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Sobolos Rios Que Vão
Sobolos Rios Que Vão
Este longo poema é conhecido pelos títulos de Sobolos rios que vão –transcrição do primeiro verso–,
mas também como Super flumina, do versículo da Bíblia que inspirou a sua composição e ainda como
Redondilhas de Babel e Sião. Este último título deve-se ao facto de se tratar de um poema escrito em
versos de redondilha maior, nome dado aos versos de sete sílabas métricas. É mais um factor curioso a
acrescentar à análise deste poema, a mistura da temática tão marcadamente Renascentista, com o uso
de uma métrica tradicional, já que o verso de sete sílabas é, ainda hoje, o metro preferido pelos poetas
repentistas e populares, dem como pelos autores de letras para canções. A maioria dos fados, por
exemplo, tem letras constituídas por versos de sete sílabas.
Além da sua grande beleza, este poema tem suscitado grande número de interpretações, tanto religiosas
como literárias e até esotéricas.
Este poema, inspirado como atrás ficou dito, por uma passagem bíblica em que os hebreus, cativos em
Babilónia, lamentam o seu passado na terra de Sião, pode ser, no seu todo, interpretado de várias
formas.
Pode considerar-se como o lamento de um homem que, na meia idade, lamenta saudoso a sua
juventude. Mas o próprio sujeito de enunciação desmente essa ideia, com os versos:
Ele mesmo nos indica o caminho, um dos caminhos de interpretação do seu lamento: um homem
desiludido no amor, lamenta o tempo passado em que ainda alimentava a ilusão de ser correspondido.
Assim, Super Flumina...' é, também, um lamento de amor.
Ele é, igualmente, o lamento da alma que, prisioneira do corpo, lamenta a sua estadia no mundo
verdadeiro, o mundo das ideias. Camões explana neste poema a essência do Neo-Platonismo.
Para entender na sua plenitude esta vertente de Super Flumina... é imprescindível uma leitura
cuidadosa e atenta de Alegoria da Caverna, um excerto da República de Platão. Neste diálogo, o
filósofo explica, através de uma alegoria, a existência de um mundo ideal, onde se encontram as
verdadeiras coisas, e onde vivem as almas e, pressupõe-se, a Divindade Suprema. O mundo tangível,
aquele em que os nossos corpos vivem, é apenas uma projecção, uma sombra, desse mundo ideal. É
desse mundo perfeito que a alma eterna, aprisionada no corpo mortal durante a vida terrena, tem
saudades. Isso está perfeitamente expresso nos versos:
Esta filosofia clássica, passada pelo crivo do Catolicismo, é a própria essência do ideal Neo-Platónico:
o mundo ideal de Platão é a Cidade de Deus e a ideia de uma alma eterna presa num corpo mortal
parece ter sido criade de propósito para o Cristianismo.
SUPER FLUMINA ... para onde estáveis, correndo; das gentes tão celebrado?
e as águas, que iam decendo, Porque o deixava de usar?
Sôbolos rios que vão tornavam logo a subir: Pois sempre ajuda a passar
por Babilónia, m'achei, jamais vos não ouvirão qualquer trabalho passado.
onde sentado chorei os tigres, que se amansavam,
as lembranças de Sião e as ovelhas, que pastavam, Canta o caminhante ledo
e quanto nela passei. das ervas se fartarão no caminho trabalhoso.
Ali o rio corrente que por vos ouvir deixavam. por antr'o espesso arvoredo
de meus olhos foi manado, e, de noite, o temeroso
e tudo bem comparado, Já não fareis docemente cantando, refreia o medo.
Babilónia ao mal presente, em rosas tornar abrolhos Canta o preso docemente
Sião ao tempo passado. na ribeira florecente; os duros grilhões tocando;
nem poreis freio à corrente, canta o segador contente;
Ali, lembranças contentes e mais, se for dos meus olhos. e o trabalhador, cantando,
n'alma se representaram, Não movereis a espessura, o trabalho menos sente.
e minhas cousas ausentes nem podereis já trazer
se fizeram tão presentes atrás vós a fonte pura, Eu, qu'estas cousas senti
como se nunca passaram. pois não pudestes mover n'alma, de mágoas tão cheia
Ali, despois de acordado, desconcertos da ventura Como dirá, respondi,
co rosto banhado em água, quem tão alheio está de si
deste sonho imaginado, Ficareis oferecida doce canto em terra alheia?
vi que todo o bem passado à Fama, que sempre vela, Como poderá cantar
não é gosto, mas é mágoa. frauta de mim tão querida; quem em choro banh'o peito?
porque, mudando-se a vida, Porque se quem trabalhar
E vi que todos os danos se mudam os gostos dela. canta por menos cansar,
se causavam das mudanças Acha a tenra mocidade eu só descansos enjeito.
e as mudanças dos anos; prazeres acomodados,
onde vi quantos enganos e logo a maior idade Que não parece razão
faz o tempo às esperanças. já sente por pouquidade nem seria cousa idónea,
Ali vi o maior bem aqueles gostos passados. por abrandar a paixão,
quão pouco espaço que dura, que cantasse em Babilónia
o mal quão depressa vem, Um gosto que hoje se alcança, as cantigas de Sião.
e quão triste estado tem amanhã já o não vejo; Que, quando a muita graveza
quem se fia da ventura. assi nos traz a mudança de saudade quebrante
de esperança em esperança, esta vital fortaleza,
Vi aquilo que mais val, e de desejo em desejo. antes moura de tristeza
que então se entende milhor Mas em vida tão escassa que, por abrandá-la, cante.
quanto mais perdido for; que esperança será forte?
vi o bem suceder mal, Fraqueza da humana sorte, Que se o fino pensamento
e o mal, muito pior. que, quanto da vida passa só na tristeza consiste,
E vi com muito trabalho está receitando a morte! não tenho medo ao tormento
comprar arrependimento; que morrer de puro triste,
vi nenhum contentamento, Mas deixar nesta espessura que maior contentamento?
e vejo-me a mim, que espalho o canto da mocidade, Nem na frauta cantarei
tristes palavras ao vento. não cuide a gente futura O que passo, e passei já,
que será obra da idade nem menos o escreverei,
Bem são rios estas águas, o que é força da ventura. porque a pena cansará,
com que banho este papel; Que idade, tempo, o espanto e eu não descansarei.
bem parece ser cruel de ver quão ligeiro passe,
variedade de mágoas nunca em mim puderam tanto Que, se vida tão pequena
e confusão de Babel. que, posto que deixe o canto, se acrecenta em terra estranha,
Como homem que, por exemplo a causa dele deixasse. e se amor assi o ordena,
dos transes em que se achou, razão é que canse a pena
despois que a guerra deixou, Mas, em tristezas e enojos de escrever pena tamanha.
pelas paredes do templo em gosto e contentamento, Porém se, para assentar
suas armas pendurou: por sol, por neve, por vento, o que sente o coração,
tendré presente a los ojos a pena já me cansar
Assi, despois que assentei por quien muero tan contento. não canse para voar
que tudo o tempo gastava, Orgãos e frauta deixava, a memória em Sião.
da tristeza que tomei despojo meu tão querido,
nos salgueiros pendurei no salgueiro que ali estava Terra bem-aventurada,
os órgãos com que cantava. que para troféu ficava se, por algum movimento,
Aquele instrumento ledo de quem me tinha vencido. d'alma me fores mudada,
deixei da vida passada, minha pena seja dada
dizendo:—Música amada, Mas lembranças da afeição a perpétuo esquecimento.
deixo-vos neste arvoredo que ali cativo me tinha, A pena deste desterro,
à memória consagrada. me perguntaram então: que eu mais desejo esculpida
que era da música minha em pedra, ou em duro ferro,
Frauta minha que, tangendo, que eu cantava em Sião? essa nunca seja ouvida,
os montes fazíeis vir Que foi daquele cantar em castigo de meu erro.
e tome a lira dourada, contra ti prevalecer,
E se eu cantar quiser, para só cantar de ti. e te vier a fazer
em Babilónia sujeito, Não cativo e ferrolhado o mal que lhe tu fizeste;
Hierusalém, sem te ver, na Babilónia infernal,
a voz, quando a mover, mas dos vícias desatado, Quem com disciplina crua
se me congele no peito. e cá desta a ti levado, se fere mais que üa vez,
A minha língua se apegue Pátria minha natural. cuja alma, de vícios nua,
às fauces, pois te perdi, faz nódoas na carne sua,
se, enquanto viver assi, E se eu mais der a cerviz que já a carne n'alma fez.
houver tempo em que te negue a mundanos acidentes, E beato quem tomar
ou que me esqueça de ti. duros, tiranos e urgentes, seus pensamentos recentes
risque-se quanto já fiz e em nacendo os afogar
Mas ó tu, terra de Glória, do grão livro dos viventes. por não virem a parar
se eu nunca vi tua essência, E tomando já na mão em vícios graves e urgentes;
como me lembras na ausência? a lira santa, e capaz
Não me lembras na memória, doutra mais alta invenção, Quem com eles logo der
senão na reminiscência. cale-se esta confusão, na pedra do furar santo,
Que a alma é tábua rasa, cante-se a visão da paz. e, batendo, os desfizer
que, com a escrita doutrina na Pedra, que veio a ser
celeste, tanto imagina, Ouça-me o pastor e o Rei, enfim cabeça do Canto;
que voa da própria casa retumbe este acento santo, Quem logo, quando imagina
e sobe à pátria divina. mova-se no mundo espanto, nos vícios da carne má,
que do que já mal cantei os pensamentos declina
Não é, logo, a saudade a palinódia já canto. àquela Carne divina
das terras onde naceu A vós só me quero ir, que na Cruz esteve já.
a carne, mas é do Céu, Senhor e grão Capitão
daquela santa cidade, da alta torre de Sião, Quem do vil contentamento
donde esta alma descendeu. à qual não posso subir cá deste mundo visível,
E aquela humana figura, se me vós não dais a mão. quanto ao homem for possível,
que cá me pôde alterar, passar logo o entendimento
não é quem se há-de buscar: No grão dia singular para o mundo inteligível:
é raio de fermosura, que na lira o douto som ali achará alegria
que só se deve de amar. Hierusalém celebrar, em tudo perfeita e cheia,
lembrai-vos de castigar de tão suave harmonia
Que os olhos e a luz que ateia os ruins filhos de Edom. que nem, por pouca, recreia,
o fogo que cá sujeita, Aqueles que tintos vão nem, por sobeja, enfastia.
não do sol, mas da candeia, no pobre sangue inocente,
é sombra daquela Ideia soberbos co poder vão, Ali verá tão-profundo
que em Deus está mais perfeita. arrasai-os igualmente, mistério na suma alteza
E os que cá me cativaram conheçam que humanos são. que, vencida a natureza,
são poderosos afeitos os mores faustos do mundo
que os corações têm sujeitos; E aquele poder tão duro julgue por maior baixeza
sofistas que me ensinaram dos afeitos com que venho, Ó tu, divino aposento,
maus caminhos por direitos. que encendem alma e engenho, minha pátria singular!
que já me entraram o muro Se só com te imaginar
Destes, o mando tirano do livre alvídrio que tenho; tanto sobe o entendimento,
me obriga, com desatino, estes, que tão furiosos que fará se em ti se achar?
a cantar ao som do dano gritando vêm a escalar-me,
cantares d'amor profano maus espíritos danosos, Ditoso quem se partir
por versos d'amor divino. que querem como forçosos para ti, terra excelente,
Mas eu, lustrado co santo do alicerce derrubar-me; tão justo e tão penitente
Raio, na terra de dor, que, despois de a ti subir
de confusão e de espanto, Derrubai-os, fiquem sós, lá descanse eternamente.
como hei-de cantar o canto de forças fracos, imbeles,
que só se deve ao Senhor? porque não podemos nós Luís de Camões
nem com eles ir a Vós,
Tanto pode o beneficio nem sem Vós tirar-nos deles.
da Graça, que dá saúde, Não basta minha fraqueza,
que ordena que a vida mude; para me dar defensão,
e o que tomei por vício se vós, santo Capitão,
me faz grau para a virtude; nesta minha fortaleza
e faz que este natural não puserdes guarnição.
amor, que tanto se preza,
suba da sombra ao Real, E tu, ó carne que encantas,
da particular beleza filha de Babel tão feia,
para a Beleza geral. toda de misérias cheia,
que mil vezes te levantas,
Fique logo pendurada contra quem te senhoreia:
a frauta com que tangi, beato só pode ser
ó Hierusalém sagrada, quem co a ajuda celeste
BABEL E SIÃO SÔBOLOS RIOS QUE VÃO e a LEI das DIVINAS
PROPORÇÕES (o número de Oiro e o Teorema de Pitágoras) Glosa
de Camões ao Salmo (137) 136 Diversas traduções do mesmo
SALMO
7. Lembra-te, Yhavé 36
contra os filhos de Edom, 356. Ó tu, divino aposento,
do dia de Jerusalém, 357. minha pátria singular!
quando eles gritavam: "Abaixo! 358. Se só com te imaginar
Arrasai até ao fundo dos alicerces!" 359. tanto sobe o entendimento,
360. que fará se em ti se achar?
8 Filha de Babel, ó devastadora, 361. Ditoso quem se partir
feliz aquele que te retribuir 362. para ti, terra excelente,
os males que atraíste sobre nós, 363. tão justo e tão penitente
364. que, despois de a ti subir,
365. lá descanse eternamente.
9 feliz aquele que agarrar e despedaçar
os teus filhos contra a pedra!
o teorema de Pitágoras: o Quadrado da O quadrado de 12, (144), mais o quadrado de
Hipotenusa é igual à soma dos Quadrado 9 (81) - (144+81=225), é igual ao quadrado
dos Catetos... de 15 (225).
Encontrar PISTAS para aplicação desta GENIAL SUGESTÃO DO POETA à vida de
cada um...