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Edmilson Brito Rodrigues

Jurandir Santos de Novaes


organizadores

LUZES NA FLORESTA
O governo democrático e popular em Belém (1997-2001)

2a. Edição
Revista e ampliada

Prefeitura Municipal de Belém

© Copyright 2002
Obra editada pela Prefeitura Municipal de Belém

Todos os direitos reservados para Prefeitura Municipal de Belém

Capa. Editoração eletrônica


Fax Comunicação

Revisão
Débora David

Coordenação editorial
Fax Comunicação

Dados de Catalogação

Rodrigues, Edmilson Brito e Novaes, Jurandir Santos de (Orgs.)

Luzes na Floresta – O governo democrático e popular em Belém (1997-2001). –


2ª ed. Belém-Pa: Prefeitura Municipal de Belém, 2002
242 p.

1. Gestão Pública e Participação popular - Belém. I. Título: Luzes na Floresta

CDU - 35.072.7 (811.5)

Edmilson Brito Rodrigues


Jurandir Santos de Novaes
organizadores

Aclemilda Sousa Ferreira  Aldenor Monteiro de Araújo Júnior  Ana Conceição Oliveira 
Carlos Alberto Barros Bordalo  Cristina Maria Baddini Lucas  Egídio Machado Sales Filho 
Eneida Canedo Guimarães Castelli  Esmerino Neri Batista Filho  Esther Bemerguy de
Albuquerque  Everaldo Carmo da Silva  Francisco Eduardo Pasetto Lopes  José de Andrade
Raiol  José Jomar Gonçalves de Oliveira  Manfredo Ximenes Pontes  Márcio Augusto Freitas
de Meira  Moisés Moreira dos Santos  Nelson Marzullo Maia  Neuton Miranda Sobrinho 
Orlando Melchiades Ribeiro de Oliveira  Paulo Sérgio Miranda Uchoa  Pedro Ribeiro Anaisse
 Raimundo Luiz Silva Araújo  Raimundo Vasconcelos Martins  Rodrigo Peixoto  Ruth
Granhen Tavares  Ruth Helena Guimarães Vieira  Sandra Helena Morais Leite  Sandra
Helena Ribeiro Cruz  Silvia Helena Ribeiro Cruz  Stefani Henrique Santos

LUZES NA FLORESTA
O governo democrático e popular em Belém (1997-2001)

Prefeitura Municipal de Belém


Belém do Pará - 2002
SUMÁRIO
Apresentação

A cidade, uma nova cultura participativa, o poder popular

O Sistema de Planejamento do Governo do Povo

Congresso da Cidade de Belém: Concepção de Gestão


e Planejamento para além do Orçamento Participativo

Orçamento Participativo é o Poder de Decisão


nas Mãos do Povo

A Irresistível Belém da Resistência

Democratização e Poder Popular

O Governo do Povo frente a uma História de Exclusão da


Maioria da População de Belém e a Centralização da Gestão

O Exercício do Poder Popular

A Gestão Tributária e Fiscal do Governo do Povo

Tecnologia como Suporte à Informação


e à Gestão Territorial com Função e Controle Social

A Captação de Recursos e a Cooperação Internacional

A Política de Valorização do Servidor Municipal


no Governo do Povo
A Previdência e Assistência ao Servidor Municipal

Belém: Capital Cultural

Gestão Urbanística da Cidade de Belém:


Duas Cidades que Sonham Ser Uma

Princípios de Atuação Jurídica em um Governo


Democrático e Popular
Bem Morar: A Política Habitacional do Governo do Povo

Gestão Ambiental no Município de Belém: Trajetória


e Experiências em um Governo Democrático Popular

Desenvolvimento Econômico e Inclusão Social

A Política de Turismo para a Cidade de Belém:


Participação e Cidadania

Compromisso e Determinação na Melhoria da Circulação


e dos Transportes de Belém: Transporte Mais Humano

A Política de Alimentação Escolar Adotada na Rede


de Ensino Municipal, Federal e Filantrópica de Belém

Escola Cabana: Construindo uma Educação


Democrática e Popular

Construindo a Política de Assistência Social


em Belém: Invertendo Prioridades

Saneamento como Garantia de Inclusão Social


com Participação Popular
Experiência de Gestão Popular e Democrática
do Governo do Povo ao Assumir a Administração
do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Belém

Saúde: A Experiência de Governar na Perspectiva


Democrático-Popular

Essência, Aparência e Comunicação na Prática


do Governo do Povo de Belém
APRESENTAÇÃO

OUTROS JANEIROS VIRÃO

Santa Maria de Belém do Grão Pará, fundada pelos portugueses em 12 de janeiro de


1616, poderia não existir. Ou melhor, poderia existir de uma forma diferente: uma grande
aldeia tupinambá, governada pelos descendentes do tuxaua Guaiamiaba, que três janeiros
depois atacou a cidade invasora, disposto a afogar na Baía do Guajará a urbe recém-
nascida. Guaiamiaba morreu no combate e seus guerreiros foram derrotados. Na cidade
ficaram incubados os germens de uma perpétua rebelião.
Muitos janeiros se passaram.
No dia 7 do primeiro mês do ano de 1835, ouviu-se outra vez o grito tupinambá.
Desta vez vinha acompanhado de lavradores, pescadores, mestiços, negros e índios de mil
outras tribos. Conquistaram Belém, instalaram o primeiro governo do povo e deram início
ao movimento conhecido como Cabanagem, ou melhor, a Revolução Cabana.
Revolta dos casebres contra as casas-grandes, vez e voz das palafitas, a Cabanagem,
entre idas e vindas, resistiu em Belém e no interior da Amazônia até 1840. Para abater o
povo foi preciso um genocídio: aproximadamente um terço da população masculina da
região foi dizimada. Para além do massacre, o espírito da liberdade continuou a vaguear
pela floresta.
Outros janeiros se passaram.
No dia primeiro do já longínquo janeiro de 1997, os cabanos retomaram Belém. Não
por fora, mas por dentro. Não pelas armas, mas pelo voto. A grande aldeia sonhada por
Guaiamiaba, a fortaleza poderosa dos cabanos se via transformada numa experiência
aberta no meio da selva , onde a gente cabocla, mais uma vez, tentaria realizar o seu mais
antigo sonho: o de se auto-governar. A coragem era a mesma. A bandeira vermelha
também era igual e o desafio não era diferente: construir uma cidade do povo dentro de
um país que é governado por seus inimigos.
Mais janeiros se passaram.
Belém, outra vez cabana, resistiu e segue em frente. Apesar dos ataques dos senhores
da riqueza, das palavras e do poder, o povo do rio e da floresta venceu outra vez nas ruas
e nas urnas. Agora, vem contar a crônica desses últimos cinco anos. Sem dúvida, é tarefa
da mais alta importância: nossos antepassados tupinambás e cabanos nos deixaram
escritos e por isso quase foi varrida a nossa história. Os relatos deste livro querem ser
armas de vitória, conversa ao pé do fogo, prosa e verso de um povo que anseia por
ultrapassar seus limites.
No primeiro janeiro do novo milênio veio à luz este livro. Neste novo janeiro, o livro
renasce revisto e ampliado para registrar a crônica do primeiro ano do segundo mandato
dessa nova cabanagem. Neste trabalho, diversos componentes do governo do povo pós-
Cabanagem contam a batalha cotidiana para fazer do povo o senhor de sua cidade. Mais do
que autores são contadores de histórias. O verdadeiro autor trabalha e espera pelos janeiros
que virão.

Professor e arquiteto Edmilson Brito Rodrigues


Prefeito de Belém do Pará

A CIDADE, UMA NOVA CULTURA PARTICIPATIVA, O PODER POPULAR


Objetiva-se, com este texto, refletir criticamente sobre o novo significado da cidade
no contexto histórico atual e o papel de governos democráticos e populares locais.
Atente-se para um fato importante à apreensão do urbano, aqui identificado como o
local: o atual estágio da história da humanidade neste início de século coincide também
com início da fase urbana da sociedade. Tem-se hoje 52% da população mundial -
aproximadamente 3 bilhões e 200 milhões de habitantes – vivendo em cidades. A
estimativa feita pela Organização das Nações Unidas (ONU) é de que 2020 pelo menos
60% da população - mais de 5 bilhões de habitantes para uma população mundial de
aproximadamente 9 bilhões – viverão em zonas urbanas. O mundo é hoje, efetivamente,
um mundo urbano. Em termos globais representa o início de uma fase histórica onde
torna-se cientificamente obrigatória a análise do urbano se objetiva-se projetar luzes sobre
um projeto de futuro. Esse é certamente um dos mais importantes aspectos do novo
conteúdo que o local adquire.
No Brasil, esse demarcador - superação da população rural pela urbana - já ocorreu
há mais tempo. O censo demográfico realizado em 2000 mostra que 81,2% da população
vivem em zonas urbanas. “As regiões mais urbanizadas são a Região Sudeste (90,5%) e a
Região Centro-Oeste (86,7%). As Regiões Norte e Nordeste mantêm as maiores proporções
de população rural, 30,3% e 31,0%, respectivamente.”. Quando se fala em reserva de
recursos hídricos, em biodiversidade, em povos da floresta, das diversas etnias e culturas
indígenas, etc., em geral lembra-se da Amazônia que, como mostrou-se, já alcançou uma
taxa de 69,7% urbanização. O Estado do Pará, um dos mais representativos da amazônia,
tem hoje uma população urbana correspondente a 66.5% 1. Significa dizer que mesmo a
Amazônia, que para muitos continua sendo vista como "terra sem homens para homens
sem terra", tem um nível de urbanização bastante alto. Significa dizer que, há muito,
tornou-se fundamental para pensar-se num projeto alternativo de desenvolvimento para o
Brasil, pautar-se a questão urbana como estratégica.
A cidade é espaço onde vidas humanas se realizam, onde a felicidade é buscada,
onde o sonho de uma sociedade feliz se expressa fortemente nas lutas do povo, nas lutas
de classes; onde se expressam, também, com vigor as desigualdades sócio-espaciais e
ambientais. A cidade deve ser apreendida em duas dimensões indissociáveis: como um
espaço uno e dividido. É uno porque é uma totalidade. É dividido, porque se expressa
material e imaterialmente, e porque física e socialmente é desigual. Materialmente,
tridimensionalmente, na paisagem arquitetônica ou natural; espaço tangível. Enquanto
dimensão imaterial é espaço de relações sócio-culturais que se realizam no seu próprio
espaço físico ou em circuitos que o extrapolam mas o influenciam: relações sociais de
produção, relações políticas, artísticas, etc. Nesse sentido, cada prédio, cada praça, cada
via pavimentada, a existência ou não de um prédio escolar, de uma unidade de saúde em
determinados locais; a existência ou ausência de uma rede física de fornecimento de água
potável, são resultados de relações humanas, que no capitalismo são relações orientadas
pela lógica do lucro, e nesse sentido, estão submetidas ao processo de produção e
reprodução de desigualdades sociais. A lógica do lucro realiza uma processo desigual e
combinado de desenvolvimento do qual a cidade é expressão local. Portanto, a cidade é ao
mesmo tempo una mas diversa. É uma esfinge que deve ser aprendida, apreendida, se
pretende-se pensar um projeto alternativo de futuro para a própria cidade,
ressignificando-a para a igualdade, a justiça e a democracia, e para toda a humanidade.
Mas a cidade não é uma "ilha", que possa ser isolada, apartada, da estrutura social na
qual está inserida, submetida, no caso, o modo de produção capitalista. As cidades são

1
Censo Demográfico 2000: resultados preliminares / IBGE. – Rio de Janeiro : IBGE, 2000.
diferentes umas das outras, elas têm especificidades, características tanto físicas quanto
culturais peculiares; o tipo de paisagem natural, as formas de relação do homem com o
meio natural onde vive, as formas urbanas construídas, um conjunto de valores e
manifestações culturais, inclusive a maior ou menor tradição de organização política,
experiências de lutas entre as classes, maior ou menor consciência de direitos, dão feições
próprias a cada cidade. Ao mesmo tempo, a cidade é palco privilegiado para a percepção
da sociedade como totalidade; o grau de internacionalização da economia e seus setores
hegemônicos, a dinâmica das transformações científicas, tecnológicas e das linguagens
artísticas, as representações do poder político, etc. As peculiaridades de cada local, em
constante processo de ressignificação, são evocações de uma história e uma dinâmica
cultural próprias. Essas identidades locais estão subsumidas dialeticamente a estruturas
regionais, nacionais e internacionais, o que lhes inserem numa esfera cosmopolita. Nesse
sentido, ainda que estejamos num mesmo país; ainda que esse seja dependente econômica,
política, cultural e tecnologicamente; ainda que esteja submetido a lógica global de
dominação capitalista, a cidade nem por isso deixa de ser um espaço fundamental para o
exercício, a prática, o experimento, da possibilidade da construção de um futuro diferente 2.
Então, as forças do campo democrático e popular têm o dever de pensar um projeto
estratégico alternativo ao modelo liberal de sociedade. Atualmente, as cidades são vítimas
do “neoliberalismo” - padrão de acumulação capitalista que, para realizar a acumulação
ampliada, reduz o papel do estado, destrói políticas públicas garantidoras de direitos
sociais, suprime direitos conquistados ao longo de décadas de lutas populares, destrói
soberania nacional, fragiliza valores culturais alternativos como os laços de fraternidade
entre indivíduos e povos, o internacionalismo solidário, impondo a cultura individualista,
o egoísmo, afinados com a lógica da apropriação privada, cada vez mais concentradora da
riqueza socialmente produzida, pela “minoria próspera” as custas do aumento da massa
humana socialmente excluída, a “maioria inquieta”.
Os valores culturais que se realizam como hegemônicos interferem na vida humana
no espaço urbano, na cidade. Os valores culturais de uma sociedade são determinantes
na/da cidade, sua materialidade e sua capacidade de manter ou construir formas de
superação das desigualdades sociais. No momento histórico presente, as forças políticas
críticas ao neoliberalismo, independentemente de terem ou não compromisso estratégico
com a superação do capitalismo, o que devem fazer quando se concretiza a possibilidade
de assumir um governo local?
Quais as possibilidades e limites das forças do campo democrático e popular, ao
assumirem a máquina estatal, um aparato institucional jurídico-político submetido à lógica
da sociedade de mercado, para contribuírem com mudanças reais e não apenas cosméticas
no espaço da cidade? Sabe-se que não se consegue superar com políticas de âmbito local
problemas estruturais; que a macro-política econômica, causadora do desemprego, do
aumento de mazelas como a mortalidade infantil, o analfabetismo, as diversas formas de
violência têm determinantes que extrapolam o poder local. Logo, o que fazer quando se
têm condições de conquistar o governo e a consciência de que não se pode realizar no
espaço urbano de uma cidade particular o sonho de uma sociedade justa, democrática,
solidária e feliz? Deve-se ousar ocupar esse espaço, com a consciência de que se não se faz
2
Entre outras fontes, merecem destaque três obras de Lefebvre, Henri: A Cidade do Capital. – Rio de
Janeiro : DP&A, 1999. (onde o autor recupera as contribuições teóricas de K. Marx e F. Engels sobre a
cidade); A Revolução Urbana. – Belo Horizonte : Ed. UFMG, 1999 e O Direito à Cidade. – São Paulo :
Editora Moraes, 1991. Ver também: Leite, Maria Angela Faggin Pereira. Uma história de Movimentos, In.:
Santos, Milton e Silveira, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. – Rio de
Janeiro: Record, 2001, pp. 433-446.
socialismo a partir de um governo local, através desse as camadas populares podem
experimentar novas formas de direção política do aparelho estatal, na perspectiva de
realização de projeto transformador.3
A experiência política e organizativa de um governo popular local deve se expressar
como prática social inovadora, revolucionária. A capacidade de manter viva a esperança,
vivo o sonho da libertação humana, de uma sociedade feliz, antagônica a sociedade atual
produtora da barbárie. Um governo de caráter democrático e popular, compromissado
com o objetivo da transformação da realidade social, deve colocar as dimensões cultural e
política como centrais e estratégicas, porque quando não se muda valores, não se muda
nada!
As forças conservadoras, ao longo de séculos, têm governado os Municípios, as
Unidades Federativas, e a Federação Brasileira. Têm permanecido hegemônicos nos
aparatos estatais. E, a despeito de longos períodos de ditadura formal, a hegemonia hoje é
legitimada pelo voto popular, em geral corruptamente obtido devido a farsa da
democracia burguesa. Desse modo, pode-se questionar os mandatários do poder político,
mas eles vão continuar podendo dizer: “governamos desse jeito porque temos
legitimidade popular, porque o estado de direito, 'a democracia', autoriza-nos a assim
proceder, em nome do povo que nos elegeu". A total apartação entre os interesses dos
"representantes do povo" (a maioria dos mandatários) e os do povo (a maioria, formada
pelos que vivem-do-próprio-trabalho) tem sido justificada por essa "democracia" que se
resume na realização de eleições de quatro em quatro anos. Quais as causas da
manutenção dessa velha hegemonia? Fundamentalmente, encontram-se no campo dos
valores culturais hoje hegemônicos.
A produção social de uma nova cultura política, onde o povo desempenhe o papel
de protagonista, deve ser um objetivo central de governos que têm compromisso com a
transformação social: a desconstrução de valores enraizados no egoísmo, no
individualismo e a construção de novos valores baseados no ideal de um mundo novo, de
relações novas entre homens e mulheres que se expressem na associação democrática e
livre, na solidariedade, na fraternidade, no amor.
Só o povo pode ser sujeito, protagonista, das transformações sociais. A concepção
espontaneísta que tenta convencer de que os governos devem assumir uma postura de
neutralidade política, é hipócrita. Nenhum governo é neutro! Como não é neutro quem vê
uma criança sendo violentada e cruza os braços, não denuncia o agressor, não tenta evitar
a continuidade do estado de violência. Ainda que indiretamente, estaria também
protagonizando a violência. Uma postura que se pretenda neutra contribui concretamente,
para a manutenção do “status quo” social. Como conciliar a contradição de tanto o povo
quanto o governo serem protagonistas das transformações sociais? Como não transigir do
princípio da autonomia popular em relação ao governo sem negar a este o direito de,
através do aparelho do estado, contribuir para a realização de um projeto de futuro
representativo dos interesses populares? A construção social de uma esfera pública não
estatal de planejamento e de controle social do estado pode representar um mecanismo
político privilegiado para contribuir com a mudança da cultura política permeada por
valores burgueses e com o processo de acúmulo de forças para as transformações
estruturais necessárias para tornar possível o sonho de um mundo novo. Uma esfera
pública não estatal que respeite a autonomia da parcela da população tida como

3
Ver Rodrigues, Edmilson Brito. Modos Petistas de Governar. In.: Vários. Governo e Cidadania: balanço e
reflexão sobre o modo petista de governar. - São Paulo : Ed. Perseu Abramo, 1999.
organizada, sociologicamente falando, e daquela parcela significativa que é tida como
desorganizada, mas que nas reuniões de vizinhos, nos rituais de umbanda, nos encontros
de casais cristãos, nos trabalhos dos grupos artísticos, nos mutirões comunitários, outras
formas de resistência cultural e de lutas pelo direito a condições dignas de vida, mesmo
ao largo das entidades ou movimentos sociais institucionalizados, participam como
protagonistas da história.
A experiência do “Congresso da Cidade” 4 - planejamento socialmente construído -
tem, através da criação de espaços de debates estratégicos, decisão política e controle
popular das ações do governo e de todo o aparelho de estado, principalmente na esfera
municipal, ajudado na construção de uma esfera pública autônoma em relação ao estado,
porém sugerida, incentivada e financiada pelo governo municipal.
O Congresso da Cidade, experimentado mais radicalmente em Belém em 2001,
incorporou o acúmulo dos 4 anos de Orçamento Participativo do primeiro mandato do
Governo do Povo (1997-2000) que bebeu na fonte de Porto Alegre, Belo Horizonte e outras
experiências democráticas e populares de governo. Incorporou, também, a tradição
participativa e organizativa de algumas categorias profissionais ou setores como: saúde,
educação, assistência social; dos Conselhos Municipais, os já tradicionais (Condição
Feminina, Educação, Saúde, etc.) ou os recentemente criados (Negros, Transportes,
Turismo, Assistência Social, etc.). Vale observar que alguns conselhos vem sendo
redefinidos, a exemplo do de educação que cumpria um papel estritamente burocrático e
do próprio Conselho Municipal de Saúde que, passaram a protagonizar políticas públicas
e aperfeiçoar as experiências de controle social. Os acúmulos obtidos com a juventude
através do Orçamento Participativo da Juventude (OPJ), o papel central desenvolvido pelo
Conselho do Orçamento Participativo (COP) e a inovadora experiência da formação dos
Conselhos de Acompanhamento e Fiscalização das obras do OP (COFIS), enfim, esse
conjunto de formas de participação e controle social foram reunidos num único processo, o
Congresso da Cidade, para entre outros objetivos, avançar na construção de uma nova
cultura política contra-hegemônica aos valores e ideologia dominantes.
Quando se governa com um horizonte centrado apenas na realização de reformas da
sociedade atual, ainda que radicais, acaba-se por reproduzir uma cultura meramente
administrativa dos problemas locais. Nesse sentido pode-se mostrar competência na
administração da crise, mas pouco se contribuirá para dar ao espaço local o significado de

4
A idéia de Congresso da Cidade, como espaço permanente de participação popular no planejamento e à
execução socialmente controlada do plano definido nesse exercício de democracia participativa surgiu por
avaliar-se insuficientes outros instrumentos. Reconhece-se a importância da adoção de métodos de
planejamento restritos aos membros do governo, a fim de compatibilizar a construção dos objetivos
estratégicos com a construção cotidiana do governo – o Planejamento por Ação Estratégica (PAE) proposto e
adotado por Luiz Sérgio Gomes da Silva têm contribuído para uma ação integrada e imprescindível para a
apropriação, pelos membros do Governo do Povo, dos mecanismos estatais de administração; têm
possibilitado a elaboração de propostas de estratégias para a ação de governo a fim de qualificar o processo de
decisão popular sobre o plano para a cidade. Porém, concordando com Carlos Vainer (Vainer, Carlos B.
Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano . In.:
Arantes, O, Maricato, E. e Vainer, C. B. A Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos. – Rio de
Janeiro : Vozes, 2000), para governos comprometidos “com alternativas capazes de oferecer outros valores e
projetos ideais de cidade” o Planejamento Estratégico Urbano que tem Borja e Castells como ideólogos não
servem de modelo alternativo ao “padrão tecnocrático-centralizado-autoritário de planejamento. Constatou-se
enormes limitações da experiência de planejamento participativo centrado exclusivamente na elaboração do
orçamento da cidade - o Orçamento Participativo – OP, dessa forma, o Congresso da Cidade pretende
significar um passo além do Orçamento Participativo, uma negação dialética que ao negá-lo, apropria-se de
suas positividades e supera-o qualitativamente.
palco privilegiado da luta do povo por conquistas a serem obtidas no nível local e,
especialmente, por transformações da estrutura social brasileira e internacional, a fim de
garantir conquistas estruturantes de um projeto de futuro democrático, justo, igualitário e
feliz.
A busca de mudanças da cultura política, na perspectiva da transformação radical
do modo de produção, da construção de uma sociedade socialista como valor estratégico,
é o que media os processos de participação que possam resultar na construção de espaços
públicos não estatais, da consciência de direitos e a conquista do exercício do Direitos à
Cidade, à cidadania cultural, que possibilitem ao povo a condição de sujeitos do
planejamento do futuro, do controle do Estado; que lhe permita apropriar-se do
patrimônio da cidade, firmando a construção do poder popular.

O SISTEMA DE PLANEJAMENTO
DO GOVERNO DO POVO

Após quase quatro séculos de existência, a cidade de Belém encontra-se num


momento único de sua história, uma história caracterizada pelas lutas de seu povo por sua
autonomia política e por um lugar digno de respeito entre as cidades brasileiras. Hoje, essa
história se traduz na intensidade simbólica e material de sua tradição cultural, na
expressividade de sua arquitetura, na riqueza de sua culinária, reconhecidamente uma das
mais peculiares do Brasil, e, principalmente, na atitude altiva com que o povo belenense
cultiva seus traços culturais e vivencia o seu peculiar modo de vida.
Assim, o Governo do Povo vem orientando sua atuação por uma estratégia de
planejamento da cidade que associa a política de desenvolvimento urbano em curso à
elevação da qualidade de vida e ao fortalecimento da identidade cultural de Belém. Tal
estratégia assume a perspectiva de afirmação de uma forma de governar em que o
planejamento significa e pressupõe participação política, mobilização social e
reconhecimento pelo governo das particularidades de uma cidade, cuja história é marcada
pela exclusão e pelo abafamento do seu potencial transformador ao silenciar os marcos de
luta na sua história, pela naturalização do clientelismo e do distanciamento entre o
governo e a maioria da população, que se revela à margem dos direitos básicos e dos
processos decisórios sobre a cidade.
O Governo do Povo rompe com a visão tecnocrática do mero estabelecimento de
metas e formulação de planos normativos. O planejamento no Governo do Povo é um
movimento vivo que se realiza no orçamento participativo, nas conferências setoriais
(educação, saúde, saneamento, etc) e/ou temáticas (criança, esporte e lazer, etc.), nas
audiências públicas, nos conselhos, nos comitês ambientais e em todos os demais fóruns
que se organizam na cidade centrados na formulação de diretrizes e na concretização dos
seus sonhos. Tudo isso é resultado de uma dinâmica de participação, que tem alterado a
correlação de forças na cidade, invertendo prioridades e estabelecendo uma nova relação
entre o poder público e a sociedade ao instituir e/ou reconhecer espaços públicos de
participação social, de gestão da cidade, que não se restringem aos espaços
governamentais, digamos, espaços ou esferas públicas não estatais.
Ao invadir as ruas, o planejamento socialmente construído desnuda a face mais
oculta da cidade. Esse desvelar dá-se sob o signo dos olhares e vozes de quem se manteve
silenciado por séculos a fio. As seqüelas, as desigualdades tão agudas se traduzem em
argumentos da luta, da fé e da esperança de transformação. O que, para os governos e
para a ótica da burocracia, parecia algo apenas administrável nos marcos de uma
sociedade injusta, passa a ser dominado, decodificado nas suas entranhas para ser
apropriado numa perspectiva crítica e transformadora. O resultado, em termos práticos, é
a incorporação dos referenciais e das demandas que se traduzem em um leque de políticas
integradas por um sistema de gestão eficiente no processo de construção e de afirmação do
poder popular. Essa estratégia vem rompendo gradativamente com as tradicionais formas
departamentalizadas e burocratizadas de administração pública, pois as políticas setoriais
se articulam e integram-se aos eixos básicos da estratégia de desenvolvimento urbano, que
é a dimensão urbana de objetivos estratégicos mais abrangentes voltados à construção de
uma sociedade justa e solidária.
O desafio de imprimir em Belém uma gestão própria de um governo democrático e
popular, contemplando uma estratégia político-territorial que garantisse um lugar para a
cidade, unanimemente considerada a cidade mais importante da Amazônia, conduziu o
Governo do Povo a criar um referencial de participação social que aglutinasse os diversos
espaços de planejamento. O Congresso da Cidade emergiu justamente como forma de
fornecer conteúdos articulados entre si ao processo de participação, compatibilizando
participação social e diretrizes estratégicas, de modo que todos os segmentos sociais
pudessem formular e apresentar proposições.
Ele permite compatibilizar as Marcas de Governo com a necessidade de fornecer um
ordenamento político-territorial para as intervenções na cidade, no contexto de uma gestão
que implementa as políticas públicas a partir da visão integral das necessidades humanas.
É um marco na forma de administrar a cidade, pois permite ao agente municipal planejar e
executar as ações públicas a partir dos interesses da maioria dos cidadãos, mantendo um
alto padrão de qualidade técnica e um controle social das ações implementadas.
Com esse novo modelo de gestão, estabeleceu-se uma nova relação entre o poder
público e o cidadão, transformando-se o antigo conceito de “governar para o povo” numa
nova relação de co-responsabilidade entre os moradores da cidade e o governo municipal,
concretizando-se um modo de “governar a cidade com o povo”, isto é, a partir das
prioridades estabelecidas pela própria população. A participação concreta do cidadão na
escolha das obras e dos serviços, na definição dos recursos e na fiscalização das ações
municipais possibilita ao agente público que planeja maior conhecimento da realidade do
cidadão e de suas necessidades mais urgentes. Além disso, diversos mecanismos de
controle dos gastos públicos e de serviços e obras, por exemplo, decorrem dessa forma de
governar, de gerir a cidade.
Hoje, existe um efetivo acompanhamento na execução das despesas e das receitas
públicas, a partir da checagem constante do desenvolvimento das ações, o que possibilita
uma aferição mais rápida e eficiente da gestão dos recursos públicos. Para o governo
municipal, isso significa maior transparência e fiscalização nas contas públicas por parte
do cidadão e uma efetiva apropriação dessas informações pela sociedade.
Pode-se afirmar, então, que, após quase duzentos anos de início da trajetória de
participação democrática no mundo, a experiência desenvolvida pelo governo do povo
conseguiu realizar o sonho dos primeiros pensadores democratas de fazer coincidir a Pólis
com a Demos, de identificar o corpo social com as instituições públicas.
Essa nova concepção de governo requereu a implementação de um desenho
organizacional, que articulasse as instâncias administrativas com os espaços de
participação popular, porém dentro da estratégia mais abrangente de desenvolvimento
urbano adotada. Nessa perspectiva, o Governo do Povo não só desenhou um novo modelo
de gestão e planejamento ágil, flexível e participativo, como também investiu maciçamente
no provimento de uma infra-estrutura de informações, hoje entre as mais avançadas do
país. Para isso, foi realizado um levantamento cadastral e aerofotogramétrico da cidade,
que se inscreve entre os mais completos do Brasil. Com fins múltiplos, o Cadastro Técnico
Multifinalitário, realizado pela Companhia de Administração e Desenvolvimento da
Região Metropolitana de Belém (Codem), é um recurso para o planejamento a partir da
consolidação de um sistema de informações que efetivamente aprofundará a
democratização e o controle dos serviços públicos.
Na certeza de que um projeto de cidade requer um conjunto de intervenções, que
sirva de referência e seja capaz de alavancar um processo de desenvolvimento integrado,
foi implementado um sistema gestor que articula os diferentes órgãos e instâncias
decisórias em torno dos eixos estratégicos de desenvolvimento integral de Belém. Estes
representam os núcleos a partir dos quais se realizam as inúmeras ações complementares
em curso, como a base sobre a qual a estratégia de desenvolvimento assumida adquire
efetividade e aderência às características urbanísticas da cidade e suas demandas. Dentre
os suportes desse sistema inovador de planejamento, ressaltam-se aqui os principais.

As marcas de governo, forma e instrumentos de gestão

A consolidação substantiva e progressiva dos objetivos estratégicos do Governo do


Povo, expressos nas Marcas de Governo, apresenta-se como um dos principais fatores de
ordenamento, modernização da máquina administrativa e, sobretudo, de articulação das
diversas dimensões da vida da cidade, integrando os diversos órgãos setoriais, de forma
que ações tradicionalmente realizadas na perspectiva de uma única secretaria passam a ser
desenvolvidas para permitir envolver e agregar os agentes municipais em prol do que é
fundamental: assegurar os diretos ao cidadão na sua integralidade. O que poderia ser
apenas responsabilidade, por exemplo, de órgãos voltados para algumas políticas sociais
clássicas, como educação e saúde, interage positivamente com aqueles que conduzem as
ações urbanísticas e de desenvolvimento econômico. Viabiliza-se, assim, o objetivo de
modificar a face social e urbana da cidade, inserido no processo de construção de um
projeto de cidade em que haja o exercício de cidadania e, voltado, essencialmente, para a
elevação da qualidade de vida e para a constituição de sujeitos políticos coletivos1 , capazes de
encarnar projetos e propostas. Objetivo este do governo de forma geral, e não apenas de um
órgão setorial em particular.
A prioridade do Governo do Povo, ao definir as Marcas de Governo, foi articular
uma estratégia integral de intervenção que atuasse sobre a totalidade da cidade e, ao
mesmo tempo, permitisse responder às prementes necessidades da sua população. Esses
pressupostos exigiam um modelo organizacional que articulasse as instituições de gestão
municipal em torno de um projeto de ordenamento urbano, que propiciasse amplas
condições de inclusão da população e resultasse em melhorias substantivas na sua
qualidade de vida. Enfim, tratava-se do desenvolvimento de um projeto de cidade a partir
do reconhecimento dos cidadãos de Belém como protagonistas. As Marcas são justamente
a cristalização institucional dessa perspectiva político-administrativa.
A opção foi criar condições institucionais e administrativas favoráveis à articulação
interinstitucional voltadas às questões sociais mais relevantes. Assim, o planejamento do
governo orientou-se para a formulação de um modelo político-institucional que
proporcionasse uma permanente incorporação das demandas da sociedade civil pelo
corpo funcional, mas sem perder eficiência técnica e coerência programática. A questão era
criar condições para identificar o corpo social com as instituições municipais, após décadas
de distanciamento entre poder público e grande parte da cidade.
As Marcas foram sendo denominadas de acordo com as características e carências
históricas mais relevantes na cidade, abrangendo praticamente todos os campos de
intervenção das políticas públicas:
1) Dar um futuro às crianças e aos adolescentes, que se concretiza a partir da
educação, da assistência, do esporte, do lazer, da cultura, da saúde e também da geração
de renda para os pais, como forma de assegurar direitos universais às crianças;
2) Revitalizar Belém, que incorpora os aspectos urbanísticos, culturais, econômicos
e ambientais;
3) Sanear Belém, voltada para a política de saneamento, seja nas questões relativas à
limpeza pública, drenagem e pavimentação, seja no abastecimento de água e esgotamento
sanitário;
4) Saúde para Todos, que representa a implementação de uma política voltada para
a valorização e manutenção da saúde em detrimento da doença, combinada com
necessidades curativas, mas buscando a consolidação de um projeto preventivo, articulado
à dimensão do trabalho, da moradia, do lúdico, do saneamento básico;
5) Transporte humano, que representa a opção pela vida, pela segurança e pelos
interesses coletivos, bem como a humanização do transporte e do trânsito na cidade;
6) Participação Popular, que expressa uma concepção, um princípio básico de
construção do poder popular, em que a cidade não é constituída de usuários, mas de
cidadãos que efetivamente devem decidir e exercer controle sobre os serviços públicos no
exercício de sua cidadania;
7) Valorização do Servidor e do Serviço Público, que tem por objetivo o
reconhecimento da importância do servidor público como pessoa, com uma função social
das mais importantes na construção de um projeto de cidade e na afirmação do papel do
Estado na sociedade.
Nesta estratégia, constata-se a existência de diversas interfaces entre as ações de
diversas Marcas. Não se trata de uma mera formalidade, pois as interfaces entre as Marcas
se expressam na prática de uma gestão democrática, que inverte prioridades e opõe-se à
cultura de planejamento ditatorial e tecnoburocrático que caracterizava a cidade. Esta era
depositária de planos emergidos da burocracia para atender a interesses privados e
clientelistas, que resultam em verdadeiros enclaves e na agudeza da situação de exclusão.
As Marcas consistem, enfim, nos objetivos substantivos do Governo do Povo no
processo de intervenção na cidade e de garantia de direitos. Em decorrência das Marcas,
no âmbito interno, ocorre uma articulação entre as diversas instituições municipais. Isso
efetivou um modelo matricial de administração, que propiciou condições para a redução
do grau de fragmentação encontrada na máquina administrativa municipal e, ao mesmo
tempo, permitiu a atualização dos diagnósticos técnicos orientadores das intervenções,
que vão sendo realizadas a partir das demandas dos fóruns de participação constituídos
pelo Governo, como entidades e grupos sociais específicos que, ao longo da sua história,
não contavam com canais de interlocução com o poder público.
Esse processo tem como referência o Congresso da Cidade e, nele, o Orçamento
Participativo, que constitui o seu fórum maior. Somente no ano de 2000, um total de 100
mil pessoas apresentou suas demandas nas assembléias e cerca de 200 mil as assinaram em
seus respectivos Distritos. Demandas que serão atendidas pela Prefeitura no âmbito de
cada uma das Marcas de Governo, passando a constituir o Plano de Investimento do
Município, enviado à Câmara Municipal.
A opção pelo planejamento socialmente construído é intrínseca a esse modo de
governar e pressupõe estruturas descentralizadas, ágeis e democráticas. As Marcas de
Governo, ao traduzirem a utopia do Governo do Povo de uma sociedade justa, articulam
elementos da vida cotidiana da cidade. Fica excluída uma estrutura de funcionamento
distanciada da vida de rua, do bairro, enfim, da cidade, bem como uma hierarquia entre as
políticas.
Para maior aproximação com os diversos cantos da cidade, definiu-se a implantação
das Administrações Regionais (ARs) em todo o município, conforme prevê o Plano Diretor
Urbano. Elas constituem a instância privilegiada de descentralização e de participação
popular no Governo do Povo, com representatividade política e autonomia organizativa
na sua relação com a sociedade, na perspectiva do fortalecimento das demandas locais e
de um projeto integrado de cidade.
As Administrações Regionais representam, em termos formais, a menor unidade de
planejamento e mobilizam o bairro, a rua, os cidadãos. Estes passam a participar de uma
dinâmica para onde convergem os seus anseios e expectativas. Cada cidadão dialoga de
forma construtiva com o Plano de Governo que credenciou a Frente Belém Popular nas
eleições de 1996. Por resultar de um intenso processo de participação social, esse programa
já incorporava muitos desses anseios e vem se ampliando e cada vez mais agregando
desafios.
O Plano, que ora se implementa em Belém, é o Plano da Cidade, não para a Cidade.
Por isso, tem uma lógica interna que deu início a uma revolução na forma pela qual a
cidade se relaciona consigo mesma. O cidadão, que jamais havia participado sequer de
uma reunião da sua rua, nunca tivera acesso às contas públicas e não se via governando a
cidade, passa a ter domínio não apenas do funcionamento da estrutura governamental,
mas também do funcionamento da cidade; passa a dispor de informações técnicas que lhe
conferem o poder de exigir e de fiscalizar os serviços e as obras públicas como parte da
gestão da cidade. Dessa forma, além de exercer sua cidadania por meio da sua
participação direta, recupera a auto-estima e aguça sua percepção crítica dos limites
impostos por uma sociedade injusta e desigual.
A participação popular tem permitido esse domínio técnico-político. Assim, por
exemplo, as demandas do orçamento participativo são objetos de descrição detalhada e
subseqüente parecer técnico dos órgãos municipais envolvidos na discussão com os
delegados e conselheiros. Questões relativas ao gerenciamento da limpeza pública são,
dessa forma, debatidas com um grau de informação como jamais havia ocorrido na
história da cidade.
O Governo do Povo organizou-se para coordenar esse movimento, que se inicia nos
diversos fóruns populares e traduz-se no Plano de Governo como resultado de uma
mobilização que extrapola os espaços governamentais. Do ponto de vista da relação
interna do governo, cada Marca representa um conjunto de desafios e ações setoriais,
representado e conduzido de forma integrada por um conjunto de órgãos mais
diretamente vinculados aos respectivos objetivos e estratégias. Os diversos órgãos
interagem de forma orgânica a partir da identificação de interfaces, que levam, muitas
vezes, um determinado órgão a fazer parte de uma Marca. Rigorosamente, por exemplo,
Revitalizar Belém e Participação Popular estão presentes em todas as Marcas.
Existe nessa transversalidade uma concepção de planejamento e de desenvolvimento
que visa, acima de tudo, à melhoria da qualidade de vida da maioria dos que não tinham
acesso à cidade. Assim, por exemplo, os investimentos na urbanização da cidade visam,
em última instância, à inclusão social sob todos os aspectos, gerando renda,
proporcionando o acesso de grupos sociais a espaços aos quais jamais teriam, caso não
houvesse uma opção política clara de inversão de prioridades. É o caso das famílias do
Programa Bolsa Escola, que se instalam dignamente com suas cooperativas de trabalho,
nos logradouros recuperados e/ou construídos pelo Governo do Povo e em outros espaços
também nas áreas mais centrais da cidade, contrariando práticas correntes de concessão de
privilégios e subsídios governamentais aos que detêm a riqueza na cidade.
Ao se organizar, o Governo vai transformando as suas estruturas internas na
perspectiva de democratização, da participação popular, o que não se limita à simples
adaptação funcional, porém se insere na perspectiva de consolidar mecanismos de
democratização, de relação mais horizontalizada. Por isso, a cada Marca corresponde um
Coordenador com o papel de articular as diversas ações setoriais que concorrem para a
viabilização do plano. O conjunto de Coordenadores de Marcas, as secretarias de
Planejamento (SEGEP) e de Finanças (SEFIM), a Coordenadoria de Relações com a
Comunidade (CRC), a Coordenadoria de Comunicação Social (COMUS), o Gabinete do
Vice-Prefeito e o Gabinete do Prefeito compõem o denominado Comitê do Plano, que sob
coordenação do Prefeito é a instância máxima, cuja função é coordenar a política do plano
de ação e, acima de tudo, assegurar a sua governabilidade.
A relação com a sociedade civil, com os diversos espaços de planejamento da cidade,
dá-se por meio dos Conselhos Setoriais - os implantados a partir de 1997, como os
conselhos municipais de Cultura, de Turismo, de Patrimônio, do Trabalho e o de
Transporte, ou os preexistentes, como os conselhos municipais da Condição Feminina, de
Defesa da Criança e do Adolescente e o de Saúde. Além desses conselhos, responsáveis
pela elaboração de diretrizes de ação nos seus respectivos campos de atuação, há as
Audiências Públicas, os espaços permanentes de formulação, como as entidades
organizadas e diversos fóruns organizados na cidade, com o objetivo de debater as
políticas públicas e contribuir para o desenvolvimento da cidade, o Orçamento
Participativo e seu Conselho, como também os seus diversos mecanismos de
funcionamento - as Assembléias Populares, as Plenárias Temáticas, em que se discute e
decide a destinação dos recursos municipais.
O Governo do Povo ampliou os mecanismos de participação, provocando
transformações jamais vividas na história da cidade. Com a introdução dessa prática, o
planejamento passa a ter existência em todos os níveis. Internamente aos órgãos, os
Núcleos Setoriais de Planejamento (NUSP) - instância de articulação direta com a
Secretaria de Planejamento e antes apenas um braço burocrático apartado do
funcionamento do governo - passam a mobilizar as diversas instâncias dos respectivos
órgãos na perspectiva de viabilização do Plano inter e intra Marcas, inaugurando uma
inédita transparência das ações e dos recursos e, ao mesmo tempo, recuperando e
valorizando o papel do servidor público municipal como agente importante na construção
de um projeto de cidade.
O processo de implementação do planejamento no Governo do Povo requereu a
formação inicial de um grupo de assessores que assumiu a função de Agentes de
Planejamento em cada órgão, após a realização, na primeira semana de governo, de um
curso sobre planejamento estratégico situacional (PES) e, ainda no primeiro ano, de um
curso de moderadores, em que aprenderam técnicas para trabalhar com grupos, tornando-
se uma prática corrente nos procedimentos que se instalaram no governo.
No que se refere aos instrumentos legais do planejamento, particularmente, a peça
orçamentária que representa o Plano de Investimento do Município passa a ser a tradução
da expressão coletiva do sonho de cada cidadão participante do Orçamento Participativo,
dos planos setoriais e dos demais fóruns instituídos pelo Governo do Povo ou por
iniciativa da sociedade civil. Os grupos sociais envolvidos reconhecem-se nessa peça
orçamentária, que também deixa de ser uma ficção, uma vez que os valores e as ações
previstas resultam de processos transparentes e conscientes. O Plano de Investimento do
Município deixa de ser uma peça burocrática para se transformar em instrumento de
mobilização, desde a sua aprovação até a sua execução, acompanhado pelos protagonistas
da sua elaboração; deixa de ser algo inatingível, para traduzir desejos, na forma de sínteses
seguras e consistentes de um amplo processo de consulta e deliberação em que a cidade
tem se envolvido, num movimento crescente ano a ano.
Fiel aos princípios de transparência e controle social, que orientam o processo
orçamentário municipal deflagrado a partir do Orçamento Participativo e das instâncias
internas de funcionamento, o Governo do Povo implementou a democratização da
informação: deu início ao Sistema Municipal de Informações (SMIP) previsto no Plano
Diretor, dando continuidade a publicações como o Anuário Estatístico do Município e
inaugurando outras que transmitem um conjunto de informações, que somente agora
começam a ser construídas numa perspectiva de apresentar indicadores, tanto da gestão
municipal, quanto do município em geral. Esse desafio vem sendo enfrentado numa
perspectiva de controle social dos serviços públicos, que redunda na maior eficiência e
eficácia das políticas públicas e consolida a concepção de que a forma de dispêndio e
aplicação dos recursos decorre de uma forma de governar em que, por exemplo, prestação
de contas é uma rotina, e em que a execução orçamentária e financeira está entre os
sistemas mais avançados e transparentes, em decorrência do Sistema Integrado de
Planejamento e Acompanhamento (SIPA), coordenado pela Secretaria Municipal de
Planejamento. Trata-se de um sistema de controle informatizado em rede, em todo o
governo, que processa as informações contidas na Matriz Sala do Plano (estrutura de
apoio técnico para subsidiar os agentes municipais com informações resultantes do
monitoramento e gerenciamento das ações das Marcas de Governo). O SIPA proporcionou
a integração do Planejamento Estratégico ao processo de execução orçamentária e
financeira do governo municipal.
A partir do SIPA, a execução orçamentária e financeira das ações é detalhada até o
menor grau de desagregação. Pela primeira vez, na história das administrações municipais
de Belém, foi implantado um mecanismo de controle público sobre o processo
orçamentário e físico-financeiro da municipalidade com tamanho rigor, transparência e
eficiência, que se transformou num instrumento de grande poder de organização
administrativa e financeira. Integrado ao conjunto de informações municipais, inclusive as
de base cadastral e cartográfica, esse mecanismo tem permitido a implantação do projeto
de Indicadores do Município de Belém.
Tudo isso só se viabiliza porque o projeto em curso em Belém conta com a adesão
popular, como alternativa de reversão da situação a que a cidade foi submetida - com sua
capacidade de mobilização, de luta, de inquietude e criação subestimados. O Governo do
Povo tem mostrado que planejamento deve ser prerrogativa de quem justifica a sua função
e, em Belém, tem contribuído para a vitalidade do movimento social, para o resgate e a
afirmação da sua cultura e para o fortalecimento da auto-estima dos belenenses. É um
projeto de cidade construído coletivamente, com a ampla participação da sociedade e o
fortalecimento do papel do setor público na sua responsabilidade com a vida de cada
cidadão. Voltado para a cidade, auto-determinado, mas articulado a um projeto nacional, o
Governo do Povo visa transformar a sociedade atual em uma mais justa, mais feliz.

1
VAINER, Carlos B. É possível planejar as cidades e regiões? planejamento e mercado na
periferia Belém, 2000, 27p. (curso de Especialização em Gestão Urbana. Aula inaugural.
Belém, CESUPA 12/05/2000

CONGRESSO DA CIDADE DE BELÉM:


CONCEPÇÃO DE GESTÃO E PLANEJAMENTO
PARA ALÉM DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

A urbanização acelerada, que transformou, ao longo dos últimos 40 anos, um Brasil


esmagadoramente rural em um país com mais de 80% de população urbana, ao mesmo
tempo em que gerou uma situação explosiva nas cidades, devido à intensidade do
processo de urbanização, também abriu amplas possibilidades para que as sociedades
locais assumissem as rédeas do seu próprio desenvolvimento, construindo sólidas
estruturas locais participativas e novas estruturas de poder.
A tendência para um reforço generalizado da gestão política nas próprias cidades
representa uma importante evolução de sistemas representativos para a participação
direta, em que grande parte das opções concretas, relacionadas com as condições de vida,
com as demandas coletivas e com a organização do cotidiano, passa a ser gerida pelos
próprios cidadãos.
As novas formas de gestão, que se vêm configurando, provocam mudanças
inovadoras e as cidades passam a adotar formas diretas de articulação entre os atores
sociais da sociedade civil e os governos, destacando-se a gestão dos recursos públicos,
particularmente no Brasil por meio do Orçamento Participativo e, também, a criação de
diversos outros fóruns, com a participação de empresários, sindicatos, ong’s, escolas,
universidades, igrejas, entidades do movimento popular e principalmente de cidadãos que
jamais haviam exercido o seu direito de gerir a cidade, que não se sentiam representados
por alguma organização e que, mesmo assim, constituiam e constituem a maioria.
Assim, o Congresso da Cidade, enquanto um espaço público não estatal, é
apresentado pelo Governo do Povo à cidade como o seu mais amplo espaço de
planejamento. O Congresso da Cidade encerra em si os aspectos fundamentais
constitutivos da sua forma de governar, como o compromisso com uma gestão
democrática, transparente, que inverte prioridades e efetivamente possibilita a
participação popular. É orientado por alguns princípios centrais, como a afirmação da
identidade cultural da cidade, a criação de condições para que a cidade assuma seu
destino ao ir se apropriando da mesma, o reconhecimento das desigualdades, o
aprofundamento da relação do Estado com a sociedade, visando ao seu fortalecimento, e a
instauração do debate sobre o financiamento da cidade.
O Governo do Povo reconhece ser esta uma cidade particular, como ademais todas
as outras que, no capitalismo, engendram relações sociais geradoras de exclusão social,
política, econômica. Governos democráticos e populares buscam implementar formas de
gestão para alterar a situação aparentemente natural a que se encontram submetidas as
cidades, traduzindo-se em uma forma de governar que reconheça as diversas cidades
subsistentes a uma suposta e aparente homogeneidade, banalizada por práticas de
governos em que os diferentes são tratados como iguais. A cidade das diferenças, dos
conflitos, é essa cidade que se desafia implementar o Congresso de Belém. Não fora assim,
não caberia fazer do Congresso um fórum que pensa o futuro, que reconhece que a cidade
tem história, que nela podem ocorrer transformações e que não aceita como naturais as
mazelas e desigualdades. Não está colocada a naturalização das situações que devem
inquietar como a injustiça e a desigualdade, banalizadas como um fato dado e imutável.
O Congresso é o espaço do livre pensar, a usina de idéias, que transforma práticas
políticas historicamente afirmadas como a única via de se relacionar com governos. Assim,
o Congresso da Cidade representa o arrojamento e a radicalização da disposição para o
diálogo e para o desnudar da cidade, por quem a constrói. Parte de um conteúdo
propositivo e crítico em que o embate de visões, de propostas se dá no espaço aberto onde
o futuro começa a ser construído no presente. Nem por isso esse espaço faz do presente
uma atualização do passado e do futuro uma mera reprodução do presente 1. Ao definir
como mote O Futuro já Começou, o Congresso da Cidade assume querer ser espaço da
busca da recriação, que leva em conta a história, e por isso não pode ser copiada. O
Congresso da Cidade ratifica a necessidade de planejar, mas, como afirma Vainer 2 , “longe
de ser um simples exercício de futurologia ou uma elucubração inconseqüente sobre os futuros
possíveis, é um compromisso presente com sujeitos sociais concretos.”
Como espaço de planejamento, o Congresso reafirma essa dimensão numa
perspectiva em que uma cidade não é a mesma em qualquer parte do mundo, pois há
diferenças internas próprias da condição econômica, política, social, cultural, enfim,
diferenças que fazem com que a inserção na globalização não signifique que a cidade se
encontre inserida em um espaço homogêneo, igual. E não poderia ser diferente, se
considerarmos a importância e a necessidade do planejamento com a participação de
cidadãos em geral.
“... ele convoca todos os atores e grupos sociais, inclusive aqueles que se confortam com a mera
reprodução da situação vigente, a dizerem o futuro que propõem e projetam. Este enunciado dos
futuros desejados, e indesejados, para uma cidade, é um exercício fundamental, a que devemos
convocar todos os citadinos. E, desta forma, fazer da cidade e do plano, um exercício permanente de
democracia e construção de sujeitos políticos”3.
Outro aspecto a destacar na concepção de Congresso, é que este se realiza no espaço
da cidade, inserida em um contexto regional, nacional e global, considerando, contudo,
que é nela que as relações sociais se reproduzem, e cada uma vai encontrando a sua forma
nesse contexto geral a partir das suas particularidades, vai construindo mecanismos de
participação e de planejamento. De acordo com a sua opção, vai sendo forjada uma cidade
para os seus cidadãos ou uma cidade para o mercado, para a competição. O processo que
vimos construindo em Belém é o de afirmação da cidade construída pelos seus cidadãos,
para se apropriarem dela nas suas diversas dimensões, como um espaço político de luta
pela cidadania e por parcelas de poder que podem contribuir para a superação das
desigualdades, para a formação de consciência crítica, libertadora.
O que buscamos, então, ao implantar uma forma de governar por meio do
Congresso da Cidade, é abdicar das fórmulas aparentemente fáceis, que engendram
alternativas em que a cidade é apartada de si, em que as diferenças são dissimuladas e que
poderiam até gerar uma cidade para fora e outra para dentro. Para essa visão de
Congresso, o que é central é a valorização da vida, a dignidade humana, e não a
construção de uma cidade mercadoria, em que cada cidadão é concebido como
consumidor no mercado ou como usuário. O cidadão é o sujeito dessa construção, e o
Governo do Povo assumiu o papel de fomentar participação de todos:
“O próprio governo assume, necessariamente, o caráter de instrumento político de construção
de poder popular (...) por dentro da estrutura do governo, possibilitar os mais amplos espaços para a
participação do povo, para o debate democrático, para o controle de poder do Estado, para a construção
pelo povo na luta, do poder popular 4 .
Mas desafiar a cidade a se governar na forma de Congresso não é tarefa fácil,
particularmente em uma cidade como Belém, com enormes carências sociais acumuladas,
o que tem levado, em regra, à busca de soluções apenas imediatas. Uma cidade cujos
moradores tinham a auto-estima abalada e em que sempre coube aos governos e a
pequenas parcelas da população o poder de decidir o seu futuro. A cidade sentia-se
incapaz de tal tarefa pela condição a ela imposta, e a população já sentia intensamente a
cidade como verdadeiramente sua. Decorrente de uma história de governos predatórios,
que tornaram seus referenciais físicos e simbólicos sinônimos de saudade do passado, o
que reduz a possibilidade do sonho de construir o futuro. A cidade passou a desejar
predominantemente o passado. Planejar o futuro, recuperar a sua história não se
evidenciava como tarefa possível para a maioria dos cidadãos.
O Governo do Povo, desde de 1997, imprimiu na cidade uma forma de governar que
já apontava para a perspectiva de Congresso com a imediata implantação do Orçamento
Participativo (OP) como instrumento de participação popular. A decisão popular sobre a
aplicação dos recursos públicos municipais foi um salto qualitativo sem precedentes na
constituição de uma democracia popular na história política de Belém e do Estado do Pará.
Por outro lado, se a instauração do OP foi um primeiro (grande) passo para que a
cidade pudesse reduzir as enormes carências sociais, historicamente acumuladas, outras
questões importantes ainda precisavam ser solucionadas. Urgia uma discussão mais
ampla, que incorporasse diretrizes e ações que extrapolam a dimensão localizada das
intervenções, que atraísse atores que nem sempre se movem por esse determinante e que,
ao mesmo tempo, pudesse combinar as deliberações do orçamento participativo com
estratégias globais para a cidade, sem comprometer os compromissos sociais deste
governo. Como estabelecer, então, um mecanismo de desenvolvimento urbano que
assegurasse a sobrevivência da cidade, seu desenvolvimento, a elevação da qualidade de
vida de seus cidadãos de forma a aglutinar as ações do Governo e, ao mesmo tempo,
combinar os elementos de conjuntura nacional e internacional em que se insere a vida da
cidade?
Por essas e outras questões, o Governo do Povo elaborou uma proposição mais
desafiadora que o próprio Orçamento Participativo. Dessa forma, o Congresso da Cidade
apresenta-se como o instrumento de que se valem os cidadãos de Belém para decidir sobre
a cidade desejada.
Para dar início, do ponto de vista mais organizativo, foi constituído um Grupo de
Trabalho com a responsabilidade de articular o âmbito interno do Governo com a
sociedade, bem como de elaborar uma proposta inicial. Desencadeou-se, então, um
processo de apresentação da proposta nos fóruns do governo e da sociedade. Era
necessário consolidar a concepção de que o Congresso não representa um evento, porém
um processo, uma concepção do modo de governar, como síntese de uma prática que foi
se expressando nos diversos espaços de planejamento da cidade provocados pelo próprio
governo e por setores não governamentais. Dessa forma, ao próprio governo teve que se
reafirmar que não se inaugurara uma nova estrutura, uma nova instância, mas sim uma
dimensão conceitual e organizativa a que o governo dava forma e propunha à cidade
partir das suas estruturas, assegurando o princípio de respeito à autonomia dos
movimentos emergidos na sociedade, devendo, contudo, radicalizar na amplitude da sua
ação, no aprofundamento da participação e, particularmente, reafirmando uma concepção
de planejamento.
Esse processo da criação do ambiente necessário tinha que se tornar público. Por
isso, com a proposta básica elaborada, foi feita, em novembro de 1998, a sua apresentação
pública em um evento de lançamento dos mais representativos já ocorridos na cidade,
numa demonstração de que a cidade respondia a essa proposta de governo. Nem por isso,
essa proposta deveria ser tão somente conduzida e apropriada pelo governo. A
transformação da cultura política não se dá em um evento, mas em uma prática contínua e
permanente. Por esse motivo, o Congresso é um processo com momentos de síntese, como
os próprios momentos do orçamento participativo, das conferências, dos colóquios, das
iniciativas de co-gestão de espaços públicos e das demais que o estruturam, como o
Conselho de Belém ou a Assembléia de Belém, como instâncias máximas, ou mesmo, os
fóruns de recortes político-territoriais que vêm se impondo como mais uma alternativa à
sua operacionalização. Assim, em dois anos consecutivos, teve lugar o Colóquio sobre o
Centro Histórico, que debateu o projeto de revitalização daquela área. Essa é uma
discussão muito atual, a respeito do aprofundamento da participação popular.
Ao governo coube então a tarefa de fazer do Congresso o seu elemento mobilizador
central. Mas, o governo não é diferente do resto da sociedade: as estruturas não são
concebidas para uma proposta tão desafiadora e, muitas vezes, a estrutura sobrepõe-se aos
desafios por se apresentar setorialmente determinada. Foi preciso então, discutir, definir
mais claramente a importância das ações governamentais no Congresso. Pouco a pouco foi
se construindo a compreensão de que as iniciativas, não propriamente surgidas no interior
do governo, mantêm-se autônomas, mas integradas, capazes de gerar um projeto de
cidade também expresso no Programa de Governo da Frente Belém Popular.
Foram sendo adotados, assim, diversos recursos, tanto no interior do governo,
quanto em grupos sociais não governamentais, como reuniões para identificar
expectativas, grandes fóruns promovidos ou apoiados, ou de iniciativa pelo governo,
como o orçamento participativo, conferências que discutem as políticas públicas, colóquios
sobre temas específicos, audiências públicas. Diversas iniciativas da sociedade também
foram consubstanciando a proposta do Congresso. Ocorreu um movimento de
apropriação da cidade por seus cidadãos, com a constituição de condomínios
participativos - a associação de empresários que lutam pela valorização dos espaços onde
concentram as suas atividades - , os comitês ambientais formados por moradores de
bairros ou ruas específicas e por funcionários dos órgãos municipais, que contribuem para
a gestão ambiental da cidade, inclusive nos locais de trabalho, controlando e fiscalizando
serviços de limpeza, as atividades de formação voltada para o maior conhecimento da
história da cidade, entre outras iniciativas.
Foram ainda desenvolvidos projetos específicos que colocaram em evidência
questões importantes, aparentemente secundárias, se pensadas fora do contexto de que a
cidade precisa, antes de tudo, gostar de si própria e descobrir potencialidade. Ressalta-se,
então, a arte dos jovens, expressa em pichação, reelaborada, resultando em trabalhos com
técnica de grafitagem, acontecimento inédito em Belém, que reuniu diversos grupos (mais
de 300 jovens).
Outros projetos foram implantados em Belém: O projeto Mapas de Belém, uma
abordagem metodológica a partir da cartografia como resultado das representações sociais
como um inovador instrumento de planejamento crítico e autodeterminado; participação
em campanhas com atores sociais, como universidades, entidades estudantis,
empresariais, de trabalhadores, voltados para o estímulo de atitudes positivas em relação à
cidade, como a educação ambiental no que se refere ao tema da limpeza pública; projetos
voltados para a geração de emprego e renda, particularmente à pequena indústria
moveleira. Esses exemplos demonstram a diversidade dos espaços, mas também a
existência de uma lógica interna que visa suscitar a participação coletiva. São experiências
que afirmam ser o Congresso um processo em construção resultante de distintas
intervenções, que visam despertar e restabelecer a auto-estima do cidadão, fazê-lo
acreditar no seu poder de gerir a cidade.
Tenta-se mostrar que as iniciativas aqui mencionadas encerram metodologias, a fim
de que a cidade vá se descobrindo ou se redescobrindo. Em 1997, esse era um grande
desafio, iniciado com a implementação do Programa de Governo, conforme sua proposta
de transformação. Hoje, assistimos à revitalização de espaços de grande valor simbólico
para a cidade, como o Ver-o-Peso, à realização de ações que fortalecem a identidade local,
à restituição da orla aos cidadãos excluídos, à implementação de políticas sociais
inaugurando um quadro de reversão dos indicadores perversos. A essa lógica interna
articulam-se eixos temáticos orientadores das iniciativas citadas: inclusão social,
identidade cultural, poder local e democratização do estado e desenvolvimento
econômico. Esses temas estão articulados aos objetivos de governo expressos nas suas
Marcas.
Esses temas também resultam de pesquisas qualitativas realizadas para fortalecer o
processo do Congresso como movimento amplo, que extrapola as ações de governo.
Foram feitas, até o momento, duas pesquisas, uma por amostragem no universo da
população em geral e outra com lideranças locais pré-selecionadas. Ambas tinham por
objetivo identificar a percepção prevalecente nos grupos sociais representados. O
resultado obtido foi um amplo painel das visões referentes à cidade, que se traduzem em
elementos centrais para a proposição de temas.
Todas essas referências certamente não dão conta do que significa o Congresso e
podem até provocar perguntas, a saber: Qual a sua estrutura? Quais os seus espaços de
síntese? Quais os critérios de participação? Enfim, uma série de questões que surgem ao se
pensar tradicionalmente os fóruns coletivos. A opção foi criar um movimento, provocar
questões que contribuíssem para a construção de uma estrutura, se necessária, mais
consolidada e enraizada tanto no governo quanto em parte da sociedade.
A possibilidade apresentada era uma estrutura inspirada em outras experiências,
mas com o tempo foi sendo revelada a imbricação entre o que já vinha ocorrendo no
governo e na sociedade civil de tal forma que o Congresso é, para o Governo do Povo, a
própria síntese desse movimento vivo e incessante, vivido pela cidade e contendo raízes
na sua história, e intensificado nos últimos 3 anos. E se hoje comporta uma estrutura de
Congresso, é porque foi construída, resultante de uma dinâmica que não lhe é estranha,
face à pré-determinação.
A cidade, ao ser governada na forma de congresso, não hermetiza, e sim aglutina e
assegura a perspectiva histórica desse movimento, que reconhece a capacidade
organizativa e transformadora de um povo, possuidor de uma história de lutas, embora
abafada em nome do silenciar.
O Governo do Povo, ao homenagear antepassados da cidade, seus momentos de
vitória como o da Cabanagem, ao redescobri-la para o povo, ao recuperar seus símbolos,
vai, nesse movimento de Congresso, despertando as luzes do seu saber, da sua história,
contribuindo para que a cidade tenha um novo rosto, uma nova vida e cada um se torne
íntimo nas suas relações com esta história, despertando a sutileza da paixão até então
contida, não expressa, mas agora revelada e conduzindo a cidade altiva e soberanamente
rumo ao seu futuro, à construção da Metrópole das Luzes.

1
VAINER, Carlos B. op cit
2
idem
3
idem

4
RODRIGUES, Edmilson Brito. Modos petistas de governar, In: GOVERNO e Cidadania
balanço e reflexões sobre o modo petista de governar./ Inês Magalhães (org) et al. São
Paulo: Ed. Fundação Perseu Abrano. p.26-34.

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO É O PODER


DE DECISÃO NAS MÃOS DO POVO

Desde o primeiro momento em que uma pequena parcela da sociedade começou a


apropriar-se do excedente da produção coletiva, ficando, portanto, economicamente mais
poderosa do que a outra parcela, a majoritária, desde o tempo em que essa pequena
parcela da população se tornou dominante e, para manter seu domínio, usou a força de
algo dito “neutro” chamado Estado, história da humanidade é movida pela luta de classes.
A luta “dos de baixo” para romper as amarras e conquistar sua libertação ainda é
travada nos dias atuais, principalmente diante do poço sem fundo em que o
neoliberalismo colocou milhões de deserdados, no Brasil e no mundo.
Essa contextualização é necessária para entendermos que, quando uma organização
de esquerda chega ao governo, ocupando parcela do poder, mesmo sendo uma parcela
pequena, como uma prefeitura, deve governar de forma completamente diferente,
invertendo prioridades, chamando o povo para decidir e educando-o politicamente para
que ele entenda os limites de um governo que por estar inserido em uma sociedade
capitalista, só pode resolver problemas estruturais por meio de uma transformação
revolucionária.

O papel do Orçamento Participativo


num governo democrático e popular

O Orçamento Participativo (OP) é uma brilhante experiência de participação


popular. Mais do que decidir as obras que serão feitas no outro ano, trata-se de um
processo inserido na dinâmica do planejamento do desenvolvimento da cidade,
organizado a partir do Congresso da Cidade e que democratiza a gestão municipal,
tornando o governo transparente, permeável e, o mais importante, criando um controle da
sociedade sobre o governo e sobre a execução do que foi decidido pelo povo.
O OP é um rompimento com as associações, sindicatos e conselhos estatais da época
do socialismo burocrático, em que o Estado fingia que se democratizava e os participantes
fingiam que decidiam.
O OP é um contrato firmado entre governo e sociedade, no qual a ausência de um
dos atores inviabiliza o processo.
O governo incentiva, banca o processo, cede as informações, disputa suas opiniões.
O povo mobiliza-se, discute, questiona e, finalmente, decide.
Apoiado pelo Orçamento Participativo e com o incentivo à participação popular no
geral, o povo começa a romper com as práticas políticas comuns na sociedade, como o
clientelismo, o paternalismo e a submissão à classe dominante.

Alguns princípios que norteiam


o Orçamento Participativo

Para conseguir uma verdadeira participação popular, o OP deve obedecer a


princípios, sem os quais se transformaria em uma figuração, objeto de uso e desuso do
governante local, como acontece com algumas experiências de OP pelo Brasil afora,
principalmente em administrações que não são de partidos de esquerda.
Podem existir outros, mas os princípios que consideramos essenciais para a plena
existência do Orçamento Participativo são:
•Combinação da democracia direta
com a democracia representativa.

Essa combinação garante a democracia interna, significa a indicação direta pelo povo
de suas demandas, a eleição direta dos delegados e conselheiros e o controle popular sobre
eles, que podem ser reeleitos ou destituídos, conforme o interesse da comunidade.
Essa participação direta completa-se com a delegação de poderes, para que
delegados e conselheiros passem a representar o povo na definição dos critérios da
distribuição dos recursos e na definição dos investimentos, num permanente processo de
ida e vinda entre os delegados e a base que os elegeu.
É claro que nem sempre funciona assim perfeitamente, mas esse é o objetivo a ser
alcançado e jamais podemos burlar o direito de participação ampla da comunidade,
decidindo quem são os “seus representantes”, ou impor limites (que não sejam aqueles
previamente definidos) que impeçam a participação do povo.

•Orçamento Participativo como esfera pública


não-estatal, não-espontânea e auto regulamentada.

Conforme foi citado anteriormente, o OP é um contrato firmado entre governo e


povo, não é um organismo do governo, não podem existir leis que o regulamentem, a não
ser aquelas definidas pelos delegados e conselheiros, podendo ser mudadas conforme o
interesse dos atores envolvidos ou mediante o acúmulo de experiência com o passar dos
anos.
Como as decisões são autônomas, muitas vezes as tensões advindas do
relacionamento no movimento popular e sindical refletem-se em disputas nesses fóruns, o
que é um fato inevitável e saudável.
Embora o governo promova e incentive o OP, não há, nesse processo, qualquer
ingerência, seja do Executivo, seja do Legislativo.

•Solidariedade e não-exclusão

Esse talvez seja o princípio mais difícil de ser assimilado. O OP é um fórum da


cidade, deve pensá-la como um todo. Os problemas da cidade são grandes, não
solucionáveis a curto prazo, daí a necessidade de sensibilidade e de sentimento de
solidariedade para decidir aquilo que é mais importante para a cidade.
Convencer a população de que sua rua não será contemplada neste ano e de que
outra obra é mais importante não é tarefa fácil. Somos pressionados pela dinâmica
individualista e elitista do capitalismo, impregnada no imaginário coletivo.
Se conseguirmos, ao longo dos anos, pelo menos entre os setores mais avançados do
povo, criar fragmentos dessa nova cultura solidária e não excludente já terá sido um
grande passo.

•Planejamento para além da dívida social

O OP é um processo virtuoso, envolve o povo, mobiliza-o e busca atender demandas


que há décadas estiveram represadas, mas acaba tornando-se limitado quando não
consegue avançar nos debates a respeito das dívidas sociais existentes, da rua que precisa
ser pavimentada, da escola que deve ser construída, enfim, daquilo que mobiliza
imediatamente o povo.
Devemos avançar, o povo deve planejar, decidir e executar o futuro da cidade,
discutir políticas de inclusão social, de mudança cultural e da construção da cidade que
queremos.
No Governo do Povo, o povo liberta-se da submissão, do clientelismo, ao decidir
sobre a sua rua, o seu bairro, a sua cidade, a sua vida e a de gerações futuras, de forma
aberta, franca e transparente. Então, ao decidir sobre 100% do orçamento municipal, o
povo governa a sua cidade.
Finalmente, a participação popular é um princípio que deve caracterizar todo
governo de esquerda, que busca a transformação social, não para utilizá-la como palavra
de efeito nos discursos ou como adorno nos programas de governo, porém como prática
concreta que possibilite ao povo se libertar.

A IRRESISTÍVEL BELÉM DA RESISTÊNCIA

Visibilidade
No Governo do Povo, Belém insinua-se vigorosamente como a Metrópole das Luzes,
cidade amazônica, onde a conjunção da floresta, das águas do rio e das chuvas é símbolo
da resistência de nossos povos à injustiça e à exclusão. Belém também se insurge, sediando
eventos de envergadura, nos quais os povos excluídos da região, do país e de todo o
mundo se encontram para denunciar e propor. Belém, enfim, envolve o morador e o
visitante com seus atrativos no inquietante espírito de transformação de tudo o que nos é
dado enquanto “definitivo”, “inquestionável” pela ordem do dia do capitalismo.
Os projetos da Frente de esquerda, que propuseram as condições para que o povo de
Belém, segregado nas baixadas, se reencontrasse com o rio, com a floresta e com sua
própria história de resistência, articulam-se numa concepção que busca a inclusão de
largos segmentos de excluídos e, ao mesmo tempo, extrai da invisibilidade o teor de
nossos principais signos apagados e soterrados pela irresponsabilidade das “dinastias
familiares”, que se apoderaram dos instrumentais de decisão da cidade por séculos: os
signos do rio, do verde e da resistência.
A cidade passa a ser vista por todos os quadrantes, ângulos e matizes. Pela visão, ela
vai sendo apropriada e desejada por todos, porque o povo nela se vê refletido. Ao
devolver o convívio com o rio, com a floresta, com a sua história, a cidade se amplia ao
serem considerados outros fatores que produzem impacto positivo na qualidade de vida.
O desenho da política ambiental construída nos coletivos vai se convertendo em
processos vivos nos Comitês Ambientais do Congresso da Cidade, nas Comissões de
Fiscalização (COFIS), nas Conferências de Meio Ambiente e de Saneamento.
Belém é a cidade insinuante para quem observa da janela do avião a sua península
abraçada por 43 ilhas. O verde da mata, entrecortado pelos labirintos de rios, de repente
cede lugar à cal das torres de concreto, que se desenham nas artérias e vias. Lá embaixo, o
Aeroporto de Val-de-Cans está encravado em zona militar, com o fio de sua história ligado
à resistência dos países aliados durante o conflito da 2a Guerra Mundial.
Para quem vem pelos rios, Belém é a cidade insurgente, por aflorar com toda a força
dos rios e baías, flutuando com seus prédios modernos, casario antigo, palácios e torres de
igrejas seculares. A cidade acha-se caprichosamente ancorada sobre um volume
inesperado de águas. Quando chove, as águas da terra unem-se às do céu e a cidade vibra
em fantástica miragem. O mercado do Ver-o-Peso é também um histórico porto, vizinho
do Forte do Castelo, cenário que lembra a defesa do colonizador à resistência indígena e a
resistência cabana ao Império.
Por terra, Belém é a cidade envolvente. Quem chega é recebido com o monumento à
Cabanagem - insígnia da resistência do povo paraense - deixando claro que a história da
cidade foi marcada por uma revolução popular. Ao adentrar a cidade, aconchegantes
túneis de mangueiras e praças arborizadas deixam entrever seu histórico e significante
patrimônio arquitetônico.
Na síntese de sua geografia física, Belém é simultaneamente 70% do verde
arquipélago com suas praias de água doce, com baixo índice demográfico e 30% de
península, onde a vida efervesce urbanizada. A água, a floresta e a história de resistência
do seu povo são componentes vitais do ambiente de nossa Belém insurgente, insinuante e
envolvente.

Multiplicidade

Nesta Belém, um milhão e meio de almas projetam e realizam os seus destinos por
meio do Trabalho, da Política, do Saber, da Arte e da Socialidade. Cinco esferas básicas de
realização humana que se entrelaçam, criando a complexidade em que a substância da
cidade se alimenta. Adolfo Sanchez Vasquez1 , ao mergulhar profundamente na práxis
marxiana, descobriu essas cinco atitudes humanas ali refletidas e veio nos dizer isso
pessoalmente, através do Projeto Belém Cidade das Luzes.
No trabalho, Belém destaca-se no setor de serviços - característica que a aproxima
das tendências mundiais das metrópoles contemporâneas e ao mesmo tempo marca a
psicosfera da cidade. É impossível negociar na região amazônica sem incluir Belém, como
ponto de partida, passagem ou chegada. No Ver-o-Peso, a economia cabocla tem sua
síntese, ao mesmo tempo em que vários núcleos comerciais nos bairros centrais e da
periferia evidenciam o vigor do setor terciário.
A esfera pública tem participação fundamental na estrutura da economia da região.
A filosofia do Banco do Povo redistribui a renda, por exemplo, ao privilegiar os excluídos
do circuito econômico, antenando-se nas tendências de mercado que colocam uma faixa de
nosso povo - as micro-empresas e as pequenas cooperativas - em reais condições de
participação crítica mais perene na estrutura econômica da região.
No Governo do Povo, a população de Belém construiu mecanismos vivos de decisão,
em que adultos, jovens e crianças emitem suas opiniões e tomam decisões responsáveis
pelas diretrizes e rumos da cidade, tendo como bússola e astrolábio os coletivos de
participação popular. Sentimentos, pensamentos e ações atravessam os sentidos desses
coletivos. Um dos movimentos do Congresso da Cidade, o Orçamento Participativo,
apresenta indicadores substantivos de que o povo vai tornando a cidade em pólis em
virtude da atuação política conseqüente.
Em outra dimensão, Belém é uma cidade cosmopolita que, ao longo de sua história,
recebeu e abrigou levas de migrantes do estrangeiro, de outros estados do Brasil, de todas
as microrregiões do Pará, onde ainda resistem muitas nações indígenas. A cidade plural
que é, por sua rede de socialidade, faz de Belém uma unidade baseada na miríade de
costumes, comportamentos e jeitos de ser. Hoje, tal como no projeto Ver-o-Rio, a partir de
1997, a dimensão pública no município é construída sob o prisma da inclusão e da abolição
de quaisquer formas de segregação, nos logradouros, vias e outros espaços da cidade.
Em Belém, a dimensão artística deriva de múltiplas fontes. As nações indígenas da
região, a nossa caboclitude e mesmo o choque com outras culturas têm feito jorrar a força
da expressividade das nossas identidades culturais. A Amazônia multi-cultural expressa-
se em Belém mediante a produção, circulação e consumo de seus bens artístico-culturais
de maneira singular. Em nossa cidade, o poder público municipal estimula o engajamento
das manifestações artísticas em processos de resistência ao apelo da indústria cultural, na
contra-mão dos ditames do “mass media”.
A unidade na multiplicidade de que Belém é constituída, só poderia se manter ou ter
sido mantida ao longo do tempo, pelo esforço dos centros produtores e reprodutores dos
saberes, que circulam formal ou informalmente pela cidade. As redes do ensino público,
centros universitários públicos, hoje feridos de morte com os processos privatistas, foram e
ainda são, na resistência, locus de difusão e democratização dos saberes. Esse esforço de
unidade deve ser dedicado aos trabalhadores da educação da cidade que, mesmo tendo a
categoria empurrada historicamente à exclusão, souberam converter saber em poder. Não
se pode falar em Governo do Povo sem ver sua gênese na categoria dos trabalhadores da
educação. Hoje, as propostas de Escola Cabana e de Bolsa Escola vêem na autonomização,
na criatividade e na criticidade as fontes libertárias que abastecem a resistência em Belém.

Velocidade

Embora moderna, não se pode dizer que Belém é um centro nervoso e estressante
semelhante às metrópoles que se organizaram no caos sob o regime do capital. Sua
pulsação varia no espectro da música, da batida cadenciada de um lundu à marcação
animada de um carimbó. É possível cruzar a agitação da Avenida Presidente Vargas e
inesperadamente atravessar a Praça da República com seus túneis de mangueiras,
monumentos e teatros desaguando a mente num ambiente em que o compasso do tempo
ajuda a descarregar as tensões.
Aqui as chuvas refrescantes se alternam com o sol, povoando as tardes e as ruas com
modulações de luzes naturais indescritíveis. Próximo ao rio, essas modulações dão à
cidade um ambiente misterioso de luminosidade.
Mesmo tendo nascido em Belém, não é difícil se surpreender sempre com seus
recantos e ritmos. Ruas estreitas da antiga cidade, de repente, abrem-se em bulevares,
praças e largos convidativos. A seqüência de prédios modernos é quebrada, num átimo,
com a visão de um imponente prédio histórico aqui e ali. São muitos os ritmos a romper
com a rotina e justamente por não ser rotineira é que é sempre possível o clima de paixão
constante pela cidade.
Durante o dia, a cidade possui uma pulsação e uma iluminação de sol intenso,
mesclada ao sombreamento de maciços de nuvens. Durante a noite, a cidade também
pulsa com uma programação intensa e sob a delicadeza de luzes ornamentais de lugares
aprazíveis.
Os ritmos do sol e da chuva, da luz e da sombra, do jeito de ser de seu povo, no
continente e nas ilhas, fazem de Belém uma cidade progressiva a oscilar entre suas marcas
instantâneas e suas marcas perenes.
Ritmo e luminosidade. Cadência e efervescência dão pulsação à Belém. E é
justamente sob essa pulsação, que floresce a possibilidade de se ter grandes áreas de
vizinhança dentro da metrópole. Nichos de província e aldeia encravados na complexa
cidade.
Em 10 de janeiro de 1997, ainda sob o impacto dos resultados das eleições, a modorra
burocrática governamental do município cedeu lugar ao ritmo arejado do Governo do
Povo, em que as demandas populares passaram a ser atendidas com mais rapidez e
fluidez, principalmente pela instauração de canais de participação popular, pelos
processos de desconcentração e descentralização dos serviços públicos provenientes dos 5
distritos que compõem a estrutura político-administrativa de Belém, antes apenas 3.
A grande maioria das Conferências de Políticas Públicas foi de imediato realizada,
criando-se seus respectivos regimentos, conselhos e resoluções e democratizando-se a
avaliação e o planejamento.
Nos distritos e seus bairros, cerca de 160 mil pessoas mobilizaram-se para decidir
milhares de obras e serviços prioritários para que a cidade, vertiginosamente, fosse
colocada na direção dos desejos coletivos.
No plano do concreto, o ritmo de mudanças na cidade é reconhecido por quem não a
visitava há muito tempo e até mesmo pelos oponentes políticos, obrigados agora a
construir um discurso da negação que, ao final, só afirma o novo momento que a cidade
vive. No plano do intangível, o ritmo de mudanças pode ser sentido pela qualidade da
participação maciça e permanente do povo, pelo ressurgimento das organizações
populares, bem como pela verbalização de que o belenense vem se reapaixonando por sua
cidade.
Definitivamente, os ritmos da cidade no tempo e no espaço foram despertados e,
entre a cadência e a efervescência, a ânima de Belém inquieta-se novamente.

Exatidão

Em meio à globalização, é necessária a afirmação da identidade coletiva das cidades,


é imperioso lembrar que Tolstoi um dia afirmou que “era preciso cantar a aldeia para ser
universal”. Jorge Amado e Paulo Coelho, ao mergulharem na Bahia e no Caminho de
Santiago de Compostela, respectivamente, encontraram a alma aldeã soterrada e, num
trabalho de arqueologia do espírito humano, trouxeram à tona das nossas incertezas a
certeza de que em todas as cidades ou entre as cidades há algo de comum, em que o
viajante e o morador se espelham e reconhecem-se.
É certo, portanto, que Belém é uma cidade aberta sem ser volátil. E entre muitos
exemplos, aos católicos do mundo oferece a materialização da fé em igrejas erguidas desde
o Brasil colônia - impressionantes pela imponência, conservação e estilos. Um dos maiores
movimentos espíritas do kardecismo no mundo está aqui em Belém, numa vasta rede de
Centros Espíritas a interferir com sua ética na formação da cidade. O evangelismo possui
inúmeros templos destinados ao cultivo da fé – esse patrimônio universal.
Além disso, o Círio de Nazaré faz de nossa cidade uma espécie de meca espiritual do
catolicismo todo mês de outubro. E foi sob o slogan da Fé que o Governo do Povo, com
seus horizontes de certezas socialistas, abriu caminhos entre as incertezas que se abateram
sobre o nosso povo ao longo de séculos. Para ser mais exato, a Fé, em Belém, também é
combustível de Resistência.
É certo também que o termo “Amazônia” não pode estar dissociado de nossa cidade.
E a importância disso cresce à medida que a questão ambiental vai se tornando central no
naipe das preocupações.
É certo que somente 6% das águas do planeta são potáveis e que, em um contexto de
escassez, ao esquadrinhar o mapa-múndi, depara-se com as cidades amazônicas pousadas
sobre o maior manancial de água doce da Terra. E Belém está entre elas.
As manifestações do capitalismo trazem-nos a certeza da necessidade de termos
sonhos. Quando seu foco modifica, junto com ele há tentativas de serem levados de
enxurrada os sonhos de povos inteiros. E é justamente isso que nos inquieta e nos concita à
audácia e prudência, ao buscar no socialismo outras certezas.
Nas incertezas do mundo contemporâneo, fortalecemos o canto da aldeia para ter o
que oferecer diante da pasteurização de valores e comportamentos. Não queremos Belém
“miamificada” com um tipo de arquitetura inerte, fac-símile das fachadas da Flórida.
Temos a força de nossas aldeias e uma estética própria que sabe conviver com as demais
construções vivas dos antepassados da Belle Époque, por exemplo, nos chalés
afrancesados da ilha de Mosqueiro, nas construções inspiradas na arquitetura inglesa, nos
sobrados portugueses, nos palacetes à italiana.
Já no oceano de bits por segundo, nas incertezas de tanta informação sendo
processada simultaneamente, como ter a certeza de que estamos no rumo certo? Do que se
informar para ter critérios ao decidir os próprios rumos? Para onde navegaremos com a
cidade?
É certo e exato que os neo-colonialistas não mais nos dirão! Hoje os mandatários da
cidade são muitos e não estão nos gabinetes dos palácios. Eles estão nos Comitês
Ambientais, nos Conselhos das Políticas Públicas, nas Assembléias de Trabalhadores e nos
fóruns vivos de Participação Popular. Entre certezas e incertezas, é certo e exato que a
cidade se decide por inteira. É auscultada de dentro para fora e balizada de fora para
dentro.

Leveza

Sobre Belém, ainda pesam os 385 anos de história, e os graves problemas de sua
infra-estrutura agora começam a ser revertidos. As elites que comandaram o Estado do
Pará, a partir de Belém, transformaram os interesses públicos em negócios de família,
olvidando os clamores populares para os dramas da periferia.
Ao assumir Belém, o Governo do Povo encontrou a cidade chumbada no perau do
descaso, vergada sob o fardo de uma enorme dívida social, abatida em sua auto-estima.
Seu primeiro ato não foi apenas simbólico, tratou-se, sobretudo, de definir a matriz da
forma de governar. A assinatura do Programa da Bolsa Escola não foi só o signo, mas o
seu teor, ao indicar, naquele ato, que os recursos públicos, acima de qualquer coisa, são de
interesse coletivo, de todas as famílias da cidade e não apenas de algumas - gente que
disse, por muito tempo, que o povo não tem direito à pólis. Por isso, o Governo do Povo
escolheu a leveza do signo e do teor da infância para marcar o futuro ainda no presente.
Era necessário dar peso político à inversão de prioridades, à linha de informação e
controle dos serviços públicos, à democratização em todas as dimensões da cidade, dar
peso à transparência das decisões, retirando os fardos dos ombros dos trabalhadores e
excluídos de toda sorte, de tal maneira que eles passassem a fruir também da dignidade.
Da mesma maneira que se retirava de circulação, pela disciplina, o tráfego pesado da
principal artéria da cidade e o redistribuia com lógica e bom senso, era necessário acenar,
sem polícia, para os ambulantes com melhores dias e com a leveza urbanística da estética
que incorpora o homem, elegendo-os como prioridade nos processos de revitalização dos
logradouros públicos. Assim, a Avenida Almirante Barroso sem tráfego de cargas em
certos horários e o largo de São Braz onde ela deságua respiram mais leves com o
reordenamento. O mesmo foi feito no Entroncamento, entrada da cidade, onde nasce a
Avenida Augusto Montenegro.
Na cidade que queremos não estão os emaranhados de viadutos e elevados fora do
movimento de ir e vir da cidade, da fluidez com segurança no trânsito, a gerar graves
problemas de manutenção como estão gerando nas megalópoles de outros países. A
cidade e seus cidadãos precisam fluir sem que criemos para tanto mega-estruturas
descontextualizadas da dimensão humana com que se faz cidade. Ao existirem,
respondem em primeiro plano a essa dimensão. Tornam-se necessários remover o máximo
das pesadas estruturas existentes e erguer estruturas mais leves, mais parecidas com o que
temos de mais humano. Priorizar o transeunte, os ciclistas, os passageiros de ônibus, que
por sinal são mais numerosos, implica fazer uma opção pela cidade da maioria. Atribuir
peso para certas dimensões coletivas esquecidas da cidade e dar leveza a outras fazem
parte do mesmo movimento de tornar a cidade capaz de levitar sobre a monotonia, fazê-la
caminhar sem parecer uma ameba urbanóide e disforme, que se movimenta
aleatoriamente para lugar nenhum. De preferência chegar ao cúmulo de fazê-la flutuar sob
o comando de muitas vontades.
Há orgulho em dizer que o Governo do Povo combina na cidade o lastro da sua
história de resistência com a leveza do sonho socialista alimentado por milhares de
mártires.
Consistência

O Distrito de Mosqueiro, com suas 16 ilhas e 19 bairros, corresponde sozinho a 40%


do território jurisdicionado do município de Belém. É o balneário mais freqüentado na
região amazônica. Suas 17 praias, com ondas de água doce, compõem com rios e florestas
o principal atrativo da região. São 35 mil os moradores fixos, e em período de alta estação
o distrito recebe até 400 mil visitantes, justamente por estar a 70 km do centro da cidade 2 .
A política de desconcentração e descentralização do Governo do Povo ganhou em
Mosqueiro campo fértil, não somente pela consistência da proposta, mas também pelo fato
de ter contado com processos de preparação produzidos pela extensão universitária da
UFPA, que se instalara 5 anos antes da instalação do governo democrático popular. O
programa de extensão lutava contra o clientelismo, o assistencialismo e o paternalismo que
haviam marcado profundamente a história do distrito.
Uma das avaliações, que se faz e que vem sendo expressa em pesquisas junto à
população, é a de que a presença do Governo do Povo, combinando obras de infra-
estrutura com ações no campo do intangível, produziu seara adequada para o
estabelecimento definitivo de um projeto de gestão verdadeiramente democrático-
popular.
A inversão de prioridades produziu uma onda de ações, vindas dos bairros
periféricos em direção ao centro do distrito, passando pela orla, onde o nível de
segregação social era alto. O monopólio dos transportes coletivos mantido há 30 anos foi
quebrado com a conseqüente redução de tarifas, por ações que objetivaram combinar a
luta no plano jurídico-institucional com o movimento organizado de massas nas ruas,
realizando o enfrentamento na resistência às gigantescas pressões articuladas contra os
interesses populares.
O princípio da democratização realizou-se no distrito pela inclusão dos setores
populares e de outros setores mais abastados com interesses próximos aos do projeto
democrático-popular. A participação maciça nas assembléias do Orçamento Participativo,
a participação nas pré-conferências das Políticas Públicas com a formação de conselhos
gestores, a abertura aos moradores dos eventos antes destinados aos visitantes, os
campeonatos planejados em conjunto, as programações religiosas realizadas com a
Agência Distrital foram espaços onde não se permitiu nenhuma timidez para implementar
o projeto democrático-popular.
O princípio da ética e da transparência na utilização dos recursos públicos, com a
prestação de contas sistemática com os funcionários e setores populares, realizou-se pela
difusão incansável desses princípios com todos os meios de comunicação política
disponíveis, desde a mídia, passando pelas centenas de visitas domiciliares nos finais de
semana e pela incorporação de moradores do distrito em processos de trabalho, como os
trabalhadores da limpeza pública provenientes dos mais diversos bairros.
A consistência do projeto do Governo do Povo no distrito de Mosqueiro não foi dada por
nenhuma fórmula mágica, mas pela rigorosa observância dos princípios do Governo
democrático-popular que movimenta toda a equipe responsável pela gestão.3 

1
VASQUEZ, Adolfo Sanchez. A filosofia da práxis. Tradução Luiz Fernando Cardoso. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1990. 454p.b

2
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO MUNICÍPIO DE BELÉM. Belém: PMB/SEGEP, 1997 e
1998
3
Cf: CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. Tradução Ivo Barroso. 2 ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. 142p.
UCHOA, Paulo. Notas para o Congresso da Cidade. Belém, 1999.

DEMOCRATIZAÇÃO E PODER POPULAR

A construção de um novo ideário de cidade


Historicamente, as políticas urbanas brasileiras privilegiaram os segmentos sociais
de maior renda. Suas diretrizes, orientadas pela lógica de satisfação das exigências de
mercado, executaram nas cidades políticas excludentes, ao mesmo tempo em que
concentraram mão-de-obra barata e criaram infra-estrutura para reprodução do capital.
Essas políticas na esfera local materializaram a concepção dominante de desenvolvimento
econômico.
Uma ruptura com essa lógica começa a ser desenhada ainda na década de 60 e,
infelizmente, fica adormecida durante a ditadura militar. Mas é retomada, assumida e
potencializada no início dos anos 80 com a abertura política e lança-se no debate do
processo reformista instalado no Brasil. O planejamento crítico alternativo, assentado no
ideário da reforma urbana, de gestão democrática e participativa da cidade, de função
social da propriedade e de inversão de prioridades, representa um corte histórico com a
concepção vigente de desenvolvimento, pois inaugura um novo patamar para se pensar as
políticas urbanas no País. Democracia, eqüidade e justiça social são palavras-chave que
indicam a necessidade da implementação de políticas efetivas para combater a miséria e a
pobreza e, ao mesmo tempo, contrapor-se ao assistencialismo e clientelismo. Dessa forma,
inaugura-se uma nova modalidade política - a cultura de direitos.
Esse projeto político alternativo, resultante da intervenção de um conjunto diverso
de atores sociais e políticos no Brasil contemporâneo, orienta várias administrações de
perfil democrático-popular no País. O Orçamento Participativo, a Bolsa Escola, a criação
de linha de crédito especial para pequenos e médios empreendedores, o reconhecimento
dos conselhos setoriais e a implementação das Zonas Especiais de Interesse Social são
realizações importantes tanto ao combater a miséria e a pobreza, quanto ao incentivar e
propiciar a participação popular na condução dos destinos da cidade 1 . Essas políticas
ganham reconhecimento público da sociedade e, inclusive, receberam premiações
nacionais e internacionais decorrentes dessas iniciativas2 .
Por outro lado, os desafios expostos com o processo de globalização que, também,
globaliza a miséria e a pobreza com a reforma do Estado e sua lógica privatizante, e as
políticas de ajustes estruturais impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) - para
o pagamento dos serviços da dívida externa - , empurram a governabilidade das cidades
para além das fronteiras do Estado Nacional.
Logo, as administrações de perfil democrático-popular representam a alternativa de
poder capaz de romper essa lógica perversa, anti-ecológica e excludente e, ao mesmo
tempo, de questionar o próprio capitalismo enquanto “modelo civilizatório”. De outra
forma, uma trincheira de resistência no campo e sua luta contra o neoliberalismo3  .

Governo do Povo e a Nova Modalidade de Gestão


Urbana na Capital do Pará - Inversão de Prioridades,
Transparência e Controle Social

A democratização da gestão urbana passa necessariamente pela descentralização


intra e inter governamental, pela participação direta da população nos rumos da cidade e
pelo aumento da transparência no processo administrativo. Essas questões para as
administrações de perfil democrático-popular tornam-se necessárias, tanto do ponto de
vista político (criar as condições para viabilizar o controle social), quanto do ponto de vista
técnico (aumentar a eficiência na aplicação dos recursos públicos), como forma de
aproximar as decisões ao cotidiano da população.
Algumas iniciativas importantes podem ser identificadas, no caso de Belém, a saber:
o Orçamento Participativo, a implantação das Administrações Regionais como forma de
aproximar o governo da população, e a criação dos conselhos gestores para equipamentos
públicos municipais. São iniciativas importantes para democratizar a informação e o
processo de decisão. São processos em curso de grande importância para o futuro político
da cidade, pois apontam para o brotar de uma nova cultura política, pautada na
solidariedade, respeito às decisões coletivas e valorização da participação da sociedade,
empurrando as discussões para além dos períodos eleitorais.
Assim, os desafios postos para a consolidação das administrações regionais, dentro
de um projeto estratégico de cidade construído com a sociedade, têm reafirmado algumas
diretrizes.

Fortalecimento e estruturação das


Administrações Regionais

As Administrações Regionais representam um avanço no que diz respeito à


aproximação do governo com a população. Ao mesmo tempo, incorporam um conjunto de
atores sociais e políticos, que tem atuação política e incentiva outros segmentos que,
historicamente, não apresentam a mesma tradição nos processos de decisão em esfera
local.
As iniciativas que vêm sendo implementadas nas Administrações Regionais - como a
formação de Conselho Político, Conselhos Populares, Fóruns de Gestores, de Cultura,
Esporte e Lazer, com a participação crescente da população, dão sustentação política e
constroem o Governo do Povo -, apontam na perspectiva de vencer as disputas setoriais
em torno de questões pontuais e acenam para um redirecionamento da ação, no sentido da
condução política coletiva, estabelecendo elementos de uma construção de longo curso.
Uma das decisões importantes tomadas na Conferência Municipal de Saneamento,
realizada recentemente, foi a necessidade da distritalização de alguns serviços de
saneamento. São propostas forjadas em decorrência da descentralização da ação política
do Governo do Povo no sentido de diminuir o tempo de respostas às demandas da
população. A experiência do governo vem provocando rearranjos na prestação dos
serviços, quanto à agilidade e a sua capacidade de programar ações de impactos imediatos
e em consonância com as organizações populares e lideranças dos bairros. Tem
possibilitado enfrentar um dos mais importantes desafios para a mudança no
comportamento da população na direção de uma cidadania ativa, que é sermos capazes de
agir também nas ruas e vilas de forma permanente, com o povo sentindo a presença do
governo no seu cotidiano, e, assim, o que desperta para a responsabilidade com a cidade,
objeto do cuidado e carinho de todos(as).
Por se constituírem na instância de governo mais próxima da população,
entendemos que as administrações regionais - por seu conhecimento da realidade - , se
ampliadas as suas condições, podem executar serviços e servirem de elemento articulador
das ações de diversas secretarias, sem, no entanto, concorrer com as mesmas, conforme
diretrizes estabelecidas no Plano Diretor Urbano de Belém4 .
A descentralização é, assim, para nós, componente essencial em nosso ideário, no
jeito cabano de construir um modo petista de governar em Belém. A descentralização
pensada enquanto descentralização política de poder e não apenas em desconcentração
administrativa. A descentralização é o elemento básico para a democratização do Estado e
pressupõe algumas condições: sensibilidade, transparência, efetividade e responsabilidade
como capacidade plena de implementar um processo de descentralização, administrativo e
político. Borja5 aponta o seguinte:
“As condições para a descentralização consubstanciar-se realmente em democratização do
aparelho estatal são: uma estrutura deliberativa e representativa com autonomia nas suas atividades;
competências de caráter decisório; capacidade de viabilizar as decisões tomadas; disponibilidade de
recursos e capacidade de implementação de um sistema de acompanhamento e cobrança social, interna
e externa desses serviços, dessas decisões, desses recursos, dessa autonomia, dessa descentralização”.
A perspectiva estratégica do Governo do Povo está, com isso, profundamente
comprometida com o controle social e com a ampliação da democracia na construção de
um Estado ampliado. A introdução do planejamento estratégico, a busca por modalidades
e estruturas mais horizontalizadas, a abertura para uma aproximação cada vez mais ativa
do cidadão e a introdução de métodos de gestão participativa, instituindo critérios de
avaliação e desempenho, têm sido tarefas permanentes para a construção de uma BELÉM
DO POVO.
A administração clássica, fundada sobre a regulamentação racional, regulada e
hierarquizada, começa a se esgotar. A resposta a esta complexidade, segundo Michel
Crozier, é a redução dos níveis hierárquicos, das distâncias entre decisão e ação; mais
autonomia, delegação e controle social, sob as diversas formas.

O projeto de desenvolvimento local

A elaboração de projetos de desenvolvimento local evidencia-se como elemento


central para a consolidação do Governo do Povo, porém, defronta-se com um dos mais
clássicos problemas, que é a insuficiência de indicadores sociais com uma radiografia das
condições de vida da população, como condição fundamental para a elaboração de um
plano de desenvolvimento local. Mas isso não tem constituído um fator impeditivo de
construção conjunta com a sociedade, do nosso projeto, com a participação efetiva das
Administrações Regionais. Nosso desafio tem sido precisamente “PENSAR
GLOBALMENTE E AGIR LOCALMENTE”.
O Governo do Povo tem como diretriz urbanizar com inclusão social, o que
representa enfrentar o desafio de desconstruir a Belém dos ricos e a Belém dos pobres,
para erigir uma única cidade de todos e para todos, e apresenta, pela primeira vez na
história da cidade, a incorporação em sua construção de diferentes áreas apontadas pela
população. Outros recursos também poderiam subsidiar a intervenção governamental,
como diagnóstico sócio-econômico e político do distrito sobre educação, saúde, transporte,
habitação, saneamento ambiental, cultura, lazer, geração de trabalho e renda, além de
políticas específicas relacionadas ao idoso, ao jovem, à mulher, à criança, aos portadores
de necessidades especiais. Ressaltando também e especialmente a implementação das
Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), como forma de garantir a permanência da
população de baixa renda nas áreas urbanizadas.
São recursos que contribuem para uma intervenção mais qualificada no Orçamento
Participativo, respeitando-se as demandas setoriais, bem como questões relevantes para o
conjunto do distrito. É importante que a população participante do OP se sinta
contemplada, caso sua demanda específica não seja atendida, diferenciando o que são
demandas pontuais e localizadas, de demandas ESTRUTURANTES.
A ação do Governo do Povo objetiva primordialmente a libertação das consciências. As
obras de intervenções urbanas e as políticas públicas são fundamentais, mas não constituem
a única finalidade de nossa ação política. A finalidade maior é fazer com que as pessoas se
tornem melhores, mais humanas, mais solidárias, mais conscientes. É tocar o imaginário
das pessoas, tocar os corações e as mentes.

1
BONDUKI, Nabil. Habitat: as práticas bem–sucedidas em habitação, meio ambiente e gestão urbana nas cidades brasileiras.
2 ed. São Paulo: Stúdio Novel, 1997. 267p.
2
Vide, por exemplo, Belém, com premiação da Abrinque “Prefeito Criança 1999 e 2000” e muitos outros prêmios nacionais e
internacionais.
3
Ressalta-se a importância histórica e conjuntural, II Encontro Americano Pela
Humanidade Contra o Neoliberalismo, realizado em Belém no início de dezembro de 1999.
 4
“Art. 13 - O Plano Diretor deverá instituir Sistema de Planejamento do Município de Belém. a ser composto pela Secretaria
Municipal de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão, de órgãos específicos de planejamento e gestão de cada uma das
demais Secretarias. Administrações Regionais e órgãos da Administração Indireta.
Art. 310 - Para melhor execução do processo de Planejamento e Gestão Urbana, a cidade de Belém será dividida em Regiões
Administrativas pertencentes ao governo municipal, que serão geridas por Administrações Regionais descentralizadas, com
dotação orçamentária e quadro de pessoal próprios. Parágrafo 1° - Às Administrações Regionais compete representar o
Executivo Municipal em função das peculiaridades dos problemas locais que ocorrem nos seus limites territoriais, na
agilização de soluções que favoreçam o desempenho, tendo por objetivos:
I - permitir a eficiência do processo decisório:
II - eliminar atividades concorrentes ou superpostas:
III - valorizar os recursos humanos;
IV - eliminar hiatos existentes na Administração:
V - propiciar maior participação comunitária:
VI - viabilizar a implantação do processo de planejamento ascendente e participativo.
Parágrafo 2° - As Administrações Regionais exercerão as atividades de operação, manutenção e conservação dos sistemas de
infra-estrutura urbana. prestação de serviços e planejamento, que sejam de caráter local.
Art. 317 - Os planos de trabalho das Administrações Regionais. após a aprovação em sua própria instância. deverão integrar
o plano global de governo da Administração Direta e Indireta com o objetivo de possibilitar a cada nível de decisão superior.
a compatibilização das ações de cada Região Administrativa nos seus limites de competência.
Art. 320 - Será criado. sob a coordenação do órgão central de planejamento. um grupo de
trabalho para orientar. avaliar e acompanhar as atividades de modernização das
Administrações Regionais e órgãos setoriais da administração direta e indireta. com vistas a
viabilizar a absorção. pelas administrações regionais. do planejamento e execução de
atividades de sua competência atualmente centralizadas em níveis superiores de decisão.

5
BORJA, Jordi. Local y Global: la gestion de la ciudades en la era de la información.
Madrid: Taurus, 1997. 418p.

O GOVERNO DO POVO FRENTE A UMA HISTÓRIA DE EXCLUSÃO DA MAIORIA DA


POPULAÇÃO
DE BELÉM E A CENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO

Ao longo de 381 anos, desde a sua fundação, Belém passou por várias
administrações ou gestões municipais.. Do ponto de vista do “bem administrar”, pode-se
dizer que a gestão do Governo do Povo tem sido incomparável, se levarmos em conta seus
poucos anos de duração até o momento.
Com exceção dos governos cabanos, nos quais o povo assumiu o poder por pouco
tempo, somente em 1997, uma nova gestão municipal veio romper com uma cultura
impregnada pela centralização, pelo fisiologismo e pela prática antidemocrática e
paternalista. As decisões acerca dos gastos do dinheiro público eram tomadas dentro dos
gabinetes e o povo era sempre excluído, marginalizado, enfim, alijado do processo de
decisão sócio-político em relação a esses gastos e aos destinos da cidade.
Na verdade, essa nova gestão veio romper com uma estratégia político-
administrativa que visava manter o povo subjugado através de práticas clientelistas
adotadas como instrumento eleitoreiro. Somente às vésperas do pleito, realizavam-se
doações e obras emergenciais para atender a interesses localizados. E foi mais ou menos
nessas bases que foram se atravessando séculos.

O povo decide mudar

A exclusão política e social da maioria da população, ao longo desses séculos, criou


uma “cultura” visando consolidar um suposto conformismo e acomodação da maioria do
povo, podendo ser representada nas seguintes idéias: “política é assim mesmo”, “fulano
rouba, mas faz”, “os políticos são todos iguais”, entre outras. Esse tipo de “cultura” ideológica
levou a população, não só de Belém, mas de todo o Brasil, a pensar que política é coisa de
parlamentares que gestão pública é tarefa de prefeito, governador e presidente da
república e que o povo não pode opinar nem decidir.
Contrariamente, as forças democrático-populares nunca perderam as esperanças;
enfrentaram o governo repressivo-ditatorial, acompanharam o período de transição e
conquistaram a volta do pleito democrático, embora por uma pequena parcela da
sociedade.
Eclodindo como resultado das diversas formas de resistência, que foram se forjando
a partir de processos organizativos como as CEBS (Comunidades Eclesiais de Base), os
centros comunitários, as associações de moradores, os sindicatos urbanos e rurais foram
construindo a sua força. Em Belém, essa força popular vem se afirmando através do
Governo do Povo.
Em 1996, o povo de Belém resolveu acabar com o continuísmo imutável, que era o
processo político-administrativo na Capital, elegendo para Prefeito da cidade um
trabalhador comprometido com a transformação social, representando uma frente de
esquerda e um projeto político que alteraria completamente a correlação de forças no
município, segundo um governo em que o povo, historicamente excluído, participa.
Assim, o Governo do Povo assume a cidade de Belém, herdando um passado de
tradição política, baseado em contra-valores, como o paternalismo, o fisiologismo e a falta
de participação popular nas tomadas de decisão, o que permitia aos grupos dominantes se
perpetuarem no poder mediante esses instrumentos de dominação, aliando essa prática à
situação constante de miséria da maioria da população.
A grande tarefa que se impunha, naquele momento, ao Governo do Povo era romper
com essas práticas e com esses contra-valores e inaugurar um novo processo de
participação popular na gestão da coisa pública, visando contribuir para uma nova
consciência e assegurar às camadas populares seus direitos enquanto cidadãos, incluí-los
no processo de desenvolvimento social da cidade, na busca da construção de uma nova
sociedade mais humana, solidária e feliz, sem se pôr, portanto, a serviço das elites.
Belém resolveu mudar, acreditou e, particularmente, a parcela da cidade que jamais
tinha tido acesso a direitos, à informação e ao exercício do seu poder de gerir a cidade,
respondeu positivamente.
Os primeiros atos do Governo do Povo confirmaram sua intenção de inverter
prioridades, implementar uma gestão democrática, com a participação popular, visando à
radical transformação da cultura política, que imperava na relação entre governo e
sociedade. Ao Decreto de implantação do Programa Bolsa-Escola, como primeiro ato do
governo, já se seguia a decisão de implantar o Orçamento Participativo e muitos outros
programas de afirmação do novo momento. Ao iniciar a sua gestão, com todas as
administrações regionais implantadas (antes eram apenas 3), o Governo do Povo aponta
para a nova concepção de gestão, democrática, descentralizada e planejamento da cidade
com a participação popular. O povo passa, efetivamente, a participar das decisões e das
estruturas de governo, por meio dos sistemas de gestão colegiada dos espaços públicos; de
esporte, cultura e lazer, entre outros; da fiscalização das obras; da elaboração e condução
do orçamento público, enfim, das mais diversas e variadas formas que se foram afirmando
no início do governo.
As Administrações Regionais (AR), no contexto de uma proposta de transformação
da cultura política de dominação e de clientelismo, são um dos frutos da descentralização
e de uma nova concepção da Política Administrativa do Governo do Povo. As ARs são
fundamentais na sustentação da participação popular. Em todas as comunidades distritais
são realizadas Assembléias Populares ou reuniões ampliadas por áreas, priorizando-se
aquelas que solicitam atendimento imediato. Nesses eventos, que às vezes chegam a ser
diários, discute-se a forma do atendimento de áreas e também a prestação de contas com a
comunidade.
As Administrações Regionais têm se tornado referência para o distrito, seja como
canal de interlocução com o governo, seja como referência de local público. As pré-
conferências, assim como os momentos preparatórios aos demais fóruns são sempre
realizados em cada distrito, por intermédio das Administrações Regionais, junto com os
órgãos públicos responsáveis. São reuniões ou assembléias que favorecem uma
participação qualificada do ponto de vista de informação nova sobre as políticas públicas e
da consciência do papel de cidadão na implementação dessas políticas debatidas em
fóruns como as Conferências Municipais e/ou Assembléias do Orçamento Participativo.
Ao mesmo tempo, esses eventos reforçam o resgate da valorização de cada cidadão:
quando a comunidade tem poder de decisão, o cidadão torna-se sujeito da construção de
sua cidade, contribuindo, assim, passo a passo, para o processo de apropriação em sua
plenitude.
Outra importância das Administrações Regionais, nos parâmetros de nossa
percepção do modo de governar, é favorecer a maior aproximação do governo com as
comunidades de cada bairro e o processo de definição de prioridades. Como exemplo
relevante, citamos as obras demandadas pelas comunidades nas pré-assembléias
populares distritais, realizadas nas diversas comunidades e levadas para as discussões nas
grandes Assembléias do OP.
O chamamento do governo para as primeiras assembléias do Orçamento
Participativo foi de pronto atendido. A participação popular cresceu ao longo dos anos,
passando de 15 mil em 97 para cerca de 160 mil pessoas em 2000. E dessas assembléias
saíram as demandas da população, saíram as decisões de prioridades, as realizações que a
comunidade identificava como prementes.
Além do Orçamento Participativo, destaca-se o trabalho em parceria com a
comunidade, que busca despertar a co-responsabilidade na gestão pública, na medida em
que essa comunidade assume o compromisso de participar do processo de solução dos
problemas locais, contribuindo de forma decisiva para essa solução e procurando zelar por
sua manutenção. Até o momento, existem cerca de 700 solicitações de obras de parceria,
que vêm sendo realizadas com base em critérios transparentes, discutidos com cada grupo
envolvido.
Todas as parcerias com a comunidade partem de discussões com todos os moradores
da área. Formam-se comissões de moradores, não só para fiscalizar, como também para
coordenar, junto com o governo, a execução do serviço ou da obra. Quando há comissão
de finanças, esta é composta por pessoas da comunidade.
O Governo do Povo acredita que os processos decisórios adquirem legitimidade
quando realizados com transparência, com participação e, acima de tudo, quando são
cumpridas as suas deliberações, quando são definidas prioridades de forma coletiva.
Assim, o que for concretizado será apropriado por todos.
Participação é concepção. Não se admite chamar um ato democrático, quando o
povo não é convidado a decidir, quando apenas uma camada restrita da sociedade decide.
Na realidade, mesmo quem representa uma comunidade ou uma área não tem a
prerrogativa de decidir sozinho.
Para o Governo do Povo, somente pela construção do poder popular é que se pode
chegar a uma sociedade justa e, para tal, são necessárias discussões ampliadas com as
comunidades, no intuito de se viabilizar os mecanismos que favoreçam essa construção. O
Orçamento Participativo (OP) é um desses mecanismos que possibilitam a participação
popular, e cada ano vem sendo ampliado e rediscutido pelo governo e seus participantes,
tomando rumos cada vez mais seguros, mais democráticos e irreversíveis.
Com a presença do Governo do Povo nas comunidades, as associações de
moradores, os centros comunitários, os clubes de mães, as associações culturais e outras
entidades, têm se fortalecido nas suas áreas de atuação, contribuindo para o exercício da
cidadania e para a formação política de cidadãos conscientes de seus direitos.
A coerência de princípios do Governo do Povo já está sendo notada pela maioria da
população, em razão da abrangência do projeto maior do governo, o Congresso da Cidade,
que representa de modo ampliado a forma de governar em Belém. No Congresso da
Cidade, articulam-se aspectos econômicos, culturais e ou sócio-políticos, tudo com o
objetivo de construir a grande Metrópole das Luzes e consolidar esse projeto.
Nunca poderá existir governo democrático sem que os governantes tenham, dentro
de si, a consciência da verdadeira democracia, que é o respeito pelos direitos do povo,
direito a uma boa educação, direito à moradia digna, direito a uma boa alimentação,
direito ao lazer, e o direito à participação ativa nas decisões político-administrativas da
cidade.
Atualmente, em Belém, não se admite que a cidade fique de fora das discussões
sobre a construção de uma Feliz Cidade, pois quase todos estão conscientes de seus
papéis, acreditando nesse modo de governar. Juntamente com o Governo Municipal de
Belém, lutam pelos seus direitos de sonhar e concretizar os seus sonhos.

1
FURTADO, Celso. O capitalismo global. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1998. 83p.

A GESTÃO TRIBUTÁRIA E FISCAL


DO GOVERNO DO POVO

Para além do que seria a simples prática da administração tributária e financeira da


Prefeitura, a Secretaria Municipal de Finanças (SEFIN) vem buscando criar instrumentos
que permitam avançar em uma discussão das finanças municipais. Dessa forma, está
sempre inserida no debate nacional sobre o financiamento das cidades, sobre a reforma
tributária e sobre o projeto neoliberal em curso, particularmente no Brasil, projeto ao qual
claramente se opõe o projeto democrático e popular do Governo do Povo.
Para abordar a gestão tributária e fiscal do Governo do Povo, é necessário
estabelecer um paralelo com a situação encontrada em 1997.
O problema central apontado no planejamento estratégico da SEFIN, referia-se à
baixa capacidade de arrecadação do órgão fazendário. Atribuía-se esse problema
basicamente ao seguinte: ausência de uma política de comunicação para o cidadão,
gerando um desconhecimento popular acerca da natureza, da importância e da aplicação
dos tributos; política tributária inadequada; fiscalização deficiente em função do reduzido
número de fiscais; insuficiência dos cadastros de contribuintes, o que gerava uma
informação tributária sem qualidade.
Somavam-se ainda a esses pontos um baixo nível de informatização, a ausência de
uma política de formação profissional e espaços físicos inadequados. O resultado
expressava-se em elevados índices de inadimplência, sonegação e falta de credibilidade no
sistema, redundando tudo na baixa capacidade de arrecadação.
Cabia, portanto, além de criar internamente as condições necessárias para a
implementação de uma gestão socialmente justa, eficiente e democrática, enfrentar a
conjuntura nacional de uma verdadeira reforma fiscal e tributária que o governo federal
implantou por meio de legislação infra-constitucional, que alterou substancialmente a
articulação do poder nacional com os poderes locais e regionais.
Isso tudo se processou num contexto em que grandes cidades têm hoje um papel
fundamental no atendimento das demandas sociais da população brasileira. As regiões
metropolitanas brasileiras abrigam 1/3 da população do País, ou 56 milhões de pessoas
(ABRASF,1999). Assegurar a sobrevivência dessas cidades diante de uma sociedade
excludente e desigual, em que os 10% mais ricos se apropriam de 47% da renda nacional e
aos 10% mais pobres restam 0,8%, tem sido um desafio para os governos locais.
A capacidade de tributar e gerar receitas próprias nas cidades é restrita. Da carga
tributária do País, que está em torno de 29% do PIB, a arrecadação própria dos 5.507
municípios corresponde a 1,5% .
Aliado a isso, os parâmetros para a partilha de recursos públicos, via transferências
constitucionais definidos pela Constituição de 1988, têm sido sistematicamente alterados
pelas Medidas Provisórias, Leis Complementares ou Emendas Constitucionais,
promovendo-se uma profunda realocação do Fundo Público em favor da União por meio
do Fundo de Estabilização Fiscal, do Crédito Presumido do IPI e da Desoneração das
Exportações (Lei Kandir).
Para Belém, essa é uma história de perdas. Perdas oriundas tanto da política do
Governo FHC de desconstrução nacional, quanto da razia que o Governo Estadual tem
feito na repartição do ICMS, retirando de Belém mais de R$100 milhões em quatro anos.
Para que possamos ter a magnitude das necessidades de financiamento de uma
cidade como Belém, é necessário, também, nos referirmos às desigualdades regionais.
Segundo Márcio Pochmann1 , a desigualdade regional voltou a crescer nos anos 90,
pontuada por uma diferença de 11% entre os PIB per capita de 88 e 97. Na década de 80,
explica Pochmann, os planos nacionais de desenvolvimento alimentavam novos pólos de
crescimento econômico. Ao mesmo tempo, organismos como a SUDAM e a SUDENE
estavam no auge. Obras de infra-estrutura viária e de telecomunicações, bancadas pelo
Estado, viabilizavam a urbanização das periferias nacionais.
Nos anos 90, a partir do governo Collor, os órgãos de política regional são
esvaziados, estatais são privatizadas, e o setor privado assume o papel de vetor do
desenvolvimento. Porém, as decisões do setor privado são baseadas na existência de infra-
estrutura adequada, mão-de-obra capacitada e proximidade do mercado consumidor,
favorecendo as regiões mais ricas como Sul e Sudeste.
Diante desse quadro de restrições financeiras que atinge a cidade e buscando romper
esse cenário imposto ao Governo Municipal, tornou-se imperioso alterar o padrão de
funcionamento do órgão fazendário do município e buscar fontes de financiamento
externas disputando os recursos do FGTS colocados à disposição dos programas de
saneamento e de moradia dos municípios por meio da CEF, os recursos do Orçamento
Geral da União (OGU), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e convênios com órgãos internacionais, como o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).

Sobre a administração financeira

A gestão dos recursos financeiros efetuada hoje pela SEFIN está pautada em especial
nos seguintes princípios: resgate da credibilidade da PMB; compatibilização dos recursos
financeiros com os orçamentários; autonomia dos órgãos na aplicação dos recursos a eles
destinados; integração entre a SEFIN e os demais órgãos da administração municipal; e
reconhecimento da autonomia do Poder Legislativo. Tratou-se de romper com uma forma
autoritária de administrar, cuja tradição atribuía ao tesouro a condição de uma verdadeira
caixa preta.
O limite de gasto é criteriosamente definido, considerando o ingresso de receita no
município, seja ela proveniente de transferências constitucionais da União e Estado, seja de
tributos de competência do município. Assim, todos os compromissos assumidos junto aos
prestadores de serviços ao município, bem como o pagamento dos servidores, são
devidamente honrados.
Com esse procedimento, a PMB mantém um relacionamento de respeito com todos
os seus prestadores de serviços e servidores municipais, e os compromissos financeiros
assumidos não extrapolam a capacidade do município de pagá-los.
Assim, o pagamento dos salários dos servidores municipais jamais atrasou no
Governo do Povo. Cada órgão estabelece sua ordem de prioridade de pagamento, o que
lhe permite prestar informações precisas junto aos seus credores sobre as datas em que
seus pagamentos serão processados. Com isso os órgãos passam a ter autonomia na sua
execução financeira.
Os órgãos gestores de fundos especiais, como SEMEC (Fundo de Educação), SESMA
(Fundo de Saúde) e SECON (Fundo Ver-o-Sol/Banco do Povo), possuem hoje plena gestão
dos recursos a eles vinculados, podendo-se afirmar que as determinações contidas nas leis
de constituição de fundo especiais são efetivamente cumpridas.
Ressalte-se que a modernização do sistema de pagamentos ocorre com
processamento junto aos bancos por meio magnético, o que diminuiu significativamente a
necessidade de tratar os documentos físicos e o tempo entre o registro dos repasses
financeiros aos órgãos e os créditos aos prestadores de serviços.
A SEFIN, como responsável pela gerência do módulo financeiro junto ao sistema
orçamentário/financeiro informatizado - Sistema Integrado de Planejamento e
Acompanhamento (SIPA) - , tem dado atenção especial para que esse sistema atenda
integralmente às necessidades dos órgãos, principalmente quanto ao acesso às
informações, eficiência na geração de documentos, emissão de relatórios legais para
composição e prestação de contas junto ao Tribunal de Contas dos Municípios.
Diferentemente do procedimento adotado em gestões anteriores, a SEFIN repassa
impreterivelmente até o dia 20 de cada mês os recursos financeiros ao Poder Legislativo,
com base no valor previsto no Orçamento da Câmara Municipal de Belém, integrante do
Orçamento Geral do Município. Assim, foi efetivamente resgatada a condição da Câmara
Municipal como um poder autônomo.

Administração tributária

Do ponto de vista da administração tributária, o esforço voltou-se para contribuir


com a disseminação de uma nova cultura, em que a inadimplência e a sonegação, práticas
banalizadas, não se justificam e nem podemos reafirmá-las em um contexto de ampla
transparência de aplicação de recursos, com inversão de prioridades dos investimentos
públicos. Essas práticas eram facilitadas em grande medida por uma legislação
inadequada e por parcos instrumentos gerenciais de controle, como cadastro de
contribuintes, planta de valores, sistemas informatizados e, ainda e principalmente, pela
ausência de mecanismos que assegurassem a transparência na aplicação dos recursos
públicos.
Nossos desafios teriam, então, que dar conta de uma legislação tributária adequada,
de um cadastro de contribuintes atualizado e unificado (imobiliário e mobiliário), de uma
política de fiscalização eficaz, de um atendimento eficiente aos contribuintes, da
implantação de uma política de comunicação e educação para o contribuinte, da
modernização da estrutura administrativa, de uma política eficaz de cobrança da dívida
ativa.
Embora tudo isso posto em movimento, teria ainda que obedecer a um princípio
fundamental do Governo do Povo, a radicalização da democracia. Uma das principais
formas de democratizar a gestão sem dúvida é o acesso dado ao cidadão mediante o
atendimento, a informação e a educação tributária.
Após a alteração do quadro caótico encontrado, com o contribuinte fazendo uma
verdadeira peregrinação para resolver seus assuntos junto à Fazenda Municipal, foi
implantada a Central Fiscal de Atendimento ao Cidadão ainda em 1997, consolidado como
um espaço que atende o contribuinte em múltiplos aspectos com a concepção de
atendimento unificado, integral e conclusivo, e também coloca à disposição informações
relativas à aplicação dos recursos municipais. Ao mesmo tempo, foram modernizados os
principais instrumentos de cobrança, que passaram a ser emitidos on line, proporcionando
maior eficácia e controle da arrecadação.
O fundamental nesse projeto é buscar uma relação direta com o contribuinte.
Campanhas de educação tributária, levando à população de Belém diversos
esclarecimentos sobre os tributos cobrados pela Prefeitura, por intermédio da mídia, por
fóruns de participação popular, com informações técnicas e prestação de contas sobre
aplicação dos tributos pagos pela população, tornam transparente a relação entre a
Fazenda Pública Municipal e o contribuinte.
Acabamos com as anistias de multas e juros dos tributos do exercício, que eram
concedidas todo final de ano. Eliminamos a possibilidade de redução do principal da
dívida no momento da negociação, que resultava em prejuízos significativos para o
Tesouro e estímulo à inadimplência, pois se tornava mais barato pagar o imposto no
exercício seguinte àquele no qual foi lançado. O novo dispositivo legal, de iniciativa do
Executivo municipal e aprovado pela Câmara em 1997, disciplina as possibilidades de
desconto da dívida tributária em no máximo 50% dos juros e multas incidentes sobre o
principal.
Enquanto no período de 1988 a 1996 a média anual de ações ajuizadas foi de 1.113,
no período de 1997-1998 esse número eleva-se para 3.612. Entre os anos de 1997 e 1998
foram ajuizadas 41,91% do total de ações do intervalo 1988-1998, o que denota o empenho
deste Governo em exigir o pagamento dos tributos por parte dos inadimplentes,
objetivando o incremento da arrecadação para utilização de mais recursos públicos em
favor da população. Deve ser destacada ainda a retomada do ajuizamento das execuções
relativas aos créditos fiscais relativos ao Imposto Sobre Serviços (ISS), que pela primeira
vez vem seguindo uma rotina administrativa.
A menção a essas ações é importante, porque as mesmas, além de representarem o
cumprimento do dever legal da SEFIN de exigir o pagamento dos tributos municipais -
meio idôneo que o Município tem de recuperar seus créditos, para que os mesmos sejam
democraticamente utilizados na execução de obras e serviços de responsabilidade da
Administração Municipal -, têm por objetivo demonstrar ao contribuinte consciente, que
honra seu dever de cidadão, que, além de contribuir para uma administração séria, em que
os recursos são efetivamente voltados para as necessidades da população como um todo, o
cumprimento de seu dever de cidadão-contribuinte não se dará isoladamente. Por outro
lado, há uma preocupação em educar e esclarecer os cidadãos. Antes da cobrança judicial,
há um trabalho de envio de informações e chamadas ao contribuinte para negociação
amigável de débitos. Foi realizado, inclusive, o credenciamento de instituições financeiras
aptas a desenvolver ações de totalização e controle na arrecadação dos valores
administrativamente cobrados.
Contudo, para recuperar as receitas municipais, há que se levar em conta outro
princípio fundamental, que é a busca da justiça tributária. Para tanto, a modernização da
legislação tornou-se um componente fundamental, aliado à manutenção do princípio da
progressividade na cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), em vigor em
Belém desde 1981. Esse princípio, além de ser da maior relevância na busca da justiça
tributária, objetiva minimizar os efeitos perversos da desigualdade econômica e respeitar a
capacidade contributiva dos munícipes, exigindo-se maior contribuição daqueles que
possuem maior capacidade econômica e reduzindo ou isentando a contribuição dos
cidadãos mais pobres.
Ao se propor a modificação da legislação tributária, não obstante esta ser privativa
do Poder Executivo, por se tratar de uma gestão democrática, optou-se por promover um
amplo debate prévio com setores da sociedade civil. Esse aspecto por si só já é ilustrativo
da postura inovadora deste Governo.
Tratando das modificações propriamente ditas, no que concerne ao Imposto Predial e
Territorial Urbano, todas as medidas adotadas pela Prefeitura de Belém, desde 1997, foram
no sentido de proporcionar maior justiça tributária, reduzindo alíquotas, aumentando
descontos e mantendo benefícios fiscais para os bons contribuintes que pagam
regularmente, como pode ser demonstrado no histórico das alíquotas de cobrança desse
imposto nos últimos dez anos:
1
POCHMANN, Mário. Desigualdade regional cresce11% até 97. Folha de São Paulo. 14
jun. 1999. Cad. Brasil, p.1-6.

Foram de iniciativa do Governo do Povo, ainda, a adoção de desconto de 10%, sobre


o tributo devido, para os imóveis residenciais com área construída entre 70 e 200 m2
(antes, havia somente desconto de 20% para os imóveis residenciais com até 70 m2), e a
redução de 30% sobre o montante do débito de IPTU dos imóveis não residenciais, de
exercícios anteriores e do exercício corrente, nos casos de negociação integral da dívida.
Além de todas as medidas para reduzir o IPTU, o Governo do Povo, através da Lei
nº 7.986, aprovada pela Câmara Municipal de Belém, no final de 1999, ampliou para 9.000
UFIR a faixa de valor venal para isenção automática do imposto dos imóveis residenciais.
Com essa medida, cerca de 32% de todos os imóveis de Belém foram dispensados de pagar
o IPTU, no exercício de 2000 (até o ano de 1999, apenas 7% dos imóveis estavam isentos do
IPTU).
Após vinte longos anos de defasagem cadastral, o novo cadastro multifinalitário,
realizado por um consórcio de empresas - contratado pela Prefeitura de Belém, através de
concorrência pública - afirmou-se como poderoso instrumento para o planejamento da
cidade e para a consolidação do caráter democrático e popular que passou a nortear a
gestão dos recursos públicos em Belém, dado que revelou as características dos imóveis e
de todas as áreas urbanas do município, permitindo a redistribuição da carga tributária,
com justiça fiscal, pois o imposto passou a ser lançado com base num cadastro imobiliário
atual, corrigindo as distorções existentes no lançamento do imposto, até o exercício de
1999.
Outro dado que ratifica a justiça tributária proporcionada pelo IPTU/2000, com base
no novo cadastro, diz respeito à distribuição das faixas do valor do lançamento: somente
5% dos contribuintes, ou seja, 8.794 imóveis, pagam acima de R$1 mil por ano. Cerca de
59% dos contribuintes, ou seja, 103.200 imóveis, paga entre R$23,00 e R$200,00, enquanto
32% de todo o cadastro, ou seja, mais de 81 mil imóveis, foram isentos do IPTU/2000.
Outro aspecto fundamental foi a realização de concurso público para auditores
fiscais e o aumento do número de cargos de auditores de 26 para 60, aprovado pela
Câmara Municipal em dezembro de 1999.
Parte do projeto de Cadastro Multifinalitário do Município consiste no levantamento
de dados cadastrais, tanto imobiliários quanto de atividades econômicas no Município, e
será um importante banco de dados atualizado e confiável, que deverá alterar
significativamente o lançamento tributário no município. Esse instrumento também será, a
partir de 2000, uma importante ferramenta para o planejamento tributário e o combate à
inadimplência e à sonegação.
Além disso, as informações cadastrais produzidas por este projeto são dados
potenciais para que se crie uma malha de informações sobre a cidade. Essa informação
estratégica, democraticamente compartilhada, disponível e acessível para a sociedade,
poderá orientar um “pensar coletivo” sobre a cidade, e proporcionar mudanças radicais na
cultura política local, na medida em que amplia e democratiza o conhecimento da nossa
realidade.
Os ajustes são realizados a partir da percepção do Governo Municipal dos
problemas sociais e são demonstrativos de sua ação política de inclusão social, voltada
principalmente para os segmentos da sociedade desprovidos do exercício de seus direitos
e da cidadania.
Há que destacar o viés distintivo entre o ajuste fiscal realizado pela gestão
democrática do Governo do Povo e a reforma tributária promovida pelo Governo Federal,
que fere mortalmente o Pacto Federativo, ao reduzir drasticamente os repasses destinados
constitucionalmente aos municípios, agravando sobremaneira a dificuldade de
atendimento das demandas da população, posto que é no município que se dá a relação
mais direta entre Estado e Sociedade, por meio do governo local. Além disso, tal reforma é
pautada no aumento da carga tributária sobre o contribuinte, especialmente os
assalariados, que não podem camuflar seus rendimentos, privilegiando a classe social mais
abastada, que não é tributada na medida de sua capacidade contributiva e detém
mecanismos de sonegação que não são devidamente reprimidos pelo aparelho estatal.
Construir, todavia, um projeto de governo que combine princípios, como
radicalização da democracia e justiça tributária, em uma política setorial como finanças e
tributos, em que a população, no seu exercício de participação, esteve sempre ao largo,
exigiu sempre esforços de maior monta, como tornar disponíveis noções fundamentais
sobre finanças públicas e prestar contas da utilização dos recursos municipais de forma
simples e direta.
O Orçamento Participativo afirmou-se como um canal privilegiado para estabelecer
esse contato qualitativo com a população. A SEFIN vem participando desde os primeiros
momentos do OP no sentido também de estabelecer um diálogo com a população acerca
dos escassos recursos municipais frente às demandas historicamente acumuladas.
Em 1997, 1998 e 1999, fomos às Plenárias para discutir a receita municipal,
demonstrando sua origem e composição, mostrando a inadimplência dos tributos
municipais e explicando suas causas. Demonstramos as dívidas herdadas de gestões
anteriores, fizemos prestação de contas, comparando com 1996 - o último exercício da
gestão anterior. Demonstramos a utilização dos recursos gastos com as prioridades
definidas tanto pela população como pelo planejamento de governo na busca do
cumprimento do que foi assumido como programa eleitoral. Mas, fundamentalmente,
fomos discutir com as mais de 90 mil pessoas que participaram desse processo, que existe
outra prática de política no País e no Pará. Uma prática de governo que, mesmo quando
realiza obras e oferece serviços, está marcada pelo clientelismo, em que a moeda de troca
são os votos nos períodos eleitorais. Trata-se de uma prática desmobilizadora da
população e mobilizadora das elites, que necessitam dos cargos públicos para manter-se.
Trata-se de uma prática nefasta e desmobilizadora, porque gera no cidadão o desencanto
com as questões políticas, refletindo negativamente no resultado dos processos eleitorais,
que são conservadores.
Em todos os momentos, fizemos o debate no sentido de demonstrar que os projetos
capitaneados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo Governador Almir
Gabriel são as expressões dessa prática nefasta. São governos que se locupletam com seus
pares. Beneficiam e protegem seus amigos de elite, engendrando os arranjos para o rodízio
do poder nas futuras eleições.
Nesse processo, vale uma referência para o OP/99, em que os limites do
financiamento das ações da PMB, a partir de 2000, foram ampliados para a participação
direta da população, com a definição de como utilizar os 100% da receita municipal, ou
seja, a população passou, a partir de então, a deliberar sobre todo o custeio e investimento
a ser realizado pelo Governo do Povo.
O encaminhamento desse processo com êxito se dá em função da maturidade com
que se fechou o Orçamento 2000 e demonstra na prática que é possível construir
efetivamente o que o povo decide, envolvendo não apenas as parcelas organizadas da
sociedade, mas a população em geral.
A população, que antes era privada de informações, passou a apreender conceitos
importantes sobre a gestão pública, podendo exercer a cidadania, dividindo com o
Governo Municipal a responsabilidade de gerir os recursos públicos.
A síntese dessa ação, marcada pela informação e pela formação política, pode ser
ilustrada pelo conteúdo geral das falas e pela participação qualificada dos delegados e
conselheiros do OP durante a realização das Assembléias Municipais: o financiamento das
demandas sociais da cidade não depende somente do orçamento municipal, pois está
ligado, no âmbito nacional, a questões determinadas pela política nacional e estadual. O
que aponta para a necessidade da mobilização social no sentido de questionar o projeto
político de um governo, que se submete ao pagamento de juros extorsivos da dívida
pública com o sacrifício de políticas sociais como saúde, educação, saneamento e emprego.
O desfecho desse debate prenuncia que, se a mobilização social não frear esses
projetos e governos, que visam com seu ódio de classe, inviabilizar experiências como a do
Governo do Povo, retirando do Município recursos antes assegurados, como é o caso dos
ICMS, ou ainda a reforma tributária patrocinada pelo Governo Federal, só restará a um
processo como o do OP se consolidar irremediavelmente como uma prática no
atendimento das demandas populares e à cidade se governar na forma de um Congresso
permanente.

TECNOLOGIA COMO SUPORTE


À INFORMAÇÃO E À GESTÃO TERRITORIAL
COM FUNÇÃO E CONTROLE SOCIAL

Desde 1997, vem sendo construída no município de Belém uma estratégia para
articular duas das diversas dimensões da gestão da cidade, que se encontravam apartadas,
independentes e com baixa ou nenhuma sinergia em relação à função que devem assumir,
particularmente em um governo democrático e popular. Refere-se aqui à estrutura
tecnológica de informática do município, aos instrumentos de administração dos bens
dominiais da Prefeitura com suporte na cartografia e aos procedimentos de controle e
acompanhamento que requer uma empresa pública.
De um lado, atuava a Companhia de Informática de Belém (CINBESA) e, de outro, a
Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém
(CODEM). A primeira, criada em 1982, teve sua origem vinculada ao processo de
arrecadação e ao processamento da contabilidade do município; a segunda, à
administração dos bens e direitos dominiais e à arrecadação proveniente desta atividade.
A CODEM, instituída em 1970, ao longo dos seus trinta anos de existência, atuou na
realização de estudos e na execução de propostas de regulação da gestão territorial, e,
também, como produtora de informações, principalmente de caráter cadastral. Até 1997,
como precursora da política habitacional no município, que se implantara efetivamente a
partir de 1997, agora sob a coordenação da Secretaria Municipal de Habitação, a CODEM
produziu projetos de urbanização de diversas áreas no município. Desde então, manteve
as suas funções originais, contudo, inseridas em uma estratégia de especialização de suas
atividades, mantidas naturalmente aquelas que asseguram a governabilidade do
município sobre os seus bens e serviços dominiais, procedendo aforamentos,
levantamentos planialtimétricos e regularização fundiária de terras do município, entre
outras ações, que, inclusive, geram um vasto acervo documental e cartográfico. Enfim, a
CODEM coordena a administração do patrimônio enfitêutico e as informações relativas ao
cadastro imobiliário das unidades de planejamento da supra-estrutura (redes de esgoto, de
telefonia, de energia elétrica etc.) de toda a cidade.
Mas as condições em que as suas funções eram exercidas e o fim com que eram
exercidas vão se alterando. Os seus recursos técnicos, por exemplo, são ampliados, como
os equipamentos de informática - antes apenas 3 microcomputadores atendiam toda a
instituição. São apoiadas as iniciativas dos servidores com vistas à elevação da sua auto-
estima com a melhoria nas condições de trabalho, ao atendimento de pleitos que
assegurem a sua dignidade, como atendimento de saúde e apoio às suas atividades
organizativas.
Já a sua relação com a função social da informação vem constituindo um dos seus
principais desafios. E esse, por sua vez, se encontra no centro da questão colocada para a
Prefeitura, rumo à consolidação da transformação da cultura de como a cidade deve lidar
com a informação.
E é dentro dessa concepção que a tecnologia de informática e outros recursos
técnicos assumem a sua função política. É neste momento, depois de 20 anos, que está
sendo realizado um novo cadastro do município de Belém, denominado Cadastro Técnico
Multifinalitário, com funções múltiplas. Isso acontece em um contexto em que nunca se
produziram tantos indicadores nas diversas áreas de intervenção na Prefeitura e em uma
cidade com uma história de frágil memória dos seus indicadores, sem um banco de dados
sistemático e regularmente alimentado. Portanto, cumprir o desafio acima mencionado é
mais do que organizar, produzir, é aprofundar uma prática de gestão democrática com
eficiência, com rigor nos processos, mas que não se esgotem em si.
E não há outra forma que não seja reconhecer que a tecnologia e as suas
possibilidades de uso social, de organizar informação, subordinam-se a uma estratégia,
que pode ser para aprisionar, como pode ser para transformar, para assumir uma outra
postura frente à informação e à informatização dos processos.
O processo de informatização da Prefeitura de Belém, como já foi dito anteriormente,
surgiu voltado para a ação arrecadadora, subordinado à Secretaria de Finanças, com
competências, basicamente, voltadas para o controle da arrecadação e o processamento da
contabilidade pública, pautado pela teoria do poder, mas o poder de uma minoria e sob
um modelo de centralização do conhecimento e do acesso restrito às pessoas. Com a
expansão dos serviços públicos a uma população cada vez maior e mais exigente, esse
modelo foi se redefinindo. Então, foi criada a empresa municipal de informática, com a
responsabilidade de planejar, coordenar e dirigir as atividades de informática e
microfilmagem, favorecendo a racionalidade e a eficiência administrativa, facilitando o
processo de tomada de decisão no universo dos órgãos integrantes da estrutura municipal
de Belém. Isso em um momento de dependência tecnológica e completa exclusão da
possibilidade de participação da população. O que agravou ainda mais esse quadro foi a
forma como foram transferidas as funções e os recursos tecnológicos do órgão fazendário
para a nova empresa, sem a observância de importantes fatores de sucesso para uma
empresa que emprega tecnologia de ponta e exige instalações físicas adequadas para seu
pleno desempenho. As instalações eram inadequadas aos seus propósitos, assim como os
métodos e formas de trabalhos, alicerçados na prática de anos de controles da arrecadação
municipal, em que prevaleciam a falta de documentação sistêmica e a ausência de
democratização da gestão no processo.
Mudanças estruturais na economia, com a difusão dos recursos tecnológicos e a
presença de uma companhia como gestora de tecnologia da informação na PMB, não
foram suficientes para impedir o seu estado de obsolescência diante da opção político-
operacional, que não assegurou a reposição imediata quando ocorresse defasagem
tecnológica e nem a formação dos trabalhadores da empresa. Foram sendo desenvolvidas
ainda ações compartimentadas, carentes de uma lógica de comunicação, de diálogo entre
os diversos de informatização. São projetos bem elaborados, mas ainda não se inserem em
um projeto integrado no interior da prefeitura ou na sua relação principal, que é de
interatividade com a vida da cidade.
Contudo, constituem um acervo e um método em construção. De um lado, pela
tecnologia definida no interior de um projeto político, e, de outro, decorrente das relações
e das intervenções sociais, que vêm ocorrendo na cidade e que podem possibilitar
transformar um dado bruto em informação. Não é difícil, quando se concebe o governo
como um meio para a cidade se expressar e o poder local se constrói na relação entre
governo e sociedade. E, se é o povo da cidade que governa, não há o que ele não possa
criar, recriar.
Para um governo, que concebe o cidadão de forma integral, que realiza um
planejamento socialmente construído, informação só tem sentido se for para melhorar a
vida de cada cidadão e para informar o movimento da cidade, quanto e como as diversas
políticas alteram a vida das pessoas, a qualidade de vida da cidade, a partir da menor
unidade de planejamento possível, a casa, a rua, o bairro, a cidade, as unidades de
serviços, porque é aí que o cidadão mora, e é a partir dele que deve ser pensada a cidade.
Em função dos desafios gerais lançados para a cidade na sua totalidade é que
ocorrem as mudanças mais localizadas.
Do ponto de vista da estruturação interna da prefeitura, para dar conta desses
desafios, busca-se romper com a lógica do cliente na relação estabelecida entre os órgãos e
a empresa que detém a função de organizar os processos a partir dos quais as informações
se difundem. Ao contrário da compreensão de que, de um lado, existem os prestadores de
serviços e, de outro, os usuários e/ou clientes, passa-se a conceber um projeto em que a
função estratégica da informação também está dada na forma como se organizam as
estruturas e os processos que as viabilizam. Também para os serviços voltados para a
impressão e o controle dos documentos, referentes à arrecadação dos tributos e taxas, e
para a elaboração e emissão das folhas de pagamento, ainda vêm sendo objeto de estudo e
iniciativas que organizem e gerem indicadores capazes de orientar o planejamento das
ações de governo.
Outro desafio que se apresentou ao de se forjar uma nova cultura no interior do
órgão de informática foi a democratização das próprias estruturas, dando vitalidade aos
mecanismos internos, como os Conselhos, com representação da sociedade civil
organizada, como entidades comunitárias, sindicatos. Além disso, ocorreram mudanças na
forma de planejar internamente as ações. O que anteriormente era prerrogativa dos
parceiros comerciais e diretores passa a ser discutido e elaborado com a participação dos
empregados, que contribuem com suas experiências e conhecimentos para a criação de um
plano global de informatização da PMB. É dessa prática que vai surgindo a cidade como
preocupação central, que se expressa em ações pequenas, mas significativas, como a
criação de uma home-page, via Internet, contendo informações acerca dos diversos
serviços prestados pela Prefeitura e dados sobre a cidade, até então restritos aos órgãos
municipais. Dessa mesma forma, aberta, ampla, consolidou-se a idéia de que a base física
da cidade, a sua base cadastral, imobiliária, de infra-estrutura, deveria receber suporte
tecnológico da informática.
Sendo a informática um instrumento de gestão voltado para o interesse da cidade,
várias ações de suporte tecnológico para sistemas de caráter social foram desenvolvidas 1 .
Isso mostra as possibilidades de um sistema integrado de informação, particularmente
vinculado ao sistema de planejamento, empregando o processamento da base cartográfica
e cadastral do Cadastro Técnico Multifinalitário do Município, das informações
decorrentes da implementação das políticas setoriais.
Para tanto, foram necessários investimentos para criar as condições adequadas, com a
implantação de um novo espaço para sediar de forma definitiva as atividades de
informática, a modernização das linhas de comunicação de dados, máquinas, equipamentos,
consultoria e treinamento de pessoal. Foi praticada uma política de administração
participativa, para assegurar, entre outros resultados, a expansão das fronteiras de serviços.
CODEM e CINBESA tornaram-se mais fortes, passaram a contar com maiores facilidades
de investimentos e a desenvolver serviços de tecnologia de informática e cartografia, com
características únicas no Brasil e, principalmente, a exercer uma função social junto à
população do município de Belém.

1
Programa para a bolsa escola, cadastro de trabalhadores autônomos (CTA), central de
atendimento ao contribuinte, quiosque da cidadania, central de leitos, processamento de
informações para o programa de habitação popular em diversas áreas de ocupação,
levantamento sócio econômico dos moradores da vila da barca, sistema integrado de
planejamento e acompanhamento (SIPA), sistema de controle das atividades
informais(SCAI), entre outros sistemas que se encontram em fase de desenvolvimento para
implantação: sistema de recursos humanos, sistema de material, sistema tributário, sistema
de controle de atendimento social e de uma série de outros projetos, encaminhados aos
diversos órgãos municipais, como: sistema de gerenciamento das necrópoles publicas,
sistema de processos, sistema de referencia legislativa, sistema rede de informação sobre a
criança e o adolescente.

A CAPTAÇÃO DE RECURSOS E A
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Quem quer passar além do Bojador


Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa
A captação de recursos e a cooperação internacional, ao se colocarem como ações
estratégicas do Governo do Povo em Belém, assentam-se em alguns princípios básicos
para a gestão de uma cidade que vinha ocupando uma posição tímida na pauta regional,
nacional e internacional de agências financiadoras e/ou de cooperação.
Belém também não se inseria entre as cidades que, reconhecidamente, desenvolviam
atividades inovadoras, premiadas, que alteram substancialmente a qualidade de vida da
população, como as que vêm sendo desenvolvidas pelo Governo do Povo. Belém era uma
cidade que mantinha uma frágil comunicação com a representação parlamentar da
Amazônia, a despeito de sua importância para os demais municípios do Estado e
regionalmente em diversos campos, como a prestação de serviços básicos e outros
relacionados à dinâmica sócio-cultural do Estado.
O pressuposto da captação de recursos, no Governo do Povo, é que esses recursos,
por direito, pertencem a cada cidadão, embora se encontrem subordinados a uma extensa
rede de intermediação, que dificulta e geralmente impede que se tenha acesso a eles. No
caso de Belém, as incursões às distintas fontes têm sido pautadas pela afirmação da
autonomia municipal e por princípios que destacam os recursos como direitos acima das
diferenças.
As referidas ações orientam-se por uma ética inabalável, por uma transparência
inquestionável, por uma solidariedade sem fronteiras e, acima de tudo, assentam-se no
princípio da autodeterminação, o que faz dessas ações municipais um dos braços político-
institucionais de projetos fundamentais para o desenvolvimento da cidade de Belém,
apontados no Programa de Governo da Frente Belém Popular, discutidos e ampliados nas
Assembléias Populares do Orçamento Participativo e nos diversos fóruns de participação
popular, consolidados nos planos estratégicos multi-setoriais, que viabilizam as Marcas de
Governo, orientadoras da ação municipal.
O eixo central para a identificação das fontes de recursos gira em torno das seguintes
perguntas: Qual é a cidade desejada? Quais são os projetos necessários para construir essa
cidade? Isso porque a atividade de captação de recursos precisa não somente estar atenta a
oportunidades, mas também ter um rumo. Não se trata de sair buscando possibilidades a
esmo; os fundamentos do processo são as necessidades dadas pelo Plano da Cidade,
necessidades cuja satisfação, no entanto, não se encontra em programas de financiamento
perfeitamente adequados. Fazem-se necessários, então, construir vínculos entre o que o
poder local deseja e o que o sistema de órgãos e as agências financiadoras podem oferecer,
compatibilizar requisitos mútuos e, por outro lado, contribuir para alargar as
possibilidades e concepções dos programas de financiamento, quando isso for possível.
Para exercer a função de articular a Prefeitura Municipal e instituições privadas e
governos nacionais e internacionais, visando à obtenção de financiamentos, assim como a
outras modalidades de recursos, que possam concorrer para o desenvolvimento e projeção
do município, foi constituída uma equipe com a finalidade específica de exercer essa
atividade.
A captação de recursos como função
direta de um projeto de cidade

Foi realizando a mediação entre a pauta local de projetos e as possibilidades dadas


por órgãos e agências federais e, dessa forma, contribuindo para incrementar a capacidade
de investimento do município, que a captação de recursos se afirmou como missão
importante no Governo do Povo. Dentro da lógica de um governo inovador com recursos
financeiros limitados para o escopo da sua proposta, e na medida em que os recursos
captados têm possibilitado executar um conjunto significativo de projetos de investimento,
é que essa ação é reconhecida como útil e válida.
É preciso estar atento às oportunidades, mas não configura um bom critério utilizar
a capacidade de endividamento do município, por exemplo, apenas porque uma
instituição bancária apresentou uma boa oferta de crédito. Juros e prazos não têm sido os
fatores determinantes para configurar uma boa captação, que só se define, assim, se
objetivar um investimento que acrescente qualidade de vida à cidade. Não representaria
um bom critério administrativo se o governo, apenas induzido pela oferta de crédito,
realizasse ações que não respeitassem as especificidades e demandas locais e não
atendessem ao desenvolvimento da cidade e, ainda, cujo resultado fosse segmentar e
segregar a cidade. As boas administrações definem um rumo para as cidades a partir de
alguma forma de planejamento estratégico, e uma primeira necessidade do setor de
captação de recursos é, portanto, integrar-se ao projeto de cidade que se definiu
coletivamente.

A inversão de prioridades e a
identidade local -- eixos estratégicos

Recursos financeiros em maior volume têm se concentrado em projetos, que


reafirmam valores do Governo do Povo plenamente identificados com os anseios da
cidade.
Os recursos financeiros contratados destinam-se predominantemente para servir às
áreas de saneamento, habitação e para implantação de sistemas de abastecimento de água,
possibilitando investimentos nas áreas com menor grau de urbanização, denominadas
baixadas, bem como em obras que estavam adormecidas no imaginário da cidade há
décadas e que agora se efetivam, como é o caso da Av. 1º de Dezembro e de outras obras
de infra-estrutura na área do rio Tucunduba, que beneficiam diretamente três bairros do
Distrito Administrativo mais populoso do município.
É, também, para os projetos de fortalecimento da cultura local que têm sido
dispensados, sem dúvida, os maiores esforços no sentido da captação externa de recursos
financeiros: de um lado, pela prioridade que têm no governo municipal; por outro, pelos
altos investimentos requeridos, pois a aplicação apenas de recursos municipais
disponíveis não seriam suficientes para a sua realização.
O Ver-o-Peso é um exemplo desse esforço. Tombado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, o Ver-o-Peso reúne história, significados e edificações. É um
conjunto monumental que encerra uma memória da Amazônia, do período colonial aos
dias correntes, e conta uma história regional, da Amazônia articulada ao sistema mundial,
via Belém, a capital do Grão-Pará. É vasto o conteúdo de seus significados, o que justifica
elevá-lo a patrimônio da humanidade, dentro da linha temática regional preconizada hoje
pela Unesco.

Os desafios

O processo de captação de recursos requer o cumprimento de exigências técnicas de


grande complexidade, superadas por um esforço memorável.
A primeira exigência foi a elaboração, com qualidade técnica, de projetos complexos
quando a Prefeitura, no início da gestão, não havia ainda formado equipes afinadas, nem
adquirido conhecimento prático. A propósito, cabe aqui um fundamento da captação: sem
bons projetos, não se logra recurso. Capacidade de elaboração de projetos é o primeiro
requisito para um governo realizar um bom trabalho de captação de recursos.
Para elaborar e conduzir projetos, e para realizar a interface entre as agências
financiadoras e os próprios órgãos da Prefeitura no que tange a questões técnicas, pode-se
recorrer às estruturas criadas no Governo, que se transformaram em oficina de projetos,
como é o caso do grupo de técnicos que compõe a atual Comissão de Acompanhamento e
Controle de Projetos do Governo (CAC).
Por outro lado, a eficácia do trabalho de captação, como função especializada e
resultado do desempenho coletivo, gera resultados. Assim, foi elaborado um elenco de
projetos, levando em conta carências sociais, bem como critérios de eficácia política. Para
um governo que administra com recursos limitados uma cidade com problemas
estruturais enormes, os investimentos devem ter a capacidade de provocar mudanças que
alterem a qualidade de vida. Expostos os critérios sociais e políticos da Prefeitura, as
normas técnicas da agência financiadora precisavam responder a esse pressuposto. Ao
longo destes três anos, foram desenvolvidas empreitadas vitoriosas no sentido de serem
alcançados consensos traduzidos na aprovação de projetos.
Tem sido um desafio para a prefeitura percorrer todos os trâmites e sinais de
relutância de estruturas burocráticas, no contexto de relações mediadas pela influência de
poder, particularmente em se tratando de prefeitura governada por uma frente de partidos
liderada pelo Partido dos Trabalhadores.
Os desafios frente às dificuldades

O centro das discussões sobre a captação de recursos de fontes federais é, sem


dúvida, Brasília. É necessário mobilizar os parlamentares em Brasília para que
intervenham junto a órgãos como Banco Central, Caixa Econômica e outros. Visitas do
Executivo e de técnicos municipais são indispensáveis. O apoio pode vir indistintamente
de legendas diferentes, dos parlamentares de esquerda ou daqueles que se unem para a
defesa do município.
Em um quadro de negociações em que se acirram as disputas entre as regiões, que
ilações podemos tirar das diversas dificuldades enfrentadas? Aqui vai mais um preceito
da captação: é preciso ter fé no ofício, ir como que em missão para conquistar o resultado.
Essa é a disposição necessária para um agente de captação de recursos de uma Prefeitura
de oposição. De fato, alguns convênios -- o do Pronto Socorro do bairro do Guamá, o
segundo em toda a história de 384 anos da cidade, é um exemplo – têm sido assinados
pela Prefeitura no último dia do ano, após uma difícil caminhada que parecia fadada ao
fracasso, mas não o foi.
No que diz respeito ao sistema de emendas parlamentares, recursos são suprimidos
das prefeituras ou contingenciados, segundo o linguajar oficial, criando-se dificuldades e
postergando-se a liberação até o último momento. Assim, certas captações são de fato
conquistas, por isso é necessário ser persistente.
Determinados parlamentares possuem trânsito entre seus pares e até mesmo no
governo, porque desenvolvem o perfil de articuladores políticos.
O articulador, por sua capacidade de comunicação, inclusive com aqueles que não se
situam exatamente no seu campo político, cumpre um papel fundamental no parlamento e
em todas as esferas da política. Para efeito das emendas parlamentares, sem essa figura, a
situação seria muito mais difícil. Portanto, no que se refere às emendas parlamentares ao
Orçamento Geral da União em favor do município de Belém, temos que reconhecer a
importância de quem cumpre esse papel, obtendo apoio de parlamentares de diversas
legendas, inclusive contribuindo decisivamente para a realidade das emendas de bancada,
no caso, bancada da Amazônia.
Em Brasília, temos conseguido aprovar emendas coletivas em favor de Belém graças
a uma postura assentada num discurso de cunho regionalista, mesmo entre partidos
distintos. Quando as diferenças regionais são grandes, as regiões menos privilegiadas no
contexto nacional têm de fato espaço para reclamar tratamento diferenciado, de modo a
superar esses desequilíbrios, que têm pautado a retórica de diversos governos nacionais. O
Nordeste põe esse discurso em prática há muito tempo, e as bancadas parlamentares do
Norte também despertaram para essa possibilidade discursiva. No Pará, mesmo carecendo
de maior efetividade deste discurso, que prega a ação coletiva de todas as forças políticas
para assegurar recursos para a região, a Prefeitura de Belém tem conseguido resultados, e
o projeto de prolongamento da Avenida Primeiro de Dezembro ilustra essa tendência.
Entretanto, é preciso lançar uma visão crítica sobre esse sistema de emendas
parlamentares. O governo federal, depois de retirar importantes recursos devidos aos
municípios, por intermédio de mecanismos como o Fundo de Estabilização Fiscal, repassa-
os em doses miúdas por meio de convênios e de complicados esquemas políticos. Quem
de fato detém poder no Brasil determina o direcionamento dos recursos federais já na
elaboração do orçamento, e isso fica claro na grande proporção de recursos destinados a
alguns estados da Federação. O orçamento, já na sua elaboração “técnica” nos gabinetes
ministeriais, é marcado politicamente, e a luta pela efetivação das emendas acaba por
legitimar o sistema clientelista.
As definições de recursos têm um caráter essencialmente político, embora as
restrições para projetos de governos de oposição sejam muito maiores, e sempre há aceno
de possibilidade de indeferimento. A cooperação e a captação de recursos ocorrem
conforme os fundamentos do governo em que se inserem. Adaptar projetos, adequar
programas oficiais a critérios locais, lidar com a realidade política adversa na qual os
governos de esquerda se inserem, alcançar entendimentos necessários para a consecução
dos objetivos, acompanhar a tramitação dos planos de trabalho nas agências financiadoras,
mobilizar órgãos do governo municipal para a tomada de providências, é ofício que
requer certas habilidades diplomáticas.

Principais fontes

A Prefeitura de Belém logrou captar, dentre outros recursos, os do FGTS,


administrados pela Caixa Econômica Federal e destinados aos programas Pró-Moradia e
Pró-Saneamento.
Contudo, muito além das emendas parlamentares, para uma metrópole pujante e
carente de recursos como Belém, é preciso vislumbrar e encaminhar novas e maiores
possibilidades de captação. E de fato há todo um rol de grandes projetos a encaminhar a
diversas agências financiadoras. Na área de Transportes foi aprovada Carta-Consulta da
Companhia de Transportes do Município de Belém (CTBEL) junto ao BNDES, e,
posteriormente, deverá ser enviado estudo de viabilidade para os trâmites finais.
Outra fonte importante de recursos para a Prefeitura de Belém é representada por
programas financiados pelo BID e coordenados pelo Governo Federal. Envolvendo as
áreas de saneamento e habitação, patrimônio histórico e turismo, há três programas de
grande importância: o Habitar-BID, o BID-Monumenta e o Proecotur.
No que se refere ao Habitar-BID, em que Belém já foi inserida, o programa prevê
ações integradas na área de ocupação Riacho Doce, na foz do rio Tucunduba. A Prefeitura
irá contar com recursos para obras de infra-estrutura e para o desenvolvimento
institucional no tocante ao gerenciamento das áreas de assentamentos urbanos. Esse
recurso se soma aos demais investimentos em curso nas bacias hidrográficas do
município.
O BID-Monumenta é coordenado pelo Ministério da Cultura e voltado para o
financiamento da recuperação de centros históricos. Em Belém, o programa vai contribuir
para a implementação do projeto de recuperação de todo o Centro Histórico da cidade. O
projeto já foi apresentado ao BID, denominado “Projeto Boulevard”, da Prefeitura de
Belém. Concluído em 1999, esse projeto está em fase inicial de implementação com
recursos municipais. É de excelente qualidade e se encontra em análise no Ministério da
Cultura.
Também concorrendo para a revitalização do centro histórico de Belém, há o projeto
de recuperação do conjunto do Ver-o-Peso, obtido em decorrêcia de concurso nacional e
está em tramitação na modalidade do mecenato no Ministério da Cultura. Para a captação
de recursos, o projeto Ver-o-Peso deverá ser apresentado ainda a grandes empresas,
agentes financiadores e a empresas de menor porte.
A cultura do mecenato tem crescido de maneira muito significativa no país e um
número cada vez maior de empresas utiliza a lei Rouanet. Sociedade e mercado
reconhecem empresas que apóiam a cultura e investem no patrimônio histórico. Tais
empresas criam identidade e valorizam sua imagem junto a consumidores e clientes. Ao se
enfatizar reciprocidades e parcerias, divulgam-se os apoios obtidos.
Existe o Programa de Ecoturismo na Amazônia (Proecotur), também financiado com
recursos do BID, do qual Belém não fazia parte, apesar de contar com cerca de quarenta
ilhas perfeitamente apropriadas ao turismo ecológico.
Para ressaltar as possibilidades de investimentos em Belém, destaca-se uma
estrutura lamentavelmente ociosa, como o porto da ilha de Caratateua (Outeiro), mais
conhecido como Porto da Sotave, com capacidade de gerar benefícios que sejam
aproveitados regionalmente, proposta encaminhada ao Ministério dos Transportes.
Firmamos também um acordo de cooperação na área de transporte com a cidade de
Gênova, Itália.

A cooperação internacional

Além do município, a cooperação internacional serve a toda uma região que está sob
a influência de Belém. Desde que passamos a contar com a assessoria especializada, alguns
resultados já se apresentam.
Um deles diz respeito ao projeto de desenvolvimento da indústria local de móveis --
em cooperação com a municipalidade de Como, cidade italiana -- voltado para o
desenvolvimento de padrões de técnica e design capazes de promover um salto de
qualidade na indústria moveleira local, altamente empregadora e que pode, se bem
estimulada, responder por uma dinamização importante da economia regional.
Na área médica, um dos expoentes da chamada nova psiquiatria veio estabelecer um
intercâmbio com o excelente trabalho na área de saúde mental que a Prefeitura
desenvolve. Outro médico italiano, um infectologista da área de urgência e emergência,
veio estabelecer convênio de cooperação e foi ainda a Itupiranga, cidade do sul do Estado
do Pará com a qual Belém tem acordo de geminação.
Além disso, outras delegações italianas de distintas regiões devem discutir
possibilidades de cooperação no âmbito do desenvolvimento econômico.
Com Portugal está sendo organizada uma rica agenda de cooperação, já iniciada
com uma visita e a participação na Conferência Municipal de Saneamento, com a ajuda
dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do município do Porto, que
apresentou protocolo de cooperação para encaminhamentos. Ainda com Portugal, há um
projeto que está sendo negociado com a Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL).
Com a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) e a Câmara Municipal
de Lisboa, há encaminhamentos relativos a cursos de formação profissional em diversas
áreas da administração pública municipal. E com a Comissão dos Descobrimentos
Portugueses estuda-se a realização de uma agenda cultural.
Com Espanha e França, há também agendas de intercâmbio em desenvolvimento. E
Belém tem uma função importante como cidade coordenadora do Mercocidades na região
Norte do Brasil, representada em alguns eventos internacionais, conforme acordo firmado
recentemente em Belo Horizonte. É um campo extremamente promissor para o
desenvolvimento regional.
Depois de uma experiência de três anos, o Governo do Povo em Belém, funcionando
com uma pequena equipe voltada para a cooperação e algumas das suas atividades
relatadas neste texto, com perfil profissional adequado pela prática, pode ousar filosofar
um pouco acerca de administração pública. Uma estrutura leve, especializada e
direcionada para a missão de alargar relacionamentos, atrair recursos e aumentar a
capacidade de investimento, tem tudo para ser produtiva no sentido de atender aos
interesses da população.

A POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SERVIDOR


MUNICIPAL NO GOVERNO DO POVO

O momento atual caracteriza-se por grandes e aceleradas transformações


econômicas, políticas, culturais, institucionais, bem como no campo da comunicação, e
ainda por um aviltante processo de globalização, que aprofunda cada vez mais as
desigualdades sociais.
Essas mudanças exigem nova cultura e reestruturação político-administrativa em
função da necessidade de aprimorar a qualidade dos serviços prestados à sociedade pelas
diversas instituições públicas, particularmente por meio da implantação de uma política
de administração, que resgate a cidadania e aponte como centro a valorização e a
profissionalização dos seres humanos atuantes na esfera pública municipal. Isso requer,
portanto, reformulação dos paradigmas tradicionais da administração pública.
É no município que habitam os cidadãos que demandam os serviços básicos, o que
exige o exercício pleno da democracia. Na perspectiva do Orçamento Participativo, os
interesses públicos devem ser atendidos em detrimento do interesse privado.
A partir da Constituição de 1988, o Município, como unidade básica de Governo,
vem buscando a sua autonomia política, assumindo a responsabilidade da implantação de
ações arrojadas e para dar conta das exigências que a conjuntura evidencia. Quais são
esses desafios?
Há uma cultura tradicional – renovada no momento em que a sociedade passa por
intenso processo de privatização, de redução do papel do Estado, entre outras práticas
decorrentes da política neoliberal adotada pelo governo federal -- que põe o servidor
público num baixo patamar, atribuindo-lhe o papel de grande vilão da nossa sociedade. A
renda destinada pelo governo para pagamento dos salários, a ineficiência, o absenteísmo e
a falta de apego ao trabalho, conjugados, seriam os grandes geradores da crise do Estado.
O que não é verdade. O fato é que o comportamento do servidor reproduz o status de um
Estado burocrático, autoritário, cartorial, exclusivista e excludente.
Portanto, a busca de um atendimento ao público com dignidade -- resultado de uma
política de valorização do servidor municipal -- é um desafio que deve ser perseguido por
um governo comprometido com as mudanças na cultura organizacional. Atendimento
com dignidade, tanto para quem é atendido (público) como para quem atende (servidor),
que é um direito de cidadania, passa necessariamente pela concepção de um Estado
democrático e popular.
Outro aspecto a considerar é a relação sistêmica que deve orientar as ações
governamentais e o desenvolvimento organizacional. O desempenho humano no trabalho
deve ser aprimorado permanentemente, levando-se em conta as relações interpessoais,
interfuncionais e interorganizacionais. A eficiência e a eficácia de uma organização é
função direta do grau de consciência, da vontade política e da qualidade de formação dos
seres humanos, nos mais diferentes níveis hierárquicos, na medida em que são parte
integrante do sistema.
Assim, a conquista da cidadania, a descentralização governamental e a participação
popular são algumas das linhas que orientam as ações do Governo do Povo que, frente ao
cenário mundial, está consciente das responsabilidades inerentes à Administração Pública,
pois romper com o modelo patrimonialista tradicional exige determinação, competência e,
acima de tudo, vontade política para garantir a exeqüibilidade e os efeitos multiplicadores
de uma gestão municipal democrática comprometida com as transformações sociais.
A melhoria da qualidade dos serviços prestados à sociedade e a valorização do
servidor público resultam, acima de tudo, da criação de oportunidades que permitam o
desenvolvimento integral do servidor e o fortalecimento dos serviços públicos. A
valorização do servidor, seu reconhecimento social e sua participação em uma missão
institucional contribuem para que possa enfrentar as dificuldades do processo de trabalho
cotidiano.

Os desafios

Com a vitória eleitoral de 96, da Frente Belém Popular, vimo-nos pela primeira vez
na situação, não apenas de vitoriosos, mas, principalmente, na condição de governo. Se
considerarmos que sempre atuamos nos movimentos sindical e popular como oposição,
podemos entender o grau de responsabilidade que – sabíamos -- teríamos de assumir dali
em diante.
A expectativa criada em torno do novo governo estava posta. Mas o governo da fé,
da esperança tem muitas possibilidades e, também, limites. A administração municipal
insere-se numa sociedade capitalista que tenta reestruturar-se de acordo com a proposta
neoliberal pela via da desregulamentação e da privatização de empresas e serviços
estatais, submetendo-se ao arbítrio do mercado.
Começar não foi fácil. Não houve transição no início de Governo: foi impossível
conhecer previamente a administração municipal. Do ponto de vista da documentação,
muito pouco foi encontrado que pudesse imediatamente sugerir passos para uma
continuidade; quase tudo foi recomeçado em uma infra-estrutura de funcionamento
precária.
A recuperação da memória e o restabelecimento das rotinas foram sendo feitos pelos
servidores em cada parte da Secretaria. Graças à determinação e à humildade da equipe,
alcançou-se uma normalidade que assegurou a governabilidade e a dinâmica de uma
secretaria responsável por 16 mil servidores (ativos e inativos) municipais, pelo acervo
patrimonial de todo o município, além dos cemitérios públicos e a publicação do Diário
Oficial do Município.
O início de um governo de uma frente de esquerda, que tem um prefeito petista, em
uma cidade até então governada por oligarquias, é marcado por situações particulares,
como o sonho de transformação dos que o elegem e a crença no seu fracasso de segmentos
contrários a um projeto de governo democrático e popular.
Enfrentar os desafios internos da estrutura administrativa pressupunha a elaboração
do planejamento estratégico do órgão, com base na diretriz comum a todo governo. Foram
identificados os problemas estruturais do funcionamento do órgão, constatando-se a
existência de uma desorganização da estrutura administrativa: recursos públicos
insuficientes, inexistência de política de valorização do servidor e desinformação da
população. Como conseqüência, o principal problema a enfrentar era o mau atendimento à
população. O desafio central não poderia deixar de qualificar os serviços prestados à
população pela PMB.
Portanto, todos os esforços da SEMAD nos quatro anos de governo deveriam ser no
sentido de garantir a eficiência da máquina administrativa municipal, diante de um
funcionamento administrativo inadequado aos objetivos do Governo do Povo. Deveria
então, analisar o Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), o Estatuto dos Funcionários
Públicos Municipais e o Regime Jurídico Único.
A SEMAD, então, partiu para a elaboração de um estudo preliminar para abertura
dos debates na PMB. Levantaram-se questões fundamentais, como: a análise das
estruturas organizacionais dos órgãos da PMB, com a identificação dos “sombreamentos”
e sugestões periféricas, o plano de carreira do quadro de pessoal da PMB e as vantagens
pecuniárias dos servidores da administração direta da PMB. Além disso, realizam-se
alguns estudos preliminares acerca da reorganização administrativa.
Não bastava rever a estrutura da máquina administrativa. Era necessário conhecer
os funcionários que trabalhavam dentro dessa estrutura. Assim, a SEMAD coordenou a
pesquisa “Perfil do Servidor”, que levantou a escolaridade, os níveis salariais, as condições
de moradia e de transporte, a adaptação ao trabalho, as condições e o ambiente de trabalho
e as aspirações dos servidores da PMB. O resultado da pesquisa foi publicado e
distribuído em todos os órgãos da PMB e tem sido o referencial para a política voltada
para o funcionalismo público municipal, destacadamente, a formação do servidor, inserida
num conjunto de ações de valorização.
A questão salarial foi considerada uma das prioridades do Governo e a SEMAD
passou a fazer parte das mesas de negociação entre a PMB e os representantes dos
servidores públicos municipais. E, embora tenhamos tido, desde o início do Governo, a
clareza de que os salários na PMB estão extremamente achatados, não seria possível, em
função da receita municipal e dos cortes que o Governo Federal tem feito no orçamento
municipal, repor 100% das perdas históricas dos servidores municipais. No primeiro ano
de Governo, chegamos a fazer simulações concedendo o interstício de 5% e constatamos
não ter receita suficiente para cobrir os gastos sem ultrapassar os limites estabelecidos pela
Lei Camata. O Governo optou, então, por evitar que as perdas se acumulassem durante a
sua gestão. Dessa forma, os reajustes feitos nos salários dos servidores públicos municipais
proporcionaram-lhes ganhos reais e incluiram Belém entre as capitais brasileiras que
deram os maiores reajustes de salários a seus funcionários.
O principal desafio nesse momento passou a ser o de recuperar a capacidade
operacional da máquina pública, revigorar as estruturas administrativas pela sua
requalificação e propor políticas de valorização do servidor municipal. E isso, sabemos,
não é possível sem a adesão dos servidores.
E sendo o salário, para o Governo do Povo, uma variável importante a interferir no
estado de ânimo dos servidores públicos municipais, ademais, no de todos os
trabalhadores brasileiros, como, então, estabelecer uma relação que ultrapassasse os
limites da discussão salarial, na medida em que o projeto de governo em curso visa alterar
a visão preconceituosa e distorcida do serviço público e do servidor? Administrar com
transparência, com participação popular, com controle social dos serviços públicos e
assegurar o atendimento a direitos básicos, como o previdenciário e uma política de
valorização, altera essa visão que o neoliberalismo tenta construir. Significa mobilizar
esforços para uma proposta de Governo e construir juntos uma nova sociedade.
Mas não se faz política de formação para o servidor sem que o mesmo seja
reconhecido como ator, capaz de construir o seu próprio destino. O que antes era
convenção passou a ser construção coletiva, começando pelo caráter das comemorações de
datas tradicionais, festejadas, agora, como espaço de reflexo, de criação e de socialização.
No início, organizamos tudo e convidamos todos para participarem e aos poucos os
servidores foram se incorporando às equipes. Foram criados outros momentos, como o
Verão-Servidor, O Arraial do Servidor (comemoração das festas juninas) e a Mostra
Cultural do Servidor Público Municipal, que resultou na publicação de uma coletânea de
poesias e em um catálogo de obras de arte por eles apresentadas durante a Mostra
Cultural. Paralelamente, foi implementado um plano de capacitação do servidor a partir
de cursos, seminários e oficinas com vistas a atualizar o servidor sobre as questões
específicas, objetivando um melhor exercício de suas funções e também o resgate de sua
identidade e auto-estima, tão agredidas nos últimos tempos. A criação e implantação de
“Comitês Ambientais” – Congresso da Cidade -- têm demonstrado ser uma experiência
positiva enquanto novo espaço de discussão/participação ativa do servidor na política de
valorização e na criação de laços de solidariedade.

Valorização do servidor como Marca de Governo

A construção coletiva de uma política de gerenciamento de pessoal na PMB, que


privilegie a valorização do servidor como agente e sujeito da administração municipal e
não apenas como mero executor de tarefas, subordinado a uma estrutura verticalizada e
autoritária, tem sido uma das tarefas centrais da SEMAD.
O Governo do Povo elegeu como eixo central o cidadão, por isso mesmo vem
implementando uma política de valorização do servidor público, buscando aproximá-lo
das políticas públicas para a cidade de Belém, por meio de espaços de democratização de
gestão. Eles se tornam fiscais das ações da administração mediante comissões paritárias,
Colegiado Gestor, etc.
A opção de consolidar e transformar a engenharia institucional a partir de uma
política de inclusão, envolvendo no mesmo projeto toda a estrutura de governo, fez com
que o Governo do Povo assumisse a valorização do servidor como Marca de Governo.
Todas as iniciativas, que vêm sendo desenvolvidas de forma articulada, inserem-se
em um amplo desafio de modernização administrativa. O nosso pressuposto é o de que o
trabalho humano é imprescindível, a despeito da automação dos processos de trabalho. O
que nos faz afirmar que um dos maiores patrimônios de nossa administração é o seu
servidor público.
Hoje, a pluralidade, a multiplicidade de modelos para explicar a realidade ou agir
sobre ela ganhou legitimidade política. O sujeito da contemporaneidade, sujeito da
diversidade, tem, portanto, para nós, o compromisso permanente com a indagação e o
diálogo, em torno de uma nova utopia, para além de uma lógica particularista e
fragmentária, que, reconhecendo o plural e o diferente, resgata da modernidade o legado
da noção de igualdade/diversidade, enquanto lastro de um compromisso ético em defesa
da vida e da cidadania. A construção de uma nova forma de gestão e das políticas públicas
como um todo deve, no nosso entender, ser mediatizada por essas perspectivas, para que
possa tornar-se em uma prática cada vez menos excludente.
No nosso caso, democratizar o processo decisório, compartilhar responsabilidades,
garantir adesão a um projeto democrático e popular tornaram-se ingredientes
indispensáveis para alavancar transformações referentes à cultura e à produção de
políticas públicas. Sendo assim, mais que um rearranjo de recursos, trata-se de
empreender mudanças de valor, crenças, atitudes prevalecentes na sociedade em relação
ao serviço público.
Transformar a realidade da administração pública deixou de ser tarefa exclusiva de
“experts” na elaboração de diagnósticos e implementação de ações programáticas, para
tornar-se desafio de inovação e soluções criativas, com ampla participação dos servidores
e da sociedade. Essa é nossa utopia. Com os diagnósticos, as sugestões e as propostas
apresentadas, buscamos alterar a agenda traçada, contribuindo para construir uma nova
forma de gestão que leve em consideração os servidores municipais e as necessidades da
sociedade.

A PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA
AO SERVIDOR MUNICIPAL

No Brasil, a Previdência está em evidência nos últimos 10 anos, como uma das
questões sociais que enfrenta uma longa crise. Essa crise é provocada, de um lado, pela
incoerência com que foi tratada, pois os recursos a ela destinados foram utilizados para
outras finalidades que não o pagamento de aposentadorias e pensões, como o custeio de
assistência-saúde diferenciada a um segmento de trabalhadores, ou ainda, a manutenção
de sistemas sem projeções seguras para garantir o equilíbrio financeiro no futuro; de outro,
pela inadimplência de Governos que não repassaram as verbas em contribuições, que são
receitas específicas, constituindo dívidas históricas, fechando, com isso, o cerco de uma
história de distorções.
A centralização das informações e a inconstância dos dados cadastrais são outros
aspectos que, historicamente, têm interferido negativamente na administração do bem
social que é a Previdência, que, ameaçada, compromete o orçamento das cidades com o
pagamento de benefícios.
A situação de Belém até 1996 não se distingue do quadro relatado. Por sua vez, o
servidor público municipal de Belém tem uma conquista na gestão do Governo do Povo
que faz a diferença.
A partir de 1997, o Governo do Povo predispondo-se ao desafio, assumiu o
compromisso de alterar o quadro político, social e econômico que se alastrou por nossa
cidade durante anos. A cidade precisava de mudanças e o povo finalmente resolveu
mudar, na busca da inversão de prioridades que compõem o Programa de Governo da
Frente Belém Popular.
Numa cidade de coronéis, surgiu um Governo Cabano, capaz de ir aonde o povo
está e lá decidir com a participação popular mudar o rumo dessa história. A mudança deu-
se em todos os sentidos. Todos arregaçaram as mangas e foram à luta, porém a cada dia
somos surpreendidos por novos desafios.
Na ânsia de acertar e fazer o melhor, não porque queremos simplesmente ser
melhores, mas porque o povo merece, muitos são os desafios que surgem, seja na área da
saúde, do saneamento, do transporte, da moradia, seja em outras.
Entre todos os desafios, um muito especial, a valorização do servidor público
municipal. Dizemos que esse é um desafio especial, porque como podemos mudar uma
cidade, se aqueles que irão nos ajudar a fazê-lo (os servidores públicos) estiverem
insatisfeitos e infelizes? Em Belém, era essa a situação. Sabemos que ainda há muito a ser
feito. O desafio continua, mas já demos os primeiros passos, pois conseguimos
democratizar a gestão, garantindo a participação do servidor em decisões fundamentais
para a cidade, como a situação previdenciária. Podemos olhá-lo de frente e dizer com
certeza: você, servidor, cidadão, é importante no processo de construção de uma nova e
feliz cidade.
No que diz respeito à Previdência, o que se tinha até então era o IPMB – Instituto de
Previdência do Município de Belém -- que, ao longo dos anos, ampliou a assistência saúde
nos tipos de serviços oferecidos, sem ser preparado para tal. O número de servidores da
ativa dobrou em 10 anos, elevando o número de usuários, contando com a mesma receita
no período. O resultado não podia ser outro: os recursos financeiros que serviriam para
pagar aposentados e pensionistas do município há muito tempo eram usados com gastos
em saúde, ocasionando um “déficit previdenciário” e, ainda, pagando parcialmente as
pensões.
Como um grande desafio, a PMB inaugurou um processo de valorização do servidor
e introduziu em debate a questão previdenciária, também como forma de manter os
direitos previdenciários, ameaçados pela Reforma Previdenciária do Governo Federal,
criando um ambiente de participação, ancorado na concepção de Congresso da Cidade em
que todos os segmentos interessados podem propor e debater as necessidades e
estabelecer as prioridades num exercício pleno da cidadania. Optou-se, então, pela
reorientação das linhas de atuação do Instituto com vistas a inverter prioridades, passando
a Previdência a merecer estudos financeiros e um controle interno diligente, mediante
recadastramentos anuais, acompanhamento de procurações e de crianças e adolescentes
sob guarda.
Na área da saúde, foram garantidos serviços essenciais, enquanto se discutia a
viabilidade da manutenção conforme a receita própria proveniente de contribuição para
assistência à saúde.
Os servidores foram chamados para conhecer toda a realidade da reforma da
Previdência. As deliberações foram tomadas em conjunto com uma equipe de governo
representada pelo IPMB, SEMAJ, SEMAD e SEGEP. Foi mantida uma agenda permanente
com os representantes dos sindicatos, destacando-se SINTEPP, SINDPREVS, SIMEPA,
SISBEL, Associações de Servidores da GBEL, FUNPAPA e da SESMA, que deliberaram
sobre a realização dos fóruns distritais sobre previdência pública, em conjunto com a
administração dessa autarquia.
Ocorreram 03 (três) rodadas de fóruns (quadrimestrais), nos 08 (oito) distritos
administrativos de Belém, entre novembro de 1998 e agosto de 1999, envolvendo a
participação total de 5.000 (cinco mil) pessoas. Nesses fóruns foram apresentados a
legislação e os dados estatísticos e financeiros do IPMB. Ainda no processo de debates,
contamos com os ocorridos no Fórum dos Prefeitos das Cidades Metropolitanas, realizado
em Belém, em novembro de 1998, no qual o Prefeito Edmilson Rodrigues coordenou os
trabalhos com o tema “Previdência Municipal frente à Reforma Neoliberal”.
Foram propostas soluções importantes para, num ato de ousadia, resistir à crise.
Uma consultoria realizou o cálculo atuarial do Instituto, enquanto o colegiado dirigente
deste elaborou estudos com vistas à manutenção do Regime Próprio de Previdência, em
detrimento da adesão ao INSS. Os estudos indicaram que a melhor opção era efetivar a
reestruturação do IPMB.
Todas as experiências e conhecimentos acumulados foram sistematicamente
apresentados em Outubro de 1999, em dois grandes seminários. No primeiro seminário
participaram servidores da ativa. No segundo, aposentados e pensionistas e mais 100
(cem) pessoas convidadas de outros institutos do Brasil inteiro. Os resultados dos estudos
e as proposições foram apresentados na Assembléia Geral, fórum máximo de tomada de
decisão, que, com a presença de cerca de 3000 (três mil) servidores, aprovou por
unanimidade a reestruturação do IPMB de forma a assegurar legalmente a Previdência, a
Saúde e a Assistência Social, com gestão financeira em separado, por meio de
contribuições específicas, compulsórias para os servidores da ativa e facultativas para
aposentados e pensionistas.
As propostas aprovadas foram apresentadas pelo Poder Executivo à Câmara
Municipal de Belém, onde previamente ocorreram duas sessões especiais e uma reunião
específica com os servidores do legislativo municipal para apresentação preliminar do
tema.
O projeto de reestruturação do IPMB foi aprovado pela Câmara Municipal por
unanimidade, criando-se, deste modo, o IPAMB – Instituto de Previdência e Assistência
do Município de Belém, segundo a Lei nº 7.984, de 30.12.99. Emergem, então, novas metas:
coordenar a realização da atualização cadastral para dar credibilidade aos dados para
acompanhamento atuarial, assim como definir o universo de dependentes previstos para a
área de saúde.
A autogestão como sistema base de gerenciamento da assistência permite, além do
melhor controle social da administração dos serviços, uma relação custo-benefício positiva
para os usuários. Trata-se de um sistema que não visa a lucro e, assim sendo, os benefícios
gerados redundarão em progressiva qualidade dos serviços prestados. Seu alvo de
benefícios é delimitado, característica que marca a autogestão e permite o planejamento
com oscilações mais previsíveis. A população de beneficiários é constituída por servidores
municipais ativos, aposentados, pensionistas e seus grupos familiares.
Outros avanços significativos foram obtidos nesse processo, como a regulamentação
do Clube de Convivência. Atualmente, o Centro de Convivência da Terceira Idade é
legalmente instituído com estatuto próprio e coordenadoria eleita diretamente pelos
associados do Centro. O espaço físico foi ampliado, dispondo hoje de sala de dança, jogos,
copa e administração. O número de associados foi ampliado, evitando que o Centro se
limite a um pequeno número de associados, dando oportunidade a todos os que
contribuíram no passado para construir a nossa cidade, usufruir de momentos de
confraternização, viagens turísticas, seminários, palestras, fóruns, etc.
Melhorar as condições de trabalho do servidor público do Instituto e, por
conseguinte, as condições de atendimento a todos os 45.000 (quarenta e cinco mil)
usuários, significa, sem dúvida, valorizá-lo. No IPMB, isso tem um caráter duplo de
benefícios, pois, além disso, o atendimento é estendido ao servidor e ao seu dependente,
de maneira digna, aumentando sua auto-estima, com a ampliação de serviços, como o
Posto de Urgência, o Posto de Esterilização e a Marcação de Consultas e, mais
recentemente, a Sala de Raio X, Ultrassonografia e Perícia Médica.
Foram implantados programas exclusivos para ex-servidores da PMB e para os
servidores da ativa, com resultados surpreendentes: o Programa de Atenção à Pessoa
Idosa – PAPI, com o objetivo de atender ao idoso nas suas necessidades e anseios, fez com
que a equipe técnica da Divisão de Assistência Social, após pesquisa com 1.800 idosos,
identificasse um quadro, na maioria das vezes, crítico e preocupante em virtude da
situação dos aposentados (por exemplo, casos de abandono por parte de familiares,
problema de saúde, entre outras situações específicas). Esse programa destaca-se,
exatamente, por resolver situações como as descritas.
Diante disso, o IPMB, enquanto Instituto de Previdência, com o Programa de
Atenção à Pessoa Idosa, vem proporcionando aos idosos um envelhecimento saudável e
feliz, intensificando ações na área de prevenção de doenças comuns à terceira idade, além
de preparar o servidor do IPMB para melhor receber o idoso que procura atendimento
médico e social. Os primeiros passos, para isso, foram os cursos realizados nessa área.
Agora, o alvo é a própria família do idoso, com a implantação do Curso de
Cuidadores Familiares de Idosos, segundo a sensibilização e a orientação sobre o
envelhecimento saudável.
Com relação aos servidores da ativa, foi implantado o Programa de Saúde do
Trabalhador, constituindo também uma vitória do servidor público municipal, que hoje
dispõe de atendimento direcionado às doenças ocupacionais, relacionadas com a sua
atividade laborativa, intervindo de forma a evitar que as mesmas se agravem ou o levem à
aposentadoria por invalidez. Em vista disso, exames médicos periódicos e visitas aos
locais de trabalho vêm sendo realizados, com o objetivo de detectar possível relação da
doença com o local de trabalho.
Todo o processo recente por que passou o IPMB, hoje IPAMB, favoreceu uma
tomada de consciência por parte dos servidores e dos gestores de que é preciso se
apropriar das informações com amparo jurídico para a devida legalização do processo e
reconduzir a Seguridade Social dos servidores. Outro indicador importante é demonstrado
na troca de experiências com outros Estados e Municípios que, inclusive, estiveram em
vários eventos da Prefeitura e registraram a sua aprovação à experiência que Belém
vivenciou. O processo de reconstrução do Instituto foi acompanhado de perto, também,
por entidades nacionais, tais como CUT, ANEPREM, ANFIP, CNTE e CNTSS.

BELÉM: CAPITAL CULTURAL

A Prefeitura Municipal de Belém, com a vitória da Frente Belém Popular em 1977,


assumiu uma nova postura em relação à política cultural do município, tratando de forma
democrática e integradora as várias ações que têm como objetivo maior a revitalização
cultural do povo de Belém.
Não é objetivo deste texto fazer um relatório exaustivo de todas as ações realizadas
e/ou em andamento, mas sim enfocar os conceitos e métodos fundamentais que embasam
as ações concretizadas pelo Governo do Povo na área cultural. Nesse sentido, o conceito de
cultura que perpassa nossa proposta está ligado às práticas da vida cotidiana e também às
representações materiais, simbólicas e rituais das mesmas, em termos de uma linguagem,
em que os diversos signos sociais são historicamente reelaborados. Nessa concepção,
qualquer cidadão de Belém é um ativo produtor social de cultura, tendo como parâmetro
básico a formação histórica dos diversos grupos étnicos que se mesclaram nesse espaço
desde o século XVII.
Dessa forma é importante destacar alguns planos que marcam essa política: há uma
ação cultural mais ampla, que engloba atividades desenvolvidas por várias secretarias e
que tem um forte nexo educacional ou urbanístico com projetos para o público infanto-
juvenil e, também, a construção de Espaços Esportivos e Culturais Cabanos e a
recuperação e/ou construção de praças e logradouros públicos ligados a ícones da cultura
local, como a praça Waldemar Henrique, o Ver-o-Peso e a própria baía de Guajará
contemplada no projeto Ver-o-Rio. Num plano mais específico, a Fundação Cultural do
Município de Belém – FUMBEL – coordena a política cultural municipal, tanto como
apoiadora e estimuladora dos diversos movimentos e grupos artístico-culturais da cidade,
quanto como realizadora e promotora de programas públicos nas áreas de patrimônio,
museu, biblioteca, música, artes cênicas, cinema e cultura popular.
Nesse processo destaca-se o fato de Belém ser uma metrópole amazônica, na qual a
ação pública segue a linha mais importante de um governo democrático e popular: a
forma de promover a participação ativa da população nas discussões e decisões de
governo. São esses pressupostos que têm sido também os maiores desafios dessa gestão
que passamos a considerar.

Uma metrópole amazônica

A Amazônia são muitas. Trata-se de um espaço geopolítico estratégico para o futuro


da humanidade. Entretanto, a forma como a Amazônia é enfocada pela mídia revela o
preconceito acerca da região, compreendida somente como uma “reserva natural”
encravada no norte do país. É uma região “naturalizada” e, nesse sentido, sujeita desde o
século XVII à exploração predatória de um colonialismo interno e externo. Nesse sentido,
o Brasil desconhece a Amazônia, uma região habitada por cerca de 20 milhões de
brasileiros, que aqui vêm construindo sua história.
A diversidade amazônica não é apenas biológica. Ela é também humana e, portanto,
histórica e cultural. Pesquisas arqueológicas e etnobotânicas recentes demonstram que nos
últimos 12 mil anos de ocupação humana, até a própria floresta, referida como “virgem”,
teve grandes extensões reelaboradas pelas populações nativas e sofreu, digamos, uma
“construção cultural”.
Ocorre que, se a biodiversidade da região é ainda pouco conhecida pela ciência,
muito menos o são a sua sociodiversidade, as suas histórias e as suas culturas. O que hoje
é a Amazônia, no período colonial era um Estado separado do Brasil, tanto do ponto de
vista jurídico quanto institucional. Em 1621, a Metrópole criou o Estado do Maranhão e
Grão-Pará, mais tarde Grão-Pará, Maranhão e Rio Negro, cuja vida social, política, jurídica
e econômica era própria. De São Luís no início, a capital passou a Belém conforme a
penetração do território ia se prolongando, pois estava situada em local privilegiado na foz
do grande rio, ponto de entrada e saída da região.
Centro receptor de escravos indígenas vindos dos sertões da Amazônia, desde o
século XVII, de negros de Angola e Benguela a partir do século XVIII, além dos colonos
portugueses, a população de Belém tem uma matriz fortemente mestiça, cujas
características culturais podem ser percebidas no seu maior ícone: o complexo do Ver-o-
Peso. Sede da administração colonial, o que proporcionou à cidade uma vocação pioneira
de centro político e cultural na região, Belém carrega até hoje sua força cosmopolita. Foi na
capital que estourou, em 1835, a Cabanagem, a mais importante revolução social da
história brasileira, a única em que o povo chegou ao poder pelas armas, na qual tombou
mais de um terço de toda a população da Província sob a repressão da força imperial.
A resistência indígena e negra à colonização portuguesa, a luta pela independência,
o movimento revolucionário cabano, o ouro negro da borracha, os movimentos de
quilombolas, são alguns dos eventos que cruzam mais diretamente a história de Belém
com o restante da nação. No final do século XIX, Belém era, em termos econômicos,
políticos, demográficos e estéticos, a quarta cidade brasileira, depois do Rio, Salvador e
Recife. Uma história de grupos sociais com diferenças étnicas, religiosas e econômicas que
se forjaram em meio a disputas pela hegemonia de práticas e valores.
Nos últimos 30 anos, uma forte corrente migratória trouxe para Belém um
significativo contingente de pessoas oriundas dos vários interiores da região, acarretando
uma forte urbanização da capital e reaproximando a cultura urbana das tradições
interioranas da Amazônia trazidas para Belém, processo esse que está espelhado, por
exemplo, na literatura inovadora de Dalcídio Jurandir.
Pensar Belém como capital cultural é, portanto, compreender as experiências de vida
cotidianamente estabelecidas pelos seus mais diversos grupos sociais, considerando os
valores, regras, símbolos e significados que constituem, na metrópole de hoje, uma
identidade amazônica plural, construída e cotidianamente reinventada a partir das
particularidades dos mais diferentes povos de origem indígena, africana, européia e
asiática. São raízes profundas que, aos poucos, transformaram a capital em um centro
cultural dotado de um perfil próprio no contexto nacional. Desde 1616, constrói-se uma
cidade luso-afro-indígena na foz do rio Amazonas.

Lançar Belém como capital cultural

Lançar Belém como capital cultural é, portanto, um gesto provocativo, buscando


estimular a reação do povo da cidade em busca de uma identidade positiva, de coesão e
solidariedade entre os diversos segmentos da sociedade. Pautar a cultura é sugerir à
população que repense a sua cidade levando em conta a sua história e seu patrimônio,
para que possa estabelecer vínculos e relações que iluminem uma consciência crítica
diante do mundo imposto pelos grandes conglomerados transnacionais, controlados pelo
capital globalizado. É esse o propósito com que o Governo do Povo vem implementando
uma política cultural no município de Belém, com caráter eminentemente restaurador da
história de resistência que marca a sua trajetória.

Instrumentos e práticas de uma


política cultural democrática

Com o objetivo de discutir e efetivar esses pressupostos conceituais de forma ampla


e democrática, a FUMBEL encaminhou, em conjunto com outras secretarias, desde 1997,
uma série de programas visando criar novos equipamentos e formalizar instrumentos
jurídico-políticos básicos de construção da política cultural democrática. Obras de
restauração de prédios históricos e a construção de novos espaços culturais
descentralizados, como a Aldeia Cabana de Cultura Amazônica Davi Miguel, também são a
expressão física dessa política. A instauração do Fórum Municipal de Cultura, do
Conselho Municipal de Cultura, o lançamento de Editais Públicos nas diversas linguagens
artísticas, assim como a Lei Tó Teixeira, que incentiva projetos culturais e esportivos
vindos da sociedade com a da renúncia fiscal, são instrumentos que, doravante, vão
permitir uma melhor fruição das ações e dos usos da cultura pela sociedade belenense.
Em 1997, a FUMBEL realizou oito seminários de cultura, em diversos bairros da
cidade - Jurunas, Guamá, Bengüi, Cidade Velha, Pedreira, Sacramenta, Maguari - e
Distrito de Icoaraci. Nesses seminários, os grupos e produtores culturais dos bairros, além
de inúmeras ONGs, discutiram a política cultural do município de Belém. Em 1998, após
uma discussão do processo do ano anterior, realizou-se o I Fórum Municipal de Cultura,
aberto aos diversos segmentos e instituições que atuam na área cultural de Belém. Após a
realização dos seminários distritais preparatórios ao Fórum, foram eleitos mais de
duzentos delegados representando os segmentos culturais das seguintes áreas: artes
visuais, cinema e vídeo, artes cênicas, literatura, música, patrimônio cultural e cultura
popular, ao mesmo tempo em que foram discutidos os temas constitutivos do referido
Fórum.
O objetivo geral do Fórum de Cultura foi debater e formular propostas para a
definição de diretrizes da política cultural de Belém, a partir de cinco eixos temáticos.
Após amplos e, muitas vezes, acalorados debates, o Fórum aprovou 90 propostas, relativas
aos temas Memória e Cidadania, Multiculturalismo, Descentralização da Política Cultural,
Comunicação e Democracia, e Cultura e Meio Ambiente. Muitas propostas já estão sendo
executadas ou em fase de implantação pela Prefeitura.
Uma decisão importante foi a de transformar o Fórum de Cultura, desde então, em
“um canal permanente e aberto a todos os segmentos organizados, grupos e entidades
atuantes na área cultural, de caráter consultivo, cuja função é apresentar alternativas para
o fortalecimento da produção e preservação da nossa cultura, contribuindo para a divisão
das responsabilidades entre o poder público, entidades privadas e a sociedade civil
organizada”. Dessa forma, o Fórum tem se constituído num importante interlocutor da
Prefeitura nas discussões da política cultural de Belém,
O Conselho Municipal de Cultura, cujo projeto de origem legislativa (Lei 7938/99)
teve o referendum do Fórum, foi sancionado pelo prefeito em janeiro de 1999. Esse
Conselho, com funções deliberativas, normativas, fiscalizadoras e consultivas, é formado
por 24 membros titulares e o mesmo número de suplentes, sendo 04 da Prefeitura, 10
representando as entidades de classe, 08 indicados pela comunidade, 01 representante dos
servidores da área cultural e 01 indicado por instituições e fundações privadas de cultura.
A composição desse Conselho, além de oriunda de um processo democrático de
participação popular, significa um desdobramento político fundamental das decisões e
propostas aprovadas pelo Fórum, e impõe direta e indiretamente a organização das ações
culturais e de seus produtores. Nesse sentido, o Fórum de Cultura, o Conselho Municipal
de Cultura e a Lei Tó Teixeira, além dos novos Espaços Culturais e Esportivos Cabanos,
constituem pilares fundamentais, implantados pelo Governo do Povo, com vistas ao
enfrentamento constante deste grande desafio que tem sido construir, com participação
popular, uma política cultural democrática e descentralizada em Belém.

Cidadania cultural

A construção dessa política cultural só tem vigor porque tem sustentação em um


forte laço entre o conceito e o método. E pressupõe que todos os atores envolvidos no
processo tenham a capacidade e a tenacidade de assumir o compromisso com a causa da
cidadania cultural. Deste ponto de vista, embora pareça paradoxal, o futuro da cidade de
Belém está depositado no seu passado, ou seja, na sua formação sócio-cultural. Um
reencontro da cidade consigo mesma, com seus ícones, com suas lembranças e também
com seus esquecimentos. A conquista de uma consciência crítica e interpretativa das
diversas cidades que, historicamente, compuseram a Belém de hoje, é o passaporte
necessário para a construção do seu futuro. Não se trata de passadismo saudosista nem de
“resgatar” um passado congelado que deveríamos buscar ou reconstituir, mas sim orientar
uma visão estratégica de futuro com base naquilo que a cidade de Belém tem, e somente
ela tem, que é a sua forma própria de ser e estar no mundo. No terceiro milênio, o que vai
nos diferenciar das outras capitais regionais ou mundiais? O que vai garantir ao povo de
Belém uma sustentabilidade qualificada de vida?
As respostas para essas perguntas, apresentadas para esta geração, passam
necessariamente pelo investimento que a sociedade e o Estado devem efetivamente
realizar, a curto, médio e longo prazos, na consolidação de uma política nos moldes da que
vem sendo realizada em Belém, que radicaliza a participação popular dentro e fora das
instituições, construindo de fato a cidadania cultural. Uma cidadania cultural vista não
simplesmente como o direito de acesso aos bens culturais, mas como resultado qualitativo
e expressão crítica e consciente de toda uma sociedade em busca de sua própria
identidade, mas também em busca da universalização dos direitos fundamentais de
homens, mulheres, crianças, enfim, daqueles que compartilham a cidade: uma cidade de
todos.

GESTÃO URBANÍSTICA DA CIDADE DE BELÉM:


DUAS CIDADES QUE SONHAM SER UMA

Já se disse que as cidades européias morrem saudáveis e lentamente, enquanto as


latino-americanas vêem nascer dentro de si novas cidades de forma tão rápida quanto
doente. Belém, que em 1970 tinha uma população de 642.514 habitantes, hoje, após 30
anos, apresenta cerca de 1.200.0001 . Praticamente uma outra cidade nasceu, mas tem
crescido com o sonho de ser saudável, promissora e feliz. Nela fervilha a inquietude, a
vontade de se redescobrir pelo seu próprio rumo. Ao se revelar em termos concretos,
ainda com precárias infra-estrutura urbana e ordem urbanística, ainda se podem ver duas
cidades: uma, mais estruturada, correspondente a bairros como Nazaré, Batista Campos,
Cidade Velha; a outra, a informal, constituída por áreas mais periféricas como Bengui,
Tapanã, Marambaia e pelas denominadas baixadas de Belém. Se, por um lado, na cidade
informal há problemas infra-estruturais e de crescimento desordenado, por outro lado, na
outra parte da cidade, há problemas como degradação do patrimônio histórico, obstrução
e poluição da orla, desvalorização dos espaços públicos, que debilita as relações simbólicas
do cidadão com sua cidade.
Entre as duas cidades, áreas institucionais impedem a integração urbana,
sobrecarregando as duas únicas vias alternativas de ligação entre os extremos da cidade:
Av. Augusto Montenegro e Av. Arthur Bernardes.
Diante desse quadro, é que as ações urbanísticas realizadas no Governo do Povo se
desenvolvem à luz das diretrizes de participação popular e inversão de prioridades.
Diretrizes que se fundem quando se trata da sua relação com a concepção urbanística do
Governo do Povo, porque não inverte prioridade apenas onde constrói, mas para quem
constrói.
Os resultados dessas intervenções são apropriados por cidadãos, não apenas como
mero consumidores, mas como redefinidores de uma prática que segmentava o acesso e o
uso. Esses resultados se materializam em diversos mecanismos implementados na forma
de gestão dos espaços públicos, como os colegiados formados paritariamente por setores
não governamentais, cidadãos e governo na administração dos Espaços Culturais e
Esportivos Cabanos, construídos pelo Governo do Povo, seja por meio das COFIS -
Comissão de Fiscalização, que acompanham a execução de todas as obras, seja pelas
formas de uso dos espaços de comercialização dos logradouros reformados e/ou
construídos pelo governo municipal, hoje administrados por cooperativas formadas em
processos de qualificação profissional com as famílias da Bolsa-Escola, como forma de
assegurar-lhes trabalho e renda, entre outros mecanismos que se multiplicam na relação
entre o Governo do Povo e a sociedade.
Essa relação vai além, na medida em que a totalidade dos recursos do Tesouro
Municipal tem sua destinação definida no Orçamento Participativo. Portando, o recorte
que a cidade vai tomando é aquele que busca democratizar a cidade, transformado as
segmentações em unidades integrais físico-espacialmente.
Portanto, além de projetos que contemplam a dívida social da cidade informal,
invertendo prioridades, foram eleitos também projetos que contemplam desejos e
necessidades da cidade mais estruturada. Tais projetos, desenvolvidos em duas
dimensões, a físico-espacial e a sócio-cultural, não buscam o embelezamento excludente
dos espaços públicos, que utiliza argumentos de higiene, estética e segurança para afastar
a população mais pobre da possibilidade do seu uso.
Considera-se que as políticas neoliberais, excludentes, implementadas na economia,
têm gerado um quadro de desemprego que provoca nas cidades situações de
desequilíbrio. O espaço urbano apresenta-se para grande parcela da população como
única forma de luta pela sobrevivência, por meio da mendicância, do mercado informal e
da própria violência urbana. Para grupos sociais com maior poder aquisitivo, a solução
tem sido se esconder dos seus efeitos, criando espaços redomados, como shoppings,
condomínios fechados, clubes privados. Mas o espaço urbano também se apresenta como
alternativa de lazer e diversão. Essa contradição é que fez com que o Governo do Povo se
propusesse alguns desafios para implementar uma concepção urbanística em Belém.
Para a SEURB, a dimensão sócio-cultural das suas intervenções se materializa na
criação de espaços físicos “inclusivos”, com alternativas de geração de renda e dignificação
do povo, oferecendo-lhe espaços públicos com qualidade, devolvendo-lhe a “vida de rua”
tão negada e evitada pelos que se “escondem”.
Assim, para desenvolver ações que imprimam essa concepção em Belém, a ação
urbanística vem se orientando a partir de macro-problemas da cidade, identificados
durante a elaboração do seu Planejamento Estratégico: o crescimento desordenado, a
desintegração urbanística entre partes importantes da cidade, a obstrução da orla, a
degradação do espaço público como praças e ruas, e a degradação do patrimônio histórico.
São esses eixos de discussão que vêm pautando o desafio de resgatar aspectos da
identidade local que afirmem Belém, metrópole do saber popular, da efervescência
cultural, de idéias novas assentadas na história de seu povo. São diversos os campos de
atuação para contribuir para a construção dessa perspectiva de cidade, mas são campos
complementares de ação que passam por instrumentos jurídicos e desenvolvimento de
projetos.
Assim, a implementação da Lei Complementar de Controle Urbanístico, que
regulamenta o Plano Diretor Urbano, introduziu novos critérios para o controle do uso e
ocupação do solo, como níveis de incomodidade ambiental, níveis de risco, entre outros,
para benefício de uma melhor qualidade de vida urbana.
Ainda no processo de valorização de símbolos fundamentais para a cidade, foram
restaurados e/ou construídos espaços que afirmam a concepção urbanística do Governo
do Povo, como o Mercado de São Brás, outrora integrado ao núcleo comercial do bairro e à
dinâmica da cidade e que somente agora retomou a sua função de centro de
comercialização para pequenos comerciantes de distintos ramos de atividade que
trabalhavam nas calçadas e áreas públicas do seu entorno, passando a dispor assim de um
espaço digno para o exercício do seu trabalho. Ao mesmo tempo, o governo restabeleceu a
vitalidade desse espaço por meio de diversas atividades, como venda de material escolar,
fornecimento de informações turísticas e atividades artístico-culturais.
Como espaço de produção e divulgação das diversas manifestações artístico-
culturais, pioneiro na região, palco adequado para eventos de grande porte como carnaval,
festas juninas e outros, foi concebida e encontra-se em uso, a Aldeia Cabana de Cultura
Amazônica, localizada em um bairro de tradição em festas populares, que é o bairro da
Pedreira. A Aldeia Cabana representa uma ruptura radical com a elitização da cultura. É o
que de mais revolucionário se fez na cidade em termos de espaço múltiplo de arte, cultura
e cidadania. É o direito da maioria ao acesso a recursos de saber inalcançáveis de forma
tão ampla, como a dança, a música, as artes plásticas, a educação formal e outros. A
combinação de uma intervenção física e de seu conteúdo transformador é o fundamento
da construção da Aldeia Cabana de Cultura Amazônica como parte de um projeto
político-pedagógico e cultural que tem na cultura local a sua maior inspiração.
Outro aspecto da política urbanística da cidade é a valorização do patrimônio
ambiental, destacadamente as vias urbanas, as praças, os prédios e os monumentos, por
meio de iluminação ornamental de final de ano e da renovação e ampliação do sistema de
iluminação pública permanente, utilizando-se os mesmos padrões técnicos e investimentos
nas áreas da chamada “cidade informal” - incluindo vias importantes nas áreas mais
afastadas do centro e cerca de 30 áreas de ocupação - proporcionando maior conforto e
segurança, como o que constatamos nas avenidas centrais da cidade.
O projeto de revitalização da orla de Belém e espaço-símbolo da cidade, o Projeto
“Ver-O-Rio”, até o momento com orla de cerca de 500 metros, caracteriza-se como um
grande passo rumo à desprivatização da orla, devolvendo à população o direito de
usufruir da visualidade das águas da Baía do Guajará e Rio Guamá. A fase já concluída
será acrescida, progressivamente, do desnudar da cidade escondida por portões, portos
privativos, áreas institucionais, tudo isso num processo que envolve negociações ora
frutuosas, ora mais difíceis. Como a terceira ocupação da orla se deu por empresas que
privatizaram essa área, o Ver-O-Rio constitui o quarto momento de ocupação da orla com
participação popular no seu uso. Prevalece o desafio de reatar a relação de Belém com suas
águas de forma mais radical e definitiva, o que resulta em benefício coletivo, como ocorreu
com a reabilitação da Praça do Pescador, que se encontrava em processo de degradação há
mais de uma década.
Devolveu-se à população o acesso à margem da Baía, totalmente urbanizado,
oferecendo estacionamento e segurança à Feira e ao Mercado do Ver-o-Peso. O
estacionamento, assim como ocorre com o bar e o restaurante do mercado de São Brás e as
cabanas do Ver-o-Rio, está sendo administrado por famílias da Bolsa-Escola organizadas
em cooperativas.
A restauração do Mercado de Ferro (de origem inglesa, de 1901) e o reordenamento
da feira do Ver-o-Peso fazem parte do projeto “Ver Belém”, de revitalização do Centro
Histórico e particularmente do complexo do Ver-o-Peso, sendo este um espaço de
resistência popular entre a primeira ocupação da orla de Belém, a portuguesa (Forte do
Castelo, Hospital Militar, Igreja de Santo Alexandre), e a segunda, a inglesa (Mercado de
Ferro, galpões da Companhia das Docas do Pará). O projeto de recuperação do Ver-o-Peso
foi aprovado em Concurso Nacional, lançado por um conjunto de Secretarias, que
compõem a Marca “Revitalizar Belém”.
Além da reforma física do complexo do Ver-o-Peso, efetivar-se-á, a exemplo do que
ocorre desde a fase de obras e nos outros espaços que o Governo do Povo intervém, uma
gestão compartilhada.
É imprescindível definir a função que a orla de Belém tem para a cidade. Intervir em
pontos mais localizados significa saber aonde chegar, por isso foi elaborado um plano
denominado “Diretrizes de uso e ocupação para a orla de Belém”, que já incorpora
projetos importantes em desenvolvimento, como o Ver-o-Rio, Ver-o-Peso e Terminal
Turístico-Fluvial. Esses projetos se inserem numa visão mais totalizante, sendo fruto da
contribuição de diversos órgãos municipais e subsídios de distintos fóruns de participação
popular sobre o planejamento da cidade, como as conferências setoriais, colóquios,
demandas do orçamento participativo e referenciais de projetos em curso, enfim, um
arcabouço de informações relacionadas a temas, como transporte, circulação, proteção
ambiental e circulação de mercadorias. A abertura da cidade deverá ser intensificada a
partir de discussões sobre o seu planejamento em fóruns do Congresso da Cidade.
A abertura da cidade para o rio também se insere no processo de discussão das ZEIS
e sua regulamentação, tendo em vista o volume significativo de obras de urbanização na
chamada “cidade informal” que, na sua maioria, determina a exclusão sócio-espacial da
população local. Um dos resultados desse movimento é o que envolve as Administrações
Regionais, a implantação de comitês que participaram das ações de controle do uso e
ocupação do espaço urbano, provocando, por exemplo, uma mudança comportamental do
cidadão em relação ao espaço público em um processo de apropriação físico-espacial da
cidade.
Dessa forma, a SEURB, desenvolvendo suas ações dentro do conceito de participação
popular e inversão de prioridades, em áreas já estruturadas e não estruturadas, objetiva não
somente a qualificação do espaço urbano, mas também o direito da população à cidade,
como forma de sua construção coletiva.

1
Segundo o Contagem Populacional de 1996 do IBGE o nº de habitantes é de 1.144.312 .
Os dados do Cadastro Técnico Multifinalitário da PMB identificaram 360 mil imóveis em
Belém, o que eleva essa população estimativamente para algo em torno de 1.400.000
habitantes.

PRINCÍPIOS DE ATUAÇÃO JURÍDICA EM


UM GOVERNO DEMOCRÁTICO E POPULAR
Quais os princípios fundamentais da atuação do setor jurídico em um governo
democrático popular, inserido em um estado de direito e o que faz uma Secretaria
Municipal de Assuntos Jurídicos, no caso a SEMAJ?
Deixando de lado questões conceituais já abordadas de modo mais detalhado em
outro momento deste livro, fixemo-nos no que é essencial. A democratização do Estado
brasileiro, aqui examinada pela ótica do Município de Belém, implica o estabelecimento de
mecanismos que permitam a participação do povo na gestão pública, ao mesmo tempo em
que garantam o controle social das ações de governo. Dito por outras palavras, governo do
povo, com o povo e para o povo nada mais é que um governo que amplia os mecanismos
de participação popular, fomentando canais de fiscalização do próprio governo. Não foi
por outra razão que o governo municipal, em Belém, elegeu justamente a participação
popular como uma de suas marcas de gestão.
A rigor, a participação popular expressa-se como uma co-gestão, envolvendo o
governo e a sociedade, garantindo que esta possa intervir de modo efetivo nos assuntos
municipais. Nessa perspectiva, um governo democrático e popular busca tornar real a
democracia participativa.
Retomemos a questão inicial. Como funciona e o que faz a SEMAJ nesse contexto? A
resposta é, a um só tempo, simples e complexa. É simples, porque sua função primordial é
dar o necessário suporte de legalidade às ações de governo. A complexidade fica por conta
da diversidade e multiplicidade dessas mesmas ações, especialmente aquelas que, pela
natureza inovadora, suscitam os mais variados questionamentos, especialmente aqueles
de caráter jurídico.
Tomemos como exemplo as objeções feitas ao Orçamento Participativo, principal
ação do Governo do Povo para garantir a participação popular. No contexto normativo-
institucional, são legais os mecanismos pelos quais a população define onde, como e
quando gastar as verbas públicas, fiscalizando passo a passo a aplicação dos recursos
orçamentários? Esse questionamento feito pela Câmara Municipal de Belém, em 1997,
mereceu uma explicação da SEMAJ, nos termos em seqüência.
Entendemos pela necessidade de a Câmara Municipal de Belém ser esclarecida sobre
os procedimentos relativos ao Orçamento Participativo, uma vez que não pode deixar de
ter conhecimento da forma de participação da sociedade no governo municipal, que
valoriza a atuação sempre crescente do povo no processo decisório e na formação de atos
de governo, buscando a efetiva concretização de um Estado Democrático de Direito.
O Orçamento Participativo é um processo que integra a democracia direta à indireta,
possibilitando que os cidadãos formem instâncias de discussão e decisão acerca de obras e
investimentos considerados de relevância para a comunidade à luz dos recursos
orçamentários disponíveis, bem como apreciem prestações de contas do Governo
Municipal, acompanhando e fiscalizando todo o processo de execução físico-financeira das
obras do OP, etc. O processo é coordenado pelo Conselho Municipal do Orçamento
Participativo -- COP, do qual fazem parte dois representantes do Poder Executivo
Municipal, sem direito a voto (art. 3º, do regimento interno), e compreende a realização de
assembléias de microrregiões, assembléias populares e regionais, fórum de prioridade
municipal e plenárias temáticas. Existe, por sua vez, uma Comissão Paritária, da qual
participam, junto com a sociedade, os representantes do Poder Executivo Municipal, que
tem por finalidade participar da coordenação das atividades do Conselho do Orçamento
Participativo.
As informações demonstram que a administração municipal, ainda que participe do
Conselho do Orçamento Participativo, não tem ingerência sobre suas decisões e não o
representa.
A Coordenação de Relações com a Comunidade (CRC), que integra o Gabinete do
Prefeito Municipal, apenas oferece ao Conselho do Orçamento Participativo as condições
necessárias ao seu funcionamento, conforme o art. 10, do regimento interno.
A participação popular no governo também se expressa nos Conselhos Municipais.
Esses Conselhos são criados por lei de cuja elaboração a SEMAJ muitas vezes participa,
notadamente no caso daqueles cuja criação depende de iniciativa do Poder Executivo. No
caso de Conselhos criados por projetos de lei de iniciativa de vereadores e aprovados na
Câmara Municipal, a SEMAJ também procede ao exame para dizer se são compatíveis com
a Constituição, com as leis de hierarquia superior, especialmente a Lei Orgânica do
Município, e o interesse público. Trata-se, portanto, de tarefa de grande responsabilidade,
notadamente porque os pontos de vista assumidos pela SEMAJ em tais casos devem
refletir as idéias e posturas do governo como um todo. Daí, não poderia ser diferente nos
casos dos decretos baixados pelo Prefeito para a regulamentação das leis municipais.
Decretos dessa natureza, via de regra, também são elaborados pela SEMAJ, quase sempre
em trabalho conjunto com as demais secretarias, órgãos e entidades da Administração
Municipal, dependendo da matéria e de que tratem. Os atos jurídicos do Governo do Povo
expressam uma concepção de relação com a sociedade, cuja edição está visivelmente
ligada ao seu caráter democrático e popular. É o caso, por exemplo, do Decreto nº
31.816/97-PMB, de 20 de novembro de 1997, que, regulamentando o art. 94, XV, da Lei
Orgânica, “cria o Conselho Municipal do Negro de Belém e aprova o seu Regimento
Interno”.
Todos nós sabemos que o racismo subsiste em nossa sociedade, mesmo que seja
considerado crime hediondo pelo art.5º, XLII, da Constituição Federal. Já se disse que leis
não impedem a discriminação racial, mas representam importantes mecanismos para
combatê-la. A luta jurídica contra a discriminação racial ganhou forte impulso, em Belém,
depois da implantação do Conselho Municipal do Negro, que passou a concentrar as
denúncias de racismo, dando-lhes encaminhamento policial e judicial. Esse Conselho tem
autonomia em relação à administração municipal, mas recebe o apoio necessário para a
sua atuação. Afora a infra-estrutura, a SEMAJ, por meio de convênios com a Secretaria de
Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, permite que um advogado e uma estagiária
atuem permanentemente na defesa de grupo étnico historicamente discriminado.
Também na perspectiva da defesa da dignidade humana e contra a discriminação
social, a SEMAJ mantém, por exemplo, o Conselho Municipal da Condição Feminina
(CMCF), oferecendo o necessário suporte às suas atividades. O CMCF propõe e
desenvolve políticas de valorização do gênero e combate à violência contra as mulheres,
razão pela qual o Governo do Povo, via SEMAJ, inaugurou, em 08 de março de 1997, Dia
Internacional da Mulher, o Abrigo Emanuelle Rendeiro Diniz, para abrigar mulheres
ameaçadas ou vítimas da violência. O abrigo conta com profissionais do município para
apoio a sua atividade, inclusive uma advogada para o acompanhamento de casos levados
ao conhecimento do referido Conselho.
O Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (COMDAC), assim como os
Conselhos Tutelares, cuja criação foi prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente,
também recebem apoio da SEMAJ, especialmente no que diz respeito à infra-estrutura de
funcionamento.
Para assegurar direitos às crianças e adolescentes, o Governo do Povo, ao ter como
um dos seus principais desafios “Dar um Futuro às Crianças”, tem realizado grandes
investimentos para tirar crianças da rua, onde vivem em situação de risco, recolocando-as
no convívio familiar. Bolsa Escola, Escola Circo, etc., são programas que perseguem esse
objetivo. Apesar disso, a questão da criança e do adolescente continua sendo de
responsabilidade da sociedade como um todo. Nessa perspectiva, os Conselhos Tutelares
continuam tendo um papel fundamental, ao lado da família e do Poder Público, e como
representantes da sociedade, desempenham atividades imprescindíveis à proteção das
crianças e adolescentes em situação de risco. No final do ano de 1996, o Município de
Belém possuía dois Conselhos Tutelares, ao final do ano de 1999 os Conselhos passaram a
ser quatro. O Governo do Povo investiu em 1999 três vezes mais do que havia sido
investido anteriormente num ano.
Um governo democrático e popular também se caracteriza por uma inversão de
prioridades em suas ações. Quer isso dizer que as ações de governo devem ter em vista os
interesses de parcelas mais carentes e desprotegidas da população. Nesse sentido, a
criação do Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos da SEMAJ, em 11 de junho de 1997,
reflete bem o objetivo do Governo do Povo em garantir aos segmentos menos favorecidos
da população os direitos inerentes à cidadania. Esse objetivo se materializa com
orientações jurídicas acerca dos mais diversos problemas, estejam ou não no âmbito da
competência municipal.
Contudo, entre as atribuições da SEMAJ, aquela que marca de modo mais intenso o
seu dia-a-dia é a defesa judicial do Município, que expressa bem a intensidade das
mudanças que o Governo do Povo vem imprimindo, o que leva a uma reação por parte de
uma minoria. Todas as ações judiciais aforadas contra o Governo do Povo são
encaminhadas à SEMAJ para a elaboração das defesas ou contestações e acompanhamento
dos trâmites judiciais posteriores. No pólo oposto, isto é, quando o Município é que
propõe as ações judiciais, estas também são encaminhadas pela SEMAJ. De tão numerosas,
não há como dar destaque a qualquer dessas ações judiciais. Inúmeros são também os
pareceres produzidos pela SEMAJ para orientar a correta aplicação das leis municipais e
para dirimir divergências de interpretação de leis, entre as Secretarias, Órgãos e Entidades
da administração municipal.
Em resumo, é isso que faz e é assim que atua a Secretaria Municipal de Assuntos
Jurídicos no cumprimento da ação jurídica no município.

BEM MORAR: A POLÍTICA HABITACIONAL


DO GOVERNO DO POVO

Belém, apesar dos seus vínculos externos, inserida em um contexto sócio-econômico


muito particular, é uma cidade com história de lutas sociais por moradia, que se situam
entre as mais expressivas no país, particularmente nas três últimas décadas. Esses
movimentos resultaram num processo intenso de conquistas em virtude de ocupações
vitoriosas. Mas, ao mesmo tempo, foi se alastrando uma situação de precariedade, quanto
à infra-estrutura em geral e aos serviços de assistência básica. Essa precariedade é
agravada pelas características físicas da cidade que tem aproximadamente 45% de seu
território formado por áreas alagadas ou alagáveis. Se a área mais estruturada apresenta
índices ínfimos de cobertura de esgotos, por exemplo, nas áreas mais recentes, quase tudo
estava por fazer. E por que falar de habitação neste contexto? Porque, para o Governo do
Povo, habitar é viver com dignidade. Quando nos propomos a pensar uma política
habitacional para Belém que garanta o universal direito à moradia, pensamos que esta
deve responder ao bem estar individual e coletivo dos seus habitantes, particularmente
daqueles que são situados à margem da cidade mais estruturada.
Historicamente, a ocupação do solo em Belém desenvolveu-se preponderantemente
com os elementos da estratificação espacial, em consonância com as suas características de
uma topografia de grandes áreas abaixo da cota de 4 metros.
Herdamos uma cidade que apresenta ocupação desordenada do espaço urbano e
precárias condições de habitação, além de um considerável déficit quantitativo de 104.640
domicílios1 . Não havia até 1997, nenhum histórico de iniciativas por parte do governo
municipal em estabelecer uma política habitacional, visando garantir o uso, a ocupação e a
apropriação do solo de forma a obter o pleno assentamento, justo e imprescindível para a
função social da cidade. A terra urbana é normalmente encarada como mercadoria – e é
indispensável a qualquer atividade social produtiva ou de consumo – e utilizada de forma
especulativa, o que impede que amplos setores da população tenham acesso a ela. As
conseqüências vão do congestionamento ao superadensamento de determinadas áreas da
cidade e até à destruição de áreas de interesse ambiental, histórico e paisagístico.
As situações enfrentadas hoje, nas áreas urbanas, advêm de um quadro nacional das
cidades brasileiras e, mais precisamente, da forma de governá-las, historicamente
consagrada, e do vício conceitual de se elaborar programas habitacionais associados, única
e exclusivamente, com o déficit quantitativo e, conseqüentemente, com o intuito explícito
de tornar cada brasileiro um proprietário.
A partir do desencadeamento do processo de desenvolvimento industrial e urbano
no Brasil, alguns registros históricos apontam várias tentativas de se estabelecer uma
política habitacional, contudo, sem haver uma definição clara no sentido de promover
habitação (muito menos moradia) para os trabalhadores de baixa renda. Desde a criação
da Fundação da Casa Popular (com uma produção de 16.964 unidades em 14 anos) até a
instituição do Banco Nacional de Habitação, substituindo-se a ótica clientelista por
pretensos modelos empresariais, as estratégias de atuação sempre estiveram adaptadas às
diferentes conjunturas político-econômicas pelas quais passou o país.
Após a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), a indefinição aumentou e o
retrocesso se acelerou. Com a passagem do controle dos recursos para a CEF, não se
introduziram alterações substanciais, e aqueles que ganham até 3 salários mínimos não
têm merecido atenção necessária face ao tamanho do problema que se tem para enfrentar.
A extinção do Ministério do Desenvolvimento Urbano em 1992, transferindo a articulação
da política habitacional para o Ministério da Ação Social e, posteriormente, já no atual
Governo, para o Ministério do Planejamento, é um sintoma sensível da vocação
assistencialista e mercadológica que tem marcado o setor.
Essa situação reflete-se na forma como vão se constituindo os assentamentos
humanos no país. Em Belém, município de 515,69 km2 de área e com 1.144.3122  habitantes,
posicionado estrategicamente como um verdadeiro portal da Amazônia, os efeitos desse
tipo de política urbana têm sido ainda mais perversos em razão da completa ausência de
uma política habitacional até o início do Governo do Povo, num contexto em que o
processo histórico da ocupação do solo urbano no Pará tem na área metropolitana de sua
capital a sua face mais dinâmica.
As causas, evidentemente, são as mesmas em qualquer cidade brasileira, porém o
mais significativo e representativo do processo é o gigantismo dos dados, que indicam,
além de um redesenho na geografia da cidade, o estabelecimento de novas expectativas de
vida e, conseqüentemente, novos estímulos a diferentes formas de organização social da
população na conquista de sua cidadania.
Constata-se que, além de um déficit habitacional estimado em 400 mil unidades no
Estado, na região metropolitana de sua capital, a questão da moradia se coloca em duas
dimensões, conforme a gravidade da situação. Trata-se, de um lado, da existência de mais
de 200 áreas de ocupação, onde vivem cerca de 150 mil famílias representando cerca de
40% da população “morando” em uma área de aproximadamente 2.000 hectares, só na
região continental de Belém e na ilha de Caratateua. E, do outro, uma total inércia de ações
do poder público municipal nos 382 anos de sua história, que sempre remeteu as questões
habitacionais para outras instâncias de poder.
As ocupações estabeleceram-se nas áreas de baixadas do entorno da malha urbana,
reproduzindo situações periféricas que ocorrem em bairros centrais da cidade e abrigando
77% de sua população. Com isso, provocou maior degradação da qualidade de vida, ao
aliar a falta de moradia às precárias condições ambientais da cidade.
Por outro lado, os 17.300 km² de área continental urbana, que representam 34,36% de
sua extensão territorial, abrigando, contudo, 68,22% de sua população, ainda são um
estuário de indefinições e disfunções fundiárias, dificultando uma abordagem mais
abrangente, concreta e confiável de indicadores como déficit habitacional e situação
fundiária, por exemplo, que não são registrados nem aparecem no Anuário Estatístico do
Município. É possível verificar o estrangulamento da cidade por um cinturão de “Terras
da União”, a expansão sendo impulsionada por um processo de mais de 30 anos de
ocupações, totalizando 300 na região metropolitana.
O processo em construção

Mesmo com esse quadro, como relatamos no início, a política habitacional


estabelecida no Plano Diretor Urbano do Município de Belém não mereceu nenhum aceno
de possibilidade de implementação até 1996.
Para o Governo do Povo, a implementação de uma política habitacional para o
município tem sido uma prioridade. Tanto que, já nos primeiros dias de governo, formou-
se uma Comissão de Trabalho, composta por profissionais da área e por lideranças
nacionais, estaduais e locais dos movimentos de moradia, coordenados pelo atual
Secretário de Habitação, numa demonstração inequívoca da disposição política de se criar
um referencial de discussão e debate sobre o tema a partir do P.D.U., da Agenda Habitat e,
principalmente, das bandeiras históricas da luta das organizações sociais.
Assim sendo, a meta inicial foi, além da criação da Secretaria como instrumento de
coordenação do processo, a efetivação de espaços de elaboração política. Nesse período,
realizamos um seminário sobre as alternativas tecnológicas de moradia popular, havendo
intercâmbio de experiências nacionais e internacionais com várias organizações, como
Cearah Periferia/CE, Cohacosam/DF e Homeless People Federation/ÁFRICA DO SUL,
entre outras. Na época, foi criada a SEHAB -- Secretaria Municipal de Habitação.
Como decorrência desse processo, foram realizadas ações de capacitação para
famílias pelas entidades comunitárias, visando a disseminação de uma proposta
alternativa da tecnologia de baixo custo e estímulo às atividades de auto-construção em
regime de mutirão.
Esse processo consolidou-se com a realização da I Conferência Municipal de
Habitação no final de 1998, com a participação direta de mais de 2.000 pessoas em
Assembléias Populares de preparação e em 8 Pré-Conferências distritais que elegeram 500
delegados. Estes, nos quatro dias de realização da Conferência, elaboraram a Política
Habitacional do Governo do Povo, centrada em três eixos temáticos:
• produção e organização do espaço urbano;
• a governabilidade participativa e o controle social;
• a reforma urbana na cidade dos rios.
Assentamentos mais humanos

Com essa trajetória, a política habitacional construída neste governo é


fundamentalmente comprometida com princípios de sustentabilidade, contribuindo para
o fortalecimento da identidade, da cooperação e do diálogo para o bem comum.
A diretriz central é a conquista da cidadania para todos. No entendimento de que
democratizar a participação de toda a população nas decisões constitui alternativa mais
eficaz de combate à corrupção, ao clientelismo, aos favorecimentos privados, aos
“lobbies”, aos desperdícios, às irracionalidades e à pobreza. Por outro lado, criar canais de
participação política e democrática consolida um caminho ético, solidário, mais
econômico, mais justo e ambientalmente sustentável.
Nesse contexto, o habitar, a moradia, deixa de ser representada pela unidade
habitacional em si mesma, como produto acabado de consumo, e passa a ser encarada
como parte de um processo, expressando a forma de inserção social e econômica de seu
ocupante, partícipe enquanto sujeito histórico da construção e implementação de um
plano de ação de políticas urbanas.
O desafio é assumir esse habitar como um processo social, parte de um planejamento
de desenvolvimento e resgate do urbano a partir dos assentamentos humanos
consolidados. Entendendo-se com isso que a Política Habitacional é essencialmente co-
participativa, sustenta-se na diversidade de atores, desde a definição de sua concepção,
passando pela conjunção de esforços na multiplicação de recursos e estabelece-se,
fundamentalmente, com a inversão de prioridades.
Assim se tem agido. Seguindo a lógica dos 3 eixos temáticos que nortearam a
elaboração desse plano na Conferência, é importante destacarmos, nos programas e
projetos que a SEHAB desenvolve as seguintes reflexões:
Produção e organização do espaço urbano

Apesar de estarmos desenvolvendo projetos em 5 dos 6 distritos administrativos


existentes na parte continental da cidade, 70% de nossas ações localizam-se em 3 deles
(Icoaraci, Bengüi e Entroncamento), distritos que formam a área de expansão urbana, onde
se concentra grande parte da população de baixa renda oriunda do processo de
estratificação já referido.
Isso é representativo do princípio de inversão de prioridades, se observarmos que
nessa área estamos urbanizando 8 assentamentos subnormais e desenvolvendo um plano
de ação integrado no distrito administrativo do Bengüi, o que responderá à expectativa de
integrá-lo ao contexto urbano da cidade, haja vista a sua localização no entorno dos pontos
estratégicos dos vetores de desenvolvimento metropolitano, quais sejam, a Avenida
Augusto Montenegro, a Rodovia do Coqueiro e a Rodovia do Tapanã.

A governabilidade participativa e o controle social

Na realidade, desde a conformação política da Comissão de Trabalho instituída para


estimular o debate sobre a política habitacional, o perfil de atuação da SEHAB, enquanto
instrumento do Governo do Povo na coordenação do processo, tem sido comprometido
com elementos de participação popular, como pressuposto de exercício da cidadania.
Isso se evidencia ao constatarmos que existem 2 unidades administrativas da
Secretaria voltadas especificamente para estas ações: o Departamento Social e o NUSP –
Núcleo Setorial de Planejamento e Acompanhamento.
O Departamento Social tem uma atuação de campo bem concreta, seja no
atendimento à população no local das obras, seja na fomentação de ações de educação
ambiental, formação política e organização social pelas entidades existentes e da formação
de conselhos populares com a participação direta dos moradores. O NUSP tem no
acompanhamento político seu principal viés de atuação, preponderantemente na relação
direta com o Orçamento Participativo e com as organizações comunitárias.
Ao mesmo tempo, a SEHAB desenvolve um projeto de melhoria da habitabilidade,
que se sustenta na parceria entre o poder público e entidades comunitárias e de assessoria.
E também coordena uma Consulta Urbana de intervenção em rios urbanos, em cooperação
com o Programa de Gestão Urbana da Organização das Nações Unidas, que envolve a
participação direta de órgãos municipais, organismos acadêmicos, organizações não
governamentais locais e nacionais, e entidades de base.

A reforma urbana na cidade dos rios

Parafraseando o poeta, “para Belém o rio é a rua, o horizonte, a vida”. Em outras


palavras, é impossível pensar o habitar nesta cidade dos rios, sem levar em consideração
os elementos de diversidade, sustentabilidade e gestão ambiental, que ultrapassam a visão
bifocal de fauna e flora que normalmente norteia as discussões ecológicas. Para nós do
Governo do Povo, este ecossistema urbano que é a cidade, representada pelos
assentamentos humanos e, necessariamente, as intervenções ambientais devem partir
desse pressuposto.
Mas, nesta cidade de rios, a política habitacional não poderia se dissociar da política
de saneamento, das obras viárias, que, de forma articulada, orientam-se pela preservação
das relações sócio-político-ambientais das famílias que, eventualmente, são remanejadas.
Estas são mantidas nas mesmas áreas originais e, assim, têm assegurados os laços de
vizinhança, de trabalho e todos os que lhes conferem uma certa identidade com o lugar.
Com isso, as ações que a SEHAB coordena, além de sustentar-se na metodologia de
participação social elaborada enquanto resolução da II Conferência Mundial sobre
Assentamentos Humanos – HABITAT II, é a mais legítima afirmação de que os seres
humanos devem estar no centro das preocupações em relação ao desenvolvimento
sustentável para erradicar a pobreza e as discriminações, para promover e defender os
direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos, para atender suas necessidades
básicas como a educação, a nutrição, o serviço de saúde, durante todo o ciclo de vida
humana e, especialmente, oferecer moradia digna para todos.

1
DIAGNÓSTICO Institucional para apoiar a elaboração do Plano Estratégico Municipal
para Assentamentos Subnormais. Belém: PMB/SEGEP, 2000.

2 Segundo a contagem Populacional de 1996 do IBGE.

GESTÃO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE BELEM:


TRAJETÓRIA E EXPERIÊNCIAS EM UM GOVERNO
DEMOCRÁTICO POPULAR
Vários são os percursos de uma Administração Pública, muitos deles marcados
fortemente pela centralização do poder e pela gestão antidemocrática, que alija a
participação popular no processo de elaboração e gestão (execução e fiscalização e
controle) das políticas públicas, inclusive a ambiental, necessárias para a elevação da
qualidade de vida das cidades.
Em 1997, com o Governo do Povo na Prefeitura Municipal de Belém, o estilo de
governar sofreu grandes transformações. Belém experimenta com a gestão do Governo do
Povo o “sabor” de um novo olhar. Olhar lúcido e apaixonado, que vem permitindo
enxergar esta cidade em todas as suas dimensões, gerando mudanças significativas nas
políticas públicas da cidade, fundamentadas na democratização e no controle social sobre
a gestão pública.
Hoje em Belém, vive-se uma experiência singular, marcada por uma trajetória em
que as prioridades são determinadas pela escolha popular e pela lógica da inclusão social.
Esta experiência tem-se configurado na participação popular como instrumento de gestão.
No que diz respeito à política ambiental, a educação ambiental em Belém, a partir do
Governo do Povo, assumiu outra dimensão. Para além dos muros das escolas e centros de
referência, para se fazer presente no cotidiano da população.
O movimento de mudança em que se insere a Fundação Parques e Áreas Verdes de
Belém, a qual se permitiu a esta se engajar no processo irreversível de luta pela ampliação
de sua missão, assumindo papel fundamental de manutenção e expansão da qualidade
dos recursos naturais, controle dos empreendimentos ou atividades potencialmente
poluidoras.
Essa prática se desenvolveu e ampliou-se, configurando-se a partir de reivindicações
dos movimentos sociais, das associações de bairros e da cidade de um modo geral, como
instrumento potencialmente favorável de consolidação de luta pela construção de uma
cidade melhor e mais humana.
Hoje, esse movimento tomou vida própria, pois já encontramos núcleos populares
formados, comitês reivindicando e participando da vida da cidade, comissões discutindo e
fiscalizando a gestão do lixo, das praças, dos parques e dos rios, denunciando danos
ambientais, enfim, cada um implementando o que se denominou teoricamente de
princípios propulsores da educação ambiental e da Agenda 21 para as sociedades
ambientalmente sustentáveis. Hoje, em Belém, esses princípios norteadores extrapolaram
seus limites teóricos e concretizaram-se em práticas populares, diminuindo o
distanciamento entre o cidadão e o poder público. A população passou a exercer seus
direitos, a expressar sua vontade e sua visão, por meio de pleitos diretos, da participação
nos fóruns de planejamento, comparecendo nos órgãos, escrevendo nos jornais,
solicitando via Internet, enfim, participando da gestão municipal por meio de distintos
instrumentos e mecanismos. Nesse sentido, já se pode enumerar uma série de
experiências, com base na formação de grupos de trabalhos que se preocupam e
contribuem com a conservação e preservação das áreas naturais, que ainda resistem à
expansão urbana desordenada no Município de Belém.
O modo de governar também se singularizou neste governo com a valorização do
servidor público. Este passou a ter participação social nunca antes vivenciada nas
dimensões atuais, sujeito de sua própria trajetória, com inserção em atividades produtivas
artístico-culturais, na elaboração do planejamento, na produção de conhecimento a partir
de sua vivência nos comitês ambientais dos seus órgãos e por outro conjunto de
atividades. Tudo isso resulta numa forma diferente de administrar.
Certamente, muito ainda há de se avançar, considerando que a construção de uma
sociedade ambientalmente sustentável se realiza com políticas públicas justas e contínuas,
com participação popular e, principalmente, com vontade política, instrumentos que
claramente caracterizam o Governo do Povo. Essa meta não representa apenas um sonho
distante, mas é uma realidade em Belém, e tomou um sentido irreversível, uma vez que as
decisões acerca da gestão ambiental não saem prontas e acabadas dos gabinetes, porém
emergem da própria necessidade da população, que, neste governo, participa ativamente
dos problemas ambientais da cidade, identificando-os, reconhecendo seus agravantes,
organizando-se, reivindicando e apontando soluções. Enfim, a população apropria-se do
conhecimento da educação ambiental para co-gerenciar a política ambiental de Belém.
Assim, a Gestão Ambiental lançou uma nova perspectiva na imagem e na
revitalização da cidade, a partir da inversão de prioridades, inserindo áreas de expansão,
conjuntos habitacionais, grandes corredores em bairros periféricos, os quais foram
arborizados, considerando-se as especificidades regionais e ambientais. Nesta
administração, acredita-se que o futuro de uma cidade ambientalmente sustentável
somente se constrói, na medida em que juntos – população e governo – unirem esforços no
sentido de resgatar laços (memória cultural), reconstruir a história (valores) e,
fundamentalmente, garantir o fortalecimento desses laços para a construção de uma
cidade melhor e ambientalmente sustentável. Esses esforços já fazem parte do percurso e
da prática do Governo do Povo em Belém.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
E INCLUSÃO SOCIAL
O desemprego e a precariedade das condições de trabalho são fenômenos de
abrangência nacional, que no período atual experimentam níveis extremamente elevados,
nunca vistos no Brasil. No passado recente, mais especificamente na década de 80, o
desemprego vinculava-se, entre outros fatores, às oscilações de natureza econômica.
Nos anos 90, a situação tornou-se mais grave, ainda pior que na década de 80, já
considerada a década perdida pelos economistas. Nesse período, o desemprego disparou,
chegando, em maio de 1999, a 10 milhões de desempregados no país. Em algumas regiões
metropolitanas, segundo dados da pesquisa de emprego e desemprego (PED), as taxas de
desemprego chegaram a superar o índice de 20% da população economicamente ativa. A
geração de emprego sofreu uma desestruturação profunda em conseqüência de um
processo de retração das atividades econômicas, lamentavelmente acompanhado do
desmonte das estruturas produtivas já existentes.
A desestruturação do mercado de trabalho é tão grave que, além dos malefícios do
desemprego, a deterioração das condições e relações de trabalho, apesar de menos visíveis,
são também de profundas conseqüências para a sociedade. As condições de trabalho
tornaram-se crescentemente informais, precárias, com trabalhos e salários descontínuos,
de curta duração e sem direitos sociais trabalhistas assegurados.
A redução do mercado formal de trabalho é caracterizada pelo grande número de
trabalhadores sem carteira assinada e pelos que trabalham por conta própria. Segundo
dados do DIEESE, mais de 50% dos ocupados brasileiros das grandes cidades se
encontram em algum tipo de informalidade. Ou seja, três em cada cinco brasileiros
economicamente ativos das grandes cidades estão desempregados (um em cinco), ou
atuando na informalidade (dois em cinco).
O quadro apresentado é conseqüência de uma economia profundamente
desarticulada, desestruturada, à mercê de uma elite dominante e do capital financeiro
internacional, que, além dos danos que provoca nas relações de trabalho, empurra o povo
para uma situação de pobreza jamais vista no país. O IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) considera que cerca de 57 milhões de brasileiros (35% da população)
estão abaixo da linha de pobreza e que entre 16 e 17 milhões de brasileiros vivem em
condições de miséria absoluta, portanto, excluídos do ponto de vista socioeconômico.
Em Belém, o quadro não é diferente. Segundo o DIEESE, no início de 1997, existiam
na cidade em torno de 73 mil desempregados; já em 1999, esse número cresceu para
aproximadamente 143 mil, ou seja, próximo de 20% da população economicamente ativa.
Quanto ao mercado informal, estima-se que perto de 240 mil pessoas trabalhem nessa
condição, sendo que, dessas, mais de 6 mil atuam na atividade comercial na área central
da cidade, ou seja, os chamados camelôs, e próximo de 10 mil, nos mercados públicos e
feiras livres. Quanto à pobreza, se considerarmos o índice do IPEA para o país (35%),
estima-se que mais de 400 mil pessoas sobrevivam nessa situação na capital.
A posição de um governo democrático popular municipal, na situação apresentada,
não pode ser a de apenas alegar que os fatores determinantes e as soluções para o caos
encontram-se fora de sua governabilidade. Essa perspectiva implica também superar a
visão de que o desenvolvimento econômico só pode ser pensado no nível nacional e de
que nas cidades há pouco a ser feito, exceto a denúncia do modelo vigente, embora as
determinações extralocais sejam iniciadas sobre o quadro vigente. Na nossa perspectiva, o
poder local pode, embora com limites, desenvolver experiências inovadoras que rompam,
inclusive, com as práticas individualistas e espoliativas impostas pelo mercado. Destacam-
se, entre essas iniciativas, o caso do Banco do Povo e as diversas experiências de
cooperativas que se sustentam nos princípios da solidariedade e auto-sustentação.
Contudo, é necessário implementar ações de política de amplitude nacional, econômica e
socialmente, indutoras da geração de empregos. Muito do que hoje é desenvolvido em
âmbito local é passível de transformação em instrumentos de política nacional, respeitadas
as particularidades de cada lugar, de cada grupo social, na medida em que se altera não
apenas a economia das cidades, mas valores intrínsecos à sociedade capitalista. Portanto, a
discussão das condições da cidade, enquanto substrato para a sobrevivência do povo que
nela habita, é fundamental e permite, sem dúvida, meios de sobrevivência digna para
muitos trabalhadores, desde que sejam efetivamente identificadas as alternativas
econômicas compatíveis com as vocações locais e com as potencialidades dos grupos
sociais a quem se destinam.
Por que é fundamental esse tipo de discussão? Em Belém as diferentes intervenções
físicas do poder municipal contam com a participação direta do povo no processo de
decisão. As ações desenvolvidas tipicamente denotam a inversão de prioridades, por
exemplo, aquelas mais claramente relacionadas à saúde, à educação, à geração de trabalho
e de renda, ao direito de morar, enfim, aos direitos básicos do cidadão.
É evidente que, na mesma perspectiva da cidade enquanto substrato de
sobrevivência para quem nela habita, e considerando a riqueza que Belém oferece, com
suas características naturais, sua localização geográfica, sua diversidade ambiental, seus
valores culturais (música, folclore, culinária, etc), seu patrimônio histórico, existem opções
econômicas muito particulares, como a indústria moveleira e de artefatos de madeira, a
indústria de lapidação, a agroindústria e, com grande destaque, o turismo, capazes de
gerar significativo número de postos de trabalho.
Para potencializar as opções econômicas e estimulá-las a atingirem a plenitude
desejada, o Programa de Governo da Frente Belém Popular e o planejamento estratégico
realizado apontaram as marcas de governo como os objetivos centrais que visam oferecer
respostas para os problemas da cidade, tanto nos aspectos físicos, quanto nos aspectos
sociais, econômicos, políticos e culturais. Assim, Governo do Povo, ao assumir como
objetivos centrais, a Participação Popular, Revitalizar Belém, o Transporte Humano,
Sanear Belém, Dar um Futuro às Crianças e Saúde para Todos, de forma articulada, visa
implementar políticas que reconhecem o cidadão na sua plenitude.
As Marcas de Governo Revitalizar Belém (revitalização urbanística, cultural e
econômica de Belém), Sanear Belém e Transporte Humano, que a princípio poderiam
apontar para intervenções convencionais, acontecem também visando à inversão de
prioridades. O cidadão comum passa a ser o elemento principal. Essas marcas atuam de
forma articulada, proporcionando condições para o desenvolvimento do turismo, mas, ao
mesmo tempo, construindo e reconstruindo uma cidade para as pessoas e com as pessoas
que nela habitam.
Essa concepção deve ser insistentemente aperfeiçoada no sentido de que as
intervenções urbanísticas, seja de revitalização de prédios e logradouros públicos, seja de
saneamento, seja de pavimentação, em vez de alimentar o grande capital pelas grandes
empresas, muitas vezes subsidiárias de multinacionais poupadoras de mão-de-obra, deve
permitir que pequenas estruturas, como pequenas empresas locais e cooperativas, possam
prestar serviço à sociedade e, ao mesmo tempo, auferir renda de forma socializada ou
individual.
Dentro dos princípios e perspectivas aqui expostos, muitos são os exemplos em
Belém que apontam para contrariar a assertiva de que os governos de esquerda apenas
priorizam as políticas sociais e compensatórias. No caso, existem as ações locais para a
geração de emprego, trabalho e renda e mais as intervenções em logradouros públicos,
que, tanto na execução, quanto no funcionamento, mantêm e geram empregos, e
promovem a inclusão social de grupos sociais historicamente à margem do acesso ao
trabalho.
O Programa de Geração de Emprego e Renda em Belém é estruturado a partir do
processo de qualificação dos trabalhadores, apoio creditício (Banco do Povo), apoio à
gestão dos negócios, à comercialização de produtos e serviços e à intermediação do
trabalho autônomo. Outro aspecto é a valorização do trabalhador informal, que tem na rua
o seu local de trabalho. Esse programa é voltado prioritariamente, portanto, para os
excluídos dos processos formais de trabalho.
Algumas vertentes do programa são evidenciadas pelo Programa “Pólo Moveleiro
de Belém” e pelas atividades no meio rural, onde se destacam a implementação do
criatório de aves regionais (pato), o projeto “Quintal Vivo”, que estimula o cultivo de
pequenas hortas, pomares e canteiros de plantas medicinais e ornamentais, e o
estabelecimento de sistemas agroflorestais. Ainda, como alternativa de trabalho, vêm
sendo implementadas ações no sentido de proporcionar mais conforto e dignidade aos
trabalhadores que desenvolvem suas atividades em vias públicas com a implantação de
espaços próximos aos seus postos originais de comercialização, bem como vêm sendo
conjuntamente discutidas alternativas que conciliem o seu direto de trabalhar com os
aspectos mais gerais da cidade como um todo.
O Programa de Geração de Emprego e Renda tem se destacado particularmente por
desenvolver ações articuladas com o Programa Bolsa Escola, que é dirigido essencialmente
para famílias que, entre outros requisitos, estejam em situação de pobreza. O trabalho de
formação junto às famí-lias que fazem parte do programa é desenvolvido segundo a
metodologia de capacitação maciça1 , que essencialmente visa despertar a consciência
crítica e organizativa como fundamento principal para transformar o cidadão não somente
num simples detentor de uma habilidade profissional adquirida no curso por ele indicado,
mas também num empreendedor com formação associativista.
Os cursos de capacitação massiva em Belém, diferentemente das demais
experiências, têm público organizado previamente por uma motivação que, para o
Governo do Povo, é central: as crianças cujas famílias recebem bolsas de 1 salário mínimo
durante dois anos têm direito à escola, à saúde, ao lazer. Para tanto, não devem voltar para
as ruas para gerar o seu próprio sustento. O curso é, então, dirigido às suas famílias. Ao
final do curso, as famílias organizam-se em empresas na forma de cooperativas ou criam
empreendimentos individuais que, com a assistência de técnicos do governo e apoio
creditício do Banco do Povo, desenvolvem-se, criando condições de gerir os seus próprios
negócios.
Como diretriz de governo, às cooperativas formadas durante o curso é concedido o
direito de uso, para fins de prestação de serviços, dos logradouros públicos recuperados
e/ou construídos pelo município. São serviços distintos, como administração de
estacionamento, venda de comidas típicas e serviços de restaurante em locais, como a
Praça do Pescador no Ver-O-Peso, a Praça Waldemar Henrique, o Projeto Ver-O-Rio na
orla de Belém, o Mercado de São Brás, importante prédio histórico no centro da cidade,
entre outros, além de serviços prestados diretamente ao governo municipal nas áreas de
limpeza, alimentação e outros. Essas cooperativas também têm seus membros contratados
por setores da sociedade civil, como é caso do Condomínio Participativo da Av. João
Alfredo (principal avenida do centro comercial de Belém, localizado no centro histórico da
cidade), uma experiência de gestão compartilhada com o governo que vem de forma
inovadora se ampliando para outras áreas em Belém.
Quanto à intermediação de mão-de-obra para prestação de serviços autônomos à
sociedade, esta ocorre por meio da Central de Trabalhadores Autônomos, que, assim como
o processo de qualificação profissional das famílias da Bolsa-Escola, conta com a
participação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).
A preocupação quanto à manutenção e geração de emprego e de renda é uma
constante nas ações de governo. Por isso, todos os passos são dados com elevado nível de
integração entre os órgãos e com efetiva participação popular. Desse modo, as
intervenções nos logradouros públicos devem sempre considerar os atores econômicos,
sociais e políticos (feirantes, ambulantes, empresários, sindicatos, associações etc.), que, de
uma forma ou de outra, têm diferentes interesses naquele espaço. É importante destacar a
relação estabelecida com os trabalhadores do comércio informal (feirantes e ambulantes),
na qual o diálogo e o debate de propostas têm sido as ferramentas fundamentais para
compatibilizar o interesse maior da cidade com o interesse particular de cada um.
No caso das feiras e dos mercados públicos, a situação estabelecida historicamente
remete para um certo dilema. Esses equipamentos, que a princípio têm a função principal
de abastecimento alimentar, com o decorrer do tempo, sofreram um processo de
deterioração, caracterizando-se como espaços onde um número excessivo de pessoas
busca prioritariamente os meios de sobrevivência, com baixa competitividade. Essa
situação nos impõe um grande desafio, que é promover o reordenamento das feiras, a
qualificação do serviço de abastecimento, preservando os postos de trabalho. Nesse
sentido, a participação dos feirantes tem sido primordial para o desenvolvimento de ações
de sensibilização e formação desses espaços para a função que eles exercem perante a
sociedade, respeitando o ordenamento do espaço público, a padronização e a higienização
dos equipamentos.
Exemplos de sucesso dessa forma de atuar podem ser verificados em Belém. É o caso
das Praças do Operário, Batista Campos e Brasil, da Feira e Mercado do Guamá, do
Complexo do Jurunas, do Mercado de São Brás, do Ver-O-Peso, da Av. Augusto
Montenegro, dos Complexos do Entroncamento e de São Brás, entre outros, áreas que vão
do centro a bairros mais afastados.
Novo desafio impõe-se para um governo que define suas ações de forma estratégica,
apontando para o futuro, em que todos devem ter acesso ao trabalho, por direito:
intensificar e ampliar o apoio a esses grupos, que não dispõem sequer de canais de
interlocução com o mercado de trabalho, que lhes permitam obter renda e trabalho. Urge
ainda o desenvolvimento de outros projetos de intervenção mais global na economia, para
consolidar a linha de atuação adotada pelo Governo do Povo: a formação profissional, o
acesso ao crédito, o acompanhamento técnico do processo de comercialização e
intermediação da prestação de serviços de trabalhadores autônomos.

1
concebida pelo Sociólogo Clodomir Santos de Morais

A POLÍTICA DE TURISMO PARA A CIDADE


DE BELÉM: PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA

O turismo foi definido pelo Governo do Povo como uma das principais políticas a
serem implementadas durante os quatro anos de governo, que teve início em 1997. Sabia-
se que a tarefa não seria fácil, mas o desafio e a coragem de iniciar esse processo fizeram
com que a equipe de governo, de imediato, tivesse como diretriz a participação popular, a
sustentabilidade dos recursos, conciliando o desenvolvimento sócio-econômico e a
preservação ambiental. Assim, como todos os projetos propostos pelo Governo do Povo, o
turismo também trouxe a inversão de prioridades1 , como um de seus princípios, um dos
principais entre eles, pois até aquele momento, além de não se ter uma política de turismo
do município, predominava uma visão de turismo elitista, que não privilegiava o acesso
dos segmentos mais carentes a equipamentos e espaços que lhes proporcionassem lazer.
O turismo no Governo do Povo relaciona-se com as políticas públicas em geral,
segundo as quais cada ação de governo visa à valorização da cidade, dos espaços públicos,
de elementos da identidade cultural que fazem com que a cidade volte a se reconhecer,
volte a vivenciar experiências de reencontros com espaços antes abandonados e
degradados. O turismo articula-se com o trabalho, com o lazer, com a educação, com a
recuperação de vias, com o transporte, com a recuperação do patrimônio histórico, com a
informação, enfim, ao tornar a cidade mais digna e integrada do ponto de vista do acesso,
o Governo do Povo vai recriando uma cidade não apenas para os que vêm de outros
lugares, mas para quem nela vive.
A auto-estima de um povo é que faz com que outros povos desejem conhecê-lo e não
apenas pelo que pode ter de exótico, por morar na Amazônia, mas por viver e viver bem,
com alegria e com a certeza de estar construindo uma cidade mais justa, solidária.
Construção que se dá nos diversos fóruns de decisão sobre os destinos da cidade.
Ao se decidir realizar uma obra ou ação de outra natureza no Orçamento
Participativo, por exemplo, não define a rigor se é turismo. Contudo, um projeto de
intervenção urbana na orla, como o Ver-o-Rio, que incorpora famílias pobres nos espaços
de comercialização, que recupera uma área antes inacessível a qualquer cidadão e que cria
condições infra-estruturais de lazer, de afirmação de valores culturais expressos na
arquitetura e em momentos da história da cidade ali registrada, é sem dúvida, uma
intervenção turística da maior importância e fiel ao princípio acima abordado. Toda a
política de turismo desenvolvida pelo Governo do Povo busca, portanto, a inclusão, a
formação e a geração de emprego e renda para a cidade mediante o exercício de cidadania.
É o Turismo, enquanto fator de desenvolvimento econômico, social e político.
Sendo assim, implantamos programas importantes, que foram inclusive premiados
no Encontro das Mercocidades em Florianópolis (SC), a saber: “Programa Táxi Turismo” e
“Turismo Cidadão”.
O programa “Táxi Turismo” objetiva formar o profis-sional taxista, fazendo-o
conhecer sua cidade para melhor desenvolver o seu valioso trabalho de receber, de
apresentar a cidade ao visitante ou ao belenense da melhor forma possível. Além disso,
ampliando os conhecimentos dos taxistas, o programa desperta seu interesse pela
preservação de sua cultura. Esse programa de valorização do profissional, além de
proporcionar o acesso aos bens culturais da cidade, tem despertado o interesse de outras
cidades, como Curitiba (PR) e Santarém (PA), que pensam adotá-lo. Até o momento, a
BELEMTUR, juntamente com a CTBEL e o SEBRAE realizaram atividades de formação
com aproximadamente 200 taxistas; a meta é atingir 50% da frota de Belém.
O Turismo Cidadão é um projeto direcionado ao servidor público municipal,
proporcionando o acesso do mesmo aos equipamentos e estabelecimentos de lazer e
entretenimento, mediante financiamentos e descontos aos cadastrados no Programa. Já
atingiu, com isso, cerca de 10% dos servidores e conta com 54 estabelecimentos
credenciados, criando uma rede de investimentos importante para Belém e para o Estado
do Pará.
É claro que, com a reativação da Companhia Municipal de Turismo em 1997, a
demanda reprimida pelo turismo foi crescendo. Atualmente, não são atendidas apenas as
demandas do empresário, mas também as demandas dos moradores dos bairros que
buscam conhecer mais sua cidade. Essa construção se dá por meio de projetos que
envolvem idosos, crianças e adolescentes, juntamente com entidades da sociedade civil e
empresas, como associações de artesãos; centros comunitários, associação de feirantes;
associação de garçons, Sindicato de Trabalhadores em Turismo, empresa de pesquisa de
opinião, entre outras.
A grande pergunta que se fazia no início era “como iniciar uma política de turismo
se a Cidade de Belém nem ao menos possui um órgão ou setor competente para
desenvolver essa política?” Tínhamos certeza de que estávamos partindo do zero,
principalmente, porque a letargia do setor era evidente.
A discussão em torno do turismo é muito recente, isso enquanto política que pode
gerar o desenvolvimento sócio-econômico de uma cidade, falando-se em termos de Brasil
e, principalmente, em âmbito regional.
No Estado do Pará, mais precisamente em Belém, essa discussão inicia na década de
70, com a implantação de alguns programas e planos propostos pela esfera governamental,
porém o fomento foi tímido, sem uma política capaz de propor mudanças na economia
local.
O município de Belém, durante seus 382 anos, até 1997, teve sua política de turismo
resumida à criação e à desativação de órgãos e setores que não conseguiram se estabelecer
enquanto articuladores e responsáveis por um programa mínimo de turismo na cidade.
Em 1997, o Governo do Povo assumiu o compromisso de não apenas reativar o
órgão de turismo criado em 1986, a BELEMTUR – Companhia de Turismo de Belém, mas
também de fazê-lo assumir seu papel de gestor público da política de turismo para o
município de Belém, atitude que foi aprovada por unanimidade pelo trade turístico da
cidade.
O Governo do Povo criou um marco divisor na história do turismo da cidade. A
reativação da BELEMTUR, sua estruturação física e de pessoal, representou a primeira
ação contundente para que o turismo em Belém começasse a fluir com esperança e
sensatez.
A ação do Governo do Povo deu-se principalmente a partir do programa de governo
definido durante as discussões em seminários preparatórios ao programa, com
representação de entidades e demais interessados em discutir o turismo na cidade. O
desafio era começar a criar as condições para que aquela letargia acabasse.
O processo teve início com a municipalização do turismo, com a participação de
Belém no Programa Nacional de Municipalização do Turismo, nas oficinas de
municipalização, na elaboração do Plano Municipal de Turismo, na criação do Conselho
Municipal de Turismo e na apresentação de relatórios de avaliação anual à EMBRATUR -
Empresa Brasileira de Turismo. Esse foi um passo importante para elevar Belém a pólo
turístico consolidado, classificação adotada pela Embratur, e permitir-lhe o acesso a
recursos para construção de infra-estrutura turística na cidade, pois, a partir de então, a
liberação dos recursos foi condicionada à municipalização. Ainda é importante ressaltar
que a criação do Conselho Municipal de Turismo proporcionou a participação mais ampla
do segmento do turismo nas definições dos projetos e ações do município, além de efetivar
a participação popular num conselho paritário com 12 membros (sociedade civil
organizada, escolhidos em fórum amplo de discussão, e 6 do poder público municipal).
Com a municipalização, a cidade de Belém passou a ter condições de assumir a
coordenação política do turismo, organizando as entidades e criando canais de discussão
com as mesmas, com o objetivo de construir uma política representativa, que respeitasse
os anseios de toda a sociedade, além de contribuir para o fomento de uma nova cultura
política, a da participação, e não a do clientelismo.
Tendo esse primeiro processo como base, pode-se afirmar que, desde 1997, o turismo
começou a fazer parte do cotidiano da cidade, despertando na população o interesse de
saber mais sobre essa atividade.
O planejamento do turismo foi iniciado e com ele vieram projetos e programas que
estão em desenvolvimento, demonstrando que a vontade política e o compromisso com o
fazer acontecer são fundamentais para mudar situações estagnadas. O marketing turístico
é um exemplo. Hoje, Belém possui instrumentos de divulgação fundamentais e de
abrangência extralocal, assim como condições de receber o visitante, tais como mapa
turístico, cartazes, guias da cidade, revistas, home-page, mala direta constante aos
mercados emissores, vídeos e outros materiais de divulgação, além de ações como o
retorno de Belém às principais feiras de turismo do Brasil, como a da ABAV – Associação
Brasileira das Agências de Viagens e Turismo. Com essas ações, hoje temos consultas
constantes via cartas, fax e home-page que chegam das principais operadoras de turismo
interessadas em divulgar e incluir Belém em seus roteiros, solicitações estas do Brasil e do
exterior.
A construção de um terminal fluvial turístico sempre foi o sonho de todos os que
operam o turismo receptivo na cidade. Em 1998, o projeto foi enviado à EMBRATUR com
o objetivo de captar recursos do Orçamento Geral da União – OGU. Com os recursos
obtidos e a contrapartida da Prefeitura, Belém, em 1999, no seu aniversário, a cidade foi
presenteada com o primeiro terminal fluvial turístico da região norte, com capacidade
para 12 embarcações ancoradas, além das que o utilizam apenas como embarque e
desembarque. O projeto devolveu à população de Belém e precisamente do bairro da
Condor, tradicional na periferia da cidade, uma praça totalmente recuperada que hoje é
um dos principais espaços de lazer da cidade.
Ainda nessa perspectiva de dinamização, internalização, a BELEMTUR implantou o
sistema dos Postos de Informações Turísticas na sua sede e nos principais portões de
entrada da cidade, como aeroporto, terminal rodoviário, terminal fluvial e Ver-o-Peso.
Esse é um serviço importante para quem chega à cidade; é um ponto de referência para o
visitante e para a população de Belém. Existem 05 postos de informações turísticas, com
funcionamento diário.
No turismo de eventos, a BELEMTUR incentivou e articulou juntamente com o trade
turístico a criação do Belém Convention e Visitors Bureau, fundação sem fins lucrativos,
que trabalha no sentido de captar eventos para a cidade. Participamos do Conselho
Curador do Conventions, além do apoio às ações que o mesmo desenvolve para fomentar
a ação de captação. O turismo de eventos apresenta-se como uma grande alternativa para
Belém, gerando a cada evento aproximadamente 200 empregos diretos.
Seria possível apresentar um leque imenso de ações específicas da empresa
BELEMTUR relativas ao ecoturismo, ao turismo cultural, à capacitação dos profissionais
atuantes no turismo e à sinalização turística que terão início ainda no ano de 2000, mas
este ensaio não se destina a este fim propriamente. Não é tarefa fácil estruturar um órgão
e, ao mesmo tempo, desenvolver um projeto de turismo para uma cidade, mas a
experiência é vitoriosa a despeito dos desafios ainda a enfrentar.
É importante ressaltar que as ações foram realizadas de forma articulada, contando
com a participação de integrantes das esferas municipal, estadual, federal e da iniciativa
privada. O município de Belém possui um projeto de turismo que visa o seu
desenvolvimento para além de uma gestão, de um governo. Os recursos estimados não
são poucos. Por isso, deve se intensificar todo esforço de captação para aumentar a receita
da BELEMTUR e lançar mão de investimentos de diversos setores, consolidando-se uma
visão articulada entre as políticas públicas, para atingir a plena execução dos projetos
propostos no programa de turismo do Governo do Povo.
A política de turismo em desenvolvimento no município, apesar de ter sido
discutida amplamente na Conferência Municipal de Turismo em 1998, passa
constantemente por avaliações e, quando necessário, recebe as alterações, porém mantém-
se fiel a seu princípio de participação popular e ao compromisso de proporcionar o
desenvolvimento sócio-econômico sem provocar degradação. Seu objetivo é tornar
acessíveis os equipamentos de entretenimento e lazer aos mais excluídos, além de gerar
emprego e renda ao município de Belém.
O Governo do Povo iniciou a tarefa principal, que foi trazer à tona a discussão em
torno da necessidade da construção de um projeto de turismo para a cidade de Belém,
motivando os profissionais da área e a população em geral a reverter o marasmo reinante
antes de 1997.
É por isso que acreditamos que os desafios estão postos e serão vencidos com a
participação e o compromisso de todos os que acreditam no turismo como uma das
condições para o desenvolvimento da cidade de Belém.
1
“Inverter prioridades significa pôr em prática um projeto de desenvolvimento que assuma
a questão social como o principal desafio de governo. Operando uma ruptura com padrões
de governo que privilegiam as elites locais, a ênfase passa ser o atendimento das parcelas
mais carentes da população. A prioridade deste projeto de desenvolvimento é a melhoria da
qualidade de vida destas parcelas mais carentes”. In: FRENTE Belém Popular – Programa
de Governo. Belém,1996.

COMPROMISSO E DETERMINAÇÃO
NA MELHORIA DA CIRCULAÇÃO E DOS
TRANSPORTES DE BELÉM:
TRANSPORTE MAIS HUMANO

Os problemas relacionados à circulação, em grande parte, são vinculados ao próprio


padrão de construção das cidades. E para enfrentar o desafio de humanizar as cidades no
que diz respeito ao transporte, é preciso reafirmar que a aparente “igualdade” na
circulação é falsa. Particularmente em Belém, o tratamento dado anteriormente aos
pedestres, motoristas e ciclistas sempre priorizou as viagens do automóvel.
O Governo do Povo, ao inverter prioridades, reconhecendo o direito de todos,
propôs um processo integrado com a sociedade, de criação de um novo espaço urbano, em
que são priorizados três papéis do cidadão: o pedestre, o ciclista e o usuário do transporte
público (ônibus, microônibus, táxis e bicicletas). Priorizamos, assim, os 53% da população
que se movimentam através dos ônibus e os 30% que viajam a pé.
O princípio de democratização da gestão do transporte na cidade passa pelo
aumento da acessibilidade e mobilidade para o conjunto da população. Significativa
parcela das linhas de ônibus promove a ligação entre bairros da cidade, numa concepção
de linhas integradoras e que se inserem na meta de implantação do sistema troncal, em
oposição a uma situação anterior em que as viagens se realizavam via centro,
prevalecendo o sentido bairro/centro.
A política de intervenção na cidade é concebida no contexto da Marca de Governo
“Transporte Humano”, que ao priorizar o direito de ir e vir de todos os cidadãos, articula
transporte e trânsito por meio de ações planejadas e integradas de acordo com a visão da
totalidade das necessidades humanas, como lazer, trabalho, escola e todos os demais
aspectos particulares dos diversos grupos sociais que constroem a cidade, como os
portadores de necessidades especiais, os idosos, as crianças.
Os equipamentos de controle de ultrapassagem do sinal vermelho e de excesso de
velocidade, batizados de “araras” e “bem-te-vis”, respectivamente, agregam a isso
também a marca da vida.
Mas que cidade é esta? Não é uma cidade qualquer, é Belém, com cultura própria,
com uma história de resistência que não pode ser esquecida. E que interage com os demais
elementos da vida cotidiana, como tem sido o preceito em todas as ações do Governo do
Povo.
A utilização de elementos da arte marajoara no adorno dos ônibus e na sinalização
horizontal dos cruzamentos, além da inserção de monumentos históricos nos lay outs dos
microônibus (os “curumins”), visa à afirmação da cultura local. Outro elemento central é a
transparência dos processos decisórios que vieram quebrar velhas regras de favoritismo.
A política de trânsito em Belém baseia-se assim em 4 eixos: a melhoria da qualidade
do transporte, a reorganização do trânsito, a participação popular e o resgate da empresa
pública.

Melhoria da qualidade do transporte coletivo

Um aspecto fundamental para a melhoria da qualidade do transporte coletivo é a


necessidade de reestruturação da sua rede de transporte a partir da prioridade ao tráfego
geral, mas um transporte coletivo de qualidade e para todos, contribuindo assim para o
aumento da acessibilidade da população ao serviço.
A implantação das linhas de “ônibus 24 horas” e a introdução de ônibus adaptados
com elevadores para portadores de dificuldade de locomoção, antigas reivindicações dos
belenenses, caracterizam-se por maior acessibilidade no transporte urbano. Deve ser
perseguida a idéia de atrair usuários do carro particular, de modo a reduzir os impactos
do seu uso na circulação e na qualidade ambiental, mas oferecendo-se serviços
diferenciados, como a implantação do transporte seletivo por microônibus.
Na experiência de um governo com opção pela maioria da população excluída,
grande destaque foi dado às regiões mais periféricas da cidade. A orientação tem sido
romper com práticas sedimentadas, como o monopólio de empresas, preços diferenciados
para o mesmo serviço, destacando-se ações de quebra de exclusividade de duas linhas há
décadas sob controle de uma única empresa que ligava dois extremos da cidade - Icoaraci
e Outeiro - e nivelamento de preços de passagens no município, processos estes efetivados
com amplo apoio popular e deliberados em audiência pública, após anos de uma ação
discriminatória que só beneficiava as empresas. Os moradores e visitantes da ilha de
Mosqueiro, a vila-balneário mais freqüentado do município, passam também a dispor de
um transporte para Belém a um preço equivalente aos praticados na cidade como um
todo. A materialização desses princípios expressa-se também em investimentos infra-
estruturais, como terminal hidroviário nas ilhas, de modo a oferecer maior conforto e
dignidade aos seus moradores e aos usuários que buscam lazer e diversão.
Não menos importante para a gestão do trânsito é o controle da operação privada do
transporte público, mediante procedimentos administrativos e operacionais, recursos
tecnológicos, renovação da frota, formação de pessoal, constituição de esferas públicas, em
que sociedade e governo exerçam juntos o controle social dos serviços públicos, como, por
exemplo, a implantação do Conselho Municipal de Transporte.
Reorganização do trânsito

A política de circulação do Governo do Povo evidencia-se como uma reação à cidade


planejada para o automóvel. Propõe um processo de reapropriação da cidade em doses de
cidadania e democracia.
Como ir e vir em Belém? Cerca de 30% das viagens se realizam a pé. Portanto, o
pedestre, como elemento mais frágil do sistema de trânsito, deve ter prioridade máxima
no uso do espaço viário, resgatando assim o espaço perdido para o automóvel. Entretanto,
em relação ao tráfego motorizado em geral, o transporte coletivo deve ser priorizado em
relação ao transporte individual motorizado.
Essa iniciativa de humanização da cidade passa também pela redução dos acidentes
de trânsito. Mas não tem sido fácil inverter a lógica individualista em favor da grande
maioria dos cidadãos belenenses. É o desafio de transformar a cultura predominante numa
sociedade em que uns se deslocam de carro, enquanto a maioria sequer pode sair de sua
casa, quando a tem. A cidade, que é construída por todos, de classes distintas, pode ir
transformando-se rumo a uma sociedade igualitária, fora dos marcos do capitalismo.
Atualmente, Belém não é a cidade que mais perde vidas em acidente de trânsito no Brasil,
pois conseguimos reduzir esse terrível índice em 50%, em três anos de trabalho intensivo.
Os resultados obtidos a partir de 1997 decorrem de uma ação integrada. A educação
para o trânsito, o reforço na sinalização, a municipalização do trânsito e as medidas de
fiscalização têm se mostrado como ações fundamentais ao lado da abertura de novas vias
de acesso, como é o caso da obra em curso de construção da Av. Primeiro de Dezembro,
que propiciará à Belém uma outra concepção de circulação, baseada no equilíbrio entre a
necessidade de deslocamento e o desenvolvimento sustentável. Ressalte-se ainda a
recuperação de vias estruturais da cidade, há décadas degradadas e que vinham
contribuindo para a desorganização e insegurança no trânsito.

Participação popular

A participação popular tem sido a marca do Governo do Povo. Diversos fóruns de


participação popular foram estabelecidos, importantes para a mediação com a sociedade
civil e também para a avaliação da eficácia das ações desenvolvidas. As ações relativas ao
transporte e ao trânsito foram precedidas de audiências públicas, e outros instrumentos de
participação têm sido implementados com funções fiscalizadoras, reguladoras e
deliberativas sobre a política de trânsito do município, o que também se traduziu em
termos político-institucionais na criação do Conselho de Transporte do Município de
Belém (Lei nº 7.873 de março de 1998). Em outro fórum de discussão sobre a política de
trânsito, a I Conferência Municipal de Trânsito e Transporte do Congresso da Cidade,
iniciada com seminários distritais preparatórios e eleição de delegados pelos participantes,
também ocorre o processo de deliberação sobre as diretrizes da política de trânsito e
transportes do município de Belém.
É na perspectiva de apropriação coletiva dos rumos que a cidade vai tomando,
pautada por princípios de ruptura com os padrões de exclusão vigentes, que o Governo do
Povo vem implementando o programa de transporte e trânsito do município de Belém,
desde 1997, a partir do Programa de Governo da Frente Belém Popular. O objetivo é
inverter a lógica vigente, priorizando o pedestre e o transporte coletivo, apontando para
um redirecionamento da política de mobilidade. Tudo isso tem sido permanentemente
discutido com a cidade.
Resgate da empresa pública

Nosso objetivo foi o de construir uma nova Companhia de Transporte do Município


de Belém (CTBel), uma empresa que efetivamente gerencia o sistema municipal de
transporte e trânsito, torná-la um referencial de empresa moderna, eficiente e eficaz.
Finalizando, podemos concluir que nossa experiência — o início daquilo que
queremos para Belém — é vitoriosa. De um planejamento realizado em gabinetes, por
alguns, quando realizado, passou-se para um processo participativo, enriquecido pela
visão tecnopolítica e pela maior integração entre órgãos e equipes. O novo modelo
gerencial implantado pela Prefeitura Municipal de Belém é um dos caminhos para atingir
o anseio popular, otimizar recursos, integrar órgãos e alcançar a missão da gestão pública:
a melhoria da qualidade de vida para todos.
Em cada projeto realizado para alcançar e consolidar o desafio de um transporte
humano em Belém, o direito à cidadania vai se tornando uma referência concreta,
apontando para a transformação da utopia em realidade na cidade de Belém.

A POLÍTICA DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR


ADOTADA NA REDE DE ENSINO MUNICIPAL,
FEDERAL E FILANTRÓPICA DE BELÉM

A política econômica adotada no país, em que o compromisso maior é pagar juros da


dívida externa, saldar compromissos com o Fundo Monetário Internacional (FMI),
embutidas as privatizações, a concentração das riquezas nas mãos de poucos, a reforma
previdenciária, tributária e administrativa, tem servido para aumentar a cada ano as
dívidas sociais com o povo brasileiro, dívidas essas com danos irreparáveis, uma vez que,
ao deixar de investir no desenvolvimento do país, contribui para o desemprego, a fome, a
exclusão social, tira o direito do povo de ter acesso aos bens e serviços que lhe garantam
uma vida digna. No contexto da política educacional do município coordenada pela
SEMEC, a alimentação escolar é compreendida como direito, como exercício de cidadania.
Na área social mais especificamente, um dos reflexos dessa política se faz sentir no
Programa de Alimentação Escolar, que sofreu com a diminuição dos recursos financeiros a
ele destinados. O governo federal reduziu de R$ 0,13 para R$ 0,06 o valor dos recursos
repassados por aluno.
O quadro que prevalecia no município, ao assumirmos o governo municipal, era
uma realidade com crianças e adolescentes sem alimentação regular na escola, infra-
estrutura de suporte ao programa insuficiente, o que contribuía para os danos causados à
população escolar, entre eles a evasão e a repetência.
Um dos compromissos do Governo do Povo é superar o mero assistencialismo e
buscar a qualidade de vida do cidadão. Assim é que a Fundação Municipal de Assistência
ao Estudante (FMAE) redefiniu metas em seu planejamento estratégico e, com o Conselho
de Alimentação Escolar, definiram novas diretrizes que consolidaram o Programa de
Alimentação Escolar (PAC) no município. Essas diretrizes, ressalte-se, estão vinculadas às
políticas estabelecidas para a educação no município, com a preocupação constante de
melhorar e garantir a qualidade da alimentação servida nas escolas municipais, como um
direito e não como um mero atrativo à freqüência. Assim, a partir de diretrizes gerais, foi
sendo implementado o referido programa.

Municipalizar os recursos destinados


ao PAE e democratizar a gestão

Em 1993, foi definida em lei federal a descentralização dos recursos destinados ao


Programa de Alimentação Escolar. Essa descentralização, por não ser obrigatória, teria de
ocorrer por adesão do município interessado. Belém foi a última capital brasileira a aderir
a esse processo, o que ocorreu somente em setembro de 1997, no Governo do Povo.
A municipalização do Programa de Alimentação Escolar foi um passo decisivo na
garantia da melhora da alimentação escolar, pois, além de democratizar a execução do
programa e permitir total transparência na utilização dos recursos, possibilita ao
município elaborar os cardápios a serem oferecidos aos alunos e, conseqüentemente,
incorporar alimentos in natura , tendo, assim, a possibilidade de preservar os hábitos
alimentares das crianças e fornecer alimentação de qualidade.
A democratização do programa a que nos referimos está presente em todo o
processo de execução, da elaboração do cardápio à prestação de contas, que são
submetidos à apreciação e à decisão do Conselho de Alimentação Escolar, que tem
funcionamento regular a partir do Governo do Povo e é constituído por representantes da
Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), da Associação de Pais e Alunos, da
Associação Comercial do Pará, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do
Pará (SINTEP) e da Fundação Municipal de Assistência ao Estudante, esta responsável
pela política de alimentação escolar no município.

Respeitar os hábitos alimentares dos estudantes


com a incorporação de alimentos in natura

A base da alimentação escolar era os alimentos formulados. O Governo do Povo, por


intermédio da FMAE, decidiu por introduzir os produtos in natura na alimentação escolar,
o que constituiu um enorme desafio, visto que os recursos repassados pelo Governo
Federal através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
encarregado desse repasse, caíram de R$0,13 para R$0,06, per capita, como já mencionado.
Essa opção possibilita respeitar os hábitos alimentares da região, subsidia discussões
em sala de aula acerca de alimentação, higiene, saúde, produção, integrando a alimentação
ao processo pedagógico da escola e garantindo a produção e comercialização para os
produtores regionais, já que os produtos devem ser adquiridos na própria região,
proporcionando maior circulação de renda e geração de empregos.

Integrar a alimentação escolar ao processo


educacional, transformando-a em uma das
atividades pedagógicas desenvolvidas na escola

A alimentação na escola era vista como uma atividade extraordinária em relação ao


conjunto das atividades da escola. Assim, a decisão de fazer ou não a merenda era
aleatória, o que implicava grandes desperdícios de produtos estocados. Quanto ao preparo
e à guarda dos alimentos, verificava-se que a alimentação escolar não se inseria no
processo pedagógico da escola.
Dar outro enfoque a esse processo era necessário. Assim é que, mesmo até
adquirindo, nos primeiros momentos, gêneros com recursos próprios do município, não
permitimos que faltasse um dia sequer alimento nas escolas. Com o gerenciamento do
PAE, temos observado uma mudança significativa por parte das escolas, que assumem
como compromisso a alimentação das crianças, desde a sua confecção até o servir.
Isso foi conseguido mediante um trabalho de orientação aos manipuladores de
alimentos acerca da confecção dos cardápios e distribuição desse alimento às crianças e
supervisão desse trabalho desenvolvido sistematicamente pela FMAE, em visitas às
escolas, ocasião em que são observadas as condições higiênico-sanitárias das cozinhas e
depósitos, e dadas orientações acerca da correta utilização dos gêneros da alimentação
escolar. A comunidade escolar, hoje, tem uma outra visão acerca do papel da alimentação
escolar enquanto parte integrante do processo pedagógico da escola, com repercussão na
formação das crianças e na qualidade da alimentação servida nas escolas, com crescimento
do consumo de perecíveis, como frangos, ovos, verduras e legumes, com garantia de seu
total aproveitamento.
A administração de forma ampliada, com o Conselho, servidores, permitindo o
acesso à informação acerca do conjunto de ações da FMAE, resultou numa relação de
confiabilidade, no fortalecimento de compromissos, que vai dos técnicos que acompanham
o programa aos servidores que atuam na carga e descarga. Não existe mais a figura do
conferencista que era a pessoa responsável por acompanhar o transporte dos alimentos. Os
próprios servidores da carga e descarga abastecem os caminhões, fazem a entrega nas
escolas, tudo de acordo com o previamente estabelecido.
A interação com as escolas e com outros grupos de estudantes atendidos na rede de
alimentação escolar ultrapassam, portanto, a distribuição e o controle da qualidade de
alimentos. Materializa-se também em projetos, como: “Verde na Escola”, que objetiva
incentivar a comunidade escolar a cultivar espécies hortícolas, visando à melhoria da
qualidade da alimentação escolar e à construção de novos hábitos alimentares; “Educação
Nutricional”, projeto desenvolvido com palestras, teatros, jogos, que tem a finalidade de
esclarecer a clientela escolar sobre o valor nutricional dos alimentos e a importância da
alimentação escolar; “Formação dos Manipuladores de Alimentos”, projeto desenvolvido
na sede da FMAE, ao longo do ano, que capacita os manipuladores de alimentos
(merendeiras e orientadores de programa) para a confecção e distribuição dos alimentos
aos estudantes; “Controle de Qualidade dos Alimentos” realizado pela UFPA, conforme
estabelecido pela FMAE, autoriza a aquisição dos gêneros somente após terem sua
qualidade atestada; “Censo Altura/Idade”, que consiste em fazer um diagnóstico da
situação nutricional das crianças que estão ingressando no ensino fundamental.
Acreditamos que, após o término do I Censo Altura/Idade, a FMAE, de posse do perfil
dos estudantes, terá condições de intervir nas áreas críticas apontadas por ele.
Com ações conjuntas SEMEC/FMAE hoje é visível que o PAE Municipal, que atende
45.198 crianças e adolescentes da rede municipal, 4.300 da federal, 8.255 das entidades
filantrópicas, 5.571 dos Anexos da Escola Bosque nas ilhas, 2.817 das Creches, num total de
66.141, contribuiu para o fortalecimento da educação municipal e, conseqüentemente, para
a mudança da cara de Belém, tornando-a uma Belém mais feliz, mais solidária, com auto-
estima elevada, atendendo, assim, ao grande desafio de dar um futuro às crianças, aos
adolescentes e, enfim, à cidade.
É importante ressaltar que não são apenas as crianças e adolescentes que têm direito
à merenda escolar, como também os adultos do Programa de Alfabetização de Adultos do
Município.
ESCOLA CABANA: CONSTRUINDO UMA
EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA E POPULAR

A vitória da proposta da Frente Belém Popular em Belém representa a vitória de


todos aqueles que lutam em prol da materialização de princípios, concepções e valores que
são eixos basilares de um projeto político, que tem como compromisso a defesa
intransigente da cidadania para as camadas populares historicamente excluídas do acesso
aos bens materiais e culturais. Assim, a gestão do Governo do Povo é uma demonstração
clara de que é possível mudar a lógica que tem orientado as políticas públicas nesses
quinhentos anos de colonização e subordinação do Brasil aos interesses imperialistas, que
têm como conseqüência o aprofundamento da exclusão social.
Para cumprir o desafio de Dar um Futuro às Crianças e aos Adolescentes de Belém, o
Governo do Povo, por intermédio da SEMEC, construiu o Projeto Político-Pedagógico da
Escola Cabana, a partir de uma concepção de educação sintonizada com o projeto de
emancipação das classes populares, de formação de cidadãos críticos pautada nos
princípios da inclusão social e da construção da cidadania, tendo como diretrizes básicas a
democratização do acesso e a permanência com sucesso na escola, a gestão democrática do
Sistema Educacional, a qualidade social da educação, a valorização do profissional da
educação e, acima de tudo, a construção de uma educação libertadora.
Esse projeto é resultado de uma opção política por uma concepção de educação e
construiu-se em um intenso processo de reflexão coletiva. É produto de uma relação
estabelecida entre a Secretaria Municipal de Educação e o conjunto dos atores sociais que
fazem e vivem a educação municipal. Foram os professores, os técnicos, os servidores, os
pais, os alunos que, participando de ações coletivas, como jornadas pedagógicas, formação
continuada, fóruns e conferências de educação, seminários, plenárias e debates,
envolveram-se num processo dinâmico e rico de ação-reflexão-ação que lhes permitiu
formular e reformular preceitos educacionais para avançar na perspectiva de uma ação
político-pedagógica voltada para a construção da democracia social, política, econômica e
cultural. Esse projeto resgata o movimento revolucionário e popular da Cabanagem,
retomando o caráter desse movimento de sonho dos nossos antepassados que lutaram
contra o colonialismo e a opressão, afirmando-se entre a população belenense, diante deste
País mergulhado nas ondas do neoliberalismo. Esse projeto se constrói no cotidiano,
caracterizando-se por ser um espaço:
• aberto à participação de todos os segmentos da comunidade escolar na elaboração
e implementação do projeto político-pedagógico, por meio da gestão democrática,
reconhecendo o Conselho Escolar como instância máxima de participação da escola e a
eleição direta de diretores como instrumento fundamental da gestão;
• onde as diferenças não são objeto de discriminações, garantindo-se a igualdade de
oportunidades de aprendizagem para todos, possibilitando a inclusão no processo escolar,
de setores freqüentemente excluídos, como os portadores de necessidades educativas
especiais (PNEES), os analfabetos, os jovens e os adultos trabalhadores e as crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal e social;
• de formação no sentido pleno de socialização da cultura de nosso povo,
incorporando as dimensões da arte, do esporte e do lazer como parte do processo de
formação para a cidadania;
• de valorização dos profissionais da educação mediante um programa de formação
continuada para toda a rede escolar, que reconhece a escola como locus privilegiado dessa
formação e institucionaliza o momento de estudo e de planejamento como parte da
jornada de trabalho do professor;
• onde se respeitam os tempos e ritmos diferenciados de desenvolvimento e
aprendizado dos educandos, organizando-se o ensino em ciclos de formação, em que o
currículo se estrutura para garantir a formação plena dos sujeitos trabalhando o
conhecimento na perspectiva interdisciplinar como meio de superar a fragmentação entre
os campos de conhecimento, valorizando os saberes culturais inerentes à vida cotidiana
dos educandos. A avaliação processual tem caráter emancipatório, rompendo com a
função classificatória que tem contribuído para a exclusão de milhares de crianças das
escolas públicas.
Diversas estratégias têm sido implementadas para dar materialidade às concepções,
princípios, objetivos e valores da Escola Cabana.

Programa bolsa familiar para a educação - Bolsa Escola

O Programa Bolsa-Escola consiste em assegurar direitos universais às crianças e,


mais do que isso, é a materialização do sonho de uma sociedade igualitária, e seus
resultados desmontam os argumentos banais e preconceituosos próprios da sociedade de
classes, de que as oportunidades de uma vida digna existem, mas não contam com a
vontade individual de cada cidadão de aproveitá-las. Esse projeto rompe com valores
difíceis de serem enfrentados, que se encontram arraigados e expressam-se na convivência
banalizada com a mendicância, com crianças vivendo e trabalhando na rua, com a
estratificação seletiva do acesso a serviços básicos e ao exercício da cidadania. Enfim, o
Projeto Bolsa-Escola demonstra que, se uma medida compensatória, que garante um
salário mínimo mensal a uma família por um período de dois anos, articulada ao
atendimento de direitos básicos, é capaz de redefinir projetos de vida, o que poderia
resultar ao se transformar em princípio para toda uma sociedade e não apenas para um
governo que implementa um projeto nos marcos da sociedade vigente?
É tão desafiante e ao mesmo tempo revelador das contradições que tivemos que
estabelecer critérios de renda, de idade das crianças, de tempo de moradia na cidade. Esse
último critério, no entanto, não foi levado em consideração para que fosse possível retirar
da catação de lixo no aterro sanitário, por intermédio do projeto premiado “Sementes do
Amanhã” 1 , 700 crianças e 253 famílias de um município vizinho – Ananindeua. As
famílias assumiram o compromisso de manter crianças e adolescentes na escola e fora do
trabalho infantil. Numa cidade que, no início do Governo, contava com quase 100 mil
crianças fora da escola, 73 mil4 desempregados e um orçamento municipal de R$
362.530.022,00, a seleção dos participantes do projeto não foi tarefa fácil. A primeira
decisão de Governo foi vincular 1% desse orçamento ao Programa, sabendo-se dos limites
impostos para além de receita orçamentária, por uma sociedade de classes, na qual o
desemprego e outras seqüelas apenas crescem.
O início deu-se em áreas consideradas bolsões de miséria em Belém e,
posteriormente, atendendo-se a demandas do Orçamento Participativo. O projeto foi
expandindo-se até encontrar-se hoje em todos os distritos da cidade. Foi crescendo
também o leque de adesões de setores da sociedade civil, que assumem atualmente 40
bolsas integrais. São sindicatos de trabalhadores, estabelecimentos de ensino da rede
privada, empresas privadas, entre outros. No primeiro ano de Governo foram 2.500 bolsas,
destinadas a um bairro com um dos menores índices de serviços. Ao final do quarto ano,
serão 4.860 bolsas distribuídas, atendendo 28.814 crianças e adolescentes. O projeto Bolsa-
Escola também é uma experiência premiada2 .
Ao ser definido como Programa, o projeto Bolsa-Escola articula um conjunto de
políticas públicas por meio projetos e ações que visam ao atendimento integral de forma a
não permitir o trabalho infantil e que se somam ao valor de 1 (um) salário mínimo
repassado mensalmente a cada família por um período de 2 anos . Para tanto, além das
bolsas destinadas ao longo destes 3 anos às crianças que se encontravam fora da escola, o
Programa é inovador ao destinar 1.701 bolsas a famílias de crianças que se encontravam
em situação de risco na rua – trabalhando ou morando - acompanhadas pelo órgão de
assistência social do município, a Fundação Papa João XXIII – FUNPAPA. Foram 500 no
primeiro ano.
Para estimular e acompanhar o retorno de crianças e adolescentes à escola foi criado
entre outros, o projeto “Nenhuma Criança Fora da Escola”, desenvolvendo atividades que
estimulam o interesse em voltar a estudar, bem como proporcionam condições para
integrar as crianças e os adolescentes nos ciclos respectivos de acordo com as suas faixas
etárias.
O projeto “Sementes do Amanhã”, desenvolvido de forma conjunta pela Secretaria
Municipal de Saneamento (SESAN), Fundação Papa João XXII (FUNPAPA) e Secretaria
Municipal de Saúde (SESMA), além da Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), por
sua vez, consiste no desenvolvimento de atividades complementares com crianças que
viviam da catação de lixo no aterro sanitário do Aurá. Para elas foram destinadas 52
bolsas.
A formação profissional para as famílias é uma ação articulada com a Secretaria de
Economia (SECON), por um processo de capacitação dos pais ou das mães das crianças,
resultando na formação de pequenas empresas na forma de cooperativas, que, por meio
do Banco do Povo e da Secretaria de Economia, contam com suporte em termos de
assessoria técnica, financiamento e comercialização para o seu funcionamento. O
Programa atende famílias pobres que se encontram excluídas do mercado de trabalho, do
acesso à cidade, da possibilidade de se apropriar dos seus espaços e reverter práticas que
reforçam a segmentação. É por isso que hoje, em Belém, às pequenas empresas formadas
por famílias do Programa é reservado o direito de comercializar produtos e/ou serviços
nos equipamentos públicos inaugurados e/ou reformados no Governo do Povo.
O Projeto de Biorremediação do Lixo, que vem sendo implantado com participação
das famílias que vivem da catação do lixo, representa outra alternativa de renda e de
melhoria da qualidade de vida dessas famílias. Ainda no processo de acompanhamento às
famílias envolvidas, é desenvolvida uma política de formação para a cidadania, em que
são discutidos temas do seu cotidiano e outros relacionados à organização sócio-política
da sociedade.

Expansão da rede física


A democratização do acesso, que é um dos instrumentos para a universalização do
ensino, tem relação direta com a capacidade de expansão da oferta de vagas pelos sistemas
de ensino. Nesse sentido, a SEMEC, apesar dos drásticos cortes sofridos no seu orçamento
em função das perdas provocadas, particularmente, pela implantação do FUNDEF 3  no
Estado e pela redução dos valores repassados do ICMS, vem concentrando esforços na
ampliação de sua rede física, construindo novos equipamentos educacionais e
reconstruindo outros tantos para garantir um dos direitos inalienáveis dos cidadãos, que é
o direito à educação.
Extrapolando as metas inicialmente estabelecidas de expansão da rede física escolar, de
construir em quatro anos 60 salas de aula, Belém contará, até final de 2000, com 86 novas
salas de aula. Com as 62 salas já construídas e em funcionamento, foi possível alcançar o
patamar de expansão de matrícula no ensino fundamental apresentado abaixo.

FONTE: COPLAN-SEMEC, CENSO ESCOLAR 1999 – INEP/MEC

Atendimento à educação infantil

Para o atendimento às crianças de 0 a 6 anos, a SEMEC implementou a política de criação


dos Anexos1 , absorveu as creches antes sob responsabilidade da FUNPAPA, que passaram
à condição de Unidades de Educação Infantil (UEI), integrando a rede escolar do município
como a primeira etapa da educação básica, preconizada pela nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação - LDB-9394/96. Os monitores das antigas creches que têm o Magistério de 2º
Grau, por Lei do Executivo Municipal integram, hoje, o quadro de Magistério da SEMEC,
participando do processo de Formação Continuada, sendo valorizados enquanto
trabalhadores da educação. Essas ações dentro do Projeto da Escola Cabana permitiram a
ampliação do atendimento à educação infantil pelo município, conforme demonstrado a
seguir:

FONTE: COPLAN-SEMEC, CENSO ESCOLAR 1999 – INEP/MEC

1
Os anexos constituem uma política de ampliação de oferta de vagas: os espaços
localizados fora do prédio escolar subordinam-se pedagógica, política e
administrativamente às escolas-sede, integrando-se à rede municipal de ensino.

1
Prêmio Nacional/ 1999 “Melhores Práticas” da Caixa Econômica Federal, o Projeto
garantiu a inclusão de 255 crianças e adolescentes, catadores de lixo no Aterro Sanitário do
Aurá, no Programa Bolsa Escola. Atendendo hoje, com atividades desportivas, recreativas,
de lazer e formativas, oficinas de música e dança, atividade de leitura, construção de textos
e resolução de problemas, cerca de 360 adolescentes e 440 crianças, na faixa etária entre 07
e 17 anos. O acompanhamento das famílias ainda é realizado.

2
O Programa Bolsa-Escola recebeu, em 1999, o “Prêmio Programa Gestão Pública e
Cidadania da Fundação Getúlio Vargas”.

3
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério.

O esporte, a arte e o lazer: consolidando direitos


Para romper com uma visão parcial e limitada do esporte, arte e lazer, que durante
décadas reforçou, no espaço urbano de Belém, as desigualdades sociais, o Governo do
Povo, desde o seu início, vem desenvolvendo políticas de inversão de prioridades nesse
campo, como uma de suas estratégias fundamentais para a consolidação de direitos da
população. Assim, a SEMEC vem implementando ações que passam pela difusão da
concepção da escola enquanto espaço cultural, com o seu projeto político-pedagógico
valorizando as diferentes culturas e suas manifestações que constituem conteúdo
curricular. A construção de Espaços Culturais e Esportivos, onde projetos esportivos,
artísticos e culturais estão se desenvolvendo, é um diferencial que destaca o Governo do
Povo em relação aos que o antecederam como o primeiro a pensar e materializar uma
cidade da festa, dos desejos, dos encontros, da alegria compartilhada, contribuindo para a
melhoria da qualidade de vida da população e da cidade.
Os projetos na área do esporte, arte e lazer constituem ações articuladas no projeto
político-pedagógico da escola, envolvendo a comunidade do entorno e levando em
consideração seus anseios mediante inúmeros projetos e atividades, como as “Escolas de
Esporte”, “Cultura, Escola e Alegria”, “Contador de Histórias”, “Mala do Livro”,
“Vivências Corporais”, “Cores de Belém”, “Brinquedoteca”, “Felizcidade - porque Esta
Rua é Minha”, “Saúde e Lazer”. Todos esses projetos são referências para a população de
Belém e para outras cidades que vêm se inspirando na experiência vivida na Belém-
Metrópole das Luzes.

Alfabetização de jovens e adultos


- Projeto Professor Paulo Freire

A implantação do projeto Professor Paulo Freire visa resgatar a auto-estima e


contribuir para a formação de cidadãos críticos, utilizando-se do instrumental da educação
formal, não apenas pelo saber formal, mas também pela história de vida e em um contexto
social muito específico. Um olhar crítico sobre sua condição de excluído do acesso ao saber
formal e a outros direitos permite ao cidadão compreender o mundo em que vive, os
fatores determinantes para a sua condição de analfabeto, do ponto de vista dos referenciais
exigidos para a sua inserção nesta sociedade.
A alfabetização desenvolvida no PROALFA – Projeto de Alfabetização de Jovens e
Adultos, ao mesmo tempo em que proporciona o acesso de parcela da classe trabalhadora
ao saber sistematizado, busca instrumentalizar cada alfabetizando para ser capaz de
desvelar a realidade social onde está inserido e engajar-se no processo de construção de
uma contra-hegemonia que garanta os direitos de cada cidadão/cidadã. São cerca de 1.500
alfabetizados nesse projeto, homens e mulheres que resgataram sua cidadania
reescrevendo suas histórias de vida e escrevendo com o Governo do Povo uma nova
história de Belém.
Muitos governos se notabilizam pelas obras com visibilidade física. No Governo do
Povo, as obras físicas, algumas de estupendo porte, não se apartam da concepção de
cidade e de sociedade. Portanto, as novas escolas, os Espaços Cabanos construídos como
centros de arte, esporte e lazer embutidos numa proposta político-pedagógica,
revolucionam a educação implementada em Belém, o maior município da Amazônia
brasileira, como demonstração inequívoca de que o projeto político-pedagógico da Escola
Cabana em seu conteúdo e forma constitui um rigoroso instrumento de inclusão social e
reconhecimento. Portanto, as ações da política educacional em Belém, refletem os
compromissos sociais e políticos assumidos pelo Governo do Povo e expressam
nitidamente a sua opção pelas classes populares.

Educação ambiental

O meio ambiente em que o homem vive deve ser entendido como o lugar onde mora
o outro além de si próprio, que, se compartilhado, pode vir a ser “mundo” não só para a
sobrevivência, mas também um lugar de emancipação de um número cada vez maior de
pessoas.
Porém, o que se observou foi que, com o surgimento da sociedade moderna, o
homem transpôs todos os limites naturais pelo uso indiscriminado de tecnologias pesadas,
marcadas pela utilização excessiva do espaço natural, o que se agravou com o advento da
sociedade industrial, em que o homem começa a gerar para si, a qualquer custo, maior
conforto e benefícios. Vivemos aí a centralização na individualidade, característica do
Renascimento, que permeia até hoje a relação entre os seres humanos.
Isso se traduz não apenas em desigual acesso aos bens naturais, mas, sobretudo, na
exclusão da maioria da população dos direitos básicos, como alimentação, saúde, trabalho,
moradia e educação.
O modelo de desenvolvimento vigente, apoiado na modernização econômica,
entretanto sem contrapartidas sociais e políticas, gerou a concentração de riquezas e
desigualdades econômicas e sociais em nível mundial, o que é agravado no sistema em
que é atribuída a cada região da vida social uma independência, que na realidade não
existe, gerando entre outras coisas a compartimentalização do conhecimento científico,
como se a sociedade pudesse ser apreendida em fatias econômicas, sociológicas,
tecnológicas, psicológicas.
A educação, como não poderia deixar de ser, padece desse mal social intrínseco à
sua existência, uma vez que vivenciamos um processo de fragmentação na nossa prática
cotidiana, na separação entre o econômico e o simbólico numa sociedade gerada sob a
égide da fragmentação, que é parte constitutiva do conhecimento produzido sobre a
realidade.
Esse modelo de civilização está sendo questionado, uma vez que os problemas
atuais, entre eles o ambiental, exigem uma visão mais global que supere as abordagens
fragmentadas, disciplinares, mecanicistas, as quais não conseguem atacar os problemas em
suas raízes, acabando por escamoteá-los. É nessa perspectiva que emerge a educação
ambiental, como um instrumento democrático.
Nesse sentido, a democracia é condição e meta fundamental, que permite que todos
proponham alternativas e soluções, e a educação ambiental, como educação, política visa à
formação da cidadania local, nacional, continental e planetária, baseando-se no diálogo de
culturas e de conhecimento entre povos, gerações e gêneros, objetivando a melhoria da
qualidade de vida.
O caráter transformador da educação ambiental possibilita a aquisição de
conhecimentos e habilidades capazes de induzir mudanças de atitudes, objetivando a
construção de uma nova visão das relações dos seres humanos com o seu meio e adoção
de novas posturas individuais e coletivas em relação ao ambiente. Ela estimula a formação
de uma sociedade socialmente justa e ecologicamente equilibrada.
A complexidade das questões ambientais colocou-nos frente ao grande desafio de
construir uma proposta de educação ambiental que levasse em conta todas as contradições
inerentes ao processo histórico social vivenciado cotidianamente pela sociedade moderna.
A proposta pedagógica do Governo do Povo, enquanto síntese dialética, configura-
se a partir das seguintes premissas: a inserção da educação ambiental de caráter
propositivo; a formação do sujeito holístico, sujeito da totalidade histórica, capaz de
compreender-se no meio ambiente como aquele que propõe e intervém qualitativamente
nesse ambiente buscando a sustentação econômica, política e social.
Essas premissas nos remetem aos eixos temáticos que norteiam as ações pedagógicas
em sala de aula: ser humano-natureza-sociedade-trabalho-cultura.
A integração entre esses elementos se faz necessária para o desenvolvimento das
ações educativas, uma vez que buscamos a concepção de homem, enquanto sujeito, que
constrói a si mesmo e a sociedade.
A linha norteadora é a discussão e o repensar da ação humana no meio ambiente e
das condições sócio-históricas dessa intervenção, uma vez que toda forma de pensar e agir
se insere numa situação sócio-histórica concreta e deve ser compreendida sempre, tendo-
se em vista realidades específicas. Esse trabalho tem a pesquisa como princípio
metodológico, como atitude, que significa base da produção científica e base da educação,
ancorada no manejo e produção do conhecimento, capaz de construir um diálogo crítico
com a realidade.
Essa concepção se assenta na (re)construção do conhecimento a partir de
metodologias que visam transformar o espaço escolar em um espaço vivo de interações,
aberto ao real e às suas múltiplas dimensões. Os projetos em curso trazem uma nova
perspectiva para entendermos o processo de construção do conhecimento. O ato de
aprender deixa de ser um simples ato de memorizar, de repassar conteúdos. Todo
conhecimento é construído em estreita relação com o contexto onde o aluno está inserido,
sendo, por isso, impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes
no processo.
As atividades baseadas nesses aspectos proporcionam atitudes de pesquisa que
subsidiam a prática pedagógica na escola de forma regular e progressiva, construindo nesse
processo um currículo vivo de trabalho.
CONSTRUINDO A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL EM BELÉM: INVERTENDO PRIORIDADES

O Governo do Povo, desde o início, tinha claro que toda e qualquer ação, atitude,
programas e projetos deveriam ter como alvo principal a maioria da população, em
particular os segmentos excluídos e, assim, inverter a lógica da política elitista e
excludente que durante décadas serviu apenas para concentrar riqueza e acentuar ainda
mais o distanciamento entre as classes.
Ao elegermos a “inversão de prioridades”, entendida aqui como um redirecionamento
da política em direção da maioria que trabalha, produz, constrói e que vive a cidade,
mesmo que seja na condição de “excluídos sociais” 1 , sabíamos que as dificuldades e
desafios seriam grandes, principalmente na área da assistência social.
Como construir uma política de assistência social no município sem os ranços
históricos do clientelismo, da visão compensatória e paliativa das demandas da população
pobre e excluída? O desafio estava lançado para a FUNPAPA e para o conjunto do
Governo do Povo.
É muito recente a definição da assistência social como uma política pública. Data de
1988, com a incorporação da assistência social no âmbito da seguridade social, quando da
discussão e aprovação da última Constituição Federal. Até essa data, o entendimento geral
afirmava que a “assistência social era coisa de solidariedade, era uma prática social da
rede de solidariedade da sociedade civil, era sinônimo de mero assistencialismo”.
Nesta gestão municipal, a FUNPAPA tem orientado sua ação consoante com as
discussões dos novos paradigmas da assistência social, definida como uma política
pública, abandonando de vez a visão de que assistência a social é sinônimo de
assistencialismo.
Em 1993 foi sancionada a Lei 8742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social –,
resultado de uma construção coletiva, provocada pela organização e mobilização dos
trabalhadores e usuários da assistência social, conquistando dessa forma o reconhecimento
pelo Estado e sociedade da importância dessa política na proteção social dos cidadãos
brasileiros. Mais recentemente, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
aprovou a Política Nacional e a Norma Operacional Básica da Assistência Social, cuja
implantação está em curso no país.
Em Belém o processo de descentralização da assistência social ,prevista na LOAS,
iniciou com a criação do Conselho Municipal de Assistência Social 2 (CMAS), do Fundo
Municipal de Assistência Social e a elaboração do Plano Municipal de Assistência Social 3,
condição legal para a descentralização. Após a estruturação do CMAS, com
funcionamento regular e com pouco mais de um ano de existência, ocorreu a
municipalização da assistência a partir do repasse para o município da rede de entidades
não governamentais financiadas com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social 4 ,
que prestam serviço para a população de Belém, com serviços de atenção à criança na
idade de 0-6 anos, pessoas portadoras de deficiência e pessoas idosas.
O que significa isso? Significa que o município de Belém, a partir de maio de 1999,
assumiu a coordenação política5  de todos as ações de caráter assistencial, o que nos impõe
um novo desafio: organizar as entidades não governamentais, procurando criar uma nova
cultura política, de acordo com nossos princípios de participação, democratização e,
principalmente, o de inversão de prioridades.
São 78 entidades6  com uma prática na área da assistência que tem origem na
experiência da antiga Legião Brasileira de Assistência (LBA), estabelecendo uma relação
política do “toma lá dá cá”. São entidades que – para usar uma linguagem nova – hoje
compõem a Rede7  de Assistência Social em Belém, em fase de organização e estruturação.
É importante ressaltar que há uma contradição presente em todo processo de
descentralização das políticas públicas: ao mesmo tempo em que a descentralização em
nível municipal aproxima o cidadão do problema e das soluções, possibilitando maior
acesso e controle pela população, esse processo, por outro lado, é fruto de uma política em
curso no país que visa diminuir cada vez mais os investimentos nas políticas públicas, em
especial nas políticas sociais. É o chamado Estado Mínimo. Nesse sentido, as Políticas
Públicas tornam-se “presa fácil” nas mãos dos governantes brasileiros, que, utilizando-se
das premissas constitucionais da descentralização político-administrativa do Estado
brasileiro, transferem todos os problemas para os municípios, sem que haja
financiamentos condizentes com as necessidades e demandas da população. Restando aos
municípios vários desafios, que vão desde a construção da co-gestão até a busca de
recursos para garantir o bom funcionamento dos equipamentos sociais.
O aspecto legal e normativo da Política de Assistência Social é importante, porém
não é tudo. Continuamos enfrentando o descaso da ideologia neoliberal no que tange
principalmente ao financiamento desta Política Pública, além de enfrentarmos problemas
na transformação daquilo que sempre foi considerado uma “prática social” para uma
gestão de política pública, da forma como se define nos paradigmas legais. E isso porque
ainda é muito presente no cerne da sociedade a compreensão da assistência social como
uma “prática social” qualquer.
Nosso desafio consiste não apenas em inverter a lógica excludente, mas também
construir e consolidar de fato a Política de Assistência Social em Belém.
Podemos afirmar com segurança que em Belém até 1996, quando da eleição do
Governo do Povo, não se ouvia falar em fazer assistência social. O que se sabia era que a
Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA) desenvolvia projetos de atendimento a crianças e
adolescentes em situação de rua, idosos, centros comunitários e doações. Eram projetos
pontuais e que pouco possibilitavam a inclusão social.
Era o caso, por exemplo, do projeto “jornaleiro”, que consistia em uma ação
articulada com a Fundação Rômulo Maiorana e Jornal O Liberal, em que 60 adolescentes
diariamente saíam de suas casas às 04:00h da madrugada para venderem jornais nas ruas
da cidade, expondo-se a todos os riscos que a rua possibilita. Após avaliação criteriosa
com as famílias dos adolescentes, os mesmos foram incluídos no Programa Familiar para a
Educação, mais conhecido como Bolsa Escola.
O que mudou com essa ação? Primeiro, que as famílias passaram a receber uma
renda mínima até construírem condições para gerar sua própria renda. Segundo, que os
adolescentes, além de receberem assistência educacional, participaram de projetos de
educação profissional. A mudança significativa está no fato de que com esta intervenção
procuramos trabalhar os aspectos da auto-estima para o trabalho com os adultos e a auto-
estima dos adolescentes para um futuro diferente e melhor, mostrando a eles que é
possível sonhar e realizar seus sonhos de forma digna e participativa, assegurando renda,
trabalho, educação e assistência social.
Foi a partir de ações como essas que desencadeamos todo um processo de discussão
sobre o papel da assistência social no contexto das demais políticas públicas,
principalmente educação, trabalho e saúde. Envolvendo não apenas os servidores, mas a
população usuária, seja ela dispersa ou organizada. Hoje, tudo o que é realizado pela
FUNPAPA é feito de forma integrada com as políticas setoriais, tanto na perspectiva de
fortalecimento dos laços familiares, respeito às demandas dos setores organizados, quanto
na busca da inclusão social.
Nossos programas e projetos, embora com experiências recentes, trazem a marca da
integração e inclusão social de forma articulada e participativa.
Trabalhamos e estamos construindo políticas para setores que nas gestões anteriores
nunca foram sequer ouvidos. Mais desafios! Como articular políticas para as mulheres?
Como superar o atendimento às crianças de rua fazendo a transição de assistidos a
cidadãos? Como trabalhar com a vulnerabilidade dos grupos sociais, transitando de uma
noção de carências sociais para o terreno dos direitos sociais frente à onda hegemônica
neoliberal que suprime as conquistas sociais?
Atualmente, a FUNPAPA, juntamente com a Secretaria Municipal de Educação
(SEMEC), coordena o PBE com cobertura para 4.820 famílias distribuídas nos oito distritos
administrativos de Belém, nos municípios de Ananindeua, Benevides e Marituba. Do total
de famílias atendidas pelo Programa, a FUNPAPA acompanha 1000 famílias, cujas
crianças estavam em situação de rua 8 . Ao longo destes 3 anos, já totalizam 10 mil famílias
e 50 mil crianças.
O trabalho da FUNPAPA foi ampliando-se cada vez mais, com os projetos Educação
de Rua, Escola Circo, Arte-Cidadania, Educação - Trabalho e Cidadania, Terceira Idade,
Educação Profissional de homens e mulheres para o mercado de trabalho, Apoio e
Orientação Psicossocial às famílias, Atendimento às Mulheres em Situação de Violência
Sob Risco de Vida e Atendimento de Crianças e Adolescentes na Rede de Abrigos.
Discutir cidadania tem sido a meta política da FUNPAPA e isto está sendo possível
com o envolvimento dos grupos sociais mais explorados, mais discriminados, mais
vulneráveis. Articular e interagir com movimentos de mulheres, portadores de
necessidades especiais, idosos, negros, meninos e meninas de rua, movimentos
alternativos da juventude, conselhos, fóruns, tem sido uma experiência frutífera e
audaciosa no sonho de construção de uma nova sociedade, possibilitando participação e
controle da sociedade sobre a execução da política da assistência social no município.
Assim é que, na área da criança e do adolescente, formou-se uma Rede Integrada de
Acompanhamento do Programa bolsa Escola com oito organizações não governamentais,
a saber: Grupos Espíritas Lar de Maria, Vinha de Luz e Jardim das Oliveiras; Movimento
República de Emaús; Grupo de Mulheres Prostitutas da Área Central; Movimento de
Promoção da Mulher; Igreja da Confissão Luterana e Centro de Estudo e Defesa do Negro.
Fortaleceu-se ainda o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
(COMDAC), os Conselhos Tutelares e o Fórum Paraense pela Erradicação do Trabalho
Infantil e Proteção do Trabalho do Adolescente.
Na área da Política de Atenção à Mulher, constituiu-se uma assessoria específica que
articula e participa dos fóruns, movimentos e Conselho Municipal da Condição Feminina,
possibilitando a participação e o controle da sociedade sobre a execução desta política. Na
área do Atendimento à Terceira Idade, todas as atividades realizadas são articuladas com
outras instituições governamentais e não governamentais, no sentido de uma intervenção
integrada e descentralizada, combatendo a discriminação, o preconceito e a exclusão do
idoso no cerne da sociedade local.
São muitas as ações que a FUNPAPA realizou de forma articulada, integrada e
participativa, seja no âmbito da esfera municipal, estadual, federal ou mesmo da iniciativa
privada. Muitas foram as iniciativas no sentido de, inclusive, obter recursos externos,
ampliar os recursos dos cofres municipais 9 . Por outro lado, o fundamental aqui é ressaltar
que todos os esforços até hoje têm se dirigido para o nosso objetivo inicial: a inversão de
prioridades.
A atual política municipal de assistência social, embora tenha sido discutida e
aprovada pelo Conselho Municipal de Assistência Social, constitui uma política aberta,
passível de modificações, mas preocupada de forma intransigente com os segmentos
excluídos, sobretudo com aqueles que, segundo CRUZ 10 , ocupam o chamado exército
industrial de reserva: os aptos para o trabalho, os órfãos e crianças indigentes, os
degradados, maltrapilhos, incapacitados para o trabalho. São notadamente indivíduos que
sucumbem devido a sua imobilidade, causada pela divisão do trabalho, aqueles que
ultrapassam a idade normal de um trabalhador, as vítimas da indústria (os aleijados,
doentes, viúvas, etc.).
Problemas são muitos, necessidades sociais são expostas a todo momento, desafios
nesses três anos foram cotidianos. Romper com o ranço da subalternidade, do favor, do
clientelismo, do assistencialismo, transitar do campo da carência para a visão de direitos é
trabalhoso, mas o compromisso com a redefinição das relações da sociedade civil no
sentido de assegurar de fato a passagem da condição de vulnerabilidade, de carências para
a visão de direitos, continua sendo nossa utopia.
É com essa utopia que vamos construindo canais de participação, que motivem a
população de Belém a decidir sobre o que deve ser feito no seu bairro, na sua cidade, sobre
o orçamento da prefeitura, rompendo um limite que ela mesma se impõe ao dizer ‘isso não
é para nós’, conquistando no plano da construção cultural uma nova forma de governar11 .

1
Consideraremos “excluídos sociais” os indivíduos que não usufruem da riqueza
acumulada mediante produto do trabalho humano – seja do trabalho formal ou não – mas
que desempenham atividades sociais que lhes permitem participar da produção urbana,
tanto por meio de ações espontâneas oriundas de suas necessidades individuais e imediatas,
quanto por ações dirigidas pelas instituições oficiais. Assumindo, portanto, a condição de
exclusão integrativa. (CRUZ, Sandra H. R. Movimentos sociais e construção do espaço
urbano em Belém: o bairro da Sacramenta. Belém: PLADES/NAEA;UFPA. 1994. 164p,
Dissertação de Mestrado)
2
O CMAS foi criado em fevereiro de 1998 por lei aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo Prefeito Edmilson
Rodrigues. O Conselho é composto por cinco representantes de secretarias municipais e cinco representantes de entidades
não governamentais que atuam na área da assistência, sendo coordenado pela FUNPAPA.

Este reúne projetos e programas tanto da esfera municipal como de algumas entidades de
atendimento que compõem a rede não governamental. É importante ressaltar que o Plano
em vigor e aprovado pelo CMAS é aberto e, portanto, passível de modificações.
4
O Fundo Nacional de Assistência Social é coordenado pela Secretaria de Estado de Assistência Social do Ministério da
Previdência Social.
 5
Hoje a FUNPAPA, juntamente com o CMAS, é responsável pelo financiamento, pelo acompanhamento do trabalho, pela
formação política, pedagógica e comunitária e pela avaliação do atendimento, podendo inclusive redimensionar as metas
atendidas, no sentido de assegurar melhor atendimento.
6
Às 78 entidades somam-se mais 48 que já eram atendidas desde 1997 e que juntas atendem a 20.763 pessoas, entre crianças,
idosos e pessoas portadoras de deficiências.
7
Hoje é muito comum se falar em “rede” quando se pensa em estruturar os serviços para
que eles aconteçam de forma articulada e estruturada, possibilitando maior informação e
acesso. Em Belém, as discussões entre as esferas governamentais e não governamentais têm
evoluído na direção de se ter um projeto que integre o atendimento social da população,
principalmente na área da educação, saúde, assistência social e cultura, voltado para os
segmentos que compõem a faixa etária entre zero a 17 anos.

8
É importante que se compreenda que a “situação de rua”, no caso de crianças, envolve
situações que vão desde o “trabalho infantil” até situações de drogadição, prostituição e
possíveis delitos, possibilitando assim o abandono pela família. E em alguns casos, as
próprias crianças é que abandonam as famílias. A “situação de rua” diferencia-se, portanto,
das crianças em “situação de risco”, o que reúne um número muito maior de pessoas porque
diz respeito a extremas situações de pobreza.

9
No período de 01/01/97 a 13/12/99, o montante de convênios que deram entrada na
FUNPAPA foi de R$ 8.060.080,13, dos quais R$ 1.217.566,01 correspondem à captação de
recursos para o desenvolvimento de novos projetos, e os demais R$ 6.842.514,12 são
referentes aos Serviços de Ação Continuada advindos do Fundo Nacional de Assistência
Social.
10
CRUZ, Sandra Helena. Op. cit
11
FRENTE Belém Popular. Op cit.

SANEAMENTO COMO GARANTIA DE INCLUSÃO


SOCIAL COM PARTICIPAÇÃO POPULAR
Um governo democrático e popular, num país historicamente centralizador e
autoritário, tem como objetivo maior eliminar a exclusão e assegurar a cidadania, por meio
de um processo de participação popular na construção da cidade, do Estado e da Nação.
O Governo do Povo e, especificamente a Secretaria Municipal de Saneamento
(SESAN), responsável pela limpeza urbana, drenagem e pavimentação, numa cidade em
que mais da metade de sua população habita em áreas de baixadas, a maioria ocupada de
forma desordenada e de alta densidade, impôs-se uma tarefa grandiosa ao se propor
reverter o quadro de exclusão que sempre existiu nessas áreas. As instituições existentes
na cidade não foram, ao longo dos anos, preparadas para esse tipo de tarefa, pois o normal
era voltar-se para atender às áreas mais estruturadas da cidade e, conseqüentemente, aos
segmentos já beneficiários de serviços, sejam públicos ou privados. Ao mesmo tempo, as
inovações e práticas que vêm revolucionando uma forma de gestão, como o que vem
ocorrendo com o sistema de limpeza na cidade, a dimensão política da inversão de
prioridades e da participação popular implica estender a ação da SESAN para além da
simples coleta de lixo, drenagem e pavimentação de vias. E o faz mediante diversos
mecanismos de participação popular, seja no processo de definição dos recursos, seja pela
participação efetiva na elaboração de levantamento de campo, diagnósticos e fiscalização
do trabalho em geral. Destacam-se o Orçamento Participativo e nele as Comissões de
Fiscalização de obras (COFIS), os Comitês Ambientais do Congresso da Cidade que
tiveram a sua criação estimulada pelo Governo ou se formaram espontaneamente, bem
como, pelas alternativas tecnológicas e sociais, o projeto de aproveitamento de resíduos
sólidos, incorporando famílias que antes viviam da coleta do lixo, no antes denominado
lixão do Aurá, hoje, Aterro Sanitário, que é uma experiência premiada.
A nova concepção manifesta-se também no projeto em implantação de compostagem
do lixo orgânico originário das feiras. Está ainda em fase de implantação o projeto de
Biorremediação do Lixo no Aterro Sanitário do Aurá, que consiste na destinação do lixo
doméstico com o tratamento de gases e chorume, não comprometendo o meio ambiente
(ar, solo e água subterrânea) e alterando a qualidade de vida das famílias que vivem como
catadores do Aurá. O projeto “Sementes do Manhã” articula diversas políticas para
assegurar um futuro digno às crianças que sobreviviam do que o aterro lhes
proporcionava, fazendo-as passar para um novo patamar ao torná-las beneficiárias da
Bolsa Escola e transformar suas famílias em gestores do referido projeto de
biorremediação. Portanto, a dimensão das transformações não se expressa apenas no novo
visual da cidade, mas na concepção de realização dos serviços públicos com o pressuposto
de cidadania.
É um governo democrático e popular. Ao inverter prioridades, já surge, no mínimo,
com o dobro das atividades normais, pois, além de se concentrar nas áreas sempre
excluídas, tem que continuar, como não poderia deixar de ser, investindo também nas
áreas mais estruturadas.
A adesão da população e de equipes da Secretaria, em um contexto em que a
ausência de privilégios é imperante e permanentemente garantida, manifesta-se no
acompanhamento, na fiscalização e na consecução de ações com a certeza de que atendem
a interesses coletivos.
É uma nova postura que está surgindo. A SESAN participa desse processo, por meio
do Orçamento Participativo e de todas as ações de parcerias com a comunidade e com os
diversos segmentos sociais, prefeitura e sociedade, dentro da essência do Congresso da
Cidade. Participa, assim, na construção de uma nova consciência de suas equipes, que
projetam e executam as obras. É um novo momento, tanto para o poder público como para
a comunidade. O povo quer melhoria na qualidade de vida. Quer serviços de qualidade,
seja de drenagem, de pavimentação ou de limpeza pública e, com sua participação na
gestão dos serviços e da cidade como um todo, esses desejos e expectativas vão
transformando uma realidade distante em algo que passa a fazer parte do seu cotidiano.
Essa é a grande diferença do Governo do Povo das demais gestões. E nesses três
anos de governo, os resultados são visíveis: mais 12 mil metros de canais entre aqueles
concretados e os com revestimento em grama, passarelas e pontes de concreto, com
pavimentação de pistas laterais e microdrenagens para as moradias. Essas obras e todas as
mais de 100 obras do Orçamento Participativo e cerca de 700 solicitações de parcerias,
somadas à reconstrução das grandes avenidas de tráfego intenso em todos os distritos da
cidade, totalizam até o momento, entre o terceiro e quarto ano de governo, quase 431 km
de vias. Outro campo de intervenção é a drenagem de canais, a eliminação dos
soterramentos que provocavam alagamentos em bairros já consolidados e outras áreas de
conjuntos habitacionais, além das intervenções em todas as bacias hidrográficas da cidade,
onde vem ocorrendo um processo de urbanização. São ações de drenagem diretamente
sobre o canal principal ou sobre aquelas áreas que compõem a rede com o objetivo de criar
condições estruturais permanentes e seguras para essas áreas. São projetos que alteram
definitivamente a qualidade de vida para a maioria da população da cidade, com ações de
remanejamento de famílias residentes. Quando ocorrem, os remanejamentos são feitos de
acordo com critérios de manutenção no próprio bairro ou em áreas próximas para
assegurar a preservação de relações sociais preexistentes.
Quanto aos serviços de limpeza urbana, para se ampliar e implementar uma gestão
com participação social em todas as ações, foi necessária uma mudança nos métodos
operacionais que refletissem essa nova concepção. A implantação do serviço integrado de
limpeza urbana, com fiscalização popular feita pelos Comitês Ambientais, insere-se em um
novo sistema, mais eficiente e com maior capacidade gerencial da Prefeitura. A empresa
prestadora de serviços é remunerada pela produção, ficando essa prestação de serviços
restrita a duas empresas. A grande fragmentação não apenas de empresas, mas de
serviços distintos, resultava em índices de cobertura média de coleta de lixo em torno de
apenas 50% na maioria dos distritos administrativos, notadamente nas áreas periféricas.
Antes, várias empresas faziam o serviço e eram remuneradas a partir da relação
homem x dia ou equipamento x dia, sem levar em conta a produção. Em 95, eram 31
contratos e, em 96, 22 contratos, que não cobriam totalmente os bairros e distritos da
cidade. Por serem muitos os contratos, o gerenciamento desses serviços tornava-se
inviável. A coleta de resíduos sólidos, por exemplo, chegava a uma população atendida de
56,17%, no Distrito Administrativo de Icoaraci (DAICO); de 51,17%, no do Bengüi
(DABEN); de 55,22%, no do Entroncamento (DAENT). E esse índice ia se elevando à
medida que se chegava aos distritos mais centrais. O desafio era, portanto, cobrir toda a
cidade, uma vez que o distrito mais estruturado, mais central era o único que se
aproximava de 95% de cobertura.
Implantado em agosto de 1998 e efetivado a partir de março de 1999, o novo sistema
dividiu a cidade em dois grandes blocos. O primeiro, sob a responsabilidade de uma
empresa local, representa, em termos de tonelagem, 60% do total. O segundo, sob a
responsabilidade de uma empresa paulista, representa, em termos de tonelagem, os 40%
restantes. As duas empresas venceram uma licitação nacional.
Cada empresa é responsável não só pela coleta e pelo transporte de resíduos
domiciliares, mas também pela coleta de resíduos comerciais de feiras, mercados,
entulhos, além da execução da varrição manual de vias públicas, limpeza e lavagem de
vias e logradouros públicos, limpeza de áreas destinadas a eventos temporários,
fornecimento de equipamento para mutirão de limpeza pública e limpeza do sistema de
drenagem.
A coleta de resíduos domiciliares é feita nos três turnos. Cerca de 40 a 45% da
população é atendida diariamente e os 55 a 60% restantes da população são atendidos três
vezes por semana, em dias alternados. Houve incremento nas quantidades mensais
coletadas de resíduos domiciliares entre os anos de 1996 e 1998, passando de 15.065 t/mês
para 23.088 t/mês.
O novo sistema implantou a coleta regular do lixo doméstico porta a porta e de
forma regular. As áreas em que o carro compactador não entra, como vilas, alamedas,
passagens e áreas de estivas, também dispõem desse serviço porta a porta de forma
alternativa. Implantou também a containeirização, que dá dignidade ao trabalho dos garis,
testada com sucesso em diversos pontos da cidade, como conjuntos habitacionais, vias
centrais da cidade, além das diversas feiras no centro e na periferia da cidade. As estações
para recepção de entulho, destinadas ao depósito de entulho doméstico – restos de móveis,
de material de construção e de podagem, entre outros resíduos –, permitiu a eliminação
dos pontos críticos de descargas clandestinas. A limpeza de galerias e bueiros de águas
pluviais, bem como de valas e de canais, passou a ser executada dentro de planos, com
recorrências e rotinas bem determinadas, como os demais serviços de limpeza urbana, o
que permite o controle social dos trabalhos.
A coleta hospitalar é especial e feita totalmente pela Prefeitura. Em 1997, apresentou
média coletada de 200 t/mês e, em 1999, a média de operacionalização desse sistema
estava sendo acompanhada de perto pelos Comitês Ambientais do Congresso da Cidade,
já contando com mais de 100 nos oito distritos administrativos da cidade.
É tarefa ainda desses Comitês, no que diz respeito à limpeza, a análise e a discussão,
quando necessárias, com técnicos da SESAN, do plano de trabalho das empresas de
limpeza urbana e a fiscalização do padrão de limpeza. Qualquer irregularidade é
comunicada à SESAN. Esses Comitês ainda são responsáveis pela difusão, em suas
comunidades, das posturas que devem ser assumidas em relação à manutenção da cidade.
Os comitês são organizações populares formadas nos distritos, por bairro, por rua,
por escola, por associação ou centro comunitário, surgidos em seminários realizados para
discutir soluções para manter a cidade limpa e com qualidade ambiental e o
gerenciamento do sistema de limpeza da cidade, que se encontrava em implantação. É
mais um espaço aberto a todos os belenenses que queiram contribuir para a gestão
ambiental do município, não só como fiscalizador dos serviços de limpeza urbana, mas
como agente de mobilização, de participação e de formação, juntamente com os órgãos
competentes da Prefeitura. Ressalta-se, por fim, que a participação popular nas ações de
saneamento é que asseguram a sua efetividade, a sua incorporação na rotina da cidade, de
forma viva, em que cada família não é usuária de serviços, porém uma co-gestora desse
sistema.
Ao investir estruturalmente em toda a cidade e encaminhar campanhas educativas
ambientais, o Governo do Povo vem construindo uma cidade mais limpa e
ambientalmente saudável.

EXPERIÊNCIA DE GESTÃO POPULAR E


DEMOCRÁTICA DO GOVERNO DO POVO AO
ASSUMIR A ADMINISTRAÇÃO DO SERVIÇO
AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE BELÉM
Embora os serviços de saneamento, em particular os serviços de água e esgotamento
sanitário, sejam considerados serviços absolutamente locais (municipais), até 1997, a
Prefeitura de Belém não exercia qualquer tipo de controle ou, no mínimo, monitoramento
da qualidade dos serviços, de seus custos e das tarifas praticadas pela concessionária
Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa). É bem verdade que a preocupação com o
saneamento já se manifestava nas lutas populares da sociedade civil organizada de nossa
cidade, na pauta de debates dos militantes de esquerda e de todos aqueles preocupados
com a saúde, com a qualidade de vida e com o meio ambiente de nossa cidade. O
Programa de Governo da Frente Belém Popular também já apresentava propostas para a
gestão de saneamento.
São, portanto, dois momentos na história da cidade de Belém. Um antes de 1997 e
outro inaugurado a partir desse ano. São mudanças relativas à decisão política de assumir
o saneamento na pauta de discussão da cidade e de implementar, por meio do SAAEB
(Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Belém), um modelo que inverte prioridades e
demonstra eficiência e eficácia na sua gestão. Isso em um quadro nacional em que 90% dos
esgotos não recebem nenhum tratamento e 51% da população urbana - em torno de 39
milhões de habitantes - não dispõem de rede de esgoto; 15 milhões de pessoas não têm
acesso aos serviços públicos de água e 45% da água distribuída são totalmente
desperdiçados1 .
Em Belém, a situação não é diferente do restante do País: mais de 450.000 pessoas, ou
seja, mais de 30% da população não têm abastecimento público de água, e somente 84.834
hab. (5%) possuem coleta de esgoto sem nenhum tratamento. Além disso, a rede de
drenagem é utilizada pela população como rede de esgoto, e toda a carga orgânica é
jogada in natura na Baía do Guajará e nos rios e canais da cidade, o que repercute
negativamente no meio ambiente, formando um quadro sanitário preocupante.
A partir de janeiro de 1997, Belém começou a viver um novo tempo, um tempo de
esperança, um tempo de construção de uma nova democracia em que o povo participa das
decisões da cidade, tem acesso às informações e ao controle social da administração,
instrumentos essenciais para que os movimentos sociais façam parte da administração
pública como sujeitos da política de saneamento, articulada com as demais políticas
urbanas a partir de sua dimensão ambiental.
O governo municipal, diante do avanço das políticas neoliberais, com a difusão do
ideário do Estado Mínimo e da política de privatização da gestão dos serviços de
saneamento, assumiu o compromisso da defesa dos bens públicos, do serviço público de
qualidade e da democratização da informação. Logo nos primeiros meses, cumprindo seu
programa de governo e usando o direito de poder, garantido constitucionalmente,
solicitou à concessionária informações sobre os serviços de abastecimento de água e de
coleta e tratamento de esgoto existentes no município, bem como o instrumento contratual
que deu origem à concessão, para que, inteirado dos fatos pudesse negociar um novo
instrumento de contrato. Isso coincidiu com o momento em que foi requerida a
prorrogação do contrato de concessão à empresa estadual por mais 35 anos.
A Prefeitura não foi atendida em seu pleito: a concessionária não prestou
esclarecimentos ao município. Por acreditar que a cidade tinha direito às informações
solicitadas, a Prefeitura recorreu a uma medida judicial para que a concessionária
apresentasse todas as informações sobre os sistemas de água e esgotamento sanitário da
cidade. O município de Belém tem como princípio a municipalização dos serviços,
pautada pela prestação de serviços públicos básicos à população, rompendo com um
modelo representado pelas grandes companhias estaduais.
A Cosanpa (Companhia de Saneamento do Pará) foi criada na década de 70 com a
implantação do PLANASA (Plano Nacional de Saneamento). Esse Plano Nacional teve
como característica a grande canalização de recursos do FGTS para o aumento da
cobertura dos serviços de abastecimento de água. Ocorreu, no entanto, pouca elevação dos
índices de esgotamento sanitário. A política das companhias estaduais em todo o País é
baseada na centralização autoritária, excluindo o poder local e a população de qualquer
participação no processo decisório. Essa estrutura montada na década de 70 mantém-se até
hoje, sem mudanças significativas, apesar do fim do PLANASA, em 1990.
Em Belém, os serviços de abastecimento de água e esgoto sanitário contam com uma
autarquia municipal2 , o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Belém (SAAEB), que
durante os primeiros 28 anos de sua existência, ou seja, de 1969 a 1997, foi administrado
pela Fundação Nacional de Saúde (FNS) por força de um convênio que teve seu término
em 1986, em razão dos entraves administrativos, técnicos, operacionais e claras tendências
de sucateamento. Porém, os gestores municipais anteriores não assumiram essa autarquia
que continuou, mesmo sem um instrumento de contrato, sendo administrada pela FNS até
1997, quando o Governo do Povo assumiu sua administração, dotando-a das condições
políticas e institucionais necessárias para começar a responder às demandas da cidade,
particularmente nas áreas onde residem as famílias mais pobres, nos distritos
administrativos mais desprovidos de infra-estrutura ou que apresentam pouca
atratividade para empresas que atuam com macrossistemas de gerenciamento, geralmente
mais caros.
Um dos grandes desafios era chegar à universalização dos serviços, adotando um
modelo de gestão com controle social, conciliando eficácia, eqüidade, qualidade de
serviços e acesso para todos os grupos sociais e de uma forma que estes atuassem como
sujeitos da política de saneamento, articulada com as demais políticas urbanas a partir de
sua dimensão ambiental.
Sob a gestão do SAAEB, encontram-se áreas em 4 distritos administrativos (Icoaraci,
Mosqueiro, Outeiro e Bengui) e outras áreas de concentração de famílias com menor poder
aquisitivo, totalizando 22 unidades de abastecimento. Desse total, 11 são sistemas
alternativos com utilização de energia solar, pelo sistema fotovoltaico adaptado ao
saneamento rural das comunidades que não contam com energia elétrica. Até 1997,
existiam apenas 02 (dois) sistemas de abastecimento de água em 2 distritos (Icoaraci e
Mosqueiro) e um índice de cobertura dos serviços na área de atuação de apenas 42,67%,
considerando a população estimada da área de Icoaraci, Outeiro e Mosqueiro (fixa) de
174.213 habitantes, o que se traduzia num déficit de abastecimento de água para 100.000
habitantes.
Outro desafio era consolidar uma gestão eficiente, eficaz, segura, economicamente
viável e ao mesmo tempo acessível, ao se conceber a água como necessidade biológica, um
direito que encerra diversos elementos de garantia de uma vida digna e saudável.

A gestão do sistema

A água é uma substância contraditória. Ao mesmo tempo em que é uma necessidade


biológica para todos os seres vivos, é também um veículo condutor de resíduos que
podem causar uma série de doenças graves, a ponto de encerrar riscos de vida. Segundo
estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças de veiculação hídrica
retiram cerca de 10% do tempo médio potencialmente produtivo de uma pessoa. Além
disso, limitam o desenvolvimento físico e intelectual de grande parte das crianças que
sobrevivem às “doenças da primeira infância”.
A água subterrânea captada pelo SAAEB em poços tubulares profundos em geral é
clara, fria, neutra (pH em torno de 7,1), sem cor e mais dura que a de superfície, o que
implica custos baixos com produtos químicos para “tratar” a água, sendo necessários
apenas gastos com agentes desinfetantes e fluoretantes.
O saneamento básico é uma exigência social e política. Devem ser buscadas
alternativas de saneamento mais baratas, porém melhores e mais eficazes, para alcançar a
universalidade dos serviços e o estabelecimento de taxa social para as famílias de baixa
renda. Essas premissas têm orientado o Governo do Povo, contrariando, portanto, a gestão
privada, por acreditar que os valores arrecadados com as tarifas de água e esgoto não
podem ser objeto de lucro em detrimento da sua função social e devem ser reinvestidos na
ampliação de sistema de água e tratamento de esgoto, objetivando diminuir o grande
déficit.
Para enfrentar a situação em que cerca de 400 mil pessoas não dispõem de
abastecimento público de água no município, optou-se por um modelo de gestão diferente
do adotado até então, qual seja, a troca da captação da água superficial pela captação da
água subterrânea, articulada a estratégias de participação popular na gestão. As
Comissões de Fiscalização acompanham e fiscalizam as obras e o seu funcionamento.
Inúmeras são as razões que justificam a opção desta municipalidade pela captação
da água subterrânea como fonte de abastecimento público, muito utilizada mundialmente.
As águas subterrâneas estão relativamente protegidas contra as fontes potenciais de
poluição e exigem, em geral, investimentos menores. Além disso, a captação subterrânea
pode ser descentralizada, podendo os poços ser construídos em áreas aonde os sistemas
centralizados não chegam, em locais mais afastados, como, por exemplo, as áreas
insulares. O tempo de conclusão das obras é também menor, e a água tem uma
composição físico-química ideal para o consumo humano, não necessitando de nenhum
tratamento convencional, somente a cloração para efeito de desinfecção na rede ou nos
ramais. A sua composição proporciona aos usuários das áreas mais carentes uma fonte de
complementação de nutrientes, enquanto a água de mananciais superficiais, por ser bruta
e sofrer todo tipo de poluição ambiental, necessita de estações de tratamento, as quais
demandam vultosos investimentos.
Nessas condições, as águas subterrâneas crescem em importância social e econômica,
tornando-se a melhor alternativa para a diminuição da grande demanda não atendida,
sendo de suma importância para reduzir a incidência de doenças de veiculação hídrica.
Como aprimoramento da sua gestão, inserida no projeto democrático e popular, a
Prefeitura, com a participação de diversas entidades da sociedade civil, realizou como um
espaço de construção do Congresso da Cidade, a I Conferência Municipal de
Saneamento Ambiental, que teve como tema principal a “Autonomia Municipal e a
Gestão Democrática de Saneamento”. Esse evento representou um marco de discussão
sobre o assunto no norte do País e em nossa cidade, estando o tema diretamente vinculado
às condições do meio ambiente, da saúde, do bem estar e da qualidade de vida dos
cidadãos belenenses. O município afirmou-se como o ente federativo com competência
constitucional para a prestação dos serviços de água e esgotamento sanitário. Tudo isso na
perspectiva de reversão do quadro atual de desigualdade social, adotando-se um novo
modelo de gestão do saneamento ambiental, ancorado na visão de desenvolvimento
sustentável, na função social da cidade, no controle social e no direito à cidadania.

Balneabilidade

O Programa de Balneabilidade consiste em uma ação articulada de vários órgãos


municipais (SAAEB/FUNVERDE/SESMA) e teve seu início em maio de 1998. Esse
programa de monitoramento das praias tem especial importância na implantação do
Projeto de Tratamento de Esgoto na Ilha de Mosqueiro, o balneário mais visitado do
município. Um estudo anterior à realização das obras demonstrou o impacto ambiental e a
repercussão na balneabilidade das praias. Após a implantação do projeto, o município
disporá de parâmetros de comparação e de aferição dos seus resultados. A amostragem
das águas de todas as praias é feita semanalmente e a água é analisada no laboratório da
Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM). Além disso, um
sistema de tratamento de esgoto sanitário será implantado na Ilha do Mosqueiro.
Baseando-se na gestão democrática com controle social e no princípio de “inversão
de prioridades” do Governo do Povo, a SAAEB, ao planejar suas ações, comunga com os
interesses, anseios e necessidades da população residente em cada área carente de
saneamento, assegurando, inclusive, em cláusulas contratuais com as empresas que
realizam as obras, a incorporação de moradores do local de execução das obras. A
experiência tem mostrado que as contratações atingem de 70 a 90% do efetivo da obra.
No que concerne ao esgotamento sanitário, Belém sai do zero para a implantação de
quatro sistemas de tratamento de esgoto que servirão uma população estimada da ordem
de 103.770 habitantes nas áreas de atuação do SAAEB. Enfatizamos que, de acordo com o
planejamento do governo e a aprovação da população, as áreas que serão atendidas por
sistemas de tratamento de esgotamento sanitário se localizam na orla de Belém. O objetivo
é tornar as praias balneáveis e implementar uma ação preventiva de modo a garantir
saúde para as famílias que residem nessas áreas ou sobrevivem da relação com a água no
trabalho e obtenção de renda.
Para promover o desenvolvimento organizacional, tecnológico e operacional do
SAAEB, o Governo Municipal decidiu investir recursos da ordem de R$ 3.023.000,00 no
projeto de desenvolvimento institucional do órgão, visando à elevação dos níveis de
eficiência, de forma a otimizar os sistemas existentes de abastecimento de água e
esgotamento sanitário do município. Além de implementar as ações de saneamento, o
SAAEB, em conjunto com a FUNVERDE, SESMA e SECTAM, vem fazendo
monitoramento semanal da balneabilidade das praias de Belém desde maio de 1998.

1
Segundo recente estudo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social). Informe Econômica do Jornal do Brasil, por ROMERO, Cristiano. Caderno de
Proposta Política de Saneamento Ambiental: Inovações na perspectiva do controle social –
FASE.

2
Criada pela Lei Municipal n.º 6.695 de 17 de junho de 1969 e regulamentada pelo Decreto
n.º 12.565, de 14 de agosto de 1970, dispondo de autonomia econômico-financeira e
administrativa, tendo como competências a gestão do Sistema Público Municipal de
Abastecimento de Água e Esgoto, o que se coaduna com o disposto no Art.30, inc. V da
CF/88.

SAÚDE: A EXPERIÊNCIA DE GOVERNAR


NA PERSPECTIVA DEMOCRÁTICO-POPULAR

Do sanitarismo ao projeto neoliberal


Neste século findo, o sistema de saúde brasileiro transitou do sanitarismo
campanhista para o modelo médico-assistencial privatista, até chegar, na década de 80, ao
projeto neoliberal.
A partir do início dos anos 90, tendo como pano de fundo uma profunda crise
econômica e política, apresentavam-se no cenário sanitário brasileiro dois projetos
alternativos em permanente disputa: um, portador de nítida hegemonia, o projeto
neoliberal e, outro, contra-hegemônico, a reforma sanitária.
Até meados do século, a economia brasileira esteve dominada por um modelo
agroexportador, cujo expoente maior era o café. Em função disso, exigiram-se do sistema
de saúde, à época, uma política de saneamento dos espaços de circulação dos produtos
exportáveis e a erradicação ou controle de doenças que poderiam prejudicar a exportação.
Nesse contexto político e econômico é que se desenvolveu o sanitarismo
campanhista, tendo sido hegemônico desde o final do século XIX até a metade dos anos 60.
O modelo campanhista apresenta-se como uma estratégia de atenção à saúde de
inspiração militarista, de combate a doenças de massa, com criação de estruturas verticais,
com forte concentração de decisões e com um estilo repressivo de intervenção sobre os
corpos individuais e sociais.
Com o fim do modelo econômico agroexportador, observou-se o esvaziamento
progressivo da concepção campanhista, que cedeu espaço para a hegemonia do modelo
médico-assistencial privatista, cunhado a partir do aparecimento da assistência médica da
Previdência Social.
O Brasil viveu, a partir da década de 50, um processo de industrialização acelerado,
o que determinou um deslocamento do pólo dinâmico da economia para os centros
urbanos, gerando uma massa operária que deveria ser atendida, com outros objetivos,
pelo sistema de saúde.
O que importa, então, já não é sanear o espaço de circulação das mercadorias, mas
atuar sobre o corpo do trabalhador, mantendo e recuperando sua capacidade produtiva.
Nesse modelo é o mercado que organiza a produção e distribuição dos serviços de
saúde. A lógica desse modelo é que os serviços são constituídos não em função de
necessidades de saúde da população, mas sim a partir da existência de uma demanda
potencial, de um mercado. Os usuários sempre têm que pagar pela assistência,
diretamente – por meio de desembolso pessoal ou de seguro privado – ou indiretamente,
pela Previdência Social.
O final dos anos 70 coincide com o esgotamento do modelo médico assistencial
privatista.
Tendo como pano de fundo uma crise fiscal do Estado com graves repercussões na
Previdência Social, o modelo apresenta fortes inadequações à realidade sanitária brasileira:
a) A prática médica dominante está assentada nos aspectos curativo-reabilitadores,
não sendo capaz de alterar os perfis de morbimortalidade.
b) Como em toda atividade de mercado, há desigualdade de acesso dos usuários aos
serviços. Para a população detentora de maior renda, estruturou-se a medicina de
consultórios, em suas várias modalidades e especialidades, além de uma rede de hospitais
altamente especializados e confortáveis, em regra geral, construída com recursos
financeiros públicos. Para o restante, aqueles que recolhiam para a Previdência Social,
organizou-se uma rede de Posto de Assistência Médica (PAM) de baixa resolutividade e
efetivou-se a compra de serviços dos hospitais privados, mediante o processo de
credenciamento pela ex-INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência
Social).
c) Os custos crescentes desse modelo inviabilizavam sua expansão.
d) A superposição de ações e a ausência de controle, aliadas à crescente insatisfação
dos usuários, dos prestadores de serviços e dos trabalhadores de saúde criaram um
ambiente de total exaustão do modelo.

Os primeiros sinais da contra-hegemonia?

Era chegada a hora de mudar a configuração do modelo médico-assistencial


privatista, de forma a reciclá-lo num contexto de luta política entre projetos sanitários
alternativos. Isso ocorrerá nos anos 80/90, em decorrência de uma profunda crise
econômica e do processo de redemocratização do país.
Em 1986, ocorre o evento político-sanitário mais importante da década: a VIII
Conferência Nacional de Saúde.
O relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde sintetiza todo o pensamento
contra-hegemônico nos campos político, ideológico e institucional, formatado no que se
denominou Reforma Sanitária Brasileira, que serviu de inspiração para a elaboração do
texto constitucional de 1988 e da Lei Orgânica da Saúde (Nº8080/90) e do Controle Social
(Nº8142/90), criando-se assim em nosso país o modelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A conquista do Sistema Único de Saúde pelo povo brasileiro parecia estar ganha por
seu avanço no campo jurídico-institucional. Ledo engano. Tal modelo de concepção
socializante representa um atentado ao enfoque neoliberal da proposta de diminuição do
Estado em busca de um Estado mínimo.
J.L. Fiori1 assim expressa o seu pensamento:
“Erraram os teóricos, equivocaram-se os políticos e frustaram-se os reformistas. Os primeiros
erraram ao considerar que a transição democrática, no Brasil, foi apenas uma transição pactuada. Os
segundos equivocaram-se ao construírem suas estratégias democratizantes sobre o suposto de que a
crise econômica que o Brasil enfrentava, desde o início da década de 80, era conjuntural e não
comprometeria jamais uma estrutura industrial solidamente construída e preparada para o salto rumo
a uma sociedade democrática e de consumo de massas. Frustaram-se os últimos, por fim, ao acreditar
que apenas a força das leis e das reformas administrativas seria suficiente para ampliar a cidadania e
comprometer o Estado com suas responsabilidades democráticas, liquidando, assim, longa dívida social
de nossas elites e do poder público com a grande maioria da população”.
Houve avanços no campo jurídico, porém, passados 11 anos após a promulgação da
Constituição de 1988, o processo de implantação e consolidação do Sistema Único de
Saúde em nosso país vem enfrentando avanços e retrocessos para a população, em função
da ideologia dominante à frente dos Governos Federal, Estadual e Municipal.

A saúde para todos em Belém

Nesse contexto é que se travou em Belém, nas eleições de 1996, a disputa entre dois
projetos de saúde para o município: o modelo neoliberal e o modelo da Reforma Sanitária.
Ambos propugnavam a implementação do SUS em Belém, porém, com concepções
distintas quanto ao encaminhamento da sua operacionalização.
O povo venceu e foi vitorioso o modelo de saúde inspirado nos ideais da reforma
sanitária.
Decorridos 3 anos de governo democrático e popular em Belém, há de se perceber
com muita nitidez os avanços na consolidação do SUS e do resgate de seu ideário,
mediante a observação dos pilares fundamentais: resgate da gestão da saúde pelo poder
público municipal, planejamento estratégico da cidade, traduzido na ampliação da oferta
de serviços de saúde pelo poder público e, fundamentalmente, pela participação popular
na construção coletiva de políticas públicas de saúde.
Por outro lado, é preciso, antes de aprofundar a análise sobre a gestão da saúde no
Governo do Povo, traçar um paralelo entre as formas de concepção do SUS no modelo
neoliberal e no modelo da reforma sanitária.
O modelo neoliberal de implementação do SUS foi construído a partir de uma
reciclagem da proposta conservadora do modelo médico-assistencial privatista. Ele se
apresenta como expressão local de uma onda internacional - uma ideologia neoliberal que
marca fortemente as políticas sociais brasileiras.
No campo das políticas sociais, as estratégias de estabilização ou de ajustes
neoliberais assentam-se em três opções fundamentais: a privatização, a descentralização e
a focalização.
A privatização dos serviços de saúde remete a regulação a mecanismos de mercado
que, quase sempre, nesse setor, incrementam a regressividade do sistema, penalizando os
que menos podem. Além disso, a privatização dá-se, invariavelmente, induzida por
mecanismos de subsídio estatal direto ou indireto às empresas ou de forma muito
mascarada pelo patrimonialismo que constitui uma apropriação privada do Estado, o que
é, também, socialmente injusto.
A segunda opção é a descentralização que, no enfoque neoliberal, é concebida num
contexto de uma proposta de diminuição do Estado em busca de um Estado mínimo, o
que ocasiona graves distorções no Estado democrático, pois ocasiona uma fragilização do
papel soberano do Estado sobre as políticas sociais e a diminuição do seu papel
redistributivo, o que fere mortalmente a eficiência alocativa dos recursos para regiões e
grupos discriminados socialmente.
A terceira opção, a focalização, decorre do fato de que os gastos sociais públicos
chegam, em pequena proporção, aos setores pobres da sociedade e que, portanto, para eles
devem ser dirigidos, prioritariamente, os recursos para os programas sociais, o que levou a
política de focalização, mas sem pressão social, a transformar-se numa neofilantropia.
No campo da saúde, a focalização aparece com clareza nas propostas de
reorganização da atenção básica seletiva, especialmente na medicina simplificada (cesta
básica para pobres), ficando a cargo da iniciativa privada a exploração dos serviços de
média e alta complexidade (procedimentos mais rentáveis pagos pelo SUS).
Enfim, o modelo conservador hegemônico no campo da saúde, a partir da década de
80, desrespeita o texto constitucional, pois abre mão da função pública do Estado em
relação à saúde em favor da iniciativa privada e trata o controle social como mero
instrumento homologatório de suas decisões, tentando passar a impressão que estamos
vivenciando um pleno estado democrático.
O modelo da reforma sanitária de implementação do SUS substitui o mercado como
principal critério para organizar e distribuir serviços de saúde pelo PLANEJAMENTO.
Realizado não a partir do poder aquisitivo das pessoas, mas de suas necessidades de
saúde. Nesse modelo, a saúde passa a ser considerada um direito de cidadania. O
atendimento é universal, gratuito e organizado, a partir de uma racionalidade técnica e
política, hierarquizado segundo a complexidade da atenção e regionalizado conforme a
distribuição populacional e o perfil epidemiológico das comunidades.
O modelo da reforma sanitária é antagônico à medicina de mercado, que pode existir
apenas em caráter complementar ao sistema público ou como prática alternativa custeada
diretamente apenas pelos que optassem por tal modalidade de assistência.
Nesse modelo, é imprescindível a participação popular organizada no planejamento
e definição das políticas de saúde. É fundamental a abertura de canal direto com a
população, por meio da realização sistemática das Conferências de Saúde e do pleno
funcionamento do Conselho de Saúde, como instância deliberativa da alocação dos
recursos e respectiva prestação de contas.
A forma de gestão deve ser colegiada. O poder público deve acatar
democraticamente as entidades de representação eleita na conferência de saúde, por
segmento, e com composição de 25% prestadores de serviço de saúde, 25% trabalhadores
de saúde e 50% entidades de usuários.
Neste sentido é que, desde 1997, em Belém, com a vitória da Frente Belém Popular,
vem sendo construído na saúde um modelo contra-hegemônico ao modelo neoliberal.
Nosso compromisso é com a luta dos reformistas sanitários, que defendem um Sistema
Único de Saúde, inclusivo e universalizante, sob gestão municipal e com participação
popular.
Decorridos 03 (três) anos, o Governo do Povo acumulou experiências vitoriosas que
elevaram a saúde pública de Belém para um patamar nunca visto antes na história da
saúde pública em nossa cidade.
A Secretaria Municipal de Saúde (SESMA) foi reorganizada, a fim de levar a cabo a
missão institucional de tornar a SESMA gestora plena do Sistema Municipal de Saúde. A
saúde foi municipalizada em Belém, com apenas 22 (vinte e dois) dias de governo; suas
ações foram planejadas para o período 1997/2000, a partir de diretrizes, e de forma
coerente com os ideários da reforma sanitária - trabalhamos os princípios da
universalidade, integralidade e controle social.
Apostando na gestão colegiada, como forma de condução do processo, foi ampliada
a rede básica de saúde e construída a retaguarda dessa rede e concebida uma política
distritalizada para o atendimento de urgência e emergência, devidamente articulada com
um eficiente sistema de resgate pré-hospitalar.
Na área da vigilância à saúde, estruturamos os serviços de vigilância
epidemiológica, vigilância sanitária, controle de endemias e controle de zoonoses.
A Saúde foi resgatada enquanto política pública, na concepção de qualidade social
de vida.
No sentido de dar suporte administrativo ao crescimento geométrico da gestão
popular e democrática da saúde, implementamos uma política de modernização dos
insumos, qualificando o processo de compra, armazenagem, controle de estoque e
dispensação dos produtos. Contamos hoje com o mais moderno e eficiente almoxarifado
central municipal da Região Norte.
Além disso, para exercer o papel regulador do setor público estadual e federal, e
também do setor privado, o Governo do Povo montou toda uma estrutura de controle,
avaliação e auditoria do sistema de saúde, no sentido de zelar pelo correto gasto do
dinheiro público, na compra de serviços de saúde de prestadores credenciados pelo SUS-
Municipal.
Avançamos mais ainda no tocante à participação popular, pois foram criados novos
canais de controle social, muito além daqueles previstos na legislação da saúde:
Orçamento Participativo, Conselho Gestor de Unidades de Saúde e Conselho Distrital de
Saúde.
Rompendo com o padrão vigente, no Governo do Povo, a rede de atenção foi
totalmente reorganizada pelo Programa Família Saudável sob inspiração da política de
saúde cubana.
Em nosso projeto, o Família Saudável é concebido como porta de entrada do sistema
de saúde municipal, e as atuais unidades municipais de saúde passam a ser as unidades
de referência dessa estratégia.
Há mudança de intervenção no processo saúde/doença, pois o Família Saudável
possibilita a atuação sobre o risco (promoção e prevenção) e não sobre o dano (tratamento
e reabilitação).
O Programa Família Saudável possibilita também o vínculo da clientela com os
trabalhadores de saúde, delimitando o raio de ação da equipe, mediante o cadastramento de
domicílios. Desta feita desencadeia-se o processo de criação dos distritos sanitários,
concebido como processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de
Saúde.
1
FIORI, José Luis. Ajuste, transição e governabilidade: o enigma brasileiro, p. 127-193. In:
TAVRES, Maria da Conceição. (Des) Ajuste global e modernização conservadora. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1993. 193p.
ESSÊNCIA, APARÊNCIA E COMUNICAÇÃO
NA PRÁTICA DO GOVERNO DO POVO DE BELÉM

Sociedade e comunicação

O estudo dos processos de comunicação é o estudo da relação aparência/essência no


interior de uma forma particular de organização social. Cada modo de produção é uma
maneira de resolver a materialidade, mas é, também, a construção das condições
necessárias para tal. Ou seja, a comunicação e seus processos não existem separados da
vida da sociedade, são, portanto, subprodutos da necessidade que as classes em disputa
têm em criar nexos psicofísicos e potencializar a hegemonia ou a disputa por ela,
neutralizando as ações de contra-hegemonia. Sociedade e comunicação são, portanto, uma
coisa só. É através dela que os valores são transmitidos e o saber coletivo é construído, seja
pela via da comunicação tradicional, interpessoal, seja pela comunicação impessoal,
mediada, “mediatizada” pela mídia, por meio da qual a classe dominante pode dizer,
formular e declarar abertamente as táticas de reprodução do seu poder.
Essa reprodução não pode ser confundida com a mera ocultação ou dissimulação
dos propósitos e objetivos da classe hegemônica, pois se trata de produção e reprodução
de saber e de técnicas de saber que a qualifica como instrumento privado de hegemonia,
de relação de poder, consentimento e dominância.
Edmundo Fernandes Dias1, no trabalho Hegemonia: racionalidade que se faz história,
analisando o pensamento de Antonio Gramsci e sua atualidade, afirma que a
complexidade do mundo cultural atual não passa apenas pelos sistemas formais de
aprendizado (do pré-primário à pós-graduação), “mas pelo conjunto de formas de
comunicação (das grandes cadeias de rádio e tv às grandes casas editoriais, passando
necessariamente pelos jornais e revistas de consumo de massa, as formadoras de opinião e/ou
especializadas)”.
Por isso, para Fernandes, a censura, do modo como a conhecemos no ciclo militar
aberto pós-64, não é mais necessária. Os meios de comunicação exercem esse poder de
maneira mais sutil e eficiente: se não deu no Jornal Nacional, é porque não aconteceu. Por
outro lado, se deu no Jornal Nacional de maneira distorcida, fica a versão da mídia. A
mídia reconstrói a realidade mediante representação.

A Idade Mídia

A “Idade Mídia”, o período histórico das sociedades centradas na mídia (media


centric), abriu-se com a conexão orgânica entre comunicação e política. Esse período define-
se pela imbricação de processos, de relações, que ora ocultam, ora revelam a luta de classes
que os anima, mas que atuam, em todas as esferas da vida social, como instrumento de
consentimento político das massas ao papel dirigente e dominante da burguesia nos
controles ideológico, político e econômico do excedente gerado pela classe trabalhadora.
Foi para explorar comercial e tecnologicamente as capacidades ideológicas,
consensuais e coercitivas da comunicação que se organizaram os meios de comunicação de
massa, a indústria da comunicação. As características básicas dessa indústria são a
unidirecionalidade, a padronização, a superconcentração do atingimento, a monopolização dos
instrumentos, a instrumentalização político-partidária e o sucateamento dos instrumentos
públicos (estatais) de comunicação de massas.
Esses meios (media) evoluíram para um campo social específico, que detém
dinâmicas e interesses singulares, porém guardando nessa “autonomização” relativa e
aparente conexões combinatórias habitadas por uma certa visão de mundo, que prevê a
perpetuação do status quo e que se constitui como substrato material do consenso das
massas em relação ao poder da classe dominante.
Em outras palavras, o modo capitalista de produção desenvolveu, paralelamente ao
processo de avanço das forças produtivas, a indústria do signo que, ao longo do século XX,
foi ganhando espaço a ponto de definir a agenda dos temas relevantes para a discussão na
esfera pública, canalizar as demandas da população junto a governos ou gerar e transmitir
informações políticas. A esfera do poder no capitalismo globalizado gira não apenas sobre
a produção e distribuição do produto social, mas sobre a produção e distribuição
imaterial, ideológica, em que coerção e convencimento são pilares estruturais de uma
mesma construção simbólica.
A mídia tornou-se parte da totalidade social, atuando em todos os níveis e instâncias
articuladas, cuja eficácia prevê sua “autonomia relativa”, e também um papel ativo como
aparelho ideológico, que “molda”, por métodos próprios, sutis combinações discursivas,
mas cujo resultado final é garantir a reprodução das relações de produção dadas, isto é, as
relações de exploração capitalistas.
Utilizando a metáfora espacial, podemos dizer que todo “o edifício social” está
atravessado pelos “dutos” da mídia. A produção material, a produção simbólica, a
articulação dos direitos, a criação de intelectuais que expressem e ampliem a racionalidade
da classe hegemônica, necessidades vitais para a manutenção do poder, são elementos
que, compreendidos em sua dimensão sociolingüística, localizam-se ao mesmo tempo na
estrutura (como elemento econômico vital no capitalismo moderno) e na superestrutura
(vital para a reprodução das condições de produção e para expressar a diretriz política e
cultural da sociedade).
Os meios de comunicação hoje se ramificam por todo o tecido social. Não é mais e
apenas o “aparelho de informação” (Althusser), despejando pela imprensa, pela rádio,
pela tv, “doses diárias de nacionalismo, chauvinismo, liberalismo, moralismo, etc”,
levados adiante pelos “profissionais da ideologia”, devotados, de maneira consciente ou
não, ao labor a difundir um sistema de idéias, representações e valores que expressa
sempre, qualquer que seja sua forma, posições de classe. É, sim, um elemento estrutural do
modo de produção vigente em sua etapa globalizada, tanto como instrumento ativo na
geração de lucro quanto cumprindo funções de direção ideológica particular, por meio das
quais a relação dominantes/dominados deve se fundar num consentimento ativo das
classes subalternas.
A mídia na atualidade é um momento das relações de produção, de exploração, de
extração do sobretrabalho (espaço de reprodução e acumulação do capital e da extração da
mais valia, ou seja, da estrutura) e, ao mesmo tempo, um instrumento de reprodução
ampliada da ideologia da classe hegemônica (superestrutura).
Sendo espaço de reprodução/circulação do capital e, simultaneamente, instrumento
de legitimação do consenso, é, na atualidade da luta de classes, um espaço estratégico a ser
ocupado. Esse papel de legitimação do consenso na modernidade ocupado pelo “aparelho
de informação” (Poulantzas) de maneira direta foi, originalmente, cumprido pela Igreja (o
aparelho religioso), pela escola e pela cultura, que permanecem compondo esse arsenal,
mas como elementos instrumentais. Na atualidade, a mídia (ou a comunicação midiática)
ganhou o papel de organizadora do aparelho ideológico, que antes era exercido
exclusivamente pelo Estado por meio de mecanismos multitudinários.
Dito de outro modo, na Idade Mídia, o poder não se concentra apenas no Estado,
ainda que concebido de maneira ampla. Está para além dele, inserido na estrutura do MPC
como elemento de representação e de reprodução, articulador de uma vasta rede de
aparelhos hegemônicos privados, semipúblicos e públicos.
Se compreendemos, assim, que tudo é comunicação, ou seja, a comunicação é o
elemento dinâmico que atravessa a vida social deixando resíduos que ocupam,
paulatinamente, espaços vitais na consciência dos indivíduos concretos, lutar pela
apropriação de seus instrumentos é decisivo na luta pelo poder.
Tomar as armas e quartéis não é mais o suficiente, como fora na primeira metade do
século XX. Agora, é preciso tomar a casamata ideológica, a fábrica de signos que reproduz
as condições materiais e imateriais da produção capitalista, é preciso tomar a mídia.
Essa é a razão pela qual qualificar o trabalho cognitivo das massas passou a ser parte
da luta pela direção política e cultural da sociedade, que os trabalhadores travam. Ganhar
a consciência das massas com exemplos, com imagens, com signos distintivos entre os
trabalhadores e “as elites dominantes”, que solidifiquem a identidade do povo com nosso
projeto é a tarefa prévia que deve ser encarada como tarefa coletiva de um governo
democrático e popular. Entretanto, não é uma luta pela imposição do ilusionismo, é uma
luta ideológica pela distinção entre verdade e simulacro, entre comunicação real e irreal,
entre concreto e imaterial. É, portanto, a luta pela apropriação dos instrumentos de
construção de significação, hoje monopolizados pela classe dominante.
Comunicação de guerrilha

Júlio Cortázar2 , em Histórias de cronópios e famas, ilustra de maneira magistral a


perenidade da mídia. Uma das histórias conta o caso de um homem que comprou seu
matutino predileto e o folheou no banco da praça, até perceber que, milagrosamente, ele se
transformava em maço de papel. Deixou-o sobre o banco e, ali, tão logo um transeunte o
viu, o maço de papel transformou-se novamente em jornal. E assim foi, até o fim do dia,
quando o jornal consumou a metamorfose, condenado definitivamente a voltar às suas
origens.
No mesmo livro, Cortázar narra um conto que revela, metaforicamente, o poder da
persuasão e o medo que advém desse poder. Passa-se em um país dirigido por um tirano,
onde morava um homem que vendia palavras. Certo dia, o homem convenceu o tirano a
comprar uma palavra que, dita no momento oportuno, o notabilizaria diante da
posteridade. O tirano esticou a cabeça para ouvir a palavra e teve seu pescoço decepado
pelos próprios ministros, que a tudo assistiam, temerosos da glória definitiva de seu chefe.
O vendedor de palavras foi torturado até a morte. Depois, pairou sobre todos a dúvida se
a palavra realmente existia. Envelheceram e morreram num país silencioso, onde as
palavras poderiam prover vida ou morte a quem as pronunciasse.
Nossa missão, à frente da Comunicação oficial da Prefeitura de Belém, era
diferenciar-nos dos vendedores de palavras e estabelecer com a grande mídia uma relação
soberana, baseada no programa de forte apelo popular que nos havia conduzido ao
governo municipal e numa interpretação marxista do papel da comunicação midiática em
promover a visibilidade ou não das ações políticas. Compreender o poder de publicização
e silenciamento da mídia é, desde logo, uma necessidade para transitar nesse campo
minado. O reconhecimento da mídia como instrumento de trabalho, fonte de informação e
entretenimento, como construtora das representações coletivas, instrumento mais
dinâmico da economia capitalista atual, é uma precondição para uma intervenção
politicamente consciente no processo de construção da contra-hegemonia popular.
A estrutura da Coordenadoria de Comunicação (Comus), preexistente e construída
para servir como um grande cabide de emprego para colunistas e repórteres, foi
totalmente alterada para integrar experiências cognitivas advindas das classes subalternas.
Hoje, com poucos recursos diante de tamanho desafio que era o de consolidar a imagem
do governo democrático e popular de Belém, inovamos em experiências -- com convites a
expô-las em pelo menos três eventos fora do Estado: Porto Alegre, Santo André e Brasília.
A primeira alteração simbólica consistiu em definir um slogan que fosse a síntese
político-ideológica de largo espectro, que pudesse servir de eixo norteador da prática de
governo e que sinalizasse “para fora” uma mudança no eixo de poder que a
municipalidade passara a exercer.
A administração anterior (PFL, PDT, PSDB) tinha como slogan a frase “caminhando
com o povo”, que definia um corte radical entre governo e povo, distinguindo os
governantes e suas estruturas da massa popular.
Nosso slogan precisa ser um contraponto também radical a essa visão de
administração pública. “Governo do Povo” passou a ser mais que um slogan, um
instrumento de demarcação de classe. Esse governo não era algo estranho, alienado, que
precisava caminhar com o povo, mas o próprio povo em marcha, decidindo, governando.
Governo do Povo, que havia sido o slogan do governo de unidade popular chileno
dirigido por Salvador Allende na primeira metade da década de 70, passava agora a
tremular na bandeira do primeiro governo democrático e popular em uma metrópole
amazônica.
A logomarca passava a ser composta por três estrelas estilizadas, para ganhar
contornos humanos, sobrepostas, que simbolizavam a marcha do povo, a unidade na luta
e o respeito às minorias – duas das estrelas eram vermelhas e uma amarela.
Para o Coletivo responsável pela coordenação de nossas realizações no campo da
comunicação, negar as experiências que acumulamos no movimento social significaria
negar a identidade intelectual de classe, ou seja, o direito à cidadania de toda essa
produção.
Por isso, a experiência da TV de Rua, utilizada durante a campanha eleitoral de 96 e
que consistia em produzir e reproduzir vídeos temáticos de conteúdo marcadamente
político, a partir da fala do próprio povo e de shows populares nos bairros, passou a fazer
parte da estrutura de comunicação oficial da Prefeitura de Belém. Essa prática abriu um
lugar social para a comunicação popular, para além dos limites lingüístico-discursivos.
Com isso, buscamos reproduzir “efeitos de mídia” nos acontecimentos de rua, da praça,
do bairro. A comunicação popular de rua pode expressar-se e está expressando-se em
múltiplas frentes a partir do estímulo do poder público municipal, coisa impensável nas
gestões de direita.
A partir da prática das rádios comunitárias, criamos e implantamos os Núcleos de
Rádio, que são responsáveis não apenas pela produção de spots, mas também pela
expansão consciente de nossas ações na área de comunicação comunitária, com o uso de
rádios livres. Montamos também um pequeno estúdio para gravações de programas
radiofônicos, que passaram a ser produzidos diretamente pela Comus e instalamos o
serviço de acompanhamento de radio e TV escuta. Acompanhando, formulando e
produzindo, nossa ação busca romper com a noção instrumental da comunicação
radiofônica, assumindo que ela pode ocupar um espaço como elemento estruturador, e
não apenas reprodutor, da dimensão político-pedagógica do nosso discurso.
Diferentemente de outras administrações populares que interpretavam a
publicidade como um campo fechado e intransponível, compreendemos que ela constitui,
efetivamente, um momento fundamental da realização da mercadoria no capitalismo
contemporâneo. Guarda, por essa via, uma técnica própria, essencial na concorrência de
marca, a ponto de tornar-se uma das zonas mais dinâmicas do capitalismo moderno. Fazer
comunicação ignorando a publicidade seria a negação da dimensão estruturadora que a
linguagem publicitária guarda na realidade/mundo atual.
Partindo dessa premissa, empreendemos logo no primeiro ano a licitação para
agências de publicidade. De forma democrática, ampliamos o mercado, antes confinado a
uma única empresa, para oito agências licitadas. As secretarias foram dividas e, de acordo
com o peso específico, entregues às agências em lotes, de acordo com sua classificação no
processo seletivo. O ponto de convergência das ações de comunicação é a Comus, ainda
que tenhamos possibilitado espaços de descentralização através das assessorias de
imprensa setoriais. Nossa performance nessa área foi tão positiva que, por três anos
consecutivos, peças da Prefeitura de Belém venceram o Prêmio Central de Outdoor,
conquistando medalhas de ouro na categoria “Serviços Públicos”.
A criação do cargo de assessor de imprensa em algumas secretarias-chave foi uma
forma de trabalho descentralizado de acesso à mídia e de construção de espaços de
realização política a partir das esferas centrais da administração pública. Com isso, não
apenas criamos mais empregos, como também possibilitamos a capacidade de acionar os
mecanismos de resposta muito mais agilmente.
A comunicação, inserida no processo das relações econômicas e sociais, é um jogo de
tensões e dominâncias em que a tecnologia atua como instrumento de mutação imediata.
A criação de modalidades de comunicação “não-convencionais” é um dos campos em que
essa mutação acontece de modo a remeter a comunicação de espaços materiais para
espaços virtuais. A web, a rede mundial de computadores, é um “não-lugar” onde os
suportes sócio-tecnológicos e a luta pela democracia comunicacional se articulam em uma
dinâmica aparentemente neutra, mas carregada de percepções políticas. Partindo dessa
premissa, no primeiro ano já tínhamos no ar nossa home-page (www.comus.com.br),
instalada pelo Núcleo de Informática, com um design moderno e um padrão de
interatividade avançado. Passamos a produzir, também, o boletim “on line” Belém em Rede,
com notícias instantâneas, que são enviadas a uma extensa lista de partidos, lideranças,
sindicatos, imprensa e articulistas da grande imprensa.
Jorge Almeida3, professor da UFBA, escreveu, com propriedade, que:
“a democratização dos meios de comunicação é indispensável para a democratização da
sociedade, pois hoje não é suficiente falar em liberdade de expressão e manifestação, se isto não for
acompanhado do direito de expressar opiniões através dos grandes meios de comunicação”.
Abrir espaços nos grandes meios de comunicação, por isso, tem sido tarefa
incansável de nosso infantaria e temos obtido vitórias significativas. No entanto, cercados
por jornais hostis às ações que buscassem inverter a noção de prioridade do poder público,
vimo-nos obrigados a ter também um meio impresso para divulgar nossas atividades.
Assim surgiu o Jornal do Povo, formato tablóide, quatro páginas, que semanalmente
divulga as principais ações da PMB. Além da divulgação permanente das atividades de
governo, o Jornal do Povo é um registro semanal do cumprimento da agenda social e de
obras da prefeitura popular.
Em paralelo a essas medidas, criamos um monitoramento de avaliação do governo
democrático e popular por meio de pesquisas de opinião pública com série histórica.
Realizadas de dois em dois meses, as sondagens de opinião servem como balizadoras das
ações de governo e das diretrizes de comunicação de massa.
No sentido de ampliar a discussão da democratização do acesso à informação,
realizamos vários seminários voltados ao secretariado, donos de agências de publicidade e
profissionais da Comus e assessores de imprensa. Ainda na área de inovação de
experiências de comunicação, instalamos duas oficinas - uma de rádio e outra de jornal
impresso -- que faziam parte da programação da instalação do Orçamento Participativo da
Juventude (experiência inédita no Brasil, na área de participação popular), com jovens na
faixa etária entre 14 e 20 anos que tiveram noções básicas de reportagem, redação,
fotografia, edição, gravação, cujos resultados concretos se transformaram em um jornal
formato A-4 intitulado “Metendo o Verbo” e um piloto de programa de rádio chamado
“Arroto Cabano”.
Belém é uma das capitais com o mais ampliado leque de produção na área de
comunicação. São experiências inovadoras, com uma equipe enxuta e afinada com o
modelo de gestão democrático e popular e que tem como base o discurso da inversão de
prioridades e a consolidação da concepção de que comunicação se faz no dia-a-dia, de
forma ética, perseguindo os espaços muitas vezes negados e/ou pouco receptivos.
A Amazônia sul-americana, vista do cosmos, corresponde a 1/20 da superfície
terrestre, 2/5 da América do Sul, 3/5 do Brasil, contém 1/5 da disponibilidade mundial de
água doce e 1/3 das reservas mundiais de florestas. Aqui, mais do que em qualquer lugar,
preservar os espaços conquistados e avançar serão sempre o nosso maior desafio.

Essência, aparência

Estudando o pensamento de Lenin, Henri Lefebvre4  escreveu:


“Enquanto ilusão ideológica e reflexo errado (mutilado, invertido), a ideologia procede de um
erro de agulha sempre possível no discurso do esforço que vai do imediato ao abstrato. Mas, mesmo na
ilusão, é preciso distinguir vários componentes: a imaginação e o sonho (que pode ser fecundo) – a das
imagens e dos sonhos vazios”.
Ou seja, a consciência imediata e a consciência espontânea são ao mesmo tempo
verdadeiras e falsas. Ou, dito de outro modo: não são nem verdadeiras nem falsas. Tudo
depende daquilo que a reflexão, que atinge o reflexo verdadeiro (o conceito), extrai, por
meio duma série de esforços reflexivos (de mediações), dos fenômenos e aparências
imediatas.
Escreveu Lenin:
Quem São os Amigos do Povo: “a construção de estradas de ferro parece um empreendimento
simples, democrático, cultural, civilizador (...). Mas os laços capitalistas que ligam por mil fios estas
empresas à propriedade privada dos meios de produção em geral fizeram desta construção um
instrumento de opressão”.
Essência e aparência revelam, retratam, mais que distinções entre forma e conteúdo.
A dicotomia, ou mais, a dialética entre essência e aparência está por desvendar o
conteúdo objetivo naquilo que Lenin denominou Teoria do Reflexo.
Segundo a teoria de Lenin, “a aparência é a essência numa das suas determinações, numa
das suas relações, num dos seus momentos”.
A aparência dissimula a essência e, contudo, a contém e revela.
A essência é aparência. Ao estudar a aparência, chegamos à essência. Essa essência
torna-se para nós um fenômeno que contém, dissimula e revela outra essência, ainda mais
profunda. A dialética desse processo é infinita.
Lenin exemplifica com um rio:
“No alto há espuma, embaixo, correntes profundas. Há correntes mais ou menos profundas até
aquela que cava o leito do rio, determina a orientação de todas as águas e designa o futuro. Para
conhecer, temos que ir mais fundo: estudar o solo, a formação geológica, etc. Contudo, a espuma é
também a expressão da essência; é preciso, ao mesmo tempo, examiná-la e afastá-la para atingir as
correntes mais profundas”.
Essa imagem exprime a vida social: espuma das ideologias – correntes profundas
que fazem a história. A análise vai das superestruturas, dos fenômenos (da consciência)
para o que faz o fundo do movimento, atravessando as correntes intermediárias no rio.
Marx mostrou como as aparências e ilusões se desenvolvem objetivamente em erros.
No fetichismo econômico, por exemplo, a mercadoria, o dinheiro, o capital parecem coisas,
mas a análise os mostra como manifestação de relações humanas determinadas.
Imobilizada, fetichizada, a aparência torna-se uma realidade mistificadora e opressiva.

1
DIAS, Edmundo Fernandes. Hegemonia: racionalidade que se faz história,. São Paulo:
Xamã Editorial, 1999.

2
CORTÁZAR, Júlio. Histórias de cronopios e famas. Tradução Glória Rodrigues. 6ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 127p.

3
ALMEIDA, Jorge. Mídia, Estado e estratégia de contra-hegemonia In Estratégia: a luta
política para além do visível. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999, p. 90.

4
LEFEBVRE, Henri. La Pensée de Lenine. Paris: Bordas Editeurs, 157. 356p.
Colaboradores

Alcir Matos  Aloísio Guapindaia  Antonio Leite 


Benecilda Sanches  Carlos Matos  Carlos Henrique Gonçalves 
Charles Alcântara  Eduardo Sizo  Francisco Cavalcante 
Fernando Pinho  Georgina Tolosa Galvão de Souza  Graça Costa 
Guilherme Carvalho  João Gomes  Lúcia Hussak  Luciene Medeiros  Luís Arnaldo Campos 
Márcia Gemaque  Maria Alice Guarani 
Marcos Damasceno  Reginaldo Abreu  Roberto Martins 
Sílvia Fernandes  Selma Leni Brito Rodrigues  Sílvia Mercês Alves 
Tereza Trindade  Valmir Bispo dos Santos  Valdemar Ferreira Araújo 
Valcir Bispo dos Santos  Vitor Hugo Gomes.
Prefeitura Municipal de Belém

Edmilson Brito Rodrigues


Prefeito

Valdir Ganzer
Vice-prefeito

Aldenor Monteiro de Araújo Júnior


Chefe de Gabinete – GAB. PREF. e coordenador
de Comunicação Social – COMUS

Esmerino Neri Batista Filho


Secretário de Administração – SEMAD

Esther Bemerguy de Albuquerque


Secretária de Finanças – SEFIN

Egídio Machado Sales Filho


Secretário de Assuntos Jurídicos – SEMAJ

Raimundo Luiz Silva Araújo


Secretário de Educação – SEMEC;
Presidente em exercício da FUNBOSQUE
e Presidente em exercício da FMAE

Evandilson Freitas de Andrade


Secretário de Urbanismo – SEURB

Amaury Braga Dandas


Secretário de Saúde – SESMA

Francisco Eduardo Pasetto Lopes


Secretário de Saneamento – SESAN
e Diretor-presidente do SAAEB

Carlos Alberto Barros Bordalo


Secretário de Economia – SECON

Jurandir Santos de Novaes


Secretária de Coordenação Geral
do Planejamento e Gestão – SEGEP

Neuton Miranda Sobrinho


Secretário de Habitação – SEHAB

Adalberto Aguiar Nunes


Agente Distrital de Icoaraci – ADIC
Getúlio Waldisney B. Trindade
Agente Distrital de Mosqueiro – ADMO

Manfredo Ximenes Ponte


Administrador Regional de Outeiro – AROUT

Sandra Helena Morais Leite


Presidente do Instituto de Previdência e Assistência
do Município de Belém – IPAMB

Sandra Helena Ribeiro Cruz


Presidente da Fundação Papa João XXIII – FUNPAPA

Márcio Augusto Freitas de Meira


Presidente da Fundação Cultural
do Município de Belém – FUMBEL

José de Andrade Raiol


Presidente da Companhia de Transporte
do Município de Belém – CTBEL

Everaldo Carmo da Silva


Presidente da Companhia de Desenvolvimento e Administração
da Área Metropolitana de Belém – CODEM
e Presidente da Companhia de Informática de Belém – CINBESA

Leila Maria Tavares Jinkings


Presidente da Companhia de Turismo de Belém – BELEMTUR

Fernando Luis Costa Maia


Presidente da Fundação Parques e Áreas Verdes de Belém – FUNVERDE

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