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1 t
A. R. Luria
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i -
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t
Sensações e Percepção
Psicologia dos Processos Cognitivos
Tradução de
P aulo B ezerra
»
Revisão técnica de
H elmuth R. ICrüger
Professor de Psicologia da
uprj e da uerj
civilização
brasileira
Titulo do original em russo:
OSCHUSCHÊNIYA I VOSPRIYATIE
Capa:
DOUNÈ
Revisão:
U m b e r t o F. P i n t o
с N ilo F e rn a n d e s
1979
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Sumário
I — S en sa çõ es 1
O problema (
A sensação como fonte de conhecimento 2
Teorias receptora e reflectora das sensações (S
Classificação das sensações 8
Classificação sistemática da sensações 9
Tipos de sensações exteroceptivas 14
Interação das sensações e o fenômeno da
sinestesia 15
Níveis de organização das sensações 18
Medição das sensações. Estudos do limiar abso
luto das sensações 21
Estudo da sensibilidade relativa (diferencial) '27
Variação da sensibilidade (adaptação e sensi
bilização) 79
П — P ercepçXo 37
A atividade perceptiva do homem. Característi
cas gerais 37
Percepção tôtil 45
Formas simples de percepção tátil 45
Formas complexas de percepção tátil 49
Percepção visual 54
Estrutura do sistema visual 55
Percepção das estruturas 61
Percepção dos objetos e situações 64
Fatores determinantes da percepção de objetos
complexos „ 68
Métodos de estudo da percepção visual falsa 72
Desenvolvimento da percepção material 75
Patologia da percepção material 77
Percepção do espaço 82
Percepção auditiva 86
Bases fisiológicas e morfológicas da audição 86
Organização psicológica da percepção auditiva 89
Patologia da percepção auditiva 93
Percepção do tempo 96
I
Sensações
O problema
Г
Obtém-se resultado semelhante quando, durante algum
tempo, coloca-se o homem numa câmara à prova de som
e luz, que o isola do contato com o mundo exterior e ele
se mantém na mesma posição (deitado) durante certo
tempo. Essa situação a princípio provocava sono, toman
do-se mais tarde dificilmente suportável para os sujeitos
experimentais*.
Inúmeras observações demonstraram que a interrupção
da afluência de informação na tenra infância, suscitada por
surdez e cegueira, provoca bruscas contenções do desenvol
vimento psíquico. Se as crianças que nasceram cegas e sur
das ou perderam a audição e a visão em idade tenra não
receberem educação por métodos especiais, que compensem
esses defeitos à custa do tato, tornar-se-á impossível seu de
senvolvimento psíquico normal e elas não conseguirão desen
volver-se com autonomia.
2
Wolf, filósofo racionalista alemão). A essência dessa filo
sofia consiste em que os processos psíquicos não são um
produto do complexo desenvolvimento histórico e seus adep
tos interpretavam erroneamente a consciência e a razão não
como o resultado de uma complexa evolução histórica mas co
mo uma propriedade primária e inexplicável do “espírito”
humano. É fácil perceber que todos os dados da ciência
moderna, antes referidos, rejeitam radicalmente essa tese.
Mas os filósofos idealistas e psicólogos a eles afetos ten
taram reiteradamente refutar uma tese que pareceria eviden
te — a tese segundo a qual as sensações colocam o homem
em contato com o mundo exterior — e demonstrar uma
teso oposta e paradoxal, segundo a qual as sensações sepa
ram o homem do mundo exterior por serem uma muralha
intransponível entre ele e esse mundo.
Essa tese partiu de filósofos idealistas como G. Ber
keley, D. Hume e E. Mach e psicólogos como H. Helmholtz
e Johannes Müller, que formularam a teoria da “energia
específica dos órgãos dos sentidos”.
Segundo essa teoria, os órgãos dos sentidos (o olho, o
ouvido, a língua e a pele) não refletem a influência do mun
do exterior nem informam acerca dos processos reais que
ocorrem no meio ambiente, limitando-se a receber das ações
exteriores os impulsos que lhes estimulam os seus próprios
processos. Para essa teoria, cada órgão dos sentidos possui
sua própria “energia específica”, que é estimulada por qual
quer ação procedente do mundo exterior. Assim sendo, bas
ta; pressionar o olho, agindo sobre ele através de choque
elétrico, para ele ter a sensação de luz; é bastante uma ex
citação mecânica ou elétrica do ouvido para surgir a sen
sação do som. Logo, os órgãos dos sentidos não refletem
as influências exteriores mas são apenas excitados por elas
e o homem não percebe os objetos do mundo exterior mas
somente os seus próprios estados subjetivos, que refletem a
atividade dos órgãos dos sentidos. Noutros termos, isto sig
nifica que os órgãos dos sentidos não põem o homem em
contato com o mundo exterior mas, ao contrário, o separam
deste. Percebe-se facilmente que essa teoria levou à afirma
ção: “o homem não pode perceber o mundo exterior e a
única realidade são os processos subjetivos, que refletem a
atividade dos órgãos dos sentidos, estes sim criadores dos
‘elementos do mundo’ subjetivamente perceptíveis”.
3
Todas essas teses foram tomadas por base da filosofia
do “idealismo subjetivo”, por afirmarem que o homem só
pode conhecer a si mesmo e não dispõe de nenhuma prova
de que existe alguma coisa além dele. Essa teoria idealista
recebeu o nome de “solipsismo” (do latim solus, só, e ipse,
eu próprio: existo só [um] eu próprio).
A teoria do idealismo subjetivo, inteiramente oposta às
concepções materialistas da possibilidade de representação
objetiva do mundo (particularmente a “teoria do reflexo"
de Lênin) foi a fonte de um profundo equívoco cuja essên
cia se torna cada vez mais evidente com as sucessivas con
quistas da ciência.
O estudo atento da evolução dos órgãos dos sentidos
mostra de modo convincente que, no processo de um longo
desenvolvimento histórico, formaram-se órgãos especiais de
percepção (órgãos dos sentidos ou receptores), que se espe
cializaram em refletir tipos especiais de formas objetivamen
te existentes de movimento da matéria (ou “energias”); re
ceptores da pele, que refletem as influências mecânicas;
receptores auditivos, que refletem as oscilações sonoras; re
ceptores visuais, que refletem certos diapasões das oscila
ções eletromagnéticas, etc.
Examinemos os dados atinentes à elevadíssima especia
lização dos órgãos receptores e aos tipos concretos de mo
vimento da matéria que cada um deles percebe.
A tabela 1 apresenta dados gerais.
Vemos que entre todos os possíveis tipos de movimen
to da matéria, dispostos em ordem de redução do compri
mento da onda e aumento do número de oscilações por
segundo, apenas alguns são refletidos por aparelhos altamen
te especializados dos órgãos dos sentidos. Assim, ondas me
cânicas de determinado diapasão são percebidas pela pele,
provocando sensações de tato ou pressão; oscilações sono
ras com onda acima de 12mm de comprimento e freqüência
inferior a 20-30 oscilações por segundo e com onda de mais
de 12mm de comprimento, freqüência superior a 30000 os
cilações, não são percebidas, ao passo que oscilações sono
ras com onda de 12-13mm de comprimento e freqüência de
20 a 20000 oscilações por segundo são percebidas pelo ouvi
do humano e provocam sensações auditivas.
4
TABELA 1
Característica das influências objetivas,
dos aparelhos perceptivos e das sensações
5
pasão, o homem perceberia o calor do seu próprio corpo
como sensação visual e transformaria em sensações visuais
as influências que para ele não têm importância biológica.
O mesmo se refere ao funcionamento dos analisadores audi
tivos: se o homem percebesse com o ouvido oscilações ullra-
sonoras, suas percepções auditivas seriam acrescidas de mui
tos ruídos excessivos que dificultariam a distinção de exci
tações sonoras essenciais para ele.
É característico o fato de que оз animais têm outros
limites de sensações: o morcego, por exemplo, ao voar na
escuridão e enfrentar obstáculos, o faz através do reflexo
de ondas ultra-sonoras, seu aparelho auditivo lhe serve de
radar e ele percebe oscilações ultra-sonoras que o homem
não percebe.
Assim, na evolução dos organismos surgiram aparelhos
especializados na percepção de diversos tipos de movimento
da matéria (diferentes “energias”) с nós, em realidade, não
possuímos “energias específicas dos órgãos dos sentidos”
mas órgãos específicos que refletem obfetivamente diver
sos tipos de energia.
O fato de que, quando estímulos inadequados ao olho
ou ao ouvido agem sobre esses órgãos, surge uma sensação
“específica” (visual ou auditiva), alude apenas à alta espe
cialização desses dispositivos perceptivos e à incapacida
de de refletir as influências em cuja recepção cies nfio
são especializados.
Como veremos adiante, a alta especialização de diversos
órgãos receptores se baseia não só nas peculiaridades da es
trutura dos “receptores” periféricos (órgãos dos sentidos)
mas também na elevadíssima especialização dos neurônios
que integram a composição dos aparelhos nervosos centrais,
aos quais chegam os sinais percebidos pelos órgãos perifé
ricos dos sentidos. Este fato será novamente focalizado
quando abordamos os tipos especiais de sensações.
.8
Para uma resposta suficientemente completa ao proble
ma das modalidades principais de sensações, devemos con
siderar que sua classificação pode ser feita pelo menos se
gundo dois princípios básicos: o princípio sistemático e o
genético, noutros termos, pelo princípio da modalidade, por
um lado, e pelo princípio da complexidade ou do nível de
sua construção, por outro.
9
difusas e sempre conservam sua semelhança com os es
tados emocionais.
O caráter elementar e difuso dessa modalidade de sen
sações manifesta-se no fato de que, na Psicologia, não exis
te uma classificação precisa desses fenômenos. Situam-se en
tre as interoceptivas a sensação de fome, a “sensação de des
conforto”, que pode surgir como sintoma inicial de doença
dos órgãos internos, “a sensação de tensão” que surge com
frustração de uma necessidade qualquer e “a sensação de
calma” ou “conforto” que indica a satisfação das necessida
des ou o desenvolvimento normal dos processos viscerais.
Vemos que, em todos esses casos, as sensações intero
ceptivas se manifestam como o ponto intermediário entre as
sensações autênticas e as emoções; apesar de a Psicologia
ainda ter estudado de modo muito insuficiente as manifes
tações subjetivas dessas sensações, incluindo-as no campo das
“sensações obscuras”, o conhecimento destas é necessário
tendo em vista que a sua mudança pode desempenhar pa
pel decisivo para a descrição do “quadro interior da doen
ça” que surge nos estados patológicos dos órgãos interiores
e desempenha papel considerável no diagnóstico das doen
ças interiores (A. R. Luria). Essas sensações não-conscien-
tizadas podem manifestar-se muito cedo, podendo sua ex
pressão assumir formas originais: elas podem aparecer em
forma de “pressentimentos” que o homem não pode for
mular, podem manifestar-se nos sonhos que, às vezes, é
como se anunciassem a doença que está em início (em es
sência, elas apenas refletem mudanças que começaram cedo
e foram pouco conscientizadas, ou seja, mudanças das sen
sações interoceptivas, que surgem em fases iniciais da doen
ça). Elas se manifestam na mudança do estado de espírito
e nas reações emocionais, provocando na criança freqüentes
manifestações singulares no comportamento. Sabe-se, por
exemplo, que uma criança doente, que ainda não tem cons
ciência das mudanças interoceptivas, apresenta indícios de
mudança geral de comportamento, ou começa a acalentar e
dar remédio a uma boneca “doente", refletindo deste modo
mudanças em suas próprias sensações interoceptivas.
A importância objetiva das sensações interoceptivas é
muito grande: elas são fundamentais na regulação da balan
ça dos processos internos de metabolismo ou daquilo a que
se chama homeostase dos processos de troca no organismo.
10
Os sinais que surgem por via interoceptiva provocam um
comportamento voltado para a satisfação de inclinações ou
para a eliminação dos estados de tensão (“stress”) que po
dem manifestar-se em decorrência de fatores que perturbam
o funcionamento equilibrado dos órgãos internos. Por isto
a consideração das sensações interoceptivas desempenha pa
pel decisivo na parte da medicina denominada “psicossomá-
tica”, que estuda a correlação dos processos somáticos e vis
cerais e dos estados psíquicos.
Os mecanismos fisiológicos, com a participação da in-
terocepçâo, foram minuciosamente estudados por К . M. Bi-
kov e V. N. Tchemigovsky, que descreveram os mecanismos
da atividade reflectora condicionada, que surgem à base de
sensações interoceptivas.
O segundo grande grupo é constituído pelas sensações
proprioceptivas, que asseguram os sinais referentes à posi
ção do corpo no espaço e, em primeiro lugar, à posição do
aparelho de apoio e movimento no espaço. Elas represen
tam a base aferente dos movimentos do homem e desempe
nham papel decisivo na regulação destes.
Os receptores periféricos da sensibilidade propriocepti-
va ou profunda encontram-se nos músculos e superfícies ar-
ticulatórias (tendões, ligamentos) e apresentam formas de
corpos nervosos especiais (corpos de Paccini). As excitações
que surgem nesses corpos refletem as mudanças que ocor
rem na distensão dos músculos e na mudança da posição das
articulações, passam pelos filamentos que compõem as co
lunas posteriores da substância branca da medula espinhal.
As excitações irrompem nas zonas inferiores dos núcleos de
Holl e Burdach e, passando para o lado oposto, avançam,
atingindo os nós subcorticais (do sistema talâmico-estriado)
e terminando na região parietal do córtex do hemisfério, opos
to (particularmente na região pós-central). Por isto o inter
valo entre os condutores da sensibilidade proprioceptiva ou
profunda, em qualquer ponto desta via (afecção das colu
nas posteriores dos núcleos de Holl e Burdach, das vVias con-
dutoras ou do córtex da circunvolução pós-central), sem per
turbar a sensibilidade superficial (tátil), leva a perturbações
da sensibilidade proprioceptiva ou profunda cujos sintomas
são perfeitamente conhecidos pelos neuropatologistas. A pes-,
soa doente não é capaz de determinar a posição do seu braço
(ou perna) no espaço, sente às vezes indícios de mudança do
11
“esquema do corpo” (o tamanho dos membros. ou do corpo
começa a lhe parecer incomum, às vezes imensamente gran
de). É natural que em decorrência da perturbação ou queda
da sensibilidade proprioceptiva (ou profunda), ela comece a
experimentar grandes dificuldades nos movimentos: os im
pulsos que costumam partir dos receptores muscular-articula-
tórios e constituem a base aferente dos movimentos, neste
caso são perturbados e os movimentos, privados do apoio
sensorial, tornam-se incontroláveis.
Na fisiología e psicofisiologia modernas, o papel da pro-
priocepção como base aferente dos movimentos nos animais
foi detalhadamente estudado por A. A. Orbeli, P. K. Ano-
khin; em relação ao homem, o problema foi estudado por
N. A. Bernstein.
Ainda voltaremos à análise do papel da sensibilidade
proprioceptiva na construção dos movimentos quando exa
minarmos, em caráter especial, a psicofisiologia dos processos
motores.
O grupo de sensações, que indica a posição do corpo no
espaço, tem entre seus componentes uma modalidade espe
cial de sensibilidade, denominada sensação de equilíbrio ou
sensação estática. Os receptores periféricos dessas sensações
estão situados nos canais semicirculares do ouvido interno,
que estão distribuídos em três superfícies mutuamente per
pendiculares: o líquido que enche esses canais muda de po
sição dependendo da posição do corpo, particularmente da
cabeça, excita células “capilares” específicas que se mistu
ram sob a influência do fluxo desse líquido (endolinfa) e,
deste modo, anuncia as mudanças da posição da cabeça no
espaço. A excitação, que surge como resultado dessas esti
mulações, é transmitida através dos filamentos que compõem
o nervo auditivo como parte especial deste (o chamado ner
vo vestibular) e se dirige às regiões têmpo-parietais do cór-
tex cerebral e do aparelho do cerebelo.
Ao contrário dos aparelhos da sensibilidade sinestésica
(profunda), os aparelhos da sensibilidade vestibular estão
estreitamente relacionados com a visão, que também parti
cipa do processo de orientação no espaço. Por isto o cons
tante vislumbramento de excitações visuais (por exemplo,
quando se passa de carro ao longo de uma floresta densa)
pode provocar a sensação de perda do equilíbrio e enjôo.
Sensação análoga (acompanhada da mudança do esquema
do corpo) pode ser provocada também durante um vôo com
rápidas mudanças da posição do corpo no espaço. As mes
mas perturbações da sensação de equilíbrio podem ser pro
vocadas também por processos patológicos, (inchações, por
exemplo) localizados nas regiões têmporo-parietais do cére
bro ou no cerebelo. •
O terceiro — e maior — grupo de sensações é consti
tuído pelas sensações exteroceptivas. Estas fazem chegar ao
homem a informação procedente do mundo exterior e são o
principal grupo de sensações que colocam o homem em con
tato com o meio exterior. É justamente entre esse grupo que
se situa o olfato, o paladar, o tato, a visão e a audição.
Convencionou-se dividir todo o grupo de sensações ex
teroceptivas em dois subgrupos: as sensações de contato e
distância.
Entre as sensações de contato, situam-se aquelas nas
quais a ação que provoca a sensação deve ser aplicada ime
diatamente à superfície de um corpo e ao respectivo órgão
perceptivo. O exemplo típico da sensação de contato pode
ser visto no tato e no paladar. É perfeitamente compreensí
vel que os dois tipos de sensação possam ser provocados por
ações à distância.
Entre as sensações de distância, ao contrário, situam-se
aquelas nas quais o estímulo provoca sensações que atuam
sobre os órgãos dos sentidos a partir de certa distância. A
estas pertencem o olfato, e especialmente a visão e a audi
ção. O estímulo situado às vezes à grande distância do
sujeito (por exemplo, o som de uma campainha, a luz de
uma lâmpada) pode provocar sensações mesmo que a fonte
destas esteja distante e as respectivas ações (por exemplo,
ondas sonoras ou luminosas) devam percorrer uma grande
distância antes de que possam atuar sobre os respectivos ór
gãos dos sentidos.
A classificação de todos os tipos de sensações é repre
sentada no seguinte esquema:
Sensações interoceptivas
Sensações proprioceptivas
Sensações exteroceptivas — de contato
(paladar, tato)
de distância ,
(olfato, visão, audição)
13
Tipos de sensações exteroceptivas
18
(por exemplo, a sensação do calor, do frio, de dor) quanto
componentes complexos (sensação das dimensões, da forma
e da disposição dos objetos que atuam sobre a pele).
Isto levou os estudiosos a discriminar duas formas ou
dois níveis de sensação e, por sugestão do neurologista in
glês H. Head, falar de sensações primitivas — proiopáticas
e complexas — epicríticas.
Por sensações proiopáticas (do grego protos — tenro e
patos — emoção) costuma-se entender as formas mais anti
gas de sensação que ainda não têm caráter objetivo diferen
ciado. Essas sensações são separáveis dos estados emocio
nais e não refletem com a devida precisão os objetos con
cretos do mundo exterior, têm caráter imediato, estão dis
tante do pensamento e não podem ser divididas em catego
rias precisas qué se possam designar com certos termos ge
néricos. As sensações interoceptivas são o exemplo mais ní
tido dessa sensibilidade protopática.
Por sensações epicríticas (do grego superior, superficial,
suscetível de elaboração complexa) entendem-se os tipos su
periores de sensação que não têm caráter subjetivo, estão
separados dos estados emocionais, apresentam estrutura di
ferenciada, refletem as coisas objetivas do mundo exterior
e estão bem mais próximos dos complexos processos inte
lectuais. Esse tipo de sensação surgiu em etapas mais tar
dias da evolução e tem como exemplo mais patente as
sensações visuais,
i A sensibilidade protopática e a epicrítica tôm organtea-
ção cerebral diversa. Seus aparelhos nervosos centrais se lo
calizam em diferentes níveis. Os aparelhos cerebrais da sen-
eibilidade protopática estão localizados no nível do tronco
superior, do tálamo ótico e do córtex límbico antigo, ao pas-
bo que os aparelhos da sensibilidade epicrítica são representa
dos nas áreas respectivas do córtex visual, auditivo e tátil
com sua organização complexa e suas zonas de cobertura,
ísto explica o fato de que as mudanças patológicas da sen-
Bibil idade protopática (por exemplo, o alto tônus emocio
nal das sensações, a estreita ligação entre estas e as sensa
ções de dor) surgem com a afecção do tálamo ótico e das
paredes dos ventrículos cerebrais, ao passo que a pertuTba-
çRo da sensibilidade epicrítica manifesta-se como resultado
do afecções locais das respectivas áreas do córtex cerebral.
Observares mostraram que no funcionamento de qua
se todos os órgãos dos sentidos há elementos da sensibilida
de tanto prctopática como epicrítica, embora isso se verifique
em correlações diferentes. Assim sendo, nas sensações vi
suais os componentes protopáticos são representados pelo
tono emocicnal das cores “frias” e “mornas'’, enquanto os
componentes epicríticos são representados pela percepção de
grupos de cores que podem ser designados pelos conceitos
genéricos d* “vermelho”, “ amarelo”, “verde”, “ azul”, etc.
Ocorrência análoga nas sensações auditivas, onde o tônus
emocional d) som pertence à sensibilidade protopática e seu
caráter concreto (o som de uma campainha, das badaladas
do relógio, *,tc.) se situa entre os componentes epicríticos.
Os componentes protopáticos e epicríticos se manifestam
com nitidez especial nas sensações táteis. Os componentes
protopáticos se manifestam acima de tudo nas sensações de
frio e calor que sempre são agradáveis ou desagradáveis,
bem como nas sensações de dor quais os elementos das sen
sações quase não podem ser separados das manifestações
emocionais. Os componentes epicríticos atuam na precisa
localização dg cada excitação, na discriminação de dois con
tatos simultâ-ieos, na avaliação do sentido no qual se pro
duz a irritação da pele (por exemplo, na irritação da pele
numa direçãc, distante ou próxima) e, por último, na con>
plexa avaliaçso da forma dos riscos feitos na pele por via
tátil. Os neuropatologistas conhecem perfeitamente todos
procedimento* especiais que permitem distinguir o estado da
sensibilidade protopática e epicrítica e os aplicam com êxito
para revelar 0 nível em que se situa o foco patológico.
As sensibilidades protopáticas e epicríticas não estão
apenas descritas mas também separadas experimentalmen
te uma da outra.
O neuropatologista inglês Hed fez em si mesmo um teste
clássico desta separação experimental das sensibilidades pro
topática e epicrítica. Com fins experimentais, ele cortou em
sua própria rião uma ramificação de cada nervo sensível e
observou o restabelecimento paulatino da sensibilidade que
começava na medida em que crescia o corte central do ner
vo seccionado em decorrência do seu corte periférico. Esse
experimento permitiu a Hed estabelecer certa ordem de res
tauração da sensibilidade. Durante vários meses inexistiu in
teiramente serlSibilidade da pele na respectiva área da mão.
20
Em seguida surgiram sensações vagas dificilmente localizá-
veis, que apresentavam caráter emocional expresso e se si
tuava no limite entre as sensações táteis e as de dor: era o
período em que a sensibilidade protopática primitiva já co
meçava a restabelecer-se e a complexa sensibilidade epicrí-
tica era capaz de localizar a irritação em determinado; pon*:
to da pele, de distinguir a direção dessa irritação e suas for
mas. Nessa etapa mais tardia já se podia falar do restabele
cimento de uma sensibilidade mais nova — a ерісгШсаЦ...
Os experimentos de Hed tiveram grande importância
teórica e prática. Mostraram que a sensação engloba meca
nismos construídos em diversos níveis, deram fundamento
f>ara uma classificação genética das sensações que permitiram
estabelecer uma série de indícios da perturbação da sensibi
lidade, que são de grande importância para o diagnóstico
tópico das afecções cerebrais.
' • • v M f g
Medição das sensações.
Estudos do limiar absoluto das sensações
22
porcional aos índices do limiar inferior em unidades de inten
sidade do respectivo estímulo.
I
23
rosas e constituem o limiar superior das sensações auditivas.
A mensuração dos limiares superiores e inferiores das
sensações são de grande importância prática: ela permite dis
tinguir as pessoas de sensibilidade reduzida de um ou outro
analisador, enquanto o sintoma de redução da sensibilidade
pode ser empregado para os diagnósticos da afecção (perifé
rica ou central). Assim, a perturbação da sensibilidade tá-
til pode ser sintoma de afecção situada na circunvolução cen
tral posterior do hemisfério oposto ou numa das etapas de
suas vias condutoras. A redução da sensibilidade visual pode
sugerir a afecção da retina, das áreas centrais da via audi
tiva ou da região occipital (a redução da agudeza da visão,
vinculada a ocorrências de estagnação no fundo do olho, é
freqüentemente um sintoma de aumento da pressão craniana
interna, que surge nos casos de tumor no cérebro). A re
dução da sensibilidade auditiva em um ouvido pode indicar
afecção do receptor auditivo periférico (ouvido interno) ou
um foco patológico na área temporal dq hemisfério oposto.
Neste caso é essencial o fato (descoberto por G. V. Gershu-
nil, A. V. Baru e T. A. Karaseva) de que, nos casos de
afecção do lobo temporal, cai acentuadamente no doente a
sensibilidade aos sons breves (cuja duração é de 1 a 5 milisse-
gundos), ou seja, aumentam os limiares da percepção des
ses estímulos. A importância deste fato consiste em que ele
é, amiúde, o único sintoma a indicar a afecção da região
temporal do cérebro.
Não é menos importante a medição dos limiares supe
riores das sensações.
Um exemplo do valor prático dessas medições é o esta
belecimento de limiares superiores das sensações auditivas
nas pessoas de audição difícil.
É sabido que essas pessoas não percebem sons fracos.
Poderia parecer que para a superação desse defeito seria bas
tante aumentar a intensidade dos sons através de mecanismos
de intensificação. No entanto, a intensificação desmedida dos
sons que chegam aos duros de ouvido logo começa a pro
vocar sensações de dor, pois a “zona de conforto” (isto é,
o diapasão em cujos limites os sons começam a provocar
sensações auditivas plenas) é neles muito restrita. Por isto
a medição precisa dos limiares inferiores e superiores das
sensações auditivas permite indicar os limites nos quais se
devem intensificar os sons para que estes conservem o efeito
24
«
necessário. Ê fácil perceber a grande importância que isto tem
para a construção de aparelhos de intensificação do som.
2$
surgimemc ¿as mudanças descritas pode servir de indicador
objetivo Óqs limiares inferiores da sensação,
É digto de atenção o fato de que quanto mais intensivo
é ° estímalo tanto mais forte é a reação vascular e eletro-
fisiológica qUe e¡e provoca. Isto dá fundamentos para em
pregar essis procedimentos com o fim de medir objetivamen
te a intens¡¿a¿e das sensações, o que foi muito difícil quando
se aplicanm apenas os métodos subjetivos.
Cabe observar que as reações vasculares ou as eletro-
fisiológicas a estímulos mal distinguíveis (“pré-liminares”)
podem ser expressas de modo bem mais acentuado do que
aos estímaos comuns bem perceptíveis. Este fato reflete
objetivamente as dúvidas que o sujeito experimenta quando
se lhe propõem excitações dificilmente perceptíveis e o fun
do emocional em que ocorrem as tentativas de distinguir
nitidamenU 0 estímulo dos sons neutros. Por isto a inten
sificação qas reações objetivas às excitações pré-liminares
(mal perceptíveis) pode ser utilizada como importante indi
cador complementar do diapasão pré-liminar das sensações.
É fácil notar que os métodos objetivos de medição das
sensações ^qU¡ descritos são de importância especialmente sé
rias nos C£SOs em que, por motivos desconhecidos, é impos
sível a obt2nção de dados mediante enquête direta aos sujei
tos (entre crianças pequenas, alguns doentes mentais ou sob
estímulo intencional). '
No entanto surge uma pergunta natural: qual é a rela
ção entre cs dados obtidos por questionário direto e os dados
obtidos pel0 estudo de indicadores fisiológicos objetivos? Da
resposta a essa pergunta depende a resposta a outra: sere
mos capazes de empregar com a suficiente fidedignidade índi
ces objetivas como sintomas seguros do surgimento de sen
sações subjetivas?
Pesquisas realizadas pelo psicólogo soviético J. V. Guer-
shuni mostraram que é norma os indicadores objetivos dos
limiares dcs sensações corresponderem com precisão aos li
miares subjetivos, noutros termos, as mudanças descritas das
reações pele-galvânicas e eletroencefalográficas manifestam-se
justamente quando, no sujeito, as sensações subjetivas surgem
pela primeira vez. As divergências entre os indicadores sub
jetivos e objetivos surgem apenas em alguns casos especiais,
por exempl0; nos estados inibitórios do córtex. Isto ocor
re, por exemp]0) nos casos da chamada queda pós-contusão
26
4*
da audição ou surdez pós-contusão, que começa como resul
tado do golpe de uma onda de ar.
Entre os sujeitos desse grupo, cujo córtex auditivo en
contra-se em estado de inibição patológica, a apresentação
de estímulos sonoros não provoca quaisquer sensações sub
jetivas, embora leve ao surgimento das mudanças fisioló
gicas objetivas das reações pele-galvânicas e eletroencefalo-
gráficas. Entre esses sujeitos, a apresentação do som (que o
dcente não registra) provoca um nítido reflexo cócleo-pupi-
lar (compressão da pupila em resposta à excitação sonora).
Essa divergência entre as reações objetivas e subjetivas às
excitações auditivas permitiu a Guershuni lançar a tese se
gundo a qual o homem tem um diapasão subsensorial espe
cial, que indica as reações fisiológicas não-conscientizáveis
e estímulos não sensíveis. À medida da evolução inversa
da doença, os limiares das sensações subjetivas se restringem
paulatinamente e no fim das contas começam a coincidir.
As pesquisas do diapasão subsensorial, realizadas por
Guershuni, são de grande importância teórica e prática para
o diagnóstico de algumas formas do estado inibitório do
córtex.
27.
Isto significa que a sensibilidade relativa (ou dijerencial)
pode expressar-se em medidas diferentes das que se empre
gam na sensibilidade absoluta. Se a sensibilidade absoluta se
expressa na intensidade de uma excitação mínima que gera a
primeira sensação, a sensibilidade relativa se manifesta no
acréscimo relativo ao fundo inicial, acréscimo esse que é su
ficiente para que o sujeito perceba a sua mudança.
É essencial que essa sensibilidade relativa, que pela pri
meira vez se torna distinguível, se manifeste em números va
riados para os diversos órgãos dos sentidos: para as sensa
ções visuais é bastante acrescentar 1/100 da iluminação an
terior para que a mudança desta seja perceptível; para o ou
vido esse acréscimo relativo deve superar em 1/10 o fundo
sonoro inicial; para o tato é bastante aumentar em 1/30 a
força do contato inicial.
Os pesquisadores tentaram traduzir essa lei numa fór
mula matemática única; esta foi encontrada pelos pesquisa-*
dores (os psicofisiologistas alemães Weber e Fechner) e foi
expressa na fórmula:
P
E = ------- (1)
Др
29
)
)
) '
)
>
se deve o fato de o homem deixar de distinguir as cores no
crepúsculo, embora sua visão se aguce. '„
Paralelamente aos mecanismos periféricos de mudan
ça da sensibilidade aqui descritos, existem mecanismos cen
trais que permitem regular a agudez da sensibilidade depen
dendo das condições ambientais. Situam-se entre eles os me
canismos que mudam o tônus do córtex sob a influência dos
impulsos que a estes chegam através dos filamentos da for
mação reticular. •.
As referidas mudanças da sensibilidade, que dependem
das condições do meio e são chamadas de adaptação dos
iórgãos dos sentidos às condições ambientes, existem também
no campo do olfato, do tato e do paladar (mudança da sen
sibilidade auditiva em condições de silêncio e ruído).
A mudança da sensibilidade, que ocorre segundo o tipo
de adaptação, não é imediata, requer certo tempo e muda
suas características temporais.
■ , O importante é que essas características temporais são
'diferentes para os diversos órgãos dos sentidos. Sabemos
perfeitamente que para a visão adquirir a necessária sensibi
lidade no recinto escuro, deve passar-se cerca de 30 minu
tos e só após isto o homem adquire a capacidade de orien
tar-se bem na escuridão. O processo de adaptação dos ór
gãos auditivos é bem mais rápido. O ouvido do homem se
adapta ao fundo ambiente em 15 segundos. Com essa mesma
rapidez, ocorre a mudança da sensibilidade no tato (um con
tato fraco com a pele deixa de ser percebido em alguns
segundos).
São bem conhecidos os fenômenos de adaptação ao ca
lor (adaptação à mudança de temperatura); esses fenômenos,
entretanto, se manifestam com nitidez apenas numa faixa
média, quase não ocorrendo adaptação ao frio intenso ou
. ao calor forte assim como às excitações de dor. São conheci
dos tamb'ém os fenômenos de adaptação aos cheiros. Nestes
casos, a mudança da sensibilidade ocorre lentamente: o chei
ro de cânfora deixa de ser sensível em 1-2 minutos. Ë ca
. racterístico que a adaptação aos cheiros intensos que provo
cam excitações de dor (ou incluem o componente trigémi
na!) não ocorre de modo algum.
A adaptação é um dos tipos mais importantes da sen
sibilidade, que sugere uma grande plasticidade do organismo
em seu processo de adaptação às condições do meio. ■
31
)
)
) 32
)
)
te alguns distúrbios endócrinos, como,
perfunção da tireóide.
Mudanças importantes da sensibilidade podem ocorrer,
por último, em estado de estafa. A estafa, que provoca esta
dos inibitórios (fásicos) do córtex, pode provocar inicial
mente o agravamento da sensibilidade para, em seguida,
com a evolução desse agravamento passar à redução da
sensibilidade.
É necessário indicar ainda que as mudanças longas e
estacionárias da sensibilidade podem começar durante 0 es
tado asténico do sistema nervoso conhecido como “debilida
de excitadora”, por um lado, e das manifestaçõss clássicas de
histerismo, por outro.
Dessas mudanças estacionárias da sensibilidade depen
dem as formas de mudança (de agravamento) da sensibilida
de, provocadas por fatores extraordinários e que, via de re
gra, apresentam caráter relativamente breve.
Entre os fatores que provocam a sensibilidade extra si
tuam-se antes de tudo as influências farmacológicos. É sabi
do que existem substâncias que provocam o aguçamento da
sensibilidade. Entre tais fatores situa-se, por exemplo, a
adrenalina, cuja ingestão provoca excitação do sistema ner
voso vegetativo e através da formação reticular pode sus
citar um nítido aguçamento da sensibilidade. Ação análoga,
que aguça a sensibilidade dos receptores, pode ser provocada
por substâncias como fenalina (bengidrina) e várias outras
substâncias. Ao contrário, as substâncias cuja ingestão leva
a uma nítida queda da sensibilidade; entre estas situa-se a
pilocarpina.
Nos últimos decênios, a aplicação de meios farmacológi
cos como vias de regulação do funcionamento do sistema
nervoso, particularmente de mudança da sensibilidade, acumu
lou grande experiência e hoje podemos mencionar vários pre
parados que exercem grande influência sobre a regulação do
funcionamento dos órgãos dos sentidos.
A ação farmacológica não é o único meio de provocar a
sensibilização extra das sensações. O segundo meio é a inte
ração das sensações. Já lembramos que a ação sobre o órgão
da percepção pode provocar aumento da sensibilidade de ou
tro órgão. Assim, o acadêmico P. P. Lazarev mostrou que, se
num auditório ecoa um som demorado, a inclusão da luz faz
com que a produção do tom comece a parecer mais intensiva,
33
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34
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3$
trução verbal que dava à posição da ruptura o valor de sinal
ainda não influenciava a agudeza da sensibilidade visual das
crianças pequenas, ela exercia influência substancial nas crian
ças em idade igual e superior a 5-6 anos. As crianças que,
sob as condições do teste indiferente distinguiam a posição
da ruptura do círculos de Lamdoldt apenas a uma distância
de 200-300cm, captavam a posição dessa ruptura a uma dis
tância de 310-320 cm quando se dava a essa posição valor
de sinal correspondente.
Esses experimentos, que mostram o quanto a atribuição
de valor de sinal ao estímulo pode aguçar a sensibilidade,
são de grande importância psicológica, constituindo um exem
plo da extraordinária plasticidade que existe no funciona
mento dos órgãos dos nossos sentidos e varia dependendo da
importância do estímulo.
O aumento da sutileza da sensibilidade sob a influên
cia do significado do indício perceptível pode ocorrer tanto
na sensibilidade absoluta quanto na relativa. Sabc-se que a
discriminação dos matizes da cor, das mudanças significan
tes do tom ou das mínimas variações gustativas pode tornar
se acentuadamente aguda como resultado de atividade pro
fissional. Foi estabelecido que os pintores podem distinguir
de 50 a 60 matizes do negro; os fundidores de aço distinguem
os matizes mais sutis do fluxo incandescente de metal, que
indicam mudanças mínimas de impurezas estranhas, cuja dis
tinção é inacessível a observador de fora. Ê sabido que su
tileza pode atingir a discriminação de nuances gustativas en
tre os degustadores, que são capazes de determinar a marca
do vinho ou do tabaco pelos mínimos matizes da degusta
ção, chegando às vezes até a dizer de que lado do desfiladei
ro foi cultivada a uva usada para o preparo de urn deter
minado vinho. Por último, sabe-se a que sutileza pode che
gar a capacidade dos músicos para distinguir os sons; eles se
tomam capazes de captar variações de tons absolutamente
imperceptíveis para o ouvinte comum.
Todos esses fatos demonstram que, sob as condições do
desenvolvimento de formas complexas dc atividade conscien
te, a agudeza da sensibilidade absoluta e da diferencial pode
mudar substancialmente, e que a inclusão desse ou daquele
indício na atividade consciente do homem pode. em limites
consideráveis, mudar a agudeza dessa sensibilidade.
36
Percepção
38
lada ou, como costumam dizer os psicólogos, o resultado de
simples “associações” de indícios isolados.
Em realidade, o processo de percepção (ou o reflexo de
objetos inteiros ou situações) é bem mais complexo.
Esse processo requer que se discriminem do conjunto de
indícios atuantes (cor, forma, propriedades táteis, peso, sa
bor, etc.) os indícios básicos determinantes com a abstra
ção simultânea de indícios inexistentes. Requer a unificação
do grupo dos principais indícios e o cotejo do conjunto de
indícios percebidos e despercebidos com os conhecimentos an
teriores do objeto. Se no processo dessa comparação a hi
pótese do objeto proposto coincidir com a informação que
chega, ocorrerá a identificação do objeto e o processo de per
cepção deste se concluirá; se como resultado dessa compa
ração não ocorrer a coincidência da hipótese com a informa
ção que realmente chega ao sujeito, a procura da solução
adequada continuará enquanto o sujeito não encontrá-la, nou
tros termos, enquanto ele não identificar o objeto ou não
incluí-lo em determinada categoria.
Na percepção de objetos conhecidos (um copo, uma gar
rafa, uma mesa), esse processo de identificação do objeto
ocorre com muita rapidez, bastando ao homem unir dois-três
indícios perceptíveis para chegar à solução adequada. Na
percepção de objetos novos ou desconhecidos, o processo de
sua identificação é bem mais complexo e assume formas bem
mais desenvolvidas.
Imaginemos que o homem examina um dispositivo his
tológico desconhecido para a obtenção de delicadíssimos cor
tes de tecidos: o micrótomo. Inicialmente ele percebe uma
complexa construção instalada numa pesada base de ferro
fundido, em seguida distingue partes metálicas isoladas e
pode ter a súbita impressão de tratar-se de uma balança. No
entanto ele não vê os pratos indispensáveis à balança ou as
escalas que representam o peso. Ele continua a examinar
esse objeto desconhecido até que seus olhos distinguem a su
perfície plana do aparelho, e uma lâmina muito afiada. En
tão ele pode lembrar-se de que viu algo semelhante numa
mercearia e que esse aparelho era empregado para cortar
presunto ou salame em fatias finas. Somente depois disto a
lâmina aguda, contígua à superfície metálica, toma-se indí
cio determinante e o sujeito começa a formar a idéia de que
o objeto percebido tem relação cora os instrumentos de cor
te cujas hélices micrmétricas parecem assegurar uma regu
lação precisa da espessura dos cortes. Deste modo, a per
cepção plena do objeto surge como resultado de um com
plexo trabalho de análises e síntese, que ressalta os indícios
essenciais e inibe os indícios secundários, combinando os de
talhes percebidos num todo apreendido.
É a esse processo complexo de reflexo de objetos ou
situações inteiras que em Psicologia se chama sensação.
Vê-se facilmente que a sensação é o processo complexo
e ativo que às vezes requer um considerável trabalho de
análise e síntese.
Eis porque a percepção, num grau ainda menor do que
a sensação, pode ser considerada reflexo passivo da realida
de, registro passivo da informação que chega ao organismo.
Esse caráter complexo e ativo da percepção manifesta
se em toda uma série de indícios que requerem uma análise
especial.
O processo de informação não é, de modo algum, o
resultado da simples excitação dos órgãos dos sentidos e da
simples chegada ao córtex cerebral das excitações que sur
gem nos receptores periféricos (a pele, os olhos). No pro
cesso de percepção estão sempre incluídos componentes mo
tores em forma de apalpação do objeto, de movimento dos
olhos que distingue os pontos mais informativos, de emis
são de sons correspondentes que desempenham papel essen
cial no estabelecimento das peculiaridades mais importantes
do fluxo sonoro. Ainda abordaremos essa tese básica quando
analisarmos os diversos tipos de percepção. Por isso é mais
correto considerar o processo de percepção como atividade
receptora do sujeito.
A seguir o processo de percepção está intimamente liga
do à reanimação dos remanescentes da experiência anterior,
à comparação da informação que chega ao sujeito com as
concepções anteriores, ao cotejo das ações atuais com as con
cepções do passado, com a discriminação dos indícios essen
ciais, com a criação de hipóteses do valor suposto da in
formação que a ele chega e com a sintetização dos indí
cios perceptíveis em totalidades e com a (tomada de deci
são) a respeito da categoria a que pertence o objeto per
40
ceptível. Noutros termos, a atividade receptora do sujeito se
assemelha aos processos de pensamento direto e essa seme
lhança será tanto maior quanto mais novo e mais complexo
for o objeto perceptível.
Por isto é natural que a atividade perceptiva quase
nunca se limita a uma modalidade mas compreende o resul
tado do trabalho conjunto dos vários órgãos dos sentidos
(analisadores) em cujo processo formaram-se as concepções
do sujeito. Por último é essencial, ainda, a circunstância de
que o processo de percepção do objeto nunca se realiza em
nível elementar e sua composição tem sempre como inte
grante o nível superior de atividade psíquica, particularmen
te a fala (discurso).
O homem não contempla simplesmente os objetos ou
lhes registra passivamente os indícios. Ao discriminar e reu
nir os indícios essenciais, ele sempre designa pela palavra os
objetos perceptíveis, nomeando-os, e deste modo apreende-
lhes mais a fundo as propriedades e as atribui a determina
das categorias. Ao perceber o relógio e nomeá-lo mental
mente com essa palavra, ele abstrai indícios secundários como
a cor, o tamanho, a forma e põe em destaque o traço funda
mental representado no nome relógio, destaca a função de
indicar o tempo (as horas); ao mesmo tempo, ele situa o
objeto perceptível em determinada categoria, separa-о de ou
tros objetos exteriormente semelhantes mas pertencentes a
outras categorias (o telefone, por exemplo, que também tem
mostrador com os respectivos números mas sua função é in
teiramente distinta). Tudo isso torna a confirmar a tese se
gundo a qual a atividade receptora do sujeito pode, pela es-
truftira psicológica, aproximar-se do pensamento direto. O ca
ráter complexo e ativo da atividade receptora do homem leva
a uma série de particularidades da percepção humana que
pertencem, no mesmo grau, a todas as formas dessa per
cepção.
O primeiro traço peculiar da percepção consiste em seu
caráter ativo e imediato. Como já lembramos, a percepção do
homem é mediada pelos seus conhecimentos anteriores, decor
rentes da experiência anterior e constitui uma complexa ativi
dade de análise e síntese que compreende a criação da hipó
tese do caráter do objeto perceptível e a decisão acerca da
correspondência do objeto perceptível a essa hipótese.
41
A segunda peculiaridade da percepção do homem consis
te em seu caráter material e genérico. Como já indicamos, o
homem percebe não só o conjunto de indícios que lhe che
gam mas também analisa esse conjunto como um objeto de
terminado, não se limitando a estabelecer os traços indicado
res desse objeto mas sempre atribuindo-o a certa categoria,
considerando-o “relógio”, “mesa”, “edifício”, "animal”, etc.
Esse caráter generalizado da percepção evolui com a idade
e o desenvolvimento mental, tornando-se cada vez mais níti
do e refletindo o objeto perceptível com profundidade cada
vez maior, englobando todo o grande número de traços essen
ciais que caracterizam o objeto e as conexões e relações сш
que este entra.
A terceira peculiaridade da percepção humana consiste
em sua constância e correção (ortoscopicidade). A experiên
cia com objetos nos dá uma informação bastante precisa das
suas propriedades fundamentais; sabemos que o prato e re
dondo, que a caixa de fósforo é retangular, que o lírio é
branco, o rato é pequeno e o cavalo 6 grande.
Esse conhecimento anterior do objeto incorpora-se à sua
percepção direta e toma esta mais constante с mais correta
(ortoscópica) ; compreende certa correção às peculiaridades
que a percepção do objeto pode adquirir em condições va
riáveis.
É fato conhecido que se girarmos um prato para o qual
o sujeito está olhando, a marca desse objeto na retina muda
rá, assumindo paulatinamente um caráter oval ou até de um
retângulo alongado; mas continuamos por muito tempo a per
ceber a forma que muda a posição do prato como "redondo”
fazendo a respectiva correção do conhecimento real da forma
desse objeto.
O mesmo ocorre na percepção da cor. É sabido que um
pedaço de carvão colocado num ambiente de iluminação cla
ra, reflete mais raios luminosos do que um pedaço de papel
branco ao crepúsculo. No entanto continuamos a perceber o
carvão como negro, corrigindo imediatamente a impressão
imediata que muda em decorrência da situação. Em suma, a
última peculiaridade da percepção humana consiste em seí
ela móvel e dirigível.
O processo de atividade perceptiva é sempre determi
nado pela tarefa que se coloca diante do sujeito. Ao exami
42
nar um quadro, visando a determinar o método de trabalho
do pintor, o homem ignora o conteúdo e destaca a maneira
da distribuição da tinta no quadro; propondo-se a tarefa de
determinar o tempo a que pertence o quadro, ele destaca as
maneiras do desenho, a roupa dos personagens representados,
a forma arquitetônica dos edifícios; tentando analisar a ima
gem do quadro ou o acontecimento nele representado, ele
amplia o círculo de informações que vai recebendo e analisa
todo o quadro em conjunto; ao contrário, propondo-se a ta
refa de captar a mímica das pessoas representadas no qua
dro, ele restringe aparentemente o volume de sua percepção e
se concentra em detalhes isolados do quadro.
É natural que esse determinismo da percepção pela ta
refa que se coloca diante do homem ou do seu objetivo tor
na a percepção elástica e dirigível, e essas peculiaridades da
percepção humana dependem altamente do papel que na ati
vidade receptora desempenha a experiência prática do su
jeito e o seu discurso interior, que permite formular e mudar
as tarefas.
É perfeitamente compreensível que tudo isto distingue
essencialmente a atividade receptora do homem da percepção
do animal, que, apesar de. toda a sua mobilidade, carece das
qualidades dirigíveis e arbitrárias que caracterizam a ativida
de perceptiva consciente do homem.
Todas as referidas peculiaridades da atividade receptora
do homem permitem compreender melhor as condições das
quais ela depende.
É natural que a percepção correta dos complexos obje
tos não depende apenas da precisão do funcionamento dos
nossos órgãos dos sentidos mas também de várias outras con
dições essenciais. Situam-se entre estas a experiência ante
rior do sujeito e a amplitude de profundidade das suas con
cepções, a tarefa a que ele se propõe ao analisar determina
do objeto, o caráter ativo, coerente e crítico da sua atividade
receptora, a manutenção dos movimentos ativos que inte
gram a atividade receptora, a capacidade de reprimir a tempo
as hipóteses do significado do objeto perceptível se estas não
corresponderem à informação afluente.
A complexidade do desempenho perceptivo ativo permite
explicar também as falhas que se verificam na percepção da
43
criança nas etapas tenras do desenvolvimento bem como as
peculiaridades do distúrbio da percepção que podem surgir
nos estados patológicos do cérebro. Essas peculiaridades po
dem assumir caráter variado dependendo do elo da atividade
receptora insuficientemente desenvolvido ou perturbado.
Assim, a insuficiente agudez da sensibilidade (visual ou
auditiva) pode acarretar erros de percepção que, não obstan
te. podem ser compensados com êxito com o emprego de
aparelhos de reforço da sensibilidade ou pela concentração
da atenção do sujeito.
As falhai, relacionadas com a distorção da síntese dos
indícios perceptíveis (verificadas na afecção das zonas ter
ciárias e sintéticas do córtex cerebral), podem levar a que
alguns indícios do objeto visível continuem a ser bem perce
bidos enquanto o sujeito se mostra incapaz de perceber o
objeto no conjunto e é forçado a fazer angustiantes conjetu
ras tentando descobrir o que pode significar a combinação
dos indícios por ele percebidos.
É inteiramente distinto o caráter das falhas da percepção
durante a perturbação do processo de percepção ativo. Nes
tes casos, todo o complexo processo de discriminação dos in
dícios essenciais do objeto e a comparação da hipótese que
surge com a informação que realmente chega pode ser per
turbado e o homem pode limitar-se a fazer suposições impul
sivas do significado do objeto perceptível com base nos indí
cios particulares deste e, às vezes, com base cm detalhes mais
nítidos ou que mais saltam à vista, sem comparar a sua hi
pótese com a informação que recebe nem corrigir as suas
conjeturas errôneas.
Por último, podem adquirir novamente outro caráter as
falhas da percepção nos casos em que o objetivo do homem
adquire inércia patológica e ele começa a perceber não o que
corresponde às peculiaridades do objeto que atua sobre ele
quanto o que ele espera ver e que corresponde aos seus obje
tivos inertes preconcebidos. Algumas formas de engano da
percepção, que ocorrem em determinados grupos de doentes
com patologia cerebral, adquirem justamente esse caráter.
Analisamos as teses mais gerais da psicologia da ativida
de perceptiva do homem e agora podemos passar ao exa
me de algumas formas isoladas de percepção humana.
44
Percepção tátil
45
de receptores de dor, calor e frio. O mesmo se verifica na
pele das costas.
TABELA 2
Pontas dos
dedos 60 120 0 0
D o antebraço 203 15 6 0.4
Costas j. +
Língua + + +
(Segundo Anancv.)
zó
dade profunda (propriocepliva) chegam inicialmente aos cor
nos posteriores da medula espinhal e avançam pelas colunas
laterais e, cessando nos núcleos de Holl e Burdach, chegam
ao córtex da circunvolução posterior central e às suas áreas
secundárias. Cabe observar que a divergência das vias con-
dutoras da sensibilidade superficial, por um lado, e da sen
sibilidade profunda (sinestésica), por outro, explica o fato
de que, durante a afecção das colunas posteriores ou dos
núcleos de Holl e Burdach, mantém-se a sensibilidade super
ficial e perturba-se simultaneamente a profunda. É justa
mente este caso que se verifica na tabe da espinha (tabes
dorsalis), na qual a afecção atinge os sistemas da sensibili
dade profunda sem se manifestar no sistema da sensibilida
de superficial. Merece destaque também a segunda diver
gência substancial que é importante levar em conta por tèr
grande significado clínico.
Isto leva à possibilidade de distanciamento entre я sen
sibilidade tátil e a de dor, que surge nos casos dé afecção
da substância parda situada ao redor do canal dá medula
espinhal (siringomielia). Nestes casos, os filamentos por
tadores dos impulsos da sensibilidade tátil podem chegar ao
córtex, enquanto os filamentos que conduzem os impulsos da
sensibilidade à dor se interrompem e passam pára o lado
óposto.
Resulta daí a manutenção da sensibilidade superficial
(tátil) do doente, desaparecendo a sensibilidade à dor; o
doente não percebe as queimaduras que recebe ao tocar obje
tos quentes embora continue a sentir o contato com estes.
Por último, cabe observar que os impulsos da sensibili
dade tátil, que são conduzidos através dos filamentos sen
síveis grossos, são percebidos mais rapidamente .do que os
«inais de dor que passam através de filamentos ' mais finos.
Esta tese é bem ilustrada pela observação atenta da seqüên
cia das sensações táteis e de dor que temos ao tocarmos uma
chapa quente.
Como já dissemos, a sensibilidade tátil é de estrutura he
terogênea; a ela pertencem as formas mais simples de sen
sibilidade superficial (sensação de contato e pressão) e as
formas mais complexas de sensibilidade tátil como a sensa
ção de localização do contato, a sensibilidade distintiva (sen
sação da distância entre dois contatos em relação às áreas
próximas da pele) e, por último, a sensação do sentido do
47
) .. — ------
)
) '
49
plexa do objeto. Para passar da avaliação de traços isolados
à percepção tátil de todo o objeto, é necessário que a mão
esteja em movimento, isto é, que a percepção tátil passiva
seja substituída por apalpamento ativo do objeto.
É por isto que o estudo da maneira pela qual se desen
volve o processo de tateamento do objeto e de como neste
processo o homem passa paulatinamente da avaliação de in
dícios isolados à identificação do objeto tateado constitui uma
das questões mais importantes da Psicologia da percepção tátil.
Na percepção tátil do objeto, a questão mais importante
é a transformação paulatina da informação que recebemos
sucessivamente acerca de indícios particulares do objeto em
sua imagem integral (simultânea).
Suponhamos que tateamos de olhos fechados um objeto
qualquer, uma chave, por exemplo. A princípio temos a im
pressão de tocarmos algo frio, liso e comprido. Nesta fase po
demos supor que tateamos uma haste metálica ou um tubo
ou mesmo um lápis metálico. Em seguida, nossa mão se des
loca e começa a tatear apenas o anel da chave; o primeiro
grupo de suposições é imediatamente afastado mas ainda não
surge uma hipótese nova. Continuamos a tatear e o nosso
dedo se desloca no sentido do palhetão da chave com seu
corte característico. Aqui distinguimos os pontos mais infor
mativos, a reunião de todos os indícios sucessivamente percep
tíveis e então surge a última hipótese: “é uma chave!” ; esta
hipótese será confirmada pela verificação posterior.
Vemos facilmente que o processo de identificação da
imagem do objeto, que ocorre de imediato na visão, no tato
tem caráter desdobrado e ocorre por meio de uma cadeia su
cessiva de testes com a discriminação dos indícios particulares,
a criação e a formação de várias alternativas e a obtenção
da hipótese definitiva.
Por isto o processo de percepção tátil (ativa), a qual sur
ge no processo de apalpação, pode servir de modelo de qual
quer percepção cujos elos particulares são aqui desdobrados
e especialmente acessíveis à análise.
O processo de percepção tátil foi minuciosamente estuda
do pelos psicólogos soviéticos B. G. Ananev, P. F. Lomov,
L. M. Vekker. As pesquisas desses autores revelaram vários
fatos essenciais.
50
Confirmaram, antes de tudo, que a percepção da forma
do objeto sem uma apalpação ativa e sucessiva deste é abso
lutamente inacessível.
Mostrou ainda a pesquisa que a mão do sujeito deve apal
pai ativamente o objeto, tentando distinguir os pontos que
oferecem maior informação e reuni-los numa só imagem. A
passagem passiva do objeto pela mão ou da mão sobre o obje
to, excluindo movimentos ativos de procura, não leva ao devido
resultado, possibilitando um reflexo do objeto apenas parcial
e por isto falso.
Por isto, a apalpação ativa é realmente necessária para
identificar os traços do objeto e reuni-los numa imagem única.
A pesquisa posterior mostrou ainda que a apalpação ativa do
objeto é um processo complexo.
A estrutura sutil dos movimentos tateantes permitiu um
conhecimento mais aproximado do processo destes. Verificou-
se que os movimentos de apalpação se realizam com o papel
determinante do dedo médio, que, no processo de evolução,
apenas no homem começa a opor-se aos outros dedos, e do
indicador, que no homem adquire mobilidade especial. Em
seguida os movimentos de apalpação se alternam com inter
valos, sendo que o tempo gasto com o movimento é uma vez
e meia maior do que o movimento de retenção ou parada.
Esses fatos levam a pensar que durante essas paradas distin-
guem-se os componentes menores ou “quantas” da informa
ção tátil (Ananev).
Cabe notar que, na percepção tátil do objeto, os movi
mentos de apalpação são heterogêneos, que neles podemos dis
tinguir os mínimos deslocamentos dos dedos (de 2 a 100mm),
que param nos pontos '‘críticos” (ou mais informativos), du
rante os quais o sujeito continua a receber uma informação
fracionada dos traços do objeto, podendo-se distinguir gran
des movimentos que reúnem os indícios isolados e têm a fun
ção de verificar as hipóteses surgidas.
Ë importante que esse caráter dos movimentos se man
tém inclusive nos casos em que o sujeito tateia não com o
dedo mas com uma haste (um lápis, por exemplo), ou nos
casos em que, tendo sido amputada a mão, a apalpação é fei
ta por outras partes do braço, por exemplo pelo antebraço
estilhaçado (as chamadas “pinças de Krukenberg”) .
Na medida em que se desenvolve o exercício, o processo
de apalpação, indispensável à identificação tátil do objeto,
51
pode ' reduzir-se paulatinamente; se nas primeiras etapas era
necessário comparar muitos dos indícios discriminados para
identificar o objeto, numa segunda apalpaçâo o número des-
sses indícios diminui cada vez mais, de forma que, ao térmi
no do processo, é bastante um indício mais informativo para
que o objeto possa ser identificado. Ê interessante que esse
processo de redução paulatina do número de testes, nos quais
se destacam os indícios informativos necessários, ocorre de
modo relativamente mais lento nas crianças pequenas e co
meça a ser mais expressivo nas crianças de б a 7 anos de ida
de. Nos adultos é especialmente rápida essa redução ou “re
tardamento” dos movimentos de busca, indispensáveis à iden
tificação tátil do objeto. Na tabela 3 apresentamos dados
acerca da redução paulatina dos testes de orientação, duran
te a percepção tátil do objeto; esses dados foram obtidos pelos
psicólogos soviéticos V. P. Zintchenko e B. F. Lomov em
pesquisas com crianças de diversas faixas etárias.
TABELA 3
52
ela pertencia. O teste mostrou que, a princípio, a apalpação
tinha caráter desdobrado, que era seguida o processo se de-
sèrivolvia paulatinamente e, por último, o sujeito dirigia logo
sua atenção aos pontos mais informativos cujo contato lhe dava
de imediato informação positiva (a existência do elemento que
diferenciava uma letra da outra) ou informação negativa
(inexistência do elemento necessário), que lhe permitia chegaT
à solução necessária.
Cabe notar que a afecção de determinadas áreas do cére
bro levava a perturbações originais do processo aqui descri
to de identificação tátil. Os doentes com afecção das áreas
subparietais do cérebro e privados da capacidade de sintetizar
os elementos em um todo, mostraram-se incapazes de utilizar
a informação por eles obtida e criar mentalmente uma ima
gem integral de uma figura a partir dos elementos separada
mente percebidos. Os doentes com afecção dos lobos fron
tais do cérebro revelaram inconsistência no próprio processo
de obtenção da informação necessária: a fase de ação orien
tada с planejada cessava ou em certo sentido se perturbava
e os pacientes começavam não raro a fazer conclusões impul
sivas acerca da letra que tateavam, sem levar a pesquisa até
o fim nem distinguir os indícios de apoio necessários (O. K.
Tikhomírov).
A complexa estrutura psicofisiológica do processo de iden
tificação tátil do objeto leva a um fenômeno amplamente co
nhecido na clínica como astereognose, chamado por alguns
autores de síntese amorfa (perturbação da percepção tátil tri
dimensional do objeto ou perturbação do processo de síntese
de uma imagem integral do objeto, constituída de elementos
isolados). Esse fenômeno consiste em que o doente, conser
vando a sensibilidade tátil elementar, revela-se incapaz de
identificar o objeto que tateia e sintetizar em um todo único
indícios isolados. O quadro clássico da astereognose surge
nas afecções das áreas secundárias e terciárias da região parie
tal do córtex e está relacionado com a perturbação da capa
cidade de reunir sinais táteis isolados numa estrutura una.
Esse quadro surge, via de regra, num braço do lado oposto
do foco. Em todos os casos de astereognose clássica, o pa
ciente tateia ativamente o objeto que lhe foi dado, tenta sin
tetizar-lhe Os traços mas é incapaz de fazê-lo e identificar o
objeto. Do quadro clássico de astereognose distinguem-se
essencialmente as dificuldades na identificação tátil de dado
53
objeto, que surgem nos casos de afecção dos lobos frontais
do cérebro. Nestas circunstâncias, que, via de regra, provo
cam uma brusca queda da atividade do paciente e a impossi
bilidade de cotejar o efeito da sua ação com a intenção ini
cial, é diferente o caráter da natureza da dificultação na per
cepção tátil do objeto. Nestes casos, o doente não tenta ta
tear ativamente o objeto ou não faz tentativas sistemáticas
suficientes neste sentido, interrompendo em fase inicial o
processo de orientação e lançando prematuramente uma hi
pótese baseada simplesmente numa distinção fragmentária do
objeto. Observações atentas permitem perceber o elo preciso
em que foi perturbado o processo de identificação tátil do
objeto e tirar desse fato conclusões diagnósticas.
Percepção visual
■ v.
.r
„ V.I
' , V4
(U ¡ V MV. h
1
)
) '
) 56
)
\
portá-los para camadas mais profundas cujos dendritas estão
situados na superfície horizontal e são capazes de reunir a
excitação surgida num grupo de elementos fotossensíveis; as
células ganglionares, situadas na camada interior da retina e
capazes de reunir a excitação e transmiti-la ao nervo óptico,
que é o início da parte condutora do sistema visual. Na re
tina ocupam posição especial as “células amácrinas”, que se
distinguem por apresentarem uma disposição dos dendritos
e axônios oposta à verificada em todas as células enumera
das: seus dendritos estão dispostos no sentido da parte inter
na e os axônios na parte externa (fotossensível da retina).
Há fundamentos para se supor que elas são um aparelho efe
rente da retina, que, assegurando a chegada da retina aos ele
mentos fotossensíveis, garantem que cheguem aos elementos
fotossensíveis as excitações surgidas no centro, permitindo re
gular a sensibilidade dos aparelhos receptores aos objetivos
internos do sujeito.
A irritação da retina pela luz provoca nela ocorrências es
táveis de excitação, que podem ser registradas em forma de
oscilação de potencialidades elétricas (eletrorretinogramas),
que refletem cada irritação luminosa que chega à retina. Ca
be notar que a aceleração das excitações permite observar
aceleração rítmica das respostas elétricas da retina. O ele-
trorretinograma pode ser empregado com êxito para o diag
nóstico de mudanças patológicas da retina.
O aparelho da retina aqui descrito é o primeiro disposi
tivo fotossensível básico que faz parte da parte periférica do
receptor visual. Mas para o funcionamento normal, é necessá
rio um segundo aparelho complementar do olho, que regula a
afluência da excitação luminosa que chega aos elementos fo
tossensíveis da retina e garantem os movimentos do olho, que
poderiam produzir uma imagem com o máximo de precisão
na retina e permitiriam ao olho acompanhar os objetos
perceptíveis.
O aparelho que regula a afluência dos raios luminosos
tem entre seus componentes a íris do olho, que, graças aos
nervos nela situados, pode restringir ou ampliar a pupila, fi
fato conhecido que, sob iluminação forte, a pupila do olho
se restringe e se amplia sob iluminação fraca, regulando a
afluência de luz na câmara interna do olho. É sabido que os
aparelhos que regulam a compressão e a ampliação da pupila
estão situados nos corpos quadrigêmeos, razão pela qual o
57
:ШЖ
58
-иateu
59
)
) 60
\
tro ântero-motor dos olhos, tanto o ato de fixação como о
ato de acompanhamento do ponto móvel continuam rela
tivamente estáveis mas se perturba grosseiramente o deslo
camento arbitrário do olho segundo o comando visual, afe
tando-se fortemente os movimentos ativos de busca dos
olhos. •
61
Isto foi observado reiteradamente na literatura especializa
da e antes de tudo nos experimentos dos psicólogos america
nos K. Lashley e H. Kiiver.
Esses pesquisadores treinaram um animal (um rato ou um
macaco) para reagir positivamente a uma figura de um triân
gulo negro em fundo branco, verificando que, após o treina
mento, o animal reage imediatamente de modo positivo ao
triângulo branco em fundo negro, a um triângulo hachurado
ou pontilhado, reagindo inclusive às linhas que formam um
ângulo agudo.
É evidente que o animal abrange não só os traços da
figura mas todà a estmtura; aqui, o caráter integral da per
cepção constitui o traço fundamental da atividade receptora
do animal.
' Experimento análogo foi realizado por Matilda Herz, dis
cípula de Kõhler. Nesse experimento ela colocou num lugar
vários vidros, colocando uma noz sob um deles. Um pássaro
era treinado para voar até os vidros, virá-los com a asa e apa
nhar a noz. Se os vidros estivessem distribuídos de maneira
desordenada, virava-os ao acaso, se estivessem distribuídos em
ordem circular, com um deles separado, o pássaro derrubava
invariavelmente este, talvez percebendo todos os outros como
uma estrutura fechada.
‘ A percepção da cor tinha esse mesmo caráter integral.
Num conhecido experimento de Kõhler, treinou-se uma gali
nha para bicai grãos de fundo pardo-claro, colocando-se grãos
num fundo pardo-escuro. Se à galinha dava-se um teste de
controle, no qual o quadrado pardo-escuro (antes reforçado
negativamente) era colocado ao lado do quadrado negro, ela
começava imediatamente a bicar os grãos nesse quadrado par
do-escuro. Ê evidente que a galinha percebia os matizes co
loridos não isoladamente mas em determinadas relações entre
si, noutros termos, em determinada estrutura.
Os gestaítistas descreveram várias leis às quais se subor
dina a percepção da forma.
‘ A primeira delas é a lei da nitidez da estmtura, segundo
á qual a nossa percepção distingue antes de tudo as estrutu-
fas mais nítidas pelas propriedades geométricas.
Assim sendo, se ao sujeito propõe-se uma complexa es-
rhitura geométrica, o primeiro- que ele distingue nestas são as
Imagens mais nítidas. A lei da nitidez da percepção visual de
sempenhou importante papel na técnica de defesa, quando, ao
tentar-se camuflar uma figura complexa, era bastante ocultá-la
em estruturas mais fortes. .
A segunda lei da percepção visual das formas, formulada
pelos gestaltistas, foi a lei do fechamento (lei da complemen-
tação do todo estrutural). Segundo essa lei, as estruturas ní
tidas mas não acabadas eram sempre ampliadas até atingi
rem o todo geométrico nítido. • • 4
As duas referidas leis permitiram explicar o processo de
unificação de vários fenômenos da percepção visual cuja ex
plicação continua difícil.
O primeiro desses fenômenos pode ser o fato da unifica
ção de figuras geométricas isoladas. •
O caráter estrutural da percepção visual explica o fato
de que, se percebemos as estruturas como dispostas numa su
perfície, percebemos outras tridimensionalmente como folhas
que ultrapassam a superfície plana.
O caráter estrutural da percepção explica também um
fenômeno denominado imagem dupla.
Por último, as leis da percepção estrutural integral ex
plicam ainda algumas das chamadas ilusões ótico-geomêtricas.
Todas essas peculiaridades das ilusões geométricas de
vem-se ao fato de que a nossa percepção geométrica não é
constituída de elementos isolados mas tem todos os traços de
úma percepção integral estruturalmente organizada.
A teoria da Psicologia estrutural (Psicologia da Gestalt)
deu contribuição importante e inovadora à análise da percep
ção integral das formas. Mas ela tem também as suas limita
ções. Concebendo as leis da percepção das estruturas como o
reflexo natural das leis integrais dos processos fisiológicos e,
até físicos, ela abstrai o fato de que, todos os fenômenos da
percepção humana, por ela descritos, formaram-se em deter
minadas condições históricas e não podem ser interpretados
definitivamente sem se levarem em conta essas condições. Eis
porque, como mostram os fatos, as leis da “nitidez da per
cepção”, “da conclusão do todo” (fechamento), atffC36tmda5
pelos partidários do gestaltismo como leis naturais de cada
percepção, na realidade revelaram-se plenamente úteis apenas
para a percepção do homem, formada nas condições de uma
determinada cultura; elas não são confirmadas no estudo da
percepção dos homens daquelas formações históricas nas quais
a percepção das formas geométricas não tem o caráter abs
trato que a distingue atualmente. As pesquisas histórico-com-
63
parativas, realizadas nos últimos decênios, limitaram substan
cialmente as leis descritas na Psicologia da Gestalt e permi
tiram que nos convencêssemos de que, em diferentes etapas do
desenvolvimento histórico e da prática social, os processos de
percepção podem subordinar-se a diferentes leis. Um exem
plo disto pode ser visto no fato de que, em certas culturas, um
círculo não fechado não é percebido como um círculo nSo
acabado mas como um “bracelete”, percebendo-se um triân
gulo não fechado não como um triângulo não acabado mas
como um “amuleto” ou uma “ medida de querosene”, etc.
Um estudo da maneira pela qual se estrutura a percep
ção das figuras geométricas nas condições do pensamento con
creto direto ainda fará, indubitavelmente, correções substan
ciais das leis da percepção estrutural, estabelecidas pelos psi
cólogos gestaltistas.
N
mido do que o processo de identificação tátil do objeto, aque
le, contudo, requer a participação de componentes motores,
aproximando-se assim da percepção tátil.
Este fato foi previsto por I. M. Setchenov, quando indi
cou que o olho que examina um objeto realiza movimentos
apalpadores basicamente idênticos ao da mão; mas só ultima
mente tomou-se claro porque os movimentos dos olhos são tão
necessários no exame de um objeto.
Como mostrou o conhecido psicofisiologista soviético A. L.
Yarbus, o problema consiste em que o olho imóvel pode man
ter a imagem percebida apenas durante um tempo muito bre
ve, após o qual a imagem deixa de ser percebida e o homem
passa a ver um “campo vazio”. Para demonstrar essa tése, o
pesquisador fixou à córnea do olho uma ventosa, na qual se
fixara um ponto luminoso. Era fácil perceber que, ésse ponto
se movia juntamente com o movimento do olho, noutros ter
mos, mantinha-se imóvel em relação ao olhó e sua imagem
caía sempre na mesma zona da retina. Pelos resultados, obti
dos por Yarbus, o sujeito percebia nitidamente a imagem do
ponto luminoso apenas durante uma fração muito pequena
de tempo (1-2 segundos), após o que ela desaparecia e o su
jeito começava a perceber um “campo vazio”.
H á fundamentos para pensar que esse efeito está ligado
ao fato de que a longa excitação de um mesmo ponto da re
tina provoca certa excitação (parabiótica) nesse ponto e leva
ao seu desligamento funcional.
Por conseguinte, para assegurar a possibilidade de uma
longa conservação da imagem, são necessários movimentos do
olho que desloquem a imagem de uns pontos da retina para
outros, O mesmo efeito pode ser obtido se o objeto imóvel
começar a ser percebido numa rápida alternância de cores de
tonalidades iguais (V. P. Zintchenko). Neste caso. os movi
mentos do olho são retardados pela excitação intermitente
da retina por ondas de comprimentos variados.
O experimento de Yargus mostra que, para a longa per
cepção do objeto, são realmente necessários pequenos movi
mentos dos olhos, que deslocam a imagem para zonas da re
tina próximas umas das outras, bem como movimentos do
olho aue examina o objeto foram realmente estabelecidos em
pesquisa especial.
O método proposto por Yarbus apresentava grande pre
cisão, mas é incômodo porque requer uma anestesia prévia
65
do olho por solução de novocaína e o sujeito pode manter
um espelhinho colado à esclerótica por uma fração de tempo
muito pequena (de 3-4 minutos). Por isto na prática da pes
quisa psicológica foram propostos outros métodos de re
gistro dos movimentos do olho.
Um desses métodos consiste na filmagem dos movimentos
do olho do sujeito que examina a imagem e na análise dos
quadros sucessivos. A dificuldade desse método consiste em
que o processamento dos resultados obtidos (transferência da
posição do olho em alguns quadros para uma curva) requer
longo trabalho.
Essa dificuldade é evitada por dois outros métodos que
entraram solidamente na literatura especializada.
O primeiro destes consiste em colar nos nervos do olho
eletrodos fixados nas áreas temporal, nasal, superior e inferior
da pele; as mudanças nas correntes da ação, que surgem com
sucessivos movimentos dos olhos, são registradas numa película
correspondente. Esse método pode apresentar precisão sufi
ciente, embora as curvas assim obtidas possam ser observadas
durante período relativamente curto e necessitem de correção.
O segundo método, proposto por A. D. Vladímirov, con
siste no seguinte: sobre o olho do sujeito deitam-se raios de
luz que passam por um filtro infravermelho; o olho não per
cebe a ação seguinte desses raios, sentindo apenas o calor. A
diferença entre o reflexo da luz a partir de uma pupila escura
e uma íris clara se transforma em diferença de potenciais e
deslocamento do ponto que separa a pupila da íris; essa di
ferença é registrada em película. A vantagem desse método
consiste em que ele não requer nenhuma fixação da ventosa à
esclerótica do olho, dando imediatamente o registro da traje
tória dos movimentos e esse registro pode ter longa duração.
. Os testes coin registro do movimento do olho durante o
exame de objetos complexos permitiram que nos convencêsse
mos de que, no processo de exame atento do objeto, ocorrem
pelo menos dois tipos de movimentos dos olhos.
, O primeiro deles são micromovimentos dos olhos, que
deslocam a imagem para os pontos contíguos da retina; esses
movimentos são notados até na fixação de um ponto imóvel
pelo olho. Sua importância para- a conservação de uma ima
gem estável fica clara graças ao teste acima descrito, que
mostra que a imagem imóvel em relação ao olho se mantém
na retina apenas durante um tempo muito breve.
56
O outro tipo de movimento é de caráter bem diferente e
tem outra importância funcional: consiste em grandes movi
mentos do olho, que o deslocam de um ponto a outro e en
globa tanto movimentos em forma de salto como movimentos
cadenciados (de deriva) do olho. Há fundamentos para con
siderar que esses movimentos asseguram uma função suces
siva do olho em pontos isolados do objeto perceptível e per
mitem discriminar sucessivamente os pontos mais informativos
(indícios do objeto), compará-los entre si e sintetizar um con
junto definitivo de indícios indispensáveis à identificação do
objeto. ' ’'
O estudo dos movimentos dos olhos, através dos quais o
sujeito se orienta no objeto que examina, tornou-se um dos
importantes métodos de estudo da percepção dos objetos e
imagens complexas. !
Os fatos mostraram que o olho, ao examinar um objeto
complexo, nunca se movimenta sobre ele de maneira unifor
me mas sempre procura e discrimina os pontos mais infor
mativos que atraem a atenção de quem os examina.
Constitui interesse especial a aplicação desse métodò ao
estudo do processo de análise da composição de quadros com
plexos. Os dados assim obtidos mostram que o sujeito, ao
examinar um quadro complexo, não só destaca neste os de
talhes essenciais como também muda o sentido do seu exame
e a discriminação de detalhes particulares, dependendo da ta
refa que lhe foi proposta. ;
• Uma análise atenta mostra que mudam nitidamente os mo--
vimentos dos olhos da pessoa que analisa um quadro com
instruções variadas, que o olho começa a “tatear” a situação
em uns casos, as roupas, em outros, e os intensivos movi
mentos do olho, que fazem uma comparação visual de figuras
isoladas, surgem com as sucessivas instruções.
r Tudo isto leva a entender o grande trabalho executado
pelo olho no processo de percepção e o quanto esse trabalho,
depende da complexidade da tarefa. ‘ - ■ • ,
,• Esta última circunstância se torna especialmente nítida
nos casos em que se dá ao sujeito a tarefa de fazer um com
plexo trabalho mental como, por exemplo, avaliar no olho-,
quantas vezes o tamanho de um corte cabe numa determina- ■
da figura. ¡Nesses testes, realizados por U. B. Hippenreuder,,
foi demonstrado que os movimentos dos olhos ратесет fixar.
certa medida na superfície do objeto examinado, tomando as<
sim possível a realização da tarefa.
68
Para a percepção do objeto e sua forma, é de impor
tância essencial o valor de indícios isolados. Assim, em ex
perimentos realizados durante a II Guerra Mundial, A. I.
Bogoslovsky mostrou que a precisão da percepção das formas
aumenta substancialmente se à figura examinada atribuía-se a
significação de “nosso” avião ou avião “inimigo”.
Vê-se facilmente que os traços essenciais para o trabalho
profissional do homem (por exemplo, os matizes do aço in
candescente, que anunciam a existência de impurezas indese
jáveis) são percebidos pelo especialista de maneira bem su
perior à do homem para o qual tal traço não tem importância.
É de grande importância para a percepção a experiência
anterior do homem e a percepção material das imagens corres
pondentes.
O primeiro grupo de fatos, que demonstram essa tese, íoi
obtido em testes pelo psicólogo soviético D. N. Uznadze e
seus colaboradores.
Se durante longo tempo o sujeito tateia com a mão es
querda uma esfera grande e, com a direita, uma esfeia peque
na e, se após 10-15 testes semelhantes, ele coloca nas mãos
esferas idênticas, a esfera que se encontra na mão direita
parecerá maior em contraste com a esfera pequena. Podere
mos obter efeito análogo se apresentarmos visualmente ao su
jeito duas circunferências, sendo a da esquerda de diâmetro
maior do que a da direita, e, depois de 10-15 exposições se
melhantes, sugerirmos duas circunsferdncias do mesmo tama
nho. Neste caso, a circunferência da esquerda parecerá, m edoc
pelo contraste com a experiência anterior. Os testes com a
influência da experiência anterior sobre a percepção posterior
podem ser feitos também em forma mais direta. Por exemplo,
se mandarmos um sujeito 1er um texto em latim e em seguida
lhe propusermos uma palavra formada por letras neutras
(iguais no alfabeto russo e no latino), como a palavra
р а м к а , e l e a lerá de acordo com a transcrição latina; se antes
disto pedirmos que e le leia o texto em russo, a mesma pala
vra será lida de acordo com a transcrição russa.
O mesmo poderemos obter se propusermos ao sujeito
uma figura de interpretação dupla: a percepção desta figura
dependerá do objetivo criado pela experiência anterior. Por
exemplo, depois de uma rápida exposição do quadro “barcos
à vela”, mostrou-se aos sujeitos o quadro “flores do lótus.”.
69
Via de regra eles também a perceberam como um barco; em
outras condições se observava tal ilusão.
O fenômeno que acabamos de descrever é muito conhe
cido em Psicologia como apercepçâo e pode ser observado
em muitos exemplos. Assim, por exemplo, a inscrição “ n ã o
c o n s e r v a r ” , pendurada num auditório, é habitualmente lida
71
Essas diferença? da percepção podem manifestar-se niti
damente quando se examinam manchas indefinidas de tinta.
Esse método, a p lic ó 0 em seu temP° PcI° psicólogo suíço
Rorshach (amplamente conhecido como “manchas de Rors-
hach”), permitiu mostrar 4ue> se uns sujeitos manifestam a
tendência a discrim ^ar pequenos detalhes e, via de regra,
ignoram o todo, oiltros avaliam nas manchas de Rorshach
apenas os contorneas genéricos, omitindo detalhes isolados ©
não se detendo nestes-
O método da percepção das manchas do Rorshach foi
amplamente difundido na prática do diagnóstico, revelando
peculiaridades essei*c‘a*s percepção indireta e detalhada dos
epilépticos, da percepção emocional e variável dos histéricos,
etc. , ,
É natural que 0 processo de percepção sofre influência
muito séria do nfvel intelectual do sujeito.
Ê fato conhec^o que o sujeito normal percebe o objeto
que lhe é proposto> discriminando neste uma infinidade do
traços, incluindo-c em diferentes situações e generalizando-o
numa categoria com objetos exteriormente diferentes mas es
sencialmente sem ejantes. Como mostrou o conhecido psicó
logo soviético I. Solovêv, os sujeitos intelectualmente atra
sados discriminam no objeto examinado um número conside
ravelmente inferior traços, incluem com dificuldade o obje
to em exame em diferentes contextos e, por isto, sua percep
ção é bem mais P°bre e indireta do que a percepção do su
jeito normal.
73
O estudo da possibilidade de imaginar mentalmente a cor
relação das partes no espaço é efetuado com êxito através de
um teste no qual se propõe ao sujeito a imagem esquemática
de uma figura composta de cubos, sugerindo-lhe indicar o
número total de cubos incluídos nessa figura (testes de
Yerkes).
Para o estudo da percepção e do nível de seu desenvol
vimento, são de grande importância os testes de avaliação de
quadros temáticos. A finalidade desses testes é fazer uma aná
lise das ligações que o sujeito estabelece entre os elementos
particulares de uma complexa situação evidente, da maneira
pela qual ele procura os detalhes mais informativos, cria hi
póteses, compara estas com a imagem real e chega a uma
solução correspondente. Pelo seu conteúdo, esse estudo da
percepção se assemelha ao estudo do pensamento direto.
Para esse fim, a Psicologia emprega dois procedimentos:
o procedimento da análise de um quadro temático e comple
xo e o procedimento de análise de uma série de quadros.
Para o êxito da aplicação do primeiro procedimento em
pregam-se quadros temáticos cujas idéias não possam ser per
cebidas de imediato, de maneira unívoca, e para cuja inter
pretação correia é necessário examinar atentamente detalhes
isolados, compará-los entre si, distinguir os mais importantes
e criar hipóteses correspondentes do sentido geral do quadro
que, posteriormente, devem ser comparadas ao conteúdo real
do quadro.
A avaliação prematura, sem base numa análise minuciosa
do conteúdo do quadro, pode levar a conjeturas inadequadas.
A análise de semelhantes quadros pode produzir matéria im
portante para avaliação do nível geral de desenvolvimento
mental da criança. Pode ser uma indicação disto a limitação
da atividade pela simples nomeação de objetos isolados ou
ações isoladas que se verificam nas etapas tenras de desen
volvimento e se mantêm numa idade mais tardia em caso de
retardamento mental.
Um procedimento útil de estudo das formas complexas
de percepção, situadas na fronteira com o pensamento direto,
é a análise de uma série de quadros nos quais as etapas de
um tema ordenado se refletem na série de quadros isolados.
O desvio no desenvolvimento mental, bem como o distúrbio
do pensamento direto manifestam-se facilmente no fato de que
cada um desses quadros começa a ser avaliado separadamente
e o sujeito se revela incapaz de descrever um tema integral
cm desenvolvimento, incluindo nesses quadros partes não re
presentadas em quadros isolados.
O estudo da avaliação dos quadros temáticos e de suas
séries é amplamente empregado na prática e na Psicologia
clínica.
7T
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80
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ИИИИКМіИЙИЦЙйЛівіііМііг ■ *»-г«ате»...^идгц-
Percepção do espaço
82
gem quando passamos de automóvel por uma aléia com árvo
res, que “passam” rápida e constantemente, ou quando fixa
mos longamente o olhar num tambor giratório com faixas
transversais) surge um estado de instabilidade acompanhado
de enjôo. Essa estreita relação mútua entre o aparelho vestibu
lar e o aparelho motor dos olhos, que provoca reflexos ótico-
vestibulares, são um componente essencial do sistema que as
segura a percepção do espaço.
O segundo aparelho importante, que assegura a percep
ção do espaço e acima de tudo da profundidade, e o disposi
tivo de percepção visual binocular e de sensação dos esforços
musculares produzidos pela convergência dos olhos.
É fato bem conhecido que a profundidade (distância)
dos objetos é sobretudo bem percebida quando observamos o
objeto com ambos os olhos. Para perceber os objetos com a
necessária nitidez, a imagem do objeto em observação deve
cair sobre os pontos correspondentes da retina; para assegurar
isto é necessária a convergência de ambos os olhos. Se na
convergência dos olhos surge uma insignificante disparidade
de imagens, aparece a sensação de distância do objeto ou o
efeito estereoscópico; com maior disparidade dos pontos da
retina de ambos os olhos sobre os quais cai a imagem, surge
uma bifurcação do objeto. Deste modo, os impulsos deriva
dos da tensão relativa dos músculos dos olhos, que assegu
ram a convergência e o deslocamento da imagem em ambas
as retinas, constitui o segundo componente importante da per
cepção do espaço.
O terceiro componente importante da percepção do espa
ço são as leis da percepção estrutural, que já descrevemos an
teriormente e em determinadas condições se bastam por si
mesmas para provocar a percepção da profundidade. A essas
leis incorpora-se uma última condição — a influência da ex
periência anterior bem reforçada, que pode influenciar subs
tancialmente a percepção da profundidade mas em alguns
casos, como já indicamos, pode levar ao surgimento de
ilusões.
A percepção do espaço não se limita, portanto, à perceo-
ção da profundidade. Uma parte essencial dela é constituída
pela percepção das disposições dos objetos em relação uns aos
outros, o que requer uma análise especial.
O espaço que percebemos nunca tem caráter simétrico;
em maior ou menor grau, ele é sempre assimétrico. Uns obje-
los estão situados acima de nós, outros, abaixo; uns são mais
distantes, outros, mais próximos; uns estão à direita, outros,
à esquerda. Nesse espaço assimétrico, as diferentes disposi
ções espaciais dos objetos têm, freqüentemente, importância
decisiva. Um exemplo disto podemos ver nas situações em
que temos necessidade de nos orientar na disposição dos cô
modos, de manter o plano de um caminho, etc.
Nas condições em que podemos nos apoiar em sinais vi
suais complementares (distribuição das coisas nos corredores,
formas variadas dos edifícios nas ruas), essa orientação no
espaço é facilmente realizada. Quando esse ponto comple
mentar de apoio visual é obliterado (isto ocorre, por exem
plo, em corredores absolutamente idênticos, nas estações do
metrô em que há duas saídas opostas absolutamente idênticas
pela forma), essa orientação se torna acentuadamente difícil.
Cada um sabe perfeitamente como a orientação se perde fa
cilmente da disposição espacial na pessoa que adormece no
escuro absoluto.
A orientação nesse espaço assimétrico é tão complexa, que
apenas os mecanismos acima descritos não são suficientes. Pa
ra assegurá-la, tornam-se necessários mecanismos suplementa
res, antes de tudo a distinção da mão direita "principal” com
cujo apoio o homem faz uma análise complexa do espaço
anterior e do sistema de representações espaciais abstrataт
(direita-esquerda) que, como mostraram observações psicoló
gicas, é de origem histórico-social.
É absolutamente natural que, em determinada etapa da
ontogênese, quando a mão direita ainda não se separou e o
sistema de conceitos espaciais não foi assimilado, os aspectos
simétricos do espaço tenham sido confundidos durante muito
tempo. Esses fenômenos, característicos dos estágios iniciais
de todo desenvolvimento normal, manifestam-se na chamada
“escrita especular”, e começa em muitas crianças entre os três
e os quatro anos e se estendem caso a mão principal (a di-
deita) não se destaque por algum motivo.
O complexo conjunto de dispositivos que servem de base
à percepção do espaço requer, naturalmente, idêntica organi
zação complexa dos órgãos que efetuam a regulamentação
central da percepção espacial. Esse órgão centrai é constituí
do pelas zonas terciárias do córtex cerebral ou zonas de co
bertura, que unificam o funcionamento dos analisadores vi
sual, tátil-sinestésico e vestibular. É justamente por isto que
,a afecção das áreas subparietais do córtex cerebral, que não
afeta a percepção normal das formas dos objetos e de sua
profundidade (distância) leva, via de regra, a um distúrbio
profundo das formas superiores de organização da percepção
espacial.
Os doentes com afecção das áreas subparietais do cére
bro não experimentam grandes dificuldades na percepção vi
sual das figuras e objetos; eles continuam a distinguir a dis
tância e não manifestam dificuldade de avaliação da perspec
tiva. Mas eles mostram nítidas dificuldades de orientar-se no
espaço, não conseguem distinguir os lados direito e esquerdo
dos objetos, confundem-se para encontrar o caminho correto e
andam para a direita quando precisam andar para a esquerda;
cometem erros na avaliação da posição dos ponteiros dos re
lógios, não distinguindo os números simetricamente distribuí
dos (por exemplo, confundem os ponteiros nas posições de
"três horas” e “nove horas'’)*, perdem a capacidade de orien
tar-se no mapa geográfico e de avaliar os algarismos roma
nos simetricamente dispostos (por exemplo, XI e rx) ; per
dem a capacidade de orientar-se corretamente no "espaço sim
bólico” necessário para operações com a estrutura da classe
do número e com o cálculo. Como veremos adiante, eles ex
perimentam visíveis dificuldades em operações lógico-grama-
ticais e necessitam de orientação num espaço complexo (assi
métrico) .
Deste modo, o estudo da maneira pela qual mudam as
formas complexas de orientação no espaço nos doentes com
afecção das áreas subparietais do cérebro não apenas permi
te penetrar mais a fundo nas bases dessa forma de percep
ção como permite ainda estabelecer quais as formas de pro
cessos psíquicos conscientes que ocorrem com a sua parti
cipação.
Os distúrbios do esquema do corpo são formas espe
ciais de distúrbio da percepção espacial. Eles surgem com a
irritação patológica das áreas proprioceptivas do córtex sub-
pariental e se manifestam numa mudança sui generis das sen
sações do próprio corpo: doentes com semelhante afecção
podem ter a sensação de que um lado do seu corpo tomou-
se estranhamente maior, e a cabeça “inchou” , tomando-se
maior do que todo o corpo, etc. O distúrbio do esquema
do corpo constitui um importante sintoma de apoio para o
85
diagnóstico dos focos patológicos nas áreas subparietais do
córtex e nas respectivas formações subcorticais.
Percepção auditiva
86
tons puros. Os tons da voz ou de quaisquer instrumen
tos se distinguem pelo fato de que as oscilações têm aqui
um caráter complexo e as partes componentes destas es
tão em relações divisíveis entre si e neste caso a altu
ra do tom é determinada pela freqüência das oscilações de
amplitude máxima e o número total de oscilações incluídas
(harmonia) determina o timbre de determinado tom. A al
tura do tom é expressa em hertz (número de oscilações por
segundo) e sua força em decibéis (um decibel=l/10bel; en
tende-se por “bel” o aumento da pressão mínima da onda
de 10 vezes; sendo o bel não uma unidade demasiadamente
grande, usam-se na prática os decibéis).
Como já foi dito, o homem é capaz de distinguir sons
num diapasão de 20 a 20 000 Hertz, enquanto o diapasão das
intensidades dos sons percebidos pelo homem constitui uma
escala de 1 (sons liminares) a 130 decibéis.
O aparelho periférico do ouvido é formado por um com
plexo conjunto de dispositivo. Os tons que atuam sobre o
homem e os ruídos passam pela entrada do ouvido e che
gam ao tímpano, uma película elástica dotada da capacida
de de oscilar-se em ritmo com o som. Através do sistema
de ossículos situados no ouvido médio (bigorna, martelo, es
tribo), essas oscilações são transmitidas através da janela oval
ao aparelho do ouvido interno, onde está situado o apare
lho da recepção auditiva — a cóclea, cheia de líquido (en-
dolinfa). As oscilações, transmitidas pelo referido aparelho
do ouvido médio, põem em movimento o líquido da cóclea
e provocam oscilações correspondentes nesse sistema fecha
do. Na membrana básica da cóclea, está situado um disposi
tivo especial que transforma as oscilações do líquido em ex
citações nervosas — o órgão de ICortiv —, dispositivo extra
ordinário dotado da propriedade de transformar oscilações
sucessivas em excitação de células nervosas isoladas espacial
mente distribuídas. Essa “codificação” se conclui pelo fato
de que o órgão de Kortiv é constituído de um sistema de
células capilares nervosas, cada uma das quais ligada a um
filamento transversal de determinado comprimento incluído no
canal da cóclea. São esses filamentos que fazem repercutir
as oscilações do líquido de freqüência diferente e, como na
cóclea há até 24 mil desses filamentos, surge a possibilida
de de perceber os tons no diapasão de freqüência acima
indicado.
Deste modo, cada som que chega ao aparelho do recep
tor auditivo provoca oscilação de uma ou várias séries de
cordas e essas oscilações excitam as células capilares corres
pondentes e provocam excitações dos nervos. Neste caso, os
sons altos provocam oscilações das cordas mais curtas e os
sons baixos, das cordas mais longas; as excitações nervosas
daí resultantes são conduzidas através dos respectivos fila
mentos do nervo auditivo.
A “ teoria da ressonância do ouvido”, proposta em seu
tempo pelo notável fisiologista alemão Helmholtz, é adotada
pela maioria dos pesquisadores; só ultimamente ela recebeu
correções do famoso fisiologista do ouvido Bekeshy, que in
dicou que a membrana fundamental da cóclea não é alonga
da e as cordas a ela fixas reagem às oscilações do líquido
segundo leis hidrodinámicas.
O fato de o processo fundamental que ocorre no corte
periférico do receptor auditivo ser realmente a transforma
ção das oscilações mecânicas em complexos fenômenos ner
vosos (elétricos) é demonstrado pelo chamado efeito tele
fônico (ou microfónico), descrito pelos fisiologistas ameri
canos Wyver e Brain. Se desviarmos as correntes da ação do
nervo auditivo de um gato e, após aumentá-las, desviá-las
para um microfone situado numa sala contígua, pronuncian
do em seguida uma palavra no ouvido do gato, poderemos
ouvir essa palavra pelo microfone. Esse teste mostra que o
receptor auditivo funciona pelo princípio do microfone, que
traduz as oscilações mecânicas do som em oscilações elé
tricas. Os filamentos do nervo sonoro, que partem do órgão
de Kortiv, fazem parte da “via auditiva”. Neste caso, os fi
lamentos que partem de ambos os nervos auditivos, ao pro
duzir o ramo que segue para o corpo quadrigêmeo inferior,
seguem na composição do “nó interior” no sentido dos apa
relhos centrais dos dois hemisférios. Eles cessam no corpo
caloso interno (aparelho subcortical do ouvido), de onde se
dirigem para a circunvolução transversal da área temporal (cir-
cunvolução de Geshel), que é a zona auditiva primária (ou
de projeção) do córtex. Como ocorre em outras zonas de
projeçüo, os filamentos que conduzem impulsos de diferentes
freqüências dispõem-se nessa zona de projeção em ordem
rigorosa: nas áreas internas (mediáis) da circunvolução de
Geshel terminam os filamentos que conduzem os impulsos dos
tons altos e nas áreas laterais da circunvolução de Geshel
88
terminam os filamentos que conduzem os impulsos dos tons
baixos. . . . • ...
Via de regra, a afecção da circunvolução de Geshel de
um hemisfério leva apenas à redução parcial da audição no
ouvido oposto (como já foi lembrado, os filamentos oriun
dos dos dois receptores periféricos da audição chegam tan
to ao hemisfério direito como ao esquerdo).
É essencial o fato descoberto pelo psicólogo soviético
Guershuni, segundo o qual a afecção do córtex da área tem
poral, sem se refletir nitidamente nos limiares da percepção
dos tons longos, leva a uma nítida elevação dos limiares (ou
a redução da sensibilidade), sons ultracurtos (de 1 a 5m.seg.),
que se manifestam no ouvido oposto. Esse fato leva a pen
sar que o papel do córtex auditivo não consiste apenas em
perceber os sinais sonoros que chegam ao receptor periférico
mas também em estabilizá-los, permitindo ao homem levar
em conta componentes mais fracionados e mais curtos desses
sinais, . ...
As excitações que chegam à circunvolução de Geshel são
sucessivamente transmitidas aos aparelhos das áreas externas
(conveccionais) do córtex temporal (campo 22 de Broadman)
que constituem a zona auditiva secundária. O predomínio dos
neurônicos da II e III camada, que distinguem essa zona, bem
como as suas íntimas ligações com outras áreas (motoras) do
córtex convertem a zona auditiva secundária no aparelho mais
importante, que permite discriminar os elementos essenciais
da informação auditiva, sintetizar os indícios desta e codificar
os sons em sistemas complexos, noutros termos, permitem
realizar processos de uma complexa percepção sonora.
90
cesso de codificação do sistema sonoro tem caráter desdo
brado, na medida em que vai sendo exercitado esse processo
se reduz, formando-se no homem unidades maiores de audi
ção musical e tomando-se capaz de distinguir e conservar
vastos sistemas integrais de melodias musicais.
O sistema da linguagem sonora é o segundo sistema
que determina o processo de percepção sonora e assegura a
codificação dos seus elementos isolados e sua conversão era
formas complexas de percepção sonora.
A linguagem humana dispõe de todo um sistema de có
digos sonoros, à base dos quais se constroem os seus ele
mentos significantes: as palavras. Para distinguir os sons do
discurso ou fonemas não basta possuir um ouvido agudo;
para percebê-los é necessário efetuar um complexo trabalho
de discriminação dos indícios essenciais do som do discurso
e de abstTação dos traços estranhos, secundários para tal
distinção.
Cada etapa historicamente formada possui um comple
xo código de traços essenciais, que permitem distinguir o
sentido de uma palavra pronunciada; na língua portuguesa
esses traços são, por exemplo, as marcas de sonoridade ou
surdez das consoantes (sons muito semelhantes que se dis
tinguem por apenas um desses traços como, por exemplo,
“b” e “p”, “d” e “t” que permitem mudar o significado da
palavra. Podemos tomar como exemplo a distinção entre pa
lavras como “braça” e “praça”, “bala” e “pala”, “dote” e
“pote”. Esses traços sonoros, de significado semântico dis
tintivo, são denominados traços fonemáticos; aqui a essência
da captação auditiva do discurso consiste em distinguir esses
traços na cadeia falada, torná-los dominantes, abstraindo si
multaneamente o timbre com o qual são pronunciadas as pa
lavras e a altura do tom que distingue a voz de quem as
pronuncia.
A assimilação do sistema fonemático objetivo (variado
em língua diferente) constitui a condição que organiza o ou
vido do homem e assegura a percepção do discurso sonoro.
Sem o domínio desse sistema fonemático, a audição fica de
sorganizada e a pessoa que não domina o sistema fonético
de uma outra língua não só “não o entende” como não dis
tingue os traços fonéticos essenciais para essa língua, noutros
termos, “não escuta” os sons que o compõem.
Examinaremos mais detalhadamente os códigos fonemá-
tícos da língua quando analisarmos a psicologia da fala; aqui
nos limitaremos a breves comentários.
A codificação dos sons para sistemas correspondentes de
audição musical ou discursiva não é um processo passivo.
Como o sistema de percepção tátil ou visual do objeto,
a complexa percepção auditiva constitui um processo ativo,
que engloba componentes motores. A diferença entre a per
cepção auditiva e a tátil e visual consiste apenas em que se
na percepção tátil e visual os componentes motores estão
incluídos no mesmo sistema de analisadores (os movimen
tos de npalpação da mão, oa movimentos de busca dos
olhos), na percepção auditiva eles estão separados do siste
ma auditivo с reunidos distintivamente num sistema especial
de canto vocal para .audição musical e de pronunciação para
audição do discurso.
O trabalho dos psicólogos soviéticos (A. N. Leôntyev,
О. V. Ovtchinnikova), bem como a experiência de músicos-
pedagogos que ensinam a língua estrangeira mostra que 6
justamente a produção dos tons necessários que constitui a
condição que permite distinguir e precisar a altura necessá
ria do tom, sendo a produção dos sons do discurso a condi
ção importante que permite precisar-lhe a composição sono
ra, abstraindo em cada caso os componentes sonoros es
tranhos.
Uma boa prova disto são os testes de Leôntyev; aqui
nestes propóe-se ao sujeito avaliar a altura dos tons a ele
apresentados num timbre suplementar dos sons “i” e “u ”.
O teste mostrou que tons de altura idêntica, apresentados
com essas diferenças de timbre são semnre percebidos como
diferentes pela altura; o tom apresentado no timbre “i” foi
avaliado como o mais alto, o tom apresentado no timbre
“u”, como mais baixo.
Foi necessário incluir no processo de análise da altura
do tom o próprio canto do suieito para que este fosse caoaz
de abstrair os traços secundários dos timbres e sua sensibi
lidade à altura do tom aumentasse bruscamente.
É característico que tais fenômenos da redução da audi
ção altamente sonora sobre o efeito do timbre tenham sido
observados em pessoas que falavam línguas “tímbricas” (rus
so, inglês, francês), não se observando em pessoas que fa
lam línguas “tonais” (o vietnamita), nas quais não é o tim-
92
bre mas a altura do tom que constituí o traço semântico
distintivo.
Deste modo, a observação aqui descrita mostra a gran
de importñncia que tem para a sutileza do ouvido a sua
inclusão no sistema da língua e o papel que o componente
motor “solfejo” do tom desempenha na abstração desses in
dícios estranhos.
Papel análogo é desempenhado pelo componente motor
na precisão do ouvido fonemático, com a única diferença
de que o solfejo é aqui substituído pela pronúncb dos sons
do discurso. As pessoas que lecionam língua estrangeira sa
bem perfeitamente que é o pronunciamento ativo que per
mite distinguir os traços fonemâticos necessários, dominar o
sistema fonemático objetivo da língua e deste modo precisar
essencialmente a audição fonemática do discurso.
94
A neurologia ainda sabe pouca coisa a respeito dos apa
relhos cerebrais que asseguram audição musical normal. Al
guns dados sugerem que na organização cerebral da audição
musical participa a área temporal direita (subdominante) e
possivelmente as áreas anteriores da região temporal.
Cabe observar que a afecçâo auditiva tenra de qualquer
origem pode criar dificuldades essenciais para o desenvolvi
mento intelectual da criança. As crianças que em idade tenra
tiveram reduzida a audição, começam a experimentar visí
veis dificuldades de percepção do discurso que lhes é dirigido
e como resultado a comunicação verbal dessas crianças é di
ficultada e perturba-se a formação do seu próprio discurso
e, simultaneamente, o desenvolvimento intelectual geral. É
por isto que as crianças duras de ouvido e com atraso se
cundário do discurso são freqüentemente confundidas com
crianças mentalmente retardadas. O diagnóstico diferencial
do atraso secundário das crianças duras de ouvido com
atraso mental primário representa dificuldades consideráveis
e requer procedimentos especiais.
Com a afecção das áreas têmporo-parietais do córtex,
podem surgir formas especiais de distúrbio da audição. Nes
tes casos, os sons procedentes dos dois receptores periféri
cos começam a chegar irregularmente ao córtex, resultando
daí a perturbação do “efeito binário”, que permite localizar
nitidamente os sons no espaço.
Os sintomas que acabamos de descrever são sintomas de
queda ou redução da junção desse ou daquele elo do anali-
sador auditivo. No entanto, não são menos importantes os
sintomas de irritação desses aparelhos.
Esses sintomas, que acompanham a irritação tanto da
parte condutora como da parte central como da via auditiva,
manifestam-se nos fenômenos das alucinações auditivas: sur
gimento de sensações de tons, ruídos, sons de música ou
fala na ausência de causas reais. Esses fenômenos podem ser
provocados por via experimental. Como mostraram observa
ções de neurologistas (Forfoerster, Penfield), a irritação das
áreas primárias (projetoras) do córtex auditivo pode provocar
a sensação de ruídos ou tons, enquanto a irritação das áreas
secundárias do córtex auditivo leva a pessoa afetada a ouvir
música, falas, etc. Semelhantes ocorrências podem ser pro-
95
штт тмттежжшштт*
Percepção do iempo
96
mais longos, o ritmo de mudança do sono e da vigília, o sur
gimento de fome, etc.
Todas as condições aqui enumeradas servem de base às
avaliações mais simples e imediatas do tempo.
Elas podem surgir nos animais no processo de elabora
ção dos “reflexos do tempo” ou dos “reflexos retardatários”
e podem ser modificadas pela ação de agentes farmacológicos
que exercem influência sobre o sistema nervoso vegetativo.
Os efeitos desses agentes podem ser verificados também no
homem. Já foi mostrado que uns preparados (a anfetamina
e o óxido nitroso, por exemplo) abreviam essencialmente a
avaliação de pequenos cortes do tempo, ao passo que outros
preparados (o l s d , por exemplo) alongam a avaliação de
pequenos intervalos de tempo.
Das formas imediatas elementares de sensação do tem
po devemos distinguir as formas complexas de percepção do
tempo, que se baseiam nos “padrões” de avaliação do tempo
criados pelo homem. Entre esses padrões de mediação da
avaliação do tempo, situam-se medidas de tempo como os
segundos e os minutos, bem como vários padrões que se
formam na prática da percepção da música. É justamente
em virtude disto que a precisão dessa percepção mediata do
tempo pode aumentar visivelmente, pois, como mostraram as
observações (В. M. Teplov) feitas com músicos, pára-que
distas e pilotos, ela pode aguçar-se visivelmente no processo
de exercidos em que o homem começa a cotejar lapsos de
tempo que mal se percebem. Segundo alguns dados, por esse
caminho pode-se levar a precisão da percepção de pequenos
lapsos de tempo a um nível impressionante, como, por exem
plo, fazendo as pessoas adquirirem a capacidade de distin
guir intervalos de 1/18 segundos de intervalos de 1/20 se
gundos (S. G. Hellerstein).
Da avaliação de intervalos breves devemos distinguir a
avaliação de intervalos longos (as horas do dia, os dias e
meses do ano, etc.), noutros termos, devemos distinguir a
orientação nos cortes longos do tempo. Esta forma de ava
liação do tempo é sobretudo complexa pela estrutura, asse
melhando-se aos fenômenos da codificação intelectual do
íempo.
É interessante que a perturbação da avaliação do tempo
em forma de falhas grosseiras na avaliação das horas do dia
a as perturbações da noção do tempo no ano, datas, etc.,
97
podem surgir durante as afecções de algumas áreas do cére
bro (por exemplo, durante as afecções das zonas profundas
do lobo temporal e das formações subcorticais, relacionadas
com a regulação dos processos vegetativos) e servir de sin
tomas de apoio para o diagnóstico dessas afecções.
Formas especiais de perturbação da percepção do tempo
podem surgir também nos estados psicóticos, nos quais, se
gundo alguns autores, elas se constituem num índice da per
turbação das funções vitais profundas.
98
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