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CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR

REPRESENTAÇÃO Nº 01/2021

REPRESENTAÇÃO PARA INSTAURAÇÃO


DE PROCESSO ÉTICO-DISCIPLINAR
PARA APURAR QUEBRA DE DECORO
PARLAMENTAR PELO SENHOR VEREA-
DOR DR. JAIRINHO.

O CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA


CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, com fulcro no art. 55, II, da
Constituição da República, no art. 49, II, da Lei Orgânica do Município do Rio de
Janeiro e no art. 9º da Resolução nº 1.133, de 3 de abril de 2009, vem, perante a Mesa
Diretora desta Casa, propor a presente

REPRESENTAÇÃO

para instauração de processo ético-disciplinar que visa apurar conduta incompatível


com o decoro parlamentar perpetrada pelo Sr. Vereador JAIRO JOSE SANTOS
JUNIOR - Dr. Jairinho, passível de punição com perda de mandato, pelos fatos e
fundamentos a seguir expostos.

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I – DA LEGITIMIDADE DO CONSELHO DE ÉTICA
PARA OFERECER REPRESENTAÇÃO

Inicialmente, cumpre esclarecer que a presente representação atende aos


requisitos formais previstos no art. 11, I, da Resolução nº 1.133/20091. Nos termos do
Parecer nº 01/11- SAFF, exarado pela Procuradoria-Geral desta Casa nos autos do
processo CMRJ nº 01858/2011 (doc. 01), o Conselho de Ética e Decoro,
colegiada de seus membros, detém legitimidade ativa para iniciar processo disciplinar
para apuração de fatos atribuídos a parlamentares, que impliquem perda do mandato por
quebra de decoro parlamentar.

Ademais, conforme se demonstrará adiante, a representação versa sobre


fatos determinados com temporalidade atual e baseia-se em extenso conjunto
probatório, que aponta no sentido da prática, no caso, de atos atentatórios ao decoro
parlamentar pelo Representado.

II - SÍNTESE DOS FATOS

Na madrugada do dia 8 de março de 2021, Henry Borel Medeiros, de 4


anos de idade, foi levado por sua mãe, Monique Medeiros, e por seu padrasto, o ora
Representado, a um hospital na zona oeste da cidade. Após o atendimento na emergên-
cia pediátrica da unidade de saúde, o menor teve sua morte atestada pela equipe médica
presente no local.

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“Art. 11. São requisitos formais da representação:

I - subscrição de dois quintos dos membros da Câmara Municipal, mais o autor, exceto quando a iniciativa for do
Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ou da Mesa Diretora nos casos em que a pena prevista seja a de advertên-
cia;
II – fazer menção através de prova, a fato determinado com temporalidade atual, sendo vedada à representação
apresentada que tenha como fato determinado ação pretérita do representado, exceto as praticadas durante o man-
dato em exercício.”

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De acordo com o laudo de exame de necropsia, a criança apresentava
múltiplos hematomas no abdômen e nos membros superiores, infiltração hemorrágica
na região frontal do crânio, na região parietal direita e occipital, ou seja, na parte da
frente, lateral e posterior da cabeça, edemas no encéfalo, grande quantidade de sangue
no abdômen, contusão no rim à direita, trauma com contusão pulmonar, laceração
hepática e hemorragia retroperitoneal. Ainda segundo o documento, a causa mortis do
menor seria “hemorragia interna e laceração hepática provocada por ação contunden-
te”.

Diante de fortes evidências de morte não acidental, o Delegado Titular da


16ª Delegacia de Polícia, na Barra da Tijuca, determinou a instauração de inquérito
policial (IP nº 02930/2021) para elucidar as circunstâncias que ensejaram a morte da
criança. As nebulosas hipóteses para o ocorrido, bem como os indícios de morte
violenta apontados no laudo da necropsia, causaram grande repercussão na imprensa e
comoção na sociedade, e já levantavam suspeitas sobre o Senhor Vereador, Dr. Jairinho,
como, no mínimo, coautor do crime de homicídio.

Em 7 de abril de 2021, o Representado e sua companheira Monique


Medeiros tiveram prisão temporária decretada em decisão proferida pelo MM. Juízo da
2ª Vara Criminal da Comarca da Capital (doc. 02). A prisão fundamentou-se no já men-
cionado laudo de necropsia, em material apreendido no bojo da investigação – que
apontou contradições entre os depoimentos prestados pelas testemunhas inicialmente
ouvidas e as conversas de whatsapp recuperadas –, além de fortes evidências de que as
investigações vinham sendo obstruídas pelos investigados e por seu patrono. A juíza
Elizabeth Machado Louro destacou que o Vereador Dr. Jairinho, sua companheira e sua
defesa estariam utilizando artifícios escusos, coação de testemunhas e até tentativa de
tráfico de influência para impedir que provas fossem produzidas contra o casal no âmbi-
to da investigação.

Após a decretação da prisão, a defesa do Representado impetrou Habeas


Corpus em seu favor, e em favor de Monique Medeiros, autuado sob o nº 0025381-
3
73.2021.8.19.0000 (doc. 03). O Relator, Desembargador Joaquim Domingos de
Almeida Neto, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, negou o pedido de liminar ao considerar que: " zo per-

a do fumus boni iuris e do periculum in mora, elementos autorizadores


par ncia, mormente considerando a gravidade do crime
imputado
za do caso”.

Diante da gravidade e verossimilhança dos fatos imputados ao


Representado, então Vereador em exercício, algumas medidas foram prontamente
adotadas por esta Casa Legislativa. O Representado teve sua a remuneração suspensa
pelo Ato da Mesa Diretora nº 01/2021, nos termos do art. 14, §§ 3º e 4º, do Regimento
Interno. Na mesma data, o Conselho de Ética deliberou, por unanimidade, pelo seu
afastamento cautelar imediato, e requereu ao Juízo do caso cópia do inteiro teor dos
autos do inquérito policial.

Nesse contexto, após tomar conhecimento do teor das investigações e do


conjunto probatório reunido no inquérito policial – que indicam a presença de
elementos suficientes de autoria e materialidade da prática, em tese, de monstruoso
crime pelo Representado, não restou outro caminho ao Conselho de Ética desta Casa
senão apresentar representação e requerer a instauração do respectivo processo ético-
disciplinar contra o Senhor Vereador Dr. Jairinho, por conduta atentatória ao decoro
parlamentar.

III - FATOS ATUAIS E DETERMINADOS


COM AMPLO LASTRO PROBATÓRIO

Não bastassem a ampla cobertura do caso realizada pela imprensa e a


decisão judicial que decretou a prisão temporária, o que, por si só, revelam a presença
de fatos atuais, determinados e graves envolvendo o Representado, o Inquérito Policial
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nº 02930/2021, cujas cópias foram remetidas a esta Casa Legislativa, denotam a
participação do Sr. Jairo Jose Santos Junior (o Representado, Vereador Dr. Jairinho) na
morte do menor Henry Borel Medeiros.

Do caderno investigatório, é possível extrair que Henry já chegou morto


ao hospital na madrugada do dia 8 de março de 2021. Nesse sentido é o Termo de De-
claração firmado por Maria Cristina de Souza Azevedo, primeira médica a ter contato
com o menor, e corroborado pelos demais médicos presentes no local, que também fo-
ram ouvidos no bojo do inquérito. Veja-se:

“perguntada sobre o estado de HENRY


quando deu entrada no hospital,
respondeu que estava em Parada Cardio
Respiratória, (...) que Parada Cardio
Respiratória significa morte; que em
alguns casos se consegue reverter este
quadro a partir de manobras de
ressuscitação, porém, no caso de
HENRY, este não apresentou resposta a
qualquer a qualquer das manobras, ou
seja, por nenhum momento foi
detectado batimento cardíaco ou
respiração. Que (...) diante do exposto
(...), se pode concluir que Henry já
chegou morto ao hospital, a declarante
respondeu que sim, que Henry estava
tecnicamente morto.”

As declarações dos médicos foram corroboradas por perícia acostada ao


inquérito policial.

Nos depoimentos prestados em 13 de março de 2021, o Representado e a


sua companheira alegam ter encontrado Henry já caído ao lado da cama em que dormia,
mantendo, assim, a versão de que um acidente teria ocorrido, o que se revela infactível
frente as provas colhidas no curso das investigações.

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No mesmo sentido, concluiu o laudo pericial complementar de necropsia
que “foram descartadas as hipóteses de acidente doméstico ou morte por lesões
causadas durante manobra de ressuscitaçã ”. O mesmo laudo indicou a presença "de
lesões na região nasal e infra orbital esquerda (...) compatíveis com escoriações
causadas por unha". A perícia indicou, ainda, que as várias lesões encontradas no corpo
de Henry não poderiam ter sido causadas em um único trauma ou acidente, como
sustentam o Representado e sua companheira.

Já a perícia realizada nos celulares apreendidos durante o curso do


inquérito – que encontrou “capturas de tela” de mensagens trocadas entre a Sra.
Monique Medeiros, companheira do Representado, e Thayná de Oliveira Ferreira, babá
do menor, sugere que o Representado já havia praticado atos de violência contra Henry.
O conteúdo das mensagens é claro e descreve, em tempo real, momentos de agressão
promovida pelo Representado no dia 12 de fevereiro de 2021:

“16:30 – THAYNA: Aí logo depois Jairinho chamou ele para ver


que comprou algo
16:30 – MONIQUE: Aí meu Deus
16:30 – THAYNA: Aí ele foi para o quarto
16:30 – MONIQUE: Estou apavorada
16:30 – THAYNA: De início gritou tia
16:30 – THAYNA: Depois tá quieto
16:30 – THAYNA: Aí eu respondi oi
16:30 – THAYNA: Aí ele nada
16:30 – MONIQUE: Vai lá mesmo assim
16:30 – THAYNA: Tá
(...)
16:31 – THAYNA: Então eu chamo e nenhum dos dois falam nada
16:31 – MONIQUE: Bate na porta
16:32 – THAYNA: Não respondem
(...)
16:32 – THAYNA: Abriu a porta do quarto
16:32 – MONIQUE: E aí?
16:32 – MONIQUE: Aí meu pai amado
(foto parcial, enviada por THAYNA, aparentemente com Henry no
colo)
16:35 – MONIQUE: Deu ruim?
16:35 – MONIQUE: Sabia

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16:35 – MONIQUE: Pergunta tudo
16:35 – MONIQUE: Pergunta o que o tio falou
16:35 – THAYNA: Então agora não quer ficar na sala sozinho
16:35 – THAYNA: Só quer ficar na cozinha
16:36 – THAYNA: Jairinho falou thayna deixa a mãe dele fazer as
coisas
(...)
16:37 – THAYNA: Ele quer que eu fique sentada ao lado dele só
16:37 – MONIQUE: Coitado do meu filho
16:37 – THAYNA: Jairinho tá arrumando a mala
16:37 – MONIQUE: Se eu soubesse nem tinha saído
16:38 – MONIQUE: Pergunta o que o tio falou
16:38 – MONIQUE: Fala assim: tio Jairinho é tão legal, o que ele
falou com vc?
16:38 – THAYNA: Jairinho tá aqui perto
16:38 – THAYNA: Depois pergunto
16:38 – MONIQUE: Ok
(...)
16:46 – MONIQUE: Da um banho nele
16:46 – MONIQUE: Pra ver se ele relaxa
16:46 – THAYNA: Ele não quer entrar ali no corredor
16:47 – MONIQUE: Pqp
16:47 – MONIQUE: Que merda do caralho
16:47 – THAYNA: imagem* (fotografia de THAYNA, com
HENRY no colo, aparentemente em um sofá)
16:47 – MONIQUE: Coitado
16:47 – THAYNA: Quer ficar assim no meu colo
16:47 – MONIQUE: (emoji)
16:47 – THAYNA: Tá reclamando que o joelho está doendo
(...)
16:50 – MONIQUE: Ele foi pro nosso quarto ou o do Henry?
16:50 – THAYNA: Para o seu quarto
16:51 – MONIQUE: Eu vou colocar microcâmera
16:51 – THAYNA: E sempre no seu quarto
(...)
17:02 – MONIQUE: Alguma coisa estranha mesmo
17:02 – MONIQUE: Jairinho me ligou
17:02 – MONIQUE: Dizendo que chegou agora em casa
17:02 – THAYNA: Po
17:02 – THAYNA: Já chegou um tempão
17:03 – MONIQUE: Estranho demais
(...)
17:16 – THAYNA: Tá eu e Henry em casa só
17:19 – MONIQUE: Veja se ele fala alguma coisa
17:22 – THAYNA: Estou tirando dele
17:22 – MONIQUE: Ok
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17:22 – THAYNA: Pera aí
17:25 – THAYNA: Então me contou que deu uma banda e
chutou ele que toda vez faz isso
17:25 – THAYNA: Que fala que não pode contar
17:25 – THAYNA: Que ele perturba a mãe dele
17:26 – THAYNA: Que tem que obedecer ele
17:26 – THAYNA: Se não vai pegar ele
17:28 – THAYNA: Combinei com ele agora
17:29 – THAYNA: Toda vez que Jairinho chegar e você não tiver
eu vou chamar ele pra brinquedoteca e ele vai aceitar ir
17:29 – THAYNA: Porque estou aqui pra proteger ele
17:29 – THAYNA: Aí eu disse se você confia na tia me da um
abração aí ele me deu
17:30 – THAYNA: imagem* (fotografia de mãos dadas
entrelaçadas, aparentemente de THAYNA e HENRY)
17:30 – THAYNA: Tá assim comigo
17:33 – MONIQUE: Como assim? (se referindo ao trecho “S não
vai pegar ele”)
17:33 – THAYNA: Ele não falou mais
17:49 – THAYNA: imagem* (vídeo focando nas pernas de
HENRY, que está vestindo cueca e calçando chinelo)
17:49 – THAYNA: Tá mancando
17:50 – THAYNA: Mas tô cuidando dele
(...)
17:51 – MONIQUE: A porta do quarto estava aberta ou fechada
qdo Henry entrou no quarto?
17:57 – THAYNA: Quando Henry entrou estava aberta
17:57 – THAYNA: Depois ele fechou
17:57 – THAYNA: E daí ficou até aquela hora com a porta fechada
17:58 – THAYNA: Henry tá reclamando da cabeça
17:58 – THAYNA: Pediu tia não lava não
17:58 – THAYNA: Tá doendo
17:58 – MONIQUE: Meu Deus
17:58 – MONIQUE: Como assim?
17:58 – MONIQUE: Pergunta tudo Thayná
17:58 – MONIQUE: Será que ele bateu a cabeça?
18:03 – THAYNA: imagem* (fotografia do joelho esquerdo de
HENRY, aparentemente com uma equimose)
18:03 – THAYNA: Ele disse que foi quando caiu que a cabeça
ficou doendo” (grifos nossos)

No Termo de Declaração firmado no dia 13 de abril de 2021, a Sra. Thay-


ná confirmou a veracidade das mensagens de celular, e declarou que havia mentido em
testemunho anterior a pedido da companheira e do patrono do Representado. Afirmou,

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ainda, ter presenciado por três vezes um comportamento agressivo e violento do
Representado contra o menor. Veja-se:

“Que o primeiro evento, segundo a declarante se recorda, foi no dia


02 de fevereiro, quando MONIQUE estava no futevôlei, por volta
de 06:00H ou 07:00H; Que, como MONIQUE havia saído,
estavam apenas a declarante, JAIRINHO e HENRY no
apartamento; Que, num dado momento, HENRY, que estava em
seu próprio quarto, passou a chamar pela mãe, Que JARINHO saiu
do próprio quarto foi até o quarto de HENRY, onde a declarante
também se encontrava; Que, ao chegar no quarto JAIRINHO falou
para a declarante que HENRY era mimado e chamou HENRY para
conversar com ele, JAIRINHO, no quarto do casal; Que a
declarante permaneceu no quarto de HENRY (...); Que a porta do
quarto do casal estava fechada; Que JARINHO e HENRY ficaram
cerca de 30 minutos com a porta fechada (...); Que, passados os 30
minutos, saíram JAIRINHO e HENRY do quarto; (...) Que a
declarante foi até HENRY e perguntou o que havia acontecido,
especificamente o que JAIRINHO havia falado, ocasião em que
HENRY respondeu que havia esquecido, que estava com soninho;
Que a declarante insistiu em perguntar o que havia acontecido e
HENRY novamente respondeu: “esqueci”; (...) Que HENRY foi
para a escola depois, já que era seu primeiro dia de aula; Que
HENRY voltou cerca de duas horas depois e almoçou com a
declarante, Que, por volta de 15:00H a declarante levou HENRY
para a brinquedoteca; Que foram apenas a declarante e HENRY;
Que, na brinquedoteca a declarante notou que ele não quis brincar
com as demais crianças, razão pela qual perguntou a ele o porquê
disto; Que HENRY relatou que estava com dor no joelho (...)”

“Qu , já no dia 12 de fevereiro, a declarante foi trabalhar


normalmente; Que ele [JAIRINHO] chegou de surpresa; Que, logo
em seguida, JAIRINHO foi para o quarto do casal e chamou
HENRY, dizendo “vem aqui que vou te mostrar um negócio que
comprei”; Que HENRY, então, foi para o quarto do casal; Que,
logo em seguida, a declarante ouviu HENRY chamando “Ô TIA!”;
Que, diante do chamado, a declarante foi até o quarto, porém se
deparou com a porta fechada e a televisão em alto volume; (...) Que
a declarante bateu na porta e tentou abrir a porta, porém a porta
estava trancada; Que a declarante, então, chamou por HENRY
umas duas vezes, porém nem ele e nem JAIRINHO respondiam;
Que então, a declarante estranhou a situação e se dirigiu à cozinha
e pegou seu aparelho celular, no intuito de enviar uma mensagem à
MONIQUE avisando sobre o que estava acontecendo; Que neste

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momento, apresentada às capturas de tela (“ nt ”) referentes à
troca de mensagens de Whatsapp com MONIQUE, (...) a
declarante prontamente reconhece como sendo parte da referida
conversa, confirmando a veracidade de todo o seu conteúdo; (...)
Que, quando finalmente a porta do quarto se abriu, HENRY saiu
do quarto e foi em direção à declarante, que o pegou no colo e foi
para o sofá da sala; Que Henry ficou “amua nh ”, sem falar nada;
Que HENRY reclamou de dor no joelho e ROSANGELA
perguntou até se HENRY havia machucado o pé; Que HENRY
respondeu que era pela “ban a”, mas não explicou exatamente (...);
Que HENRY falou à declarante que JAIRINHO tinha dado uma
“ban a” nele e chutado; QUE quanto ao “t a vez faz ”, a
declarante afirma que HENRY que relatou isso para ela, ou seja,
que JAIRINHO sempre fazia isso com ele; Que HENRY também
relatou à declarante que JAIRINHO falou que “não podia nta ”,
que “ le perturba a mãe dele”, que “tinha que obeceder ele”, que
“ não ia pegar el ”; (...) Que a declarante perguntou o que havia
acontecido para a cabeça estar doendo, ao que HENRY respondeu
“TIO JAIRINHO”; Que, ao sair do banho, HENRY contou à
declarante que machucou a cabeça ao cair da “ban a” que levou de
JAIRINHO; Que ao retornarem à sala após o banho, a declarante
notou um roxo em um dos joelhos de HENRY, perguntando ao
menino “o que é ”, ao que HENRY respondeu que, ao cair após
levar a “ban a”, machucou o joelho e a cabeça (...)”

“Que, nos dias que se seguiram, a declarante não observou nada de


anormal, até que aconteceu de novo; Que (...) não se recorda exa-
tamente a data porém acredita que tenha sido na última semana de
fevereiro; Que, desta vez, JAIRINHO também chegou
excepcionalmente mais cedo do trabalho; (...) Que, assim que
chegou, JAIRINHO chamou HENRY para o quarto do casal; Que
HENRY foi e, logo depois, a declarante foi chama-lo; Que a
declarante bateu na porte e ninguém respondeu; Que, cerca de três
minutos depois, a porta abriu e a declarante viu HENRY; (...) Que
a declarante perguntou imediatamente o que havia ocorrido a
HENRY, mas ele relutou em responder num primeiro momento;
Que a declarante insistiu em perguntar, até que HENRY disse que
havia caído da cama, mas a declarante pode perceber que HENRY
estava visivelmente intimidado e, logo em seguida, falou que
estava com a cabeça doendo; (...) Que, enquanto HENRY comia
bolo, a declarante viu que HENRY estava com uma marca roxa no
braço e, novamente, perguntou o que havia acontecido; Que
HENRY disse, novamente, que havia caído da cama, sendo que a
declarante seguiu insistindo, mas HENRY começou a falar do bolo,
visivelmente saindo do assunto e não querendo falar mais nisso;
(...)”
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Como se vê, as Declarações firmadas pela Sra. Thayná, babá do menor, e
as mensagens trocadas com a companheira do Representado, Sra. Monique Medeiros,
demonstram uma sequência de episódios violentos, que não deixam dúvidas acerca da
relação conturbada e agressiva do Representado com o menor Henry.

Merece destaque, ainda, o Termo de Declaração firmado por Pablo dos


Santos Meneses, membro Conselheiro do Instituto D’Or, no âmbito do IP nº
02930/2021. Em suma, Pablo apresentou à autoridade policial mensagens enviadas pelo
Representado no dia da morte do menor Henry, nas quais o então Vereador solicitava de
forma reiterada “um favor aqui no Barra D’O ”. Após insistentes tentativas de contato
telefônico, o declarante retornou e foi informado sobre a ocorrência de uma tragédia
com o menino Henry, razão pela qual o Representado pedia a “ag l zação do ób t ”,
para que o mesmo fosse “atestado no próprio hospital, sem que fosse encaminhado ao
IML”. Nas palavras do declarante, o Representado teria dito “Ag l za o óbito e a gente
vira essa pág na”. Contudo, após tomar conhecimento dos detalhes obscuros da morte
do menor, o declarante informou ao Representado “que não havia a menor possibilidade
de o óbito ser atestado pelo hospital, em vista da situaçã ”. Não se pode negar que os
acontecimentos narrados pelo Sr. Pablo causam estranheza e evidenciam a intenção do
Representado de evitar a atuação do Instituto Médico Legal no esclarecimento dos
motivos que levaram à morte da criança.

Conforme amplamente demonstrado até aqui, os fatos e documentos


trazidos ao conhecimento deste Conselho de Ética e Decoro Parlamentar sugerem a
prática de condutas graves, atuais e determinadas envolvendo o Representado, fundadas
em amplo conjunto probatório, que apontam para a incidência do representado em
quebra de decoro parlamentar.

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IV - A PRÁTICA DE ATO ATENTATÓRIO AO DECORO PARLAMENTAR

A Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro - LOM determina, em seu


art. 49, que “Perderá o mandato o Vereador: (...) II - cujo procedimento for declarado
incompatível com o decoro parlamentar; (...)”.

A regulamentação infralegal da matéria foi instituída pela Resolução nº


1.133, de 3 de abril de 2009, que criou o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar no
âmbito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, além de disciplinar o processo de
aplicação de penalidades aos vereadores e dispor sobre os procedimentos incompatíveis
com o decoro parlamentar.

Veja-se o que determinam os art. 5º e 3º da mencionada Resolução:

“A t. 5º Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro


parlamentar, puníveis:
I – descumprir os deveres fundamentais estabelecidos no art. 3°;
(...)
IV- praticar tráfico de influência com o objetivo de encobrir deli-
tos penais praticados por terceiros;

“A t. 3° O Vereador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro


exercerá seu mandato com observância das normas constitucionais,
legais, regimentais e das contidas nesta Resolução, sujeitando-se
aos procedimentos disciplinares nela previstos e cumprindo os
deveres fundamentais previstos no art. 9° do Regimento Interno.”

Apesar de não haver no ordenamento jurídico definição rígida do conceito


de decoro parlamentar, a legislação local acima transcrita prevê condutas específicas
que configuram procedimentos incompatíveis com o decoro. Para além de tais balizas,
destacamos o Glossário de Termos Legislativos do Senado Federal, segundo o qual:
“decoro parlamentar são princípios éticos e normas de conduta que orientam o
comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato e que dispõem sobre o

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processo disciplinar respectivo".2 Portanto, a quebra de decoro parlamentar configura
um tipo aberto, que congrega todo e qualquer ato de ruptura do dever de ética e
decência que deve guiar a conduta parlamentar e cuja violação enseja a sanção política
de perda do mandato.

O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, enfrentando a questão do


decoro parlamentar, mas sob outra perspectiva (ADI 4889, Rel. Min. Carmen Lúcia),
teve oportunidade de juntar lição doutrinária que se amolda à espécie (grifamos):

8. Sobre o decoro parlamentar, José Anacleto Abduch Santos, ensina:


“(...) é o conjunto de princípios éticos e normas de conduta que devem
orientar o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato.
(...) O parlamentar deve guardar conduta compatível com a dignidade da
função pública e do mandato recebido - o que deve ser interpretado em
conformidade com os princípios constitucionais a que estão sujeitos os
agentes públicos”. (…) O parlamentar, como todo agente público, tem o
dever do decoro - dentro e fora do Parlamento! Tem o dever de, com sua
conduta, transmitir aos seus outorgantes (o povo) uma mensagem clara
de respeito aos padrões sociais contemporâneos de moralidade, ética,
honestidade e probidade. O Parlamento é instituição fundamental e
indispensável à democracia, e seus integrantes recebem a
responsabilidade de exercer com dignidade e honra a função parlamentar
e a de prestar contas quanto aos deveres outorgados junto com o
mandato recebido - o que inclui o dever de observância das leis e normas
vigentes, de retidão moral e de caráter (Decoro parlamentar. Boletim de
direito municipal: BDM, 2008, v. 24, n. 10, páginas 751-752).

Conforme se extrai dos elementos probatórios constantes no inquérito po-


licial, estão presentes sólidos indícios de materialidade e autoria a revelar a participação
do Representado em conduta passível de responsabilização criminal a cargo do Poder
Judiciário, e política, de competência exclusiva deste Poder Legislativo. Todo o
substrato probatório que embasou a prisão do ora Representado constitui elemento sufi-
ciente a ensejar o oferecimento da presente Representação por ato atentatório ao decoro
parlamentar, já que todos os cenários apontam para a autoria do Vereador Dr. Jairinho

2
BRASIL. Senado Federal. Glossário de termos legislativos.: Grupo de Trabalho Permanente de Integração da
Câmara dos Deputados com o Senado Federal, Subgrupo Glossário Legislativo, 2018. -- 1. ed. - Brasília.
Disponível aqui. p-25.

13
no covarde assassínio do pequeno Henry, o que certamente não poderá passar, e não
passará, impune por esta Casa de Leis.

Não se trata aqui de condenação sumária ou de violação à presunção de


inocência, na medida em que, após o recebimento da presente Representação pela Mesa
Diretora e o exercício do juízo de admissibilidade pela Comissão de Justiça e Redação,
este Conselho de Ética garantirá ao Representado o exercício do contraditório e o direito
de apresentar provas em sua defesa, nos termos da Resolução Plenária nº 1.133/2009.
Ademais, este Poder Legislativo possui autonomia e legitimidade para a tomada de
decisões juspolíticas que busquem tutelar bens jurídicos como a moralidade e a honra
do parlamento.

A natureza juspolítica do procedimento previsto na mencionada


Resolução e a independência entre esta instância e a instância judicial garantem a esta
Casa Legislativa a prerrogativa de atuar, desde já, na defesa do decoro parlamentar que
se espera de seus vereadores, prescindindo da confirmação jurisdicional definitiva dos
fatos imputados ao Representado.

Isto porque o cargo de vereador exige conduta estreita e ilibada por parte
daquele que o exerce. O trabalho desempenhado nesta Casa repercute de forma
inafastável no cotidiano da cidade e depende da confiança dos cidadãos em seus lídimos
representantes para a sua legitimidade. Nessa linha de raciocínio, é inequívoco que,
independente do exaurimento do processo criminal, o Vereador Jairinho perdeu
inteiramente as condições éticas e políticas para integrar esta Casa de Leis.

Assim, os concretos indícios de envolvimento do Representado – que, re-


pita-se, estão demonstrados no conjunto probatório reunido até o momento – em crime
de tal ordem – o assassinato de uma criança de apenas 4 anos de idade, que choca e
entristece todo o país, são suficientes para justificar, no caso, a abertura de processo
ético-disciplinar para apurar a quebra do decoro parlamentar, passível de punição com a
perda de mandato, nos moldes do art. 7º, IV, da Resolução nº 1.133/2009.
14
Cabe aqui lembrar a lição do então Ministro Celso de Mello ao decidir o
pedido de medida liminar no MS nº 24.458-DF:

“Qualquer ato de ofensa ao decoro parlamentar culmina


por atingir, injustamente, a própria respeitabilidade
institucional do Poder Legislativo, residindo, nesse ponto, a
legitimidade ético-jurídica do procedimento constitucional de
cassação do mandato parlamentar, em ordem a excluir, da
comunhão dos legisladores, aquele - qualquer que seja - que se
haja mostrado indigno do desempenho da magna função de
representar o Povo […].

[…] Cumpre insistir na asserção de que a prática de atos


atentatórios ao decoro parlamentar, mais do que ferir a
dignidade individual do próprio titular do mandato legislativo,
projeta-se, de maneira altamente lesiva, contra a
honorabilidade, a respeitabilidade, o prestígio e a integridade
político-institucional do Parlamento, vulnerando, de modo
extremamente grave, valores constitucionais que atribuem, ao
Poder Legislativo, a sua indisputável e eminente condição de
órgão da própria soberania nacional”.

À luz dessas razões e de todos os elementos de prova carreados no bojo do


inquérito policial, este Conselho de Ética, à unanimidade de votos dos seus membros,
oferece a presente Representação em face do Senhor Vereador Jairo Souza Santos Juni-
or, apontando-o como incurso na penalidade de perda do mandato.

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CONCLUSÃO

Por todo exposto, requerem os autores representantes:

(a) O recebimento da presente representação pela Mesa Diretora desta Casa e o seu
encaminhamento à Comissão de Justiça e Redação para a análise de sua
juridicidade, nos termos do art. 9º, da Resolução nº 1.133/2009, a fim de que, em
sequência, este Conselho de Ética e Decoro Parlamentar proceda a instauração de
processo ético-disciplinar, na forma do art. 12, da Resolução nº 1.133/2009); e

(b) Ao final, concluindo-se pela prática de ato atentatório ao decoro parlamentar, a


aplicação da penalidade de perda de mandato do Senhor Vereador, Dr. Jairinho,
nos termos do art. 49, II, da LOM, e do art. 5º c/c art. 3º, da Resolução nº
1.133/2009.

(c) Protesta pela produção de todos os meios de prova admitidos, em especial pela
produção de provas testemunhal e documental complementar.

Plenário Teotônio Villela, 26 de abril de 2021.

CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR

Vereador ALEXANDRE ISQUIERDO


Presidente

Vereadora ROSA FERNANDES


Vice-Presidente
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Vereador DR. ROGERIO AMORIM
Secretário

Vereador CHICO ALENCAR

Vereador LUIZ RAMOS FILHO

Vereadora TERESA BERGHER

Vereador ZICO

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