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ATUALIZAÇÃO

O CLOSTRIDIUM TETANI E O TÉTANO*

W alter Tavares **

I — CARACTERES MORFOLÓGICOS E formas bacilares que não formam esporos


BIOLÓGICOS DO C. TETANI gradualm ente vão perdendo sua afinidade
pelos corantes da anilina e em alguns dias
O C. tetani é um a bactéria descrita por tornam -se autolizadas.
Nicolaier em 1894, agente causador do té ­ O desenvolvimento dos esporos em cul­
tano. A bactéria é isolada de am ostras de turas sofre variações. Algumas am ostras
solo, fezes de anim ais e homem e das fe­ esporulam rapidam ente, enquanto que ou­
ridas tetanigenas. É um bacilo anaeróbio tras o fazem lentam ente. As cepas que
estrito, produtor de esporo que lhe permite formam esporos rapidam ente, em geral o
sobreviver em condições de aerobiose e pro­ fazem no 2? dia de incubação em agar
dutor de um a exotoxina que se fixa ao sis­ sangue; nas am ostras de esporulação ta r ­
tem a nervoso, provocando a sintomatologia dia, os esporos aparecem no 5? ou 6? dia.
da doença. A morfologia do esporo depende do estado
de desenvolvimento. Inicialm ente tem for­
A — MORFOLOG1A m a oval, localizado em um a das extrem i­
dade do bacilo e não retém a fucsina. Em
seguida tom a o aspecto esférico e se cora
A morfologia do C. tetani sofre varia­ intensam ente pela fucsina. O remanescente
ções em função do meio de cultura, da do citoplasma que originariam ente cercava
presença ou não de oxigênio, do tempo de o esporo desaparece, com exceção da parte
cultivo. Não é fácil o seu isolamento em distai onde permanece um a pequena por­
cultura pura, um a vez que há grande fre­ ção. O contorno do esporo é usualmente
quência de flora anaeróbia esporulada ao mais escuro que em outros bacilos esporu-
seu lado nos focos de infecção, bem como lados. O esporo só adquire a m aturidade
de outros germes anaeróbios facultativos. quando o centro não mais adquire colora­
O bacilo apresenta uma forma vegeta- ção, m ostrando que a capa externa está
tiva e outra esporulada. A form a vegetati- completam ente constituída. O esporo con­
va se apresenta como um bacilo de extre­ tém grande quantidade de ácido dipicolíni-
midades arredondadas, com largura va­ co, ausente na form a vegetatíva, tal ácido
riando de 0,3 a 0,6 li e de comprimento formando complexos com cálcio, o que dá
m uito variável, m as em geral de 2 a 5/i. resistência à capa envolvente (esporoteca).
Não raram ente, é encontrado sob a forma O esporo não se torna livre do corpo baci-
filam entosa em culturas jovens, tais for­ lar, mesmo nas culturas velhas. Em alguns
mas entrando em divisão rapidam ente. As casos em que existe separação do esporo do

** T r a b a l h o d o S e r v iç o d e D o e n ç a s I n f e c c i o s a s e P a r a s i t á r i a s d o H o s p ita l U n iv e r s itá r io A n to n io P e d ro
( F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d a U n i v e r s i d a d e F e d e r a l F l u m i n e n s e ) —• N i t e r ó i — E s t a d o d o R io d e J a ­
n e iro .
*** P ro fe s s o r A s s is te n te d a D is c ip lin a d e C lin ic a s d e D c e n ç a s I n fe c c io s a s e P a r a s itá r ia s d a F a c u ld a d e d e
M e d i c i n a d a U n iv . F e d . F l u m i n e n s e .
R e c e b id o p ara p u b lic a ç ã o em 1 .9 .7 2 .
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corpo bacilar, um fragm ento do corpo per­ biose, abaixo do ponto de penetração do
manece ligado ao esporo e a aparência é ar.
sem elhante ao do C. sphenoides. A forma A cultura em caldo simples a 379C.
típica do bacilo tetânico, com esporo term i­ m ostra turvação a p artir tío 2? dia, sendo
nal, é cham ada form a em plectrídio, daí o crescimento lento e sem formação im ­
porque autores, sobretudo da escola fra n ­ portante de gás. A cultura apresenta chei­
cesa, denominam o bacilo tetânico de Plec- ro ativo de esterco. Em placa de agar in­
triãium tetani. cubada a 37°C. sob anaerobiose, formam-se
Em algumas culturas, formas bizarras colônias acinzentadas, com limites mal de­
de bacilos são encontradas, vendo-se espo­ finidos, medindo 2 a 5 mm de diâm etro
ros predom inantem ente ovais, bacilos que em cerca de 3 dias, com superfície irregu­
permanecem em form a filam entosa, espo­ lar e granular e com projeções filam ento-
ros de localização sub-term inal ou central, sas. Algumas cepas form am colônias com
bacilos piriformes e outras aberrações. centro grosseiro, translúcido e am arelo-
Tais formas bizarras não são freqüentes e m arrom e com periferia fina, transparente
podem ser encontradas em todas as amos­ e descorada. Em placa de agar com sangue
tras do bacilo tetânico, sejam toxinogêni- de cavalo, form a-se o tipo de colônia refe­
cas ou não, embora sejam mais encontra­ rido, sfcndo notado por vezes hemólise do
das em am ostras não toxinogênicas. tipo a, mais tarde passando ao tipo ji.
O C. tetani apresenta motilidade por O cultivo em profundidade no agar
meio de 30 a 50, às vezes mais, flagelos (Shake cultures) incubado a 379C. em pre­
peritríquios. A motilidade não é facilmente sença de ar, desenvolve um a opacidade di­
demonstravel, variando com o meio de cul­ fusa abaixo da linha de penetração do ar.
tura, a idade da am ostra e a cepa analisa­ As colônias são observadas no interior do
da. Não apresenta cápsula. É um bacilo meio, arredondadas, com um a cor m arrom -
Gram positivo, m as tal afinidade pelo co­ opaca no centro. Em agar concentrado e
rante só se m anifesta nas formas jovens, com grande inóculo, algumas bolhas de
tornando-se Gram negativo nas culturas gás são formadas. O crescimento sob anae­
envelhecidas. Por vezes passam a ser Gram robiose em soro coagulado é pobre, assim
negativos em tempo muito curto de 2 a 4 como em gelatina. O soro não sofre lique-
dias. fação, mas a gelatina é liqüefeita, variando
Formas L foram descritas por Dienes, esta ação com a cepa cultivada. Quando há
cultivando o bacilo sob anaerobiose em agar liquefação da gelatina, a produção de gás
contendo penicilina em um a escavação. Re­ é dem onstrada agitando o tubo após remo­
fere o aparecim ento de colônias com bacilos ção das condições de anaerobiose. O cres­
em form a L e que a realização de sub-cul- cimento em leite não é satisfatório.
turas a p artir daí, seja em meios com ou Em meio de Tarozzi (figado picado em
sem penicilina, dá origem a colônias L . caldo simples) ou em meio contendo carne
Estas formas não reverteram à forma b a­ ou coração, o crescimento é grande, haven­
cilar e não m ostraram patogenicidade para do turvação do meio, produção de gás e às
o camundongo. Formas L surgem tam bém vezes escurecimento da carne. O meio é
em presença de glicina, havendo referência m antido sem contato com ar por meio de
que tais form as conservam sua proprieda­ um a cam ada de vaselina, o crescimento se
de toxinogênica. fazendo na profundidade. O meio do tiogli-
colato é tam bém utilizado, com bom cres­
B — ASPECTOS CULTURAIS cimento. /

O C. tetani é um germe que exige anae­ C — ASPECTOS BIOLÓGICOS


robiose p ara seu desenvolvimento, havendo
exceções a esta exigência que serão refe­ O C. tetani é um a bactéria anaeróbia
ridas posteriorm ente. Assim, a obtenção de estrita. Em sua constituição metabólica não
colônias só se dá quando placas de agar constam citocromo nem catalase. Devido à
são incubadas em anaerobiose, sendo o ausência de citocromo o H2 produzido na
meio ótimo quando o vácuo está entre 3 a àesiârogenação dos processos metabòlicos,
8 mm de Hg. No en tanto o bacilo vegeta em lugar de ser liberado sob a form a de
em caldo e meio sólido m antido em aero- H20. em presença de oxigênio, como ocor­
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re nas bactérias aeróbias, dá origem a cose tem sido relacionada com a capacida­
H\,02. A água oxigenada é um a substância de de produzir toxina. As cepas ferm enta -
letal em doses muito pequenas para as bac­ doras da glicose em geral não são toxino-
térias. Como nos clostrídios não existe ca- gênicas.
talase (que desdobra a H20 2 em H20 e Não produz nitritos em caldo contendo
0.2) ocorre o acúmulo do peróxido de hidro­ nitratos. É produtor de indol e de NH:!. Não
gênio, rapidam ente atingindo concentração produz gás sulfídrico. Liqüefaz a gelatina.
tóxica, daí sua incapacidade de sobreviver
em presença de oxigênio livre. E — RESISTÊNCIA
Embora o oxigênio livre iniba o cresci­
m ento e destrua os organismos no estado Na sua form a vegetativa o C. tetani é
não esporulado, as bactérias anaeróbias po­ rapidam ente destruído por ação do calor
dem crescer n a presença de ar, desde que e de desinfetantes. É ainda sensível à ação
um baixo potencial de oxiredução seja es­ da penicilina, tetraciclinas, eritrom icina e
tabelecido no meio, o que pode ser alcan­ cloranfenicol. É resistente à ação da es-
çado pela inclusão de substâncias reduto- treptom icina, polimixinas, kanamicina. R a­
ras. M uitas substâncias são capazes de tal ram ente têm sido isoladas cepas resistentes
efeito, tais como sulfitos, compostos fer- à ação da penicilina, sendo a m utação o
rosos reduzidos, ácidos graxos não satu ra­ provável mecanismo de aparecim ento da
dos, ácido tioglicólico, ferro metálico, etc. resistência.
A carne cozida é um exemplo de meio que Na form a esporulada o bacilo apresenta
provoca excelentes condições para cresci­ m arcada resistência à ação do calor, res-
m ento de aneróbios, mesmo quando incuba­ secam ento e desinfetantes. No solo seco o
da em aerobiose. Sua virtude consiste na esporo tetânico vive durante anos, assim
presença de ácidos graxos não saturados como é possivel seu isolamento de feridas
e radicais sulfitos. O cultivo de clostridios contam inadas após m uito tempo. Os espo­
em condições de aercbiose tem sido conse­ ros resistem à fervura por 15 a 90 minutos,
guido ainda, pela adição de cobalto ao meio sendo destruidos à tem peratura de 105? C.
de cultura e pela adição de catalase à su­ em 3 a 25 minutos. O esporo é destruido
perfície do meio. pelo fenol a 5% em 15 horas.
O C. tetani, como outros clostrídios p a ­ Existe um a relação entre a resistência
togênicos, é um germe heterotrópico, re ­ do esporo à tem peratura e a propriedade
querendo um a bateria de aminoácidos, car- toxinogênica. Nishida e Sanada demons­
boidratos e vitam inas para seu crescim en­ traram que o aquecimento de am ostras de
to. Uma pequena concentração de CO., p a ­ solo contam inadas, à tem peratura de 80<?C.
rece ser essencial p ara seu crescimento, ou 100°C. destroi as cepas produtoras de
assim como ocorre p ara as bactérias aeró­ toxinas, sobrevivendo, em maior proporção,
bias. Seu crescimento é aum entado pela as cepas não toxinogênicas.
presença de sangue ou soro, mas não pela
presença de glicose. O pH ótimo para seu II — PROPRIEDADES ANTIGÊNICA E
crescimento é de 7 a 7,4 e a tem peratura TÓXICAS DO C. TETANI
ideal de 379C. Cresce pobremente a 20<?C.
Produz fluorescência esverdeada em meio B — A TOXINA TETANICA
de MacConkey e outros meios contendo sais
biliares. Possui atividade proteolítica pe­ O C. tetani produz 3 toxinas: um a teta-
quena. Produz três toxinas que serão es­ nospasm ina neurotóxica; um a neurotoxina
tudadas em detalhes adiante. não convulsivante; e um a tetanolisina. Des­
sas 3 toxinas, aquela incrim inada na pato-
D — ATIVIDADES BIOQUÍMICAS genia do tétano hum ano é a tetanospasm i-
na. A neurotoxina não convulsivante não
O C. tetani em geral não ferm enta açú­ é suficientem ente estudada e a maioria dos
cares. Testes de ferm entação em glicose, autores não lhe faz referências. A tetano­
lactose, maltose e sacarose, não m ostram lisina tem atividade hemolítica e cardiotó-
atividade ferm entativa, embora ocasional­ xica “in vitro” e em anim ais de laboratório.
m ente possa ser observada acidificação da Hardegree e col. injetando a tetanolisina
glicose. A propriedade de ferm entar a gli­ por via venosa em camundongos e coelhos
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refere hemólise e m orte dos anim ais por bém, pela presença de germes associativos
distúrbios cardíacos. No entanto a ação no foco de infecção.
desta toxina n a patogenia do tétano h u ­ A toxina tetânica é produzida no in te­
m ano é discutida, sendo negada por grande rior da célula bacteriana, onde permanece
número de autores, um a vez que ela é fi­ por 1 ou 2 dias, sendo liberada seja por per­
xada pelos músculos próximos ao foco de m eabilidade da m em brana ou por ru tu ra
infecção, não sendo absorvida. A hemolisi- da célula. A quantidade de toxina libera­
na é termolábil e está presente mesmo em da pelo rom pim ento de células jóvens é
cepas não toxinogênicas. É possível que na m uito m enor que a liberada por bactérias
patogenia do tétano hum ano sua principal no 3? ou 4? dia de cultivo. Tal fato tem
função esteja relacionada com seu poder implicações terapêuticas, pois a penicilina
antifagocitário, assegurando, desta forma, utilizada no tratam ento do tétano, ao pro­
a persistência no local de esporos e das vocar o rom pim ento de célula bacteriana
formas vegetativas, bem como da flora as­ provoca um a súbita liberação de toxina
sociada . que pode agravar o quadro clínico. Por
A tetanospasm ina é a toxina considera­ outro lado, estudos ’in vitro” têm demons­
da pela grande m aioria dos autores como a trado que o uso de um a dose infrabacterios-
porção de im portância na patogenia do té ­ tática de penicilina tem efeito acelerador
tano. É um a proteína com peso molecular de crescimento bacteriano. Sendo assim,
67000, que apresenta alta especificidade de doses pequenas do antibiótico no trata m e n ­
ação, ligando-se somente a receptores nas to ou profilaxia do tétano, não só não têm
células nervosas. É term olábil e é a segun­ efeito terapêutico, como podem acelerar o
da toxina mais potente que se conhece, crescimento bacilar e conseqüentemente
sendo que 0, 000001 ml de um filtrado po­ aum entar a toxinogênese.
tente é capaz de m atar um camundongo. A
dose letal m ínim a para o homem é de 0,1 a III — PATOGENIA DO TÉTANO
0,25 mg. Não é absorvida pelo tubo digesti­
vo e é destruída pelos sucos digestivos, um a O tétano hum ano pode ser reproduzido
vez que é alterada por ação de ácidos e so­ pela inoculação de culturas puras ou da
fre a ação de enzimas proteolíticas. toxina em ratos, camundongos, coelhos, co­
As toxinas produzidas por diferentes ce­ baios, macacos, cavalos e caprinos. Cães e
pas têm efeito farmacológico idêntico, no gatos são mais resistentes e as aves e a n i­
entanto a sua toxicidade sofre variações mais de sangue frio altam ente resistentes.
com a cepa, havendo am ostras do bacilo O anim al m ais suscetível é o cavalo, o qual
não produtoras de toxina. Tais cepas apre­ é 12 vezes mais suscetível que o cam undon­
sentam maior resistência à destruição pelo go, relativam ente à dose de toxinas por
calor, são capazes de ferm entar a glicose gram a de peso necessária para provocar
e não causam hidrólise da gelatina. As a morte do anim al. A cobaia é 6 vezes mais
am ostras não toxinogênicas do C. tetani suscetível que o camundongo e os macacos
têm sido identificadas com o C. tetanomor- 4 vezes mais. Por sua vez o cão é 50 vezes
phum. mais resistente, o gato 600 vezes e a gali­
n h a 30.000 vezes mais resistente que o ca­
A toxinogênese do C. tetani é alterada mundongo.
em laboratório pelo cultivo em presença de
oxigênio e quanto mais aeróbio ele é, m e­ As m anifestações clínicas da doença em
nor sua propriedade toxinogênica. Possivel­ anim al são, também, as encontradas no
mente o germe em a natureza é m uito m e­ homem, onde o tétano se caracteriza por
nos agressivo que em laboratório, vivendo uma hipertonia m uscular m antida, seja lo­
de m aneira saprofítica no solo e aum entan­ calizada ou generalizada, agravada por es­
do seu poder patogênico em relação a um a pasmos ou contraturas paroxísticas. A
menor concentração de oxigênio e menor doença ocorre sem febre, a qual, quando
potencial de oxiredução do meio em que presente, é de m au prognóstico. A fisiopa-
vive. Deve-se referir, ainda, que a produ­ tologia da doença é explicada pela fixação
ção de toxina é influenciada pelo meio de da tetanospasm ina no sistema nervoso cen­
cultura empregado (por exemplo, os meios tral e periférico.
de Taylor e Muller perm item o crescimento O tétano é fundam entalm ente um a
com grande produção de toxina) e, ta m ­ doença toxêmica. Embora alguns autores
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refiram a presença do bacilo tetânico em robiose, a germinação ocorre em torno de


tecidos distantes do foco de infecção, tal 6 horas e logo inicia-se a produção da to­
fato não parece ser a regra e, mesmo nos xina, a qual atinge nível máximo em torno
casos em que é isolado fora da porta de da 40^ hora. Tal liberação de toxina, contu­
entrada, o quadro clínico da doença decor­ do, é continuada enquanto permanecerem
re da toxina por ele liberada e não por sua bacilos e condições de anaerobiose no foco
multiplicação. A toxina tetânica (tetanos- de infecção.
pasmina; tem tropismo e se liga eletiva- A tcxina se fixa sobre o sistem a nervoso
mente às células nervosas, não agindo sobre em cerca de 30 m inutos após a inoculação
outras células. na m edula. Ò modo pelo qual a toxina
O desenvolvimento do tétano a p artir chega ao sistem a nervoso foi motivo de
de um foco de infecção está na dependên­ inúm eras discussões e trabalhos controver­
cia de vários fatores: sos. Atualm ente os autores adm item uma
dupla m aneira, por via vascular (sangue e
a) É necessário a presença do esporo linfa) e por via nervosa. Uma vez no sis­
tetânico no ferimento. tem a nervoso, a toxina age ao nível de
b) Os bacilos infectantes devem ser to- transm issão sináptica dos neurônios moto­
xinogênicos. res inferiores, mais precisamente, na sinap-
se dos neurônios inter.nunciais da medula,
c) Presença de condições de baixo po­ inibindo sua ação inibidora. Ao nível bio­
tencial de oxiredução, causadas por químico, está hoje estabelecido que o re­
corpo estranho, terra, tecido desvi- ceptor da m em brana sináptica ao qual a
talizado, substâncias redutoras. toxina se fixa, são gangliosídeos formados
d ) Presença de bactérias associadas sobretudo por ácido N-acetil neuramínico,
que, por um lado facilitam a germ i­ sendo a fixação facilitada por cerebrosideos
nação do esporo e, por outro, podem da célula. O mecanismo íntimo de ação da
reduzir sua capacidade de produzir toxina seria bloquear a ação do mediador
toxina. químico na sinapse, que é, ao que se supõe,
e) Cuidados tomados no ferimento, tais a glicina.
como limpeza, debridamento, curati­ Além desta ação central, grande núm e­
vos. ro de autores admite, ainda, que a toxina
f) Uso profilático de soro antitetânico tem um a ação periférica, ao nível da placa
ou antibióticos. motora, agindo provavelmente na liberação
ou destruição da acetilcolina.
g) Presença de imunidade antitóxica
dada por vacinação prévia. Embora o conhecimento da fisiopatolo-
gia do tétano tenha avançado de modo ex­
Já referimos que nem todo C. tetani iso­ traordinário nos últimos anos, várias ques­
lado de am ostras de solo é produtor de tões restam , ainda, a serem respondidas,
toxina e veremos adiante que a incidência tais como: não se sabe por quanto tempo
da doença está relacionada com o percen­ a toxina tetânica fica no sistem a nervoso
tual de contam inação do solo pelo bacilo. antes de produzir sintomas clínicos; qual
Já vimos, também, que somente a forma o destino biológico da toxina após a fixa­
vegetativa é produtora de toxina e que ção no receptor; se a ação da toxina no re­
para que h aja transform ação do esporo na ceptor se faz diretam ente ou após ter so­
forma vegetativa são necessárias condições frido algum a m udança no hospedeiro; que
de baixa oxiredução p ara sobrevivência alterações biológicas ocorrem na célula
desta últim a forma. Vários trabalhos têm nervosa intoxicada. Estas e outras questões
demonstrado que a inoculação pura de es­ são objetos, na atualidade, de estudos so­
poros tetânicos em um anim al não provoca bretudo por Pedinec, Kryzhanovsky, Mel-
tétano, o qual surgirá se a inoculação for lanby e Van Heyningen.
feita ju n tam ente com terra ou bactérias Do ponto de vista patológico é extraor­
ou substâncias como sais de cálcio. Após dinário como um a doença grave, de qua­
a inoculação, segue-se um tempo variável dro clínico tão m arcante, apresenta ausên­
em que o esporo não germina. Tal tempo cia quase completa de apoio anatom opato-
pode ser algumas horas até dias ou anos. lógico. O exame histológico dos tecidos n er­
Uma vez presentes as condições de anae- vosos não dem onstra alterações à micros-
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copia comum. No foco de infecção o orga­ se dever à atividade m uscular aum entada
nismo reage com fagocitose, às custas de característica da doença, embora ten h a si­
polimorfonucleares, que destroem as formas do levantada a hipótese de um efeito di­
vegetativas e esporos. Deve-se, entretanto reto da toxina n a permeabilidade da mem­
frizar que nem todos os esporos são fago- brana muscular.
citados, sendo possível sua perm anência
por longo tempo em um foco cicatrizado. V — TRATAMENTO ETIOLÕGICO
Quanto à resposta imunológica, o tétano
é um a doença que não causa imunidade, O tratam en to específico do tétano tem
sendo a explicação encontrada na dose de por objetivo neutralizar a toxina tetânica
toxina causadcra da doença. É um a toxina e com bater a bacilo. Embora seja prática
de tal modo potente que as mínim as quan­ corrente o uso de meios que visam tal fim,
tidades produzidas no foco causam toda são contraditórios os resultados obtidos e
sintomatologia, porém, em quantidade in ­ várias críticas podem ser feitas como ve­
suficiente p ara estim ulação do sistem a lin- remos a seguir.
forreticular e conseqüente resposta imune.
No aspecto da imunologia, um a questão A — NEUTRALIZAÇÃO DA TOXINA
ainda em aberto é a presença ou não de
imunidade celular no tétano. Fundam entalm ente existem 3 estágios
de localização da toxina: o estágio bacte-
IV — MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO riano n a ferida; o estágio toxêmico e de
m igração nervosa; e o estágio de fixação
neurológica. É, em geral, aceito, que uma
O tétan o é um a doença de diagnóstico vez fixada nos seus receptores a toxina te­
em inentem ente clínico. Alguns métodos de tânica não é neutralizada pela antitoxina
laboratório podem ser empregados para de­
correspondente, seja hum ana ou animal.
tecção do bacilo no foco e, mesmo, para
Tal é a razão porque no tétano declarado
dosar a toxina tetânica n a corrente circu­
grande núm ero de autores discute a va­
latória. Tais métodos laboratoriais, no en ­
lidade do uso de soro antitetânico ou gam a-
tanto, não têm grande aplicação prática. globulina hiperim une contra tétano. Se
O C. tetani pode ser isolado a p artir da por um lado adm ite-se que a antitoxina
porta de infecção, fazendo-se cultura em não apresenta capacidade curativa e não
anaerobiose nos diversos meios referidos modifica o quadro clínico um a vez in sta­
anteriorm ente. Como o isolamento em cul­ lada a doença, o seu uso está indicado no
tura pura é difícil, devido ao crescimento sentido de neutralizar a toxina que está
de outros germes, a certeza diagnostica é sendo produzida no foco e aquela ainda
dada pela incculação em anim al, geralm en­ circulante. Assim, a antitoxina empregada
te o camundongo, seja do m aterial retirado n a terapêutica da doença tem por finalida­
do foco, seja da cultura. Observam-se os de evitar que novas quantidades da toxina
sintomas típicos do tétano no anim al que é se fixem no sistem a nervoso.
mantido por 4 a 10 dias em observação. Muitos autores que criticam a validade
Como já referimos, não h á estimulação da antitoxina n a terapêutica, o fazem b a­
antigênica na doença e assim, não se conta seados n a descrição de casos de tétano re­
com base sorológica para o diagnóstico. Um cuperados sem o uso da antitoxina; ou
teste de precipitação proposto por Mueling baseados em que a toxina tetânica alcan­
e col. para detecção da toxina tetânica no çaria o S.N.C. por meio da via nervosa e,
foco não mostrou utilidade n a experiência portanto, protegida contra a ação da a n ­
de Veronesi. A toxina pode, porém, ser do­ titoxina; ou, ainda, baseados no fato de
sada por métodos biológicos n a corrente que um a vez declarada a doença um a ou
sanguínea, m as tal dosagem envolve téc­ mais doses letais de toxina já se fixaram
nicas não aplicáveis à prática m édica e aos receptores e a possibilidade de novas
sem grande interesse, visto que em grande quantidades de toxina se fixar é pequena.
número de pacientes com tétano, a dosagem Por outro lado, dosagem de toxina e a n ti­
de toxina circulante é negativa. Estudos toxina ao nível do líquor dem onstram que
atuais dem onstram que a concentração de a toxina injetada por via venosa alcança
creatinofosquinase e aldolase séricas estão altos níveis no líquor, enquanto que a a n ­
elevadas no paciente tetânico, o que pode titoxina alcança pequenas concentrações.
Jan.-Fev., 1973 Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 63

grande m aioria de autores ligados ao sensibilidade “in vitro” à ação de vários


problema, utiliza a terapia antitóxica, com antibióticos, entre os quais a penicilina.
base na presença dos 2 estágios referidos, ou Este antibiótico é rotineiram ente utilizado
seja, presença do bacilo no foco liberando na terapêutica do tétano, a fim de destruir
a toxina e n a circulação desta. Estudos con­ os bacilos porventura presentes no foco de
trolados com grupos de pacientes em uso infecção e que poderiam continuar a pro­
de SAT e sem a utilização da droga, de­ dução da toxina.
m onstram que a letalidade é m enor nos
Da mesma m aneira que para o valor
pacientes em que se aplicou o SAT. O efei­
da antitoxina, várias críticas são feitas à
to se m anifesta seja no tétano neonatorum ,
validade da penicilina n a recuperação do
seja no tétan o não umbilical. Estudos de
paciente. A prim eira seria o fato do an ti­
Patel e col. têm demonstrado, no que diz
respeito à dose do SAT, que doses de 20.000 biótico não ter qualquer ação sobre o ele­
U são tão eficazes quanto doses maiores no m ento fundam ental da patogenia da doen­
tratam ento do tétano não umbilical, e que ça, que é a toxina. No entanto, a ação da
penicilina no tétano declarado tem por fi­
1.500 é a dose suficiente p ara o tétano um ­
bilical. Tais doses são capazes de provocar nalidade destruir os germes e evitar que
novas quantidades da toxina fossem produ­
níveis de antitoxina considerados protetores
zidas. Assim, o efeito no quadro clínico ins­
(acima de 0,01 U/ml) por tempo prolonga­
talado seria o de impedir que a doença
do. Atualm ente com a possibilidade do uso
agravasse, m as não sua recuperação. A crí­
da gamaglobulina hum ana hiperm une con­
tica m ais im portante, porém, é a de que
tra tétano, doses de 6.000 a 10.000 U têm sido
tendo a penicilina um agente bactericida
recomendadas, um a vez que os níveis da
que provoca a lise celular, iria provocar
antitoxina alcançados são mais altos e mais
maciça liberação da toxina arm azenada no
duradouros do que com o uso do soro de
origem animal. corpo bacteriano. Tal fato, pode, contudo,
• Queremos referir, por fim, duas novas ser neutralizado desde que, ao se iniciar o
uso do antibiótico, o paciente já tenha re­
concepções no que respeita ao combate da
cebido a antitoxina tetânica. Em relação,
toxina. Estudos de Ildirim, realizados em
ainda, ao uso do antibiótico, deve-se refe­
anim ais e no tétano hum ano, dem onstra­
rir a possibilidade, rara, do C. tetani ser
ram que a utilização do soro antitetânico
resistente à ação da penicilina.
por via in traraquiana, juntam ente com
corticóides, apresenta excelente ação te ra ­ O combate ao C. tetani é feito, ainda,
pêutica, com base em que a antitoxina pelo cuidado ao foco suspeito. O debrida-
utilizada por via p arenteral não u ltrap as­ m ento do foco, com retirada das condições
sa a barreira hem atoencefálica em concen­ de anaerobiose (corpo estranho, tecido
trações eficazes. Em seus estudos, justifica desvitalizado, etc) e do próprio bacilo, são
o uso de corticóides no sentido de obviar o fatores que diminuem ou eliminam a con­
efeito irritan te do SAT, que era causa dos centração bacilar no foco e a produção da
para-efeitos da droga por esta via. Estes toxina. A validade do debridam ento da
trabalhos necessitam comprovação por ou­ ferida, tem tam bém sofrido críticas, espe­
tros autores e m aior casuística. cialm ente porque em cerca de 15 a 20%
Um segundo ponto, que encontra base dos pacientes o foco não é encontrado e
«m estudos da fisiopatologia, é a possibili­ porque em certos tipos de foco, como o
dade do uso da anatoxina tetânica em do­ uterino, a sua retirada não implica em
ses elevadas no sentido de deslocar a toxi­ m elhoria da letalidade. Por outro lado, es­
na fixada e assum ir o seu lugar. Os estu­ tudos de Lavergne e col. m ostram que o
dos fisiopatológicos m ostram que a toxina C. tetani não é um germe que fica estrita­
tetân ica fixa-se de modo mais intenso aos m ente restrito ao ponto de inoculação, mas
receptores do que a anatoxina, porém que pode ser recuperado dos tecidos vizi­
doses elevadas desta últim a poderiam des­ nhos e, até mesmo, à distância. Este último
locar a prim eira. „ fato, contudo, verifica-se no homem em
condições pré-agônicas e o fato do bacilo
B — COMBATE AO C. TETANI ser encontrado em tecidos vizinhos ao foco
é m ais um dado em favor do debridam ento
J á referimos anteriorm ente que o C. amplo e não somente um a pequena incisão
tetani na sua form a vegetativa apresenta do ferimento.
64 Rev. Scc. Bras. Med. Trop. Vol. VII - N? 1

Os argum entos em favor do debrida- VII — PROFILAXIA


mento do foco se baseiam na supressão da
fonte de novas toxinas, pela retirada do O tétano é um a das doenças que na
bacilo e corpos estranhos; para a dren a­ atualidade podem ser erradicadas, graças
gem purulenta quando existe infecção se­ à vacinação. É devido a esta profilaxia ati­
cundária; e, sobretudo, porque com o de- va que é considerado doença ra ra em vá­
bridam ento se evita a possibilidade de re­ rios paises, servindo como exemplo a Di­
caídas devido à perm anência de esporos. nam arca, onde foram registrados 8 casos
em 1969 e 9 casos em 1968 e 1967. Apesar
VI — EPIDEMIOLOGIA de se contar ccm esta medida altam ente
jficaz, infelizmente as estatísticas de mor-
bidade e m ortalidade em vários países, en­
A epidemiologia do tétano é um assunto tre os quais o Brasil, são elevadas, devido
por demais extenso, sofrendo influências a ausência de medidas sistem áticas de va­
regionais. Resumidamente, o tétano é de cinação da população.
ocorrência mundial, sendo menos freqüen­
tes nos paises de clima frio, com melhores A profilaxia ativa da doença é feita pelo
condições socio-econômicas e onde medidas toxóide tetânico, seja o toxóide fluido ou
profiláticas por meio da vacinação da po­ precipitado pelo alumen, este, em geral,
pulação foram tomadas. mais utilizado por provocar respostas imu-
Em nosso país é mais comum em crian­ nológicas m ais elevadas. A vacinação é re a ­
ças e adultos jovens, predominando no lizada em 3 doses básicas, sendo a 2^ dose
sexo masculino e na zona rural. Nas re ­ realizada 21 a 30 dias depois da prim eira e
giões que apresentam estações bem defi­ a 3" de 1 mês a 12 meses após a 2^. Com
nidas é mais freqüente no verão e prim a­ este esquema básico, títulos de antitoxina
vera, não sendo tal fato observado em re ­ acim a de 0,01 U/m l são produzidos. Deve-
giões sem tal definição estacionai. Tais fa ­ -se aten tar, porém, que os títulos protetores
tos estão em decorrência da maior expo­ só aparecem após a 2^ dose da vacina, não
sição à infecção. A letalidade da doença é sendo produzidos anticorpos somente com
elevada, sobretudo no tétano neonatorum . a 1* dose. Assim, não existe valor, na pro­
Os focos de infecção mais freqüentes são filaxia do tétano em um paciente ferido,
os ferimentos. no uso de um a dose de vacina, a não ser
que este paciente já ten h a sido imunizado
O C. tetani é h abitante do solo, onde é anteriorm ente.
encontrado sob a form a esporulada, sendo
possível a sua presença em forma vegeta- Após a vacinação básica, é recomendável
tiva desde que existam condições p ara sua uma dose de reforço 1 ano após a 3^ dose
sobrevivência. É encontrado ainda como básica e a seguir novas dcses de reforço
habitante do intestino de vários erbívoros de 10 em 10 anos. No estágio atual dos
e do homem, Sua presença no solo parece conhecimentos, recom endam -se as doses de
ter relação com condições climáticas, sen­ reforço no sentido de aum entar o título
do menos freqüentes no solo de zonas m on­ de antitoxinas, sendo opinião de alguns
tanhosas do que em planícies. Parece, ain ­ autores que a vacinação básica talvez pro­
da, que os solos ricos em hum us e calcáreo duza im unidade muito mais duradoura.
são mais ricos em esporos tetânicos. Exis­ Se a profilaxia da população, isto é,
te uma relação direta entre o grau de con­ fora de situação de risco de tétano im edia­
tam inação do solo pelo bacilo e a incidência to, está perfeitam ente estabelecida e sem
da doença. O germe é encontrado tanto em ser alvo de crítica, o mesmo não ocorre no
área urbana como rural, sendo elevada a que diz respeito à profilaxia de pessoa não
possibilidade de contam inação de um a fe­ vacinada que apresenta ferim ento com ris­
rida pelo Clostridium em áreas urbanas. A co de tétano. Neste casos as medidas pro­
maior ocorrência de casos da doença no filáticas m ais utilizadas são o uso da a n ­
meio rural é explicada pelos menores cui­ titoxina (SAT ou gam aglobulina hiperim u-
dados locais por ocasiões do ferim ento e n e ), uso de antibiótico e debridam ento do
pela ausência de medidas de ordem profi foco. Qualquer que seja a medida ou m e­
lática, seja por meio de SAT ou da vaci­ didas usadas, o im portante é a sua preco-
nação, além do que a exposição é m aior no cidade, visto que em 6 horas os esporos
meio rural que no urbano. podem germ inar e passar a produzir a to­
Jan.-Fev., 1973 Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 65

xina, a qual irá se fixar ao S.N.C. P o rtan ­ 250.000 U/kg, o que transportado para o
to, as medidas tom adas 6 horas após a homem daria a dose de 15.000.000 U para
possível infecção, poderão não ter efeito. o indivíduo de 60 kg. Com uso da penicilina
O debridam ento do foco encontra, na G potássica, a proteção de 100% de ca­
profilaxia, sua perfeita indicação pois a mundongos só foi conseguida com a dose
ausência de condições de anaerobiose e a de 500.000 U/kg, correspondendo no homem
retirada do m aterial infectante são ele­ a cerca de 30.000.000 U por dia. É óbvio
mentos por si só altam ente eficazes na pre­ que o uso de tais doses como profilático
venção da doença. do tétano hum ano não são praticaveis, daí
C uso da SAT ou gamaglobulina hum a­ perque é preferível usar as tetraciclinas,
na hiperim une contra tétano é recomen­ nas doses terapêuticas habituais (30 a
dado na hipótese de não se retirarem todas 40 m g/kg/ dia para a oxitetraciclina e te-
as condições que favorecem a germinação traciclina). As falhas na profilaxia a n ti­
do bacilo e, assim, as quantidades de toxi­ biótica podem ser devidas a v;>rios fatores,
na produzidas serão neutralizadas pela a n ­ como a presença de C. tetani resistente ao
titoxina. O valor do SAT na profilaxia do antibiótico; demora no emprego da droga;
tétano é fora de dúvida, comprovado per persistência do bacilo após a suspensão do
várias estatísticas de guerra, que mostram m edicamento; dese insuficiente; presença
acentuada redução da doença após a in ­ de germes associados produtores de peni-
trodução do medicamento. O fato de ocor­ cilinase.
rerem casos de tétano em pessoas que to­ A respeito do tétano neonatoru.m, as
m aram o SAT profilático, pode ser expli­ medidas profiláticas indicadas são o.s cui­
cado pela demora na aplicação do soro dados higiênicos do parto e do coto um bi­
(6 horas após a infecção), pela dosagem lical e a vacinação da gestante. Os anticor­
insuficiente, pela persistência do bacilo pos m aternos são capazes de atravessar a
após a eliminação da antitoxina e pela placenta, protegendo desta m aneira o feto.
rápida destruição do SAT em indivíduos Recomenda-se vacinar a gestante no últi­
que já utilizaram o soro anteriorm ente e mo trim estre com a vacinação básica ou
form aram anticorpos contra as proteínas aplicar um a dose de reforço, caso ela já
do soro anim al. É, em geral, recomendado tenha sido vacinada anteriorm ente.
o uso de 5.G00 a 6.000 U de SAT ou 250 a Queremos ressaltar, ao final, 3 novas
500 U de gam aglobulina para as feridas medidas profiláticas que poderão ser u ti­
comuns, utilizando-se doses maiores de lizadas após maior experiência. A primei­
10.000 a 20.000 U de SAT p a ia feridas que ra diz respeito ao uso de vacinas com alto
apresentam alto risco de doença, como as poder antigênico que podem provocar im u­
fratu ras expostas, politraum atizados, gran ­ nidade com um a única dose. A segunda
des queimados. refere-se ao uso de grandes doses de a n a ­
Quanto ao uso de antibióticos, vários toxina tetânica em pacientes infectados,
trabalhos dem onstram que a penicilina e com finalidade de satu rar os receptores da
tetraciclinas utilizadas precocemente, isto texina, prevenindo desta form a sua fixa­
é, até 6 horas após a infecção, são eficazes ção. A terceira seria o uso, logo após o fe­
na inibição do germe e, portanto, não ocor­ rimento, de um a m istura de gangliosídeos
re a produção de toxina. Os antibióticos e cerebrosídeos, por via parenteral, no sen­
devem, no entanto, ser utilizados em dose tido da toxina ser absorvida pela m istura
terapêutica adequada e por tempo prolon­ circulante e, assim, ser tornada inofensi­
gado, pelo menos até que o ferim ento en ­ va.
tre em cicatrização. A ocorrência do tétano Com tudo isto, verifica-se que a medida
em pacientes que fizeram uso da penicili- realm ente eficaz e capaz de erradicar o
na-benzatina se deve ao fato de a concen­ tétano é a vacinação da população, reali­
tração obtida pela penicilina nesta apre­ zada de m aneira sistem ática e não apenas
sentação não ser elevada, além de demo­ as cham adas “cam panhas de vacinação”.
ra r a ser atingida devido à lenta absorção. Deve-se, no entanto, tom ar os devidos cui­
Trabalho experim ental de Veronesi e col., dados p ara evitar o exagero de vacinação
revelou que p ara a proteção de 100% de em um mesmo indivíduo, pois têm sido re­
camundongos infectados com o bacilo te ­ latadas manifestações de natureza alérgica
tânico, houve a necessidade de in jetar a em pessoas hiperim unizadas com o toxóide
penicilina-benzatina na dose única de tetânico.
66 Rev. Soc. Bras. Med. Trop. Vol. VII — N(> 1

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