginalizado, enfim, alijado do processo de
decisão sócio-político em relação a esses gastos e aos destinos da cidade.
Na verdade, essa nova gestão veio romper com uma estratégia político-
administrativa que visava manter o povo subjugado através de práticas clientelistas
adotadas como instrumento eleitoreiro. Somente às vésperas do pleito, realizavam-se
doações e obras emergenciais para atender a interesses localizados. E foi mais ou menos
nessas bases que foram se atravessando séculos.
1
FURTADO, Celso. O capitalismo global. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1998. 83p.
A gestão dos recursos financeiros efetuada hoje pela SEFIN está pautada em especial
nos seguintes princípios: resgate da credibilidade da PMB; compatibilização dos recursos
financeiros com os orçamentários; autonomia dos órgãos na aplicação dos recursos a eles
destinados; integração entre a SEFIN e os demais órgãos da administração municipal; e
reconhecimento da autonomia do Poder Legislativo. Tratou-se de romper com uma forma
autoritária de administrar, cuja tradição atribuía ao tesouro a condição de uma verdadeira
caixa preta.
O limite de gasto é criteriosamente definido, considerando o ingresso de receita no
município, seja ela proveniente de transferências constitucionais da União e Estado, seja de
tributos de competência do município. Assim, todos os compromissos assumidos junto aos
prestadores de serviços ao município, bem como o pagamento dos servidores, são
devidamente honrados.
Com esse procedimento, a PMB mantém um relacionamento de respeito com todos
os seus prestadores de serviços e servidores municipais, e os compromissos financeiros
assumidos não extrapolam a capacidade do município de pagá-los.
Assim, o pagamento dos salários dos servidores municipais jamais atrasou no
Governo do Povo. Cada órgão estabelece sua ordem de prioridade de pagamento, o que
lhe permite prestar informações precisas junto aos seus credores sobre as datas em que
seus pagamentos serão processados. Com isso os órgãos passam a ter autonomia na sua
execução financeira.
Os órgãos gestores de fundos especiais, como SEMEC (Fundo de Educação), SESMA
(Fundo de Saúde) e SECON (Fundo Ver-o-Sol/Banco do Povo), possuem hoje plena gestão
dos recursos a eles vinculados, podendo-se afirmar que as determinações contidas nas leis
de constituição de fundo especiais são efetivamente cumpridas.
Ressalte-se que a modernização do sistema de pagamentos ocorre com
processamento junto aos bancos por meio magnético, o que diminuiu significativamente a
necessidade de tratar os documentos físicos e o tempo entre o registro dos repasses
financeiros aos órgãos e os créditos aos prestadores de serviços.
A SEFIN, como responsável pela gerência do módulo financeiro junto ao sistema
orçamentário/financeiro informatizado - Sistema Integrado de Planejamento e
Acompanhamento (SIPA) - , tem dado atenção especial para que esse sistema atenda
integralmente às necessidades dos órgãos, principalmente quanto ao acesso às
informações, eficiência na geração de documentos, emissão de relatórios legais para
composição e prestação de contas junto ao Tribunal de Contas dos Municípios.
Diferentemente do procedimento adotado em gestões anteriores, a SEFIN repassa
impreterivelmente até o dia 20 de cada mês os recursos financeiros ao Poder Legislativo,
com base no valor previsto no Orçamento da Câmara Municipal de Belém, integrante do
Orçamento Geral do Município. Assim, foi efetivamente resgatada a condição da Câmara
Municipal como um poder autônomo.
Administração tributária
Desde 1997, vem sendo construída no município de Belém uma estratégia para
articular duas das diversas dimensões da gestão da cidade, que se encontravam apartadas,
independentes e com baixa ou nenhuma sinergia em relação à função que devem assumir,
particularmente em um governo democrático e popular. Refere-se aqui à estrutura
tecnológica de informática do município, aos instrumentos de administração dos bens
dominiais da Prefeitura com suporte na cartografia e aos procedimentos de controle e
acompanhamento que requer uma empresa pública.
De um lado, atuava a Companhia de Informática de Belém (CINBESA) e, de outro, a
Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém
(CODEM). A primeira, criada em 1982, teve sua origem vinculada ao processo de
arrecadação e ao processamento da contabilidade do município; a segunda, à
administração dos bens e direitos dominiais e à arrecadação proveniente desta atividade.
A CODEM, instituída em 1970, ao longo dos seus trinta anos de existência, atuou na
realização de estudos e na execução de propostas de regulação da gestão territorial, e,
também, como produtora de informações, principalmente de caráter cadastral. Até 1997,
como precursora da política habitacional no município, que se implantara efetivamente a
partir de 1997, agora sob a coordenação da Secretaria Municipal de Habitação, a CODEM
produziu projetos de urbanização de diversas áreas no município. Desde então, manteve
as suas funções originais, contudo, inseridas em uma estratégia de especialização de suas
atividades, mantidas naturalmente aquelas que asseguram a governabilidade do
município sobre os seus bens e serviços dominiais, procedendo aforamentos,
levantamentos planialtimétricos e regularização fundiária de terras do município, entre
outras ações, que, inclusive, geram um vasto acervo documental e cartográfico. Enfim, a
CODEM coordena a administração do patrimônio enfitêutico e as informações relativas ao
cadastro imobiliário das unidades de planejamento da supra-estrutura (redes de esgoto, de
telefonia, de energia elétrica etc.) de toda a cidade.
Mas as condições em que as suas funções eram exercidas e o fim com que eram
exercidas vão se alterando. Os seus recursos técnicos, por exemplo, são ampliados, como
os equipamentos de informática - antes apenas 3 microcomputadores atendiam toda a
instituição. São apoiadas as iniciativas dos servidores com vistas à elevação da sua auto-
estima com a melhoria nas condições de trabalho, ao atendimento de pleitos que
assegurem a sua dignidade, como atendimento de saúde e apoio às suas atividades
organizativas.
Já a sua relação com a função social da informação vem constituindo um dos seus
principais desafios. E esse, por sua vez, se encontra no centro da questão colocada para a
Prefeitura, rumo à consolidação da transformação da cultura de como a cidade deve lidar
com a informação.
E é dentro dessa concepção que a tecnologia de informática e outros recursos
técnicos assumem a sua função política. É neste momento, depois de 20 anos, que está
sendo realizado um novo cadastro do município de Belém, denominado Cadastro Técnico
Multifinalitário, com funções múltiplas. Isso acontece em um contexto em que nunca se
produziram tantos indicadores nas diversas áreas de intervenção na Prefeitura e em uma
cidade com uma história de frágil memória dos seus indicadores, sem um banco de dados
sistemático e regularmente alimentado. Portanto, cumprir o desafio acima mencionado é
mais do que organizar, produzir, é aprofundar uma prática de gestão democrática com
eficiência, com rigor nos processos, mas que não se esgotem em si.
E não há outra forma que não seja reconhecer que a tecnologia e as suas
possibilidades de uso social, de organizar informação, subordinam-se a uma estratégia,
que pode ser para aprisionar, como pode ser para transformar, para assumir uma outra
postura frente à informação e à informatização dos processos.
O processo de informatização da Prefeitura de Belém, como já foi dito anteriormente,
surgiu voltado para a ação arrecadadora, subordinado à Secretaria de Finanças, com
competências, basicamente, voltadas para o controle da arrecadação e o processamento da
contabilidade pública, pautado pela teoria do poder, mas o poder de uma minoria e sob
um modelo de centralização do conhecimento e do acesso restrito às pessoas. Com a
expansão dos serviços públicos a uma população cada vez maior e mais exigente, esse
modelo foi se redefinindo. Então, foi criada a empresa municipal de informática, com a
responsabilidade de planejar, coordenar e dirigir as atividades de informática e
microfilmagem, favorecendo a racionalidade e a eficiência administrativa, facilitando o
processo de tomada de decisão no universo dos órgãos integrantes da estrutura municipal
de Belém. Isso em um momento de dependência tecnológica e completa exclusão da
possibilidade de participação da população. O que agravou ainda mais esse quadro foi a
forma como foram transferidas as funções e os recursos tecnológicos do órgão fazendário
para a nova empresa, sem a observância de importantes fatores de sucesso para uma
empresa que emprega tecnologia de ponta e exige instalações físicas adequadas para seu
pleno desempenho. As instalações eram inadequadas aos seus propósitos, assim como os
métodos e formas de trabalhos, alicerçados na prática de anos de controles da arrecadação
municipal, em que prevaleciam a falta de documentação sistêmica e a ausência de
democratização da gestão no processo.
Mudanças estruturais na economia, com a difusão dos recursos tecnológicos e a
presença de uma companhia como gestora de tecnologia da informação na PMB, não
foram suficientes para impedir o seu estado de obsolescência diante da opção político-
operacional, que não assegurou a reposição imediata quando ocorresse defasagem
tecnológica e nem a formação dos trabalhadores da empresa. Foram sendo desenvolvidas
ainda ações compartimentadas, carentes de uma lógica de comunicação, de diálogo entre
os diversos de informatização. São projetos bem elaborados, mas ainda não se inserem em
um projeto integrado no interior da prefeitura ou na sua relação principal, que é de
interatividade com a vida da cidade.
Contudo, constituem um acervo e um método em construção. De um lado, pela
tecnologia definida no interior de um projeto político, e, de outro, decorrente das relações
e das intervenções sociais, que vêm ocorrendo na cidade e que podem possibilitar
transformar um dado bruto em informação. Não é difícil, quando se concebe o governo
como um meio para a cidade se expressar e o poder local se constrói na relação entre
governo e sociedade. E, se é o povo da cidade que governa, não há o que ele não possa
criar, recriar.
Para um governo, que concebe o cidadão de forma integral, que realiza um
planejamento socialmente construído, informação só tem sentido se for para melhorar a
vida de cada cidadão e para informar o movimento da cidade, quanto e como as diversas
políticas alteram a vida das pessoas, a qualidade de vida da cidade, a partir da menor
unidade de planejamento possível, a casa, a rua, o bairro, a cidade, as unidades de
serviços, porque é aí que o cidadão mora, e é a partir dele que deve ser pensada a cidade.
Em função dos desafios gerais lançados para a cidade na sua totalidade é que
ocorrem as mudanças mais localizadas.
Do ponto de vista da estruturação interna da prefeitura, para dar conta desses
desafios, busca-se romper com a lógica do cliente na relação estabelecida entre os órgãos e
a empresa que detém a função de organizar os processos a partir dos quais as informações
se difundem. Ao contrário da compreensão de que, de um lado, existem os prestadores de
serviços e, de outro, os usuários e/ou clientes, passa-se a conceber um projeto em que a
função estratégica da informação também está dada na forma como se organizam as
estruturas e os processos que as viabilizam. Também para os serviços voltados para a
impressão e o controle dos documentos, referentes à arrecadação dos tributos e taxas, e
para a elaboração e emissão das folhas de pagamento, ainda vêm sendo objeto de estudo e
iniciativas que organizem e gerem indicadores capazes de orientar o planejamento das
ações de governo.
Outro desafio que se apresentou ao de se forjar uma nova cultura no interior do
órgão de informática foi a democratização das próprias estruturas, dando vitalidade aos
mecanismos internos, como os Conselhos, com representação da sociedade civil
organizada, como entidades comunitárias, sindicatos. Além disso, ocorreram mudanças na
forma de planejar internamente as ações. O que anteriormente era prerrogativa dos
parceiros comerciais e diretores passa a ser discutido e elaborado com a participação dos
empregados, que contribuem com suas experiências e conhecimentos para a criação de um
plano global de informatização da PMB. É dessa prática que vai surgindo a cidade como
preocupação central, que se expressa em ações pequenas, mas significativas, como a
criação de uma home-page, via Internet, contendo informações acerca dos diversos
serviços prestados pela Prefeitura e dados sobre a cidade, até então restritos aos órgãos
municipais. Dessa mesma forma, aberta, ampla, consolidou-se a idéia de que a base física
da cidade, a sua base cadastral, imobiliária, de infra-estrutura, deveria receber suporte
tecnológico da informática.
Sendo a informática um instrumento de gestão voltado para o interesse da cidade,
várias ações de suporte tecnológico para sistemas de caráter social foram desenvolvidas 1 .
Isso mostra as possibilidades de um sistema integrado de informação, particularmente
vinculado ao sistema de planejamento, empregando o processamento da base cartográfica
e cadastral do Cadastro Técnico Multifinalitário do Município, das informações
decorrentes da implementação das políticas setoriais.
Para tanto, foram necessários investimentos para criar as condições adequadas, com a
implantação de um novo espaço para sediar de forma definitiva as atividades de
informática, a modernização das linhas de comunicação de dados, máquinas, equipamentos,
consultoria e treinamento de pessoal. Foi praticada uma política de administração
participativa, para assegurar, entre outros resultados, a expansão das fronteiras de serviços.
CODEM e CINBESA tornaram-se mais fortes, passaram a contar com maiores facilidades
de investimentos e a desenvolver serviços de tecnologia de informática e cartografia, com
características únicas no Brasil e, principalmente, a exercer uma função social junto à
população do município de Belém.
1
Programa para a bolsa escola, cadastro de trabalhadores autônomos (CTA), central de
atendimento ao contribuinte, quiosque da cidadania, central de leitos, processamento de
informações para o programa de habitação popular em diversas áreas de ocupação,
levantamento sócio econômico dos moradores da vila da barca, sistema integrado de
planejamento e acompanhamento (SIPA), sistema de controle das atividades
informais(SCAI), entre outros sistemas que se encontram em fase de desenvolvimento para
implantação: sistema de recursos humanos, sistema de material, sistema tributário, sistema
de controle de atendimento social e de uma série de outros projetos, encaminhados aos
diversos órgãos municipais, como: sistema de gerenciamento das necrópoles publicas,
sistema de processos, sistema de referencia legislativa, sistema rede de informação sobre a
criança e o adolescente.
A CAPTAÇÃO DE RECURSOS E A
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
Fernando Pessoa
A captação de recursos e a cooperação internacional, ao se colocarem como ações
estratégicas do Governo do Povo em Belém, assentam-se em alguns princípios básicos
para a gestão de uma cidade que vinha ocupando uma posição tímida na pauta regional,
nacional e internacional de agências financiadoras e/ou de cooperação.
Belém também não se inseria entre as cidades que, reconhecidamente, desenvolviam
atividades inovadoras, premiadas, que alteram substancialmente a qualidade de vida da
população, como as que vêm sendo desenvolvidas pelo Governo do Povo. Belém era uma
cidade que mantinha uma frágil comunicação com a representação parlamentar da
Amazônia, a despeito de sua importância para os demais municípios do Estado e
regionalmente em diversos campos, como a prestação de serviços básicos e outros
relacionados à dinâmica sócio-cultural do Estado.
O pressuposto da captação de recursos, no Governo do Povo, é que esses recursos,
por direito, pertencem a cada cidadão, embora se encontrem subordinados a uma extensa
rede de intermediação, que dificulta e geralmente impede que se tenha acesso a eles. No
caso de Belém, as incursões às distintas fontes têm sido pautadas pela afirmação da
autonomia municipal e por princípios que destacam os recursos como direitos acima das
diferenças.
As referidas ações orientam-se por uma ética inabalável, por uma transparência
inquestionável, por uma solidariedade sem fronteiras e, acima de tudo, assentam-se no
princípio da autodeterminação, o que faz dessas ações municipais um dos braços político-
institucionais de projetos fundamentais para o desenvolvimento da cidade de Belém,
apontados no Programa de Governo da Frente Belém Popular, discutidos e ampliados nas
Assembléias Populares do Orçamento Participativo e nos diversos fóruns de participação
popular, consolidados nos planos estratégicos multi-setoriais, que viabilizam as Marcas de
Governo, orientadoras da ação municipal.
O eixo central para a identificação das fontes de recursos gira em torno das seguintes
perguntas: Qual é a cidade desejada? Quais são os projetos necessários para construir essa
cidade? Isso porque a atividade de captação de recursos precisa não somente estar atenta a
oportunidades, mas também ter um rumo. Não se trata de sair buscando possibilidades a
esmo; os fundamentos do processo são as necessidades dadas pelo Plano da Cidade,
necessidades cuja satisfação, no entanto, não se encontra em programas de financiamento
perfeitamente adequados. Fazem-se necessários, então, construir vínculos entre o que o
poder local deseja e o que o sistema de órgãos e as agências financiadoras podem oferecer,
compatibilizar requisitos mútuos e, por outro lado, contribuir para alargar as
possibilidades e concepções dos programas de financiamento, quando isso for possível.
Para exercer a função de articular a Prefeitura Municipal e instituições privadas e
governos nacionais e internacionais, visando à obtenção de financiamentos, assim como a
outras modalidades de recursos, que possam concorrer para o desenvolvimento e projeção
do município, foi constituída uma equipe com a finalidade específica de exercer essa
atividade.
A captação de recursos como função
direta de um projeto de cidade
A inversão de prioridades e a
identidade local -- eixos estratégicos
Os desafios
Principais fontes
A cooperação internacional
Além do município, a cooperação internacional serve a toda uma região que está sob
a influência de Belém. Desde que passamos a contar com a assessoria especializada, alguns
resultados já se apresentam.
Um deles diz respeito ao projeto de desenvolvimento da indústria local de móveis --
em cooperação com a municipalidade de Como, cidade italiana -- voltado para o
desenvolvimento de padrões de técnica e design capazes de promover um salto de
qualidade na indústria moveleira local, altamente empregadora e que pode, se bem
estimulada, responder por uma dinamização importante da economia regional.
Na área médica, um dos expoentes da chamada nova psiquiatria veio estabelecer um
intercâmbio com o excelente trabalho na área de saúde mental que a Prefeitura
desenvolve. Outro médico italiano, um infectologista da área de urgência e emergência,
veio estabelecer convênio de cooperação e foi ainda a Itupiranga, cidade do sul do Estado
do Pará com a qual Belém tem acordo de geminação.
Além disso, outras delegações italianas de distintas regiões devem discutir
possibilidades de cooperação no âmbito do desenvolvimento econômico.
Com Portugal está sendo organizada uma rica agenda de cooperação, já iniciada
com uma visita e a participação na Conferência Municipal de Saneamento, com a ajuda
dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do município do Porto, que
apresentou protocolo de cooperação para encaminhamentos. Ainda com Portugal, há um
projeto que está sendo negociado com a Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL).
Com a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) e a Câmara Municipal
de Lisboa, há encaminhamentos relativos a cursos de formação profissional em diversas
áreas da administração pública municipal. E com a Comissão dos Descobrimentos
Portugueses estuda-se a realização de uma agenda cultural.
Com Espanha e França, há também agendas de intercâmbio em desenvolvimento. E
Belém tem uma função importante como cidade coordenadora do Mercocidades na região
Norte do Brasil, representada em alguns eventos internacionais, conforme acordo firmado
recentemente em Belo Horizonte. É um campo extremamente promissor para o
desenvolvimento regional.
Depois de uma experiência de três anos, o Governo do Povo em Belém, funcionando
com uma pequena equipe voltada para a cooperação e algumas das suas atividades
relatadas neste texto, com perfil profissional adequado pela prática, pode ousar filosofar
um pouco acerca de administração pública. Uma estrutura leve, especializada e
direcionada para a missão de alargar relacionamentos, atrair recursos e aumentar a
capacidade de investimento, tem tudo para ser produtiva no sentido de atender aos
interesses da população.
Os desafios
Com a vitória eleitoral de 96, da Frente Belém Popular, vimo-nos pela primeira vez
na situação, não apenas de vitoriosos, mas, principalmente, na condição de governo. Se
considerarmos que sempre atuamos nos movimentos sindical e popular como oposição,
podemos entender o grau de responsabilidade que – sabíamos -- teríamos de assumir dali
em diante.
A expectativa criada em torno do novo governo estava posta. Mas o governo da fé,
da esperança tem muitas possibilidades e, também, limites. A administração municipal
insere-se numa sociedade capitalista que tenta reestruturar-se de acordo com a proposta
neoliberal pela via da desregulamentação e da privatização de empresas e serviços
estatais, submetendo-se ao arbítrio do mercado.
Começar não foi fácil. Não houve transição no início de Governo: foi impossível
conhecer previamente a administração municipal. Do ponto de vista da documentação,
muito pouco foi encontrado que pudesse imediatamente sugerir passos para uma
continuidade; quase tudo foi recomeçado em uma infra-estrutura de funcionamento
precária.
A recuperação da memória e o restabelecimento das rotinas foram sendo feitos pelos
servidores em cada parte da Secretaria. Graças à determinação e à humildade da equipe,
alcançou-se uma normalidade que assegurou a governabilidade e a dinâmica de uma
secretaria responsável por 16 mil servidores (ativos e inativos) municipais, pelo acervo
patrimonial de todo o município, além dos cemitérios públicos e a publicação do Diário
Oficial do Município.
O início de um governo de uma frente de esquerda, que tem um prefeito petista, em
uma cidade até então governada por oligarquias, é marcado por situações particulares,
como o sonho de transformação dos que o elegem e a crença no seu fracasso de segmentos
contrários a um projeto de governo democrático e popular.
Enfrentar os desafios internos da estrutura administrativa pressupunha a elaboração
do planejamento estratégico do órgão, com base na diretriz comum a todo governo. Foram
identificados os problemas estruturais do funcionamento do órgão, constatando-se a
existência de uma desorganização da estrutura administrativa: recursos públicos
insuficientes, inexistência de política de valorização do servidor e desinformação da
população. Como conseqüência, o principal problema a enfrentar era o mau atendimento à
população. O desafio central não poderia deixar de qualificar os serviços prestados à
população pela PMB.
Portanto, todos os esforços da SEMAD nos quatro anos de governo deveriam ser no
sentido de garantir a eficiência da máquina administrativa municipal, diante de um
funcionamento administrativo inadequado aos objetivos do Governo do Povo. Deveria
então, analisar o Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), o Estatuto dos Funcionários
Públicos Municipais e o Regime Jurídico Único.
A SEMAD, então, partiu para a elaboração de um estudo preliminar para abertura
dos debates na PMB. Levantaram-se questões fundamentais, como: a análise das
estruturas organizacionais dos órgãos da PMB, com a identificação dos “sombreamentos”
e sugestões periféricas, o plano de carreira do quadro de pessoal da PMB e as vantagens
pecuniárias dos servidores da administração direta da PMB. Além disso, realizam-se
alguns estudos preliminares acerca da reorganização administrativa.
Não bastava rever a estrutura da máquina administrativa. Era necessário conhecer
os funcionários que trabalhavam dentro dessa estrutura. Assim, a SEMAD coordenou a
pesquisa “Perfil do Servidor”, que levantou a escolaridade, os níveis salariais, as condições
de moradia e de transporte, a adaptação ao trabalho, as condições e o ambiente de trabalho
e as aspirações dos servidores da PMB. O resultado da pesquisa foi publicado e
distribuído em todos os órgãos da PMB e tem sido o referencial para a política voltada
para o funcionalismo público municipal, destacadamente, a formação do servidor, inserida
num conjunto de ações de valorização.
A questão salarial foi considerada uma das prioridades do Governo e a SEMAD
passou a fazer parte das mesas de negociação entre a PMB e os representantes dos
servidores públicos municipais. E, embora tenhamos tido, desde o início do Governo, a
clareza de que os salários na PMB estão extremamente achatados, não seria possível, em
função da receita municipal e dos cortes que o Governo Federal tem feito no orçamento
municipal, repor 100% das perdas históricas dos servidores municipais. No primeiro ano
de Governo, chegamos a fazer simulações concedendo o interstício de 5% e constatamos
não ter receita suficiente para cobrir os gastos sem ultrapassar os limites estabelecidos pela
Lei Camata. O Governo optou, então, por evitar que as perdas se acumulassem durante a
sua gestão. Dessa forma, os reajustes feitos nos salários dos servidores públicos municipais
proporcionaram-lhes ganhos reais e incluiram Belém entre as capitais brasileiras que
deram os maiores reajustes de salários a seus funcionários.
O principal desafio nesse momento passou a ser o de recuperar a capacidade
operacional da máquina pública, revigorar as estruturas administrativas pela sua
requalificação e propor políticas de valorização do servidor municipal. E isso, sabemos,
não é possível sem a adesão dos servidores.
E sendo o salário, para o Governo do Povo, uma variável importante a interferir no
estado de ânimo dos servidores públicos municipais, ademais, no de todos os
trabalhadores brasileiros, como, então, estabelecer uma relação que ultrapassasse os
limites da discussão salarial, na medida em que o projeto de governo em curso visa alterar
a visão preconceituosa e distorcida do serviço público e do servidor? Administrar com
transparência, com participação popular, com controle social dos serviços públicos e
assegurar o atendimento a direitos básicos, como o previdenciário e uma política de
valorização, altera essa visão que o neoliberalismo tenta construir. Significa mobilizar
esforços para uma proposta de Governo e construir juntos uma nova sociedade.
Mas não se faz política de formação para o servidor sem que o mesmo seja
reconhecido como ator, capaz de construir o seu próprio destino. O que antes era
convenção passou a ser construção coletiva, começando pelo caráter das comemorações de
datas tradicionais, festejadas, agora, como espaço de reflexo, de criação e de socialização.
No início, organizamos tudo e convidamos todos para participarem e aos poucos os
servidores foram se incorporando às equipes. Foram criados outros momentos, como o
Verão-Servidor, O Arraial do Servidor (comemoração das festas juninas) e a Mostra
Cultural do Servidor Público Municipal, que resultou na publicação de uma coletânea de
poesias e em um catálogo de obras de arte por eles apresentadas durante a Mostra
Cultural. Paralelamente, foi implementado um plano de capacitação do servidor a partir
de cursos, seminários e oficinas com vistas a atualizar o servidor sobre as questões
específicas, objetivando um melhor exercício de suas funções e também o resgate de sua
identidade e auto-estima, tão agredidas nos últimos tempos. A criação e implantação de
“Comitês Ambientais” – Congresso da Cidade -- têm demonstrado ser uma experiência
positiva enquanto novo espaço de discussão/participação ativa do servidor na política de
valorização e na criação de laços de solidariedade.
A PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA
AO SERVIDOR MUNICIPAL
No Brasil, a Previdência está em evidência nos últimos 10 anos, como uma das
questões sociais que enfrenta uma longa crise. Essa crise é provocada, de um lado, pela
incoerência com que foi tratada, pois os recursos a ela destinados foram utilizados para
outras finalidades que não o pagamento de aposentadorias e pensões, como o custeio de
assistência-saúde diferenciada a um segmento de trabalhadores, ou ainda, a manutenção
de sistemas sem projeções seguras para garantir o equilíbrio financeiro no futuro; de outro,
pela inadimplência de Governos que não repassaram as verbas em contribuições, que são
receitas específicas, constituindo dívidas históricas, fechando, com isso, o cerco de uma
história de distorções.
A centralização das informações e a inconstância dos dados cadastrais são outros
aspectos que, historicamente, têm interferido negativamente na administração do bem
social que é a Previdência, que, ameaçada, compromete o orçamento das cidades com o
pagamento de benefícios.
A situação de Belém até 1996 não se distingue do quadro relatado. Por sua vez, o
servidor público municipal de Belém tem uma conquista na gestão do Governo do Povo
que faz a diferença.
A partir de 1997, o Governo do Povo predispondo-se ao desafio, assumiu o
compromisso de alterar o quadro político, social e econômico que se alastrou por nossa
cidade durante anos. A cidade precisava de mudanças e o povo finalmente resolveu
mudar, na busca da inversão de prioridades que compõem o Programa de Governo da
Frente Belém Popular.
Numa cidade de coronéis, surgiu um Governo Cabano, capaz de ir aonde o povo
está e lá decidir com a participação popular mudar o rumo dessa história. A mudança deu-
se em todos os sentidos. Todos arregaçaram as mangas e foram à luta, porém a cada dia
somos surpreendidos por novos desafios.
Na ânsia de acertar e fazer o melhor, não porque queremos simplesmente ser
melhores, mas porque o povo merece, muitos são os desafios que surgem, seja na área da
saúde, do saneamento, do transporte, da moradia, seja em outras.
Entre todos os desafios, um muito especial, a valorização do servidor público
municipal. Dizemos que esse é um desafio especial, porque como podemos mudar uma
cidade, se aqueles que irão nos ajudar a fazê-lo (os servidores públicos) estiverem
insatisfeitos e infelizes? Em Belém, era essa a situação. Sabemos que ainda há muito a ser
feito. O desafio continua, mas já demos os primeiros passos, pois conseguimos
democratizar a gestão, garantindo a participação do servidor em decisões fundamentais
para a cidade, como a situação previdenciária. Podemos olhá-lo de frente e dizer com
certeza: você, servidor, cidadão, é importante no processo de construção de uma nova e
feliz cidade.
No que diz respeito à Previdência, o que se tinha até então era o IPMB – Instituto de
Previdência do Município de Belém -- que, ao longo dos anos, ampliou a assistência saúde
nos tipos de serviços oferecidos, sem ser preparado para tal. O número de servidores da
ativa dobrou em 10 anos, elevando o número de usuários, contando com a mesma receita
no período. O resultado não podia ser outro: os recursos financeiros que serviriam para
pagar aposentados e pensionistas do município há muito tempo eram usados com gastos
em saúde, ocasionando um “déficit previdenciário” e, ainda, pagando parcialmente as
pensões.
Como um grande desafio, a PMB inaugurou um processo de valorização do servidor
e introduziu em debate a questão previdenciária, também como forma de manter os
direitos previdenciários, ameaçados pela Reforma Previdenciária do Governo Federal,
criando um ambiente de participação, ancorado na concepção de Congresso da Cidade em
que todos os segmentos interessados podem propor e debater as necessidades e
estabelecer as prioridades num exercício pleno da cidadania. Optou-se, então, pela
reorientação das linhas de atuação do Instituto com vistas a inverter prioridades, passando
a Previdência a merecer estudos financeiros e um controle interno diligente, mediante
recadastramentos anuais, acompanhamento de procurações e de crianças e adolescentes
sob guarda.
Na área da saúde, foram garantidos serviços essenciais, enquanto se discutia a
viabilidade da manutenção conforme a receita própria proveniente de contribuição para
assistência à saúde.
Os servidores foram chamados para conhecer toda a realidade da reforma da
Previdência. As deliberações foram tomadas em conjunto com uma equipe de governo
representada pelo IPMB, SEMAJ, SEMAD e SEGEP. Foi mantida uma agenda permanente
com os representantes dos sindicatos, destacando-se SINTEPP, SINDPREVS, SIMEPA,
SISBEL, Associações de Servidores da GBEL, FUNPAPA e da SESMA, que deliberaram
sobre a realização dos fóruns distritais sobre previdência pública, em conjunto com a
administração dessa autarquia.
Ocorreram 03 (três) rodadas de fóruns (quadrimestrais), nos 08 (oito) distritos
administrativos de Belém, entre novembro de 1998 e agosto de 1999, envolvendo a
participação total de 5.000 (cinco mil) pessoas. Nesses fóruns foram apresentados a
legislação e os dados estatísticos e financeiros do IPMB. Ainda no processo de debates,
contamos com os ocorridos no Fórum dos Prefeitos das Cidades Metropolitanas, realizado
em Belém, em novembro de 1998, no qual o Prefeito Edmilson Rodrigues coordenou os
trabalhos com o tema “Previdência Municipal frente à Reforma Neoliberal”.
Foram propostas soluções importantes para, num ato de ousadia, resistir à crise.
Uma consultoria realizou o cálculo atuarial do Instituto, enquanto o colegiado dirigente
deste elaborou estudos com vistas à manutenção do Regime Próprio de Previdência, em
detrimento da adesão ao INSS. Os estudos indicaram que a melhor opção era efetivar a
reestruturação do IPMB.
Todas as experiências e conhecimentos acumulados foram sistematicamente
apresentados em Outubro de 1999, em dois grandes seminários. No primeiro seminário
participaram servidores da ativa. No segundo, aposentados e pensionistas e mais 100
(cem) pessoas convidadas de outros institutos do Brasil inteiro. Os resultados dos estudos
e as proposições foram apresentados na Assembléia Geral, fórum máximo de tomada de
decisão, que, com a presença de cerca de 3000 (três mil) servidores, aprovou por
unanimidade a reestruturação do IPMB de forma a assegurar legalmente a Previdência, a
Saúde e a Assistência Social, com gestão financeira em separado, por meio de
contribuições específicas, compulsórias para os servidores da ativa e facultativas para
aposentados e pensionistas.
As propostas aprovadas foram apresentadas pelo Poder Executivo à Câmara
Municipal de Belém, onde previamente ocorreram duas sessões especiais e uma reunião
específica com os servidores do legislativo municipal para apresentação preliminar do
tema.
O projeto de reestruturação do IPMB foi aprovado pela Câmara Municipal por
unanimidade, criando-se, deste modo, o IPAMB – Instituto de Previdência e Assistência
do Município de Belém, segundo a Lei nº 7.984, de 30.12.99. Emergem, então, novas metas:
coordenar a realização da atualização cadastral para dar credibilidade aos dados para
acompanhamento atuarial, assim como definir o universo de dependentes previstos para a
área de saúde.
A autogestão como sistema base de gerenciamento da assistência permite, além do
melhor controle social da administração dos serviços, uma relação custo-benefício positiva
para os usuários. Trata-se de um sistema que não visa a lucro e, assim sendo, os benefícios
gerados redundarão em progressiva qualidade dos serviços prestados. Seu alvo de
benefícios é delimitado, característica que marca a autogestão e permite o planejamento
com oscilações mais previsíveis. A população de beneficiários é constituída por servidores
municipais ativos, aposentados, pensionistas e seus grupos familiares.
Outros avanços significativos foram obtidos nesse processo, como a regulamentação
do Clube de Convivência. Atualmente, o Centro de Convivência da Terceira Idade é
legalmente instituído com estatuto próprio e coordenadoria eleita diretamente pelos
associados do Centro. O espaço físico foi ampliado, dispondo hoje de sala de dança, jogos,
copa e administração. O número de associados foi ampliado, evitando que o Centro se
limite a um pequeno número de associados, dando oportunidade a todos os que
contribuíram no passado para construir a nossa cidade, usufruir de momentos de
confraternização, viagens turísticas, seminários, palestras, fóruns, etc.
Melhorar as condições de trabalho do servidor público do Instituto e, por
conseguinte, as condições de atendimento a todos os 45.000 (quarenta e cinco mil)
usuários, significa, sem dúvida, valorizá-lo. No IPMB, isso tem um caráter duplo de
benefícios, pois, além disso, o atendimento é estendido ao servidor e ao seu dependente,
de maneira digna, aumentando sua auto-estima, com a ampliação de serviços, como o
Posto de Urgência, o Posto de Esterilização e a Marcação de Consultas e, mais
recentemente, a Sala de Raio X, Ultrassonografia e Perícia Médica.
Foram implantados programas exclusivos para ex-servidores da PMB e para os
servidores da ativa, com resultados surpreendentes: o Programa de Atenção à Pessoa
Idosa – PAPI, com o objetivo de atender ao idoso nas suas necessidades e anseios, fez com
que a equipe técnica da Divisão de Assistência Social, após pesquisa com 1.800 idosos,
identificasse um quadro, na maioria das vezes, crítico e preocupante em virtude da
situação dos aposentados (por exemplo, casos de abandono por parte de familiares,
problema de saúde, entre outras situações específicas). Esse programa destaca-se,
exatamente, por resolver situações como as descritas.
Diante disso, o IPMB, enquanto Instituto de Previdência, com o Programa de
Atenção à Pessoa Idosa, vem proporcionando aos idosos um envelhecimento saudável e
feliz, intensificando ações na área de prevenção de doenças comuns à terceira idade, além
de preparar o servidor do IPMB para melhor receber o idoso que procura atendimento
médico e social. Os primeiros passos, para isso, foram os cursos realizados nessa área.
Agora, o alvo é a própria família do idoso, com a implantação do Curso de
Cuidadores Familiares de Idosos, segundo a sensibilização e a orientação sobre o
envelhecimento saudável.
Com relação aos servidores da ativa, foi implantado o Programa de Saúde do
Trabalhador, constituindo também uma vitória do servidor público municipal, que hoje
dispõe de atendimento direcionado às doenças ocupacionais, relacionadas com a sua
atividade laborativa, intervindo de forma a evitar que as mesmas se agravem ou o levem à
aposentadoria por invalidez. Em vista disso, exames médicos periódicos e visitas aos
locais de trabalho vêm sendo realizados, com o objetivo de detectar possível relação da
doença com o local de trabalho.
Todo o processo recente por que passou o IPMB, hoje IPAMB, favoreceu uma
tomada de consciência por parte dos servidores e dos gestores de que é preciso se
apropriar das informações com amparo jurídico para a devida legalização do processo e
reconduzir a Seguridade Social dos servidores. Outro indicador importante é demonstrado
na troca de experiências com outros Estados e Municípios que, inclusive, estiveram em
vários eventos da Prefeitura e registraram a sua aprovação à experiência que Belém
vivenciou. O processo de reconstrução do Instituto foi acompanhado de perto, também,
por entidades nacionais, tais como CUT, ANEPREM, ANFIP, CNTE e CNTSS.
Cidadania cultural
1
Segundo o Contagem Populacional de 1996 do IBGE o nº de habitantes é de 1.144.312 .
Os dados do Cadastro Técnico Multifinalitário da PMB identificaram 360 mil imóveis em
Belém, o que eleva essa população estimativamente para algo em torno de 1.400.000
habitantes.
1
DIAGNÓSTICO Institucional para apoiar a elaboração do Plano Estratégico Municipal
para Assentamentos Subnormais. Belém: PMB/SEGEP, 2000.
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
E INCLUSÃO SOCIAL
O desemprego e a precariedade das condições de trabalho são fenômenos de
abrangência nacional, que no período atual experimentam níveis extremamente elevados,
nunca vistos no Brasil. No passado recente, mais especificamente na década de 80, o
desemprego vinculava-se, entre outros fatores, às oscilações de natureza econômica.
Nos anos 90, a situação tornou-se mais grave, ainda pior que na década de 80, já
considerada a década perdida pelos economistas. Nesse período, o desemprego disparou,
chegando, em maio de 1999, a 10 milhões de desempregados no país. Em algumas regiões
metropolitanas, segundo dados da pesquisa de emprego e desemprego (PED), as taxas de
desemprego chegaram a superar o índice de 20% da população economicamente ativa. A
geração de emprego sofreu uma desestruturação profunda em conseqüência de um
processo de retração das atividades econômicas, lamentavelmente acompanhado do
desmonte das estruturas produtivas já existentes.
A desestruturação do mercado de trabalho é tão grave que, além dos malefícios do
desemprego, a deterioração das condições e relações de trabalho, apesar de menos visíveis,
são também de profundas conseqüências para a sociedade. As condições de trabalho
tornaram-se crescentemente informais, precárias, com trabalhos e salários descontínuos,
de curta duração e sem direitos sociais trabalhistas assegurados.
A redução do mercado formal de trabalho é caracterizada pelo grande número de
trabalhadores sem carteira assinada e pelos que trabalham por conta própria. Segundo
dados do DIEESE, mais de 50% dos ocupados brasileiros das grandes cidades se
encontram em algum tipo de informalidade. Ou seja, três em cada cinco brasileiros
economicamente ativos das grandes cidades estão desempregados (um em cinco), ou
atuando na informalidade (dois em cinco).
O quadro apresentado é conseqüência de uma economia profundamente
desarticulada, desestruturada, à mercê de uma elite dominante e do capital financeiro
internacional, que, além dos danos que provoca nas relações de trabalho, empurra o povo
para uma situação de pobreza jamais vista no país. O IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) considera que cerca de 57 milhões de brasileiros (35% da população)
estão abaixo da linha de pobreza e que entre 16 e 17 milhões de brasileiros vivem em
condições de miséria absoluta, portanto, excluídos do ponto de vista socioeconômico.
Em Belém, o quadro não é diferente. Segundo o DIEESE, no início de 1997, existiam
na cidade em torno de 73 mil desempregados; já em 1999, esse número cresceu para
aproximadamente 143 mil, ou seja, próximo de 20% da população economicamente ativa.
Quanto ao mercado informal, estima-se que perto de 240 mil pessoas trabalhem nessa
condição, sendo que, dessas, mais de 6 mil atuam na atividade comercial na área central
da cidade, ou seja, os chamados camelôs, e próximo de 10 mil, nos mercados públicos e
feiras livres. Quanto à pobreza, se considerarmos o índice do IPEA para o país (35%),
estima-se que mais de 400 mil pessoas sobrevivam nessa situação na capital.
A posição de um governo democrático popular municipal, na situação apresentada,
não pode ser a de apenas alegar que os fatores determinantes e as soluções para o caos
encontram-se fora de sua governabilidade. Essa perspectiva implica também superar a
visão de que o desenvolvimento econômico só pode ser pensado no nível nacional e de
que nas cidades há pouco a ser feito, exceto a denúncia do modelo vigente, embora as
determinações extralocais sejam iniciadas sobre o quadro vigente. Na nossa perspectiva, o
poder local pode, embora com limites, desenvolver experiências inovadoras que rompam,
inclusive, com as práticas individualistas e espoliativas impostas pelo mercado. Destacam-
se, entre essas iniciativas, o caso do Banco do Povo e as diversas experiências de
cooperativas que se sustentam nos princípios da solidariedade e auto-sustentação.
Contudo, é necessário implementar ações de política de amplitude nacional, econômica e
socialmente, indutoras da geração de empregos. Muito do que hoje é desenvolvido em
âmbito local é passível de transformação em instrumentos de política nacional, respeitadas
as particularidades de cada lugar, de cada grupo social, na medida em que se altera não
apenas a economia das cidades, mas valores intrínsecos à sociedade capitalista. Portanto, a
discussão das condições da cidade, enquanto substrato para a sobrevivência do povo que
nela habita, é fundamental e permite, sem dúvida, meios de sobrevivência digna para
muitos trabalhadores, desde que sejam efetivamente identificadas as alternativas
econômicas compatíveis com as vocações locais e com as potencialidades dos grupos
sociais a quem se destinam.
Por que é fundamental esse tipo de discussão? Em Belém as diferentes intervenções
físicas do poder municipal contam com a participação direta do povo no processo de
decisão. As ações desenvolvidas tipicamente denotam a inversão de prioridades, por
exemplo, aquelas mais claramente relacionadas à saúde, à educação, à geração de trabalho
e de renda, ao direito de morar, enfim, aos direitos básicos do cidadão.
É evidente que, na mesma perspectiva da cidade enquanto substrato de
sobrevivência para quem nela habita, e considerando a riqueza que Belém oferece, com
suas características naturais, sua localização geográfica, sua diversidade ambiental, seus
valores culturais (música, folclore, culinária, etc), seu patrimônio histórico, existem opções
econômicas muito particulares, como a indústria moveleira e de artefatos de madeira, a
indústria de lapidação, a agroindústria e, com grande destaque, o turismo, capazes de
gerar significativo número de postos de trabalho.
Para potencializar as opções econômicas e estimulá-las a atingirem a plenitude
desejada, o Programa de Governo da Frente Belém Popular e o planejamento estratégico
realizado apontaram as marcas de governo como os objetivos centrais que visam oferecer
respostas para os problemas da cidade, tanto nos aspectos físicos, quanto nos aspectos
sociais, econômicos, políticos e culturais. Assim, Governo do Povo, ao assumir como
objetivos centrais, a Participação Popular, Revitalizar Belém, o Transporte Humano,
Sanear Belém, Dar um Futuro às Crianças e Saúde para Todos, de forma articulada, visa
implementar políticas que reconhecem o cidadão na sua plenitude.
As Marcas de Governo Revitalizar Belém (revitalização urbanística, cultural e
econômica de Belém), Sanear Belém e Transporte Humano, que a princípio poderiam
apontar para intervenções convencionais, acontecem também visando à inversão de
prioridades. O cidadão comum passa a ser o elemento principal. Essas marcas atuam de
forma articulada, proporcionando condições para o desenvolvimento do turismo, mas, ao
mesmo tempo, construindo e reconstruindo uma cidade para as pessoas e com as pessoas
que nela habitam.
Essa concepção deve ser insistentemente aperfeiçoada no sentido de que as
intervenções urbanísticas, seja de revitalização de prédios e logradouros públicos, seja de
saneamento, seja de pavimentação, em vez de alimentar o grande capital pelas grandes
empresas, muitas vezes subsidiárias de multinacionais poupadoras de mão-de-obra, deve
permitir que pequenas estruturas, como pequenas empresas locais e cooperativas, possam
prestar serviço à sociedade e, ao mesmo tempo, auferir renda de forma socializada ou
individual.
Dentro dos princípios e perspectivas aqui expostos, muitos são os exemplos em
Belém que apontam para contrariar a assertiva de que os governos de esquerda apenas
priorizam as políticas sociais e compensatórias. No caso, existem as ações locais para a
geração de emprego, trabalho e renda e mais as intervenções em logradouros públicos,
que, tanto na execução, quanto no funcionamento, mantêm e geram empregos, e
promovem a inclusão social de grupos sociais historicamente à margem do acesso ao
trabalho.
O Programa de Geração de Emprego e Renda em Belém é estruturado a partir do
processo de qualificação dos trabalhadores, apoio creditício (Banco do Povo), apoio à
gestão dos negócios, à comercialização de produtos e serviços e à intermediação do
trabalho autônomo. Outro aspecto é a valorização do trabalhador informal, que tem na rua
o seu local de trabalho. Esse programa é voltado prioritariamente, portanto, para os
excluídos dos processos formais de trabalho.
Algumas vertentes do programa são evidenciadas pelo Programa “Pólo Moveleiro
de Belém” e pelas atividades no meio rural, onde se destacam a implementação do
criatório de aves regionais (pato), o projeto “Quintal Vivo”, que estimula o cultivo de
pequenas hortas, pomares e canteiros de plantas medicinais e ornamentais, e o
estabelecimento de sistemas agroflorestais. Ainda, como alternativa de trabalho, vêm
sendo implementadas ações no sentido de proporcionar mais conforto e dignidade aos
trabalhadores que desenvolvem suas atividades em vias públicas com a implantação de
espaços próximos aos seus postos originais de comercialização, bem como vêm sendo
conjuntamente discutidas alternativas que conciliem o seu direto de trabalhar com os
aspectos mais gerais da cidade como um todo.
O Programa de Geração de Emprego e Renda tem se destacado particularmente por
desenvolver ações articuladas com o Programa Bolsa Escola, que é dirigido essencialmente
para famílias que, entre outros requisitos, estejam em situação de pobreza. O trabalho de
formação junto às famí-lias que fazem parte do programa é desenvolvido segundo a
metodologia de capacitação maciça1 , que essencialmente visa despertar a consciência
crítica e organizativa como fundamento principal para transformar o cidadão não somente
num simples detentor de uma habilidade profissional adquirida no curso por ele indicado,
mas também num empreendedor com formação associativista.
Os cursos de capacitação massiva em Belém, diferentemente das demais
experiências, têm público organizado previamente por uma motivação que, para o
Governo do Povo, é central: as crianças cujas famílias recebem bolsas de 1 salário mínimo
durante dois anos têm direito à escola, à saúde, ao lazer. Para tanto, não devem voltar para
as ruas para gerar o seu próprio sustento. O curso é, então, dirigido às suas famílias. Ao
final do curso, as famílias organizam-se em empresas na forma de cooperativas ou criam
empreendimentos individuais que, com a assistência de técnicos do governo e apoio
creditício do Banco do Povo, desenvolvem-se, criando condições de gerir os seus próprios
negócios.
Como diretriz de governo, às cooperativas formadas durante o curso é concedido o
direito de uso, para fins de prestação de serviços, dos logradouros públicos recuperados
e/ou construídos pelo município. São serviços distintos, como administração de
estacionamento, venda de comidas típicas e serviços de restaurante em locais, como a
Praça do Pescador no Ver-O-Peso, a Praça Waldemar Henrique, o Projeto Ver-O-Rio na
orla de Belém, o Mercado de São Brás, importante prédio histórico no centro da cidade,
entre outros, além de serviços prestados diretamente ao governo municipal nas áreas de
limpeza, alimentação e outros. Essas cooperativas também têm seus membros contratados
por setores da sociedade civil, como é caso do Condomínio Participativo da Av. João
Alfredo (principal avenida do centro comercial de Belém, localizado no centro histórico da
cidade), uma experiência de gestão compartilhada com o governo que vem de forma
inovadora se ampliando para outras áreas em Belém.
Quanto à intermediação de mão-de-obra para prestação de serviços autônomos à
sociedade, esta ocorre por meio da Central de Trabalhadores Autônomos, que, assim como
o processo de qualificação profissional das famílias da Bolsa-Escola, conta com a
participação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).
A preocupação quanto à manutenção e geração de emprego e de renda é uma
constante nas ações de governo. Por isso, todos os passos são dados com elevado nível de
integração entre os órgãos e com efetiva participação popular. Desse modo, as
intervenções nos logradouros públicos devem sempre considerar os atores econômicos,
sociais e políticos (feirantes, ambulantes, empresários, sindicatos, associações etc.), que, de
uma forma ou de outra, têm diferentes interesses naquele espaço. É importante destacar a
relação estabelecida com os trabalhadores do comércio informal (feirantes e ambulantes),
na qual o diálogo e o debate de propostas têm sido as ferramentas fundamentais para
compatibilizar o interesse maior da cidade com o interesse particular de cada um.
No caso das feiras e dos mercados públicos, a situação estabelecida historicamente
remete para um certo dilema. Esses equipamentos, que a princípio têm a função principal
de abastecimento alimentar, com o decorrer do tempo, sofreram um processo de
deterioração, caracterizando-se como espaços onde um número excessivo de pessoas
busca prioritariamente os meios de sobrevivência, com baixa competitividade. Essa
situação nos impõe um grande desafio, que é promover o reordenamento das feiras, a
qualificação do serviço de abastecimento, preservando os postos de trabalho. Nesse
sentido, a participação dos feirantes tem sido primordial para o desenvolvimento de ações
de sensibilização e formação desses espaços para a função que eles exercem perante a
sociedade, respeitando o ordenamento do espaço público, a padronização e a higienização
dos equipamentos.
Exemplos de sucesso dessa forma de atuar podem ser verificados em Belém. É o caso
das Praças do Operário, Batista Campos e Brasil, da Feira e Mercado do Guamá, do
Complexo do Jurunas, do Mercado de São Brás, do Ver-O-Peso, da Av. Augusto
Montenegro, dos Complexos do Entroncamento e de São Brás, entre outros, áreas que vão
do centro a bairros mais afastados.
Novo desafio impõe-se para um governo que define suas ações de forma estratégica,
apontando para o futuro, em que todos devem ter acesso ao trabalho, por direito:
intensificar e ampliar o apoio a esses grupos, que não dispõem sequer de canais de
interlocução com o mercado de trabalho, que lhes permitam obter renda e trabalho. Urge
ainda o desenvolvimento de outros projetos de intervenção mais global na economia, para
consolidar a linha de atuação adotada pelo Governo do Povo: a formação profissional, o
acesso ao crédito, o acompanhamento técnico do processo de comercialização e
intermediação da prestação de serviços de trabalhadores autônomos.
1
concebida pelo Sociólogo Clodomir Santos de Morais
O turismo foi definido pelo Governo do Povo como uma das principais políticas a
serem implementadas durante os quatro anos de governo, que teve início em 1997. Sabia-
se que a tarefa não seria fácil, mas o desafio e a coragem de iniciar esse processo fizeram
com que a equipe de governo, de imediato, tivesse como diretriz a participação popular, a
sustentabilidade dos recursos, conciliando o desenvolvimento sócio-econômico e a
preservação ambiental. Assim, como todos os projetos propostos pelo Governo do Povo, o
turismo também trouxe a inversão de prioridades1 , como um de seus princípios, um dos
principais entre eles, pois até aquele momento, além de não se ter uma política de turismo
do município, predominava uma visão de turismo elitista, que não privilegiava o acesso
dos segmentos mais carentes a equipamentos e espaços que lhes proporcionassem lazer.
O turismo no Governo do Povo relaciona-se com as políticas públicas em geral,
segundo as quais cada ação de governo visa à valorização da cidade, dos espaços públicos,
de elementos da identidade cultural que fazem com que a cidade volte a se reconhecer,
volte a vivenciar experiências de reencontros com espaços antes abandonados e
degradados. O turismo articula-se com o trabalho, com o lazer, com a educação, com a
recuperação de vias, com o transporte, com a recuperação do patrimônio histórico, com a
informação, enfim, ao tornar a cidade mais digna e integrada do ponto de vista do acesso,
o Governo do Povo vai recriando uma cidade não apenas para os que vêm de outros
lugares, mas para quem nela vive.
A auto-estima de um povo é que faz com que outros povos desejem conhecê-lo e não
apenas pelo que pode ter de exótico, por morar na Amazônia, mas por viver e viver bem,
com alegria e com a certeza de estar construindo uma cidade mais justa, solidária.
Construção que se dá nos diversos fóruns de decisão sobre os destinos da cidade.
Ao se decidir realizar uma obra ou ação de outra natureza no Orçamento
Participativo, por exemplo, não define a rigor se é turismo. Contudo, um projeto de
intervenção urbana na orla, como o Ver-o-Rio, que incorpora famílias pobres nos espaços
de comercialização, que recupera uma área antes inacessível a qualquer cidadão e que cria
condições infra-estruturais de lazer, de afirmação de valores culturais expressos na
arquitetura e em momentos da história da cidade ali registrada, é sem dúvida, uma
intervenção turística da maior importância e fiel ao princípio acima abordado. Toda a
política de turismo desenvolvida pelo Governo do Povo busca, portanto, a inclusão, a
formação e a geração de emprego e renda para a cidade mediante o exercício de cidadania.
É o Turismo, enquanto fator de desenvolvimento econômico, social e político.
Sendo assim, implantamos programas importantes, que foram inclusive premiados
no Encontro das Mercocidades em Florianópolis (SC), a saber: “Programa Táxi Turismo” e
“Turismo Cidadão”.
O programa “Táxi Turismo” objetiva formar o profis-sional taxista, fazendo-o
conhecer sua cidade para melhor desenvolver o seu valioso trabalho de receber, de
apresentar a cidade ao visitante ou ao belenense da melhor forma possível. Além disso,
ampliando os conhecimentos dos taxistas, o programa desperta seu interesse pela
preservação de sua cultura. Esse programa de valorização do profissional, além de
proporcionar o acesso aos bens culturais da cidade, tem despertado o interesse de outras
cidades, como Curitiba (PR) e Santarém (PA), que pensam adotá-lo. Até o momento, a
BELEMTUR, juntamente com a CTBEL e o SEBRAE realizaram atividades de formação
com aproximadamente 200 taxistas; a meta é atingir 50% da frota de Belém.
O Turismo Cidadão é um projeto direcionado ao servidor público municipal,
proporcionando o acesso do mesmo aos equipamentos e estabelecimentos de lazer e
entretenimento, mediante financiamentos e descontos aos cadastrados no Programa. Já
atingiu, com isso, cerca de 10% dos servidores e conta com 54 estabelecimentos
credenciados, criando uma rede de investimentos importante para Belém e para o Estado
do Pará.
É claro que, com a reativação da Companhia Municipal de Turismo em 1997, a
demanda reprimida pelo turismo foi crescendo. Atualmente, não são atendidas apenas as
demandas do empresário, mas também as demandas dos moradores dos bairros que
buscam conhecer mais sua cidade. Essa construção se dá por meio de projetos que
envolvem idosos, crianças e adolescentes, juntamente com entidades da sociedade civil e
empresas, como associações de artesãos; centros comunitários, associação de feirantes;
associação de garçons, Sindicato de Trabalhadores em Turismo, empresa de pesquisa de
opinião, entre outras.
A grande pergunta que se fazia no início era “como iniciar uma política de turismo
se a Cidade de Belém nem ao menos possui um órgão ou setor competente para
desenvolver essa política?” Tínhamos certeza de que estávamos partindo do zero,
principalmente, porque a letargia do setor era evidente.
A discussão em torno do turismo é muito recente, isso enquanto política que pode
gerar o desenvolvimento sócio-econômico de uma cidade, falando-se em termos de Brasil
e, principalmente, em âmbito regional.
No Estado do Pará, mais precisamente em Belém, essa discussão inicia na década de
70, com a implantação de alguns programas e planos propostos pela esfera governamental,
porém o fomento foi tímido, sem uma política capaz de propor mudanças na economia
local.
O município de Belém, durante seus 382 anos, até 1997, teve sua política de turismo
resumida à criação e à desativação de órgãos e setores que não conseguiram se estabelecer
enquanto articuladores e responsáveis por um programa mínimo de turismo na cidade.
Em 1997, o Governo do Povo assumiu o compromisso de não apenas reativar o
órgão de turismo criado em 1986, a BELEMTUR – Companhia de Turismo de Belém, mas
também de fazê-lo assumir seu papel de gestor público da política de turismo para o
município de Belém, atitude que foi aprovada por unanimidade pelo trade turístico da
cidade.
O Governo do Povo criou um marco divisor na história do turismo da cidade. A
reativação da BELEMTUR, sua estruturação física e de pessoal, representou a primeira
ação contundente para que o turismo em Belém começasse a fluir com esperança e
sensatez.
A ação do Governo do Povo deu-se principalmente a partir do programa de governo
definido durante as discussões em seminários preparatórios ao programa, com
representação de entidades e demais interessados em discutir o turismo na cidade. O
desafio era começar a criar as condições para que aquela letargia acabasse.
O processo teve início com a municipalização do turismo, com a participação de
Belém no Programa Nacional de Municipalização do Turismo, nas oficinas de
municipalização, na elaboração do Plano Municipal de Turismo, na criação do Conselho
Municipal de Turismo e na apresentação de relatórios de avaliação anual à EMBRATUR -
Empresa Brasileira de Turismo. Esse foi um passo importante para elevar Belém a pólo
turístico consolidado, classificação adotada pela Embratur, e permitir-lhe o acesso a
recursos para construção de infra-estrutura turística na cidade, pois, a partir de então, a
liberação dos recursos foi condicionada à municipalização. Ainda é importante ressaltar
que a criação do Conselho Municipal de Turismo proporcionou a participação mais ampla
do segmento do turismo nas definições dos projetos e ações do município, além de efetivar
a participação popular num conselho paritário com 12 membros (sociedade civil
organizada, escolhidos em fórum amplo de discussão, e 6 do poder público municipal).
Com a municipalização, a cidade de Belém passou a ter condições de assumir a
coordenação política do turismo, organizando as entidades e criando canais de discussão
com as mesmas, com o objetivo de construir uma política representativa, que respeitasse
os anseios de toda a sociedade, além de contribuir para o fomento de uma nova cultura
política, a da participação, e não a do clientelismo.
Tendo esse primeiro processo como base, pode-se afirmar que, desde 1997, o turismo
começou a fazer parte do cotidiano da cidade, despertando na população o interesse de
saber mais sobre essa atividade.
O planejamento do turismo foi iniciado e com ele vieram projetos e programas que
estão em desenvolvimento, demonstrando que a vontade política e o compromisso com o
fazer acontecer são fundamentais para mudar situações estagnadas. O marketing turístico
é um exemplo. Hoje, Belém possui instrumentos de divulgação fundamentais e de
abrangência extralocal, assim como condições de receber o visitante, tais como mapa
turístico, cartazes, guias da cidade, revistas, home-page, mala direta constante aos
mercados emissores, vídeos e outros materiais de divulgação, além de ações como o
retorno de Belém às principais feiras de turismo do Brasil, como a da ABAV – Associação
Brasileira das Agências de Viagens e Turismo. Com essas ações, hoje temos consultas
constantes via cartas, fax e home-page que chegam das principais operadoras de turismo
interessadas em divulgar e incluir Belém em seus roteiros, solicitações estas do Brasil e do
exterior.
A construção de um terminal fluvial turístico sempre foi o sonho de todos os que
operam o turismo receptivo na cidade. Em 1998, o projeto foi enviado à EMBRATUR com
o objetivo de captar recursos do Orçamento Geral da União – OGU. Com os recursos
obtidos e a contrapartida da Prefeitura, Belém, em 1999, no seu aniversário, a cidade foi
presenteada com o primeiro terminal fluvial turístico da região norte, com capacidade
para 12 embarcações ancoradas, além das que o utilizam apenas como embarque e
desembarque. O projeto devolveu à população de Belém e precisamente do bairro da
Condor, tradicional na periferia da cidade, uma praça totalmente recuperada que hoje é
um dos principais espaços de lazer da cidade.
Ainda nessa perspectiva de dinamização, internalização, a BELEMTUR implantou o
sistema dos Postos de Informações Turísticas na sua sede e nos principais portões de
entrada da cidade, como aeroporto, terminal rodoviário, terminal fluvial e Ver-o-Peso.
Esse é um serviço importante para quem chega à cidade; é um ponto de referência para o
visitante e para a população de Belém. Existem 05 postos de informações turísticas, com
funcionamento diário.
No turismo de eventos, a BELEMTUR incentivou e articulou juntamente com o trade
turístico a criação do Belém Convention e Visitors Bureau, fundação sem fins lucrativos,
que trabalha no sentido de captar eventos para a cidade. Participamos do Conselho
Curador do Conventions, além do apoio às ações que o mesmo desenvolve para fomentar
a ação de captação. O turismo de eventos apresenta-se como uma grande alternativa para
Belém, gerando a cada evento aproximadamente 200 empregos diretos.
Seria possível apresentar um leque imenso de ações específicas da empresa
BELEMTUR relativas ao ecoturismo, ao turismo cultural, à capacitação dos profissionais
atuantes no turismo e à sinalização turística que terão início ainda no ano de 2000, mas
este ensaio não se destina a este fim propriamente. Não é tarefa fácil estruturar um órgão
e, ao mesmo tempo, desenvolver um projeto de turismo para uma cidade, mas a
experiência é vitoriosa a despeito dos desafios ainda a enfrentar.
É importante ressaltar que as ações foram realizadas de forma articulada, contando
com a participação de integrantes das esferas municipal, estadual, federal e da iniciativa
privada. O município de Belém possui um projeto de turismo que visa o seu
desenvolvimento para além de uma gestão, de um governo. Os recursos estimados não
são poucos. Por isso, deve se intensificar todo esforço de captação para aumentar a receita
da BELEMTUR e lançar mão de investimentos de diversos setores, consolidando-se uma
visão articulada entre as políticas públicas, para atingir a plena execução dos projetos
propostos no programa de turismo do Governo do Povo.
A política de turismo em desenvolvimento no município, apesar de ter sido
discutida amplamente na Conferência Municipal de Turismo em 1998, passa
constantemente por avaliações e, quando necessário, recebe as alterações, porém mantém-
se fiel a seu princípio de participação popular e ao compromisso de proporcionar o
desenvolvimento sócio-econômico sem provocar degradação. Seu objetivo é tornar
acessíveis os equipamentos de entretenimento e lazer aos mais excluídos, além de gerar
emprego e renda ao município de Belém.
O Governo do Povo iniciou a tarefa principal, que foi trazer à tona a discussão em
torno da necessidade da construção de um projeto de turismo para a cidade de Belém,
motivando os profissionais da área e a população em geral a reverter o marasmo reinante
antes de 1997.
É por isso que acreditamos que os desafios estão postos e serão vencidos com a
participação e o compromisso de todos os que acreditam no turismo como uma das
condições para o desenvolvimento da cidade de Belém.
1
“Inverter prioridades significa pôr em prática um projeto de desenvolvimento que assuma
a questão social como o principal desafio de governo. Operando uma ruptura com padrões
de governo que privilegiam as elites locais, a ênfase passa ser o atendimento das parcelas
mais carentes da população. A prioridade deste projeto de desenvolvimento é a melhoria da
qualidade de vida destas parcelas mais carentes”. In: FRENTE Belém Popular – Programa
de Governo. Belém,1996.
COMPROMISSO E DETERMINAÇÃO
NA MELHORIA DA CIRCULAÇÃO E DOS
TRANSPORTES DE BELÉM:
TRANSPORTE MAIS HUMANO
Participação popular
1
Os anexos constituem uma política de ampliação de oferta de vagas: os espaços
localizados fora do prédio escolar subordinam-se pedagógica, política e
administrativamente às escolas-sede, integrando-se à rede municipal de ensino.
1
Prêmio Nacional/ 1999 “Melhores Práticas” da Caixa Econômica Federal, o Projeto
garantiu a inclusão de 255 crianças e adolescentes, catadores de lixo no Aterro Sanitário do
Aurá, no Programa Bolsa Escola. Atendendo hoje, com atividades desportivas, recreativas,
de lazer e formativas, oficinas de música e dança, atividade de leitura, construção de textos
e resolução de problemas, cerca de 360 adolescentes e 440 crianças, na faixa etária entre 07
e 17 anos. O acompanhamento das famílias ainda é realizado.
2
O Programa Bolsa-Escola recebeu, em 1999, o “Prêmio Programa Gestão Pública e
Cidadania da Fundação Getúlio Vargas”.
3
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério.
Educação ambiental
O meio ambiente em que o homem vive deve ser entendido como o lugar onde mora
o outro além de si próprio, que, se compartilhado, pode vir a ser “mundo” não só para a
sobrevivência, mas também um lugar de emancipação de um número cada vez maior de
pessoas.
Porém, o que se observou foi que, com o surgimento da sociedade moderna, o
homem transpôs todos os limites naturais pelo uso indiscriminado de tecnologias pesadas,
marcadas pela utilização excessiva do espaço natural, o que se agravou com o advento da
sociedade industrial, em que o homem começa a gerar para si, a qualquer custo, maior
conforto e benefícios. Vivemos aí a centralização na individualidade, característica do
Renascimento, que permeia até hoje a relação entre os seres humanos.
Isso se traduz não apenas em desigual acesso aos bens naturais, mas, sobretudo, na
exclusão da maioria da população dos direitos básicos, como alimentação, saúde, trabalho,
moradia e educação.
O modelo de desenvolvimento vigente, apoiado na modernização econômica,
entretanto sem contrapartidas sociais e políticas, gerou a concentração de riquezas e
desigualdades econômicas e sociais em nível mundial, o que é agravado no sistema em
que é atribuída a cada região da vida social uma independência, que na realidade não
existe, gerando entre outras coisas a compartimentalização do conhecimento científico,
como se a sociedade pudesse ser apreendida em fatias econômicas, sociológicas,
tecnológicas, psicológicas.
A educação, como não poderia deixar de ser, padece desse mal social intrínseco à
sua existência, uma vez que vivenciamos um processo de fragmentação na nossa prática
cotidiana, na separação entre o econômico e o simbólico numa sociedade gerada sob a
égide da fragmentação, que é parte constitutiva do conhecimento produzido sobre a
realidade.
Esse modelo de civilização está sendo questionado, uma vez que os problemas
atuais, entre eles o ambiental, exigem uma visão mais global que supere as abordagens
fragmentadas, disciplinares, mecanicistas, as quais não conseguem atacar os problemas em
suas raízes, acabando por escamoteá-los. É nessa perspectiva que emerge a educação
ambiental, como um instrumento democrático.
Nesse sentido, a democracia é condição e meta fundamental, que permite que todos
proponham alternativas e soluções, e a educação ambiental, como educação, política visa à
formação da cidadania local, nacional, continental e planetária, baseando-se no diálogo de
culturas e de conhecimento entre povos, gerações e gêneros, objetivando a melhoria da
qualidade de vida.
O caráter transformador da educação ambiental possibilita a aquisição de
conhecimentos e habilidades capazes de induzir mudanças de atitudes, objetivando a
construção de uma nova visão das relações dos seres humanos com o seu meio e adoção
de novas posturas individuais e coletivas em relação ao ambiente. Ela estimula a formação
de uma sociedade socialmente justa e ecologicamente equilibrada.
A complexidade das questões ambientais colocou-nos frente ao grande desafio de
construir uma proposta de educação ambiental que levasse em conta todas as contradições
inerentes ao processo histórico social vivenciado cotidianamente pela sociedade moderna.
A proposta pedagógica do Governo do Povo, enquanto síntese dialética, configura-
se a partir das seguintes premissas: a inserção da educação ambiental de caráter
propositivo; a formação do sujeito holístico, sujeito da totalidade histórica, capaz de
compreender-se no meio ambiente como aquele que propõe e intervém qualitativamente
nesse ambiente buscando a sustentação econômica, política e social.
Essas premissas nos remetem aos eixos temáticos que norteiam as ações pedagógicas
em sala de aula: ser humano-natureza-sociedade-trabalho-cultura.
A integração entre esses elementos se faz necessária para o desenvolvimento das
ações educativas, uma vez que buscamos a concepção de homem, enquanto sujeito, que
constrói a si mesmo e a sociedade.
A linha norteadora é a discussão e o repensar da ação humana no meio ambiente e
das condições sócio-históricas dessa intervenção, uma vez que toda forma de pensar e agir
se insere numa situação sócio-histórica concreta e deve ser compreendida sempre, tendo-
se em vista realidades específicas. Esse trabalho tem a pesquisa como princípio
metodológico, como atitude, que significa base da produção científica e base da educação,
ancorada no manejo e produção do conhecimento, capaz de construir um diálogo crítico
com a realidade.
Essa concepção se assenta na (re)construção do conhecimento a partir de
metodologias que visam transformar o espaço escolar em um espaço vivo de interações,
aberto ao real e às suas múltiplas dimensões. Os projetos em curso trazem uma nova
perspectiva para entendermos o processo de construção do conhecimento. O ato de
aprender deixa de ser um simples ato de memorizar, de repassar conteúdos. Todo
conhecimento é construído em estreita relação com o contexto onde o aluno está inserido,
sendo, por isso, impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes
no processo.
As atividades baseadas nesses aspectos proporcionam atitudes de pesquisa que
subsidiam a prática pedagógica na escola de forma regular e progressiva, construindo nesse
processo um currículo vivo de trabalho.
CONSTRUINDO A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL EM BELÉM: INVERTENDO PRIORIDADES
O Governo do Povo, desde o início, tinha claro que toda e qualquer ação, atitude,
programas e projetos deveriam ter como alvo principal a maioria da população, em
particular os segmentos excluídos e, assim, inverter a lógica da política elitista e
excludente que durante décadas serviu apenas para concentrar riqueza e acentuar ainda
mais o distanciamento entre as classes.
Ao elegermos a “inversão de prioridades”, entendida aqui como um redirecionamento
da política em direção da maioria que trabalha, produz, constrói e que vive a cidade,
mesmo que seja na condição de “excluídos sociais” 1 , sabíamos que as dificuldades e
desafios seriam grandes, principalmente na área da assistência social.
Como construir uma política de assistência social no município sem os ranços
históricos do clientelismo, da visão compensatória e paliativa das demandas da população
pobre e excluída? O desafio estava lançado para a FUNPAPA e para o conjunto do
Governo do Povo.
É muito recente a definição da assistência social como uma política pública. Data de
1988, com a incorporação da assistência social no âmbito da seguridade social, quando da
discussão e aprovação da última Constituição Federal. Até essa data, o entendimento geral
afirmava que a “assistência social era coisa de solidariedade, era uma prática social da
rede de solidariedade da sociedade civil, era sinônimo de mero assistencialismo”.
Nesta gestão municipal, a FUNPAPA tem orientado sua ação consoante com as
discussões dos novos paradigmas da assistência social, definida como uma política
pública, abandonando de vez a visão de que assistência a social é sinônimo de
assistencialismo.
Em 1993 foi sancionada a Lei 8742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social –,
resultado de uma construção coletiva, provocada pela organização e mobilização dos
trabalhadores e usuários da assistência social, conquistando dessa forma o reconhecimento
pelo Estado e sociedade da importância dessa política na proteção social dos cidadãos
brasileiros. Mais recentemente, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
aprovou a Política Nacional e a Norma Operacional Básica da Assistência Social, cuja
implantação está em curso no país.
Em Belém o processo de descentralização da assistência social ,prevista na LOAS,
iniciou com a criação do Conselho Municipal de Assistência Social 2 (CMAS), do Fundo
Municipal de Assistência Social e a elaboração do Plano Municipal de Assistência Social 3,
condição legal para a descentralização. Após a estruturação do CMAS, com
funcionamento regular e com pouco mais de um ano de existência, ocorreu a
municipalização da assistência a partir do repasse para o município da rede de entidades
não governamentais financiadas com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social 4 ,
que prestam serviço para a população de Belém, com serviços de atenção à criança na
idade de 0-6 anos, pessoas portadoras de deficiência e pessoas idosas.
O que significa isso? Significa que o município de Belém, a partir de maio de 1999,
assumiu a coordenação política5 de todos as ações de caráter assistencial, o que nos impõe
um novo desafio: organizar as entidades não governamentais, procurando criar uma nova
cultura política, de acordo com nossos princípios de participação, democratização e,
principalmente, o de inversão de prioridades.
São 78 entidades6 com uma prática na área da assistência que tem origem na
experiência da antiga Legião Brasileira de Assistência (LBA), estabelecendo uma relação
política do “toma lá dá cá”. São entidades que – para usar uma linguagem nova – hoje
compõem a Rede7 de Assistência Social em Belém, em fase de organização e estruturação.
É importante ressaltar que há uma contradição presente em todo processo de
descentralização das políticas públicas: ao mesmo tempo em que a descentralização em
nível municipal aproxima o cidadão do problema e das soluções, possibilitando maior
acesso e controle pela população, esse processo, por outro lado, é fruto de uma política em
curso no país que visa diminuir cada vez mais os investimentos nas políticas públicas, em
especial nas políticas sociais. É o chamado Estado Mínimo. Nesse sentido, as Políticas
Públicas tornam-se “presa fácil” nas mãos dos governantes brasileiros, que, utilizando-se
das premissas constitucionais da descentralização político-administrativa do Estado
brasileiro, transferem todos os problemas para os municípios, sem que haja
financiamentos condizentes com as necessidades e demandas da população. Restando aos
municípios vários desafios, que vão desde a construção da co-gestão até a busca de
recursos para garantir o bom funcionamento dos equipamentos sociais.
O aspecto legal e normativo da Política de Assistência Social é importante, porém
não é tudo. Continuamos enfrentando o descaso da ideologia neoliberal no que tange
principalmente ao financiamento desta Política Pública, além de enfrentarmos problemas
na transformação daquilo que sempre foi considerado uma “prática social” para uma
gestão de política pública, da forma como se define nos paradigmas legais. E isso porque
ainda é muito presente no cerne da sociedade a compreensão da assistência social como
uma “prática social” qualquer.
Nosso desafio consiste não apenas em inverter a lógica excludente, mas também
construir e consolidar de fato a Política de Assistência Social em Belém.
Podemos afirmar com segurança que em Belém até 1996, quando da eleição do
Governo do Povo, não se ouvia falar em fazer assistência social. O que se sabia era que a
Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA) desenvolvia projetos de atendimento a crianças e
adolescentes em situação de rua, idosos, centros comunitários e doações. Eram projetos
pontuais e que pouco possibilitavam a inclusão social.
Era o caso, por exemplo, do projeto “jornaleiro”, que consistia em uma ação
articulada com a Fundação Rômulo Maiorana e Jornal O Liberal, em que 60 adolescentes
diariamente saíam de suas casas às 04:00h da madrugada para venderem jornais nas ruas
da cidade, expondo-se a todos os riscos que a rua possibilita. Após avaliação criteriosa
com as famílias dos adolescentes, os mesmos foram incluídos no Programa Familiar para a
Educação, mais conhecido como Bolsa Escola.
O que mudou com essa ação? Primeiro, que as famílias passaram a receber uma
renda mínima até construírem condições para gerar sua própria renda. Segundo, que os
adolescentes, além de receberem assistência educacional, participaram de projetos de
educação profissional. A mudança significativa está no fato de que com esta intervenção
procuramos trabalhar os aspectos da auto-estima para o trabalho com os adultos e a auto-
estima dos adolescentes para um futuro diferente e melhor, mostrando a eles que é
possível sonhar e realizar seus sonhos de forma digna e participativa, assegurando renda,
trabalho, educação e assistência social.
Foi a partir de ações como essas que desencadeamos todo um processo de discussão
sobre o papel da assistência social no contexto das demais políticas públicas,
principalmente educação, trabalho e saúde. Envolvendo não apenas os servidores, mas a
população usuária, seja ela dispersa ou organizada. Hoje, tudo o que é realizado pela
FUNPAPA é feito de forma integrada com as políticas setoriais, tanto na perspectiva de
fortalecimento dos laços familiares, respeito às demandas dos setores organizados, quanto
na busca da inclusão social.
Nossos programas e projetos, embora com experiências recentes, trazem a marca da
integração e inclusão social de forma articulada e participativa.
Trabalhamos e estamos construindo políticas para setores que nas gestões anteriores
nunca foram sequer ouvidos. Mais desafios! Como articular políticas para as mulheres?
Como superar o atendimento às crianças de rua fazendo a transição de assistidos a
cidadãos? Como trabalhar com a vulnerabilidade dos grupos sociais, transitando de uma
noção de carências sociais para o terreno dos direitos sociais frente à onda hegemônica
neoliberal que suprime as conquistas sociais?
Atualmente, a FUNPAPA, juntamente com a Secretaria Municipal de Educação
(SEMEC), coordena o PBE com cobertura para 4.820 famílias distribuídas nos oito distritos
administrativos de Belém, nos municípios de Ananindeua, Benevides e Marituba. Do total
de famílias atendidas pelo Programa, a FUNPAPA acompanha 1000 famílias, cujas
crianças estavam em situação de rua 8 . Ao longo destes 3 anos, já totalizam 10 mil famílias
e 50 mil crianças.
O trabalho da FUNPAPA foi ampliando-se cada vez mais, com os projetos Educação
de Rua, Escola Circo, Arte-Cidadania, Educação - Trabalho e Cidadania, Terceira Idade,
Educação Profissional de homens e mulheres para o mercado de trabalho, Apoio e
Orientação Psicossocial às famílias, Atendimento às Mulheres em Situação de Violência
Sob Risco de Vida e Atendimento de Crianças e Adolescentes na Rede de Abrigos.
Discutir cidadania tem sido a meta política da FUNPAPA e isto está sendo possível
com o envolvimento dos grupos sociais mais explorados, mais discriminados, mais
vulneráveis. Articular e interagir com movimentos de mulheres, portadores de
necessidades especiais, idosos, negros, meninos e meninas de rua, movimentos
alternativos da juventude, conselhos, fóruns, tem sido uma experiência frutífera e
audaciosa no sonho de construção de uma nova sociedade, possibilitando participação e
controle da sociedade sobre a execução da política da assistência social no município.
Assim é que, na área da criança e do adolescente, formou-se uma Rede Integrada de
Acompanhamento do Programa bolsa Escola com oito organizações não governamentais,
a saber: Grupos Espíritas Lar de Maria, Vinha de Luz e Jardim das Oliveiras; Movimento
República de Emaús; Grupo de Mulheres Prostitutas da Área Central; Movimento de
Promoção da Mulher; Igreja da Confissão Luterana e Centro de Estudo e Defesa do Negro.
Fortaleceu-se ainda o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
(COMDAC), os Conselhos Tutelares e o Fórum Paraense pela Erradicação do Trabalho
Infantil e Proteção do Trabalho do Adolescente.
Na área da Política de Atenção à Mulher, constituiu-se uma assessoria específica que
articula e participa dos fóruns, movimentos e Conselho Municipal da Condição Feminina,
possibilitando a participação e o controle da sociedade sobre a execução desta política. Na
área do Atendimento à Terceira Idade, todas as atividades realizadas são articuladas com
outras instituições governamentais e não governamentais, no sentido de uma intervenção
integrada e descentralizada, combatendo a discriminação, o preconceito e a exclusão do
idoso no cerne da sociedade local.
São muitas as ações que a FUNPAPA realizou de forma articulada, integrada e
participativa, seja no âmbito da esfera municipal, estadual, federal ou mesmo da iniciativa
privada. Muitas foram as iniciativas no sentido de, inclusive, obter recursos externos,
ampliar os recursos dos cofres municipais 9 . Por outro lado, o fundamental aqui é ressaltar
que todos os esforços até hoje têm se dirigido para o nosso objetivo inicial: a inversão de
prioridades.
A atual política municipal de assistência social, embora tenha sido discutida e
aprovada pelo Conselho Municipal de Assistência Social, constitui uma política aberta,
passível de modificações, mas preocupada de forma intransigente com os segmentos
excluídos, sobretudo com aqueles que, segundo CRUZ 10 , ocupam o chamado exército
industrial de reserva: os aptos para o trabalho, os órfãos e crianças indigentes, os
degradados, maltrapilhos, incapacitados para o trabalho. São notadamente indivíduos que
sucumbem devido a sua imobilidade, causada pela divisão do trabalho, aqueles que
ultrapassam a idade normal de um trabalhador, as vítimas da indústria (os aleijados,
doentes, viúvas, etc.).
Problemas são muitos, necessidades sociais são expostas a todo momento, desafios
nesses três anos foram cotidianos. Romper com o ranço da subalternidade, do favor, do
clientelismo, do assistencialismo, transitar do campo da carência para a visão de direitos é
trabalhoso, mas o compromisso com a redefinição das relações da sociedade civil no
sentido de assegurar de fato a passagem da condição de vulnerabilidade, de carências para
a visão de direitos, continua sendo nossa utopia.
É com essa utopia que vamos construindo canais de participação, que motivem a
população de Belém a decidir sobre o que deve ser feito no seu bairro, na sua cidade, sobre
o orçamento da prefeitura, rompendo um limite que ela mesma se impõe ao dizer ‘isso não
é para nós’, conquistando no plano da construção cultural uma nova forma de governar11 .
1
Consideraremos “excluídos sociais” os indivíduos que não usufruem da riqueza
acumulada mediante produto do trabalho humano – seja do trabalho formal ou não – mas
que desempenham atividades sociais que lhes permitem participar da produção urbana,
tanto por meio de ações espontâneas oriundas de suas necessidades individuais e imediatas,
quanto por ações dirigidas pelas instituições oficiais. Assumindo, portanto, a condição de
exclusão integrativa. (CRUZ, Sandra H. R. Movimentos sociais e construção do espaço
urbano em Belém: o bairro da Sacramenta. Belém: PLADES/NAEA;UFPA. 1994. 164p,
Dissertação de Mestrado)
2
O CMAS foi criado em fevereiro de 1998 por lei aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo Prefeito Edmilson
Rodrigues. O Conselho é composto por cinco representantes de secretarias municipais e cinco representantes de entidades
não governamentais que atuam na área da assistência, sendo coordenado pela FUNPAPA.
Este reúne projetos e programas tanto da esfera municipal como de algumas entidades de
atendimento que compõem a rede não governamental. É importante ressaltar que o Plano
em vigor e aprovado pelo CMAS é aberto e, portanto, passível de modificações.
4
O Fundo Nacional de Assistência Social é coordenado pela Secretaria de Estado de Assistência Social do Ministério da
Previdência Social.
5
Hoje a FUNPAPA, juntamente com o CMAS, é responsável pelo financiamento, pelo acompanhamento do trabalho, pela
formação política, pedagógica e comunitária e pela avaliação do atendimento, podendo inclusive redimensionar as metas
atendidas, no sentido de assegurar melhor atendimento.
6
Às 78 entidades somam-se mais 48 que já eram atendidas desde 1997 e que juntas atendem a 20.763 pessoas, entre crianças,
idosos e pessoas portadoras de deficiências.
7
Hoje é muito comum se falar em “rede” quando se pensa em estruturar os serviços para
que eles aconteçam de forma articulada e estruturada, possibilitando maior informação e
acesso. Em Belém, as discussões entre as esferas governamentais e não governamentais têm
evoluído na direção de se ter um projeto que integre o atendimento social da população,
principalmente na área da educação, saúde, assistência social e cultura, voltado para os
segmentos que compõem a faixa etária entre zero a 17 anos.
8
É importante que se compreenda que a “situação de rua”, no caso de crianças, envolve
situações que vão desde o “trabalho infantil” até situações de drogadição, prostituição e
possíveis delitos, possibilitando assim o abandono pela família. E em alguns casos, as
próprias crianças é que abandonam as famílias. A “situação de rua” diferencia-se, portanto,
das crianças em “situação de risco”, o que reúne um número muito maior de pessoas porque
diz respeito a extremas situações de pobreza.
9
No período de 01/01/97 a 13/12/99, o montante de convênios que deram entrada na
FUNPAPA foi de R$ 8.060.080,13, dos quais R$ 1.217.566,01 correspondem à captação de
recursos para o desenvolvimento de novos projetos, e os demais R$ 6.842.514,12 são
referentes aos Serviços de Ação Continuada advindos do Fundo Nacional de Assistência
Social.
10
CRUZ, Sandra Helena. Op. cit
11
FRENTE Belém Popular. Op cit.
A gestão do sistema
Balneabilidade
1
Segundo recente estudo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social). Informe Econômica do Jornal do Brasil, por ROMERO, Cristiano. Caderno de
Proposta Política de Saneamento Ambiental: Inovações na perspectiva do controle social –
FASE.
2
Criada pela Lei Municipal n.º 6.695 de 17 de junho de 1969 e regulamentada pelo Decreto
n.º 12.565, de 14 de agosto de 1970, dispondo de autonomia econômico-financeira e
administrativa, tendo como competências a gestão do Sistema Público Municipal de
Abastecimento de Água e Esgoto, o que se coaduna com o disposto no Art.30, inc. V da
CF/88.
Nesse contexto é que se travou em Belém, nas eleições de 1996, a disputa entre dois
projetos de saúde para o município: o modelo neoliberal e o modelo da Reforma Sanitária.
Ambos propugnavam a implementação do SUS em Belém, porém, com concepções
distintas quanto ao encaminhamento da sua operacionalização.
O povo venceu e foi vitorioso o modelo de saúde inspirado nos ideais da reforma
sanitária.
Decorridos 3 anos de governo democrático e popular em Belém, há de se perceber
com muita nitidez os avanços na consolidação do SUS e do resgate de seu ideário,
mediante a observação dos pilares fundamentais: resgate da gestão da saúde pelo poder
público municipal, planejamento estratégico da cidade, traduzido na ampliação da oferta
de serviços de saúde pelo poder público e, fundamentalmente, pela participação popular
na construção coletiva de políticas públicas de saúde.
Por outro lado, é preciso, antes de aprofundar a análise sobre a gestão da saúde no
Governo do Povo, traçar um paralelo entre as formas de concepção do SUS no modelo
neoliberal e no modelo da reforma sanitária.
O modelo neoliberal de implementação do SUS foi construído a partir de uma
reciclagem da proposta conservadora do modelo médico-assistencial privatista. Ele se
apresenta como expressão local de uma onda internacional - uma ideologia neoliberal que
marca fortemente as políticas sociais brasileiras.
No campo das políticas sociais, as estratégias de estabilização ou de ajustes
neoliberais assentam-se em três opções fundamentais: a privatização, a descentralização e
a focalização.
A privatização dos serviços de saúde remete a regulação a mecanismos de mercado
que, quase sempre, nesse setor, incrementam a regressividade do sistema, penalizando os
que menos podem. Além disso, a privatização dá-se, invariavelmente, induzida por
mecanismos de subsídio estatal direto ou indireto às empresas ou de forma muito
mascarada pelo patrimonialismo que constitui uma apropriação privada do Estado, o que
é, também, socialmente injusto.
A segunda opção é a descentralização que, no enfoque neoliberal, é concebida num
contexto de uma proposta de diminuição do Estado em busca de um Estado mínimo, o
que ocasiona graves distorções no Estado democrático, pois ocasiona uma fragilização do
papel soberano do Estado sobre as políticas sociais e a diminuição do seu papel
redistributivo, o que fere mortalmente a eficiência alocativa dos recursos para regiões e
grupos discriminados socialmente.
A terceira opção, a focalização, decorre do fato de que os gastos sociais públicos
chegam, em pequena proporção, aos setores pobres da sociedade e que, portanto, para eles
devem ser dirigidos, prioritariamente, os recursos para os programas sociais, o que levou a
política de focalização, mas sem pressão social, a transformar-se numa neofilantropia.
No campo da saúde, a focalização aparece com clareza nas propostas de
reorganização da atenção básica seletiva, especialmente na medicina simplificada (cesta
básica para pobres), ficando a cargo da iniciativa privada a exploração dos serviços de
média e alta complexidade (procedimentos mais rentáveis pagos pelo SUS).
Enfim, o modelo conservador hegemônico no campo da saúde, a partir da década de
80, desrespeita o texto constitucional, pois abre mão da função pública do Estado em
relação à saúde em favor da iniciativa privada e trata o controle social como mero
instrumento homologatório de suas decisões, tentando passar a impressão que estamos
vivenciando um pleno estado democrático.
O modelo da reforma sanitária de implementação do SUS substitui o mercado como
principal critério para organizar e distribuir serviços de saúde pelo PLANEJAMENTO.
Realizado não a partir do poder aquisitivo das pessoas, mas de suas necessidades de
saúde. Nesse modelo, a saúde passa a ser considerada um direito de cidadania. O
atendimento é universal, gratuito e organizado, a partir de uma racionalidade técnica e
política, hierarquizado segundo a complexidade da atenção e regionalizado conforme a
distribuição populacional e o perfil epidemiológico das comunidades.
O modelo da reforma sanitária é antagônico à medicina de mercado, que pode existir
apenas em caráter complementar ao sistema público ou como prática alternativa custeada
diretamente apenas pelos que optassem por tal modalidade de assistência.
Nesse modelo, é imprescindível a participação popular organizada no planejamento
e definição das políticas de saúde. É fundamental a abertura de canal direto com a
população, por meio da realização sistemática das Conferências de Saúde e do pleno
funcionamento do Conselho de Saúde, como instância deliberativa da alocação dos
recursos e respectiva prestação de contas.
A forma de gestão deve ser colegiada. O poder público deve acatar
democraticamente as entidades de representação eleita na conferência de saúde, por
segmento, e com composição de 25% prestadores de serviço de saúde, 25% trabalhadores
de saúde e 50% entidades de usuários.
Neste sentido é que, desde 1997, em Belém, com a vitória da Frente Belém Popular,
vem sendo construído na saúde um modelo contra-hegemônico ao modelo neoliberal.
Nosso compromisso é com a luta dos reformistas sanitários, que defendem um Sistema
Único de Saúde, inclusivo e universalizante, sob gestão municipal e com participação
popular.
Decorridos 03 (três) anos, o Governo do Povo acumulou experiências vitoriosas que
elevaram a saúde pública de Belém para um patamar nunca visto antes na história da
saúde pública em nossa cidade.
A Secretaria Municipal de Saúde (SESMA) foi reorganizada, a fim de levar a cabo a
missão institucional de tornar a SESMA gestora plena do Sistema Municipal de Saúde. A
saúde foi municipalizada em Belém, com apenas 22 (vinte e dois) dias de governo; suas
ações foram planejadas para o período 1997/2000, a partir de diretrizes, e de forma
coerente com os ideários da reforma sanitária - trabalhamos os princípios da
universalidade, integralidade e controle social.
Apostando na gestão colegiada, como forma de condução do processo, foi ampliada
a rede básica de saúde e construída a retaguarda dessa rede e concebida uma política
distritalizada para o atendimento de urgência e emergência, devidamente articulada com
um eficiente sistema de resgate pré-hospitalar.
Na área da vigilância à saúde, estruturamos os serviços de vigilância
epidemiológica, vigilância sanitária, controle de endemias e controle de zoonoses.
A Saúde foi resgatada enquanto política pública, na concepção de qualidade social
de vida.
No sentido de dar suporte administrativo ao crescimento geométrico da gestão
popular e democrática da saúde, implementamos uma política de modernização dos
insumos, qualificando o processo de compra, armazenagem, controle de estoque e
dispensação dos produtos. Contamos hoje com o mais moderno e eficiente almoxarifado
central municipal da Região Norte.
Além disso, para exercer o papel regulador do setor público estadual e federal, e
também do setor privado, o Governo do Povo montou toda uma estrutura de controle,
avaliação e auditoria do sistema de saúde, no sentido de zelar pelo correto gasto do
dinheiro público, na compra de serviços de saúde de prestadores credenciados pelo SUS-
Municipal.
Avançamos mais ainda no tocante à participação popular, pois foram criados novos
canais de controle social, muito além daqueles previstos na legislação da saúde:
Orçamento Participativo, Conselho Gestor de Unidades de Saúde e Conselho Distrital de
Saúde.
Rompendo com o padrão vigente, no Governo do Povo, a rede de atenção foi
totalmente reorganizada pelo Programa Família Saudável sob inspiração da política de
saúde cubana.
Em nosso projeto, o Família Saudável é concebido como porta de entrada do sistema
de saúde municipal, e as atuais unidades municipais de saúde passam a ser as unidades
de referência dessa estratégia.
Há mudança de intervenção no processo saúde/doença, pois o Família Saudável
possibilita a atuação sobre o risco (promoção e prevenção) e não sobre o dano (tratamento
e reabilitação).
O Programa Família Saudável possibilita também o vínculo da clientela com os
trabalhadores de saúde, delimitando o raio de ação da equipe, mediante o cadastramento de
domicílios. Desta feita desencadeia-se o processo de criação dos distritos sanitários,
concebido como processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de
Saúde.
1
FIORI, José Luis. Ajuste, transição e governabilidade: o enigma brasileiro, p. 127-193. In:
TAVRES, Maria da Conceição. (Des) Ajuste global e modernização conservadora. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1993. 193p.
ESSÊNCIA, APARÊNCIA E COMUNICAÇÃO
NA PRÁTICA DO GOVERNO DO POVO DE BELÉM
Sociedade e comunicação
A Idade Mídia
Essência, aparência
1
DIAS, Edmundo Fernandes. Hegemonia: racionalidade que se faz história,. São Paulo:
Xamã Editorial, 1999.
2
CORTÁZAR, Júlio. Histórias de cronopios e famas. Tradução Glória Rodrigues. 6ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 127p.
3
ALMEIDA, Jorge. Mídia, Estado e estratégia de contra-hegemonia In Estratégia: a luta
política para além do visível. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999, p. 90.
4
LEFEBVRE, Henri. La Pensée de Lenine. Paris: Bordas Editeurs, 157. 356p.
Colaboradores
Valdir Ganzer
Vice-prefeito