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NEURÔNIOS ESPELHO E EMPATIA

“Nós compreendemos o outro porque temos dentro de nós a mesma experiência”

Merleau Ponty

Quando observamos uma pessoa realizando um ato de gentileza como, por exemplo,
oferecer uma flor para alguém, imediatamente compreendemos essa atitude. Da mesma
forma, se presenciamos um ato de agressividade, identificamos a expressão de raiva
instantaneamente. Ao passo que no primeiro caso sentimos prazer e nosso
comportamento é de aproximação, no segundo sentimos desprazer e nossa atitude é de
aversão. Essa capacidade de empatia, ou seja, de reconhecimento da emoção alheia, é
uma característica altamente adaptativa ligada à sobrevivência da espécie.

Antigamente, pensava-se que essa capacidade de reconhecimento era decorrente de um


processo puramente cognitivo, isto é, observaríamos a expressão facial e corporal do
interlocutor e, dadas suas características, poderíamos deduzir de qual emoção se tratava
através de um processo lógico. No entanto, hoje se sabe que essa compreensão ocorre
devido à existência de um sistema neural específico denominado neurônios espelho. Não
se trata de um processo dedutivo, mas da capacidade de compreensão imediata da
experiência emocional do outro porque identificamos a mesma experiência em nós
mesmos. Trata-se, portanto, de um processo de ressonância. Compreendemos a ação do
outro de modo automático como se ele fosse nós mesmos, o que nos remete à afirmação
de filósofos como Merleau Ponty: “Nós compreendemos o outro porque temos dentro de
nós a mesma experiência”.

Esse sistema neuronal foi descoberto na década de 90 por uma equipe de neurocientistas
italianos liderados por Giacomo Rizzolati. Nessa época, Rizzolati estava interessado na
identificação dos neurônios motores envolvidos em um ato motor voluntário em macacos
não condicionados, quando se deparou com um estranho resultado. Ele notou que as
mesmas áreas motoras envolvidas no ato motor também disparavam quando o animal
observava a mesma ação realizada pelo experimentador.

Posteriormente, inúmeros experimentos demonstraram a existência de neurônios espelho


em diferentes espécies, até mesmo em pássaros. No ser humano, foram identificadas
áreas cerebrais específicas como o córtex insular, ligadas à identificação de emoções.

Quando assistimos a um filme e nos emocionamos com determinadas cenas estamos


ativando as mesmas áreas cerebrais que o ator está experenciando. Quanto maior a
identificação da experiência em nós, maior a ativação neuronal. Um elegante experimento
demostrou esse fato: através de ressonância magnética funcional, observou-se a atividade
neuronal de uma bailarina clássica quando essa assistia uma apresentação de um
bailarino clássico do sexo oposto. Nesse caso, as mesmas áreas cerebrais envolvidas
para execução do movimento eram identificadas no cérebro da observadora. Além disso,
quando a experiência era feita com uma bailarina que assistia a apresentação de outra
dançarina clássica, ou seja, alguém do mesmo sexo, a atividade neuronal era ainda maior.
Contudo, quando essa mesma bailarina observava um jogo de capoeira, cujos
fundamentos não eram de seu conhecimento, seu cérebro mostrava pouca atividade.

Atualmente esse sistema espelho está sendo amplamente estudado e observamos seu
envolvimento em muitos processos importantes, como no aprendizado por imitação, no
desenvolvimento da linguagem, assim como em diferentes patologias, entre elas o
autismo.

Por isso, nesse contexto, cabe a frase do brilhante neurocientista Ramachandram “A


descoberta dos neurônios-espelho representa para os estudos da mente o que o DNA
representou para a biologia”.

REFERÊNCIAS

CARR L, IACOBONI M, DUBEAU MC, MAZZIOTTA J, LENZI GL. Neural mechanisms of


empathy in humans: A relay from neural systems for imitation to limbic areas. Proc
Natl Acad Sci USA 2003;100(9):5497-502.

IACOBONI, M. I neuroni Specchio: Come capiamo ciò che fanno gli altri. Bollati
Boringhieri,2008

RIZZOLATTI, G.; SINIGAGLIA. So quel che fai: Il cervello che agisce e i neuroni
specchio. Raffaello Cortina Editore, 2006

RIZZOLATTI G, FOGASSI L, GALLESE V. Neurophysiological mechanisms underlying


the understanding and imitation of action. Nat Rev Neurosci 2001;2:66170.

RIZZOLATTI G, CRAIGHERO L. The Mirror Neuron System. Annu Rev Neurosci


2004;27:169–92.

RIZZOLATTI G. The mirror neuron system and its function in humans. Anat Embryol
2005;210: 419-21.

RIZZOLATTI G, CRAIGHERO L. Mirror neuron: a neurological approach to empathy.


Neurobiology of Human Values. Heidelberg: Springer; 2005. p.107-23.

Profa. Dra. Edna Bertini

Bases Fisiológicas do Comportamento PUC SP

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