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L. S. Vigotski
O DESENVOLVIMENTO
PSICOLÓGICONA
INFÂNCIA

Ti'adução CLAUDIABERLINER

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Biblioteca / FEUSP
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:op)right © Editorial Pedagóguika,Nasceu, ent ]982
N.' de Chamada ,/iSP Z,a'3
:opyright © Livraria Mal"tittsFontesEditora Lida
;ão Pauta, !998, para a presente edição

1: edição
abriide 1998
2atiragem
agosto de1999

Traduzido a partir do texto espanhol por


CLAUDiABERLINER

Revisão gráfica
Tel-esaCecília de Oliveira Ramos PRIMEljiA PARTE
Célia Resina Rodrigues de Limo
Produção gráfica
O desenvolvimento psicológico na infância
Gaaldo Aíves
Paginação/Fotolitos 1 . A percepção e seu desenvot'pimento na infâttcia 3
Studio 3 Desenvotwimento Editorial
2. A memória e seu desenvolvimento na infância 29
Capa
Atexandre Marfins Fortes
3. O pensamento e seu desenvolvimento na infância 49,/
Katia Hat'umi Te}.asaka
4. As emoções e seu desenvolvimento lta infância- 79 /
Dados Internacionais de Catalogaçãona Pübliêação(CIP) 5. A imaginação e seu desenvot'pimento na infância 107
(Câmara Brasileira do Livro, SP,Brasil)
6. O problema da vontade e seu desenvolvimento na
Vigotski, Lev Semenovich, 1896-1934.
O desenvolvimento
psicológico na infância / L. S. vigotski infância 131
tradução Claudia Berliner. -- São Paulo : Mastins Fontes, ]998
(Psicologia e Pedagogia)

Título original: Sobrania sochinenii tom toroi


ISBN 85-336-0807-1 SEGUNDAPARTE
Crianças -- Desenvolvimento 2. Psicologia infantil 1. Título. Vias de desenvolvimento do conhecimento psicológico
11.Série

97-5592
CDD-155.4
Prólogo à versãorussa do ti'pro de E. Thorltdike, Princípios de
Índices para catálogo sistemático: ensino baseados na psicologia" 149
1..Crianças : Desenvolvimento psicológico
Introdução à versão russa do livro de K. Bilhler, Ensaio sobre
Psicologiainfantil 155.4
2. Infância : Desenvolvimento psicológico
Psicologiainfantil 155.4
o desenxot'pimento
espirituatdacriança" 179
Prólogo à edição russa do livro de W. Kõhler, " Pesquisas
Todos os direitos pala o Brasit }eselvados à
sobre a inteligência dos macacos antropomodos" 201
Livraria M.aléns Fontes Editora Lida.
Rua Conselheiro Ramatho, 330f340 O problema do desenvolvimento na psicologia estrutural.
0132S-000 São Palito SP B}.anil Estudo crítico 243
Tet. (}}) 239-3677 Fax (11) 310S-6867
e-mai!: info@ !artirujontes.com
àttp:llwww.marlitlsfontes.com Notas 321

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Conferência 4
As emoções e seu desenvolvimento na infâncias

O estado atual da doutrina das emoções em psicologia e


seu desenvolvimento teórico apresentamgrandes peculiari-
dades em comparação com os outros capítulos da psicologia:
neste capítulo, até hoje domina o puro naturalismo, que era
totalmente alheio aos demais capítulos da psicologia. Estes
capítulos, a que nos referimos anteriormente, só chegam às
teorias naturalistas quando aparecem o behaviorismo e outras
correntes que tratam do comportamento. Nesse sentido, cabe
dizer que o capítulo da velha doutrina das emoções encerra,
no aspectometodológico, todo o behaviorismo futuro, já que
a corrente behaviorista em psicologia constitui, em certa
medida, um brusco contraste, uma brusca reação à antiga psi-
cologia introspectiva espiritualista. Disso se depreende,é
claro, que o capítulo das emoções,concebidoem geral se-
gundo um plano puramente naturalista, fosse a ovelha negra
entre os demais capítulos que integravam a psicologia da
época.
As causasdisto eram muitas. Para nós, basta assinalaro
motivo mais próximo, relacionado ao nome de Darwin. Este, ao
levar às últimas conseqüências a extensa e antiga tradição da

# ''Emotsii y ij razvitie v detskomvozraste


L.S.Vigofski

biologia, no trabalho "A origem dos movimentosexpressi-


r O desenvolvimento psicológico na ittfância

ria dos rudimentos" pe]a literatura), que figura em quasetodos


vos do homem", estabelece uma conexão geral entre as emo- os manuais, inclusive os soviéticos.
ções do homem e as reações afetivas e instintivas correspon- Do ponto de vista desta teoria, os movimentos expressivos
dentes que se observam no reino animal. Em seu estudo que acompanham nosso temor são considerados, segundo uma
sobre a evolução e a origem dos n-movimentos expressivos conhecida expressão, restos rudimentares de reações animais
humanos, Darwin valorizava, evidentemente, sua idéia evo- na fuga e na defesa, e os movimentos expressivos que acompa-
lutiva fundamental. Para ele, era importante demonstrar, nham nossa ira são considerados restos rudimentares de movi-
como diz em uma de suas cartas,há pouco publicada em mentos que acompanhavam, em outros tempos, a reação de
russo, que os sentimentos do homem, que eram considerados ataque de nossos antepassados animais. Conforme uma conhe-
como o "sancta sanctorum" interior da alma humana, são de cida fórmula, considerou-se o temor uma fuga refreada e a ira
origem animal, assim como o homem em sua totalidade. E, uma rixa refreada. Em outras palavras, todos os movimentos
com efeito, a comunidade entre as expressõesemocionais do expressivos foram considerados retrospectivamente. Nesse sen-
homem e, de qualquer forma, as dos animais superiores mais tido, são dignas de nota as palavras de Ribot segundo as quais
próximos dele é tão evidente que quase não é objeto de dis- as emoções são o único setor da psique humana, ou, como diz
cussão. ele, "o estado dentro do estado", que só pode ser compreendi-
Como se sabe, a psicologia inglesa, que esteve tempora- do retrospectivamente.A ideia de Robot consistia em que as
riamente sob o poder do pensamento escolástico com suas emoções são uma "tribo agonizante'' ou os "ciganos de nossa
fortes tradições religiosas medievais, tratou com extraordiná- psique". De fato, desse ponto de vista, a única conclusão a que
ria astúcia, como diz um dos historiadores contemporâneos, a chegaram as teorias psicológicas era de que as reações afetivas
idéia de Darwin. Por mais estranhoque pareça, estapsicolo- do homem são restos de sua existência animal, restos infinita-
gia impregnada de tradições religiosas acolheu as tesesdarwi- mente debilitados em sua manifestação exterior e desenvolvi-
mento interno.
nistas desenvolvidas por seusdiscípulos com grande simpatia,
partindo do que Darwin havia demonstrado: as paixões terre-
}.

Por conseguinte, dava a impressão de que a curva da evo-


nas do homem, suas inclinações egoístas, suas emoções, rela- lução das emoções tendia para baixo. E, se compararmos,
cionadas com as preocupações concementes ao seu próprio como propunha um dos últimos discípulos de Spencer, o ani-
corpo são, na verdade, de origem animal. mal e o homem,a criança e o adulto, e finalmenteo homem
Deste modo, subitamente adquirem impulso duas corren- primitivo e o homem culto, veremos que, à medida que avan-
tes, para as quais se orientou o trabalho do pensamento psico- ça o desenvolvimento, as emoções passam a ocupar o último
lógico: por um lado, continuando em sentido positivo as idéias lugar. Disto se depreende, como se sabe, o famoso prognósti-
darwinianas, uma série de psicólogos (em parte Spencer' e co de que o homem do futuro será um homem carente de emo-
seusdiscípulos, em parte os positivistas franceses,Ribot: e sua ções, que deverá alcançar, de fato, o final lógico e perder os
escola, e em parte a psicologia alemã de orientação biológica) últimos elos que restam da reaçãoque teve um certo sentido
começou a desenvolver as idéias sobre a origem biológica das na etapa primitiva de sua existência.
emoções humanas, a partir das reações.afetivas e instintivas Fica evidente que, desse ponto de vista, só um capítulo da
dos animais. Daí surge a teoria das emoções (denominada "teo- psicologia das emoções podia ser desenvolvido no plano adequa-

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do: o capítulo referenteà reaçãoemocional dos animais e à evo-


r O desenvolvimentopsicológico na infância

primeiro elo é o acontecimentoextemo ou interno, cuja per-


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lução das emoções no mundo animal. Este capítulo é o que a psi- cepção provoca uma emoção (digamos, a presença de um peri-
cologia anual desenvolveu mais a fundo e com mais detalhes. go), depois, a sensaçãoda própria emoção (sentimento de ter-
Quanto à psicologia do homem, pelo contrário, semelhantefor- ror) e, em seguida, a correspondente expressãocorporal, orgâ-
mulação da questão excluía a possibilidade de estudar de forma nica (as palpitações do coração, a palidez, o tremor, a securade
adequada o que constitui as particularidades específicas das emo- garganta, todos os sintomas que acompanham o medo). Se,
ções do homem. Tal formulação da questão, em vez de esclarecer antes,os psicólogos estabeleciama seguinte sucessão:percep-
como se enriquecem as emoções na infância, mostrava, pelo con- ção, sentimento, expressão,James e Langue propuseram con-
trário, como se reprimem, se debilitam, se eliminam as descaqas siderar este processo segundo outra seqüência, ao assinalar que
emocionais imediatas, próprias da infância precoce. No que se imediatamente depois da percepção de tal ou qual aconteci-
refere às variações sofridas pela força da emoção desde o homem mento surgem mudanças orgânicas provocadas de forma refle-
primitivo até nossos dias, seu caminho, que era considerado xa (para Langue, vasomotoras de preferência; para games,vis-
como continuação direta da evolução, consistia no seguinte: na cerais, ou seja, produzidas nos órgãos intemos). Estas mudan-
medida em que o desenvolvimentoda psique humana foi avan- ças, que ocorrem de forma reflexa no medo e em outras emo-
çando, as emoções retrocederam. Essa foi, segundo Robot, a glo- f
ções, são percebidas por nós, e a percepção das reações orgâni-
riosa história da morte de todo um setor da vida psíquica. cas próprias é o que constitui a base das emoções.
De acordo com essadoutrina, a clássica fómtula de games,
Enfocada desde o aspecto biológico, a vida emocional
dava a sensação da morte paulatina de toda uma esfera da vida que agora se modifica de várias maneiras, porque cada teoria
tenta demonstrar sua oposição a ela, diz: costumava-se consi-
psíquica, a experiênciapsicológica imediata, mas, posterior-
mente, as pesquisas experimentais demonstraram claramente derar que choramos porque estamos aflitos, trememos porque
o absurdo dessaidéia. estamos assustados,batemos porque estamos irritados; na
verdade, dever-se-ia dizer que estamos aflitos porque chora-
Langue' e Jamesjá sehaviam proposto, cada um por seu lado
mos, que estamosassustadosporque trememos e que estamos
James mais conscientementecomo psicólogo e Langue mais
irritados porque batemos.
inconscientemente como Hlsiólogo --, a tarefa de encontrar a fonte
Segundo o ponto de vista de James, basta reprimir a ma-
da vitalidade das emoções, como diz James, no próprio organismo nifestação externa da emoção para que esta desapareça e vice-
do homem, libertando-se assim do enfoque reü.ospectivo das versa: basta provocar em si mesmo a manifestação de uma
emoções humanas. Langue e James encontraram essa fonte nas
determinada emoção para que esta apareça depois da manifes-
reações orgânicas que acompanham nossos processos emocio- tação.
nais. Esta teoria é tão amplamenteconhecida, foi tão citada nos Dois aspectos seduziam nesta teoria, completa no aspecto
manuais, que não há necessidade de expõ-la. Lembrarei apenas teórico e suficientemente elaborada: por um lado, proporcio-
que o ponto de virada crucial dela é a mudança da sucessãotradi- nava realmente uma aparente fundamentação científico-natu-
cional dos momentos que compõem as reações emocionais. ral, biológica, às reaçõesemocionais e, por outro, careciados
Sabe-se que, para os psicólogos anteriores a James e Lan- defeitos das teorias incapazes de explicar de algum modo por
gue, o processo emocional desenvolvia-se do seguinte modo: o que emoções que não fazem falta a ninguém, restos da exis-
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L.S.Vigotski O desenvolvimento psicológico na iljfâricia

tência animal, continuam vivas e se revelam, do ponto de vista tual que antes passaradespercebido e que ultimamente se con-
da experiência retrospectiva, sensaçõestão importantes, tão verteu no centro das pesquisas experimentais. Todas as emo-
consideráveis,que sãoas que estãomais próximas do núcleo ções, todas as sensações emocionais diretamente entrelaçadas
da personalidade. Vocês mesmos sabem que as sensações em nossos processos de pensamento e que são parte inaliená-
mais emotivas são as sensações pessoais internas. vel do processo integral dos raciocínios, eram diferenciadas
Como se sabe, essas teorias de James e Langue, que logo por ele dos fundamentos orgânicos, e considerava-oscomo um
se fundiram numa teoria comum, foram objeto de recrimina- processo slzi gemer/s,isto é, como um processo de um gênero e
ções por seu "materialismo", porque James e Langue queriam de uma natureza totalmente distintos.
reduzir os sentimentosdo homemao reflexo, em sua cons- James, um pragmático, interessava-se muito pouco pela
ciência, dos processos orgânicos que ocorriam em seu corpo. natureza do fenómeno a estudar, e por isso dizia que para os
No entanto, o próprio James estava muito distante do materia- interesses práticos da sociedade bastava conhecer a diferença
lismo, e em respostaàs primeiras recriminações lançou uma que a pesquisa empírica descobre entre as emoções superiores
tese, que figura em seu manual de psicologia: "Minha teoria e inferiores. Do ponto de vista pragmático,o importanteera
não pode ser de modo algum denominada'materialista'." E. salvar as emoções superiores de sua interpretação materialista
na verdade, suateoria não era, de fato, materialista, embora, ou quase materialista.
em muitos casos,desselugar à denominaçãode materialista, Assim, essateoria levou, por um lado, ao dualismo carac-
porque utilizava o método materialista espontâneo.Não era terístico da psicologia intuitiva e descritiva. Ninguém mais do
materialista e conduziu a resultados contrários aos materialis- que Bergson, ferrenho idealista, que numa série de momentos
tas. Por exemplo, em nenhum outro lugar como na teoria das coincidia com Jamesnas concepçõespsicológicas e filosófi-
emoçõesficam tão divididas as funçõessuperiorese inferio- cas, aceitou sua teoria das emoções e acrescentou idéias pró-
res. Isso ocasionouo desenvolvimentoposterior da teoria de prias de caráter teórico e real. Por outro lado, junto com o dua-
James. lismo na doutrina das emoçõessuperiorese inferiores, esta
O próprio games,em respostaàs recriminaçõesde mate- teoria não pode ser chamada de materialista, como disse com
rialismo, segueo caminho já traçadopor Darwin em resposta razão o próprio James, porque não contém nem um átimo de
às recriminações de que era objeto por parte dos psicólogos materialismo, a não ser na afimnação: ouvimos porque os ter-
escolásticosingleses. Jamesprocura dar a Deus o que é de minais de nosso nervo auricular experimentam uma excitação
Deus e a César o que é de César. Fez isso dizendo que só têm em decorrência das vibrações de ar que agem sobre nosso tím-
origem orgânica as emoções inferiores, herdadas pelo homem pano. Em outras palavras, os espiritualistas e idealistas mais
de seus antepassadosanimais. Isso pode se referir aos grupos recalcitrantes nunca negaram o simples fato de que nossas
de emoções tais como o terror, a ira, o desespero,a fúr.ia, mas sensaçõese percepções estão relacionadas com os processos
não é aplicável, naturalmente, a tão "sutis", segundo sua materiais que excitam nossos órgãos dos sentidos.
expressão,emoções,como o sentimento religioso, o sentimen- Por conseguinte, a afimlação de James de que as emoções
to de amor do homem pela mulher, a sensaçãoestética,etc. sãopercepções internas de mudanças orgânicas não se aproxi-
Portanto, Jamesdiferenciava rigorosamente o campo das emo- ma mais do materialismo do que as tesesde qualquer partidá-
ções inferiores e superiores, particulamlente o campo intelec- rio do paralelismo, que afirma que a onda luminosa, ao provo-
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O desenvolvimentopsicológico na infância

car a correspondente excitação do nervo óptico, põe em movi- ça do desenvolvimento, nela examinava-se numa análise re
mento um processonervoso, paralelamenteao qual produz a prospectivaas emoções do homem como tendo surgido em
sensação psíquica de uma ou outra cor, fomla, tamanho, etc. tempos passadosno processo evolutivo. Nela, excluía-se por
Finalmente, o terceiro e mais importante ponto: essasteo- completoa possibilidadede fomecer a gênesedas emoções
rias estabeleceram as bases para a criação de toda uma série humanas,do aparecimento de quaisquer emoções novas no
de teorias metafísicas.da doutrina das emoções. Nessesenti- processoda vida histórica do homem.
do, a teoria de James e Langue representou um passo para trás Portanto, fechando o círculo, James, assim como seusse-
em comparação com os trabalhos de Darwin e com a corrente guidores, retoma à concepção idealista fundamental das emo-
que se desenvolveu imediatamente a partir dele. Se era neces- ções.É precisamenteele quem diz que durante o período histó-
sário salvar as emoçõese mostrar que não se tratava de uma rico de evolução da humanidade se aperfeiçoaram e desenvol-
tribo agonizante, Jamesnão encontrou nada melhor do que veram os sentimentos humanos superiores, que os animais des-
acoplá-las aos órgãos mais invariáveis, mais baixos no desen- conheciam. Mas tudo o que o homem havia recebido do animal
volvimento histórico da humanidade,aos órgãos intemos, permaneceuinvariável, já que é, como se expressaJames,uma
que, segundo ele, são os verdadeiros portadores das emoções. simples função de sua atividade orgânica. Isso significa que a
As mais delicadas reações do intestino e do coração, as sensa- teoria proposta,a princípio, para demonstrar (como já disse,
ções que partem das cavidades e dos órgãos internos, o jogo referindo-me a Darwin) a origem animal das emoçõestermi-
das reações vasomotoras e outras mudanças semelhantes são nou demonstrando a falta de conexão no desenvolvimento do
os momentos vegetativos, viscerais, humorais, a partir de cuja que o homem havia recebido do animal e do que surgiu durante
percepçãose formam, na opinião de James,as emoções.Por- o período histórico da evolução. Com isso, essesautores
tanto, essa teoria separava as emoções da consciência e colo- deram, com efeito, a Deus o que era de Deus e a César o que
cava um ponto final no realizado anteriormente.
era de César,ou seja, procuraram estabe]ecer,por um lado, a
Eu disse que, segundo as concepções de Ribot e outros au- importância puramente espiritual de uma série de emoções
tores, as emoções são um estado dentro de outro na psique hu- superiores e, por outro, uma série de emoções inferiores, pura-
mana. Isso significa que as emoções eram consideradas de mo-
mente orgânicas, de valor fisiológico.
do isolado, separadasdo conjunto global, de todo o resto da Os ataques experimentais contra essa teoria se deram em
vida psíquica do homem, e a teoria de James e Langue propor- duasdireções:por parte dos laboratóriosde fisiologia e por
cionou ajustificação anátomo-fisiológica dessa idéia do estado parte dos de psicologia. Os laboratórios fisiológicos desempe
dentro do estado.O próprio Jamessublinha isso claramente.
nharamcom respeito à teoria de gamese Langue um papel
Dizia que, enquanto o cérebro é o órgão do pensamento huma- traiçoeiro. No princípio, os fisiólogos estavamentusiasmados
no, o das emoções são os órgãos vegetativos internos. Com com essa teoria e ano após ano contribuíam com novos dados
isso, o verdadeiro substrato das emoções se translada do centro que confirmavam a teoria de James. Por certo, a teoria encena
para a periferia. Nem é preciso dizer que a teoria de Jamese uma certa verdade indubitável; evidentemente, as mudanças
Langue fechava ainda mais que as precedentesa porta para a orgânicas, específicas da reação emocional, são extraordina-
formulação do desenvolvimentoda vida emocional. Nela ha- riamente ricas e variadas. Ao comparar o que James disse so-
via, confomle se expressao próprio James,uma certa lembran- bre isso com o que sabemosagora, pode-sever realmente o
L. S. Vigotski O desenvolvimentopsicológico na il:fância

enorme e frutífero caminho que James e Langue abriram para Por mais estranho que pareça, Cannon descreve emoções
as pesquisasempíricas. Nisso consiste seu extraordinário mé-
rito histórico. tão distintas como a fúria, o terror, o medo, a ira como tendo a
mesma expressãoorgânica. Por isso, Cannon introduz, já nes-
O papel traiçoeiro por parte dos laboratórios de fisiologia se trabalho, uma correção na fórmula de James. Se este dizia:
foi desempenhado pelo conhecido livro de Cannon4. A obra é
estamos aflitos porque choramos, na opinião de Cannon isso
completamente contraditória, e se isso não foi notado de ime-
teria de ser um pouco modificado para dizer: estamosaflitos,
diato foi porque, em primeiro lugar, refletia a etapa precoce comovidos ou enternecidos, ou, em geral, sentimos as emo-
do desenvolvimentoda pesquisafisiológica e, em segundo, ções mais distintas, porque choramos. Dito de outro modo,
porque foi editada na URSS com um prólogo de Zavadovskis, Cannon nega, baseando-se em seus dados experimentais, a
que a recomenda como demonstração experimental concreta
conexão simples existente entre a emoção e sua expressão
da veracidade da teoria de James-Langue.No entanto, basta corporal: mostra que esta não é específica da natureza psíqui-
analisar atentamente o conteúdo dos experimentos de Cannon
ca das emoções; o eletrocardiograma, as mudanças humorais
para ver, propriamente falando, que conduzem à negação da e viscerais, a análise química, a análise de sangue dos animais
teoria de James e Langue.
não permitem estabelecerse o animal experimenta terror ou
Duas idéias constituem a base dos problemas teóricos que estáfurioso; em emoções diametralmente opostas do ponto de
mais interessaram Langue e James na criação de sua famosa teo- vista psicológico, as mudançascorporais são iguais. No en-
ria: 1) examinada a partir do aspecto biológico, a emoção consti-
tanto, Cannon, ao negar nessetrabalho a especificidade das
tui o reflexo dos estadosfisiológicos na consciência;2) estes expressões corporais para cada tipo de emoção, ao negar a re
estados são específicos para as distintas emoções.
lação direta entre tal tipo de emoção e a estrutura de sua
Vocês provavelmente já leram uma série de livros sobre os
expressãocorporal, não colocou em dúvida a tese fundamen-
últimos trabalhos de Cannon e sua escola. Em experimentou tal de James: as emoções são o reflexo em nossa consciência
com gatos, cachorros e outros mamíferos, Cannon conseguiu, de mudanças orgânicas. Ao contrário, Cannon descobriu toda
com a ajuda de métodosde pesquisamuito complicados,de uma série de fatos, demonstrados experimentalmente, que mos-
extirpações, intoxicações artificiais, complexas análises bio- tram que as mudanças orgânicas são muito variadas, e com
químicas, demonstrar experimentalmente que, com efeito, em isso pareceria reforçar a teoria de James e Langue. Mas nas
estadode fúria, ira, terror, produzem-senos gatos e cachorros pesquisasposteriores, publicadas agora, viu-se obrigado a che-
mudanças humorais profundas, relacionadas com reações das gar à conclusão de que os fatos encontrados sobre a não-espe-
glândulas de secreção intema, concretamente nas cápsulas
cificidade da expressãocorporal das emoçõesconduzem, de
supra-renais, que todas essas mudanças implicam profundas fato, à total negação da teoria de James e Langue, ao reconhe-
alterações de todo o sistema visceral, ou sqa,. que todos os ór- cimento de sua inconsistência. Nestes experimentou, Cannon
gãos mtemos reagem a isso, e, portanto, que cada emoção está obteve uma série de importantes fatos.
relacionada com sérias mudanças no estado do organismo. No Variando, no experimento psicológico, a situação em fun-
entanto,já em seu primeiro trabalho, que pôde parecer a ção da qual se manifestam no animal diversas emoções inten-
Zavadovski uma confirmação da teoria de Jamese Langue, sas,encontra manifestações corporais iguais. O novo consiste
Cannon tropeça em um fato de extraordinária importância. somente em que a clareza de tais manifestações dependia não
O desenvolvimento psicológico na ir fância
L. S. Vigoíski

tanto da qualidade da própria emoção, mas da força de sua danças orgânicas sem que apareçam determinadas emoções.
manifestação. Depois, Cannon levou a cabo uma série de Observa-se neles uma variação do açúcar no sangue, uma va-
complicados experimentos, nos quais do animal era eliminada riação da circulação sangüínea, etc., como no caso da emoção,
uma grandeparte do sistemanervoso simpático, extirpando- mas esta não se faz presente.
Ihe o tronco dos nódulos simpáticos,e com isso se evitava Ou seja, o destinoda segundaafirmaçãode Jamesfoi o
qualquer reação de caráter orgânico. Foram estudados em ter- mesmo: se provocarmos uma expressão externa, que acompa-
mos comparativos dois animais: uma gata, na qual, devido ao nha uma emoção, esta aparecerá. Esse aspecto também se mos-
troufalso.
fato de ter-lhe sido extirpado o sistema nervoso simpático,
nenhum terror nem fúria produziam secreção de adrenalina Os experimentas de Cannon com pessoas tampouco de
nem outras mudançashumorais, e uma gata de controle.na ram resultados parecidos. Embora na grande maioria das pes-
qual todas estas reações eram provocadas. soas em quem se realizou o teste não se observassem emo-
A principal conclusão foi, não obstante, que as duas gatas ções, em algumas delas as injeções, de fato, as provocaram.
se comportaram exatamente da mesma maneira em situação No entanto,isso aconteceumuito raramentee somentequan-
análoga. Dito de outro modo, a expressão da emoção observa- do a pessoaestava''quase explodindo", preparada,de certa
da na gata de quem tinha sido extirpado o sistemanervoso forma, para a explosão emotiva, para a descarga emotiva. As
simpático foi igual à da outra. Reagiu da mesmamaneira quan- explicações subseqüentes deixaram claro que a pessoa em
do o cachorro se aproximou dela e de seusgatinhos e também questãotinha motivos para estar aflita ou alegre,e a injeção
quando, faminta, tiraram sua comida e, identicamente, quan- correspondenteserviu de excitante para produzir essasemo-
do, também faminta, olhava a comida através de um estreito ções.Outro momento consistia no seguinte: no relato intros-
orifício. Ou seja, todas essasreaçõesforam testadasem ani- pectivo dos submetidos ao teste, notou-se que em nenhum
mais de dois tipos, em decorrênciado que um dos principais deles surgiu um sentimento de terror, nem de raiva, nem de
elementos de James se viu refutado experimentalmente. O timidez, mas todos explicaram seu estado assim: sentia-me
teste desmentiu sua famosa tese sobre a subtração mental dos como se temesse, como se estivesse raivoso ou chateado com
sintomas das emoções. De acordo com James, se retirarmos algo. As tentativas de criar uma sensaçãointema na pessoa
mentalmente de uma emoção de terror o tremor, o encolhi- que realizava o teste, ou seja, a percepção consciente provoca-
mento de pemas, a paralisação do coração, etc., veremos que da experimentalmente por mudanças orgânicas intemas con-
da emoção não resta nada. Cannon procurou efetuar essasub- duzia apenas a que se produzisse um estado que lembrava a
tração e mostrou que, apesar disso, a emoção persistiu. Por emoção, mas a própria emoção, no sentido verdadeiramente
conseguinte, o momento central da pesquisa de Cannon con- psicológico,não existia.
sistiu em demonstrar a presençade um estado emocional do Portanto, os experimentos realizados com pessoas,com o
animal quando faltam as correspondentesreaçõesvegetativas. emprego da análise introspectiva, introduziram certas corre
Em outra série de experimentos, foi aplicada em animais e ções nos dados de Cannon. Demonstraram que a expressão
depois em pessoasuma injeção que produzia mudanças orgâ- orgânica das emoções não é tão indiferente para os estados
nicas artificiais, análogasàs que se observam numa forte emo- emocionais como supunha este último, partindo dos experi-
ção. Verificou-se que, nos animais, se pode provocar essasmu- mentes com extirpações em animais.
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L. S. Vigotski O desenvolvimentopsicológico na irlfância

As conclusões gerais a que chegou Cannon e que são pro- orgânicas são importantes não para a emoção como tal, mas
duto de uma série de pesquisasexperimentais nesse terreno para o que a ela se segue. Todas as mudanças -- aumento de
consistem em duas tesesfundamentais. A primeira conclusão açúcar no sangue,mobilização das forças do egoísmo para a
leva Cannon e todos os fisiólogos e psicofisiólogos dedicados luta, a fuga são importantes porque, biologicamente, a uma
a essa questão a rejeitar a teoria de James e Langue, que não forte reaçãosegue-se,no animal, uma intensaatividade mus-
dá conta da crítica experimentalnem da comprovaçãodos cular, não importando se se trata de fuga ou de luta, ataque; em
fatos. Por isso, precisamente,um dos principais trabalhos de todos os casos, essa preparação do organismo deverá ocorrer.
Cannon intitula-se "Altemativa à teoria de games e Langue". Nas condições do laboratório, diz Cannon, a gata que ca-
Outra conclusão decorre de que Cannon, como biólogo, rece de sintomas fisiológicos de emoções se comporta da
tinha naturalmente necessidadede explicar pelo menos hipote- mesma maneira que a que os apresenta. Mas isso só acontece
ticamente o paradoxo resultante de seus experimentou. Se é nas circunstânciasde um laboratório experimental,onde a
fato que as profundas mudanças orgânicas que se produzem no questão se limita a mudanças isoladas; numa situação natural,
animal mediante reações emocionais fortes carecem por com- uma gata que carecessedesses sintomas morreria antes de
pleto de importância para as emoções e se a emoção persiste, uma que não carecessedeles. Se a gata tivesse medo e, além
apesar da subtração de todas essas mudanças orgânicas, como disso, tivesse de fugir, é claro que o animal cujos processos
se pode compreender biologicamente para que servem tão pro- viscerais não organizaram, não mobilizaram o organismo para
fundas mudanças? Se, num primeiro trabalho, Cannon mostra a fuga morreria antes do outro.
a importância funcional biológica das mudanças que se produ- O argumento experimental mais importante em favor
zem durante as emoções, precisa explicar agora, de um ponto desta hipótese é o seguinte: Cannon, com animais, e seus
de vista biológico, que a gata, que carece de sistema nervoso discípulos, com pessoas,provocavam uma atividade muscu-
simpático e de todas as reações humorais e viscerais que acom- lar intensa. Por exemplo, obrigavam uma gata a correr por
panham o afeto de tenor, reage à ameaça a seus gatinhos da uma calha (como faz Dúrov') pela qual passava corrente, de
mesma fomla que a que conserva essas reações. Porque, do modo que a cada momento a corrente obrigava o animal a
ponto de vista biológico, essasreaçõestomam-se incompreen- escapardela, a correr na velocidade máxima. Verificou-se
síveis e antinaturais se não desempenham nenhum papel que o simples trabalho muscular, o intenso movimento, pro-
importante nas mudançasfuncionais biológicas que se produ- duzia as mesmas mudanças orgânicas que uma forte emo-
zem durante as emoções. ção. Em outras palavras, todos os sintomas vegetativos reve-
Cannon explica essacontradição do seguinte modo: qual- laram-se, na verdade, fenómenos concomitantes e interpre-
quer reação emocional forte no animal é, por si só, apenaso tações de uma intensa atividade muscular, mais do que de
princípio, mas não o fim da ação, e surge numa situação crítica, emoçoes em si.
de importânciavital para ele. Fica claro, portanto, segundo Pode-se objetar a isso que a gata podia se sentir assustada
expressão de Cannon, que a conclusão lógica das reações emo- pela situação criada. Em resposta,Cannon realiza outra série
cionais fortes do animal será sua atividade aumentada.Assim, de experimentou, que não incluem momentos que assustemo
a conclusão lógica do terror é a fuga do animal, a da fúria ou animal e, no entanto, a intensa atividade muscular provoca as
raiva, a luta ou o ataque.Por conseguinte,todas as reações mudanças que costumavam ser consideradas concomitantes
L. S. Vigorski

de uma reação emocional e que, antes, o próprio Cannon con-


siderava um momento importante das emoções. Verificou-se
r O desenvolvimentopsicológico na infância

constituído por um mecanismo cerebral. Ligou o mecanismo


95

das emoções com o cérebro, e essedeslocamento do centro da


que os mencionados sintomas não são tanto fenómenos con- vida emocional dos órgãos da l)eriferia para o cérebro incorpora
comitantes às emoções como complementos dos momentos as reações emocionais ao contexto anátomo-fisiológico geral de
emocionais relacionados com o instinto. todos os conceitos anátomo-ülsiológicos, que os relacionam
Desseponto de vista, diz Cannon,a teoria de Darwin se estreitamente com o resto da psique humana.
vê justificada inesperadamente.Nesta teoria, não há dúvida Isso toma importante e compreensível o que foi descoberto
sobre o fato de que nossos movimentos expressivos podem no aspecto psicológico por outros pesquisadores -- a estreitíssi-
ser considerados, na verdade, rudimentares se comparados à ma relação e dependência entre o desenvolvimento das emoções
expressão dessas emoções nos animais. O ponto fraco da e o de outros aspectosda vida psíquica do homem.
mencionadateoria, contudo, é que o autor não foi capaz de Se procurarmos formular brevemente o resumo principal
explicar o desenvolvimento progressivo das emoções, afir- deste trabalho de pesquisa, teremos de dizer: realizou no campo
mando, pelo contrário, que iam se apagando. da psicologia algo parecido com o que Cannon e seusdiscípulos
Cannon mostrou que não é a própria emoção que morre, levaram a cabo no da psicofisiologia das emoções; concretamen-
mas seus componentes instintivos. Dito de outra forma, o te, deslocou a teoria das emoções da periferia para o centro. Se
papel das emoções na psique humana é outro; isolam-se cada estaconsiderava o mecanismo das emoções não como extracere-
vez mais do reino dos instintos e se deslocam para um plano bral, mas como cerebral, se esta mostrou que as reações emocio-
totalmente novo.
nais dependiam do órgão que diügia todas as demais reações
Quando se toma a doutrina das emoções no conjunto de relacionadas com a psique do homem, também o trabalho psi-
seu desenvolvimento histórico, vê-se que, partindo de diferen-
cológico pâs Hlmà doutrina da vida emocional do homem como
tes lados, este desenvolvimento histórico seguiu uma única di- "um estado dentro de outro"
reção. As pesquisaspsicológicas da vida emocional conduzi- Toda uma série de reações comparativas e dependências se
ram ao mesmo que as pesquisas exper.imentaisno campo da revelou aos pesquisadores nos experimentos quando, ao estudar a
psicofisiologia. A conclusão básica mais importante sobre os vida emocional, começaram a se dar conta da total impossibilida-
trabalhos da corrente a que me referi é o peculiar deslocamento de da situação criada nas teorias de James e Langue, que divi-
do centro da vida emocional. Cannon supunhaque o funda- diam as emoçõesem duasclassesque nadatinham em comum
mental que essestrabalhos tinham conseguido era ter desloca- entre si as emoções superiores e inferiores. Se seguirmos o
do o núcleo da vida emocional da periferia para o centro. caminho cronológico, teremos de nomear em primeiro lugar
Mostrou que o substrato real, os portadores reais dos processos
Freud, já que ele foi um dos primeiros pesquisadores a se aproxi-
emocionais não são, de modo algum, os órgãos intemos da mar muitíssimo, não experimental, mas clinicamente, de forma
vida vegetativa, nem os mais antigos no aspectobiológico. teórica, do que constituiu o percurso principal das pesquisaspos-
Mostrou que o substrato material das emoções não é um meca-
teriores neste campo.
nismo extracerebral, um mecanismo que se acha fora do cére- Como se sabe, ao analisar a psicopatologia da vida emocio-
bro humano, graças ao que se criou a doutrina das emoções nal, Freud interveio negando que o mais importante no estudo da
como um estado à parte dentro de toda a psique, mas que é emoção são os componentes orgânicos que a acompanham. Di-

l
96 97
L. S. Vigotski O deserlvoívimenro psicológico na ilt#ância

zia, como se sabe, que não conhecia nada mais indiferente São análogas as realizações de Adler' e sua escola em
para determinar a natureza psicológica do terror do que o seus trabalhos dedicados à doutrina das emoções. Mediante
conhecimento das mudanças orgânicas que o acompanham. observações demonstraram que, no que se refere à sua impor-
Freud rejeitava a velha psicologia orgânica unilateral de James tância funcional, a emoção relaciona-se não só com a situação
e Langue, que estuda o córtex e não se ocupa do verdadeiro instintiva em que se manifesta,como ocorrede fato com os
núcleo psicológico, ou, em outras palavras,que, ao estudar o animais, mas é também um dos momentos que formam o cará-
trabalho dos órgãos nos quais se manifesta a emoção, nada faz ter. Demonstraram que, por um lado, os conceitos gerais do
para estudar a emoção enquanto tal. Freud mostra a extraordi- homem sobre a vida, a estrutura de seu caráter, se vêem refle-
nária dinâmica da vida emocional. tidos num determinado círculo da vida emocional e, por outro,
Uma conclusão puramente formal de suas pesquisas é, a são determinados por estas sensaçõesemocionais.
meu ver, correta, apesar da falsidade, em essência, da aHumação Como se sabe, tal idéia sobre o caráter e as emoções fez
ftlndamenta] de Freud. Concretamente, o terror se explica, segun- com que a doutrina das emoções se transformasse numa parte
do ele, pelo fato de que, numa série de mudançasneuróticas,a inseparável e central da doutrina do caráter humano. Deu-se
atração sexual reprimida se transfomla em terror; o tenor se con-
algo totalmente oposto ao que acontecia anteriormente. Se
verte num estado neurótico, equivalente a toda uma série de dese-
antes a emoção era considerada uma surpreendente exceção,
jos da criança,que foram deslocados,reprimidos de forma insufi- uma tribo agonizante, agora passa a ser relacionada com os
ciente. Freud demonstrou como é ambivalente a emoção nas pri- momentos da formação do caráter, ou seja, com os processos
meiras etapas do desenvolvimento. E, apesar do caráter equivo-
de organização e formação da estrutura psicológica fundamen-
cado da explicação que comece sobre a emoção ambivalente, o
taldapersonalidade.
fato em si penetrou Humementena doutrina de que as emoções Na teoria de Bühler, que do ponto de vista experimental
não existem desde o princípio, que, primeiro, ocorre uma certa
diferenciação do núcleo, que encerra sentimentos contraditórios.
fez pela psicologia infantil atual mais do que muitos outros,
existem avanços muito interessantes na "tópica" psicológica
Essa tese era importante em outro sentido: desenhou cer-
das emoções, isto é, no lugar que estas ocupam em relação a
tas possibilidades simples na interpretação do movimento da
vida emocional. Mas o principal mérito de Freud no mencio- diferentes processospsíquicos. l.Jma exposição grosseira e
esquemática das conclusões de Bühler e seus experimentos (e
nado campo é ter mostrado que.as emoções não foram sempre
os experimentou são o melhor de seu trabalho) permite apre
o que são agora, que em diversos momentos, nas etapaspreco-
ces do desenvolvimentoinfantil, foram distintas das do ho- sentar sua teoria da seguinte forma. Partindo da crítica das
mem adulto. Demonstrou que não são "um estado dentro de idéias freudianas sobre a vida emocional, Bühler prestaatenção
outro", e que só podem ser compreendidasno contexto de não só ao fato de que na fase primordial do desenvolvimento a
toda a dinâmica da vida humana. É só aí que ganham sentido e vida psíquica e a atividade da criança não estão detemiinadas
significado os processosemocionais. Todavia, Freud conti- exclusivamente pelo princípio do prazer, mas também na infân-
nuava um naturalista, como o era James,que interpretava a cia o próprio prazer, que induz a criança a realizar tal ou qual
clique do homem como um processo puramente natural, e um ato, migra, vaga, muda de lugar dentro do sistema de outras fun-
pesquisador que enfocava as mudanças dinâmicas das emo- ções psíquicas. Bühler relaciona isto com sua conhecida teo-
ções somente dentro de determinados limites naturalistas . ria, que divide esquematicamente o desenvolvimento do com-
99
L. S. Vigotski O desenvolvimentopsicológico na ittÍância

portamento em três fases: o instinto, o adestramento e o inte- está localizado não no afeto final, mas no próprio processo da
lecto. Com basenessateoria, procura mostrar, em jogos infantis atividade.
organizados experimentalmente, que o momento do prazer se Finalmente, Biihler distingue do segundo um terceiro
desloca à medida que a criança se desenvolve, modificando estádio, relacionado com a antecipação do prazer, ou seja,
sua atitude diante dos processos com que está relacionado. O com a sensaçãoemocionalmente impregnada, que surge no
primeiro estádio do prazer é o End/UJ/, isto é, o prazer final. E começo do próprio processo, quando nem o resultado nem
o momento que caracterizaos processosinstintivos, relacio- mesmo a execução da ação constituem o ponto central da sen-
nadosprincipalmentecom a fome e a sede,que são, em si sação global da criança, mas quando este ponto central se des-
mesmas, desagradáveis. Os primeiros momentos de saciação loca para o começo (Mor/us/). Estas particularidades distin-
vêm acompanhados da manifesta expressão dos traços de pra- guem os processos do jogo criativo, das adivinhações, da re-
zer, mas à medidaque culmina o ato instintivo chega o solução de algum problema. Neles, a criança encontra com
Elnd/asf, a sensação emocional que se encontra no final da ati- alegria a solução e depois executa o que encontrou; mas a ob-
vidade instintiva. Como se sabe, essa é, em sua comia primitiva tençãodaquilo que deve obter como resultado da açãojá não
e inicial, a organização da atração sexual do homem: o mo- tem para ela grande importância.
mento central, relacionado com o prazer, consiste no momen- Se enfocarmos estes avanços na atividade da criança do
to final, resolutório,desseato instintivo. Daí Bühler extrai a ponto de vista de sua importância, veremos que coincidem
conclusão de que, no plano da vida instintiva, pertence à emo- com as três fasesdo desenvolvimentodo comportamento,a
ção e, concretamente,à emoção do prazer esse papel final, que se refere Bühler. No plano da atividade instintiva predo-
resolutório. As emoçõessão,no sistemada vida psíquica, co- mina uma organizaçãoda vida emocional relacionada com o
mo um momentotingido de coresvivas, que proporcionaà momento final (End/usf). O prazer que se experimenta duran-
atividade instintiva seu desenvolvimento íntegro até o final do te o processo de atividade constitui o momento biológico ne-
ato instintivo.
cessáriopara formar qualquer hábito, o que exige que a pró-
O segundo estádio é, segundo Bühler, o do prazer funcio- pria atividade, e não seusresultados, encontre em si mesma, o
nal (Fzzn&r/ons/zzs/).
Este estádio se manifesta na forma preco- tempo todo, um estímulo de apoio. Finalmente,a atividade,
ce dos jogos infantis, quando o que causa prazer à cr.lançanão transformadaem intelectual, cuja essênciaconsisteno que
é tanto o resultadoquanto o próprio processoda atividade: Bühler chamareação de adivinhação (ou reaçãode confirma-
aqui, o prazer se deslocou do final do processo para o seu con- ção), caracteriza-sepor uma organizaçãoda vida emocional
teúdo, para o seu funcionamento. Bühler observa isso também em que a criança manifesta uma sensaçãoemocional no co-
nas refeições da criança. Esta, durante a tenra infância e nos meço dessaatividade; nestecaso, o próprio prazer põe em
meses sucessivos, começa a experimentar prazer não só na movimento a atividade da criança, de modo distinto do que
medida em que se sacia e mata a sede,mas também no proces- quando se desenvolveu segundo os dois planos de que fala-
so da alimentaçãoem si; o próprio processose transforma mos antes.
para ela num possível prazer. Psicologicamente, diz Bühler. o Outra conclusão geral consiste em que os processosemo-
fato de que a criança possa se tornar gulosa expressa a mani- cionais, como mostra a pesquisa de Bühler, não são sedentá-
festação do fzz/z&fio/zi/usf; o nascimento do prazer imediato rios em nossavida, mas nõmades;não dispõem de um lugar
100
L.S.Vigotski O desenvolvimetttopsicológico na ir:fância

determinado, fixo para sempre. Meus dados me convencem modelo de vida espiritual, transtornada em decorrência da al-
de que os progressos encontrados desde o prazer final até o teração da atividade emocional. Se for correra a velha tese (as
prazer antecipado são um pálido reflexo da expressão de toda emoções são um mecanismo biologicamente útil), é incom-
a diversidade possível na vida emocional, diversidade que preensível que as emoções sejam causa de tão profundas e
constitui o conteúdo real do desenvolvimento da vida emocio- prolongadas alterações de todo o comportamento, porque
naldacriança. quando estamos preocupados não conseguimos pensar con-
Ao terminar essaparte relativa ao que há de efetivo em sequentemente,porque quando nos sentimos transtornados
nosso tema de hoje, poderia talvez referir-me esquematica- não conseguimos agir de forma conseqüentee sistemática,
mente a alguns dos últimos trabalhos, particularmente ao tra- porque quando estamos muito afetados por algo somos inca-
balho de Claparêde,cuja importância reside em ter combina- pazes de nos dar conta de nosso comportamento, controlar
do a pesquisade criançasnormais e anormaiscom o estudo nossos atos, em outras palavras, porque os movimentos agu-
experimental de pessoasadultas, e aos trabalhos de Lewin, dos dos processosemocionais originam tais mudançasna
psicólogo alemão, pertencente à escola da psicologia estrutu- consciênciaque relegam a um segundo plano o desenvolvi-
ral, que realizou, como se sabe,uma série de pesquisasno mento de toda uma série de funções, que assegurama vida
campo da psicologia afetiva e da vida volitiva. Mencionarei normal da consciência. Com efeito, segundo a interpretação
em duas palavras os resultados mais importantes dessestraba- biológica primitiva e naturalista das emoções humanas, é to-
lhos, para em seguida passar às conclusões. talmente incompreensível por que estas adaptações biológi-
A importância dos trabalhos de Claparêde consiste em cas, tão antigas como o próprio homem, tão necessáriascomo
que neles conseguiu separar experimentalmente os conceitos a necessidadede alimentos e água, por que estas mesmas
de emoção e sentimento e sua expressão extema. Claparêde emoçõessão fonte de perturbaçõestão complicadas na cons-
diferencia as emoções e os sentimentos como processos nos ciência humana.
quais se tropeça freqüentemente em situações análogas, mas A pergunta inversa, feita por Claparêde, consiste no se-
que são diferentes em essência. Como não podemos nos inte- guinte: se o significado funcional mais importante das emo-
ressar hoje pela classificação das emoções, mas somente pelo ções se reduz a sua utilidade biológica, como explicar que o
problema em si, não nos deteremos nesse aspectode sua dou- mundo das emoções humanas, que se diversificam cada vez
trina, mas em sublinhar que conseguiu mostrar a estreitíssima mais a cada novo passo dado pelo homem no seu desenvolvi-
relação existente entre as emoções e os demais processos da mento histórico, produz não só alterações na vida psíquica a
vida espiritual e também a diversidade psíquica das próprias que se refere Freud, mas toda a diversidade de conteúdo da
emoçoes. vida psíquica do homem (que se manifesta pelo menos na
Como se sabe, Freud foi o primeiro a formular a questão arte)? Por que cada passo do desenvolvimento humano provo-
de que a doutrina tradicional da utilidade biológica das emo- ca a atuação desses processos "biológicos", por que as vivên-
ções devia ser posta à prova. Freud, ao observar o estado neu- cias intelectuaisdo homem se refletem em forma de fortes
rótico da idade infantil e madura, tropeça a cada passo no sensações emocionais, por que, finalmente, diz Claparêde,
espantoso fato a que não pode se esquivar nenhum psicólogo: cada guinada importante no destino da criança e do homem
constata-seque uma pessoaneurótica e uma criança são um estátão impregnada de elementos emocionais?

FACULDADE DE EOUCAÇÃO.USP
BIBLIOTECA
/a2 /a3
L. S.Vigofski O desenvolvimentopsicológico na iljfância

Lewin mostrou como um estado emocional se transforma


Ao tentar responder a essas perguntas, Claparêde apre-
senta o exemplo da lebre, que corre assustada,mas é salva do em outro, como surge a substituição das sensaçõesemocio-
perigo não pelo que teme; pelo contrário, o que teme frustra nais, como uma emoção não resolvida, continua existindo,
sua fuga e a leva à morte. Partindo disso, Claparêde procura com freqüência, ocultamente. Mostrou como o afeto faz parte
mostrar que, junto com emoções biológicas úteis, existem de qualquer estrutura com que se relacione. A idéia principal
processos que denomina sentimentos. São catástrofes no com- de Lewin consiste em que as reações afetivas, emocionais,
portamento, e surgem quando é impossível a reação biológica não podem aparecer isoladas, como elementos especiais da
adequada à situação. Quando o animal se assustae foge, essa vida psíquica, que só depois se combinam com outros elemen-
é uma emoção, mas, quando seu susto é tão grande que não tos. A reação emocional é o resultado singular de uma estrutu-
consegue comer, ocorre um processo de outro gênero. ra concretado processopsíquico. Lewin mostrou que as rea-
O mesmo acontececom o homem; neste caso, encontra- ções emocionais iniciais podem surgir tanto na atividade es-
mo-nos diante de processos que desempenham um papel total- portiva, desenvolvida em movimentos externos, como na que
mente distinto se os considerarmosem seu aspectointemo, transcorre na mente, por exemplo, no xadrez. Mostrou que
embora pareçam semelhantes se o fizermos quanto a seu as- nestes casos surgem diferentes conteúdos, que correspondem
pecto externo. E a diferença entre a pessoaque sabe dos peri- a diferentes reações, mas o lugar estrutural dos processos
gos que a espreitam em um caminho e se arma de antemão e a emocionais permanece o mesmo.
que não sabe e é atacada; a pessoaque pode fugir e aquela a Passareiàs conclusões. As duas linhas que procurei exa-
quem o perigo pega desprevenida; dito de outro modo, a pes- minar na conferência: por um lado, as pesquisas anatómicas e
soa que pode encontrar uma saída adequada para a situação e a fisiológicas, que transpuseram o.centro da vida emocional do
que não consegue encontra-la; em ambos os casos, ocorrerão mecanismo extracerebral'i)ara oacerebral, e, por outro, as pes-
processos distintos quanto à sua natureza psicológica. O expe- quisas psicológicas, que deslocaram as emoções para o pri-
rimento de Claparêde estuda reações com diversas soluções, e meiro plano da psique humana e que as tiraram de seu isola-
isso o leva a dividir a vida afetiva em emoções e sentimentos. mento de "um estado dentro do outro", incorporando-as à es-
Esta diferenciação tem uma grande importância precisamente trutura dos demais processos psíquicos -- estas duas linhas se
porque na velha psicologia os traços das emoçõese os dos sen- encontram na psicopatologia, como sempreocorre no estudo
timentos se misturavam mecanicamentee eram atribuídos a davidapsíquica.
processos iguais, que na verdade não existem. Em psicopatologia encontramos uma extraordinária ana-
Finalmente convém recordar os trabalhos de Lewin, que logia, que permitiu aos clínicos formularam, de um modo to-
mostraram experimentalmente a complicada dinâmica das talmente independente de Cannon, Claparêde e outros, as duas
reações emocionais dentro do sistema de outros processos psí- partes da tese resultante da união desses dois aspectos de uma
quicos. Foi, concretamente,o primeiro a levar a cabo a pes- mesma doutrina. Como nosso curso não inclui os dados da
quisa experimental de um processo, que Freud e Adler, levia- psicopatologia, limitar-me-ei somente a algumas conclusões
namente, consideravam não poder ser estudado de forma ex- sumárias. Por um lado, nas lesões e doençasnervosas, os clí-
perimental e que, de forma expressiva, era denominado "pro- nicos observaram vários casos em que, devido a uma lesão ce
fundidade psicológica' rebral mórbida, particularmente a do tálamo óptico na zona
104 10s
L. S. Vigotski O desetwoivimentopsicológico na irtBncia

subcortical, produz-se um riso ou um sorriso forçado, que se mecanismos do subcórtex cerebral, mais exatamente da zona
repete em intervalos de poucos minutos. O que caracteriza do tálamo óptico, relacionado através de numerosos caminhos
esseestado é que não provoca a emoção de alegria, mas cons- com os lóbulos frontais do córtex. Por isso, a localização có-
titui para o próprio paciente um gesto inoportuno e mortifí- nico-subcorticaldas emoçõesé para a neurologia anualtão
cante, que contrasta bruscamente com seu estado real. determinada quanto a localização dos centros motores da lin-
Tive pessoalmentea oportunidade de estudar e descrever guagemna zona de Broca' e os centros sensoriaisda lingua-
de modo experimental um dos casos de tão inoportunos movi- gem na zona de Wemike9
mentos, resultante de uma encefalite, que provocava na enfer- Estas pesquisas referiam-se à psicopatologia, no sentido
ma profundos e dolorosos sofrimentos. Experimentava um estrito da palavra, particularmente à patologia da esquizofre
temível contraste entre o que expressava seu rosto e suas sen- nia. A isso se referem os trabalhos de Bleuler, que evidencia-
saçõesreais. Algo semelhante foi criado imaginariamente por
Victor Hugo em seu romance O /comem gue /"i. l ram que nas alterações patológicas observa-se a seguinte
mudança da vida emocional: as emoções principais se conser-
Por outro lado, os clínicos, em particular Wilson e Head, vam em si mesmas, mas, se é que podemos nos expressar as-
a quem a psicologia deve grandes contribuições, observaram sim, o lugar normal destas emoções na vida espiritual da pes-
o fenómeno contrário. Nas lesões unilaterais do tálamo ópti- soa está deslocado. O indivíduo, capaz de reagir emocional-
co, foram testemunhas de uma mudança extraordinariamente mente, mostra em seu conjunto um quadro de transtornos da
interessante da vida emocional: a pessoa que experimenta consciência, devido ao fato de que às emoções perderam em
normalmente uma reação emocional, procedente da parte suavida espiritual o lugar estrutural que tinham anteriomlen-
direita do corpo, sofre uma reação dolorosa quando a excita- te. Em conseqüência disso, surge no paciente um sistema
ção procede dolado esquerdo. completamente singular de relações entre as emoções e o pen-
Também tive a oportunidade de ver casos análogos. Se se samento.Em particular, o exemplo mais claro de semelhante
puser numa pessoacomo essauma compressana parte direita sistema psicológico novo, que tem sua analogia na consciên-
do corpo, ela experimentara uma sensaçãoagradável comum. cia normal, masque é expressãode um estadopsicopatológi-
Mas, se a pusermosno lado esquerdo,observamosnela um co, é o estado de pensamento autista, bem estudado por
entusiasmo exagerado. O sentimento de agrado alcança di- Bleuler e demonstrado experimentalmente por Schneider.
mensões patológicas. O mesmo acontece com o contado de Por pensamento autista se entende o sistema de pensa-
algo escorregadio,fno, etc. Kretschmerdescreveum doente mento em que os pensamentos estão dirigidos não por tarefas
que apresentava estados complexos, relacionados concreta- diferentes, propostas ao pensamento,mas por tendências emo-
mente com a sensaçãoque experimentava ao escutar música. cionais; isto é, quando o pensamento está subordinado à lógi-
que variava segundoo ouvido com que a escutasse. ca dos sentimentos. Não obstante, semelhante representação
Essaspesquisas,procedentes em geral de clínicas neuro- do pensamento autista, que já ocorreu antes, é inconsistente:
lógicas, proporcionaram, por um lado, material psicológico nosso pensamento, que é contrário ao pensamento autista,
que mostra a precisão do ponto de vista de Cannon; por outro, tampouco está privado de momentos emocionais. Nosso pen-
material que evidenciou que o substrato anatómico das rea- samento realista provoca com freqüência emoções mais con-
ções emocionais parece estar constituído por determinados sideráveis, mais intensas, que o autista. O pesquisador que
L.S.Vigofski

busca, no processo do pensamento, algo relacionado com sen-


sações emocionais, e o faz com entusiasmo e interesse de inten-
Conferência S
sidades não inferiores, mas inclusive superriores às do esqui- A imaginação e seu desenvolvimento
zofrênico, encontra-se dentro do pensamento realista. na infância%
A diferença entre o pensamentoautista e o realista consis-
te em que, tanto em um quanto em outro, dispomos de uma de
terminada síntese dos processosintelectual e emocional, mas,
no caso do pensamento realista, o processo emocional desem-
penha um papel mais de acompanhante do que de diretor, mais
subordinado do que condutor, ao passo que no pensamento
autista ele tem o papel de direção; o processo intelectual, ao
contrário, em contraposiçãoa como intervém no sistema de
pensamento realista, não é condutor mas acompanhante.
Resumindo, as pesquisas anuaisdo pensamento autista Para a velha psicologia, que costumava considerar todos
mostraram que este constitui um sistema psicológico original, os aspectosda atividade psíquica do homem como conheci-
no qual não estão deteriorados os momentos intelectuais e das combinações associativas das impressões acumuladas
emocionais, mas onde ocorre uma mudança patológica de sua anteriormente, o problema da imaginação constituía um
correlação. A análise desse pensamento autista, que devemos enigma insolúvel. Querendoou não, a velha psicologia ti-
aproximar da imaginação.da criança e do homem normal. nha de reduzir a imaginação a outras funções, porque a prin-
constituirá o tema de nossa próxima conversa. Espero tratar cipal diferença entre a imaginação e as demais formas de
nela, por meio de um material concreto, de um conceito que foi atividade psíquica humana consiste no seguinte: a imagina-
muitas vezes utilizado e que nunca foi descoberto no sistema ção não repete em formas e combinações iguais impressões
psicológico. Veremoscomo, no desenvolvimento da vida emo- isoladas, acumuladas anteriormente, mas constrói novas
cional, a migração sistemática, a mudança de lugar da função séries, a partir das impressões anteriormente acumuladas.
psíquica no sistema, detemiina também seu significado em Em outras palavras,o novo que interfere no próprio desen-
todo o processode desenvolvimento da vida emocional. volvimento de nossasimpressões e as mudançasdestaspara
Por conseguinte, teremos a possibilidade de estabelecer que resulte uma nova imagem, inexistente anteriormente,
uma seqüênciaentre a conversade hoje e a seguinte,e no constitui, como se sabe,o fundamento básico da atividade
tema da imaginação trabalhar, por meio do exemplo de um qüe denominamosimaginação. Por conseguinte, para a psi-
sistema psicológico concreto, aquilo que nos ofereceu a análi- cologia associacionista, que considerava qualquer atividade
se do pensamentoe das emoções. Com isto dou por terminada uma combinação de elementos e imagens que já existiam na
minha intervenção, deixando para o próximo capítulo as con- consciência, a imaginação devia constituir um enigma inso-
clusões teóricas relativas à doutrina da imaginação. lúvel
e

+ "Voobrazhenie y yego razvitiev detskom vozraste

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