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Calligaris Felicidade
Calligaris Felicidade
Contardo Calligaris
Por que a busca da felicidade não seria apenas mais um direito social na lista?
Simples.
A felicidade, para você, pode ser uma vida casta; para outro, pode ser um
casamento monogâmico; para outro ainda, pode ser uma orgia promíscua.
Para você, buscar a felicidade consiste em exercer uma rigorosa disciplina do corpo;
para outros, é comilança e ociosidade. Alguns procuram o agito da vida urbana, e
outros, o silêncio do deserto. Há os que querem simplicidade e os que preferem o
luxo. Buscar a felicidade, para alguns, significa servir a grandes ideais ou a um deus;
para outros, permitir-se os prazeres mais efêmeros.
Invento e procuro minha versão da felicidade, com apenas um limite: minha busca
não pode impedir os outros de procurar a felicidade que eles bem entendem. Por
isso, obviamente, por mais que eu pense que isto me faria muito feliz, não posso
dirigir bêbado, assaltar bancos ou escutar música alta depois da meia-noite. Por isso
também não posso exigir que, para eu ser feliz, todos busquem a mesma felicidade
que eu busco.
Por exemplo, você procura ser feliz num casamento indissolúvel diante de Deus e
dos homens. A sociedade deve permitir que você se case, na sua igreja, e nunca se
divorcie. Mas, se, para ser feliz, você exigir que todos os casamentos sejam
indissolúveis, você não será fundamentalmente diferente de quem, para ser feliz,
quer estuprar, assaltar ou dirigir bêbado.
Não ficou claro? Pois bem, imagine que, para ser feliz, você ache necessário que
todos queiram ser felizes do jeito que você gosta; inevitavelmente, você desprezará
a busca da felicidade de seus concidadãos exatamente como o bandido ou o
estuprador a desprezam.
Não é coisa simples. Nosso governo oferece uma isenção fiscal às igrejas, as quais,
certamente, são cruciais na procura da felicidade de muitos. Mas as escolas de
dança de salão ou os clubes sadomasoquistas também são significativos na busca
da felicidade de vários cidadãos. Será que um governo deve favorecer a ideia de
felicidade compartilhada pela maioria? Ou, então, será que deve apoiar a felicidade
que teria uma mais "nobre" inspiração moral?