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Desgaste e encruamento nos aços Hadfield

Siderurgia Brasil — Edição 70

O presente artigo avalia a influência dos elementos de liga na resistência ao desgaste e encruamento nos
aços Hadfield.

Guilherme da Rocha Lima, Carlos Alberto Soufen, MomotaroImaizumi, Luiz Eduardo de Ângelo Sanchez
e Hamilton José de Mello*

O aço austenítico manganês, descoberto inicialmente por Robert Hadfield, em 1882, conhecido
atualmente como aço Hadfield, continha em sua configuração inicial 12% de manganês e 1,2% de
carbono. Apresentando grande resistência ao desgaste, provavelmente o maior na categoria de aciaria,
ganhou rápida aceitação no mercado, sendo então propostas várias alterações em sua composição,
como a introdução de vários elementos de liga, como o vanádio, molibdênio, titânio, enxofre, fósforo,
cromo, níquel, entre outros. Este trabalho investigou a influência dos elementos de liga na resistência ao
desgaste e no encruamento sofrido por esse material, em quatro composições que se diferenciam nos
elementos de liga e em suas porcentagens. A resposta foi uma grande resistência ao desgaste da liga
contendo titânio, entretanto esta não apresentou a maior profundidade de camada encruada.

1. Introdução
O aço Hadfield apresenta baixa resistência e alta ductilidade e uma microestrutura que consiste de
austenita metaestável. É também extremamente importante sua habilidade de encruamento: de uma
dureza inicial de 240 HB, atinge aproximadamente 500 HB (51 HRC). O reticulado é cúbico de face
centrada (CFC) e apresenta sistemas equivalentes de deslizamento e deformação, o qual é igualmente
provável em toda a estrutura, e rapidamente causa empilhamento das deslocações. Como o processo é
continuo o aumento da dureza afeta o metal, produzindo aumento da resistência à abrasão. Então, o
melhor desempenho do aço manganês é obtido quando as condições externas de uso causam extremo
encruamento da superfície do componente, motivando o uso em aplicações que requerem alta resistência
à abrasão e desgaste. No caso de acontecer uma trinca da camada encruada em serviço, esta será
rapidamente contida porque a camada interna não é encruada, e sim tenaz.
Um teor em carbono mais baixo ajuda evitar a redução da resistência à tração e ductilidade, gerada pela
dificuldade em manter todo o carbono em solução sólida. [Avery, 1954]. O ideal é que a porcentagem de
carbono fique em torno de 10% da porcentagem de manganês. Este apresenta uma contribuição vital na
estrutura cristalina, pois atua atrasando a austenita de forma que, na temperatura ambiente, esse material
seja austenítico [Avery, 1949]. Uma segunda consideração é a influência de substâncias químicas
menores constituintes sobre a propensão à formação de fratura durante a solidificação de uma liga
fundida. Normalmente, a suscetibilidade à sua formação durante a solidificação aumenta com o aumento
no intervalo de congelamento da liga, como ocorre quando enxofre (S) e fósforo (P) estão presentes. No
entanto, tem-se mostrado teoricamente que os elementos que formam carbonetos sólidos altamente
estáveis, como por exemplo o titânio, podem ser benéficos em reduzir a fração de volume de líquido
eutético residual durante o congelamento e, assim, tornar o produto menos propenso à formação de
trincas [Smith, 2004].
Muitas variações do original aço austenítico manganês têm sido propostos, muitas vezes inaproveitados.
Algumas foram adotadas com melhorias significativas e geralmente envolvem variações de carbono e de
manganês, com ou sem outras ligas, como cromo, níquel, molibdênio, vanádio, titânio e até bismuto.
Este trabalho tem o objetivo de verificar se as variações dos elementos de liga do aço austeníticoHadfield,
especificamente em quatro composições, influenciam o encruamento produzido pelo processo de
usinagem e a resistência ao desgaste.
2. Procedimento Experimental.
A tabela 01 mostra a composição do material utilizado.
Tabela 01 – Relação entre as referências das amostras com suas respectivas composições.
As amostras foram submetidas aos tratamentos térmicos de solubilização e envelhecimento. A
solubilização é o aquecimento em forno do tipo mufla, nas temperaturas de 1080ºC ± 10ºC, com
manutenção de duas horas e resfriamento em água agitada em temperatura ambiente. Já o
envelhecimento é feito na temperatura média de 510ºC, com manutenção de três horas e o resfriamento é
feito ao ambiente. 
Para produzir o encruamento nos corpos de provas, estes foram submetidos ao processo de
aplainamento, utilizando uma plaina comum, da marca Esztergom, de fabricação húngara, cuja retirada foi
de um milímetro de material. O material usinado foi preparado para análise metalográfica, sendo feito o
corte transversal ao procedimento de aplainamento, embutimento, lixamento e polimento. Neste processo
foram utilizadas lixas d’água de granulometria decrescente, iniciando com 80 mesh e a seguir com 120,
220, 320, 400, 500, 600 e 1200 mesh. Usou-se água corrente sobre as lixas e, na mudança de
granulometria, mudou-se de direção de lixamento de aproximadamente 90° em relação à direção anterior.
A operação em cada lixa foi feita até o desaparecimento completo dos riscos deixados pela lixa anterior. 
O polimento foi feito utilizando uma solução de alumina de 1μm e um pano para polimento modelo com
200 mm, durante aproximadamente três minutos, ou até o desaparecimento completo dos riscos deixados
pela lixa 1200. Após o polimento, cada peça foi lavada em água corrente, e sua superfície aspergida com
álcool etílico 98% e secada com um secador de cabelo comum. 
A preparação final para a microscopia foi o ataque da superfície com um reagente químico. Utilizou-se
nesse processo uma solução de 40 ml de ácido clorídrico (HCl), com 5 g de ácido pícrico sólido dissolvido
em 20 ml de água destilada. Cada peça foi mergulhada nesta solução por um tempo entre 20 e 25
segundos e, posteriormente, lavada em água corrente, e sua superfície atacada foi aspergida com álcool
e secada.
A metalografia foi executada em duas etapas: na primeira, foram extraídas imagens através de um
microscópio óptico e, na segunda, as imagens foram obtidas através da microscopia eletrônica de
varredura. 
Os ensaios de desgaste aconteceram com os corpos de prova em formato cilíndrico, cuja altura e
diâmetro são de dez milímetros cada. Para este ensaio, as amostras foram submetidas ao processo de
pino sobre disco, obtendo-se como resultado a perda de massa em cada minuto do processo. 
O ensaio foi realizado utilizando três corpos de prova de cada uma das quatro composições do aço
manganês austenítico e mais dois tipos de aços de composições diferentes daquela do material do qual
estava sendo analisado: aço 4340 e aço 8640. Esse procedimento foi adotado para se obter um
parâmetro de comparação entre o aço Hadfield e estes dois aços citados. O disco, contendo uma lixa de
granulometria de 80 mesh, apresentava giro com frequência de 50 rpm, tendo um raio de 10,6 cm. O
braço utilizado no movimento das amostras apresentava um raio de 8 cm e período de translação de 2 s,
movimentando a amostra sobre o disco. Dessa forma a velocidade linear média das amostras é 33,3
m/min (metros por minuto).

3. Resultados e discussão
As figuras de 01 a 04 são resultados da microscopia óptica das amostras do aço Hadfield nas quatro
composições estudadas. A figura 05 mostra a perda de massa em função do tempo para o ensaio de
desgaste do aço Hadfield nas quatro composições estudadas e nas duas composições adotadas como
parâmetro de comparação. As figuras de 06 a 09 são resultados da microscopia eletrônica de varredura,
realizada nas quatro composições estudadas.

Uma característica importante, que pode ser discutida através dessas imagens, é o tamanho de grão de
cada referência. Dentre as amostras em questão, as referências 610 e 710 apresentam os maiores
tamanhos de grãos, seguidas pela 520, que apresenta tamanho de grão menor que as duas anteriores,
embora essa diferença não seja tão acentuada. Por fim, a referência 720 destaca-se apresentando
tamanho de grão bastante reduzido em relação às demais. Comparando-a com a referência 520, que é a
mais próxima em tamanho de grão, o aço Hadfield 720 apresenta certa homogeneidade em tamanho e
formato dos grãos, de acordo com a figura 04.
É sabido que o tamanho do grão influencia as propriedades mecânicas do material [Yan, 2007]. Assim,
um material com grãos mais finos possui maior resistência mecânica e tenacidade do que um material
com grãos grosseiros, pois os primeiros possuem maior número de contornos de grão. Sendo assim,
pode-se concluir que o aço Hadfield 720 apresenta maior dureza superficial em relação às quatro
composições analisadas,  seguido de longe pelo 520, cujos tamanhos de grãos são significativamente
maiores. As composições cujas referências são 710 e 610 apresentam tamanhos de grãos muito
próximos entre si, tornando-se difícil estabelecer uma relação entre eles, utilizando como único parâmetro
de análise o recurso visual.
A figura 05 e a tabela 02 mostram de forma geral os resultados obtidos no ensaio de desgaste. A análise
gráfica expõe um comportamento bastante diferenciado entre os aços Hadfield e os de referência (4340 e
8640), como era esperado. As amostras do aço Hadfield, nas quatro composições, apresentaram uma
curva de desgaste bem menos acentuada do que a dos aços utilizados como parâmetro de comparação,
evidenciando a característica de resistência ao desgaste do material. Ainda na análise gráfica, é fácil
notar que as quatro referências do material trabalhado apresentaram comportamento muito próximo com
relação ao desgaste abrasivo. Entretanto já é visível que a referência 720 destaca-se das demais,
apresentando-se como a mais resistente ao desgaste abrasivo.

Analisando a tabela 02, que foi construída utilizando-se a média de desgaste de cada amostra ensaiada,
verifica-se que a taxa de desgaste das amostras ensaiadas é realmente muito próxima. Entretanto pode-
se destacar que o material Hadfield 610 apresentou a maior taxa de desgaste, sendo o menos resistente,
enquanto que a referência Hadfield 720 apresenta a maior. As referências 520 e 710 apresentaram
(através da taxa média) desgastes muito próximos, que na aproximação dos resultados apresentaram
valores iguais. Os resultados obtidos eram parcialmente esperados, uma vez que, durante a preparação
das amostras a serem ensaiadas, era notória a dificuldade em efetuar o corte e a usinagem da referência
720 em relação às demais. Espera-se que esse comportamento seja função de sua composição. 
A referência 720, apresenta 0,15 % de titânio em sua composição, o que pode ter contribuído para a
formação de carbonetos que possivelmente tenham tornado o aço mais resistente ao desgaste e a tração
[Bellonet al., 1992]. Além disso, essa composição também apresenta a mais alta porcentagem de
manganês em relação às demais, o que pode ter influência nesse comportamento, através da
estabilização da austenita. Todavia, espera-se que essa influência seja pequena, pois teores acima de
14% não apresentam alterações significativas em relação aos demais [Avery, 1949].
Utilizando-se da mesma figura, pode-se agora fazer uma análise entre as composições estudadas. Vê-se
que, das quatro referências, duas apresentaram comportamento muito próximo, 520 e 710, enquanto a
720 e 610 ocuparam os extremos, sendo, respectivamente, a mais e a menos resistente ao desgaste.
Dos corpos de prova que demonstraram comportamentos muito próximos, a referência 520 apresenta
molibdênio em sua composição, o que justifica sua baixa resistência ao desgaste, uma vez que esse
elemento pode aumentar a tenacidade e a resistência à fratura, como também para valores próximos de
1%, pode aumentar a susceptibilidade à fusão incipiente, [Bain, 1956]. A referência 710, cujo
comportamento é semelhante à anterior, apresenta alta taxa de manganês, em torno de 18 %, o que pode
ter aumentado o limite de resistência e ductilidade, [Avery, 1954]. 
Já o aço, que apresentou a maior resistência ao desgaste, a referência 720, apresenta em sua
composição o titânio, que pode reduzir o carbono na austenita, formando carbonetos muito estáveis, que
justificam seu comportamento, tanto na resistência ao desgaste como no refino dos grãos, o que pode ser
observado na figura 04 [Bellonet al., 1992].
Através das análises das imagens das figuras de 06 a 09, pode-se claramente verificar que a composição
720 apresentou a menor profundidade de camada encruada. Esse fato era esperado em função de sua
composição. Nessa composição está presente o titânio, elemento que se agrega ao carbono, formando
grande quantidade de carbonetos. São estruturas estáveis e altamente resistentes ao desgaste e que
trabalham travando os possíveis movimentos das discordâncias [Bellonet al., 1992]. As demais
composições apresentaram profundidades de camada encruada muito próximas.

4. Conclusões
Das quatro composições estudadas, 520, 610, 710 e 720, a referência 720 foi a que apresentou maior
resistência ao desgaste, sendo seguida pela 710 e 520, que apresentaram taxas de desgaste idênticas e,
por fim, a referência 610. Essa última foi a que apresentou menor resistência ao desgaste em
comparação com as demais.
A microscopia óptica mostrou a grande influência da composição no tamanho dos grãos. A referência com
maior resistência ao desgaste, a 720, apresentou menores tamanhos de grão. As demais composições
apresentaram tamanhos médios de grãos, visualmente muito próximos. Pode-se concluir que a
composição influencia o tamanho de grão, mas faltam dados sobre quais elementos não geram influência,
e como a porcentagem também é significativa nesse processo. Pode-se concluir também que a
profundidade da camada encruada não tem relação com a resistência ao desgaste do material pois a
referência que apresentou maior resistência ao desgaste não foi a que teve a maior profundidade de
camada encruada.

Referências
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*Guilherme da Rocha Lima: é graduado em física pela Unesp, com pós-graduação em Usinagem de
Materiais, atualmente é professor de física no ensino médio e pré-vestibular. Carlos Alberto Soufen:
graduado em engenharia mecânica e civil pela Unesp, com doutorado em ciências e engenharia de
materiais, atualmente é professor assistente da Unesp. MomotaroImaizumi: graduado em engenharia
mecânica pela USP, com doutorado em física, atualmente é professor assistente da Unesp. Luiz Eduardo
de Angelo Sanchez: graduado em engenharia mecânica EESC-USP com doutorado em engenharia
mecânica, atualmente é professor adjunto (livre-docente) da Unesp. Hamilton José de Mello: graduado
em física pela Unesp, com mestrado em engenharia mecânica, atualmente é assistente de suporte
acadêmico IV na Faculdade de Engenharia da Unesp.
http://www.guiadasiderurgia.com.br/novosb/component/content/article/210-
materiassb70/1952-desgaste-e-encruamento-nos-acos-hadfield

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