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O cognitivismo é um humanismo

O COGNITIVISMO É UM HUMANISMO

Cognitivism is a Humanism
Gustavo Arja Castañon1

Resumo
O Cognitivismo defende uma imagem de ser humano plenamente compatível com a defendida pela tradição
humanista ocidental e o movimento da Psicologia Humanista norte-americana. O humanismo postula um ser
humano com qualidades únicas no universo conhecido, que possui, portanto, necessariamente, algo natural
e universal que o caracteriza, ou seja, uma natureza humana. No caso da Psicologia Humanista, acrescenta-
se a este princípio básico o da crença num ser humano livre e auto-orientado. Implícita ou explicitamente,
o Cognitivismo defende que o ser humano é: consciente, ativo, movido por causas e razões, orientado a
metas, um processador de informação, tem seus processos cognitivos governados por regras, possui um
inconsciente cognitivo, constrói as regras que coordenam sua cognição, possui tendências inatas, reage a
significados atribuídos, tem emoções que atuam por meio da cognição, é epistemicamente motivado e
constituído de mente e corpo que interagem e se influenciam mutuamente. Com a revolução cognitiva e o
surgimento de uma abordagem que defende tal modelo de objeto para a Psicologia e testa suas hipóteses
sobre ele pelo método experimental, o ainda nascente movimento humanista foi progressivamente perdendo
força e razão de ser. O espírito reducionista, determinista e desumanizante, que segundo os humanistas era
disseminado na Psicologia pelo Behaviorismo e pela Psicanálise, encontrava então um opositor muito mais
poderoso, o Cognitivismo, que se ocupou de grande parte dos temas de investigação reivindicados pela
Psicologia Humanista.
Palavras-chave: Cognitivismo; Psicologia humanista; Antropologia filosófica; Humanismo.

1
Graduado em Psicologia pela UERJ e em Filosofia pela UFRJ. É Mestre em Psicologia Social pela UERJ e Doutor em Psicologia
pela UFRJ. Atualmente ministra cursos nas graduações em Psicologia das universidades Estácio de Sá e Católica de Petrópolis,
e cursa o Mestrado em Lógica e Metafísica da UFRJ. Endereço para contato: UCP - Faculdade de Psicologia - Rua Barão do
Amazonas, 124, Centro-Petrópolis-RJ - CEP 25685-070. e-mail: gustavocastanon@hotmail.com.

Psicol. Argum., Curitiba, v. 25, n. 48 p. 51-64, jan./mar. 2007. 51


Gustavo Arja Castañon

Abstract
Cognitivism defends a human being image fully compatible with the one of the humanist western tradition
and of the movement of the North American Humanistic Psychology. The Humanism postulates a human
being with unique qualities in the known universe, therefore necessarily possessing something natural and
universal that characterizes it, in other words, a human nature. In the case of the Humanistic Psychology, it
is increased to this basic principle of the faith on a free and self-oriented human being. Implicitly or explicitly,
Cognitivism defends that the human being is: conscious, active, moved by causes and reasons, oriented to
goals, a information processor, rule-governed in their cognitive processes, a owner of a cognitive unconscious,
constructor of rules that coordinate its cognition, a owner of innate tendencies, a attributed meanings reactor,
has emotions that act through cognition, epistemically motivated and constituted of mind and body that
interact and are mutually influenced. With the cognitive revolution and the appearance of an approach that
defends such object model for Psychology and tests their hypotheses on him through the experimental
method, the still recent-born humanist movement went progressively losing his meaning and strength. The
reductionist, determinist and dehumanizing spirit that, according to the humanists, was disseminated by
Behaviorism and Psychoanalysis in Psychology, had found a much more powerful opponent, the Cognitivism,
which was in charge of great part of the investigation themes demanded by Humanistic Psychology.
Keywords: Cognitivism; Humanistic psychology; Philosophical anthropology; Humanism.

O título deste artigo parafraseia o da esperanças do movimento humanista, o Cogniti-


famosa conferência de Jean-Paul Sartre (1973), vismo acabou por ser a maior causa de seu esvazi-
“O Existencialismo é um humanismo”, na qual amento.
este filósofo procura defender contra cristãos e
marxistas tese de que o existencialismo deve ser
classificado como um humanismo. Nesta obra, O que o Humanismo exige da Psico-
Sartre nos oferece sua influente definição de hu- logia?
manismo como a doutrina que atribui ao ho-
mem um lugar único e característico em relação
Na psicologia moderna, o conceito de
aos outros seres do universo. Visto desta forma,
humanismo ganhou contornos mais precisos, es-
Sartre pode justificar seu existencialismo ateu
tabelecidos pelo movimento que atribuiu a si este
como humanista, uma vez que esta doutrina fi-
título. A Psicologia Humanista, surgida nos Esta-
losófica sustenta que o ser humano é o único
dos Unidos do pós-guerra, surgiu como um levan-
ser no universo no qual a existência precederia
te contra a imagem de ser humano que estava sen-
a essência. Esta definição sartreana do sentido
do difundida pela psicologia por meio do Behavi-
geral do termo humanismo também é aceita por
orismo e da Psicanálise. Contra o Behaviorismo,
Pedro Dalle Nogare (1983), em obra na qual tenta
pesava a acusação de difundir uma imagem de ser
responder que denominador comum poderíamos
humano meramente reativo, semelhante à “uma
encontrar entre tantas doutrinas opostas entre si
coisa passiva perdida, sem responsabilidade por
que reivindicaram no século XX o título de hu-
seu próprio comportamento” (DeCarvalho, 1990,
manismo.
p. 33). Assim, o Behaviorismo veria o homem como
Este artigo procura apresentar evidências
um conjunto de respostas a estímulos, ou seja, uma
de que o Cognitivismo, abordagem contemporâ-
coleção de hábitos independentes. Frick (1973),
nea da Psicologia Moderna, pode reivindicar o tí-
por exemplo, era um dos que acusava o Behavio-
tulo de humanismo, tanto no sentido conferido
rismo de haver buscado criar uma visão limitada
por Sartre ao termo, quanto pelo sentido mais es-
do homem como máquina. A oposição do Huma-
trito dado a este pela Psicologia Humanista norte-
nismo ao Behaviorismo pode ser sintetizada em
americana. Contra esta pretensão, pesa sobre o
quatro pontos. Primeiro, não concordam com a
Cognitivismo a acusação que demonstrarei equi-
pesquisa com animais como acesso a uma com-
vocada de que ele seria somente uma forma deter-
preensão adequada do ser humano. Como disse
minista disfarçada de computacionalismo. Mais do
Bugental (1963), o ser humano não é um rato bran-
que isso, oferecerei evidências que sustentem a
co maior, assim uma Psicologia baseada em dados
tese de que por materializar muitas das maiores

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animais excluiria aquilo que deveria ser o objeto lações com outras pessoas, c) o ser humano é cons-
primeiro da Psicologia: os processos e experiênci- ciente, d) o ser humano possui livre-arbítrio, e) o
as distintamente humanos. Segundo, os humanis- ser humano tem intencionalidade. Assim que pu-
tas exigem que os temas de pesquisa da Psicolo- blicado, este artigo foi adotado como declaração
gia não sejam escolhidos por sua adequação ao da primeira associação deste movimento, a Ameri-
método experimental, e sim por sua importância can Association for Humanistic Psychology (AAHP),
para o ser humano e relevância para o conheci- o que indica sua representatividade.
mento psicológico. Terceiro, opõem à concepção Abraham Maslow (1968), consensual-
reativa e mecanicista behaviorista do ser humano mente considerado o fundador do movimento
uma concepção proativa da natureza humana: os humanista, ofereceu outra definição muito escla-
humanistas argumentam que a motivação humana recedora do que seria a essência de uma psicolo-
é intencional e automotivada. Por último, afirmam gia humanista:
que ainda que fosse possível ao Behaviorismo re-
alizar um catálogo completo dos comportamentos 1 - Cada um de nós tem uma natureza interna
humanos possíveis, isto não ofereceria uma des- essencial, biologicamente alicerçada, a qual
crição adequada da natureza humana, pois o ser é, em certa medida, “natural”, intrínseca, dada
humano é um todo único e indivisível. e, num certo sentido limitado, invariável ou,
Já contra a Psicanálise pesavam as mes- pelo menos, invariante. 2 - A natureza inter-
na de cada pessoa é, em parte, singularmente
mas acusações de determinismo e reducionismo,
sua e, em parte, universal na espécie. 3 - É
somadas às de dogmatismo e patologização da possível estudar cientificamente essa nature-
condição humana. As idéias de Freud sobre o ser za interna e descobrir a sua constituição (não
humano seriam pessimistas, fatalistas e excessiva- inventar, mas descobrir). (p. 27)
mente centradas no “lado negro” do ser humano.
Como diz DeCarvalho (1990), os humanistas argu- Assim, de acordo com esta definição, toda
mentavam que para Freud “nada além de destrui- teoria que afirme que o ser humano não tem uma
ção, incesto e assassinato poderia se seguir se uma “natureza humana”, biologicamente alicerçada, não
natureza básica humana encontrasse expressão pode ser considerada humanista, mas da mesma
completa” (p. 34), para ele, segundo Freud a pes- forma, qualquer teoria que afirme que esta nature-
soa permaneceria para sempre fixada em emoções za determina completamente o que é o ser huma-
originadas de traumas da infância. O homem não no, desconsiderando o caráter único e irrepetível
seria nada além de um produto de poderosas pul- de cada indivíduo, também não poderia ser carac-
sões de fundo biológico, que se manifestariam de terizada como tal. É importante chamar a atenção
acordo com a história do passado de cada um. para o fato de que o segundo postulado de Mas-
Como dizia Maslow, a Psicanálise somente estuda- low defende implicitamente que o ser humano não
va indivíduos perturbados: neuróticos e psicóti- é um ser absolutamente condicionado pelos fato-
cos: “o estudo de espécimes aleijados, enfezados, res biológicos, psicológicos e sociais que influen-
imaturos e patológicos só pode produzir uma Psi- ciam sua constituição. Já o primeiro, garante um
cologia mutilada e uma filosofia frustrada” (1963, domínio de investigação no qual em tese poderi-
p. 234). A Psicologia deveria, portanto, se voltar am ser estabelecidas leis naturais. Mas como con-
para o estudo das qualidades e características po- ciliar num corpo de teorias científicas os efeitos
sitivas do Homem, como a alegria, o altruísmo, a resultantes do segundo postulado sobre o com-
fruição estética, a satisfação ou o êxtase. Enfim, portamento com as leis implícitas no primeiro e
psicólogos deveriam estudar o homem sadio, não terceiro? Como conciliar liberdade e criatividade
somente a psicopatologia. com leis naturais?
Contra o Behaviorismo e a Psicanálise, a Para os humanistas, a Psicologia contem-
Psicologia Humanista defendia uma visão de ser porânea se desenvolve na esteira de um velho
humano baseada nos seguintes pressupostos, enun- conflito filosófico, o conflito apontado por Gor-
ciados pelo histórico artigo de James Bugental don Allport (1975) entre as tradições lockeana e
(1963), “Humanistic Psychology: A New Bre- leibniziana no pensamento psicológico e por Jo-
akthrough”: a) uma pessoa é mais que a soma de seph Rychlak (1975) para quem somente o termo
suas partes, b) nós somos afetados por nossas re- ‘leibniziana’ é substituído pelo termo ‘kantiana’.

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Como defende Allport, para a tradição lockeana, o natureza humana biologicamente alicerçada; c)
Homem é considerado um ser passivo, um recep- possui um montante de liberdade; d) é conscien-
táculo de impressões sensoriais que irá constituir te; e) é orientado a metas; f) não pode ter seu
seu intelecto. Esta é a teoria da white paper de estudo meramente substituído pelo estudo de ani-
Locke, que faz seu o axioma aristotélico de que mais e, finalmente; g) precisa gerar uma Psicolo-
“nada há no intelecto que antes não tenha passa- gia científica que investigue suas qualidades úni-
do pelos sentidos”. Assim o ser humano seria um cas e positivas. Para oferecer essas evidências, será
ser passivo atuando e se constituindo de acordo apresentado um curto inventário de como o Cog-
com os estímulos recebidos, sendo por eles, por- nitivismo define o ser humano.
tanto, governado.
Leibniz iria ironicamente, no combate
aberto à imagem lockeana de ser humano, acres- A imagem cognitivista de ser humano
centar a esta sentença as palavras “a não ser o
próprio intelecto”. Ou seja, no mínimo, antes da- Ampliando a definição oferecida por An-
quilo que passou pelos sentidos, está na mente a tônio Gomes Penna (1984), dividirei esta exposi-
própria capacidade de assimilar e relacionar o ção em treze tópicos que caracterizam o modelo
material que é fornecido por estes, capacidade essa antropológico adotado pelo Cognitivismo (Cas-
que não pode ser dada por eles. Leibniz qualifica tañon, 2006), conforme posições defendidas por
o ser humano como livre, ativo e orientado pro- seus autores mais significativos, como George Mi-
positivamente. O ser humano é um foco de ativi- ller, Jerome Bruner, Roger Sperry, Noam Chomsky,
dade do universo, e não um mero objeto sofrendo Jean Piaget, Jerry Fodor, Urlic Neisser e Aaron Beck.
a influência pura e simples das leis físicas. Assim, a) O ser humano é dotado de consciên-
o humanismo rompe com a tradição mecanicista e cia - contra o Behaviorismo, o resgate do conceito
cerra fileiras com a tradição leibniziana da Psico- de consciência como um fenômeno real, condici-
logia (e de universo) considerando o ser humano onado, mas não redutível ao biológico (Miller, 1985;
como consciente, auto-orientado e criativo, em Bruner, 1997; Sperry, 1993) é uma das característi-
suma, possuidor de livre-arbítrio. cas centrais da imagem de homem promovida pelo
Mais recentemente, o maior nome da Cognitivismo. Cabe aqui acrescentar, no entanto,
Psicologia Humanista contemporânea, Joseph que por consciência não se entende um epifenô-
Rychlak (1988), em obra que pretende refundar a meno descartável, que uma vez excluído em nada
Psicologia Humanista, acrescentou aos pontos pro- alteraria as seqüências de comportamento a serem
gramáticos acima mais alguns, sendo o principal efetuadas por um organismo, conforme concebi-
deles sua reivindicação de que no campo da teo- am filósofos behavioristas e positivistas que ousa-
ria explicativa, as causas formais e finais devem vam abordar esta questão. No Cognitivismo, a cons-
ser readmitidas em seu pleno direito. Ou seja, para ciência não é o fantasma na máquina de Gilbert
Rychlak, o conceito de agency, ou do sujeito pro- Ryle (1949), ela é a dona da máquina. Nomes como
ativo e orientado a metas, é central e sem ele ne- Neisser (1967) e Sperry (1993) consideram a cons-
nhuma Psicologia digna do nome pode ser cons- ciência uma propriedade emergente da atividade
truída. Assim, como afirma Rychlak (1975) em seu cerebral, que, no entanto, possui propriedades que
clássico artigo “Psychological Science As a Huma- não se reduzem às propriedades desta atividade.
nist Views It”, o humanismo é uma descrição teóri- Isso leva ao interacionismo característico da posi-
ca do comportamento em termos de causas for- ção mente-corpo do Cognitivismo, que veremos à
mais e causas finais, mais do que em termos de frente. De resto, cabe aqui por último lembrar o
causas materiais e causas eficientes, como no argumento de Penna (1984, p. 45) em favor da
Behaviorismo e na Psicologia Fisiológica. relevância da consciência como fenômeno bioló-
Portanto, para sustentar a tese deste arti- gico, em contra dos pouco verossímeis argumen-
go de que o Cognitivismo é uma abordagem que tos de Ryle e dos behavioristas. Neste, lembra ele
contempla as principais reivindicações da Psicolo- que a tese behaviorista da irrelevância da consci-
gia Humanista, terão que ser oferecidas evidênci- ência não se compatibiliza com o fato de sua pre-
as de que ele considera que o ser humano: a) tem servação ao longo do processo evolutivo, já que
propriedades únicas no universo; b) possui uma segundo a teoria da evolução a vida tende a des-

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cartar as formações emergentes inúteis e desne- da razão x. Assim, o formato das leis sobre metas
cessárias. Se a consciência fosse um simples epife- seria “quando o sujeito a possui a meta x, nas con-
nômeno, seu destino já teria sido o desapareci- dições y, o comportamento será w”, e nunca pode-
mento. Nesse ponto, é preciso escolher: ou o Beha- ria versar sobre como necessariamente chegamos a
viorismo ou o Evolucionismo. possuir a meta x.
b) O ser humano é ativo – a proativida- d) O ser humano é orientado a metas – O
de, o agency (poderíamos dizer, um certo mon- caráter agente do ser humano pode ser represen-
tante de livre-arbítrio), é característica distintiva da tado cognitivamente pelo conceito de metas, e
imagem de homem oferecida pelo Cognitivismo. dessa maneira abordado conceitualmente por meio
O ser humano não é uma bola de bilhar reativa da linguagem da cibernética e do conceito de fee-
num universo mesa-de-bilhar newtoniano-meca- dback. É idéia central do Cognitivismo que o com-
nicista. Ele é um foco de atividade do universo. portamento humano não pode ser adequadamen-
Busca ativamente metas, constrói ativamente suas te descrito, previsto ou compreendido em termos
estruturas cognitivas, atribui ativamente significa- de estímulo-resposta e, portanto, pressões ambi-
do. É o papel ativo e construtivo da consciência entais. Todo o comportamento humano é prospec-
que impede que o Cognitivismo seja interpretado tivo e visa atingir metas por planos e estratégias de
como uma teoria mediacional como a IA forte. ação consciente. Como estabeleceram Miller, Ga-
Portanto, sem dúvida, podemos alinhar o Cogniti- lanter e Pribram (1960), podemos definir um pla-
vismo do lado da tradição leibniziana da Psicolo- no de maneira rigorosa como um processo hierár-
gia ou ainda kantiana contra a tradição lockeana. quico de seqüências de operações a serem execu-
Piaget (1973) é representante paradigmático desta tadas por um organismo, da mesma forma como
posição, com sua Psicologia do desenvolvimento um programa para um computador. Se a isto acres-
calcada nos conceitos de organismo ativo e ativi- centarmos um modelo TOTE (test-operate-test-exit),
dade do sujeito sobre o mundo construindo suas estamos diante de um modelo cibernético de auto-
estruturas cognitivas. Para Piaget, o sujeito psico- regulação orientada a metas, ou feedback. Num
lógico é um objeto que difere fundamentalmente modelo de feedback negativo, que é o tipo que
dos corpos e das forças cegas que constituem os estamos avaliando, parte do output volta como
objetos das ciências físicas. input de forma a permitir a uma máquina ciberné-
c) O ser humano é movido por causas e tica (como um míssil) calcular a margem de erro
razões - o cognitivismo reconhece duas ordens de entre a meta estabelecida (um alvo) e a atual posi-
causalidade para o comportamento humano: as cau- ção da máquina (no caso posição no espaço), o
sas eficientes e as causas finais. A primeira se dá em que permite ao sistema ajustar seu comportamen-
virtude da natureza físico-química constitutiva do to (output) em relação à meta.
ser humano que é movida por leis estritas de causa- e) O ser humano é um processador de
lidade, governada pelo mundo natural. A segunda informação - é a metáfora computacional, a visão
se daria em virtude das propriedades emergentes do ser humano como um organismo ativo que pro-
da organização e atividade cerebral, a consciência e cessa informação, primeiro a recebendo, depois a
a atividade dela resultante, (Sperry, 1993). Penna decodificando, a transformando, a armazenando,
(1984) expõe como este tipo de compromisso re- a recuperando e, por fim, a utilizando. É impor-
presenta mais um afastamento radical da tradição tante enfatizar novamente que o Cognitivismo (não
positivista, uma vez que explicações centradas em as Ciências Cognitivas) sempre considerou a me-
razões são derivadas do conceito de escolha, e este, táfora computacional somente uma metáfora, útil
é indissociável do conceito de liberdade, que por por oferecer linguagem e aparatos conceituais
usa vez é inconciliável com o determinismo lapla- novos para a abordagem eficiente dos fenômenos
ceano que caracteriza a visão de mundo positivista. cognitivos. O ser humano é mais do que um pro-
No entanto, o Cognitivismo só considera que pode- cessador de informações (Neisser, 1967; Gardner,
mos estudar cientificamente causas finais quando 1996; Sperry, 1993), porque tem uma consciência
estas já se encontram definidas em termos de cau- que atribui significados a estas informações e de-
sas formas, na forma de hierarquia de metas. Ou cide cursos de ações, mas é certo que ele também
seja, podemos estudar a razão x como causa do é um processador de informações, e o é, quase
comportamento y, mas nunca investigar as “causas” todo o tempo.

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f) O ser humano tem seus processos cog- nha revelado que os pensamentos automáti-
nitivos governados por regras - este processamen- cos são com freqüência muito facilmente ad-
to não é aleatório, ele obedece a etapas processu- mitidos à percepção consciente, a situação
ais e a estruturas, ou seja, a regras estavelmente teórica da noção de ‘automatismo’ sugere que
definidas. É certo que algumas destas regras po- esse processamento cognitivo talvez seja me-
lhor denominado de ‘pré-consciente’ (Beck
dem mudar (o “programa”, a estratégia), mas ou-
& Alford, 2000, p.27).
tras são muito básicas, são o “sistema operacional”
de nossa mente, inatas ou ao menos inata é a ten-
Portanto, existe atualmente a tendên-
dência a desenvolvê-las. Os maiores expoentes
cia no cognitivismo da divisão entre inconsciente
desta posição no Cognitivismo, posição comparti-
cognitivo, que seriam as regras e estruturas não
lhada em uma medida ou outra por todos os teóri-
apercebidas de processamento, organização e ar-
cos desta abordagem, são Chomsky (1971) e Fo-
mazenamento de informações, e subconsciente
dor (1975).
cognitivo, que seriam os processos automáticos de
g) O ser humano possui um inconsci-
processamento de informação e atribuição de sig-
ente cognitivo – o ser humano processa informa-
nificado, não executados ou controlados pelo foco
ção e possui regras e estruturas para isso, que não
de atenção da consciência (como um sentimento
é feito conscientemente a maior parte do tempo.
desagradável por um lugar ou o comportamento
Majoritariamente, o processamento de informação
de dirigir um carro).
se dá de forma inconsciente, assim como são in-
h) O ser humano constrói as regras que
conscientes a maior parte das regras e estruturas
coordenam sua cognição – no mínimo, o Cogniti-
que governam este. Penna (1984) caracteriza o
vismo acredita que a maior parte das regras, pro-
inconsciente cognitivo como um conjunto de es-
cessos ou estruturas que coordenam o processa-
truturas e processos inacessíveis ou só muito difi-
mento de informação humano – a cognição – são
cilmente acessíveis à nossa consciência, e lembra
construídas pelo sujeito em um processo de con-
que este conceito é derivado da filosofia de Leib-
tínua interação com o mundo. Esta posição nós
niz. Chomsky & Piaget estão entre os cognitivistas
conhecemos hoje com o nome de construtivismo.
que abordaram explicitamente o problema, que
Tem sua origem na Psicologia experimental com a
hoje ganhou renovado interesse. Exemplos de pro-
obra revolucionária de Jean Piaget, que demons-
cessos e estruturas inconscientes são: a estrutura
trou como as formas de raciocínio humanas apa-
profunda da gramática transformacional de
rentemente mais naturais são na verdade constru-
Chomsky, a linguagem do pensamento de Fodor,
ídas ao longo do desenvolvimento nas suas intera-
os estágios de desenvolvimento cognitivo de Pia-
ções com o mundo. No entanto, o construtivismo
get, as habilidades presentes na memória implícita
característico da tradição cognitivista se faz acom-
e as atribuições perceptivas. A grande questão em
panhar igualmente de uma tradição inatista, exi-
aberto sobre o inconsciente cognitivo é em rela-
gindo uma síntese superior entre estas duas posi-
ção a sua acessibilidade ou inacessibilidade abso-
ções que, no entanto, não parece mais problemá-
luta. No começo da revolução cognitiva a balança
tica. Desde que Chomsky e Piaget promoveram o
pendia para os que defendiam, como Chomsky
histórico encontro de Royaumont, em 1975 – en-
(1981, 1987), a tese da inacessibilidade. Mas atual-
volvendo além deles nomes como Bärbel Inhel-
mente a tendência predominante é a de conside-
der, Hilary Putnam, Jerry Fodor, Gregory Baetson
rá-los ora subconscientes, ora regras e estruturas
& Seymour Papert, entre outros (Piatelli-Palmarini,
que podem ser representadas conscientemente.
1987) – vários esforços de síntese entre as duas
Aaron Beck, representante máximo da abordagem
posições anti-empiristas foram articuladas. Com o
cognitivista da psicoterapia, é defensor da segun-
tempo, a boa e velha ciência moderna têm ofere-
da tese. Ele declara sobre a relação entre os con-
cido suas próprias soluções, demonstrando que
ceitos de pensamento automático e inconsciente
algumas estruturas e habilidades muito básicas
cognitivo:
precisam ser consideradas inatas, evidentemente,
sem a eliminação da necessidade de se postular
Os conceitos ‘pensamentos automáticos’ e ‘in-
consciente cognitivo’ possuem muitos aspec-
processos de construção de estruturas (para um
tos comuns. Embora a observação clínica te- extenso inventário das evidências atuais em su-
porte do inatismo) (Pinker, 2004).

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O cognitivismo é um humanismo

i) O ser humano possui tendências ina- k) O ser humano tem emoções que atu-
tas para desenvolver certas estruturas – confor- am por meio de cognições – o estudo cognitivo sis-
me abordado, é igualmente representativa da tra- temático da motivação e emoção ainda é um capí-
dição cognitivista a crença de que certas estrutu- tulo em aberto do Cognitivismo e talvez o grande
ras muito básicas da cognição, assim como certos ponto fraco da abordagem, em virtude do não es-
processos também muito básicos, são inatos, ou tabelecimento de um adequado sistema de refe-
no mínimo, que a tendência a desenvolvê-los é rência para abordar a questão. A abordagem do
inata. Típico representante desta tradição é processamento de informação tende a ser inade-
Chomsky (1971). As pesquisas contemporâneas quada porque o sistema cognitivo, por uma con-
em Psicologia do Desenvolvimento sobre as apti- veniência metodológica, é considerado isoladamen-
dões de recém-nascidos dão ampla sustentação te das influências emocionais e motivacionais (Fo-
ao inatismo, assim como a própria observação da dor, 1991). No entanto, o problema da motivação
natureza. A imensa maioria dos animais apresen- e emoção não deixou de receber contribuições
ta ao nascer grande repertório instintivo de com- originais desta abordagem, que inclusive tem se
portamentos altamente complexos, adquiridos em mostrado extremamente férteis no principal cam-
longo processo de evolução de sua espécie. Não po aplicado da Psicologia: a Psicoterapia. A posi-
é surpresa constatar que o ser humano tenha no ção canônica desta abordagem em relação ao pro-
mínimo algumas estruturas e regras de processa- blema das emoções é a de Jerry Fodor (1975), que
mento “pré-programadas”, como um bios. Surpresa transforma o conceito vago de desejo (ou os cor-
seria o contrário. No entanto, ambas as posições relatos de vontade, impulso, instinto, pulsão, etc.)
não são contraditórias. Primeiro, podemos consi- numa representação deste (“quero comida”) que
derar que existam estruturas e regras cuja poten- interagindo com representações de outras crenças
cialidade para se desenvolver é inata, mas cujo (tem comida na geladeira) causa uma meta (apa-
ato de seu desenvolvimento é construtivo. Tam- nhar comida na geladeira). A representação de uma
bém, poderíamos considerar que poucas e bási- meta, como toda representação, é computável e
cas regras e estruturas são inatas, a partir das quais determina funcionalmente o comportamento do
muitas e complexas estruturas e regras são cons- sistema. Caracteristicamente, as melhores contri-
truídas. buições neste campo vêm sendo dadas à imagem
j) O ser humano reage a significados atri- geral cognitivista de Ser Humano por dois campos
buídos – como observou Penna (1984), esta tese da Psicologia que foram recentemente invadidos
do movimento cognitivista é herdada de George pela abordagem Cognitivista: A Psicologia Clínica
Mead. Este defendia que seres humanos não rea- e a Psicologia Social. No campo da Psicologia Clí-
gem a estímulos físicos, mas sim aos significados nica, a teoria cognitiva da personalidade (Beck &
atribuídos a estes estímulos. Em última análise, Alford, 2000) postula que as emoções são mais
poderia se encontrar a raiz deste pensamento na conseqüências do que causas das cognições, logo,
filosofia estóica. É famosa a máxima de Epicteto, crenças disfuncionais geram emoções disfuncio-
segundo a qual o que comove o homem não são nais, mas o inverso também é verdadeiro. Ainda,
as coisas mesmas, mas sim suas opiniões sobre não são os fatos (ou informações) que nos provo-
elas. Na Psicologia, entra pelas mãos de influente cam emoções, mas nossas interpretações sobre eles.
artigo de Sperry (1977). Diga-se de passagem, Bru- Da mesma forma, o Cognitivismo não vê nas mo-
ner (1997) em suas últimas obras, reclama que o tivações de origem fisiológica (fome, sede, sexo,
significado atribuído, e não o processamento de sono) poder para determinar diretamente o com-
informação, deveria ser o verdadeiro objeto de portamento dos sujeitos: como quaisquer outros
estudo de uma Psicologia Cognitivista. Nos últi- estímulos, eles são informações sobre as quais atri-
mos anos, a questão do significado atribuído como buiremos significados, e é a estes que reagiremos,
o verdadeiro determinante do comportamento ga- não aos estímulos. Esta não é uma idéia difícil de
nhou destaque renovado no Cognitivismo com a compreender: apesar da fome, o preso político
emergência da extremamente bem-sucedida Tera- continua sua greve de fome, pois ele vê nela uma
pia Cognitiva, capitaneada por Aaron Beck e que arma política; apesar do desejo, o monge se com-
faz dessa idéia uma pedra angular de sua teoria porta de maneira celibatária, pois interpreta o de-
psicoterapêutica. sejo sexual como uma tentação que o afastará do

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Gustavo Arja Castañon

crescimento espiritual, não como um prazeroso A Psicologia Cognitiva e o Problema


processo biológico; já o libertino, come, bebe, Mente-corpo
dorme e faz sexo não porque não consiga contro-
lar seus instintos, mas porque acredita que não
É evidente que o cognitivismo promove
consegue ou que não quer. Ambas as formulações
uma distinção clara entre dois domínios de análise
partem do pressuposto de que a emoção e o dese-
do ser humano, o físico e o mental. Foi Neisser
jo são subordinadas à razão.
(1967) o primeiro psicólogo cognitivo que assu-
l) O Ser Humano é também epistemica-
miu plenamente as conseqüências da conquista
mente motivado – estas idéias sobre as relações
filosófica de Hilary Putnam (1961) e percebeu a
entre motivação e cognição afirmam que parte
natureza da utilidade da metáfora computacional
de nossa motivação é meramente cognitiva, ou
para a Psicologia Cognitiva. Muito embora ele já a
seja, voltada para a obtenção de conhecimento
considerasse inadequada “de muitos modos” (1967,
mais apurado do universo. E isso não se daria
p. 6), ele havia percebido que o grande serviço
mediatamente, em virtude de um instinto de so-
prestado por ela era demonstrar que, mesmo numa
brevivência e, portanto, de vontade de poder, mas
máquina lógica não-biológica como o computa-
diretamente, como uma vontade de sentido. Ape-
dor, existem dois níveis de análise bem diversos: o
sar das inspirações fenomenológicas, gestaltistas
do hardware e o do software. Isso legitimava a
e existencialistas desta idéia, pode-se dizer que
divisão entre um domínio de análise físico-cere-
ela vem desde o thaumátzein grego, ou seja, a
bral e outro psicológico-mental no ser humano. O
tese de que o maravilhamento diante do real era
Psicólogo não está interessado em como os dados
a motivação básica da atividade filosófica. Como
são registrados no HD, e sim em entender como
aponta Krüger (1986), foi a Psicologia Social Cog-
funcionam os programas, as cognições. É por isso
nitiva que forneceu modelos testáveis destas te-
que para Neisser a preocupação dos neurocientis-
ses, com a Teoria da Atribuição de Fritz Heider e
tas em como e onde a memória está armazenada é
a Teoria da Dissonância Cognitiva de Leon Fes-
inútil para o psicólogo: “Ele quer entender sua uti-
tinger. Poderíamos dizer que estas teorias apre-
lização, não sua encarnação” (p. 6). Isso seria o
sentam visões do Ser Humano sucessivamente
mesmo para ele que querer que o Economista que
como cientista ingênuo e como caçador de con-
procura entender o fluxo monetário de capitais na
sistência. A visão do Ser Humano como caçador
economia se dedique ao estudo de se as moedas
de consistência focaliza a questão de como as
físicas efetivamente utilizadas em certa transação
pessoas explicam seus comportamentos e os das
foram de ouro, prata, cobre, ferro, papel ou ainda
outras pessoas, ou seja, quais as relações causais
cheques. Essa posição de Neisser é fruto do deci-
que elas atribuem ao mundo social, na tentativa
sivo ataque de Hilary Putnam (1961), desenvolvi-
de torná-lo prognosticável. Já segundo a teoria
do anos depois por Jerry Fodor (1968), ao reduci-
da dissonância cognitiva (Festinger, 1975), o Ser
onismo do behaviorismo lingüístico e do materia-
Humano se vê motivado quando percebe discre-
lismo eliminativo (e a tese da identidade estado
pâncias entre suas cognições. Quando ocorrem
mental – estado cerebral). Este ataque e os novos
implicações contraditórias entre duas crenças
argumentos propositivos destes filósofos fundaram
importantes para uma pessoa, gera-se uma ansie-
uma corrente da Filosofia contemporânea decisiva
dade que desemboca em pressões no sentido da
para a Revolução Cognitiva: o Funcionalismo. A
redução dessa dissonância. Essa redução se daria
idéia central do Funcionalismo é que os estados
necessariamente pelo abandono de uma das cren-
mentais são estados funcionais de uma máquina
ças, de ambas, ou pela introdução de uma nova.
ou de um cérebro, não estados cerebrais como
Assim, estes são dois exemplos de teorias cogni-
queria a teoria da identidade, que como afirma
tivistas (a primeira é de inspiração gestaltista) que
Putnam, não passa de materialismo ingênuo e sim-
ilustram a idéia básica do Cognitivismo de que a
plório. Estes estados funcionais são realizados por
obtenção de conhecimento é ela própria uma
estados cerebrais, mas poderiam sê-lo por outro
motivação básica do ser humano. Tendo aborda-
hardware (outro cérebro no caso) de maneira cor-
do estas doze características da imagem de ho-
relata ao que acontece quando você instala o mes-
mem oferecida pelo Cognitivismo, só nos resta
mo programa em duas máquinas diferentes com o
abordar uma outra.
mesmo sistema operacional e o coloca para rodar.

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O cognitivismo é um humanismo

Pode-se estar falando de um 486 de um lado e um bém de Neisser, o Cognitivismo não é reducionis-
Pentium 4 do outro, mas se ambas as máquinas ta: não há como reduzir o nível abstrato de análise
estão rodando num Windows 98 e ambos estão das regras e estruturas cognitivas ao nível concre-
executando um programa Word 97 para abrir o to da organização e atividade cerebral. Obviamen-
mesmo arquivo, ambos os hardwares, que são te as operações lógicas de um programa podem
diferentes, estão no mesmo estado funcional. Este ser descritas independentemente do hardware es-
é o conceito de Putnam (1961) de realizabilidade pecífico onde elas estão ou serão instaladas. As-
múltipla (de realizável). Conseqüentemente, a for- sim, “estados mentais” podem e devem ser descri-
ma física de uma máquina ou de um cérebro é tos de forma completamente distinta dos “estados
irrelevante para a determinação do papel funcio- físicos” do cérebro.
nal que ele realiza. O que Putnam propõe é que No entanto, como lembram Eysenck &
nossos estados mentais estão para os estados neu- Keane (1994), é também crença generalizada da
rofisiológicos da mesma forma que os estados ló- Psicologia Cognitiva o princípio do isomorfismo
gicos de uma máquina estão para os estados físi- entre mente e cérebro, ou seja, que ambos têm
cos dessa máquina. Assim, podemos reduzir esta uma organização semelhante em suas estruturas.
idéia à célebre fórmula: A mente está para o cére- Isso faz com que a investigação do cérebro e de
bro como o software para o hardware. A idéia é de seu funcionamento normal e alterado (drogas, le-
fato irresistivelmente simples, uma vez que conhe- sões) seja significativo para a investigação psicoló-
çamos mesmo que superficialmente o funciona- gica, pois a primeira produz pistas importantes para
mento de um computador. Nós podemos com ri- a segunda (no entanto o inverso tem sido muito
gor determinar como funciona o Word for Windo- mais verdadeiro nos últimos cinqüenta anos). Mas
ws, sem ter qualquer idéia de como isso está insta- também é significativo que quando alguém postu-
lado e “rodando” em nosso hardware. la que a atividade cerebral é semelhante à ativida-
É necessário lembrar que o Cognitivismo de mental, está assumindo paralelamente que am-
aceita esta tese, mas não se limita a ela. Bruner bas não são a mesma coisa. Portanto, todo isomor-
(1997) lembra que, infelizmente, a metáfora com- fismo é um dualismo, porém, não necessariamen-
putacional não significa a reabilitação científica dos te ontológico.
estados intencionais da consciência e de suas qua- Bernard Baars (1986) explicou bem o
lidades subjetivas. Acreditar, desejar, compreender problema em que está envolvida a Psicologia Cog-
um significado passaram a ser as entidades que nitiva. Por trezentos anos desde Descartes, o pro-
não deveriam ser aceitas na ciência cognitiva nas- blema mente-corpo vem sendo discutido em ter-
cente. Isso no entanto vingou na Neurociência e mos da “substância fundamental da realidade”: a
na Inteligência Artificial, porém, como vemos, não realidade é material, mental ou dividida em ambas
no Cognitivismo. as substâncias? Depois do dualismo de substânci-
Entendido isso, cabe inserir nossa pergun- as cartesiano, duas outras posições básicas foram
ta: até que ponto é legítima a afirmação de que a estabelecidas na Filosofia, ambas monistas: o mo-
posição da Psicologia Cognitiva para o problema nismo pan-psíquico e o monismo materialista. Para
mente-corpo representa um novo dualismo? Esta- o primeiro, a única substância do universo é o
mos aqui diante de um dualismo metodológico, Espírito, e tudo é mental. Para a segunda, a única
mas será que isso equivale a um dualismo ontoló- substância do universo é a matéria, e só existe o
gico, a posição cartesiana de duas substâncias di- mundo físico.
versas e independentes, a res extensa e a res cogi- A Folk Psychology, o senso-comum, é
tans? Segundo a maioria dos Cognitivistas não. Eles dualista. Acredita-se em geral que possuímos duas
continuam aderidos a um monismo geral, que con- espécies de realidade, a consciência ou a mente e
sidera só haver uma realidade natural, e que o o corpo ou o cérebro. Para o Behaviorismo Lingu-
universo é feito de uma única substância. Esta é a ístico, não há dubiedade possível na atitude cien-
posição do próprio Neisser: “Da minha parte, eu tífica: a mente é uma ilusão, só o mundo físico é
não tenho dúvidas que o comportamento humano real. A consciência como iniciadora de ações, ou
e a consciência dependem inteiramente da ativi- seja, como entidade que tem eficácia causal, é um
dade do cérebro, em interação com outros siste- incômodo fantasma na máquina que não tem ex-
mas físicos” (1967, p. 5). Porém, como vimos tam- plicação, portanto, não pode existir! Esta doutrina

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Gustavo Arja Castañon

não considera, é claro, que tal posição é tão meta- interacionismo. O principal motivo para isso é que
física quanto a cartesiana ou a monadologia leib- um funcionalismo do tipo advogado por Putnam
niziana, e como tal, não é em absoluto científica, (1961) (não por Fodor), apesar de ter demonstra-
além de ser inverossímil. Com a Psicologia Cogni- do a irredutibilidade do mental ao físico, ainda
tiva, no entanto, o problema se agrava. Geralmen- não é um modelo adequado para as propriedades
te, como afirma Baars (1986), psicólogos cogniti- intencionais da consciência (Searle, 2000), sem o
vos tendem a defender que a realidade é em últi- qual qualquer filosofia da mente é insuficiente.
ma análise física (monismo materialista), e que a Entre as teorias interacionistas mais influentes, te-
experiência subjetiva é simplesmente uma diferente mos a elaborada pelo filósofo precursor do cogni-
perspectiva do mundo físico. O dualismo aqui tivismo, Karl Popper, em conjunto com o neurolo-
poderia se dizer simplesmente metodológico, mas gista John Eccles (1977). Afirma Popper (1975),
o que se demonstra é a completa independência em passagem esclarecedora de sua verdadeira
entre dois diferentes níveis de análise, pois, como posição:
vimos, a informação não é, em nenhuma hipóte-
se, algo físico. Isso faz desta primeira posição cog- Podemos conjecturar que a Consciência, por
nitivista acerca do problema mente-corpo uma sua vez, é produzida por estados físicos; con-
posição muito frágil teoricamente e pouco susten- tudo, ela os controla em considerável exten-
tável metafisicamente. são. Assim como um sistema legal ou social é
Mas nem todos os cognitivistas se sentem produzido por nós e, todavia, nos controla,
não sendo em qualquer sentido razoável ‘idên-
na obrigação de descartar de saída o dualismo car-
tico’ ou ‘paralelo’ a nós, mas interage conos-
tesiano. Noam Chomsky (1971) defende explicita- co, assim também os estados de consciência
mente que a tese cartesiana do dualismo é perfei- (a ‘mente’) controlam o corpo e interagem
tamente racional e não pode ser descartada por com ele (p. 230).
princípio. Ele traça um interessante paralelo entre
a tese cartesiana da substância mental e a tese O problema principal com o interaci-
newtoniana da gravidade. Lembra que os mesmos onismo tem sido a recusa em afirmar o que a men-
motivos que levavam os materialistas mecanicistas te é (Bunge, 1980), o que de fato é reconhecido
a atacar a teoria da gravidade os levavam a atacar pelo próprio Popper (1975, p. 230), que, no en-
a substância mental. Era inobservável diretamen- tanto, acredita que o interacionismo é uma res-
te, e muito pior, agia sobre os corpos de forma posta “quase trivial” ao problema de Descartes, e
inobservável e à distância, algo inconcebível para lida bem com nossa crença comum e aparente-
os moldes da mecânica newtoniana. A força de mente óbvia de que há um certo dar e tomar entre
ação à distância, a idéia de um princípio de atra- o corpo, que modifica a mente, e a mente, que
ção como propriedade inata dos corpúsculos últi- modifica o corpo. Existe, defende Popper, retroa-
mos da matéria, simplesmente não se encaixava limentação, interação entre a atividade mental e
no arcabouço geral da ciência, porém, ao contrá- outras funções do organismo. Esta outra passagem
rio das teses cartesianas sobre a consciência, tinha é perfeitamente esclarecedora de que, no entanto,
esmagador poder preditivo, e, portanto, acabou seu dualismo não é (diga-se de passagem incoe-
sendo aceita. rentemente) um dualismo ontológico, e que por-
Se o físico e o mental são heterogêne- tanto, é plenamente representativo do tipo de po-
os, ou eles são independentes ou interdependen- sição defendida pelo Cognitivismo: “como Descar-
tes. Isso tem que nos levar a um posicionamento tes, proponho a adoção de um ponto de vista du-
de tipo paralelista ou interacionista. O gestaltismo alista, embora, sem dúvida, não recomende falar
defendia a primeira tese, conhecida como parale- de dois tipos de substâncias interatuantes. Mas
lismo psicofísico, que nunca alcançou posição de penso ser útil e legítimo distinguir dois tipos de
destaque na Neurociência e na Psicologia por pos- estados (ou eventos) interatuantes, os físico-quí-
suir muitos pontos fracos e ser muito vaga, pouco micos e os mentais” (1975, p. 231).
explicativa e nada materialista (requisito de res- Roger Sperry (1993), psicólogo neurocog-
peitabilidade científica para o Positivismo). Mas o nitivo vencedor do prêmio Nobel, seguindo expli-
Cognitivismo, passada a posição desarticulada ini- citamente a posição de Popper, procurou levar o
cial, evoluiu para a tese dualista envergonhada do interacionismo característico do Cognitivismo um

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O cognitivismo é um humanismo

passo à frente, procurando dizer o que a mente é, ca. Uma vez que Rychlak (1988) identifica o Cog-
e por que poderíamos falar de dualismo sem falar nitivismo com a teoria mediacional que o antece-
de dualismo ontológico (ou de substâncias). Par- deu e com algumas teses da inteligência artificial,
tindo do pressuposto holista de que “o todo é mais sua conclusão é que esta abordagem adere à mes-
que a soma de suas partes”, ou seja, de que os ma matriz conceitual lockeana do Behaviorismo.
todos apresentam propriedades irredutíveis às pro- As teorias mediacionais falham em oferecer um
priedades das partes que o constituem, Sperry apre- genuíno resgate da causa final no domínio da ex-
senta a consciência humana como uma proprieda- plicação psicológica por três motivos. Primeiro,
de emergente da atividade cerebral, que, portan- porque os mediadores (sinais, codificadores, re-
to, adquire propriedades distintas daquela. Neste gras, modelos) são inputs e, portanto, foram cau-
sistema interacionista, o caminho da causação en- sados eficientemente no organismo; sendo assim
tre o todo (a mente) e as suas partes constituintes (segundo), metas genuinamente produzidas pelo
(os neurônios) é bidirecional. No entanto ele é próprio organismo de forma independente da cau-
claro em afirmar que acredita que este “novo men- sação ambiental e genética não existem (a liberda-
talismo” não é um novo tipo de dualismo ontoló- de é um mito); então (terceiro), isto resulta num
gico. meio exclusivamente demonstrativo de descrever
É muito difícil concluir até que ponto te- o curso dos comportamentos. Para Rychlak, por-
orias interacionistas como as de Popper & Eccles e tanto, o Cognitivismo é um Behaviorismo media-
Sperry representam uma posição clara do Cogniti- cional.
vismo sobre o problema mente-corpo, como a Rychlak (1988) acredita que o Cognitivis-
behaviorista monista certamente era (embora in- mo afirma equivocadamente ter resolvido o pro-
verossímil). John Searle (1992) é o filósofo da mente blema do comportamento humano orientado a
que com mais clareza restabeleceu o conceito de metas, ou seja, proativo, e com isso solucionada a
consciência na filosofia contemporânea. Em sua questão teleológica em Psicologia. Voltamos aqui
obra “The Rediscovery of Mind”, ele elabora a agen- à famosa obra de Miller, Galanter e Pribram (1960),
da de questões a serem investigadas e resolvidas um dos marcos fundadores do Cognitivismo: “Plans
pela Ciência Cognitiva e Filosofia da Mente sobre and the Structure of Behavior”. Para estes autores,
o problema da consciência, oferecendo inclusive podemos definir um plano de maneira rigorosa
soluções para várias delas. Atualmente, a influên- como um processo hierárquico de seqüências de
cia de sua obra começa a renovar algumas posi- operações a serem executadas por um organismo,
ções do Cognitivismo (Castañon, 2006b), mas ain- da mesma forma como um programa para um com-
da assim, diante de todas as dificuldades que vi- putador. Este nós conhecemos hoje como TOTE
mos sobre a relação do Cognitivismo com o pro- (test-operate-test-exit), um modelo cibernético de
blema mente-corpo, podemos concluir que dois auto-regulação orientada a metas, ou feedback. A
mil e quinhentos anos de Filosofia, cento e vinte diferença aqui para Rychlak é que temos um mo-
cinco de Psicologia e cinqüenta de Ciência Cogni- delo formal para “dar conta” do fenômeno da in-
tiva não fizeram muito pelo esclarecimento deste tencionalidade do comportamento, não uma legí-
que é um dos maiores problemas da Filosofia e tima aceitação da causa final. Temos causas for-
mistérios para todo ser humano. mais e eficientes “dando conta” de uma formula-
ção aceitável de parte dos aspectos proativos do
comportamento. Para os autores cognitivistas cita-
É portanto o Cognitivismo um Huma- dos, intenção é uma parte incompleta de um pla-
nismo? no cuja execução já tenha começado. Rychlak ques-
tiona esta visão da atividade finalista humana, pois
Rychlak (1988) julga que não. Acredita acredita que esta deveria dar conta não da hierar-
ele que o grande mérito do Cognitivismo foi rein- quia de um plano de ação, mas da própria defini-
trodu-zir o campo das causas formais na explica- ção dessa hierarquia e desse plano. Caso remetês-
ção psicológica científica, mas que ele falhou como semos a questão a planos e hierarquias maiores,
humanis-mo por não aceitar, da mesma forma como estaríamos sempre somente transferindo o proble-
toda a Psicologia de matriz lockeana, as causas ma da legítima causalidade final para trás, até ter-
finais como legítimas fontes de explicação científi- mos que nos deparar com as metas e finalidades

Psicol. Argum., Curitiba, v. 25, n. 48 p. 51-64, jan./mar. 2007. 61


Gustavo Arja Castañon

irredutíveis (por exemplo, o plano de ir à faculda- e escolha. Assim, podemos investigar a causalida-
de faz parte de uma meta mais elevada de termi- de final do comportamento humano somente de-
nar o doutorado, que faz parte de um plano mais pois que está constituída enquanto causa formal,
extenso de formação profissional, que faz parte enquanto meta e hierarquia de metas. Isto não sig-
de uma meta mais básica de investigar profunda- nifica a negação da existência de uma fonte legíti-
mente certos problemas, que por sua vez precisa ma de causalidade final. Significa a constatação de
ser explicada sempre por uma hierarquia superior que tal tipo de explicação não é compatível com a
de metas). abordagem nomotética da ciência moderna. A ex-
Se um organismo está somente executan- plicação científica nomotética só suporta causas
do planos, então em qual sentido podemos falar materiais, eficientes e formais, e isto por uma ra-
de explicação teleológica? Só podemos falar de zão muito simples: só suposições a respeito destes
teleologia quando formulamos estes planos, com- tipos de causas são falsificáveis.
paramos planos diferentes e os escolhemos. A exe-
cução, assim como a execução de um programa,
pode ser pensada em termos de feedback e causa- Conclusão
ção eficiente, mas esta não é a questão para Rychlak
(1988). Não teríamos aqui qualquer revolução em Como vimos, o Cognitivismo é com-
relação à imagem mecanicista de homem herdada patível com os principais pré-requisitos programá-
do Behaviorismo. O comportamento continua a ticos estabelecidos pelo movimento humanista. Em
ser visto como explicado em termos de causa efi- primeiro lugar, garante ao ser humano lugar único
ciente (impulsos neuronais) guiada pela causa for- entre os seres no universo, quando reserva ao ser
mal do padrão do plano do “programa” (meta cog- humano capacidades cognitivas únicas entre os
nitiva). Mas onde está a verdadeira questão da pro- animais. Em segundo lugar, defende o conceito de
atividade, que é a escolha de planos e a decisão de natureza humana sustentando empiricamente o
executar o plano? Na imagem de homem do Cog- conceito de que todos os seres humanos possuem
nitivismo como a vê Rychlak, em lugar nenhum. tendências inatas a desenvolver certas estruturas
Mas não é legítima a conceituação feita cognitivas, que seriam universais. Em terceiro, de-
por Rychlak do Cognitivismo como uma mera teo- fende o conceito de proatividade, o agency, se-
ria mediacional, para isso, teríamos que identificá- gundo o qual o ser humano constrói ativamente
lo totalmente com somente uma de suas corren- suas metas e estratégias, é capaz de desenvolver
tes, o computacionalismo, que advoga a tese da estruturas secundárias originais e atribui ativamente
IA forte e está hoje praticamente extinto (Searle, significado a todo e qualquer estímulo. Em outras
1992). Quando o Cognitivismo trata metas e pro- palavras, mesmo condicionado por limitantes uni-
pósitos como causas formais, em sua forma de cren- versais presentes em sua natureza, o ser humano
ças sobre a ordem hierárquica de ações a serem é capaz muitas vezes de transcendê-las em função
efetuadas para a consecução de uma meta, o faz do pensamento criativo e da atribuição de signifi-
não negando a ordem de causalidade final, mas cado.
negando que tal tipo de causalidade possa ser abor- Em quarto lugar, vimos que o concei-
dada de uma forma científica com conseqüências to de consciência é central para o Cognitivismo,
preditivas. De fato, é nisso que fracassa a Logical que rejeita a postura irrealista do Behaviorismo
Learning Theory de Rychlak (1994). Se é verdade sobre esta e irracionalista da Psicanálise sobre ela.
que raciocinamos dialeticamente e criativamente, Para o cognitivismo, a consciência é o fenômeno
também é verdade que neste campo nenhuma pre- mais básico e real da vida psicológica, proprieda-
dição comportamental pode ser feita, e sem predi- de emergente da atividade cerebral que passa em
ção, não há ciência moderna. Assim, a obra de certa medida mesmo a comandá-la. Uma das fun-
Rychlak não oferece solução para este problema, ções centrais da consciência é o quinto ponto de
pois o aborda tentando agregar a causalidade fi- concordância com o movimento humanista, a tese
nalista à explicação psicológica, submetendo hi- cognitivista de que o comportamento é orientado
póteses sobre esta a experimentos. O problema é a metas, que são escolhidas e criadas ativamente
que podemos colocar em teste estes planos uma pela consciência em interação com as demandas
vez construídos, mas não seu momento de criação somáticas. Também encontramos concordância em

62 Psicol. Argum., Curitiba, v. 25, n. 48 p. 51-64, jan./mar. 2007.


O cognitivismo é um humanismo

relação à rejeição cognitivista ao estudo dos pro- Beck, A. & Alford, B. (2000). O poder integrador
cessos cognitivos por meio do comportamento da Terapia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed.
animal. Para o Cognitivismo, a cognição humana
Bruner, J. (1997). Atos de significação. Porto Ale-
tem propriedades únicas e qualitativamente (e não
gre: Artes Médicas.
só quantitativa-mente) distintas em relação às pro-
priedades cognitivas dos mamíferos superiores, e, Bugental, J. (1963). Humanistic psychology: A new
portanto, só podemos testar hipóteses sobre ela breakthrough. American Psychologist, 18,
mediante experimentos com sujeitos humanos. 563-567.
Por fim, chegamos à principal utopia
dos grandes nomes do movimento humanista, Bunge, M. (1980). Epistemologia. São Paulo:
como Joseph Rychlak e Abraham Maslow: a cons- EDUSP.
tituição de uma legítima Psicologia (com o estudo Castañon, G. (2006). O cognitivismo e o desafio
de seres humanos e problemas humanos) científi- da psicologia científica. Tese de Doutorado,
ca (por meio do método experimental). É nesse Instituto de Psicologia da Universidade Federal
ponto que o Cognitivismo alcançou seus maiores do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
sucessos, e em meu julgamento, acabou por dre-
nar toda a energia transformadora que a Psicolo- Castañon, G. (2006b). John Searle e o cognitivis-
gia apresentou na década de sessenta, quando mo. Ciências & Cognição, 3 (8) 96-109.
nasciam juntos os dois movimentos. A Psicologia R e c uperado em 24 ago. 2006:
Humanista jamais conseguiu resolver seus dilemas www.cienciasecognicao.org.
metodológicos e epistemológicos, não conseguin- Chomsky, N. (1971). Linguagem e pensamento.
do realizar a promessa de se tornar um programa Petrópolis: Vozes.
estruturado a aplicar o método científico à investi-
gação de problemas legitimamente humanos. Por Chomsky, N. (1981). Regras e representações.
sua vez, o Cognitivismo, que a princípio pareceu Rio de Janeiro: Zahar.
aos leigos e ao público externo dar sinais de ade- Chomsky, N. (1987). A propósito das estruturas
são ao determinismo sofisticado, mas radical do cognitivas e do seu desenvolvimento: Uma res-
computacionalismo, sobreviveu à derrocada deste posta a Piaget. In: Piatelli-Palmarini, M. (Org.)
nas ciências cognitivas e se constituiu na mais bem- Teorias da linguagem, teorias da aprendi-
sucedida abordagem da Psicologia Moderna. Hoje, zagem (pp. 63-84). Lisboa: Edições 70.
o cognitivismo e correntes integradas a este como
a Psicologia Positiva e a Psicologia Evolucionista, DeCarvalho, R. (1990). A history of the third force
em conjunto com as neurociências e por meio do in psychology. Journal of Humanistic
método científico, se ocupam, além dos processos Psychology, 30, p. 22-44.
cognitivos básicos, de grande parte da temática
Eysenck, M. & Keane, M. (1994). Psicologia cog-
exigida pelos humanistas para uma Psicologia le-
nitiva: Um manual introdutório. Porto Ale-
gitimamente humana, como felicidade, humor, al-
gre: Artmed.
truísmo, responsabilidade, o morrer, a criativida-
de, o sentimento estético, sonhos, empatia, metas, Festinger, L. (1975). Teoria da dissonância cog-
meditação e estados alterados da consciência. Por nitiva. Rio de Janeiro: Zahar.
conta de tudo isso é perfeitamente legítimo afir-
Fodor, J. A. (1968). Psychological explanation:
mar que o Cognitivismo é um Humanismo.
An introduction to the philosophy of
psychology. New York: Random House.
Referências Fodor, J. A. (1975). The language of thought.
Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Allport, G. (1975). Desenvolvimento da perso- Press.
nalidade. São Paulo: Pedagógica Universitária.
Fodor, J. A. (1991). Methodological solipsism con-
Baars, B. J. (1986). The cognitive revolution in sidered as a research strategy in cognitive
psychology. New York: Guilford. psychology. In: Boyd, R. & Gasper, P. (Orgs.).

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Gustavo Arja Castañon

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