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Erich Neumann
A fase em que a consciência de ego é ainda infantil, isto é, depender da relação com o
inconsciente, é representada no mito pelo arquétipo da Grande Mãe. A constelação dessa
situação psíquica, assim como suas formas de expressão e projeção, foi por nos chamada de “
matriarcado “ e, em contraposição, falaremos da tendência do ego de se libertar do
inconsciente e dominá-lo como a “ ênfase patriarcal “ no desenvolvimento da consciência.
A Etimologia tentou separar duas raízes: de um lado a raiz-lua que, com men ( lua ) e
mensis ( mes ) pertence a raíz ma do sacrifício mas; e de outro, a raiz sânscrita manas, com
menos ( grego ), mens ( latim ) etc., que representa o espirito por excelência.
Em nenhum lugar, seja ele qual for, essa raiz foi colocada em oposição a raiz-lua, men,
lua; mensis, mes; mas, que e ligado a ma, medir. Dessa raiz origina-se não só matra-m,
medida, mas também metis, inteligência, sabedoria; matiesthai, meditar, ter em mente,
sonhar; e, mais ainda, para nossa surpresa, verificamos que essa raiz-lua, pretensamente
oposta a raiz-espírito, e da mesma maneira derivada da raiz sânscrita mati-h, significando
medida, conhecimento.
No culto da lua o papel desta como medida do tempo e de importância capital. Mas o
tempo não e o tempo abstrato e quantitativo da consciência patriarcal e cientifica. E um tempo
qualitativo que muda, e ao faze-lo, assume qualidades diferentes. O tempo lunar tem períodos
e ritmos, cresce e mingua, e favorável ou desfavorável. Como o tempo que rege o cosmos,
rege também a terra, todas as coisas vivas e o feminino.
A lua crescente e mais do que uma medida do tempo. E um símbolo, tal como a luz
minguante, a lua cheia e a lua nova, de uma qualidade interna e externa da vida e da
humanidade. Podemos claramente associar o carretar arquetípico das fases da lua a forca
mutável de suas radiações. Pois estas são centros de ondas de vibração, correntes de poder
que, dentro e fora, pulsam através do mundo, permeando a vida psicobiológica. O tempo lunar
condiciona também a vida humana. A lua nova e a lua cheia foram os primeiros tempos
sagrados. A lua nova, como vitoria do dragão da noite escura foi o primeiro tempo típico da
escuridão e da maldade. Alem disso, a semeadura e a colheita, o crescimento e a maturação, o
êxito e o malogro de todo empreendimento e de toda ação, também dependiam da constelação
do tempo lunar cósmico.
A periodicidade da Lua, com seu pano de fundo noturno, e símbolo de um espirito que
cresce e mingua, conforme os processos obscuros do inconsciente. A consciência lunar, como
poderia ser chamada a consciência matriarcal, nunca e divorciada do inconsciente, porque e
ela mesma uma fase, uma fase espiritual, do próprio inconsciente. O ego da consciência
matriarcal não tem liberdade, ou atividade própria independente; espera passivamente, afinado
com o impulso espiritual que lhe foi trazido pelo inconsciente.
O modo pelo qual uma idéia, uma inspiração, ou uma embriagues, que sobem do
inconsciente e tomam uma personalidade como se por um súbito e violento assalto, levando-a
ao êxtase, a insanidade, a poesia, ou a profecia, representa uma parte da atuação do espirito. O
traço correspondente da consciência matriarcal e o fato de depender, para qualquer intuição ou
inspiração daquilo que emerge do inconsciente, de forma misteriosa e quase que autônoma,
quando, onde e como quer. Sob esse aspecto, todo chamanismo, incluindo a profecia, e uma
manifestação passiva; sua atividade e mais uma “ concepção “ do que um ato de vontade, e a
contribuição essencial do ego consiste na prontidão em aceitar o conteúdo inconsciente
emergente e entrar em harmonia com ele. No entanto, uma vez que essa independência em
relação a consciência e característica da emergência autônoma de todos os conteúdos
inconscientes, a lua muito freqüentemente aparece como símbolo do inconsciente em geral.
Nos rituais e nos cultos, a espera e a expectativa são idênticas ao ato de circundar e a
circum-ambulação. Na historia maravilhosa contada pelo Irmãos Grimm sobre o gênio no lago
do moinho assim como em muitos outros contos de fadas, a mulher tem que esperar ate que a
lua esteja cheia de novo. Ate então, deve continuar a rodear o lago em silencio, ou deve fiar
todo o seu carretel. Somente quando o tempo tiver se esgotado que o entendimento vem como
uma iluminação. De maneira semelhante, nos mistérios primordiais da mulher, ou seja, no
processo de ferver, cozer, fermentar, assar, o amadurecimento, “ o ponto “, e a transformação
estão sempre ligados com um período de espera. O ego da consciência matriarcal costuma
permanecer quieto ate que o tempo seja favorável, ate que o processo esteja completo, ate que
o fruto da arvore lunar tenha amadurecimento e ficado como uma lua cheia, isto e, ate que a
compreensão tenha nascido do inconsciente. Porque a lua não e somente senhora do
nascimento, mas também, enquanto arvore lunar e arvore da vida, um crescimento em si, “ o
fruto que gera a si mesmo “.
Mas esse simbolismo feminino não para aqui, porque o que entrou tem que “ vir a luz
“. A frase “ vir a luz “ expressa maravilhosamente o duplo aspecto da consciência matriarcal,
que experimenta a luz da consciência como a somente que brotou.
Mas, quando algo entra e depois vem à luz de novo, esse “algo “ envolve toda a
psique, que é então permeada por completo pela percepção de que deve compreender, tornar
real, com a totalidade do seu ser. Isso significa que a concepção e o entendimento terão
realizado uma mudança de personalidade. O novo conteúdo tomou e revolveu a totalidade do
ser, enquanto na consciência patriarcal teria por certo preenchido apenas mais um
campartimento intelectual. Assim como a consciência patriarcal tem dificuldade de
compreender plenamente e não apenas se encontrar com um “soberbo “entendimento, da
mesma maneira a consciência matriarcal tem dificuldade para entender sem primeiro
“perceber “. E aqui perceber significa “conceber “, dar à luz; significa submissão a uma
relação mútua e uma interação como a da mãe com o embrião na gravidez.
O tempo qualitativo matriarcal é sempre uma ocorrência única e singular, como uma
gravidez, em contraste com o tempo quantitativo da consciência patriarcal. Porque, para a
consciência patriarcal de ego, todas as subdivisões do tempo são iguais; mas a consciência
matriarcal aprendeu, a partir do ritmo do tempo lunar, a conhecer a individualidade do tempo
cósmico, senão a do ego. A singularidade e a indestrutibilidade do tempo são consteladas aos
olhos daqueles preparados para perceber o crescimento das coisas vivas, capazes de
experimentar e de perceber a gravidez de um momento e a proximidade de um nascimento.
Um conto de fadas relata que uma vez cada cem anos, num certo dia, numa hora definida, um
tesouro emerge de profundezas e vai pertencer a quem achá-lo nesse momento exato de seu
crescimento. Somente uma consciência matriarcal, ajustada aos processos do inconsciente,
pode reconhecer o elemento de tempo individual; uma consciência patriarcal, para quem este é
um dentre inumeráveis e semelhantes outros momentos, irá necessariamente deixar de notá-lo.
A esse respeito, a consciência matriarcal, é mais concreta e próxima da vida real, enquanto a
patriarcal é mais abstrata e distante da realidade.
Há muito sentido no ocultamento desses momentos de concepção que são muitas vezes
vitalmente importantes . O crescimento necessita de imobilidade e invisibilidade, sem ruído e
sem luz. Não é por acaso que os símbolos da consciência patriarcal são a luz do dia e o sol. A
validade desta lei, tanto para o crescimento biológico quanto para o psicológico, é confirmada
por Nietzsche, o grande conhecedor da alma, criativa, quando diz: “no estado de gravidez nós
nos entendemos “.
Não é sob os raios causticantes do sol mas na fria luz refletida da lua, quando a
escuridão da inconsciência atinge sua plenitude, que o processo criativo se completa: a noite, e
não o dia, é que é o momento da procriação. Esta requer escuridão e quietude, segredo, mudez
e ocultamento. Em conseqüência, a lua é senhora da vida e do crescimento em oposição ao sol
letal e devorador. O tempo úmido da noite é o tempo do sono, mas também da cura e de
recuperação . Por esta razão, o deus da lua, Sin, é um médico; uma inscrição cuneiforme
representando sua planta curativa diz que “depois que o sol se põe e com a cabeça velada, ela (
a planta ) deve ser circundada com um anel mágico de farinha e cortada antes que o sol
nasça”. Aqui vemos, associado com o círculo mágico e com a farinha, o símbolo misterioso de
“velar , que pertence à lua e ao segredo da noite. Cura e terapeuta, planta curativa e
crescimento recuperador se encontram nessa configuração. É o poder regenerador do
inconsciente que na escuridão noturna sou sob a luz da lua executa seu trabalho, um
mysterium dentro de um mysterium, trabalhando a partir de si mesmo e da natureza, sem
qualquer ajuda do ego cerebral. É porisso que as pílulas e as ervas curativas são associadas à
lua e seus segredos guardados por mulheres, ou melhor, pela natureza feminina, que está
ligada à lua.
Não é, como se pensou, porque a lua muitas vezes parece verde no leste, que se supôs
ser o verde a cor da lua; é por causa da inerente afinidade da lua com a vegetação da qual se
diz: “Quando a palavra de Sin desce sobre a terra, o verde aparece “. Esse verde de Osíris, de
Chidher, do broto de shiva e da pedra verde alquímica, não é somente a cor do
desenvolvimento físico mas também do desenvolvimento do espírito e da alma. A lua como
regente da consciência matriarcal, está ligada a um conhecimento específico e a uma forma
particular de compreensão. Isso é a consciência que nasceu, o espírito que veio à luz como
fruto da noite.
Uma vez que o processo de cognição nessa “consciência lunar “ é uma gravidez e seu
produto um nascimento, um processo em que toda a personalidade participa, seu
“conhecimento “não pode ser partilhado, relatado ou provado. É uma posse interior, realizada
e assimilada pela personalidade, mas não facilmente discutida, porque a experiência interna
que está por trás dela não se presta a uma exploração verbal adequada, e dificilmente pode ser
transmitida a alguém que não tenha passado pela mesma experiência.
Por essa razão, uma consciência masculina pura e simples considera o “conhecimento”
da consciência matriarcal não verificável, caprichoso e místico por excelência. Esse é, de fato,
no sentido positivo, o cerne da questão. É a mesma espécie de conhecimento revelado nos
mistérios e no misticismo. Consiste não de verdades partilhadas mas de transformações
experimentadas, portanto necessariamente só tem validade para as pessoas que passaram pela
mesma experiência. Para estas, o conselho de Goethe ainda vale:
Isto quer dizer que as percepções de consciência matriarcal são condicionadas pela
personalidade que as realiza. Não são abstratas nem desemocionalizadas, pois a consciência
matriarcal conserva o vínculo com o reino do inconsciente do qual seu conhecimento brota.
Suas descobertas interiores, estão, em conseqüência, em oposição direta às da consciência
masculina, que consiste idealmente de conteúdos conscientes abstratos, livres de
emocionalismo e possuidores de uma validade universal não afetada por fatores pessoais.
O espírito lunar também proporciona cultura, mas não no sentido em que a observação
das estrelas e a astrologia levaram à matemática e à astronomia; mais propriamente, o
protótipo celestial de sua influência cultural é o “fruto que se engendra a si mesmo “, o
conquistador da morte e aquele que traz nascimento. Como senhor dos fantasmas e dos
mortos, convida os poderes naturais e espirituais do inconsciente a subir das profundezas
aquáticas, quando lhes é chegada a hora, e portanto provê a humanidade não só de
crescimento e sustento, mas também de profecia, poesia, sabedoria e imortalidade.
Assim, a Lua não tem somente uma manifestação masculina como centro do mundo
espiritual da consciência matriarcal; tem também uma manifestação feminina com a mais alta
forma do Si-mesmo espiritual feminino, como Sofia, como a sabedoria. É uma sabedoria
relacionada à indissolúvel e paradoxal unidade entre vida e morte, natureza e espírito, às leis
do tempo e do destino, crescimento, morte e conquista da morte. Essa figura da sabedoria
feminina não se ajusta a nenhum código de lei abstrato e desligado, pelo qual estrelas mortas
ou átomos circulam num espaço vazio; é uma sabedoria que está e continua ligada com a terra,
com o crescimento orgânico e com a experiência ancestral. É a sabedoria do inconsciente, dos
instintos, da vida e do relacionamento.
Por essa razão, a consciência matriarcal é a sabedoria da terra, dos camponeses e,
naturalmente, das mulheres. Os ensinamentos chineses, particularmente os do I Ching e os de
Lao-Tse, são expressões dessa consciência matriarcal, que ama o escondido e o obscuro, e que
tem tempo. Ela recusa resultados rápidos, reações prontas e efeitos visíveis. Voltada mais para
a noite do que para o dia, sonha e observa, mais do que acorda e atua. Tem menos gosto pelo
brilho e pela claridade do que seria desejável para a consciência patriarcal, a qual, dando as
costas para o aspecto lunar, ignora jovialmente sua dependência em face do aspecto obscuro
do inconsciente. A sabedoria matriarcal é paradoxal. Nunca separa e justapõe os opostos com
a clara discriminação da consciência patriarcal, antes, relaciona-os um ao outro através de um
“tanto quanto “ ou um “também “.
Sob esse aspecto - que não deve ser mal interpretado - a consciência matriarcal é
relativista, pois é menos orientada à absoluta falta de ambigüidade da verdade, do que a uma
sabedoria que permanece assentada sobre um sistema cósmico-psicológico de forças sempre
mutáveis. Essa atitude relativista muitas vezes pode até se manifestar como um antagonismo
ao “absoluto”, se é que uma diferença de espécie e uma tendência ao relacionamento pode ser
assim chamada.
Por essa razão a sabedoria da Sofia Lunar não tem o caráter abstrato, não individual,
universal e absoluto que o patriarcal masculino afirma ser a mais alta espiritualidade
reverenciando-a como a esfera espiritual celeste do sol e da luz do dia, colocando-a acima do
mundo lunar. Sob esse aspecto, o espírito lunar da consciência matriarcal é “apenas” espírito
lunar, “apenas” alma e o eterno feminino. Mas ao perder o caráter de “remota” divindade, a
consciência matriarcal retém a luz mais suave e menos ofuscante do espírito humano. A
sabedoria da mulher não é especulativa; aproxima-se da natureza e da vida, ligando-se ao
destino e à realidade viva. Sua visão sem ilusões da realidade pode chocar uma mentalidade
masculina idealista; no entanto, relaciona-se com essa realidade como alguém que alimenta,
auxilia e conforta e como amante, conduzindo-a além da morte para a transformação sempre
renovada e ao renascimento.
No entanto, aqui a natureza da mulher costuma pregar uma peça. Em vez de perceber,
ela concretiza e, através de uma projeção natural, transpões o processo criativo da gravidez
para o plano externo. Isto que dizer que a mulher toma literalmente os símbolos dessa fase de
consciência matriarcal. Ela ama, engravida, dá a luz, alimenta, cuida e assim por diante, e vive
sua feminilidade externamente mas não no mundo interior. Essa tendência pode explicar
porque suas realizações espirituais são pequenas quando comparadas com as do homem, e sua
falta de produtividade criativa. Para uma mulher parece ( certa ou erradamente? ) quer ser
fonte de vida na gravidez e no parto é suficientemente criativo. A consciência matriarcal está
inscrita no corpo da mulher e, através deste, ela vive na realidade externa tudo o que para um
homem deve ser tornar um acontecimento psicológico, se tem que ser percebido. Nesse
sentido o homem, com sua desenvolvida consciência patriarcal, está uma passo à frente uma
vez que a natureza lhe permite experimentar a fase matriarcal da consciência somente como
um progresso espiritual, e não de forma concreta.
Mas, na medida em que o desenvolvimento continua, o que foi uma progressão a partir
do inconsciente torna-se uma vinculação excessiva à inconsciência. Nesse ponto o novo e
superior mundo do sol entra em oposição ao mundo da Lua, como faz o patriarcado com o
matriarcado, quando considerados como duas fases psicológicas. Somente em períodos
posteriores de desenvolvimento, tendo o patriarcado se completado ou chegado a absurdas
distâncias, perdendo sua conexão com a mãe terra, é que a individuação efetua uma reversão.
Então, a consciência patriarcado solar volta-se a unir-se à fase anterior e mais fundamental, e
a consciência matriarcal com seu símbolo central, a Lua, aparece das profundezas, investida
do poder regenerador de suas águas primordiais, para celebrar o antigo hieros gamos da Lua e
do Sol num plano novo e superior, o plano da psique humana.
O Midrash judel conta que, no começo da criação o sol e a lua eram de igual tamanho,
mas a lua, tendo cometido um pecado, foi diminuída e o sol tornou-se a estrela reinante do
universo. No entanto, a promessa de Deus para a lua prenuncia o restabelecimento da situação
original:
Então serás de novo tão grande quanto ele
E a luz da lua será como a do sol.