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Sobolos rios que vão

Este longo poema é conhecido pelos títulos de Sobolos rios que vão –transcrição do primeiro verso–,
mas também como Super flumina, do versículo da Bíblia que inspirou a sua composição e ainda como
Redondilhas de Babel e Sião. Este último título deve-se ao facto de se tratar de um poema escrito em
versos de redondilha maior, nome dado aos versos de sete sílabas métricas. É mais um factor curioso a
acrescentar à análise deste poema, a mistura da temática tão marcadamente Renascentista, com o uso
de uma métrica tradicional, já que o verso de sete sílabas é, ainda hoje, o metro preferido pelos poetas
repentistas e populares, dem como pelos autores de letras para canções. A maioria dos fados, por
exemplo, tem letras constituídas por versos de sete sílabas.
Além da sua grande beleza, este poema tem suscitado grande número de interpretações, tanto religiosas
como literárias e até esotéricas.
Este poema, inspirado como atrás ficou dito, por uma passagem bíblica em que os hebreus, cativos em
Babilónia, lamentam o seu passado na terra de Sião, pode ser, no seu todo, interpretado de várias
formas.
Pode considerar-se como o lamento de um homem que, na meia idade, lamenta saudoso a sua
juventude. Mas o próprio sujeito de enunciação desmente essa ideia, com os versos:

Mas deixar nesta espessura


o canto da mocidade,
não cuide a gente futura
que será obra da idade
o que é força da ventura.

Ele mesmo nos indica o caminho, um dos caminhos de interpretação do seu lamento: um homem
desiludido no amor, lamenta o tempo passado em que ainda alimentava a ilusão de ser correspondido.
Assim, Super Flumina...' é, também, um lamento de amor.
Ele é, igualmente, o lamento da alma que, prisioneira do corpo, lamenta a sua estadia no mundo
verdadeiro, o mundo das ideias. Camões explana neste poema a essência do Neo-Platonismo.
Para entender na sua plenitude esta vertente de Super Flumina... é imprescindível uma leitura
cuidadosa e atenta de Alegoria da Caverna, um excerto da República de Platão. Neste diálogo, o
filósofo explica, através de uma alegoria, a existência de um mundo ideal, onde se encontram as
verdadeiras coisas, e onde vivem as almas e, pressupõe-se, a Divindade Suprema. O mundo tangível,
aquele em que os nossos corpos vivem, é apenas uma projecção, uma sombra, desse mundo ideal. É
desse mundo perfeito que a alma eterna, aprisionada no corpo mortal durante a vida terrena, tem
saudades. Isso está perfeitamente expresso nos versos:

Mas ó tu, terra de Glória,


se eu nunca vi tua essência,
como me lembras na ausência?
Não me lembras na memória,
senão na reminiscência.
Que a alma é tábua rasa,
que, com a escrita doutrina
celeste, tanto imagina,
que voa da própria casa
e sobe à pátria divina.

Não é, logo, a saudade


das terras onde naceu
a carne, mas é do Céu,
daquela santa cidade,
donde esta alma descendeu.

Esta filosofia clássica, passada pelo crivo do Catolicismo, é a própria essência do ideal Neo-Platónico:
o mundo ideal de Platão é a Cidade de Deus e a ideia de uma alma eterna presa num corpo mortal
parece ter sido criade de propósito para o Cristianismo.
SUPER FLUMINA ... para onde estáveis, correndo; das gentes tão celebrado?
e as águas, que iam decendo, Porque o deixava de usar?
Sôbolos rios que vão tornavam logo a subir: Pois sempre ajuda a passar
por Babilónia, m'achei, jamais vos não ouvirão qualquer trabalho passado.
onde sentado chorei os tigres, que se amansavam,
as lembranças de Sião e as ovelhas, que pastavam, Canta o caminhante ledo
e quanto nela passei. das ervas se fartarão no caminho trabalhoso.
Ali o rio corrente que por vos ouvir deixavam. por antr'o espesso arvoredo
de meus olhos foi manado, e, de noite, o temeroso
e tudo bem comparado, Já não fareis docemente cantando, refreia o medo.
Babilónia ao mal presente, em rosas tornar abrolhos Canta o preso docemente
Sião ao tempo passado. na ribeira florecente; os duros grilhões tocando;
nem poreis freio à corrente, canta o segador contente;
Ali, lembranças contentes e mais, se for dos meus olhos. e o trabalhador, cantando,
n'alma se representaram, Não movereis a espessura, o trabalho menos sente.
e minhas cousas ausentes nem podereis já trazer
se fizeram tão presentes atrás vós a fonte pura, Eu, qu'estas cousas senti
como se nunca passaram. pois não pudestes mover n'alma, de mágoas tão cheia
Ali, despois de acordado, desconcertos da ventura Como dirá, respondi,
co rosto banhado em água, quem tão alheio está de si
deste sonho imaginado, Ficareis oferecida doce canto em terra alheia?
vi que todo o bem passado à Fama, que sempre vela, Como poderá cantar
não é gosto, mas é mágoa. frauta de mim tão querida; quem em choro banh'o peito?
porque, mudando-se a vida, Porque se quem trabalhar
E vi que todos os danos se mudam os gostos dela. canta por menos cansar,
se causavam das mudanças Acha a tenra mocidade eu só descansos enjeito.
e as mudanças dos anos; prazeres acomodados,
onde vi quantos enganos e logo a maior idade Que não parece razão
faz o tempo às esperanças. já sente por pouquidade nem seria cousa idónea,
Ali vi o maior bem aqueles gostos passados. por abrandar a paixão,
quão pouco espaço que dura, que cantasse em Babilónia
o mal quão depressa vem, Um gosto que hoje se alcança, as cantigas de Sião.
e quão triste estado tem amanhã já o não vejo; Que, quando a muita graveza
quem se fia da ventura. assi nos traz a mudança de saudade quebrante
de esperança em esperança, esta vital fortaleza,
Vi aquilo que mais val, e de desejo em desejo. antes moura de tristeza
que então se entende milhor Mas em vida tão escassa que, por abrandá-la, cante.
quanto mais perdido for; que esperança será forte?
vi o bem suceder mal, Fraqueza da humana sorte, Que se o fino pensamento
e o mal, muito pior. que, quanto da vida passa só na tristeza consiste,
E vi com muito trabalho está receitando a morte! não tenho medo ao tormento
comprar arrependimento; que morrer de puro triste,
vi nenhum contentamento, Mas deixar nesta espessura que maior contentamento?
e vejo-me a mim, que espalho o canto da mocidade, Nem na frauta cantarei
tristes palavras ao vento. não cuide a gente futura O que passo, e passei já,
que será obra da idade nem menos o escreverei,
Bem são rios estas águas, o que é força da ventura. porque a pena cansará,
com que banho este papel; Que idade, tempo, o espanto e eu não descansarei.
bem parece ser cruel de ver quão ligeiro passe,
variedade de mágoas nunca em mim puderam tanto Que, se vida tão pequena
e confusão de Babel. que, posto que deixe o canto, se acrecenta em terra estranha,
Como homem que, por exemplo a causa dele deixasse. e se amor assi o ordena,
dos transes em que se achou, razão é que canse a pena
despois que a guerra deixou, Mas, em tristezas e enojos de escrever pena tamanha.
pelas paredes do templo em gosto e contentamento, Porém se, para assentar
suas armas pendurou: por sol, por neve, por vento, o que sente o coração,
tendré presente a los ojos a pena já me cansar
Assi, despois que assentei por quien muero tan contento. não canse para voar
que tudo o tempo gastava, Orgãos e frauta deixava, a memória em Sião.
da tristeza que tomei despojo meu tão querido,
nos salgueiros pendurei no salgueiro que ali estava Terra bem-aventurada,
os órgãos com que cantava. que para troféu ficava se, por algum movimento,
Aquele instrumento ledo de quem me tinha vencido. d'alma me fores mudada,
deixei da vida passada, minha pena seja dada
dizendo:—Música amada, Mas lembranças da afeição a perpétuo esquecimento.
deixo-vos neste arvoredo que ali cativo me tinha, A pena deste desterro,
à memória consagrada. me perguntaram então: que eu mais desejo esculpida
que era da música minha em pedra, ou em duro ferro,
Frauta minha que, tangendo, que eu cantava em Sião? essa nunca seja ouvida,
os montes fazíeis vir Que foi daquele cantar em castigo de meu erro.
e tome a lira dourada, contra ti prevalecer,
E se eu cantar quiser, para só cantar de ti. e te vier a fazer
em Babilónia sujeito, Não cativo e ferrolhado o mal que lhe tu fizeste;
Hierusalém, sem te ver, na Babilónia infernal,
a voz, quando a mover, mas dos vícias desatado, Quem com disciplina crua
se me congele no peito. e cá desta a ti levado, se fere mais que üa vez,
A minha língua se apegue Pátria minha natural. cuja alma, de vícios nua,
às fauces, pois te perdi, faz nódoas na carne sua,
se, enquanto viver assi, E se eu mais der a cerviz que já a carne n'alma fez.
houver tempo em que te negue a mundanos acidentes, E beato quem tomar
ou que me esqueça de ti. duros, tiranos e urgentes, seus pensamentos recentes
risque-se quanto já fiz e em nacendo os afogar
Mas ó tu, terra de Glória, do grão livro dos viventes. por não virem a parar
se eu nunca vi tua essência, E tomando já na mão em vícios graves e urgentes;
como me lembras na ausência? a lira santa, e capaz
Não me lembras na memória, doutra mais alta invenção, Quem com eles logo der
senão na reminiscência. cale-se esta confusão, na pedra do furar santo,
Que a alma é tábua rasa, cante-se a visão da paz. e, batendo, os desfizer
que, com a escrita doutrina na Pedra, que veio a ser
celeste, tanto imagina, Ouça-me o pastor e o Rei, enfim cabeça do Canto;
que voa da própria casa retumbe este acento santo, Quem logo, quando imagina
e sobe à pátria divina. mova-se no mundo espanto, nos vícios da carne má,
que do que já mal cantei os pensamentos declina
Não é, logo, a saudade a palinódia já canto. àquela Carne divina
das terras onde naceu A vós só me quero ir, que na Cruz esteve já.
a carne, mas é do Céu, Senhor e grão Capitão
daquela santa cidade, da alta torre de Sião, Quem do vil contentamento
donde esta alma descendeu. à qual não posso subir cá deste mundo visível,
E aquela humana figura, se me vós não dais a mão. quanto ao homem for possível,
que cá me pôde alterar, passar logo o entendimento
não é quem se há-de buscar: No grão dia singular para o mundo inteligível:
é raio de fermosura, que na lira o douto som ali achará alegria
que só se deve de amar. Hierusalém celebrar, em tudo perfeita e cheia,
lembrai-vos de castigar de tão suave harmonia
Que os olhos e a luz que ateia os ruins filhos de Edom. que nem, por pouca, recreia,
o fogo que cá sujeita, Aqueles que tintos vão nem, por sobeja, enfastia.
não do sol, mas da candeia, no pobre sangue inocente,
é sombra daquela Ideia soberbos co poder vão, Ali verá tão-profundo
que em Deus está mais perfeita. arrasai-os igualmente, mistério na suma alteza
E os que cá me cativaram conheçam que humanos são. que, vencida a natureza,
são poderosos afeitos os mores faustos do mundo
que os corações têm sujeitos; E aquele poder tão duro julgue por maior baixeza
sofistas que me ensinaram dos afeitos com que venho, Ó tu, divino aposento,
maus caminhos por direitos. que encendem alma e engenho, minha pátria singular!
que já me entraram o muro Se só com te imaginar
Destes, o mando tirano do livre alvídrio que tenho; tanto sobe o entendimento,
me obriga, com desatino, estes, que tão furiosos que fará se em ti se achar?
a cantar ao som do dano gritando vêm a escalar-me,
cantares d'amor profano maus espíritos danosos, Ditoso quem se partir
por versos d'amor divino. que querem como forçosos para ti, terra excelente,
Mas eu, lustrado co santo do alicerce derrubar-me; tão justo e tão penitente
Raio, na terra de dor, que, despois de a ti subir
de confusão e de espanto, Derrubai-os, fiquem sós, lá descanse eternamente.
como hei-de cantar o canto de forças fracos, imbeles,
que só se deve ao Senhor? porque não podemos nós Luís de Camões
nem com eles ir a Vós,
Tanto pode o beneficio nem sem Vós tirar-nos deles.
da Graça, que dá saúde, Não basta minha fraqueza,
que ordena que a vida mude; para me dar defensão,
e o que tomei por vício se vós, santo Capitão,
me faz grau para a virtude; nesta minha fortaleza
e faz que este natural não puserdes guarnição.
amor, que tanto se preza,
suba da sombra ao Real, E tu, ó carne que encantas,
da particular beleza filha de Babel tão feia,
para a Beleza geral. toda de misérias cheia,
que mil vezes te levantas,
Fique logo pendurada contra quem te senhoreia:
a frauta com que tangi, beato só pode ser
ó Hierusalém sagrada, quem co a ajuda celeste
BABEL E SIÃO SÔBOLOS RIOS QUE VÃO e a LEI das DIVINAS
PROPORÇÕES (o número de Oiro e o Teorema de Pitágoras) Glosa
de Camões ao Salmo (137) 136 Diversas traduções do mesmo
SALMO

o Salmo In Editora "Ave Maria", S. Paulo, Brasil, 1962


Os Rios da Babilónia

1.Nas margens dos rios da Babilónia,


Assentámo-nos a chorarLembrando-nos de Sião
2.Nos salgueiros daquela terra
Suspendemos então as nossas harpas
3.E, ali, aqueles que nos fizeram cativos
Pediam-nos que lhes cantássemos um cântico.
Nossos opressores exigiam de nós alegria:
"Cantai-nos um dos cânticos de Sião".
4Mas, como poderíamos nós cantar um cântico ao Senhor
Em terra estranha?
5.Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém
Que a minha mão direita se paralise
6.Que a minha língua se apegue ao paladar,
Se eu não me lembrar de ti,
Se não puser Jerusalém
Acima de todas as minhas alegrias.
7.Contra os filhos de Edom, lembrai-vos, Senhor
Da queda de Jerusalém,
Quando eles gritavam: "Arrasai-a,
Arrasai-a até aos seus alicerces!"
8Ó filha de Babilónia, a devastadora
Feliz aquele que te retribuir o mal que nos fizeste!
9Feliz aquele que se apoderar dos teus filhos,
Para os destruir contra uma pedra!
 
o Salmo In: Vulgata 136 Babilónia e Sião

1.Junto aos rios da Babilónia,


Assentámo-nos a chorar
Lembrando-nos de Sião
2.Nos salgueiros daquela terra
Suspendemos então as nossas harpas
3.Ali, os que nos fizeram cativos
Pediam-nos que lhes cantássemos um cântico.
Os nossos opressores pediam-nos alegria:
"Cantai-nos algum dos cânticos de Sião".
4Mas, como poderíamos cantar um cântico ao Senhor
Em terra estranha?
5.Se eu me esquecer de ti, Jerusalém
Fique esquecida a minha mão direita!
6.Pegue-se a minha língua ao paladar,
Se me não lembrar de ti,
Se não puser JerusalémAcima de todas as minhas alegrias.
7.Lembrai-vos, Senhor, contra os filhos de Edom,
Da ruína de Jerusalém,
Quando eles gritavam: "Arrasai-a,
Arrasai-a até aos fundamentos!"
8Filha devastadora da Babilónia,
Feliz aquele que te retribuir o mal que nos fizeste!
9Feliz aquele que se apoderar dos teus filhinhos,
Para os despedaçar contra uma pedra!
 
Salmo (137) 136 In Bíblia de Jerusalém BALADA DO EXILADO

1.À beira dos rios da Babilónia,


nós estávamos sentados, a chorar
lembrando-nos de Sião;
2. nos salgueiros das margens
pendurámos as nossas harpas.
3. Ali, é que eles nos pediramos nossos carcereiros, cânticos,
os nossos opressores, alegria:
"Cantai-nos, diziam eles
um cântico de Sião".
4 Como poderíamos nós cantarum cântico a Yahvé
numa terra estranha?
5. Se eu me esquecer de ti, Jerusalém
que a minha direita fique seca!
6. Que a minha língua se agarre ao meu palato,
se eu perder as saudades, que tenho,
se eu não puser Jerusalémno topo das minhas alegrias.
7. Lembra-te, Yhavé
contra os filhos de Edom,
do dia de Jerusalém,
quando eles gritavam: "Abaixo!
Arrasai até ao fundo dos alicerces!"
8 Filha de Babel, ó devastadora,
feliz aquele que te retribuiros males que atraíste sobre nós,
9 feliz aquele que agarrar e despedaçaros teus filhos contra a pedra!
 
In Bíblia sagrada Intercofessional, CD - Rom Windows, Texto
Editora Junto aos rios da Babilónia- Balada do Exílio Salmo 137

1 Sentados junto aos rios da Babilónia, chorámos, recordando-nos de ti, Sião.


2 Nos salgueiros que lá havia pendurámos nossas harpas.
3 Os que nos levaram cativos pediam-nos uma canção; os que nos tinham
oprimido pediam que os alegrássemos e diziam: "Cantem-nos uma cantiga de
Sião!"
4 Mas como podíamos nós cantar um cântico do Senhor, estando numa terra
estranha?
5 Se me esquecer de ti, Jerusalém, fique inutilizada a minha mão direita.
6 Se de ti me não lembrar, Jerusalém, se não fizer de ti a minha suprema alegria,
que a língua se me pegue ao céu-da-boca.
7 Lembra-te, Senhor, do que fizeram os edomitas no dia em que Jerusalém foi
capturada: lembra-te como eles gritavam: "Arrazem-na! Arrazem-na até aos
alicerces!"
8 E quanto a ti, Babilónia destruidora, feliz o homem que te retribuir pelo que nos
fizeste!
9 Feliz o que pegar nas tuas crianças e as esmagar contra as rochas!
BABEL E SIÃO - SÔBOLOS RIOS QUE VÃO
Redondilha de Camões
SOBRE OS RIOS QUE VÃO (SÔBOLOS RIOS QUE VÃO)
(a glosa vai comentando o SALMO aplicando a LEI DAS DIVINAS PROPORÇÕES e
aplicando a TEORIA PLATÓNICA até à recuperação da memória inicial:
1ª parte - cateto - 12 décimas ou 24 quintilhas) - analisa a vida real
2ª parte - hipotenusa - 15 estrofes (14 décimas e a 24ª é de 15 versos) 31
quintilas - teoria Pl.
3ª parte - cateto - 9 décimas ou 18 quintilhas - PALINÓDIA ou libertação

1 39. e vejo-me a mim, que


1. Sôbolos rios que vão espalho
2. por Babilónia m' achei 40. tristes palavras ao vento.
3. onde sentado chorei 5
4. as lembranças de Sião 41. Bem são rios estas águas
5. e quanto nela passei. 42. com que banho este papel;
6. Ali o rio corrente 43. bem parece ser cruel
7. de meus olhos foi manado, 44. variedade de mágoas
8. e tudo bem comparado: 45. e confusão de Babel.
9. Babilónia ao mal presente, 46. Como homem que, por
10. Sião ao tempo passado. exemplo,
2 47. dos transes em que se achou,
11. Ali, lembranças contentes 48. despois que a guerra deixou,
12. n'alma se representaram, 49. pelas paredes do templo
13. e minhas cousas ausentes 50. suas armas pendurou,
14. se fizeram tão presentes 6
15. como se nunca passaram. 51. assi, despois que assentei
16. Ali, depois de acordado, 52. que tudo o tempo gastava,
17. co rosto banhado em água, 53. da tristeza que tomei,
18. deste sonho imaginado, 54. nos salgueiros pendurei
19. vi que todo o bem passado 55. os órgãos com que cantava.
20. não é gosto, mas é mágoa. 56. Aquele instrumento ledo
3 57. deixei da vida passada,
21. E vi que todos os danos 58. dizendo: "Música amada,
22. se causavam das mudanças, 59. deixo-vos neste arvoredo
23. e as mudanças dos anos; 60. à memória consagrada.
24. onde vi quantos enganos 7
25. faz o tempo às esperanças. 61. Frauta minha que, tangendo,
26. Ali vi o maior bem 62. os montes fazíeis vir
27. quão pouco espaço que dura, 63. para onde estáveis, correndo;
28. o mal quão depressa vem, 64. e as águas, que iam decendo,
29. e quão triste estado tem 65. tornavam logo a subir.
30. quem se fia da ventura. 66. Jamais vos não ouvirão
4 67. os tigres, que se amansavam;
31. Vi aquilo que mais val 68. e as ovelhas, que pastavam,
32. que então se entende milhor 69. das ervas se fartarão
33. quando mais perdido for; 70. que, por vos ouvir, deixavam.
34. vi o bem suceder mal, 8
35. e o mal muito pior. 71. Já não fareis docemente
36. E vi com muito trabalho 72. em rosas tornar abrolhos
37. comprar arrependimento; 73. na ribeira florecente;
38. vi nenhum contentamento; 74. nem poreis freio à corrente,
75. e mais, se for dos meus 122. que ali cativo me tinha,
olhos. 123. me perguntaram então
76. Não movereis a espessura, 124. que era da música minha
77. nem podereis já trazer 125. qu'eu cantava em Sião.
78. atrás vós a fonte pura, 126. Que foi daquele cantar
79. pois não pudestes mover 127. das gentes tão celebrado?
80. desconcertos da ventura. 128. Porque o deixava de usar,
9 129. pois sempre ajuda a passar
81. Ficareis oferecida 130. qualquer trabalho passado?
82. à Fama, que sempre vela, 14
83. frauta de mim tão querida; 131. Canta o caminhante ledo
84. porque, mudando-se a vida, 132. no caminho trabalhoso,
85. se mudam os gostos dela. 133. por antre o espesso arvoredo;
86. Acha a tenra mocidade 134. e de noite o temeroso,
87. prazeres acomodados, 135. cantando, refreia o medo.
88. e logo a maior idade 136. Canta o preso docemente
89. já sente por pouquedade 137. os duros grilhões tocando;
90. aqueles gostos passados. 138. canta o segador contente;
10 139. e o trabalhador, cantando,
91. Um gosto que hoje se alcança 140. o trabalho menos sente.
92. amanhã já o não vejo; 15
93. assi nos traz a mudança 141. Eu, que estas cousas senti
94. de esperança em esperança, 142. n' alma, de mágoas tão cheia,
95. e de desejo em desejo. 143. "Como dirá, respondi,
96. Mas em vida tão escassa 144. quem tão alheio está de si
97. que esperança será forte? 145. doce canto em terra alheia?"
98. Fraqueza da humana sorte 146. Como poderá cantar
99. que quanto da vida passa 147. quem em choro banha o peito?
100. está receitando a morte! 148. Porque, se quem trabalhar
11 149. canta por menos cansar,
101. Mas deixar nesta espessura 150. eu só descansos enjeito.
102. o canto da mocidade... 16
103. Não cuide a gente futura 151. Que não parece razão
104. que será obra da idade 152. nem seria cousa idónea,
105. o que é força da ventura. 153. por abrandar a paixão,
106. Que idade, tempo, o espanto 154. que cantasse em Babilónia
107. de ver quão ligeiro passe, 155. as cantigas de Sião.
108. nunca em mim puderam 156. Que, quando a muita graveza
tanto 157. de saudade quebrante
109. que, posto que deixe o 158. esta vital fortaleza,
canto, 159. antes moura de tristeza
110. a causa dele deixasse. 160. que, por abrandá-la, cante.
12 17
111. Mas, em tristezas e enojos 161. Que, se o fino pensamento
112. em gosto e contentamento, 162. só na tristeza consiste,
113. por sol, por neve, por vento, 163. não tenho medo ao tormento:
114. terné presente á los ojos 164. que morrer de puro triste,
115. por quien muero tan 165. que maior contentamento?
contento". 166. Nem na frauta cantarei
116. Órgãos e frauta deixava, 167. o que passo e passei já,
117. despojo meu tão querido, 168. nem menos o escreverei;
118. no salgueiro que ali estava; 169. porque a pena cansará,
119. que para troféu ficava 170. e eu não descansarei.
120. de quem me tinha vencido. 18
171. Que, se vida tão pequena
13 172. se acrecenta em terra estranha
121. Mas lembranças da afeição, 173. e se amor assi o ordena,
174. razão é que canse a pena perfeita.
175. de escrever pena tamanha. 226. E os que cá me cativaram
176. Porém se, para assentar 227. são poderosos efeitos
177. o que sente o coração, 228. que os corações têm sujeitos:
178. a pena já me cansar, 229. sofistas, que me ensinaram
179. não canse para voar 230. maus caminhos por direitos.
180. a memória em Sião. 24
19 231. Destes o mando tirano
181. Terra bem-aventurada, 232. me obriga, com desatino,
182. se, por algum movimento, 233. a cantar ao som do dano
183. d' alma me fores mudada, 234. cantares de amor profano
184. minha pena seja dada 235. por versos de amor divino.
185. a perpétuo esquecimento. 236. Mas eu, lustrado co santo
186. A pena deste desterro, 237. Raio, na terra de dor,
187. que eu mais desejo esculpida 238. de confusão e de espanto,
188. em pedra ou em duro ferro, 239. como hei-de cantar o canto
189. essa nunca seja ouvida, 240. que só se deve ao Senhor?
190. em castigo de meu erro. 241. Tanto pode o benefício
20 242. da Graça que dá saúde,
191. E se eu cantar quiser 243. que ordena que a vida
192. em Babilónia sujeito, mude;
193. Hierusalém, sem te ver, 244. e o que tomei por vício
194. a voz, quando a mover, 245. me fez grau para a virtude.
195. se me congele no peito. 25
196. A minha língua se apegue 246. E faz este natural
197. às fauces, pois te perdi, 247. amor, que tanto se preza,
198. se, enquanto viver assi, 248. suba da sombra real,
199. houver tempo em que te negue 249. da particular beleza
200. ou que me esqueça de ti. 250. para a Beleza geral.
21 251. Fique logo pendurada
201. Mas ó tu, terra de Glória, 252. a frauta com que tangi,
202. se eu nunca vi tua essência, 253. ó Hierusalém sagrada,
203. como me lembras na ausência? 254. e tome a lira dourada
204. Não me lembras na memória, 255. para só cantar de ti!
205. senão na reminiscência. 26
206. Que a alma é tábua rasa 256. Não cativo e ferrolhado
207. que, com a escrita doutrina 257. na Babilónia infernal;
208. celeste, tanto imagina 258. mas dos vícios desatado,
209. que voa da própria casa, 259. e cá desta a ti levado,
210. e sobe à pátria divina. 260. Pátria minha natural.
22 261. E se eu mais der a cerviz
211. Não é logo a saudade 262. a mundanos acidentes,
212. das terras onde naceu 263. duros, tiranos e urgentes,
213. a carne, mas é do Céu, 264. risque-se quanto já fiz
214. daquela santa cidade, 265. do grão livro dos viventes.
215. donde esta alma descendeu. 27
216. E aquela humana figura, 266. E tomando já na mão
217. que cá me pôde alterar, 267. a lira santa e capaz
218. não é quem se há-de buscar: 268. doutra mais alta invenção,
219. é raio da fermosura 269. cale-se esta confusão,
220. que só se deve de amar. 270. cante-se a visão da paz.
23 271. Ouça-me o pastor e o rei,
221. Que os olhos e a luz que ateia 272. retumbe este acento santo,
222. o fogo que cá sujeita, 273. mova-se no mundo espanto,
223. não do sol, mas da candeia, 274. que do que já mal cantei
224. é sombra daquela Ideia 275. a palinódia já canto.
225. que em Deus está mais
28 320. o mal que lhe tu fizeste;
276. A vós só me quero ir, 321. quem com disciplina crua
277. Senhor e grão Capitão 322. se fere mais que üa vez,
278. da alta torre de Sião, 323. cuja alma, de vícios nua,
279. à qual não posso subir 324. faz nódoas na carne sua,
280. se me vós não dais a mão. 325. que já a carne na alma fez;
281. No grão dia singular 33
282. que na lira o douto som 326. e beato quem tomar
283. Hierusalém celebrar, 327. seus pensamentos recentes
284. lembrai-vos de castigar 328. e, em nacendo, os afogar,
285. os ruins filhos de Edom. 329. por não virem a parar
29 330. em vícios graves e urgentes;
286Aqueles, que tintos vão 331. quem com eles logo der
287. no pobre sangue inocente, 332. na pedra do furor santo
288. soberbos co poder vão; 333. e, batendo, os desfizer
289. arrasai-os igualmente, 334. na Pedra, que veio a ser
290. conheçam que humanos 335. enfim cabeça do Canto;
são. 34
291. E aquele poder tão duro 336. quem logo, quando imagina
292. dos efeitos com que venho, 337. nos vícios da carne má,
293. que encendem alma e 338. os pensamentos declina
engenho, 339. àquela Carne divina
294. que já me entraram o muro 340. que na Cruz esteve já;
295. do livre alvídrio que tenho; 341. quem do vil contentamento
30 342. cá deste mundo visível,
296. estes, que tão furiosos 343. quanto ao homem for
297. gritando vêm a escalar-me, possível,
298. maus espíritos danosos, 344. passar logo o entendimento
299. que querem como forçosos 345. para o mundo inteligível,
300. do alicerce derrubar-me; 35
301. derrubai-os, fiquem sós, 346. ali achará alegria
302. de forças fracos, imbeles, 347. em tudo perfeita e cheia
303. porque não podemos nós 348. de tão suave harmonia
304. nem com eles ir a Vós, 349. que nem, por pouca, recreia,
305. nem sem Vós tirar-nos 350. nem, por sobeja, enfastia.
deles. 351. Ali verá tão profundo
31 352. mistério na suma alteza
306. Não basta minha fraqueza 353. que, vencida a natureza,
307. para me dar defensão, 354. os mores faustos do mundo
308. se vós, santo Capitão, 355. julgue por maior baixeza.
309. nesta minha fortaleza 36
310. não puserdes guarnição. 356. Ó tu, divino aposento,
311. E tu, ó carne que encantas, 357. minha pátria singular!
312. filha de Babel tão feia, 358. Se só com te imaginar
313. toda de misérias cheia, 359. tanto sobe o entendimento,
314. que mil vezes te levantas 360. que fará se em ti se achar?
315. contra quem te senhoreia! 361. Ditoso quem se partir
32 362. para ti, terra excelente,
316. Beato só pode ser 363. tão justo e tão penitente
317. quem co a ajuda celeste 364. que, despois de a ti subir,
318. contra ti prevalecer, 365. lá descanse eternamente.
319. e te vier a fazer
BABEL E SIÃO - SÔBOLOS RIOS QUE VÃO
36 Estrofes - 35 Décimas e a 24ª é de 15 versos
73 Quintilhas agrupadas de 2 a 2 - a 47 - 48 e 49 agrupa 3
365 versos - 1 ANO - em rotação - símbolo dos Ciclos de uma
VIDA...

Salmo 136 - versão da Bíblia de Jerusalém


Glosa de Camões ao Salmo:
- 9 versículos
1 - 1º cateto - 12 estrofes de 10 versos
(Décimas) ou 24 quintilhas agrupadas de
duas em duas...

primeira parte, com dois versículos; - a 1


revisão do passado... 1. Sôbolos rios que vão

1.À beira dos rios da Babilónia, 12


nós estávamos sentados, a chorar 111. Mas, em tristezas e enojos
lembrando-nos de Sião; 112. em gosto e contentamento,
113. por sol, por neve, por vento,
114. terné presente á los ojos
2. nos salgueiros das margens
115. por quien muero tan contento".
pendurámos as nossas harpas.
116. Órgãos e frauta deixava,
117. despojo meu tão querido,
118. no salgueiro que ali estava;
119. que para troféu ficava
120. de quem me tinha vencido.
segunda parte, com quatro versículos; - a
reflexão platónica - ir ao TODO pelas
partes... 2 - hipotenusa - 15 estrofes, sendo 14 de 10
versos (Décimas) e uma (24ª) de 15 versos,
31 quintilhas
3. Ali, é que eles nos pediramos nossos
carcereiros, cânticos, os nossos opressores,
alegria: 13
"Cantai-nos, diziam eles um cântico de 121. Mas lembranças da afeição,
Sião".
27
4 Como poderíamos nós cantar 266. E tomando já na mão
um cântico a Yahvé numa terra estranha? 267. a lira santa e capaz
268. doutra mais alta invenção,
269. cale-se esta confusão,
5. Se eu me esquecer de ti, Jerusalém
270. cante-se a visão da paz.
que a minha direita fique seca!
271. Ouça-me o pastor e o rei,
272. retumbe este acento santo,
6. Que a minha língua se agarre ao meu 273. mova-se no mundo espanto,
palato, 274. que do que já mal cantei
se eu perder as saudades, que tenho, 275. a palinódia já canto.
se eu não puser Jerusalém no topo das
minhas alegrias.
a terceira parte, com três versículos. - a
PALINÓDIA - retratação pública do que
3. - 2º cateto - 9 estrofes de 10 versos
anteriormente foi dito
(Décimas)
- a libertação pela Arte / Poesia.... Chegar
ao Divino pelo Humano... à Verdade
absoluta, através das verdades parciais...  
ao TODO, pelas partes...
aplicando o Número de Oiro ou a Lei das 28
Divinas Proporções... 276. A vós só me quero ir,

7. Lembra-te, Yhavé 36
contra os filhos de Edom, 356. Ó tu, divino aposento,
do dia de Jerusalém, 357. minha pátria singular!
quando eles gritavam: "Abaixo! 358. Se só com te imaginar
Arrasai até ao fundo dos alicerces!" 359. tanto sobe o entendimento,
360. que fará se em ti se achar?
8 Filha de Babel, ó devastadora, 361. Ditoso quem se partir
feliz aquele que te retribuir 362. para ti, terra excelente,
os males que atraíste sobre nós, 363. tão justo e tão penitente
364. que, despois de a ti subir,
365. lá descanse eternamente.
9 feliz aquele que agarrar e despedaçar
os teus filhos contra a pedra!
o teorema de Pitágoras: o Quadrado da O quadrado de 12, (144), mais o quadrado de
Hipotenusa é igual à soma dos Quadrado 9 (81) - (144+81=225), é igual ao quadrado
dos Catetos... de 15 (225).
Encontrar PISTAS para aplicação desta GENIAL SUGESTÃO DO POETA à vida de
cada um...

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