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CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1º Ano

DISCIPLINA: CIÊNCIA POLÍTICA


Código: ISCED11 – CPOLCFE003

Total Horas/1o Semestre: 125

Créditos (SNATCA): 5

Número de Temas: 17

NSTITUTO SUPER

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - ISCED


Direitos de autor (copyright)

Este manual é propriedade do Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED),


e contêm reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução parcial ou
total deste manual, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico,
gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa de entidade editora (Instituto
Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED).

A não observância do acima estipulado o infractor é passível a aplicação de processos


judiciais em vigor no País.

Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED)


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Website: www.isced.ac.mz
Agradecimentos

O Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância (ISCED) e o autor do presente manual


agradecem a colaboração dos seguintes indivíduos e instituições na elaboração deste
manual:

Pela coordenação Direcção Acadêmica do ISCED

Pelo design Direcção de Qualidade e Avaliação do ISCED


Financiamento e logística Instituto Africano de Promoção da Educação
à Distância (IAPED)

Pela revisão final Dr. Emílio Jovando Zeca

Elaborado por:

Dr. José Bernardo José Rafael – Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia


ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Índice

Visão geral 1
Bem vindo ao Módulo de Ciência Política ........................................................................ 1
Objectivos do Módulo....................................................................................................... 1
Quem deveria estudar este módulo ................................................................................. 1
Como está estruturado este módulo ................................................................................ 2
Ícones de actividade ......................................................................................................... 4
Habilidades de estudo ...................................................................................................... 4
Precisa de apoio? .............................................................................................................. 7
Tarefas (avaliação e auto-avaliação) ................................................................................ 8
Avaliação ........................................................................................................................... 8

TEMA – I: INTRODUÇÃO: CONSIDERAÇÕES GERAIS 11


UNIDADE Temática 1.1. ABORDAGEM CONCEPTUAL SOBRE A POLÍTICA E CIÊNCIA
POLÍTICA: Introdução ...................................................................................................... 11
Introdução....................................................................................................................... 11
Sumário ........................................................................................................................... 17
Exercícios de Auto-Avaliação .......................................................................................... 19
Respostas ........................................................................................................................ 19
Exercícios ........................................................................................................................ 19

TEMA – II: PRINCIPAIS TEORÍCOS DA CIÊNCIA POLÍTICA 20


UNIDADE Temática 2.1. TEORÍCOS CLÁSSICOS DA CIÊNCIA POLÍTICA ........................... 20
Introdução....................................................................................................................... 20
Sumário ........................................................................................................................... 42
Exercícios Auto Avaliação ............................................................................................... 43
Respostas ........................................................................................................................ 44
Exercícios ........................................................................................................................ 44

TEMA – III: A SOCIEDADE E O ESTADO 45


UNIDADE Temática 3.1. Sociedade e Estado .................................................................. 45
Introdução ............................................................................................................. 45
Sumário ........................................................................................................................... 62
Exercícios de Auto Avaliação .......................................................................................... 62
Respostas ........................................................................................................................ 62
Exercícios ........................................................................................................................ 63

TEMA – IV: O PODER DO ESTADO 64


UNIDADE Temática 4.1. O PODER O ESTADO: INTRODUÇÃO ........................................ 64
Introdução ............................................................................................................. 64

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Sumário ........................................................................................................................... 71
Exercícios de Auto Avaliação .......................................................................................... 71
Respostas ........................................................................................................................ 72
Exercícios ........................................................................................................................ 72

TEMA – V: LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DO PODER 73


UNIDADE Temática 5.1. Legalidade e Legitimidade: Introdução. .................................. 73
Introdução ............................................................................................................. 73
Sumário ........................................................................................................................... 79
Exercícios de Auto Avaliação .......................................................................................... 79
Respostas ........................................................................................................................ 80
Exercícios ........................................................................................................................ 80

TEMA – VI: AS FORMAS DE GOVERNO E DE ESTADO 80


UNIDADE Temática 6.1. AS FORMAS DE GOVERNO E DE ESTADO: INTRODUÇÃO ........ 81
Introdução ............................................................................................................. 81
Sumário ........................................................................................................................... 89
Exercícios de Auto Avaliação .......................................................................................... 89
Respostas ........................................................................................................................ 89
Exercícios ........................................................................................................................ 90

TEMA – VII: OS SISTEMAS ELEITORAIS 91


UNIDADE Temática 7.1. OS SISTEMAS ELEITORAIS: INTRODUÇÃO ................................ 91
Introdução....................................................................................................................... 91
Sumário ......................................................................................................................... 100
Exercícios de Auto Avaliação ........................................................................................ 100
Respostas ...................................................................................................................... 101
Exercícios ...................................................................................................................... 101

TEMA – VIII: A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR 102


UNIDADE Temática 8.1. A DEMOCRACAI E A PARTICAPAÇÃO POPULAR: Introdução. 102
Introdução..................................................................................................................... 102
Sumário ......................................................................................................................... 117
Exercícios de Auto-Avaliação ........................................................................................ 119
Respostas ...................................................................................................................... 119
Exercícios ...................................................................................................................... 120
Preparação para Exame ................................................................................................ 121
Bibliografias .................................................................................................................. 122

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Visão geral

Bem vindo ao Módulo de Ciência Política

Objectivos do Módulo

Ao terminar o estudo deste módulo de Ciência Política deverás ser


capaz de analisar os elementos que compõem o pensamento
político identificando a aplicabilidade da disciplina na sua
formação. Traçando um perfil histórico dos principais factos,
autores e temas. As ciências sociais visam estimular o senso crítico
e ampliar as ferramentas de análise social do educando.

 Conhecer as principais correntes ideológicas do


pensamento político;
 Entender a dinâmica das relações de poder inerentes à
Objectivos organização social;
Específicos
 Apreender a traçar um olhar crítico sobre a história;
 Conhecer os principais pensadores do Pensamento
Político;
 Compreender o papel das instituições e do Estado;
 Propiciar a reflexão, teórico e crítica para a intervenção
nas expressões da questão social.

Quem deveria estudar este módulo

Este Módulo foi concebido para estudantes do 1º ano do curso de


licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais do ISCED
e outros como, Administração, etc. Poderá ocorrer, contudo, que
haja leitores que queiram se actualizar e consolidar seus
conhecimentos nessa disciplina, esses serão bem-vindos, não

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sendo necessário para tal se inscrever. Mas poderá adquirir o


manual.

Como está estruturado este módulo

Este módulo de Ciência Política, para estudantes do 1º ano do


curso de licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais,
à semelhança dos restantes do ISCED, está estruturado como se
segue:

Páginas introdutórias

 Um índice completo.

 Uma visão geral detalhada dos conteúdos do módulo,


resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer para
melhor estudar. Recomendamos vivamente que leia esta
secção com atenção antes de começar o seu estudo, como
componente de habilidades de estudos.

Conteúdo desta Disciplina / módulo

Este módulo está estruturado em Temas. Cada tema, por sua vez
comporta certo número de unidades temáticas visualizadas por
um sumário. Cada unidade temática se caracteriza por conter uma
introdução, objectivos, conteúdos. No final de cada unidade
temática ou do próprio tema, são incorporados antes exercícios de
auto-avaliação, só depois é que aparecem os de avaliação. Os
exercícios de avaliação têm as seguintes características: Puros
exercícios teóricos, Problemas não resolvidos e actividades
práticas algumas incluído estudo de casos.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Outros recursos

A equipa dos académicos e pedagogos do ISCED pensando em si,


num cantinho, mesmo o recôndito deste nosso vasto Moçambique
e cheio de dúvidas e limitações no seu processo de aprendizagem,
apresenta uma lista de recursos didácticos adicionais ao seu
módulo para você explorar. Para tal o ISCED disponibiliza nas
bibliotecas física e virtual do seu centro de recursos mais material
de estudos relacionado com o seu curso como: Livros e/ou
módulos, CD, CD-ROOM, DVD. Para além deste material físico ou
electrónico disponível na biblioteca, pode ter acesso a Plataforma
digital moodle para alargar mais ainda as possibilidades dos seus
estudos.

Auto-avaliação e Tarefas de avaliação

Tarefas de auto-avaliação para este módulo encontram-se no final


de cada unidade temática e de cada tema. As tarefas dos
exercícios de auto-avaliação apresentam duas características:
primeiro apresentam exercícios resolvidos com detalhes. Segundo,
exercícios que mostram apenas respostas.

Tarefas de avaliação devem ser semelhantes às de auto-avaliação


mas sem mostrar os passos e devem obedecer o grau crescente de
dificuldades do processo de aprendizagem, umas a seguir a outras.
Parte das tarefas de avaliação será objecto dos trabalhos de
campo a serem entregues aos tutores/docentes para efeitos de
correcção e subsequentemente nota. Também constará do exame
do fim do módulo. Pelo que, caro estudante, fazer todos os
exercícios de avaliação é uma grande vantagem.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Comentários e sugestões

Use este espaço para dar sugestões valiosas, sobre determinados


aspectos, quer de natureza científica, quer de natureza diadáctico-
pedagógica, etc sobre como deveriam ser ou estar apresentadas.
Pode ser que graças as suas observações, o próximo módulo
venha a ser melhorado.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas


margens das folhas. Estes icones servem para identificar
diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar
uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa,
uma mudança de actividade, etc.

Habilidades de estudo

O principal objectivo deste capítulo é o de ensinar aprender a


aprender. Aprender aprende-se.

Durante a formação e desenvolvimento de competências, para


facilitar a aprendizagem e alcançar melhores resultados, implicará
empenho, dedicação e disciplina no estudo. Isto é, os bons
resultados apenas se conseguem com estratégias eficientes e
eficazes. Por isso é importante saber como, onde e quando
estudar. Apresentamos algumas sugestões com as quais esperamos
que caro estudante possa rentabilizar o tempo dedicado aos
estudos, procedendo como se segue:

1º Praticar a leitura. Aprender a Distância exige alto domínio de


leitura.

2º Fazer leitura diagonal aos conteúdos (leitura corrida).

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

3º Voltar a fazer leitura, desta vez para a compreensão e


assimilação crítica dos conteúdos (ESTUDAR).

4º Fazer seminário (debate em grupos), para comprovar se a sua


aprendizagem confere ou não com a dos colegas e com o padrão.

5º Fazer TC (Trabalho de Campo), algumas actividades práticas ou


as de estudo de caso se existir.

IMPORTANTE: Em observância ao triângulo modo-espaço-tempo,


respectivamente como, onde e quando, estudar, como foi referido
no início deste item, antes de organizar os seus momentos de
estudo reflicta sobre o ambiente de estudo que seria ideal para si:
Estudo melhor em casa/biblioteca/café/outro lugar? Estudo
melhor à noite/de manhã/de tarde/fins-de-semana/ao longo da
semana? Estudo melhor com música/num sítio sossegado/num
sítio barulhento!? Preciso de intervalo em cada 30 minutos, em
cada hora, etc.

É impossível estudar numa noite tudo o que devia ter sido


estudado durante um determinado período de tempo; Deve
estudar cada ponto da matéria em profundidade e passar só ao
seguinte quando achar que já domina bem o anterior.

Privilegia-se saber bem (com profundidade) o pouco que puder ler


e estudar, que saber tudo superficialmente! Mas a melhor opção é
juntar o útil ao agradável: Saber com profundidade todos
conteúdos de cada tema, no módulo.

Dica importante: não recomendamos estudar seguidamente por


tempo superior a uma hora. Estudar por tempo de uma hora
intercalado por 10 (dez) a 15 (quinze) minutos de descanso
(chama-se descanso à mudança de actividades). Ou seja que
durante o intervalo não se continuar a tratar dos mesmos assuntos
das actividades obrigatórias.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Uma longa exposição aos estudos ou ao trabalho intelectual


obrigatório, pode conduzir ao efeito contrário: baixar o rendimento
da aprendizagem. Por que o estudante acumula um elevado
volume de trabalho, em termos de estudos, em pouco tempo,
criando interferência entre os conhecimentos, perde sequência
lógica, por fim ao perceber que estuda tanto mas não aprende, cai
em insegurança, depressão e desespero, por se achar injustamente
incapaz!

Não estude na última da hora; quando se trate de fazer alguma


avaliação. Aprenda a ser estudante de facto (aquele que estuda
sistematicamente), não estudar apenas para responder a questões
de alguma avaliação, mas sim estude para a vida, sobre tudo,
estude pensando na sua utilidade como futuro profissional, na área
em que está a se formar.

Organize na sua agenda um horário onde define a que horas e que


matérias deve estudar durante a semana; Face ao tempo livre que
resta, deve decidir como o utilizar produtivamente, decidindo
quanto tempo será dedicado ao estudo e a outras actividades.

É importante identificar as ideias principais de um texto, pois será


uma necessidade para o estudo das diversas matérias que
compõem o curso: A colocação de notas nas margens pode ajudar
a estruturar a matéria de modo que seja mais fácil identificar as
partes que está a estudar e Pode escrever conclusões, exemplos,
vantagens, definições, datas, nomes, pode também utilizar a
margem para colocar comentários seus relacionados com o que
está a ler; a melhor altura para sublinhar é imediatamente a seguir
à compreensão do texto e não depois de uma primeira leitura;
Utilizar o dicionário sempre que surja um conceito cujo significado
não conhece ou não lhe é familiar;

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Precisa de apoio?

Caro estudante, temos a certeza que por uma ou por outra razão, o
material de estudos impresso, lhe pode suscitar algumas dúvidas
como falta de clareza, alguns erros de concordância, prováveis
erros ortográficos, falta de clareza, fraca visibilidade, páginas
trocadas ou invertidas, etc). Nestes casos, contacte os serviços de
atendimento e apoio ao estudante do seu Centro de Recursos (CR),
via telefone, sms, e-mail, se tiver tempo, escreva mesmo uma carta
participando a preocupação.

Uma das atribuições dos Gestores dos CR e seus assistentes


(Pedagógico e Administrativo), é a de monitorar e garantir a sua
aprendizagem com qualidade e sucesso. Dai a relevância da
comunicação no Ensino a Distância (EAD), onde o recurso as TIC se
torna incontornável: entre estudantes, estudante – Tutor,
estudante – CR, etc.

As sessões presenciais são um momento em que você caro


estudante, tem a oportunidade de interagir fisicamente com staff
do seu CR, com tutores ou com parte da equipa central do ISCED
indigitada para acompanhar as sua sessões presenciais. Neste
período pode apresentar dúvidas, tratar assuntos de natureza
pedagógica e/ou administrativa.

O estudo em grupo, que está estimado para ocupar cerca de 30%


do tempo de estudos a distância, é muita importância, na medida
em que permite lhe situar, em termos do grau de aprendizagem
com relação aos outros colegas. Desta maneira ficará a saber se
precisa de apoio ou precisa de apoiar aos colegas. Desenvolver
hábito de debater assuntos relacionados com os conteúdos
programáticos, constantes nos diferentes temas e unidade
temática, no módulo.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)

O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e


autoavaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é
importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues
duas semanas antes das sessões presenciais seguintes.

Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não


cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação do
estudante. Tenha sempre presente que a nota dos trabalhos de
campo conta e é decisiva para ser admitido ao exame final da
disciplina/módulo.

Os trabalhos devem ser entregues ao Centro de Recursos (CR) e os


mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docente.

Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa,


contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados,
respeitando os direitos do autor.

O plágio1 é uma violação do direito intelectual do(s) autor(es). Uma


transcrição à letra de mais de 8 (oito) palavras do texto de um
autor, sem o citar é considerado plágio. A honestidade, humildade
científica e o respeito pelos direitos autorais devem caracterizar a
realização dos trabalhos e seu autor (estudante do ISCED).

Avaliação

Muitos perguntam: como é possível avaliar estudantes à distância,


estando eles fisicamente separados e muito distantes do
docente/tutor!? Nós dissemos: Sim é muito possível, talvez seja
uma avaliação mais fiável e consistente.

1
Plágio - copiar ou assinar parcial ou totalmente uma obra literária, propriedade
intelectual de outras pessoas, sem prévia autorização.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Você será avaliado durante os estudos à distância que contam com


um mínimo de 90% do total de tempo que precisa de estudar os
conteúdos do seu módulo. Quando o tempo de contacto presencial
conta com um máximo de 10%) do total de tempo do módulo. A
avaliação do estudante consta detalhada do regulamento de
avaliação.

Os trabalhos de campo por si realizados, durante estudos e


aprendizagem no campo, pesam 25% e servem para a nota de
frequência para ir aos exames.

Os exames são realizados no final da cadeira disciplina ou modulo e


decorrem durante as sessões presenciais. Os exames pesam no
mínimo 75%, o que adicionado aos 25% da média de frequência,
determinam a nota final com a qual o estudante conclui a cadeira.

A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da


cadeira.

Nesta cadeira o estudante deverá realizar pelo menos 2 (dois)


trabalhos e 1 (um) (exame).

Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão utilizados


como ferramentas de avaliação formativa.

Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em


consideração a apresentação, a coerência textual, o grau de
cientificidade, a forma de conclusão dos assuntos, as
recomendações, a identificação das referências bibliográficas
utilizadas, o respeito pelos direitos do autor, entre outros.

Os objectivos e critérios de avaliação constam do Regulamento de


Avaliação.

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TEMA – I: INTRODUÇÃO: CONSIDERAÇÕES GERAIS


UNIDADE Temática 1.1. Abordagem Conceitual sobre a Política e a
Ciência Política
UNIDADE Temática 1.1.1. Política e a Academia
UNIDADE Temática 1.2. EXERCÍCIOS

UNIDADE Temática 1.1. ABORDAGEM CONCEPTUAL SOBRE A POLÍTICA E


CIÊNCIA POLÍTICA: Introdução

Introdução

O interesse da unidade que segue é apresentar a Política enquanto


uma ciência de cunho social. A política em seu sentido científico,
académico, que se inter-relaciona com diversas áreas do saber: o
direito, a filosofia, etc. Mantendo um objecto de análise específico
acerca do qual só ela se debruça.

O Estado é o objecto peculiar pelo qual nasce esta ciência com


métodos, conceitos e perspectivas de análise que enriquecem o
cenário contemporâneo. Fazendo-se preocupada com as relações de
poder e com a condução do Estado, teorizando acerca deste e
apresentando algumas consequências para o sistema de governo. A
ciência política estuda as formas de governo e sua adequação às
expectativas populares, às formas de soberania e às suas
possibilidades dentro do regime democrático.

Ao completar esta unidade, você será capaz de compreender o


carácter da representatividade com o qual somos contemplados pela
política partidária e pelos políticos eleitos. E assim, através das
directrizes de estudo dessa área de conhecimento, acentuamos esse
espelho que nos conforta e enriquece nas possibilidades abertas pela
trama da estrutura social.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

 Definir o conceito de Ciência Política;

 Definir o conceito de Política;


Objectivos
 Entender a Política como ciência;

 Identificar o objecto de estudo da Ciência Política;

 Aplicar os conhecimentos da Ciência Política e explicar


a sua finalidade;

 Entender e aplicar os princípios da Ciência Política.

1.1.1. Política e a Academia

O nascimento da Ciência Política é associado a duas outras ciências: a


sociologia e a antropologia. As três caracterizam as Ciências Sociais em
vista de abranger tanto a integralidade do fenómeno social, quanto
pelas especificidades que acompanham cada sector desse
conhecimento que busca atender às microestruturas e suas
especificidades.

A Ciência Política detém-se no estudo de fenómenos sociais como


organizações, processos políticos e nos sistemas que são gerados
dentro das relações de poder. Estes fenómenos caracterizam o que
geralmente chamamos de Política.

Dois elementos são destacados para assentar as bases da sua


pesquisa, o Estado e o poder. Cientistas políticos se dividem em
considerações e análises para fundamentar suas posturas a partir de
um ponto de origem, desdobrando diversas reflexões. Mas toda e
qualquer instituição pode ser objecto de análise desta ciência.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Enquanto uma ciência social, a política visa uma intervenção directa na


realidade. Possui um carácter prático que a acompanha e que conduz
o pesquisador a desdobrar-se em meio a metodologias variadas, muito
estudo de caso, diversas formas de pesquisa participante. O processo
político e suas implicações tornam-se ponto de questionamento e
análise. Mas a complexidade vai estar em presenciar e ao mesmo
tempo descrever tais factos e acontecimentos.

O envolvimento e o público pelo desfecho faz com que o cientista


político se avalie sempre, em vista das consequências que sua análise
possa apontar. Pois suas teorias são a base para reflexão e articulação
de outros sectores ou profissionais que não lidam com esse fenómeno
de forma directa. A preferência de percepção gera obstáculos que nos
remete às possibilidades de neutralização que um cientista possui em
relação ao seu objecto, podendo, assim, validar suas conclusões e
afastar-se das concepções pré-concebidas. Daí a importância de uma
metodologia bem estabelecida e dos processos interpretativos
voltados para a realidade dos discursos.

Segundo Bonavides (2010: 38), a Ciência Política possui algumas


dificuldades terminológicas que precisam ser visualizadas para
construirmos mais certezas em torno da sua constituição e aplicação.
Destas dificuldades destacam-se:
 O carácter móvel e variável do vocabulário político;
 As variações semânticas dos termos de que se serve o cientista
social de um país para outro;
 Os casos distintos, por exemplo, os vários sentidos de
democracia, que gera um caos aos esforços de fixação
conceitual.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Parece que lhe falta uma nomenclatura que permita às pessoas de um


modo geral inteirar-se, mesmo com dificuldades, em relação a certas
definições conceituais inerentes, como quando se fala de governo,
nação, liberdade, democracia, que não se fixam numa única
terminologia. Facto que agrava uma compreensão mais usual para que
as questões não recaiam apenas no meio académico.

Bonavides (2010: 26-27) faz uma abordagem histórica encontrando


em diferentes autores directrizes variadas para compreendermos o
que é ciência. Traçando um percurso de definições significativas que
vão de Aristóteles a Comte, ou seja, definições que se sucederam
desde o séc. III a.C até o séc. XIX, com o positivismo.

Assim, os autores e suas definições são esboçados do seguinte modo:


 Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C) considera ciência a análise que
detinha os princípios e as causas por objecto.
 Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274) definiu-a como a
assimilação da mente direccionada ao conhecimento do
mundo.
 Wolff (1679 - 1754) compreendeu como aquilo que se liga a
princípios certos e imutáveis, apresentado pelo hábito de
demonstrar afirmativas e inferências.
 Kant (1724 – 1804) diz que a ciência é tudo que possa ser
objecto de certeza apotídica2, ou seja, necessário e
demonstrável. Age sistematizando conhecimentos a partir de
princípios.
 Littré (1801 – 1881) a ciência é a generalização da experiência,
e a filosofia, a generalização da ciência. Separando a ciência da
filosofia, a segunda é caracterizada como conhecimento

2
Kant emprega-a no sentido dos juízos que estão acima de qualquer contradição, que são
necessariamente verdadeiros.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

unificado dos fenómenos que servem de objecto a toda


actividade cognoscitiva.
 Spencer (1820 – 1903) recorre à simplicidade. Segundo ele, há
três variantes do conhecimento: empírico – não unificado;
científico – parcialmente unificado; e filosófico – totalmente
unificado.
 Comte (1798 – 1857) as ciências podem ser abstractas e
concretas, Estas últimas consideradas como ciências
fundamentais.

Através da análise das políticas a Ciência Política apresenta teses que


são caracterizadas como positivas, quando se detém no exercício de
análise e normativas, quando alça previsões acerca de situações
determinadas. Medir o grau de sucesso de um governo, das políticas
implementadas, o grau de estabilidade, elementos como justiça, bem-
estar social, paz, entre outros. São tarefas que requisitam ferramentas
metodológicas e pesquisas bem incisivas sobre a realidade estudada. A
pesquisa, dentro desta área pode ser desdobrada pelas seguintes
perspectivas:
 Pela via teórica da política, enquanto opção de pesquisa de
uma dada realidade, configurando-se através da identificação
de certos fenómenos que são explicados em função dos
elementos teóricos que norteiam a percepção do pesquisador.
 Pela pesquisa descritiva, de carácter apenas empírico tomando
o fenómeno da política através dos acontecimentos,
consequentemente procede de maneira bem mais detida a
colecta de dados, assumindo-a como o seu ponto mais forte
para aproximar-se o máximo possível da realidade.
 Pela pesquisa comparada, que possui como elemento positivo
a delimitação necessária para o procedimento de análises
comparativas. Sobressaem os elementos e as realidades sócio-
históricas são mediadas para

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

que os dados empíricos sejam verdadeiramente


compreendidos dentro das suas possibilidades, entrevistas no
próprio sistema. Identificam-se elementos generalizáveis e os
singulares.

Bonavides (2001: 40-45) nos convida a compreender essa ciência por


prismas diferenciados, para entendermos, para sua origem e sua
abrangência. Identificando sentidos multidisciplinares que a envolvem.

Sob o prisma filosófico: o seu estudo detém-se nos acontecimentos,


instituições e ideias. Tanto em sentido teórico como em sentido
prático. Abrangendo períodos históricos distintos, pois sua
investigação não se restringe apenas a um tempo específico. Partindo
de conceitos polémicos no que diz respeito ao método e à extensão de
seus limites. A filosofia quando lança seu olhar sobre a Ciência Política
traz a discussão de suas proposições, das afirmativas que lhe garantem
um fundamento epistemológico. Polemiza sua origem, sua essência.
Diversos filósofos se destacam na reflexão acerca da política desde os
gregos antigos até os pensadores do século XVII, os filósofos da
política que criaram as bases para o surgimento da ciência.

Sob o prisma sociológico: dois autores são destacados pela iniciativa


de sua análise, Max Weber (1864 – 1920) e Vierkandt (1867 – 1953). O
primeiro, Max Weber, por iniciar estudos referentes à política
científica, destacando a racionalização do poder e a legitimação das
bases sociais. Identificando as nossas relações com os aparelhos
burocráticos do Estado. Além do que, Weber descreve o interior dos
partidos e sua organização, suas técnicas de combate e liderança,
entre outros procedimentos. As formas de autoridade e a
administração pública, que gozam de grande privilégio na literatura
sociológica. O segundo, Vierkandt, expõe o carácter clássico do Estado
e da sociedade, as lutas pelo poder na sociedade moderna. Explicita os

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

parâmetros nos quais se baseiam os partidos como representação de


interesses, e os movimentos reformistas característicos do século XX.

Sob o prisma jurídico: destaca-se Kelsen pelos estudos que realiza


acerca da teoria do Estado. Este autor desenvolve uma tendência
exclusivamente jurídica para o fenómeno da política. Para ele, o
Estado se traduz como organização do poder e por isso o seu estudo
deve se desfazer de toda a subjectividade. Reflecte sobre o Território e
a população pelos elementos materiais que os compõe. Convertendo a
problemática para o âmbito espacial e o âmbito pessoal de validade
do ordenamento jurídico. Através da sua teoria, o normativismo
jurídico e o escalonamento das leis dentro do sistema tornam-se o
foco principal para o estabelecimento das relações de poder.

Na actualidade uma das tendências que mais tem reflectido entre os


teóricos da Ciência Política tem sido a perspectiva tridimensional.
Nela está presente o interesse em construir uma visão unificada
destes elementos que no decorrer da história pareciam não se ajustar
nas suas tendências epistemológicas. Assim, em lugar de se falar de
filosofia política ou sociologia política busca-se manter como
parâmetro a teoria social jurídica e a teoria filosófica dos factos, das
instituições e das ideias. Expostas numa ordem enciclopédica.
Mantendo-se a possibilidade de uma mesma que tão mantenha
enfoques distintos que não se anulam pela força do outro.

Sumário

No decorrer das nossas leituras conseguimos estabelecer algumas


crenças acerca do problema da política. Identificamos que para falar
desse assunto precisamos ampliar nossa percepção identificando que
este fenómeno social representa algo muito maior que a participação
neste ou naquele partido. O interesse comum revela sempre a política.
Neste sentido, ela está ligada às coisas

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

mais quotidianas. A origem da ideia de política remonta aos gregos da


antiguidade. É algo que aponta para a nossa condição de cidadãos, de
participantes da cidade. Aqueles que geralmente não se interessam
pela política, pensando que sua manifestação única é a institucional,
esquecem-se que já estão desde o princípio previstos e formam um
grupo selectivo aos olhos dos “políticos profissionais”. Quem pensa
que política não lhe diz respeito aliena-se diante das suas
possibilidades. A política é um exercício de sociabilização. Leva-nos a
assumir papéis e valores que nos distinguem. Através da política
compomos os movimentos sociais que representam a principal
reacção ao tipo de mudança social provocada pela industrialização.
Desse modo, os movimentos elegem seus interesses e propõem
mudanças para a sociedade. No século XX temos uma multiplicação
dos movimentos sociais que eclodem por todo o mundo.

A descentralização é elemento primordial para construção de novas


políticas. Por mais que se trate da política no seu sentido vulgar,
sabemos que diversas pessoas se fascinam com a política em vista de
ela oferecer oportunidades de controlo e manipulação. Por ela
oferecer a condição de singularidade para o líder. O poder político é
fonte de assédio e disputa. O facto de agir sobre os interesses comuns
faz com que a acção política expresse um poder muito peculiar que se
desdobra de diversos modos. Diríamos até que, em certos momentos,
a política torna-se sinónimo de poder. Este promove a coesão do
grupo, reforçando os laços de solidariedade necessários à manutenção
de uma organização social. Duas formas de poder se destacam: o
poder de fato, que diz respeito à força e o poder de direito, que diz
respeito à competência. Também o poder aponta para dois princípios
fundamentais: o da legalidade que revela o aspecto formal e o vínculo
que o poder possui com as leis, e o da legitimidade.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Exercícios de Auto-Avaliação

1. Defina Conceito de Ciência Política.


2. Defina o Conceito de Política.
3. Apresente as dificuldades terminológicas da Ciência Política.
4. Qual a finalidade da Politica enquanto Ciência Social.
5. Descreva o objecto de estudo de Ciência Política.
6. Apresente as teses positivas e normativas da ciência política.

Respostas

1. Resposta de Exercício 1, página 12


2. Resposta de Exercício 2, página 12
3. Resposta de Exercício 3, página 15
4. Resposta de Exercício 4, página 13
5. Resposta de Exercício 5, página 12
6. Resposta de Exercício 6, página 15

Exercícios

1. Identifique os principais conceitos Ciência Política.


2. Reúna uns cinco conceitos, que fazem parte da Ciência Política.
3. Busque os significados da ciência política a partir de autores
diferentes e perceba como cada autor se apropria de forma
diferente para falar do mesmo assunto.
4. Identifique os princípios da Ciência Política.
5. Identifique as dificuldades terminológicas da Ciência Política.
6. Apresente as dificuldades terminológicas da Ciência Política.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

TEMA – II: PRINCIPAIS TEORÍCOS DA CIÊNCIA POLÍTICA


UNIDADE Temática 2.1. Teóricos Clássicos da Ciência Política
UNIDADE Temática 2.1.1. Maquiavel: A Política Moderna
UNIDADE Temática 2.1.2. Hobbes: O Leviatã
UNIDADE Temática 2.1.3. Locke: A Propriedade
UNIDADE Temática 2.1.4. Rousseau: A Igualdade
UNIDADE Temática 2.2. EXERCÍCIOS

UNIDADE Temática 2.1. TEORÍCOS CLÁSSICOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Introdução

A leitura dos clássicos da política se impõe como uma forma de


abranger as bases nas quais se consolidou o pensamento moderno,
tocando em temas e questões que repercutem até os dias actuais.
Chamamos de clássicos aquelas leituras de formação pelas quais um
conhecedor de determinada área, inevitavelmente, irá fazer
referência. Atribuímos a estes uma riqueza muito peculiar porque
compõem a base da nossa tradição. Não envelhecem, não são
esquecidos, não caducam em vista das necessidades dos nossos dias.

Calvino (1923-1985), ao deter-se sobre o tema, diz que toda releitura


de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira. A partir
deles encontramos as análises que precederam a nossa e os vestígios
de uma cultura, refeitos através dos sentidos expostos nas
interpretações que se sucederam até o momento actual. Somos
remetidos a uma árvore genealógica. E a cada nova descoberta um
novo aprofundamento. Com os clássicos da política identificaremos os
principais pensadores, “clássicos da modernidade”: Maquiavel,
Hobbes, Locke e Rousseau. Cujas teorias permanecem como
fundamentais para a compreensão do tema da política.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

 Conhecer os principais pensadores do Pensamento Político


Objectivos
clássico moderno;
 Identificar os principais conceitos apresentados pelos
autores;
 Aplicar as teorias apresentadas pelos autores;

2.1.1. Maquiavel: A Política Moderna

Aspectos biográficos: Nicolau Maquiavel (1469 - 1527) é um dos


principais escritores do pensamento moderno. Nasceu em Florença,
na Itália. Desde pequeno conviveu com os livros e, aos treze anos,
dizem os biógrafos, já redigia em latim. Na idade adulta exerceu
funções ligadas à diplomacia durante sua carreira pública,
manifestando verdadeira vocação. Mas foi também preso e torturado
quando seus opositores estiveram no poder. Por muito tempo ficou
num exílio, esquecido por todos que leram suas obras.

Figura 1: Nicolau Maquiavel (1469 - 1527)

Fonte: www.biography.com/people/nicolau

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Elaborou uma nova compreensão da questão política, tornando-se um


divisor de águas entre o pensamento medieval e este, inaugurado a
partir das suas considerações. Desvincula completamente as acções
políticas das imposições religiosas, reinterpretando o verdadeiro
significado do “bem” e do “mal” em vista da especificidade desta
área. Ao despertar esta nova percepção contribui significativamente
para a posteridade, tornando-se marco para a história do pensamento
moderno.

Foi um grande pesquisador do comportamento e das estruturas de


poder, possuindo uma capacidade singular de associar situações da
sua época a acontecimentos históricos, prevendo certas
consequências necessárias através da sua vivência nos bastidores das
instituições governamentais. O que lhe ofereceu a possibilidade de
observar de forma clara e privilegiada as dicotomias com as quais sua
época escolhia algo como elogio, ou ao contrário, desprezava certas
iniciativas.

Contexto Histórico: Encontra-se no período renascentista num


momento de transição em que um governo de carácter medieval não
consegue dar conta das expectativas da população em geral. No início
do século XVI a Itália estava dividida em pequenos principados, que
tentam superar a fragmentação do poder. Os governantes eram na
sua maioria déspotas que não advinham de uma tradição, mas da
usurpação do poder pela força e pelas armas. Grupos de mercenários
se articulavam, sendo imprescindíveis para aqueles em ascensão.
Dessa forma, tanto a conquista quanto a manutenção do poder são
reflexos de uma condição instável.

Promovia-se a rivalidade que repercutia na instauração de um caos na


população. Maquiavel constata que o vazio que se instalava e crescia
era fruto da ausência de um poder central. O caminho mais ajustado

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

para resolução desta condição era a reunificação do Estado. Mas, as


articulações políticas implementadas para reaver a unificação não
estavam repercutindo. O renascimento é caracterizado por um
movimento cultural, mas também um período da história europeia. E
enquanto limite da transição do período medieval para o moderno,
desbrava percepções e posturas que não eram assumidas como
costume. Atinge seu ponto alto na Itália, estimulando pensadores,
poetas, pessoas que almejavam a liberdade de pensamento. Há uma
gama de transformações que apontam para rupturas.

Teoria Geral: Maquiavel inaugura uma espécie de realismo político,


pelo qual justiça e moral não constituem factores de restrição à acção
política. Suas teses são acompanhadas de uma compreensão de
verdade efectiva, que se distingue da verdade metafísica. Através da
verdade efectiva é que a busca do pesquisador se orienta pelo que
está posto e não pelo que deveria ser. Nela encontra-se um certo
pragmatismo que sempre acompanha as análises do autor. Há uma
percepção muito bem marcada de que a bondade pode levar um
governante à ruína, do mesmo modo que a maldade e a crueldade
podem ser factores definitivos para se ascender ao poder. Deste
modo, as conquistas na esfera política devem ser determinadas
numa dimensão muito específica.

Principal Obra: O Príncipe, destacado na literatura política porque


inova quanto ao olhar acerca da realidade política. Esboça diversas
situações que nos levam a entender como “os fins justificam os
meios”. Seu autor apresenta de forma peculiar os conhecimentos que
possuía da política, uma subtil conciliação entre a sabedoria dos
antigos e as posturas dos chefes de Estado do seu tempo. Destaca que
o objectivo do governo é perpetuar-se no poder, não restringindo os
meios necessários para tal feito. O livro traz conselhos, reflexões e
ponderações acerca de situações e acções que envolvem as teias do

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

poder.

Segundo estudiosos do pensamento de Maquiavel, o interesse maior


da sua obra é a reunificação da Itália. Por isso analisa os principados
com aprofundamento e tenacidade, identificando suas características,
destacando aqueles que são mais ou menos passíveis de dominação.
Propõe formas de controlo e enfatiza as possibilidades de
fortalecimento das leis. Embora a obra não tenha gozado de grande
reconhecimento durante o período de vida do autor, torna-se
posteriormente fonte de elogios ou controvérsias. No decorrer da
história os nomes que estiveram ligados a regimes absolutistas e
totalitários sempre foram associados às ideias e previsões já lançadas
nas suas páginas.

Principais Conceitos: O príncipe deve ser o sujeito principal no


encaminhamento da acção política, porque é aquele que possui a
virtude. E, por isso, conhece as situações, podendo transferi-las ao seu
benefício, ao favor dos seus interesses. Ele não espera que a sorte, a
fortuna, lhe agracie. Não se prende ao acaso, mas se este ocorre deve
saber usar seu intento. Ser virtuoso significa direccionar a vontade
para um objectivo definido e não se dispersar em possibilidades vagas.
Todavia a virtude é mais do que simples interesse, é uma espécie de
energia que impulsiona e motiva, o líder e os seus subordinados.

A fortuna, que é sinónimo de sorte e acaso, termina sendo o


verdadeiro momento em que a virtude se revela, pela sua aplicação, a
direcção, ou melhor, o andamento para a obtenção dos objectivos. O
governante, ainda que não se confie na sorte, usa-a em favor da sua
causa. Maquiavel afirma que, dentre as qualidades inerentes a um
governante, uma delas deve ser a generosidade. Mas com certa
ponderação, porque sempre se calcula o prejuízo ou o benefício que
certa reputação pode causar. Entre o amor e o medo dos súbditos,

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

mais vale ser temido, para que as condições de manutenção do poder


não sejam abaladas. O amor oscila conforme as circunstâncias, mas o
temor mantém-se, destaca-se no mais das vezes o seu interesse pela
manutenção do poder enquanto ponto crucial do seu pensamento
político.

O interesse do autor é o Estado, mas não como uma idealização que


possa prover as condições perfeitas de existência. Reivindica aquele
Estado capaz de impor a ordem e por isso analisa detalhadamente a
realidade corrente, procurando ver as coisas como são e não como
gostaríamos que fossem. Desse modo, o desafio do governante
virtuoso é estabelecer a ordem diante de uma dada realidade,
atingindo sua estabilidade. Esta é reivindicada não por uma questão
de moralidade, ou seja, para simplesmente ajustar as coisas no seu
devido lugar, mas para evitar a barbárie.

Ele percebe que, mesmo alcançada uma vitória, esta não será
definitiva, pois a acção política não se esgota na obtenção de um
feito, mas somente na sua manutenção. O momento de êxito só pode
ser garantido pela perspicácia do príncipe que se renova a cada novo
momento. Maquiavel revoluciona sua época presa a dogmas que
diziam respeito a crenças como predestinação, fatalidade. Sua
contraposição o fez abarcar a ideia de política para demonstrar como
esta é um espaço da liberdade. E que liberdade não corresponde a ter
que fazer o bem, mas sim, o que for necessário, a partir da virtude de
cada um. Desse modo deve-se ver os seres humanos como sujeitos da
história, afastando-se das ideias que pregavam um destino.

2.1.2. Hobbes: O Leviatã

Aspectos Biográficos: Thomas Hobbes (1588 - 1679), nasceu em


Westport, Inglaterra. Filho de um vigário anglicano, formou-se na

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Universidade de Oxford. Embora tenha tido uma educação presa aos


princípios Escolar: metafísica e lógica, interessou-se sempre por
questões de ordem social, o que reflectiu na publicação de suas obras
políticas. Esteve sob o olhar severo das autoridades que o
acompanhavam ao longe por suspeitas dos seus ataques sobre o
poder do papado. Manteve politicamente convicções de cunho
monarquistas e as imprimiu na elaboração das suas obras. É um dos
pensadores do século XVII ligado ao jus-naturalismo, dedicando-se,
entre outros conhecimentos, ao estudo do direito e à inserção deste
na vida social do cidadão. Enfrentou as críticas da Universidade de
Oxford ao seu pensamento, que consideravam ultrapassado.

Figura 2: Thomas Hobbes (1588 - 1679),

Fonte: www.biography.com/people/thomas-hobbes

Contexto Histórico: No século XVII consolidam-se algumas percepções


e posturas em relação à ciência e sua permanência na vida das pessoas
de um modo geral. Mas ainda repercutem fortes exigências religiosas,
resistindo considerações em torno da submissão do Estado à
autoridade da Igreja. Hobbes pensa o contrário e não mede esforços
para demonstrar a verdade na qual amparava seu pensamento. Para
ele o Estado não é criação da vontade de Deus, é um artifício e deve
ser tratado como tal.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Teoria Geral: Sua teoria procura centrar-se numa visão realista da


vida, insistindo em pensar o ser humano sem as ilusões habituais que
lhe agregam. Buscando compreender a realidade social e política
através da natureza humana e das possibilidades de construção de um
direito que possa dar conta das verdadeiras necessidades sociais. Daí o
carácter do seu racionalismo, que pretende perceber a sociedade
através do mecanicismo, ou seja, através das leis mecânicas da
natureza, que também são reveladoras das particularidades da
natureza do ser humano. Sendo adepto do Empirismo, Hobbes elabora
uma filosofia materialista e mecanicista. Detém-se por diversas vezes
em considerações acerca da fisiologia e da acção de certos órgãos para
explicar a origem do conhecimento, dos sentimentos. Partindo do
pressuposto de que os seres humanos não possuem um instinto de
sociabilidade, de que não somos sociáveis por natureza, senão por
acidente, por artifício, é que se reivindica a necessidade de um
contrato entre todos os indivíduos, em função do surgimento do
Estado. O seu realismo lhe rende a fama de ateu e diversas
interpretações distorcidas dos seus verdadeiros interesses.

A tese que defende é uma construção hipotética, ou seja, não parte


de uma situação real concreta, mas de uma apurada racionalização
acerca da realidade, intuindo metáforas para que a mesma realidade
possa ser compreensível. A ideia principal é de que a humanidade
estaria dividida em dois momentos, um primeiro que seria o estado
natural, em que o poder real de cada indivíduo demarca seu espaço e
suas possibilidades. E o segundo momento que se estabelece com o
Estado Político, em que cada qual passa a gozar da mesma medida de
poder e de força, o que garante a todos as mesmas condições de
conservação e manutenção dos interesses pessoais.

Principal Obra: Sua obra principal é o Leviatã, na qual lança as bases


de compreensão da formação da sociedade civil, estabelecendo a

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

melhor forma com a qual o Estado pode se manter absoluto e firme


diante das adversidades. Hobbes é o teórico que através de suas
considerações engendra a teoria segundo a qual o Estado originou-se
do contrato, influenciando posteriormente diversos autores. A
metáfora do corpo serve-lhe de auxílio para identificar funções e
características inerentes aos órgãos, às instituições que compõem a
estrutura do Estado. A soberania é a alma, os magistrados são os
nervos, os indivíduos prósperos são a força, os conselheiros são a
memória, as leis e a concórdia são a saúde, a sedição é a doença e a
guerra civil, a morte.

Eis o Leviatã, o grande monstro anunciado no livro da bíblia que serve


de metáfora para se entender a sociedade organizada através do
contrato social. Todo o texto lança a exigência de se conhecer de
forma directa o género humano. Para que dessa forma se compreenda
também o fim para o qual o Estado foi criado. Assim, o autor não se
poupa em caracterizações de termos e definições minuciosas,
conforme foi exposto na compreensão do Estado como um corpo em
funcionamento. Neles há uma lógica pura e correctamente racional.

Principais Conceitos: A constatação mais definitiva que este autor


possui é a de que em Estado de Natureza todos os seres humanos são
inimigos, pois as pessoas conviveriam sem a autoridade, onde tudo
seria de todos e por isso não existiria a propriedade. De um modo
geral as pessoas estariam procurando a sujeição do outro e em última
instância, sua morte. Essa condição tem como consequência a
infelicidade generalizada. Assim, “o homem é o lobo do próprio
homem”. Frase célebre que nos impulsiona para sua teoria
imediatamente. A guerra de todos contra todos. Os seres humanos
em estado natural são iguais, o que pareceria positivo, repercute de
outro modo a partir dessa compreensão de natureza humana. Somos
iguais na nossa capacidade de ultrapassar o outro, nas predisposições

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

egoístas que mantemos em função da nossa própria preservação.

A igualdade é que faz a nossa infelicidade porque repercute como


igualdade para a guerra. A força é saudada como necessária à auto
conservação de cada um dentro das suas necessidades. Mas nesta
esfera não vale apenas ter maior força física, pois a astúcia tem grande
valia para as situações de risco. No caso da política, as alianças e os
conchavos fazem com que um indivíduo fraco fisicamente possa
tornar-se muito forte. Por isso o direito também implica na força para
exercício do ordenamento.

Diante destas constatações cabe a renúncia mútua da sua condição


natural e o encaminhamento para o contrato que se inicia com a
promessa do cumprimento por parte de todos. Há um desdobramento
em que a análise do Estado de Natureza nos conduz à compreensão da
Natureza do Estado. Para Hobbes, o pacto de renúncia às liberdades
individuais é o anúncio da acção que irá compor o contrato social. O
pacto é a alienação de poderes, pelo qual o indivíduo delega ao Estado
suas predisposições, cada qual deixando de ser um obstáculo para o
outro para que todos possam manter intacta a sua auto preservação.
O que obriga as pessoas a compactuarem e a legitimar a autoridade
política do contrato social é, senão, o medo. A segurança e a paz só
são estabelecidas diante da renúncia do direito que todos possuem
sobre todas as coisas.

Tal renúncia é em favor da constituição de um Estado e da liderança


soberana de um governo. Hobbes pensa a soberania como um
elemento primordial para a construção do Estado. Neste sentido,
condena a divisão dos poderes, pois apenas um poder soberano seria
necessário para evitar a guerra, o conflito e até as dissonâncias. Ainda
que a soberania constitua uma forma de poder absoluto suas
directrizes apontam para uma origem natural e não sobrenatural

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

como se justificou durante toda a idade média o privilégio do poder


dos reis.

Mesmo utilizando metáforas bíblicas na escrita de suas obras, o que se


constrói é um discurso fora da dimensão religiosa. O soberano não
tem qualquer compromisso em relação aos seus súbditos que o
elegeram, não lhes devendo em absolutamente nada, ao contrário, os
súbditos é que dependem deste para manter-se preservados. Seu
direito é proporcional em extensão ao seu poder e à sua vontade. Pois
o soberano é absoluto. O seu direito corresponde à sua força,
monopolizando-a por ser o próprio Estado.

O Estado é o Leviatã, um monstro bíblico que pela importância e


força, submeteria todos ao seu controle. Ele é um artifício e nesta
artificialidade se concentra o grau da sua monstruosidade. É a
concretização de algo que excede a vontade e o poder dos homens de
um modo geral e, por isso, encaminha todos para a paz, obrigando-os
a tal condição. O Estado surge para afastar o medo e assegurar a auto
preservação, estando acima dos interesses de cada cidadão e por isso
podendo garantir a paz.

2.1.3. Locke: A Propriedade

Aspectos Biográficos: John Locke (1632-1704) é outro pensador do


século XVII. Aliás um século bem expressivo em número de
pensadores e teorias, que lança as bases para o empirismo inglês e
procura compreender o problema do surgimento do Estado. Nasceu
na cidade de Wrington, Inglaterra em uma família de comerciantes.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Fonte 3: John Locke (1632-1704)

Fonte: www.biography.com/people/john-locke

Dedicou-se não apenas à filosofia, mas às ciências naturais, à


teologia, à medicina e à anatomia. Embora não tenha expressado
interesse pelas matemáticas e pela ciência de Galileu, foi premiado
com o título de Master of Arts. Membro da Royal Society de Londres,
tornou-se médico de um nobre chamado Ashley Cooper, conde de
Shaffesbury, com quem dividiu muitas das suas ideias políticas.

Contexto Histórico: A modernidade se auto afirma no século XVII. Os


autores, de um modo geral, dizem que é lá que se inicia propriamente
a filosofia moderna. Algumas descobertas científicas e o predomínio
da racionalidade educando as esferas sociais marcam este período.
Embates entre empiristas e racionalistas fazem inaugurar o método e
sua aplicabilidade nas esferas comuns do quotidiano. Abandona-se a
figura excêntrica do sábio medieval e instaura-se o cientista e suas
metodologias de aproximação da realidade.

Tais transformações são acompanhadas de revoluções, como a


revolução puritana, pela qual as atitudes do monarca são postas em
cheque pelo parlamento, anunciando uma mudança definitiva na
esfera política da Inglaterra. Outro grande facto presente neste
período diz respeito à revolução

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

gloriosa em 1688, que procurou a derrubada do governo absolutista


que havia sido implantado, colocando em ascensão a política
parlamentar. Foi a tomada de poder por Guilherme de Orange, que
fez com que o parlamento promulgasse a Carta de Direitos, tornando
este o órgão máximo da administração do Estado. A burguesia em
ascensão liderava as campanhas pela mudança do regime, assumindo
o partidarismo liberal. O liberalismo predominante implantava, assim,
uma defesa explícita da liberdade individual em diversos sectores da
vida humana. É o advento da livre iniciativa que se estenderá até os
nossos dias desdobrando-se através da lógica do capital.

Teoria Geral: Locke é um pesquisador atento, interessando-se pela


condição humana, por desbravar os mistérios da natureza e do
mundo, e desvendar o tipo de compreensão que se estende a Deus.
Seus pensamentos vão ter permanência nos ideais iluministas do
século posterior. Desenvolve uma teoria para melhorar o uso do
intelecto, o entendimento do mundo e sua interpretação. Afirma que
todo conhecimento deriva da prática e que a experiência constitui
fonte e limite para o intelecto. Assim, aquilo que o espírito alcança é
objecto imediato da percepção e nesta se pauta o pensamento. Diz os
pensadores, que antes da experiência somos como uma folha em
branco, uma tábua rasa, pois ela imprime nossas percepções da
realidade.

Há experiências que são internas e externas. As primeiras dizem


respeito à reflexão e às articulações do entendimento. As segundas
dirigem-se à identificação de elementos: cores, sons, sabores, o
movimento, etc. A partir dessas experiências formulamos ideias e
percepções distintas da realidade, as representações são obtidas via
percepção, mas vinculadas em última instância à experiência. No
fundo, nossas ideias originam-se daquilo que nos oferece os sentidos.
As ideias advindas da experiência podem ser simples, complexas e

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

algumas que são combinações destas duas. O que se diferencia é a


postura do engenho. Ele é passivo diante das ideias simples, ou activo
com as complexas, produzindo sínteses, inspirando relações,
desenvolvendo análises.

Locke não admite que a origem das ideias seja algo inato ao ser
humano, ou seja, que as ideias permaneçam nos indivíduos desde o
seu nascimento. Para ele tudo advém da experiência. Assim, não
nascemos com certas orientações, elas se constituem no contacto com
o mundo. A capacidade inata é fonte de preconceito conduzindo ao
dogma individual. Argumenta que é impossível existir algo inato sem
que o indivíduo seja consciente disso. O conhecimento diz respeito a
uma aplicabilidade prática que nos remete à experiência. Mesmo as
ideias mais abstractas possuem uma validade no sentido de orientar
as pessoas a se conduzirem na sua vida. Percebe a filosofia com um
fim prático, num sentido moral oferecendo as regras racionais para a
vida e a condução das acções. O autor destaca que nem mesmo a
moral tem uma origem permanente nas pessoas. Ela advém do
conhecimento, da lida racional que os indivíduos mantêm entre eles
mesmos.

Locke aborda a questão do surgimento do Estado por uma via bem


específica, que é o direito natural. Para este autor o Estado nasce de
um acordo no seio da sociedade civil. É uma tomada de decisão que
advém da experiência, do contacto e da consciência constituída pelos
seres humanos no decorrer do tempo. Através do seu empirismo a
teoria do conhecimento e teoria política desfrutam do mesmo
princípio. Suas ideias expressam a teoria do constitucionalismo liberal
inglês.

Principal Obra: Destacam-se entre seus escritos os dois Tratados


sobre o Governo, nos quais critica a relação entre política e religião.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Para este autor a política é verdadeiramente uma invenção humana e


não possui relação com elementos divinos. Há neste sentido uma
crítica à tradição dos reis e à condição na qual se preservava a política
medieval. Ao situar a religião no seu devido lugar estabelece, em sua
perspectiva racionalista, a tolerância como o limite entre as
particularidades inerentes à dimensão da fé e o tipo de intervenção
que estas devem exercer sobre os indivíduos na sua vida social. Ao
mesmo tempo distingue e delimita o que lhes cabe e o que cabe ao
Estado, dissociando-os profundamente.

Os ideais de Locke incidem na fundamentação da teoria do Estado


liberal e na necessidade da propriedade privada. Tais ideais fazem
rejeitar qualquer forma de monarquia ou qualquer estabelecimento
de um poder absoluto. Toda sua teoria política visa a conciliação da
liberdade com a manutenção da ordem, fazendo com que o indivíduo
se situe verdadeiramente enquanto cidadão. E tal obra só é possível
através do direito, das leis bem regidas e fundamentadas no direito
natural. Desse modo busca configurar as leis e os Estados em função
de garantir o respeito aos direitos naturais, pensando assim estar
garantindo a própria vida e a possibilidade da própria vida social,
tornando-se este facto um único motivo de ser de um governo. Caso
não se assuma tal meta, o povo pode derrubar o governo para
substituí-lo por outro mais competente. Este carácter dos seus escritos
sempre foi motivo e inspiração para os líderes revolucionários no
decorrer da história.

Principais Conceitos: O Estado natural é caracterizado antes de tudo


pela abundância revelada na natureza. A terra, os frutos e tudo o mais
supre e garante a sobrevivência de todos os seres humanos. A nossa
relação directa com estes bens não apenas garante a auto
preservação, mas também a liberdade, a igualdade e a independência,
tão necessárias à vida, sendo a propriedade muito mais que a simples

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

posse de algo. Mas bens tanto materiais como imateriais: a vida, a


saúde, a riqueza, a felicidade são alguns dos exemplos da propriedade.
A relação do indivíduo para com esta é mediada pelo trabalho. A
dedicação ao trabalho repercute na propriedade. E o direito ao fruto
do trabalho é algo que nos deve ser assegurado. Tal condição está até
hoje como princípio básico do capitalismo liberal. Em estado de
natureza somos bons e vivemos em paz, diz Locke, porque estamos
em posse da nossa propriedade.

A natureza é sempre exemplar, demonstra leis que possuem virtude e


sentido. Apresenta uma lógica calcada em causas e consequências e
que podem ser apreendidas através da experiência do indivíduo.
Desse modo, ela apresenta o sentido privilegiado para ilustrar o que
deve ser a sociedade. Ou melhor, Locke percebe que as leis da
natureza apresentam o modelo para elaboração e estabelecimento de
preceitos para a vida social. O autor constata que as leis da razão
condizem com as leis da natureza. Observando a própria racionalidade
percebemos que na natureza já se encontra a experiência da qual
necessitamos para a construção da vida social.

Contudo, neste estado natural não possuímos a garantia de que todos


os indivíduos vão se pautar por tais princípios. Se tivéssemos a
garantia de que todos apenas se moveriam guiados pela recta razão,
nossos direitos não sofreriam qualquer risco. Mas, a partir do
momento que alguém se desvia deste sentido, de imediato temos o
conflito. Embora seja extremamente optimista com o estado de
natureza, Locke, identifica um aspecto que reivindica a presença da
acção política. No estado natural não existe a certeza do
compromisso, ou ao menos o estabelecimento de regularidades das
acções. Não há a punição como consequência da infracção. Daí, a
necessidade de institucionalização da defesa em prol do direito
mútuo.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Aqueles que se desviariam das directrizes da razão estariam sujeitos à


toda sorte de acção, sem qualquer compromisso com os limites das
regras sociais, não havendo como se ter expectativas quanto aos seus
procedimentos. Consequência inevitável dessa situação é a agressão,
que surge como o abandono dos princípios que regem a natureza
humana. A renúncia à razão gera, segundo Locke, a falta re regras,
enquanto expressão de comportamentos pervertidos e acções
criminosas. Diante desta constatação a política promove uma
continuidade daquilo que já se possuiria de forma originária. Os
direitos que constituem a própria natureza humana: a vida, a
liberdade e os bens não podem ser alienados dos indivíduos sem
prejuízo da sua própria condição. Com o pacto social e a instauração
da sociedade política, renuncia-se a fazer justiça com as próprias mãos
para que um corpo político o faça.

Dessa condição surge a necessidade das leis, ou melhor, da


efectividade de um órgão fiscalizador dos regulamentos e das
decisões postas para limitar os excessos da transgressão. Há um
carácter punitivo, mas principalmente regulativo no sentido
disciplinador. O Estado se constitui, em especial, para fazer valer a lei
da natureza. É preciso prender os criminosos, reparar os danos
causados. Evidenciar para todos os cidadãos as consequências da
transgressão e do crime através dos castigos e da punição. Ao surgir, o
Estado retira do indivíduo a prestação do cumprimento das leis
naturais, ou seja, as pessoas deixam de executar o direito natural por
sua iniciativa própria e o fazem enquanto uma obrigação. Constitui-se
um corpo político que pactua em prol da defesa da propriedade. Num
único órgão passa a se concentrar o direito de julgar e de castigar.
Esta centralidade torna o governo o mantendo das regras pertinentes
aos direitos fundamentais do cidadão. Três poderes se constituem: o
legislativo, o executivo e o federativo. Mas o primeiro seria o que mais

36
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

importância concentraria pela derivação às leis naturais. Desse modo,


primando para que o direito de propriedade seja inalienável, o Estado
institui nos indivíduos as directrizes legais nas quais estes devem ser
amparados.

2.1.4. Rousseau: A Igualdade

Aspectos Biográficos: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em


genebra, na Suíça. Desde então a inconstância passou a prevalecer por
toda sua juventude e boa parte da vida adulta. Mantém em suas obras
uma forte crítica à propriedade privada, considerando esta a fonte das
misérias na qual se prende a sociedade. Propõe uma vida simples em
detrimento da complexidade da vida social. Foge das rodas sociais e da
hipocrisia característica dos recintos de festa da sua época.

Fonte 4: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

Fonte: www.biography.com/people/Jean-Jacques Rousseau

Contexto Histórico: Encontra-se num período da história marcado


pelo optimismo intelectual, o iluminismo, que proferia a razão como
fonte de todos os benefícios da humanidade. O Século XVIII é um
período de entusiasmo, de grandes intelectuais, de uma vida pautada
na elegância da corte, consequentemente de vaidade e interesse pela
posição social. A França é um dos

37
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

principais centros no qual tais ideais ajustam-se a uma condição


revolucionária que pretendia desfazer-se do antigo regime para
implantar uma nova ordem. Tais inovações configuram a visão de
mundo da sociedade burguesa com seus lemas de Liberdade,
igualdade e fraternidade.

Grandes transformações tecnológicas estão a motivar


comportamentos de transição. Difunde-se a ideia de que Deus está em
todas as coisas, na natureza e na simplicidade da vida. O deísmo
prevalece como uma forma de resistência à religião oficial. As
injustiças e os sistemas de opressão são desfraldados para que as
pessoas possam ter livre exercício da razão e dos benefícios que esta
pode oferecer. Busca-se transformar a sociedade em prol da liberdade
de expressão, para que seja garantido ao indivíduo alcançar a
felicidade

Teoria Geral: Em alguns momentos a obra de Rousseau pode ser


identificada como um diálogo com os pensadores contratualistas do
século XVII, em especial Hobbes. A constatação de Rousseau é que o
homem nasce bom e é corrompido pelos enlaces sociais. Através do
contrato social procura um Estado social legítimo que favoreça as
potencialidades humanas. Porque deve existir um ajuste bem
delineado ao transformar os direitos naturais em direitos civis.

O diagnóstico de Rousseau é que os homens teriam chegado a um


ponto em que os obstáculos à sua conservação excedem as forças que
cada indivíduo dispõe para manter-se em estado de preservação. A
degeneração da sociedade fez com que a segurança de cada um seja
ameaçada pela do outro, gerando muito mais o ataque como forma de
defesa do que a possibilidade de convivência. A saída que esboça diz
respeito à união como possibilidade de juntar forças, visto ser a força
e a liberdade os instrumentos primordiais para valorização de cada

38
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

indivíduo. Nesta nova ordem instauram-se as vias para recuperar


aquela liberdade natural, ajustada à vida feliz e harmónica.

De um modo geral os diversos movimentos revolucionários no


decorrer da história buscam inspiração no carácter da discussão
promovida por Rousseau. As revoluções liberais atentam para o
sentido de liberdade que o autor esboça. O marxismo identifica uma
compreensão significativa de vida comunitária através do tema da
igualdade. E até o anarquismo encontra pertinência quanto à
resistência ao sistema social vigente. Mas é a revolução francesa que
coroa suas ideias, elevando a condição de igualdade à liberdade e à
fraternidade. Influencia diversos nomes da literatura, a exemplo de
Tolstoi (1828-1910).

Principal Obra: A obra fundamental que traduz o seu pensamento é o


Discurso sobre a Origem e o Fundamento da Desigualdade entre os
homens. Nela se apresenta a definição da natureza humana, uma
compreensão acerca dos desejos e das diversas nuances da
imaginação, agindo sobre nossa condição. Rousseau é um iluminista
que se mantém na contracorrente e anuncia a prepotência da razão,
sobrecarregando nossas verdadeiras funções. Ele privilegia a
importância e o carácter fundamental que o homem simples conserva.
Pois a felicidade se apresenta quando a natureza interior corresponde
ao exterior.

Através da preponderância da razão sobre os sentimentos o ser


humano é colocado inevitavelmente em situação de desconforto. Mas
é ela que adapta o indivíduo na condição humana vigente e no meio
social e jurídico. Como o ser humano, ainda que não seja inclinável à
sociedade, desenvolveu seus germens submetendo-se às suas
exigência e formalizações, esse processo se constitui com as perdas
das condições fundamentais, com a perda da igualdade. E a

39
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

adequação ao artifício, à complexidade, à vida degenerada. Rousseau


foi leitor dos antigos gregos e quando apura a ideia de contrato social
imprime nas suas observações certas conquistas que foram operadas
por esta cultura e que degeneraram-se no decorrer da história, como é
o caso da democracia. Ele propõe uma democracia directa e não uma
democracia representativa como a que vivenciamos hoje em dia.

Principais Conceitos: Para Rousseau o estado de natureza constituía-


se por uma condição de liberdade que motivava o indivíduo a uma
existência natural e equilibrada. A natureza é uma de suas paixões,
tanto no que diz respeito ao interesse pela vida simples deste
selvagem, regida pelo contacto directo com as coisas e com o mundo,
quanto pelo contacto mesmo com a vida rural e os benefícios que esta
oferece às pessoas em seus diversos momentos da vida. Associa esta
condição às experiências infantis, ingénuas e felizes. Experiências que
possuem outra lógica, outro modo de conhecer diferente daquele
que é colocado como padrão e métrica. Há uma bondade inerente à
vida natural que é destruída com a sociedade. Ao homem natural falta
a abstracção, mas a ausência desta não constitui algo negativo, pelo
contrário, lhe permite lidar com as coisas na sua espontaneidade.

A humanidade se resume àqueles que lhe rodeiam. Convive bem com


a solidão, sem lamentar seu estado. Está inteiro e completo nas suas
predisposições. O instinto o adapta à natureza. Em alguns momentos o
autor chega a afirmar que neste estado nos basta a alimentação, um
par, e o descanso, para a verdadeira vida. Como consequência dessa
condição de plenitude, temos a bondade, característica peculiar que o
define. O “bom selvagem” é aquele que, por possuir a bondade como
inerente à sua condição, não sente qualquer disposição ou interesse
em atacar o outro. Há uma compaixão natural que o acompanha.

A análise de Rousseau recai sobre o estabelecimento da vida social

40
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

que degenerou toda essa ordem primeva. Para este autor a sociedade
surge com o estabelecimento da propriedade privada. É a propriedade
a origem das desigualdades e da decomposição moral inerente aos
dias actuais. Os indivíduos tornam-se traiçoeiros, sórdidos, desonestos
e transgressores em vista deste modelo de sociedade. Tal
desigualdade, pergunta o pensador, é autorizada pela lei natural? A
constatação a que chega revela que o homem nasce livre, e pelas
condições que se constituem no âmbito social passa a ser aprisionado.

O ponto nodal de sua crítica à sociedade é revelado pela sua


repugnância à hipocrisia, muito característica do seu tempo,
presente nos salões e lugares de sociabilidade. O modo como as
pessoas se revestem de artifícios para estar neste ou naquele lugar, o
que também revela uma deficiência que se inicia desde o processo
inicial de educação. O contrato social é saudado como a forma com a
qual se pode contrapor essa lógica instituída pela sociedade civil. A
partir dele a convenção do pacto é a saída possível para barrar o mal.
A ideia de contrato social implica num consenso que deve ser
articulado entre os diversos sectores, estendendo soberania ao
governante e às directrizes do novo Estado.

Prevalece, a partir do contrato social, um Estado social legítimo que se


aproxima cada vez mais da vontade geral e também se afasta,
consequentemente, da corrupção em vista desta condição. O
governante é visto como um funcionário a serviço do povo, um
empregado que executa e desempenha sua função sob os olhos
daqueles que o empregam. Ele reconhece que a soberania do povo é
indivisível. O governo constituído é caracterizado como um corpo
intermediário que possui como função a vinculação entre súbditos e
soberano. Deve dar conta da execução das leis, fiscalizar a
conservação da liberdade e implementar a igualdade entre os grupos
da sociedade. Tal governo deve resguardar a soberania que lhe foi

41
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

entregue pela vontade do povo. Este é o corpo político dos cidadãos e


deve ser o núcleo central para o qual se voltam todas as atenções.

Soberano é o povo, sua vontade possui um carácter primordial para o


ordenamento do Estado. Dessa forma, devem-se escolher
representantes e a melhor forma de governo. De início a tarefa
primordial à qual o governante precisa, se dedicar diz respeito à
transição em que as pessoas passam a adquirir a liberdade moral,
reivindicada para que os indivíduos possam tornar-se autónomos. Com
o predomínio da vontade geral sobre as acções do Estado demarca-se
o limite entre o poder que é legítimo ao governante no exercício do
seu cargo e aquele que emana do povo. Assim, vontade geral sempre
beneficia a sociedade. O povo elege, mas também pode retirar do
poder daquele que não corresponde a ela que, por exemplo, seja
corrupto. Se a vontade geral é o limite, também o povo é submisso às
leis que expressam o geral e não os condicionantes de grupos ou
partidos. Rousseau reforça que, sendo o povo quem cria, submete-se
à vontade geral. A lei tornasse o fundamento essencial para a
associação civil. A liberdade concretiza-se como uma aquisição para a
vida feliz e verdadeiramente ajustada sem os grilhões que antes
açoitavam as pessoas.

Sumário

Nesta Unidade Temática, para compreendermos a política a partir de


suas bases modernas necessitamos recorrer aos pensadores que
inauguram este período histórico tão rico em teorias acerca da
sociedade. Tudo se inicia com o pensamento renascentista de
Maquiavel, que procura configurar um realismo político, pelo qual
justiça e moral não constituem factores de restrição à acção política.
Dedica-se à compreensão de verdade efectiva, que reflecte o
pragmatismo com que assume o tema

42
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

da política. Há uma percepção de que a bondade pode levar um


governante à ruína, do mesmo modo que a maldade e a crueldade
podem ser factores definitivos para se ascender ao poder.

Hobbes centra-se numa visão realista da vida, insistindo em pensar o


ser humano sem as ilusões habituais que lhe agregam. Assume o
surgimento do Estado pela necessidade que os seres humanos
possuem de sair do estado de natureza no qual a guerra é
generalizada entre todos. A construção do Estado é um recurso
racional que liberta o homem de si mesmo. Locke é um pesquisador
atento interessando-se pela condição humana, por desbravar os
mistérios da natureza e do mundo. Ao dedicar-se em questões
políticas assume a teoria contratualista como aquela que pode
explicar o surgimento da sociedade civil e atenta principalmente para
a importância das leis na efectivação do Estado. Tem uma visão
positiva do Estado de natureza, mas identifica que nesta condição não
se pode impedir o crime e a violência.

Para Rousseau o contrato social procura um Estado social legítimo que


favoreça as potencialidades humanas. O diagnóstico deste pensador é
que os homens teriam chegado a um ponto em que os obstáculos à
sua conservação excedem as forças que cada indivíduo dispõe para
manter-se em estado de preservação. A degeneração da sociedade
fez com que a segurança de cada qual seja ameaçada pela do outro,
gerando muito mais o ataque como forma de defesa do que a
possibilidade de convivência.

Exercícios Auto Avaliação

1. Qual é o contributo de Maquiavel para a Politica?


2. Apresente a tese de Maquiavel sobre a verdade Metafísica e
verdade efectiva.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

3. Qual é a concepção de Tomas Hobbes sobre o Estado?


4. A metáfora do corpo humano serviu de auxílio para explicar as
formas de Estado. Apresente a relação entre o corpo humano e
Estado descrita por Tomas Hobbes.
5. Segundo John Lock, qual é a origem do Estado?
6. Defina o conceito de contrato social de Jean Jacques Rousseau.

Respostas

1. Resposta de Exercício 1, página 22


2. Resposta de Exercício 2, página 23
3. Resposta de Exercício 3, página 26
4. Resposta de Exercício 4, página 28
5. Resposta de Exercício 5, página 33
6. Resposta de Exercício 6, página 40

Exercícios

 Mapeie quantos Estados absolutista ainda encontram-se sob


esse regime e descreva as peculiaridades inerentes aos
mesmos.
 Em que medida o contexto histórico influenciou Maquiavel?
 Aprofunde a ideia de igualdade na constituição da Republica de
Moçambique.
 Apresente a ideia de pacto social de Locke.
 Pesquise a opinião dos políticos sobre a doutrina de
pensamento de Maquiavel.
 Procure frases de entrevistas, pronunciamentos, discursos em
que a referência a este autor seja feita e busque entender o
que se pretendeu atingir ao usar Maquiavel como referência.

44
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

TEMA – III: A SOCIEDADE E O ESTADO


UNIDADE Temática 3.1. Sociedade e Estado
UNIDADE Temática 3.1.1 Conceito de Sociedade
UNIDADE Temática 3.1.2 Sociedade e comunidade
UNIDADE Temática 3.1.3 A Sociedade e o Estado
UNIDADE Temática 3.1.4 Conceito de Estado
UNIDADE Temática 3.1.5. Acepção filosófica
UNIDADE Temática 3.1.6. Acepção jurídica
UNIDADE Temática 3.1.7. Acepção sociológica
UNIDADE Temática 3.1.8. Elementos constitutivos do Estado
UNIDADE Temática 3.2. Exercícios

UNIDADE Temática 3.1. Sociedade e Estado

Introdução
Esta unidade pretende dotar os estudantes no concernente a
Sociedade, Estado e Comunidade. Portanto ela fornece subsídios
naquilo que tem a ver com Sociedade, Estado e Comunidade, as
formas ou características de cada um dos conceitos. Dotados destas
capacidades, os estudantes saberão quais os principais instrumentos
características, surgimento e suas implicações e influencias na
organização social actual. Ao completar esta unidade, você será capaz
de fazer análises das acções dos estados tendo em conta todos
elementos que o constituem.

45
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

 Descrever os principais conceitos.


Objectivos
 Caracterizar o conceito de sociedade, Estado e
comunidade.

 Estabelecer a relação que existe entre a sociedade, Estado


e comunidade.

 Dotar os estudantes ao conhecimento a origem da


sociedade e do Estado.

3.1.1. Conceito de Sociedade

Quando nos deparamos com essa palavra em busca de um conceito


que possa esclarecê-la satisfatoriamente, a reflexão crítica nos
compele de imediato a fazer menção dos autores que se insurgem
contra aquilo que em geral se denomina Sociedade. Sanchez Agesta e
Maurras pertencem a essa categoria. O primeiro afirma com ênfase
que não há Sociedade, “termo abstracto e impreciso, mas Sociedades,
uma pluralidade de grupos da mais diversa espécie e coesão” e o
segundo, Sociedade de sociedades e não Sociedades de indivíduos.

Na verdade porém o vocábulo Sociedade tem sido empregado,


conforme assinala um sociólogo americano, como a palavra mais
genérica que existe para referir “todo o complexo de relações do
homem com seus semelhantes”. Sendo o mecanicismo e o
organicismo as duas formulações históricas mais importantes sobre os
fundamentos da Sociedade, todo conceito que se der de Sociedade
traduzirá na essência o influxo de uma ou de outra concepção.

46
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Quando Toennies diz que a Sociedade é o grupo derivado de um


acordo de vontades, de membros que buscam, mediante o vínculo
associativo, um interesse comum impossível de obter-se pelos
esforços isolados dos indivíduos, esse conceito é irrepreensivelmente
mecanicista. No entanto, quando Del Vecchio entende por Sociedade
o conjunto de relações mediante as quais vários indivíduos vivem e
actuam solidariamente em ordem a formar uma entidade nova e
superior, oferecemos ele um conceito de Sociedade basicamente
organicista.

3.1.2. Sociedade e comunidade

Tomando a Sociedade como dado sociológico, eminentes estudiosos


da Ciência Social têm, por outro lado, posto mais ênfase na distinção
conceitual entre Sociedade e Comunidade. Haja vista, por exemplo, o
caso de Toennies. Em 1799, Schleiermacher distinguira, pela primeira
vez, a Sociedade da Comunidade e Wundt falara depois numa
“vontade impulsiva” frente a uma “vontade intencional”, como se já
antecipassem ambos algumas bases da clássica elaboração conceitual
de Toennies. Em Sociedade e Comunidade para Toennies essas duas
formas básicas de convivência humana, diametralmente opostas. A
Sociedade supõe, segundo aquele sociólogo, a acção conjunta e
racional dos indivíduos no seio da ordem jurídica e económica; nela,
“os homens, a despeito de todos os laços, permanecem separados”.

Já a Comunidade implica a existência de formas de vida e organização


social, onde impera essencialmente uma solidariedade feita de
vínculos psíquicos entre os componentes do grupo. A Comunidade é
dotada de carácter irracional, primitivo, munida e fortalecida de
solidariedade inconsciente, feita de afectos, simpatias, emoções,
confiança, laços de dependência directa e mútua do “individual” e do
“social”.

47
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Toennies afirma que, sendo a Comunidade um “todo valorado”, cada


indivíduo tomado isoladamente é algo falso e artificial. Bobbio, no
Dicionário de Filosofia escreve com clareza que a comunidade é um
grupo oriundo da própria natureza, independente da vontade dos
membros que o compõem — a Família, por exemplo. Na Comunidade
a vontade se torna essencial, substancial, orgânica. Na Sociedade,
arbitrária. A Comunidade surgiu primeiro, a Sociedade apareceu
depois. A Comunidade é matéria e substância, a Sociedade é forma e
ordem. Na Sociedade, há solidariedade mecânica, na Comunidade,
orgânica. A Sociedade se governa pela razão, a Comunidade pela vida
e pelos instintos. A Comunidade é um organismo, a Sociedade, uma
organização (Berdeaeff) ou segundo Poch, citado por Agesta, na
Comunidade (a Família, por exemplo) a gente é, na Sociedade (uma
sociedade mercantil, por exemplo) a gente está. Diz Agesta que
“simbólica ou alegoricamente a Comunidade é um organismo, a
Sociedade um contrato”.

Tendo a Comunidade antecedido a Sociedade, que é um estádio mais


adiantado da ordem social, esta não eliminou aquela. No interior da
Sociedade, que se acha provida de um querer autónomo, que busca
fins racionais, previamente estatuídos e ordenados, convivem as
formas comunitárias, com seus vínculos tributários de dependência e
complementação, com suas formas espontâneas de vida intensiva,
com seus laços de estreitamento e comunicação entre os homens, no
plano do inconsciente e do irracional. Ao lado do conceito de
Comunidade actual Vierkandt encontra aí a forma mais significativa
das manifestações fenomenológicas que se prendem à composição
estrutural da sociedade contemporânea.

48
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

3.1.3. A Sociedade e o Estado

Os conceitos de Sociedade e Estado, na linguagem dos filósofos e


políticos, têm sido empregados ora indistintamente, ora em contraste,
aparecendo então a Sociedade como círculo mais amplo e o Estado
como círculo mais restrito. A Sociedade vem primeiro; o Estado,
depois. Com o declínio e dissolução do corporativismo medieval e
consequente advento da burguesia, instaura-se no pensamento
político do Ocidente, do ponto de vista histórico e sociológico, o
dualismo Sociedade-Estado.

A burguesia triunfante abraça-se a esse conceito que faz do Estado a


ordem jurídica, o corpo normativo, a máquina do poder político,
exterior à Sociedade, compreendida esta como esfera mais dilatada,
de substrato materialmente económico, onde os indivíduos
dinamizam sua acção e expandem seu trabalho. A Sociedade, algo
interposto entre o indivíduo e o Estado, é a realidade intermediária,
mais larga e externa, superior ao Estado, porém inferior ainda ao
indivíduo, enquanto medida de valor.

A expressão Sociedade, depois de ter sido usada pela primeira vez por
Ferguson com o nome de sociedade civil (civil Society), se firma no uso
político graças ao aparecimento da burguesia. De todos os filósofos,
consoante assinala Jellinek, foi Rousseau o que distinguiu com mais
perspicácia a Sociedade do Estado. Por Sociedade, Rousseau definiu
como conjunto daqueles grupos fragmentados, daquelas “sociedades
parciais”, onde, do conflito de interesses reinantes só se pode recolher
a vontade de todos (volonté de tous), ao passo que o Estado vale como
algo que se exprime numa vontade geral (volonté générale), a única
autêntica, captada directamente da relação indivíduo-Estado, sem
nenhuma interposição ou descrédito por parte dos interesses

49
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

representados nos grupos sociais interpostos. Hegel, veio completar o


elo ainda por descobrir entre a Família e o Estado. A Sociedade é
colocada pois na filosofia de Hegel como antítese, como parte do
movimento dialéctico do espírito objectivo (espírito subjectivo — tese,
espírito objectivo — antítese, e espírito absoluto — síntese, segundo a
dialéctica geral do espírito), cuja tese é a Família e cuja síntese o
Estado.

O conceito de Sociedade tomou sucessivamente três colorações no


curso de sua caminhada histórica. Foi primeiro jurídico com Rousseau,
conforme vimos; depois económico, com Ferguson, Smith, Saint-
Simon e Marx, e enfim, sociológico, desde Comte, Spencer e Toennies.
No socialismo utópico, nomeadamente com Saint-Simon, a Sociedade
se define pelo seu teor económico, pela existência de classes.
Proudhon, resvalando já para o anarquismo, vê no Estado a opressão
organizada e na Sociedade a liberdade difusa. Marx e Engels
conservam a distinção conceitual entre Estado e Sociedade, deixando
porém de tomar o Estado como se fora algo separado da Sociedade,
que tivesse existência à parte, autónoma, como realidade externa,
cujo exame já não lembrasse o que em si há de profundamente social,
pois os Estado — advertem os marxistas — é produto da Sociedade,
instrumento das contradições sociais, e só se explica como fase
histórica, à luz do desenvolvimento da Sociedade e dos antagonismos
de classe. O Estado não está fora da Sociedade, mas dentro, posto que
se distinga da mesma.

A Sociologia, desde Comte e Spencer, força-se por apagar o


antagonismo Estado e Sociedade. Fazendo da Sociologia o estudo de
toda a vida social, tanto da estática corno da dinâmica da Sociedade,
reduz o sociólogo o Estado a uma das formas de Sociedade,
caracterizada pela especificidade de seu fim — a promoção da ordem
política, a organização coerciva dos poderes sociais de decisão, em

50
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

simultaneidade com outras sociedades, como as de natureza


económica, religiosa, educacional, linguística, etc.

A Sociedade, segundo Bobbio, tanto pode aparecer em oposição ao


Estado como debaixo de sua égide. Daqui portanto esse conceito de
Sociedade: “Conjunto de relações humanas intersubjectivas,
anteriores, exteriores e contrárias ao Estado ou sujeitas a este”. O
direito alemão desde que caiu sob o influxo de Hegel, segundo
observou v. d. Gablentz, pôs ênfase no contraste dos dois conceitos,
vendo na Sociedade a reunião de todos os fenómenos de convivência
humana que se desenrolam fora do Estado.

Figura 5: Sociedade e Estado

3.1.4. Conceito de Estado

O Estado como ordem política da Sociedade é conhecido desde a


antiguidade aos nossos dias. Todavia nem sempre teve essa
denominação, nem tampouco ocultou a mesma realidade. A polis dos
gregos ou a civitas e a República dos romanos eram vozes que
traduziam a ideia de Estado, principalmente pelo aspecto de
personificação do vínculo comunitário, de aderência imediata à ordem

51
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

política e de cidadania.

No Império Romano, durante o apogeu da expansão, e mais tarde


entre os germânicos invasores, os vocábulos Imperium e Regnum,
então de uso corrente, passaram a exprimir a ideia de Estado,
nomeadamente como organização de domínio e poder. Daí se chega à
Idade Média, que, empregando o termo Laender (“Países”) traz na
ideia de Estado sobretudo a reminiscência do território. O emprego
moderno do nome Estado remonta a Maquiavel, quando este
inaugurou O Príncipe com a frase célebre: “Todos os Estados, todos os
domínios que têm tido ou têm império sobre os homens são Estados,
e são repúblicas ou principados”. Apesar do uso que fez Bodin, depois,
do termo República na mesma acepção, o que ficou com a obra do
escritor florentino foi a palavra Estado, universalmente consagrada
pela terminologia dos tempos modernos e da idade contemporânea.
Art. 1 da Constituição da República de Moçambique (República de
Moçambique). A República de Moçambique é um Estado
independente, soberano, democrático e de justiça social.

Figura 6: Estado

Estado

Povo Território

Soberania

52
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

3.1.5. Acepção filosófica

Hegel, que definiu o Estado como a “realidade da ideia moral”, a


“substância ética consciente de si mesma”, a “manifestação visível da
divindade”, colocando-o na rotação de seu princípio dialéctico da Ideia
como a síntese do espírito objectivo, o valor social mais alto, que
concilia a contradição Família e Sociedade, como instituição acima da
qual sobre paira meramente o absoluto, em exteriorizações
dialécticas, que abrangem a arte, a religião e a filosofia.

3.1.6. Acepção jurídica

Em Kant colhe-se acerca do Estado conceito muito vazio, inferior à


definição clássica que nos deu do Direito. Com seu formalismo
invariável, viu Kant no Estado apenas o ângulo jurídico, ao concebê-lo
como “a reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do
Direito”.

A definição de Del Vecchio, do ponto de vista exclusivamente jurídico,


satisfaz, principalmente quando ele, separando o Estado da Sociedade,
nota, com toda a lucidez que o Estado é o laço jurídico ou político ao
passo que a Sociedade é uma pluralidade de laços. Vale a pena de
referir que a Sociedade é o género, o Estado, a espécie; de que a
organização estatal representa uma forma de Sociedade apenas, em
concorrência e contraste com outras, mais vastas, como as religiões e
as nacionalidades, cujos laços, embora de maior extensão e
abrangendo por vezes efectivos humanos mais numerosos, carecem
todavia de envergadura e da solidez do laço político, de suprema
influência sobre os demais.

De igual teor jurídico é também o conceito de Estado de Burdeau, que


assinala sobretudo o aspecto institucional do poder. Diz esse autor

53
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

que “o Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e


não num homem. Chega-se a esse resultado mediante uma operação
jurídica que podemos chamar de institucionalização do Poder”. Jean-
Yves Calvez, inspirado em Burdeau e após comentar-lhe a concepção
de Estado, conclui: “O Estado é a generalização da sujeição do poder
ao direito: por uma certa despersonalização”. Desenvolvendo as ideias
de Burdeau, intenta então demonstrar que o Estado só existirá onde
for concebido como um poder independente da pessoa dos
governantes.

3.1.7. Acepção sociológica

Com Oswaldo Spengler, Oppenheimer, Duguit e outros o conceito de


Estado toma coloração marcadamente sociológica. Ao passo que
Spengler surpreende no Estado a História em repouso e na História o
Estado em marcha, Oppenheimer considera falsas todas as definições
até então conhecidas de Estado, desde Cícero a Jellinek.

O notável pensador confessa que o pessimismo sociológico domina os


espíritos. O conceito de Estado que elabora está esgotado nas
influências marxistas de seu pensamento. O Estado, pela origem e pela
essência, não passa daquela “instituição social, que um grupo vitorioso
impôs a um grupo vencido, com o único fim de organizar o domínio do
primeiro sobre o segundo e resguardar-se contra rebeliões intestinas e
agressões estrangeiras”. O Estado constitucional moderno não se
desvinculou na teoria de Oppenheimer de sua índole de organização
da violência e do jugo económico a que uma classe submete outra.
Célebre é a passagem em que ele sustenta que, pela forma, esse
Estado é coação e pelo conteúdo exploração económica.

A posição sociológica de Duguit com respeito ao Estado não varia


consideravelmente da de Oppenheimer. Considera o Estado

54
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

colectividade que se caracteriza apenas por assinalada e duradoura


diferenciação entre fortes e fracos, onde os fortes monopolizam a
força, de modo concentrado e organizado.

Define o Estado, em sentido geral, como toda sociedade humana na


qual há diferenciação entre governantes e governados, e em sentido
restrito como “grupo humano fixado em determinado território, onde
os mais fortes impõem aos mais fracos sua vontade”. Outro jurista-
sociólogo do tomo de von Jehring destaca também no Estado o
aspecto coercitivo. Com efeito, diz esse autor que o Estado é
simplesmente “a organização social do poder de coerção” ou “a
organização da coação social” ou “a sociedade como titular de um
poder coercitivo regulado e disciplinado”, sendo o Direito por sua vez
“a disciplina da coação”.

Do mesmo cunho sociológico, o conceito marxista de Estado. Marx e


Engels explicam o Estado como fenómeno histórico passageiro,
oriundo da aparição da luta de classes na Sociedade, desde que, da
propriedade colectiva se passou à apropriação individual dos meios de
produção. Instituição portanto que nem sempre existiu e que nem
sempre existirá.

Fadado a desaparecer, o poder político, como Marx o definiu, é “o


poder organizado de uma classe para opressão de outra”. Da mesma
forma, assinala Engels que a presente Sociedade, enquanto Sociedade
de classes, não pode dispensar o Estado, isto é, “uma organização da
respectiva classe exploradora para manutenção de suas condições
externas de produção, a saber, para a opressão das classes
exploradas.”

O conceito de Estado repousa, por conseguinte, na organização ou


institucionalização da violência, segundo as análises mais profundas da

55
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

sociologia política. Esse conceito, já examinado em tantos cientistas


sociais, reaparece por igual num sociólogo da envergadura de Max
Weber. Só um instrumento consente definir sociologicamente o
Estado moderno, bem como toda associação política: a força — diz
aquele pensador — e não o seu conteúdo. Todas as formações
políticas são formações de força, prossegue o insigne sociólogo, de tal
maneira que se existissem somente agregações sociais sem meios
coercitivos, já não haveria lugar para o conceito do Estado.

“Todo Estado se fundamenta na força”, disse Trotsky em Brest-


Litowsk, e Max Weber, citando-o de forma literal, lhe dá inteira razão,
embora ache que “a violência não é o instrumento normal e único do
Estado”, mas aquele que lhe é “específico”. No passado, sim, fora a
violência, desde a horda, um meio inteiramente normal entre os mais
distintos grupos.

O Estado moderno racionalizou, porém, o emprego da violência, ao


mesmo passo que o fez legítimo. De modo que, valendo-se de tais
reflexões, chega Max Weber, enfim, ao seu célebre conceito de
Estado: aquela comunidade humana que, dentro de um determinado
território, reivindica para si, de maneira bem-sucedida, o monopólio
da violência física legítima.

Algo caracteriza assim o presente, por esse aspecto, segundo ele: os


grupos e os indivíduos só terão direito ao emprego material da força
com o assentimento do Estado. De sorte que este se converte na única
fonte do “direito” à violência, conforme expressões textuais do
abalizado sociólogo.

O conceito de uma ordem jurídica legítima racionalizou, por sua vez,


as regras concernentes à aplicação da força, monopolizada pelo
Estado. Em suma, reconhece Max Weber o Estado como a derradeira

56
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

fonte de toda a legitimidade, tocante à utilização da força física ou


material.

3.1.8. Elementos constitutivos do Estado

São três os elementos constitutivos do estado: Território, Povo e


Poder Politico. São esses elementos de ordem formal e de ordem
material. De ordem formal, há o poder político na Sociedade, que,
segundo Duguit, surge do domínio dos mais fortes sobre os mais
fracos. E de ordem material, o elemento humano, que se qualifica em
graus distintos, como população, povo e nação, isto é, em termos
demográficos, jurídicos e culturais, bem como o elemento território,
compreendidos estes, como “grupo humano fixado num determinado
território”.

Território: Constituindo a base geográfica do poder, o território do


Estado é definido de maneira mais ou menos uniforme pelos tratados.
A matéria oferece, conforme veremos, poucos pontos de controvérsia,
salvo aqueles ocorridos com mais frequência no domínio da
fundamentação jurídica do vínculo do Território com o Estado. Definiu
Pergolesi o território como “a parte do globo terrestre na qual se acha
efectivamente fixado o elemento populacional, com exclusão da
soberania de qualquer outro Estado”. Alguns autores se têm limitado
todavia a dizer que o território é simplesmente o espaço dentro do
qual o Estado exercita seu poder de império (soberania).

Tem-se verificado todavia dúvidas quando se trata de indagar se o


território é ou não elemento constitutivo do Estado. Responde Donati
negativamente. Entende que o território deve ser considerado como
condição necessária mas exterior ao Estado. Do mesmo modo os
discípulos que o seguem. Acham que se trata de um pressuposto e que
a todo indivíduo resulta indispensável uma porção do solo onde pôr os

57
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

pés. Esse solo porém não constitui parte do ser humano e lhe é
exterior, embora imprescindível.

Da mesma forma o território em relação ao Estado. Mas não faltam


autores — e aliás em maior número — que esposam a tese oposta, a
saber, o território “faz parte” do Estado, é elemento constitutivo e
essencial, e sem ele o Estado inexistiria. O território estaria para o
Estado assim como o corpo para a pessoa humana. Criticando a
posição de Donati, um jurista italiano fez essa curiosa observação:
suponhamos que todos os habitantes do principado de Liechtenstein
emigrassem para o estrangeiro. Acaso levariam eles consigo o Estado?
A reflexão acerca da importância do território se estende também à
hipótese já formulada por alguns juristas que procuram determinar se
uma tribo nómada poderia ou não constituir um Estado, faltando-lhe
como lhe falta aquela característica de fixação estável que entra no
conceito de território, conforme vimos. A resposta de Anschuetz é
afirmativa, desde que cumpridas certas exigências. A primeira seria o
grupo nómada possuir a intenção de ter como seu o território objecto
de uma ocupação móvel e fugaz. A segunda, a capacidade material de
excluir pelo emprego da força a presença de outras tribos nómadas no
espaço geográfico reservado às incursões do grupo.

Atendidos esses requisitos, é Anschuetz de parecer que a tribo


nómada pode apresentar normalmente características de
ordenamento estatal. Indaga-se ainda se a ocupação bélica do
território provoca ou não a extinção imediata do Estado. Se se trata de
ocupação temporária, os juristas se inclinam a responder
negativamente, opinando que só o tratado de paz decidirá da sorte do
Estado, tanto da sua conservação como da debellatio ou
desaparecimento total. É claro que a ocupação importa numa sensível
suspensão ou até mesmo ab-rogação da maior parte das normas de
direito político. A ordem jurídica civil do Estado ocupado é talvez a que

58
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

menos restrições padecem debaixo de um regime de ocupação, salvo


naturalmente aquelas impostas pelas necessidades da potência
ocupante. São partes do território a terra firme, com as águas aí
compreendidas, o mar territorial, o subsolo e a plataforma
continental, bem como o espaço aéreo. Artigo 6º da Constituição da
República (Território)
1. O território da República de Moçambique é uno, indivisível e
inalienável, abrangendo toda a superfície terrestre, a zona
marítima e o espaço aéreo delimitados pelas fronteiras
nacionais.
2. A extensão, o limite e o regime das águas territoriais, a zona
económica exclusiva, a zona contígua e os direitos aos fundos
marinhos de Moçambique são fixados por lei. Como ilustra a
imagem abaixo.

Figura 7: Limites do Território de Moçambique

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Povo: O termo povo está entre aqueles que, pelo uso indiscriminado e
excessivo, acabaram por tornar-se equívocos, sendo necessário um
grande esforço para, antes de tudo, depurá-lo das deformações e,
depois disso, estabelecer sua noção jurídica. E no caso específico de
ovo a tarefa é mais dificultada pela grande carga emocional que,
através dos séculos, se acumulou nessa expressão. E a busca da noção
jurídica de povo deve começar pela sua distinção de palavras
aparentemente sinónimas, utilizadas como tais ou até com preferência
em inúmeras obras de Teoria do Estado. É unânime a aceitação da
necessidade do elemento pessoal para a constituição e a existência do
Estado, uma vez que sem ele não é possível haver Estado e é para ele
que o Estado se forma. Há, todavia, quem designe como população
esse elemento pessoal. Ora, população é mera expressão numérica,
demográfica, ou económica, segundo Marcelo Caetano, que abrange o
conjunto das pessoas que vivam no território de um Estado ou mesmo
que se achem nele temporariamente. Mas o facto de alguém se incluir
na população de um Estado nada revela quanto ao vínculo jurídico
entre a pessoa e o Estado, não sendo também necessária a
constituição de uma vinculação jurídica especial para que alguém se
inclua numa população. Assim, pois, essa expressão não tem sentido
jurídico e não pode ser usada como sinónima de povo. Portanto o
Estado é sujeito do poder público, e o povo, como seu elemento
componente, participa dessa condição. Esse é o aspecto subjectivo do
povo. Por outro lado, o mesmo povo é objecto da actividade do
Estado, e sob este ângulo é que se tem o povo em seu aspecto
objectivo.

Poder Político: Elemento essencial constitutivo do Estado, o poder


representa sumariamente aquela energia básica que anima a
existência de uma comunidade humana num determinado território,
conservando-a unida, coesa e solidária. Há autores que preferem
defini-lo como “a faculdade de tomar decisões em nome da

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

colectividade” (Afonso Arinos). Com o poder se entrelaçam a força e a


competência, compreendida esta última como a legitimidade oriunda
do consentimento. Se o poder repousa unicamente na força, e a
Sociedade, onde ele se exerce, exterioriza em primeiro lugar o aspecto
coercitivo com a nota da dominação material e o emprego frequente
de meios violentos para impor a obediência, esse poder, não importa
sua aparente solidez ou estabilidade, será sempre um poder de facto.

Funções do Estado: O problema da finalidade do Estado é de grande


importância prática, sendo impossível chegar-se a uma ideia completa
de Estado sem ter consciência de seus fins. A finalidade tem sido
reconhecida como de grande importância, havendo uma série de
teorias em torno dela, devendo-se ressaltar, também em relação a
este assunto, a notável contribuição de Jellinek. Como é evidente,
após a publicação de sua obra o mundo sofreu profundas
transformações, inclusive as consequências de duas guerras mundiais,
com reflexos na concepção da finalidade e das funções do Estado. Mas
a partir de seus estudos, com o complemento de tudo quanto se
escreveu sobre o assunto posteriormente, é possível uma
sistematização doutrinária do estudo da finalidade do Estado, como
ilustra a imagem abaixo.

Figura 8: Funções do Estado

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Sumário
A questão de sociedade, estado e comunidade, é fundamental
em na Ciência Politica, para tal efeito é necessário ter em conta
dois o histórico sobre o processo evolutivo, suas principais
características, os métodos de classificação e diferenciação,
cuja aplicação obriga ao recurso a diversos instrumentos
especializados que se vão transformando de acordo com o
desenvolvimento da sociedade.

Exercícios de Auto Avaliação

1. Defina o conceito de Estado.


2. Quais são os elementos constitutivos do Estado?
3. Defina o conceito de sociedade segundo Bobbio.
4. Apresente as funções do Estado.
5. Qual é a ordem hierárquica da organização social.
6. Quais são as principais características da sociedade
contemporânea?
7. Apresente as diferenças entre o conceito de soiedade e
comunidade.

Respostas

1. Resposta de Exercício 1, página 51-55


2. Resposta de Exercício 2, página 56
3. Resposta de Exercício 3, página 51
4. Resposta de Exercício 4, página 60
5. Resposta de Exercício 5, página 51
6. Resposta de Exercício 6, página 56
7. Resposta de Exercício 7, página 47

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Exercícios

 Aprofunde a ideia de sociedade, Estado e comunidade em


Moçambique.
 Identifique os momentos históricos da evolução do Estado
contemporâneo.
 Em que medida o poder político é considerado como Elemento
essencial constitutivo do Estado?
 Em que medida o contexto histórico influencia o pensamento o
Estado actual.
 Defina o conceito de Estado tendo em conta os diferentes
autores e perspectiva estabeleça a diferença entre eles.
 Apresente as principais características da sociedade
contemporânea.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

TEMA – IV: O PODER DO ESTADO


UNIDADE Temática 4.1. O Poder do Estado: Introdução
UNIDADE Temática 4.1.2. O Concieto do Poder
UNIDADE Temática 4.1.3. Imperatividade e natureza integrativa do
poder estatal
UNIDADE Temática 4.1.4. A capacidade de auto-organização
UNIDADE Temática 4.1.5. A unidade e indivisibilidade do poder
UNIDADE Temática 4.1.6. O princípio de legalidade e legitimidade
UNIDADE Temática 4.1.7. A Soberania
UNIDADE Temática 4.1.2. EXERCÍCIOS

UNIDADE Temática 4.1. O PODER O ESTADO: INTRODUÇÃO

Introdução
Tratamos agora de uma das questões principais quando o assunto é Estado,
o poder. Muitos Estados encontram dificuldade em materializar o seu poder
tanto a nível interno como a nível internacional uma vez que ele oferece
oportunidades de controlo, repressão e manipulação. O poder do Estado
frequentemente é requisitado por quem lidera par prossecução de fins
pessoais ou individuais fazendo com que o poder se transforme em
elemento desnecessário para a vida em sociedade.

 Definir o conceito de poder.

Objectivos  Imperatividade e natureza integrativa do poder estatal.


 A capacidade de auto organização do Estado.
 A unidade e indivisibilidade do poder.
 Princípio de legalidade e legitimidade.
 A soberania.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

4.1.1. O conceito de poder

Elemento essencial constitutivo do Estado, o poder representa


sumariamente aquela energia básica que anima a existência de uma
comunidade humana num determinado território, conservando-a
unida, coesa e solidária. Autores há que preferem defini-lo como “a
faculdade de tomar decisões em nome da coletividade” (Afonso
Arinos). Com o poder se entrelaçam a força e a competência,
compreendida esta última como a legitimidade oriunda do
consentimento. Se o poder repousa unicamente na força, e a
Sociedade, onde ele se exerce, exterioriza em primeiro lugar o aspecto
coercitivo com a nota da dominação material e o emprego frequente
de meios violentos para impor a obediência, esse poder, não importa
sua aparente solidez ou estabilidade, será sempre um poder de facto.

Se, todavia, busca o poder sua base de apoio menos na força do que
na competência, menos na coerção do que no consentimento dos
governados, converter-se-á então num poder de direito. O Estado
moderno resume basicamente o processo de despersonalização do
poder, a saber, a passagem de um poder de pessoa a um poder de
instituições, de poder imposto pela força a um poder fundado na
aprovação do grupo, de um poder de fato a um poder de direito.

No vocabulário político ocorre com frequência o emprego indistinto


das palavras força, poder e autoridade. Exigências de clareza porém
recomendam a correcção dos abusos aqui perpetrados. A nosso ver, a
força exprime a capacidade material de comandar interna e
externamente; o poder significa a organização ou disciplina jurídica da
força e a autoridade enfim traduz o poder quando ele se explica pelo
consentimento, tácito ou expresso, dos governados (quanto mais
consentimento mais legitimidade e quanto mais legitimidade mais
autoridade).

65
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

O poder com autoridade é o poder em toda sua plenitude, apto a dar


soluções aos problemas sociais. Quanto menor a contestação e quanto
maior a base de consentimento e adesão do grupo, mais estável se
apresentará o ordenamento estatal, unindo a força ao poder e o poder
à autoridade. Onde porém o consentimento social for fraco, a
autoridade reflectirá essa fraqueza; onde for forte, a autoridade se
achará robustecida. Com respeito ao poder do Estado, urge considerá-
lo através dos traços que lhe emprestam a fisionomia costumeira,
alguns dos quais comportam intermináveis debates relativos ao seu
caráter contingente ou absoluto. Esses traços são: a imperatividade e
natureza integrativa do poder estatal, a capacidade de auto-
organização, a unidade e indivisibilidade do poder, o princípio de
legalidade e legitimidade e a soberania.

4.1.2 Imperatividade e natureza integrativa do poder estatal

A Sociedade, termo genérico, abrange formas específicas de


organização social, cuja distinção se faz pelos objectivos, pela extensão
e pelo grau de intensidade dos laços que prendem os indivíduos aos
diversos tipos de associação conhecidos, que vão desde as sociedades
religiosas até aquelas de cunho meramente recreativo. O Estado,
posto que seja uma forma de sociedade, não é a única, nem a mais
vasta, segundo Del Vecchio, pois coexiste com outras que lhe são
anteriores no plano histórico, como a Família, ou o ultrapassam na
dimensão geográfica e nos quadros de participação, como pode
acontecer com algumas confissões religiosas: o cristianismo, por
exemplo, no qual se filiam povos de vários Estados.

Que traço essencial resta assim para separar o Estado, como


organização do poder, das demais sociedades que exercem também
influência e acção sobre o comportamento de seus membros?

66
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Inquestionavelmente, esse traço fundamental se cifra no carácter


inabdicável, obrigatório ou necessário da participação de todo
indivíduo numa sociedade estatal. Nascemos no Estado e ao menos
contemporaneamente é inconcebível a vida fora do Estado.

Ao passo que as demais associações são de participação voluntária,


conservando sempre livre aos seus membros a porta de entrada e
saída, o Estado, que possui o monopólio da coação organizada e
incondicionada, não somente emite regras de comportamento senão
que dispõe dos meios materiais imprescindíveis com que impor a
observância dos princípios porventura estatuídos de conduta social.
Actua o Estado por conseguinte na ambiência colectiva, quando
necessário, com a máxima imperatividade e firmeza, formando aquele
vasto círculo de segurança e acção no qual se movem outros círculos
menores dele dependentes ou a ele acomodados, que são os grupos e
indivíduos, cuja existência ganha ali certeza e personificação jurídica.

Examinada atentamente a natureza do poder estatal, verifica-se que


todo Estado, comunidade territorial, implica uma diferenciação entre
governantes e governados, entre homens que mandam e homens que
obedecem, entre os que detêm o poder e os que a ele se sujeitam. A
minoria dos que impõem à maioria a sua vontade por persuasão,
consentimento ou imposição material forma o governo que, tendo a
prerrogativa exclusiva do emprego da força, exerce o poder estatal
através de leis que obrigam, não porque sejam “boas, justas ou
sábias”, mas simplesmente porque são leis, pautas de convivência,
imperativos de conduta. Dispõe a autoridade governativa da
capacidade unilateral de ditar à massa dos governados, se necessário
pela compulsão, o cumprimento irresistível de suas ordens, preceitos e
determinações de comportamento social.

67
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Ao poder do Estado aderem certos traços ou qualidades


fundamentais. O primeiro é a natureza integrativa ou associativa do
poder estatal, já em parte compreendida nas considerações
antecedentes e que faz que o portador do poder do Estado, do ponto
de vista jurídico, não seja uma pessoa física nem várias pessoas físicas,
mas sempre e indispensavelmente a pessoa jurídica, o
Estado.

4.1.3. A capacidade de auto-organização

O segundo traço essencial que deriva da existência do poder estatal é


a sua capacidade de auto-organização. O carácter estatal de uma
organização social decorre precisamente da circunstância de proceder
de um direito próprio, de uma faculdade auto-determinativa, de uma
autonomia constitucional o poder que essa organização exerce sobre
os seus componentes. Há Estado desde que o poder social esteja em
condições de elaborar ou modificar por direito próprio e originário
uma ordem constitucional. Pouco monta que prescrições jurídicas
venham embaraçar ou circunscrever a extensão dessa capacidade ou
tirar-lhe o princípio de exclusividade como acontece por exemplo no
caso das organizações federativas. Existindo instrumento autónomo
de poder financeiro, policial e militar com capacidade de organização e
regulação aí existirá o Estado.

4.1.4. A unidade e indivisibilidade do poder

A indivisibilidade do poder configura outra nota característica do


poder estatal. Significa que somente pode haver um único titular
desse poder, que será sempre o Estado como pessoa jurídica ou
aquele poder social que em última instância se exprime, segundo
querem alguns publicistas, pela vontade do monarca, da classe ou do
povo.

68
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

O princípio de unidade ou indivisibilidade do poder do Estado resulta


historicamente da superação do dualismo medieval que repartia o
poder entre o príncipe e as corporações, dotadas estas por vezes de
um poder de polícia e jurisdição, que bem exprimia a concepção jus-
privatista e patrimonial imperante na sociedade ocidental até o século
XVI. Com a noção de unidade e indivisibilidade do poder, aufere o
Estado moderno um de seus postulados essenciais que, desprendendo
o poder do Estado do poder pessoal do governante, permite
compreender a comunidade regida fora das concepções civilistas do
direito de propriedade, dominantes no período medievo.

Cumpre distinguir a titularidade do poder estatal do exercício desse


mesmo poder, conforme adverte Kuechenhoff. Titulares do poder são
aquelas pessoas cuja vontade se toma como vontade estatal. Essa
vontade, expressando o poder do Estado, se manifesta através de
órgãos estatais, que determinam em seus actos e decisões o carácter e
os fins do ordenamento político. Dá o citado autor alemão a esse
respeito claro e persuasivo exemplo com o que se passa no Estado
democrático contemporâneo. A titularidade do poder estatal pertence
aqui ao povo; o seu exercício, porém, aos órgãos através dos quais o
poder se concretiza, quais sejam o corpo eleitoral, o Parlamento, o
Ministério, o chefe de Estado, etc.

A distinção acima enunciada faculta compreender a contradição


aparente que resultaria do postulado essencial da unidade do poder
contraposto ao princípio da chamada separação de poderes
consagrado pela teoria constitucional e elaborado por Montesquieu
em Do Espírito das Leis (1748). O poder do Estado na pessoa de seu
titular é indivisível: a divisão só se faz quanto ao exercício do poder,
quanto às formas básicas de actividade estatal.

69
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Distribuem-se através de três tipos fundamentais para efeito desse


mesmo exercício as múltiplas funções do Estado uno: a função
legislativa, a função judiciária e a função executiva, que são cometidas
a órgãos ou pessoas distintas, com o propósito de evitar a
concentração de seu exercício numa única pessoa. Não menos falaz
vem a ser a pretendida quebra do axioma da unidade do poder do
Estado em face da existência do Estado federal. A União e os Estados-
membros não compõem subjectivamente duas vontades distintas,
portadoras do poder estatal, o qual se conserva referido a uma só
pessoa, a um único titular. Houve somente divisão do objecto, das
tarefas, dos trabalhos e assuntos pertinentes à acção do Estado, em
suma, na boa linguagem jurídica, divisão de competência e não do
poder do Estado propriamente dito.

4.1.5. O princípio de legalidade e legitimidade

Autores fazem da legalidade e legitimidade condições essenciais do


poder do Estado tanto quanto da capacidade constitucional e da
indivisibilidade desse mesmo poder. Outros porém trilhando via
oposta, entendem que a noção de legalidade e legitimidade não
pertence à caracterização do poder, nem constitui sequer traço do
poder estatal.

4.1.6. A Soberania

A soberania, que exprime o mais alto poder do Estado, a qualidade de


poder supremo (suprema potestas), apresenta duas faces distintas: a
interna e a externa. A soberania interna significa o imperium que o
Estado tem sobre o território e a população, bem como a
superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que
lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata. Artigo 2 da

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Constituição da República de Moçambique (Soberania e legalidade)


1. A soberania reside no povo.
2. O povo moçambicano exerce a soberania segundo as formas
fixadas na Constituição.
3. O Estado subordina-se a Constituição e funda-se na legalidade.
4. As normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes
normas do ordenamento jurídico.
A soberania externa é a manifestação independente do poder do
Estado perante outros Estados.

Sumário
A questão de medição de distâncias, é fundamental em
cartografia, para tal efeito é necessário ter em conta dois
métodos fundamentais a saber: O método directo e o método
indirecto, cuja aplicação obriga ao recurso a diversos
instrumentos especializados que se vão transformando de
acordo com o desenvolvimento da Cartografia.
A escolha de cada um dos métodos depende em grande
medida das condições de localização do cartógrafo ou do
investigador e das disponibilidades que este tem em meios de
execução das suas tarefas.

Exercícios de Auto Avaliação

1. Defina o conceito de poder.


2. Apresente o princípio de unidade ou indivisibilidade do poder
do Estado.
3. Estabeleça a diferença entre legitimidade e legalidade.
4. Defina o conceito de soberania.
5. Em que consiste a capacidade de auto organização do Estado?
6. Apresente a face distinta da soberania tendo em conta a
constituicao de Moçambique.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Respostas

1. Resposta de Exercício 1, página 64


2. Resposta de Exercício 2, página 68
3. Resposta de Exercício 3, página 69
4. Resposta de Exercício 4, página 51
5. Resposta de Exercício 5, página 67
6. Resposta de Exercício 6, página 70

Exercícios

 Identifique os conceitos principais, reúna uns cinco conceitos,


que fazem parte da poder de Estado.
 Busque seus significados a partir de autores diferentes e
perceba como cada autor se apropria de forma diferente para
falar do mesmo assunto.
 Em que consiste a capacidade de auto organização do Estado?
 Apresente o princípio de unidade ou indivisibilidade do poder
do Estado.
 Estabeleça a diferença entre legitimidade e legalidade tendo
em conta o meio interno e externo.
 Defina o conceito de soberania.

72
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

TEMA – V: LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DO PODER


UNIDADE Temática 5.1. Legalidade e Legitimidade: Introdução
UNIDADE Temática 5.1.1. O princípio da legalidade
UNIDADE Temática 5.1.2. O princípio da legalidade
UNIDADE Temática 5.1.3. Os fundamentos sociológicos da legitimidade
UNIDADE Temática 5.1.4. A legitimidade como representação de uma
teoria dominante do poder.
UNIDADE Temática 5.1.5. As três formas básicas de manifestação da
legitimidade: a carismática, a tradicional e a legal ou racional
UNIDADE Temática 5.1.6. O aspecto jurídico da legitimidade
UNIDADE Temática 5.1.7. A legitimidade no exercício do poder
UNIDADE Temática 5.2. EXERCÍCIOS

UNIDADE Temática 5.1. Legalidade e Legitimidade: Introdução.

Introdução
Esta unidade pretende dotar os estudantes no concernente a
legitimidade e legalidade. O enfoque do tema legitimidade versus
legalidade tem apresentado importantes contornos, do ponto de vista
do estudo da Ciência Política, com destaques para a legitimação do
exercício do poder. A legitimação vem reconhecer pluralismo
insuprível das sociedades contemporâneas, com toda sua
complexidade, o que demonstra ser elemento desvinculado da
coerção e da própria legalidade. Em um Estado Democrático de
Direito, a Legalidade esta próxima da Legitimidade, isto é, não pode
ser respeitada tão-somente a exigência de que a actuação estatal seja
baseada na lei em sentido formal. O instrumento de actuação do
Estado deve não só ser formal, mas também estar de acordo com os
valores basilares do Estado, tais como a dignidade da pessoa humana,
a busca de uma sociedade justa, livre e igualitária etc.

73
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

 O princípio da legalidade
 O princípio da legitimidade
Objectivos  Os fundamentos sociológicos da legitimidade
 A legitimidade como representação de uma teoria
dominante do poder.
 As três formas básicas de manifestação da legitimidade: a
carismática, a tradicional e a legal ou racional
 O aspecto jurídico da legitimidade
 A legitimidade no exercício do poder

6.1.1. O princípio da legalidade

A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância


das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita
com o direito estabelecido. Ou em outras palavras traduz a noção de
que todo poder estatal deverá actuar sempre de conformidade com as
regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do poder que se
exerce ao direito que o regula. Cumpre pois discernir no termo
legalidade, aquilo que exprime inteira conformidade com a ordem
jurídica vigente. Nessa acepção ampla, o funcionamento do regime e a
autoridade investida nos governantes devem reger-se segundo as
linhas-mestras traçadas pela Constituição, cujos preceitos são a base
sobre a qual assenta tanto o exercício do poder como a competência
dos órgãos estatais.

A legalidade supõe por conseguinte o livre e desembaraçado


mecanismo das instituições e dos actos da autoridade, movendo-se
em consonância com os preceitos jurídicos vigentes ou respeitando
rigorosamente a hierarquia das normas, que vão dos regulamentos,
decretos e leis ordinárias até a lei

74
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

máxima e superior, que é a Constituição. O poder legal representa por


consequência o poder em harmonia com os princípios jurídicos, que
servem de esteio à ordem estatal. O conceito de legalidade se situa
assim num domínio exclusivamente formal, técnico e jurídico.

6.1.2. O princípio da legitimidade

Já a legitimidade tem exigências mais delicadas, visto que levanta o


problema de fundo, questionando acerca da justificação e dos valores
do poder legal. A legitimidade é a legalidade acrescida de sua
valoração. É o critério que se busca menos para compreender e aplicar
do que para aceitar ou negar a adequação do poder às situações da
vida social que ele é chamado a disciplinar. No conceito de
legitimidade entram as crenças de determinada época, que presidem à
manifestação do consentimento e da obediência. A legalidade de um
regime democrático, por exemplo, é o seu enquadramento nos
moldes de uma constituição observada e praticada; sua legitimidade
será sempre o poder contido naquela constituição, exercendo-se de
conformidade com as crenças, os valores e os princípios da ideologia
dominante, no caso a ideologia democrática.

6.1.3. Os fundamentos sociológicos da legitimidade

O conceito de legitimidade expresso por Vedei, segundo o qual


“chama-se princípio de legitimidade o fundamento do poder numa
determinada sociedade, a regra em virtude da qual se julga que um
poder deve ou não ser obedecido” nos leva assim sem nenhuma
intermitência à compreensão sociológica do termo. A esse respeito,
vale ressaltar a importância que tem o entendimento sociológico da
legitimidade, a qual implica sempre numa teoria dominante do poder.
Suscitando o problema da autoridade, em termos sociológicos,
distingue Max Weber, conforme veremos, três formas básicas de

75
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

manifestação da legitimidade, que são capitais para a explicação de


todos os fenómenos do poder observados em qualquer tipo de
organização social: a carismática, a tradicional e a legal ou racional.

6.1.4. Manifestações da legitimidade

Debaixo do mesmo prisma sociológico, Max Weber faz que a


legalidade repouse sobre três formas básicas de manifestação da
legitimidade: a carismática, a tradicional e a legal ou racional. Esses
três tipos de poder legítimo abrangido no clássico esquema de Max
Weber têm resumidamente a explicação que se segue, segundo as
palavras mesmas do celebrado sociólogo.

A autoridade carismática assenta sobre as “crenças” havidas em


profetas, sobre o “reconhecimento” que pessoalmente alcançam os
heróis e os demagogos, durante as guerras e as sedições, nas ruas e
nas tribunas, convertendo a fé e o reconhecimento em deveres
invioláveis que lhes são devidos pelos governados. O poder
carismático se baseia, segundo o sociólogo, na directa lealdade
pessoal dos seguidores.

A autoridade carismática, acrescenta Max Weber, a despeito de haver


sido uma das potências mais revolucionárias da História,
transformadora dos sentimentos e destinos de povos e civilizações
inteiras conserva nas suas formas mais puras o carácter autoritário e
imperativo. Já a autoridade tradicional se apoia na crença de que os
ordenamentos existentes e os poderes de mando e direcção
comportam a virtude da santidade. O tipo mais puro, prossegue Max
Weber, é o da autoridade patriarcal, onde o governante é o “senhor”;
o governado, o “súbdito” e o funcionário, o “servidor”. Afirma o
sociólogo: presta-se obediência à pessoa por respeito, em virtude da
tradição de uma dignidade pessoal que se reputa sagrada. Todo o

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

comando se prende intrinsecamente à tradição, cuja violação brutal


por parte do chefe poderá eventualmente pôr em perigo seu próprio
poder, cuja legitimidade se alicerça tão-somente na crença acerca de
sua santidade. A criação de um novo direito em face das normas
oriundas da tradição é em princípio impossível. Consequentemente, a
direcção política do meio social goza de uma solidez e estabilidade que
se acha sob a dependência imediata e directa do aprofundamento da
tradição na consciência colectiva.

Quanto ao último tipo, o da autoridade “legal”, que informa toda a


época do racionalismo ocidental, temos o poder fundado no estatuto,
na regulamentação da autoridade. Aqui assevera Max Weber: o tipo
mais puro é o da autoridade burocrática. Sua concepção fundamental
se resume na postulação de que qualquer direito pode ser modificado
e criado ad libitum, por elaboração voluntária, desde que essa
elaboração seja formalmente correcta. A obediência se presta não à
pessoa, em virtude de direito próprio, mas à regra, que se reconhece
competente para designar a quem e em que extensão se há de
obedecer. Demais, o poder racional ou legal cria ademais em suas
manifestações de legitimidade a noção de competência, o poder
tradicional a de privilégio e o carismático, desconhecendo esses
conceitos, dilata a legitimação até onde alcance a missão do chefe, na
medida de seus atributos carismáticos pessoais, conforme observa
aquele pensador.

6.1.5. A legitimidade no exercício do poder

A legitimidade abrange por último duas categorias de problemas


distintos. O primeiro problema se relaciona com a necessidade e a
finalidade mesma do poder político que se exerce na sociedade
através principalmente de uma obediência consentida e espontânea, e
não apenas em virtude da compulsão efectiva ou potencial de que

77
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

dispõe o Estado — instrumento máximo de institucionalização de todo


o poder político. Vista debaixo desse aspecto, a legitimidade do poder
só aparece contestada nas doutrinas anárquicas, nomeadamente no
marxismo, ao passo que as demais escolas conhecidas se empenham
em dar-lhe por fundamento ora os impulsos naturais, orgânicos e
biológicos do homem, ora o consentimento livremente expresso por
uma associação de vontades, como nas teorias do contrato social,
reconhecendo-se em qualquer das últimas posições mencionadas, por
legítima, a existência na sociedade de um poder político imposto às
vontades individuais.

Se a existência do poder político na sociedade se acha legitimada com


rara ou nenhuma discrepância (sendo a única excepção a dos
anarquistas) o problema da legitimidade, ao contrário, se complica
quando a questão versada entra a ser a do exercício legítimo do
poder. Trata-se aqui de indicar o fundamento de legitimidade do
governo ou dos governantes, manifestado como um dado histórico e
relativo, consoante as doutrinas ou as crenças geralmente aceitas e
que lhes servem de esteio, modificáveis conforme a época ou o país.
Na Idade Média, essa crença-suporte da legitimidade foi Deus, a
religião, o sobrenatural, ao passo que contemporaneamente ela vem
sendo o povo, a democracia, o consentimento dos cidadãos e a adesão
dos governados.

Mas não se exaure nisso o problema da legitimidade governativa.


Cumpre passar ao segundo problema, o de saber se todo governo é
legal e legítimo ao mesmo tempo e quais as hipóteses configuradas de
desencontro desses dois elementos: legalidade e legitimidade. Com
efeito, concebe-se perfeitamente um governo legal que seja ilegítimo.
Haja vista o exemplo francês, muito citado, do governo de Petain, que,
investido legalmente no poder, cedo patenteou seu inteiro desacordo
com os sentimentos e esperanças e votos do povo francês. Daí

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

resultou negar-lhe o país adesão e consentimento, bases da


legitimidade política. Já o governo francês de De Gaulle no exílio, que
emergira das lutas da libertação nacional, foi em 1944, como governo
provisório da República francesa, o governo ilegal porém legítimo do
povo francês. Via de regra, os governos que nascem das situações
revolucionárias, dos golpes de Estado, das conspirações triunfantes,
são governos ilegais mas eventualmente legítimos, se abraçados logo
pelo sentimento nacional de aprovação ao exercício do seu poder.
Confirmada a viabilidade desses governos, a legitimidade fundará
então com o tempo a nova legalidade. E esta há-de perdurar,
conciliada no binómio legalidade-legitimidade, até que ulteriores
comoções da consciência nacional tragam com a intervenção súbita de
crises imprevistas e profundas para a conservação do poder a perda
do equilíbrio político dos sistemas legais e sua consequente
destruição.

Sumário
A questão de medição de distâncias, é fundamental em
cartografia, para tal efeito é necessário ter em conta dois
métodos fundamentais a saber: O método directo e o método
indirecto, cuja aplicação obriga ao recurso a diversos
instrumentos especializados que se vão transformando de
acordo com o desenvolvimento da Cartografia.
A escolha de cada um dos métodos depende em grande
medida das condições de localização do cartógrafo ou do
investigador e das disponibilidades que este tem em meios de
execução das suas tarefas.

Exercícios de Auto Avaliação

1. Quais são princípios da legitimidade.


2. Defina o conceito de legitimidade e legalidade.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

3. Quais são as formas de manifestação da legitimidade.


4. Apresente os fundamentos sociológicos da legitimidade.
5. Apresente os princípios da Legalidade.
6. Como se manifesta a legitimidade no exercício de poder?

Respostas

1. Resposta de Exercício 1, página 74


2. Resposta de Exercício 2, página 74
3. Resposta de Exercício 3, página 75
4. Resposta de Exercício 4, página 74
5. Resposta de Exercício 5, página 75
6. Resposta de Exercício 6, página 77

Exercícios

 A relação entre legalidade e legitimidade é muito estreita, a


ponto de alguns autores as confundirem. Em grupo de trabalho
debrucem sobre o assunto.
 O termo legitimidade interessa preciosamente à ciência
política, mas também é importante a todas as ciências
humanas. Qual é a importância para a Ciência Politica.
 Discuta em torno dos princípios da legitimidade e legalidade.
 Quais são as formas de manifestação da legitimidade.
 Apresente os fundamentos sociológicos da legitimidade.
 Apresente os princípios da Legalidade

TEMA – VI: AS FORMAS DE GOVERNO E DE ESTADO


UNIDADE Temática 6.1. Formas de governo e formas de Estado
Introdução

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

UNIDADE Temática 6.1.2. Classificação de Aristóteles: Monarquia,


Aristocracia e Democracia
UNIDADE Temática 6.1.3. As modernas classificações das formas de
governo: de Maquiavel a Montesquieu
UNIDADE Temática 6.1.4 As formas de governo segundo o critério da
separação de poderes: governo parlamentar, governo presidencial e
governo convencional
UNIDADE Temática 6.2. EXERCÍCIOS

UNIDADE Temática 6.1. AS FORMAS DE GOVERNO E DE ESTADO: INTRODUÇÃO

Introdução

Esta unidade pretende dotar os estudantes no concernente a formas


de governo e Estado. As formas de governo são formas de vida do
Estado, revelam o carácter colectivo do seu elemento humano,
representam a reacção psicológica da sociedade às diversas e
complexas influências de natureza moral, intelectual, geográfica,
económica e política através da história." (Darcy Azambuja). Configura-
se uma enorme discussão entre formas de governo e formas de
estado.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

 Analisas as Formas de governo e formas de Estado


 Descrever a classificação de Aristóteles: monarquia,
Objectivos aristocracia e democracia
 Reflectir sobre As modernas classificações das formas de
governo: de Maquiavel a Montesquieu
 Analisar as formas de governo segundo o critério da
separação de poderes: governo parlamentar, governo
presidencial e governo convencional.

6.1.2. Formas de governo e formas de Estado

Entre autores reina confusão quanto ao emprego das expressões


formas de Governo e formas de Estado. O vocabulário político alemão
denomina formas de Estado (Staatsformen) aquilo que os franceses
conhecem sob a designação de formas de Governo, como, por
exemplo, nas classificações mais antigas e tradicionais, a monarquia, a
aristocracia e a democracia.

Afigura-se-nos que a nomenclatura francesa é mais precisa porquanto


deixa clara a distinção entre formas de Estado e formas de Governo.
Como formas de Estado, temos a unidade ou pluralidade dos
ordenamentos estatais, a saber, a forma plural e a forma singular; a
sociedade de Estados (o Estado Federal, a Confederação, etc.) e o
Estado simples ou Estado unitário.

Como formas de Governo, temos a organização e o funcionamento do


poder estatal, consoante os critérios adoptados para a determinação
de sua natureza. Os critérios mais em voga são principalmente três: a)
o do número de titulares do poder soberano; b) o da separação de
poderes, com rigoroso estabelecimento ou fixação de suas respectivas
relações; e c) o dos princípios essenciais que animam as práticas

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

governativas e consequente exercício limitado ou absoluto do poder


estatal. O primeiro critério tem o prestígio do nome de Aristóteles e de
quantos adoptaram subsequentemente, com algumas variações, a sua
célebre classificação das formas de Governo.

Os dois últimos são mais recentes, traduzindo melhor a compreensão


contemporânea do fenómeno de governação e sua institucionalização
social. O segundo, relativo à separação de poderes, dominou durante
toda a idade do Estado liberal, representando uma das faces do
formalismo constitucional do século passado, apoiado na teoria de
Montesquieu, sem que este de modo algum pressentisse essa
eventual aplicação, extraída aliás como consequência lógica de sua
doutrina.

O terceiro, voltado para os princípios básicos que animam a vida


política, é de todo contemporâneo, representando uma reacção
contra a rigidez do critério anterior, o qual tinha mais em vista a forma
do que o fundo das instituições. As classificações mais célebres são
porém aquelas que obedecem ao primeiro critério já referido.
Abrangem, por exemplo, a classificação de Aristóteles, de Maquiavel e
de Montesquieu, levando em conta, principalmente, o número de
pessoas que exercem o poder soberano.

6.1.3. A classificação de Aristóteles: monarquia, aristocracia e


democracia

A monarquia, a primeira dessas formas, representa, segundo


Aristóteles, o governo de um só. Atende o sistema monárquico à
exigência unitária na organização do poder político, exprimindo uma
forma de governo na qual se faz mister o respeito das leis. A
aristocracia, como segunda forma, na classificação de Aristóteles,
significa o governo de alguns, o governo dos melhores. Na etimologia

83
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

da palavra “aristocracia” deparamo-nos já com a ideia de força. Essa


raiz evolve naturalmente para a acepção de força da cultura, força da
inteligência, força entendida de modo qualitativo, força, por
conseguinte, dos melhores, dos que tomam as rédeas do governo.

A exigência de todo governo aristocrático deve ser, segundo


Aristóteles, a de seleccionar os mais capazes, os melhores. Quanto ao
terceiro tipo de governo, contido nessa classificação, Aristóteles fá-lo
corresponder à Democracia, governo que deve atender na sociedade
aos reclamos de conservação e observância dos princípios de
liberdade e de igualdade. Os que repreendem Aristóteles por haver
procedido na classificação das formas de governo com critério
quantitativo, estão todavia o não esquecido o célebre filósofo político
da Grécia distinguira as chamadas formas de governo puro das formas
de governo impuro.

Governos puros são, no pensamento aristotélico, aqueles em que os


titulares da soberania, quer se trate de um, de alguns ou de todos,
exercem o poder soberano tendo invariavelmente em vista o interesse
comum, ao passo que os governos impuros são aqueles em que, ao
invés do bem comum, prevalece o interesse pessoal, o interesse
particular dos governantes contra o interesse geral da colectividade.
Quando esses interesses pessoais se sobrepõem, na gestão dos
negócios públicos, aos interesses da sociedade, aquelas formas de
governo já mencionadas degeneram por completo.

Desvirtuada de seu significado essencial de governo que respeita as


leis, a monarquia se converte em tirania, a saber, governo de um só,
que vota o desprezo da ordem jurídica. A aristocracia depravada se
transmuda em oligarquia, plutocracia ou despotismo, como governo
do dinheiro, da riqueza desonesta, dos interesses económicos anti-
sociais. A democracia decaída se transforma em demagogia, governo

84
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

das multidões rudes, estúpidas e despóticas.

6.1.4. O governo misto (Cícero)

Os escritores políticos da sociedade romana acolheram com reservas a


classificação de Aristóteles. Alguns, como Cícero, acrescentaram às
formas já conhecidas da classificação aristotélica um quarto tipo: a
forma mista de governo. Essa forma, segundo Cícero, existia no Estado
romano mesmo e vinha a ser a melhor de todas. O governo misto
aparece, via de regra, por mera limitação ou redução dos poderes da
monarquia, da aristocracia e da democracia, mediante determinadas
instituições políticas, tais como um Senado aristocrático ou uma
Câmara democrática. Autores modernos que admitem a existência da
forma mista de governo, entendem que a Inglaterra oferece
contemporaneamente o mais persuasivo exemplo dessa modalidade
de organização do governo.

Com efeito, há na Inglaterra um sistema monárquico no qual o Rei, a


Câmara Alta (Câmara dos Lordes) e a Câmara Baixa (Câmara dos
Comuns) formam conjuntamente o Parlamento. Como se vê, esse país
apresenta um quadro político onde o poder real combina três
elementos institucionais, que são as peças básicas do sistema: a Coroa
monárquica, a Câmara aristocrática e a Câmara democrática ou
popular.

Dos publicistas modernos, que não aderem ao sistema de classificação


de Aristóteles e sustentam a modalidade mista de organização do
governo, destaca-se Mirabeau, célebre orador político da Revolução
Francesa, que, em discurso proferido por volta de 1790, já declarava
que num certo sentido as repúblicas são monarquias, e num certo
sentido também as monarquias são repúblicas. Com respeito ao
governo misto, tão fervorosamente preconizado por Cícero, cumpre

85
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

advertir na censura e crítica que lhe faz Tácito nos Anais, ao negar
valor, até mesmo existência a semelhante modelo de Estado. Disse
Tácito naquela obra, que nenhum Estado misto há na realidade, ou se
houver, será sempre de duração efémera.

6.1.5. Classificações das formas de governo: de Maquiavel a


Montesquieu

De Aristóteles e Cícero, passemos a Maquiavel, o secretário florentino,


que tanto se imortalizou na ciência política, e que abre o capítulo
primeiro de O Príncipe, sua obra-prima, com aquela afirmativa de que
“todos os Estados, todos os domínios que exerceram e exercem poder
sobre os homens, foram e são ou Repúblicas ou Principados”. Com
essa afirmação, classifica Maquiavel as formas de governo em termos
dualistas: de uma parte, a monarquia, o poder singular; e, de outra
parte, a República, ou poder plural. A república, segundo Maquiavel,
abrange a aristocracia e a democracia.

De Maquiavel vamos a Montesquieu, cuja classificação é a mais


afamada dos tempos modernos. Em toda forma de governo distingue
Montesquieu a natureza e o princípio desse governo. A natureza do
governo se exprime naquilo que faz com que ele seja o que é. O
princípio do governo, por sua vez, vem a ser aquilo que o faz actuar,
que anima e excita o exercício do poder: as paixões humanas, por
exemplo. São formas de governo: a república, a monarquia e o
despotismo, conforme a enumeração que consta do Espírito das Leis.

A República compreende a democracia e a aristocracia. A natureza de


todo governo democrático consiste, segundo Montesquieu, em a
soberania residir nas mãos do povo. Quanto ao princípio da
democracia, temos a virtude, que se traduz no amor da pátria, na
igualdade, na compreensão dos deveres cívicos. Com relação à

86
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Aristocracia, sua natureza é a soberania pertencer a alguns e seu


princípio a moderação dos governantes. Quanto à monarquia, diz
Montesquieu que se trata do regime das distinções, das separações,
das variações e dos equilíbrios sociais. Sua natureza decorre de ser o
governo de um só. Cumpre aqui ao soberano governar mediante leis
fixas e estabelecidas. A organização política da monarquia toma por
traço característico a presença de poderes ou corpos intermediários
na sociedade. Essas organizações privilegiadas e hereditárias são o
clero, a justiça e a nobreza, que actuam em presença do trono como
poderes subordinados e dependentes.

O princípio da monarquia se cifra no sentimento da honra, no amor


das distinções, no culto das prerrogativas. Interpretando o
pensamento de Montesquieu, assevera Emílio Faguet que esse
princípio monárquico não é o sentimento exaltado da dignidade
pessoal, nem tampouco o orgulho feudal, mas o desejo de ser
distinguido numa corte brilhante, a satisfação do amor próprio numa
posição, num grau, num título, numa dignidade. A honra, como
princípio monárquico, desperta nos servidores da Coroa a paixão da
fidelidade pessoal, a dedicação, o altruísmo, a abnegação, o desapego
e o sacrifício. Por fim, o despotismo. Sua natureza se resume na
ignorância ou transgressão da lei. O monarca reina fora da ordem
jurídica, sob o impulso da vontade e dos caprichos pessoais. O
princípio de todo o despotismo reside no medo: onde há desconfiança,
onde há insegurança, onde há incerteza, onde as relações entre
governantes e governados se fazem à base do temor recíproco, não
há, segundo Montesquieu, governo legítimo, mas governo despótico,
governo que nega a liberdade, governo que teme o povo. Segundo
esse mesmo clássico da democracia liberal não chega sequer o
despotismo a ser uma forma de governo, porquanto diz o filósofo
político: “o governo é o lavrador que semeia e colhe; o despotismo é o
selvagem que corta a árvore para colher os frutos”. E, de modo mais

87
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

conclusivo: “o despotismo não é outra coisa senão uma multidão de


iguais e um chefe”.

6.1.6. As formas de governo segundo o critério da separação de


poderes

Quando o critério que se segue é o da separação de poderes, que há


sido aliás o mais frequente desde o século passado, face ao declínio
das classificações de cunho aristotélico, já examinadas, deparamo-nos
com as seguintes formas de governo: governo parlamentar, governo
presidencial e governo convencional ou governo de assembleia.

O governo parlamentar, sob a legítima inspiração do princípio da


separação de poderes, é aquela forma que assenta fundamentalmente
na igualdade e colaboração entre o executivo e o legislativo, e como
tal foi concebido e praticado na fase áurea do compromisso liberal
entre a monarquia, presa ao saudosismo da idade absolutista, e a
aristocracia burguesa da revolução industrial, ligada mais teórica que
efectivamente às novas ideias democráticas. O governo presidencial,
segundo as regras técnicas do rito constitucional resulta num sistema
de separação rígida dos três poderes: o executivo, o legislativo e o
judiciário, ao passo que o regime convencional se toma como um
sistema de preponderância da assembleia representativa, em matéria
de governo. Daí a designação que também recebeu de “governo de
assembleia”.

Quando essas três formas apareceram em substituição usual das


velhas classificações pertinentes ao número de titulares do poder
soberano, fez-se já considerável progresso tocante à superação
histórica desse dualismo monarquia-república, que em séculos
anteriores tanto apaixonara os publicistas. Mas o formalismo das
classificações perdurou o mesmo, mostrando-se de todo inalterável,

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

com o critério novo de caracterização dos governos, mediante a


adopção do princípio da separação de poderes.

Sumário
A questão de medição de distâncias, é fundamental em
cartografia, para tal efeito é necessário ter em conta dois
métodos fundamentais a saber: O método directo e o método
indirecto, cuja aplicação obriga ao recurso a diversos
instrumentos especializados que se vão transformando de
acordo com o desenvolvimento da Cartografia.
A escolha de cada um dos métodos depende em grande
medida das condições de localização do cartógrafo ou do
investigador e das disponibilidades que este tem em meios de
execução das suas tarefas.

Exercícios de Auto Avaliação

1. Quais são as principais formas de governo e de Estado?


2. Apresente a classificação das formas de governo segundo
Aristóteles.
3. Debruce sobre o governo misto segundo Cícero.
4. Apresente a classificação das formas de governo segundo
Maquiavel.
5. Quais são as formas de governo segundo critério de separação
de poderes.
6. Em que consiste a natureza de governo democrático segundo
Montisquieu?

Respostas

1. Resposta de Exercício 1, página 81


2. Resposta de Exercício 2, página 82
3. Resposta de Exercício 3, página 84

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

4. Resposta de Exercício 4, página 85


5. Resposta de Exercício 5, página 87
6. Resposta de Exercício 6, página 85

Exercícios

 Quais são as principais formas de governo e de Estado?


 Apresente a classificação das formas de governo segundo
Aristóteles.
 Em grupo Discuta sobre o governo moçambicano.
 Em grupo Discuta sobre o governo predominante na SADC.
 Apresente a classificação das formas de governo segundo
Aristóteles.
 Apresente a classificação das formas de governo segundo
Maquiavel.

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

TEMA – VII: OS SISTEMAS ELEITORAIS


UNIDADE Temática 7.1. Os Sistemas Eleitorais: Introdução.
UNIDADE Temática 7.1.2. O Sistema Maioritario de Representacao e
suas Vantagens.
UNIDADE Temática 7.1.3. Os Incovenientes do Sistema Maioritário
UNIDADE Temática 7.1.4. O Sistema de representacao Proporcional

UNIDADE Temática 7.15. Os Efeitos Negativos da Representacao


Proporcional

UNIDADE Temática 7.2. EXERCÍCIOS

UNIDADE Temática 7.1. OS SISTEMAS ELEITORAIS: INTRODUÇÃO

Introdução

Esta unidade pretende dotar os estudantes no concernente Depois de


estudar as formas de governo e o carácter da sua soberania nos
deteremos na questão da representatividade para compreendermos
como alguém ou alguma instituição pode adquirir legitimidade e
decidir em nosso nome. Quando falamos em representação diversas
ideias se apresentam à nossa imaginação. Mas nos deteremos na
representação política e suas implicações para estruturação das
relações sociais do indivíduo para com seus políticos. E também do
indivíduo para com o Estado. Tratar da representação implica buscar
elementos de cunho teórico e prático. Perceber nas relações entre as
pessoas e seus candidatos o elemento chave para construção de uma
identificação.

91
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

 Analisar a importância dos sistemas eleitorais.


 Descrever o sistema maioritário de representação e suas
vantagens.
Objectivos  Identificar os inconvenientes do sistema maioritário.
 Descorar sobre o sistema de representação proporcional.
 Efeitos negativos da representação proporcional

7.1.1. Importância dos sistemas eleitorais

O sistema eleitoral adoptado num país pode exercer — e em verdade


exerce — considerável influxo sobre a forma de governo, a
organização partidária e a estrutura parlamentar, reflectindo até certo
ponto a índole das instituições e a orientação política do regime. A
sociologia tem investigado com zelo o efeito das técnicas eleitorais e
deduzido a esse respeito importante conclusões, conforme se trate do
emprego da representação maioritária ou da representação
proporcional. Vejamos essas duas modalidades básicas de sistemas
eleitorais e a peculiaridade das consequências que sua utilização tem
produzido nas formas democráticas.

7.1.2. O sistema maioritário de representação

É o mais antigo. Tecnicamente consiste na repartição do território


eleitoral em tantas circunscrições eleitorais quantos são os lugares ou
mandatos a preencher. Oferece os sistemas duas variantes principais.
Pela primeira — aquela adoptada na Inglaterra — a eleição maioritária
se faz mediante escrutínio de um só turno, sendo eleito na
circunscrição o candidato que obtiver maior número de votos. Aqui a
maioria simples ou relativa é suficiente para alguém eleger-se.

92
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Pela segunda, temos o escrutínio de dois turnos. Caso nenhum


candidato tenha obtido maioria absoluta (mais da metade dos
sufrágios expressos) apela-se para um segundo turno ou eleição
decisiva — a ballotage dos franceses ou Stichwahl dos alemães — e aí
dentre os candidatos concorrentes eleger-se-á aquele que obtiver
maior número de votos (maioria simples ou relativa). Foi o sistema
praticado no Império Alemão até 1918, ainda hoje vigente na França.
O sistema maioritário de maioria simples (típico da Inglaterra e dos
Estados Unidos) conduz em geral ao bipartidarismo e à formação fácil
de um governo, em virtude da maioria básica alcançada pela legenda
vitoriosa. “Ao vencedor, as batatas” pode ser dito desse sistema onde
as minorias têm remotíssimo ou quase nenhum ensejo de
representação.

7.1.3. As vantagens do sistema maioritário

As vantagens proporcionadas pelo escrutínio maioritário puro e


simples se resumem nos seguintes pontos:
 Produz governos estáveis.
 Evita a pulverização partidária.
 Cria entre os dois grandes partidos um eleitorado flutuante,
que serve de “fiel de balança” para a vitória eleitoral necessária
à formação da maioria parlamentar.
 Favorece a função democrática, quando faz com nitidez
emergir das eleições um partido vitorioso apto a governar pela
maioria parlamentar de que dispõe.
 Permite determinar facilmente, graças à simplicidade do
sistema, o número de candidatos eleitos.

93
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Aproxima o eleitor do candidato. O primeiro vota mais na pessoa


deste, em suas qualidades políticas (a personalidade ou a capacidade
de bem representar o eleitorado) do que no partido ou na ideologia.
Coloca o representante numa dependência maior do eleitor do que do
partido. Afasta do Parlamento os grupos de interesses, que não têm
oportunidade de organizar-se ou institucionalizar-se sob a forma
partidária e acabam integrados no seio das duas principais
agremiações. Utiliza as eleições esporádicas, para substituição de
representantes, como instrumento eficaz de sondagem das tendências
do eleitorado. Empresta enfim à luta eleitoral carácter competitivo e
do mesmo passo educacional. O eleitor não vota numa ideia ou num
partido, em termos abstractos, mas em pessoas com respostas ou
soluções objectivas a problemas concretos de governo.

7.1.4. Os inconvenientes do sistema maioritário

No entanto oferece o sistema seus inconvenientes. Apontam os


críticos, entre outras desvantagens, as seguintes: Pode conduzir ao
governo, com maioria no parlamento, um partido que saiu vitorioso
das eleições sem contudo haver obtido no país uma quantidade
superior de votos. Haja vista o que se passou em 1951 nas eleições
gerais da Inglaterra, para renovação do Parlamento, quando os
trabalhistas lograram 13 milhões e novecentos mil sufrágios e só
elegeram 295 deputados à Câmara das Comuns, enquanto os
conservadores com 13 milhões e setecentos mil votos — duzentos mil
a menos em todo o país — elegeram 320 deputados, correspondentes
às 320 circunscrições de onde emergiram vitoriosos.

Pesa também como defeito grave do sistema maioritário a influência


positiva ou negativa que poderá ter para os partidos o critério
adoptado na repartição do país em circunscrições eleitorais, em
virtude do status social e económico correspondente ao eleitorado

94
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

dessas circunscrições. A repartição pode eventualmente ser inspirada,


manipulada ou patrocinada por grupos empenhados na obtenção de
determinados resultados eleitorais, favoráveis aos seus interesses. E a
chamada “geometria eleitoral” que às vezes caracteriza a prática do
sistema e não raro deforma a representação da vontade do eleitorado.

A eventual falta de representatividade de um candidato eleito, em


relação à totalidade do eleitorado. Suponhamos três candidatos numa
circunscrição, onde o candidato A obteve 17.500 votos, o candidato B
17.000 votos e o candidato C 15.500 votos. Elegeu-se o candidato A
com pouco mais de um terço dos votos e a circunscrição de 50.000
eleitores será representada por um candidato vitorioso com apenas
17.500 votos daquele total. Veja-se portanto o paradoxo: cerca de dois
terços do eleitorado postos à margem, com seus sufrágios reduzidos à
impotência!

A decepção causada a consideráveis parcelas do eleitorado, cujos


sufrágios são atirados à “cesta de papel”, sem eficácia representativa.
Produz-se destrate no ânimo do eleitor um sentimento de frustração.
A presença de circunscrições segura onde um partido de antemão
conta já com a vitória “certa”. O desânimo e o entorpecimento cívico
amolecem o eleitorado. A maioria sabe que ganha e que não precisa
de lutar. A minoria, por sua vez, fica indiferente e por igual apática,
visto que não tem possibilidades de fazer-se representar.

Finalmente, coroando a série de argumentos que desaconselham o


sistema, aponta-se para ausência ou, na melhor das hipóteses, para a
considerável dificuldade de representação das correntes minoritárias
de opinião. Nesse sistema, as minorias em geral nunca chegam ao
governo. Quase não há lugar para os pequenos partidos. Estes, salvo
raríssimas excepções, jamais logram uma fatia de participação no
poder. Quanto ao sistema maioritário de dois turnos (maioria absoluta

95
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

no primeiro turno e maioria simples no segundo), a investigação


sociológica demonstra que ele engendra a multiplicação de partidos,
num quadro, segundo Duverger, “de multipartidarismo temperado por
alianças”. Adoptado na França durante extenso período da Terceira
República, teve ali consequências deploráveis, debilitando ao extremo
o funcionamento do governo e pondo em risco, pela excessiva
pulverização partidária e instabilidade política daí decorrente, as
próprias instituições democráticas.

7.1.5. O sistema de representação proporcional

Igualmente chamado sistema de representação das opiniões, vem


sendo adoptado por vários países desde a primeira metade deste
século. A representação proporcional, segundo Prélot, “tem por
objecto assegurar às diversas opiniões, entre as quais se repartem os
eleitores, um número de lugares proporcional às suas respectivas
forças” ou no dizer também claro de Jeanneau é “o sistema em que os
lugares a preencher são repartidos entre as listas adversários
proporcionalmente ao número de votos que hajam obtido”. Esse
princípio, cuja racionalidade tem sido com tanta frequência louvada,
traça com efeito um quadro lógico e coerente das opiniões. Serve de
espelho e mapa político ao reconhecimento das forças distribuídas
pelo corpo da nação.

Nos países que o aplicam em toda a plenitude, não há corrente de


opinião, por minoritária que seja, que não tenha possibilidade
eventual de representar-se no legislativo e assim concorrer, na medida
de suas forças e de seu prestígio, para a formação da vontade oficial.
Em suma, sob esse aspecto, trata-se de um sistema eleitoral que
permite ao eleitor sentir a força do voto e saber de antemão de sua
eficácia, porquanto toda a vontade do eleitorado se faz representar
proporcionalmente ao número de sufrágios.

96
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Foi a Bélgica o primeiro país que adoptou o princípio da representação


proporcional. Dali se irradiou para os países escandinavos (Suécia,
Noruega e Dinamarca), bem como para a Holanda, Itália e Alemanha e
vários outros países europeus e latino-americanos. Há também
Estados que o empregam sob forma mista, combinando-o em seus
sistema eleitorais com o princípio maioritário. É o caso célebre da
Alemanha.

7.1.6. Efeitos positivos da representação proporcional

Encarece-se em geral o princípio de justiça que preside ao sistema de


representação proporcional. Ali todo voto possui igual parcela de
eficácia e nenhum eleitor será representado por um deputado em que
não haja votado. É também o sistema que confere às minorias igual
ensejo de representação de acordo com sua força quantitativa.
Constitui este último aspecto alto penhor de protecção e defesa que o
sistema proporciona aos grupos minoritários, cuja representação fica
desatendida pelo sistema maioritário.

Sendo por sua natureza, corno se vê, sistema aberto e flexível, ele
favorece, e até certo ponto estimula, a fundação de novos partidos,
acentuando desse modo o pluralismo político da democracia
partidária. Torna por conseguinte a vida política mais dinâmica e abre
à circulação das ideias e das opiniões novos condutos que impedem
uma rápida e eventual esclerose do sistema partidário, tal como
acontece onde se adopta o sistema eleitoral maioritário, determinante
da rigidez bipartidária.

A presença política de correntes ideológicas, sua institucionalização


normal em partidos com acesso ao parlamento ocorre com mais

97
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

facilidade pela representação proporcional. Através dela se reflecte a


perfeita diferenciação dos grupos ideológicos, todos absorvidos pela
actividade política ordinária. Evita-se assim a clandestinidade ou a
pressão exterior nociva que tais grupos, se excluídos, comandariam
contra as casas legislativas, nelas se infiltrando por outras vias.

Aumenta também a representação proporcional a influência dos


partidos na escolha dos candidatos, abrindo as listas partidárias,
quando necessário, para acolher e eleger certas personalidades ou
certos técnicos, destituídos de clientela eleitoral, mas cuja investidura
é de interesse partidário. Enfim, o sistema proporcional permite de
modo adequado a representação dos grupos de interesses e oferece
então um quadro político mais autêntico e mais compatível talvez com
a realidade contida no pluralismo democrático da sociedade ocidental
de nosso tempo.

7.1.7. Efeitos negativos da representação proporcional

A experiência havida com a aplicação da representação proporcional


em mais de cinquenta anos e em diversos países patenteia, porém,
graves inconvenientes ou aspectos negativos dessa técnica
representativa. Uma das objecções feitas entende com a
multiplicidade de partidos que ela engendra e de que resulta a
fraqueza e instabilidade dos governos, sobretudo no parlamentarismo.
A representação proporcional ameaça de destruição e desintegração
do sistema partidário ou cria condições uniões esdrúxulas de partidos
— uniões intrinsecamente oportunistas — que arrefecem no
eleitorado o sentimento de confiança na legitimidade da
representação, burlada pelas alianças e coligações de partidos, cujos
programas não raro brigam ideologicamente.

98
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Da ocorrência dessas alianças deduz-se outro defeito grave da


representação proporcional: exagera em demasia a importância das
pequenas agremiações políticas, concedendo a grupos minoritários
excessiva soma de influência em inteiro desacordo com a força
numérica dos seus efectivos eleitorais. Ofende assim o princípio da
justiça representativa, que se almeja com a adopção daquela técnica,
fazendo de partidos insignificantes “os donos do poder”, em
determinadas coligações. É que de seu apoio dependerá a
continuidade de um ministério no parlamentarismo ou a conservação
da maioria legislativa no presidencialismo. “Parlamentos
ingovernáveis” e governos instáveis contam-se pois entre os vícios que
o sistema produz e que se apontam em desabono de sua adopção.

Ademais a representação proporcional torna cintilante a luta


ideológica e mais visível o penoso contraste da sociedade de classes.
Propicia por consequência um dogmatismo de posições que poderá
pôr em perigo a ordem democrática, ao contrário do sistema
maioritário, que influencia quase sempre a formação de dois partidos
apenas, e integra e absorve as minorias ordinariamente propensas a
contestação e discrepância. Até mesmo aquela simplicidade que se
apregoa na representação proporcional, por definir com clareza as
distintas correntes de opinião, parece sucumbir à complicação das
técnicas de contagem eleitoral destinadas à atribuição das cadeiras.
Essa complicação gera retraimento e desconfiança no eleitorado
quando se proclamam os resultados obtidos.

Os aspectos negativos da representação proporcional, que é simples


na aparência, mas obscura e complexa no âmago, foram também
judiciosamente assinalados por Vedei. Diz o publicista francês com
respeito aos governos oriundos da prática desse sistema e baseados
em coligações, que se é possível escolher proporcionalmente, não é
possível porém decidir segundo a noção de proporcionalidade,

99
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

porquanto — acrescenta ele — decide-se sempre de forma


maioritária, por isso ou por aquilo, pelo sim ou pelo não. Ou como
disse Naville: “a maioria é o princípio da decisão, a proporcionalidade,
o da eleição”.

Sumário
Um sistema eleitoral é tanto mais aberto quanto maior for o seu nível
de representatividade. Os eleitores têm que se aperceber que o
sistema de partidos mantém uma dinâmica capaz de acompanhar a
natural evolução da sociedade, da sua sociologia, das suas elites e dos
seus novos anseios. Um sistema bloqueado é um sistema que acumula
tensões na relação entre a sociedade – e as elites – e a política
dificilmente superáveis sem reformar profundamente, ou quase
mesmo refundar, o regime democrático. Não há democracia sem
partidos. Mas há democracias com sistemas de partidos de tal maneira
fracos que se tornam dificilmente de gerir. Os modelos de sistema
eleitoral que se escolhem, numa situação como a que aqui se vive,
têm uma influência decisiva na consolidação ou no enfraquecimento
do sistema de partidos. Sem um sistema de partidos forte, as novas
democracias têm dificuldades acrescidas na sua consolidação. A
existência de partidos nacionais, com práticas de democracia interna –
o que considero essencial – é um dos factores de integração política
do cidadão no estado e do indivíduo no colectivo nacional.

Exercícios de Auto Avaliação

1. Qual é o impacto do sistema eleitoral sobre a forma de


governo?
2. Em que consiste o sistema maioritário de representação?
3. Quais as vantagens do sistema maioritário?
4. Apresente os inconvenientes do sistema maioritário.
5. Em que consiste o sistema de representação proporcional?

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ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

6. Apresente os efeitos positivos da representação proporcional.

Respostas

1. Resposta de Exercício 1, página 91


2. Resposta de Exercício 2, página 91
3. Resposta de Exercício 3, página 92
4. Resposta de Exercício 4, página 93
5. Resposta de Exercício 5, página 95
6. Resposta de Exercício 6, página 96

Exercícios

 Apresente as características do sistema eleitoral moçambicano.


 Em que medida o sistema eleitoral influencia a governação de
Moçambique?
 Apresente dois Estados que adoptaram o sistema maioritário
de representação.
 Apresente os aspectos negativos do sistema de representação
proporcional.
 Qual é a importância do estudo dos sistema eleitoral?
 Quais as vantagens do sistema maioritário?

101
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

TEMA – VIII: A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR


UNIDADE Temática 8.1. A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR:
Introdução.
UNIDADE Temática 8.1.1. A Democracia
UNIDADE Temática 8.1.2. A Ideologia
UNIDADE Temática 8.1.3. Liberdade e Opinião Pública
UNIDADE Temática 8.2. EXERCÍCIOS

UNIDADE Temática 8.1. A DEMOCRACAI E A PARTICAPAÇÃO POPULAR:


Introdução.

Introdução

Nesta unidade vamos requerer alguns conhecimentos adquiridos no


decorrer da leitura deste livro. Neste momento nos deteremos
especificamente na democracia. Ainda que ela tenha sido
redimensionada e não mais permaneça no modelo de democracia
directa dos gregos da antiguidade, alguns traços permanecem na sua
compreensão. Geralmente falamos de Governo democrático como o
governo feito pelo povo e para o povo. Dizemos que a Democracia
requisita de cada membro do seu corpo estrutural a responsabilidade
cívica. Expressa tanto no voto através das eleições, como também
através da participação popular.
.

 Analisar a participação popular e a democracia.


 Descrever as características da democracia.
Objectivos
 Reflectir sobre o governo democrático.
 Descrever o modelo de democracia grego.
 Reflectir sobre a ideologia.

102
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

8.1.1. A Democracia

A Democracia é a institucionalização da liberdade. Ela aponta sempre


para a maioria sem desprezar as minorias. O princípio de governo da
maioria em momento algum se estabelece como um elitismo ou mero
partidarismo, pois tem como principal função a protecção aos direitos
humanos, assim como reconhece no indivíduo alguém capaz de se
organizar e fundar suas estruturas de reivindicação, assegurando a
mesma protecção legal para todos. Falamos de uma democracia
liberal fundada sobre o ideal deliberativo e pluripartidário, com a
protecção das minorias e das oposições, vinculada à opinião pública
em função de valorizar as liberdades pessoais como valores superiores
e prévios ao próprio direito positivo.

A origem da democracia nos vincula à cultura grega, lugar onde, pela


primeira vez na história, o exercício democrático se fez presente. Os
gregos a inventaram. Até então, não existia essa forma de governo, o
que existia era o despotismo, ou pior, a tirania, aqueles governos em
que a vontade do governante era o indicativo havia da vontade geral.
Não havia democracia por que não existia o espaço público.

Figura 9: Origem da Democracia (Grecia)

103
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Na compreensão da própria palavra já identificamos seu sentido demo


(povo), cracia (governo), ou seja governo do povo, para o povo. Este
povo é o responsável pela manutenção do espaço público e pela ideia
de civismo. Assim, o indivíduo torna-se cidadão, e a esta condição é
agregada uma serie de valores. A cidadania é um valor absoluto com o
qual o indivíduo defende com a própria vida. É o caso do filósofo
Sócrates, que por força das suas convicções democráticas entrega-se
ao decreto dos juízes, sendo levado à morte em função dos crimes que
lhe acusaram. Ainda que inocente, cumpre as leis por considerá-las
primordiais à saúde do Estado.

O cidadão é chamado à participação nas assembleias. Há um clima de


debates e análises em vista da coisa pública, em vista das leis e das
directrizes nas quais ruma a cidade. O corpo político, a cidade (a polis)3
são tomadas como um bem comum. Lá se cultiva pela primeira vez no
mundo o hábito dos cidadãos elegerem o governante para o exercício
da liderança.

O amor dos gregos pela sua pátria revela uma busca por atingir a
perfeição. Um ideal que se institui e fica de parâmetro para toda
humanidade. A democracia grega vai ser representada em especial
pelo grande governante Péricles (495/492 a.C. – 429 a.C.), responsável
por valiosas conquistas culturais e políticas do período no classicismo.
A Grécia fica na história como o berço da democracia, a fonte
inspiradora de líderes e pensadores no decorrer de todos estes
tempos.

3
A “polis” não é apenas um lugar de convivência, é um centro político que revela
uma preocupação com a guerra, a educação e a formulação de leis que impeça o
estabelecimento da desordem.
104
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Ainda que falemos da sua origem provinda da Grécia antiga, a


democracia moderna se distingue em diversos aspectos daquela
primeira. Temos entre os gregos uma democracia directa em que os
cidadãos participam de todas as decisões e das actividades públicas
obrigatoriamente, sendo em alguns momentos até convocados para
atender aos interesses do governo ocupando uma função num dos
órgãos públicos. Tal democracia torna-se possível devido às condições
características daquele momento, contingente populacional que era
relativamente pequeno e condições de vida distantes dos tempos
actuais. Modelo, pouco válido para a conjuntura de agora.

Somente a partir do século XVII e XVIII iremos assistir ao surgimento


da democracia representativa. Em especial com uma obra chamada
Espírito das Leis de Montesquieu, marcou para uma nova política na
modernidade. Este pensador vai distinguir três tipos de governo com
características respectivas:
 O despotismo pelo qual se depreende o temor;
 A monarquia pela qual prevalece a honra;
 A democracia através da qual um governo se fez guiado pela
virtude.
Os princípios formulados por Montesquieu vão ser o fundamento da
democracia moderna e vão ser desdobrados por diversas teorias
políticas. Com os Estados Unidos da América temos a criação de um
sistema democrático moderno. Inspirando os outros países
americanos na formulação das suas constituições, defendendo os
ideais de liberdade. Desse modo há uma relação estreita entre
Democracia e liberalismo, ainda que possuem distinções bem
pontuais. Dentre os argumentos acerca do carácter problemático da
Democracia algumas críticas se dirigem à constituição da própria
soberania. Bobbio cita a doutrina de Bigne Villeneuve, segundo esta,
sendo os homens iguais, tem todos iguais direitos no que diz respeito
à prática do poder. Dessa forma, a

105
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

soberania não pode pertencer a um, ou a um grupo. Sendo todos


iguais, o lugar da soberania deve ser entre a multidão e esta seria sua
origem.

Mas o exercício da soberania deve-se manter entre os melhores. A


resolução para esse embate está no seu carácter representativo. Neste
sentido, o poder é distribuído pela massa de indivíduos, cidadãos, que
operam e dão sentido à democracia. Embora se estenda o poder a
“todos”, a democracia está subordinada à vontade geral, aos
interesses da maioria expressos pelo voto. Se fossem todos, ao mesmo
tempo, não conquistaríamos uma ordem. Por isso, só governa quem a
sociedade julga possuir a experiência, e as condições necessárias para
tal feito.

Enquanto um moderno sistema de governo a Democracia não se dilui


como representativa de uma ideologia, entre outras. É mais do que
isso, a tal ponto que é compatível com diversas ideologias sem criar
qualquer embaraço. Sustenta-se um liberalismo democrático do
mesmo modo que um socialismo democrático. Há uma plasticidade
que a acompanha a ideia de democracia e a faz muito ligada às
expectativas dos dias actuais, mas ao mesmo tempo estabelecendo a
dificuldade de compreensão do seu conceito. Possivelmente pelas
metamorfoses do seu objecto, o povo. O aspecto decisivo a ser
ressaltado é o carácter de impessoalidade que o poder nela assume.
Na democracia nenhum homem é necessário. Alguns pensadores
políticos chegam a dizer que a democracia, no sentido moderno, não é
apenas político, mas global, abarcando vários aspectos como o
económico, o jurídico, entre outros. É uma visão do mundo. Um modo
de viver e encarar a vida.

Até os seus momentos de crise repercutem muito mais como


momentos de transformação e transição. Ela deve assegurar direitos

106
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

individuais, mas também direitos sociais. Desse modo, é que


percebemos como evade a dimensão da política, pois a intervenção do
Estado é de fundamental importância para o estabelecimento da
segurança, do provimento de direitos como à saúde, ao trabalho,
entre outros.

A democracia sempre se volta para a garantia dos direitos dos


cidadãos. Este entendido como aquele que possui e expressa
legalmente a sua capacidade de votar e de ser votado. E quando se
fala na distribuição do poder entre todos, falamos do direito
subjectivo de escolha e de veiculação das ideologias. Segundo
Bonavides (2010), quando se fala em “povo” ressalta-se o vínculo do
indivíduo com o Estado através de sua nacionalidade ou cidadania. À
ideia de população caberá o conjunto de todas as pessoas presentes
no território de um Estado, num dado momento. Representa um dado
quantitativo e tem um carácter demográfico. Essa distinção serve para
entendermos a complexidade do processo democrático quando o
vinculamos directamente à noção de povo. Em toda a sua
complexidade, o conceito de povo pode ser estabelecido de três
pontos de vista: político, jurídico e sociológico.

Na antiguidade, por exemplo, Cícero fala de povo como a reunião da


multidão associada pelo consenso do direito e pela comunhão da
utilidade e não simplesmente todo conjunto de homens congregados
de qualquer maneira. Mas na modernidade, se compreende em
especial pelas ideias decorrentes da Revolução Francesa. Reforça
Bonavides (2010) que no absolutismo o povo fora objecto, com a
democracia ele se transformou em sujeito e em objecto da ciência
política. Modernamente, o direito passa a expor a compreensão de
povo. Interpreta-se como o conjunto de pessoas que estão vinculadas
de forma institucional e estável a um determinado ordenamento
jurídico. Os indivíduos que pertencem a um Estado e comungam

107
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

relações de cidadania por esta condição e assumindo como legítimo o


ordenamento jurídico. Em alguns momentos o conceito de povo se
mistura com o de nação. Representa uma continuidade dos valores
humanos transmitidos de geração para geração, contendo aspirações
comuns.

8.1.2. Ideologia

Chamamos de ideologia as diversas formas de pensar, de conceber a


realidade e de comportar-se enquanto servem de fundamento para
projectos e acções políticas. Desse modo, a ideologia implica no
estabelecimento de ideias e conceitos que servem como palavra de
ordem para a realização da vivência quotidiana. Embora nos sugira
um conjunto de ideias, está sempre existindo em função das práticas
estabelecidas, a ponto de confundir-se com estas últimas.

A ideologia também pode ser vista de forma pejorativa, quando se


manifesta como uma maneira pronta e acabada de se olhar para a
realidade, um escopo que fixa e distorce a visão do indivíduo. Como
um binóculo que delimita o campo de visão e a percepção gerando,
assim, uma falsa consciência. Nesta perspectiva se somam as
discussões vazias de ideias abstractas, que não correspondem aos
factos reais. O engano, a mentira, o atraso com fins de desviar-nos das
nossas próprias questões. É também o sistema que envolve o
indivíduo lançando-o numa condição outra, pela qual apenas
passivamente consegue se movimentar. Expressão de acontecimentos
sociais, fatos económicos, que nos cooptam a consciência, quando
nem mesmo percebemos o que determina tal condição. Marilena
Chauí (2006) diz que a ideologia é um ideário histórico, social e político
que oculta a realidade, oculta é uma forma de assegurar e manter a
exploração.

108
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

Neste sentido, ideologia é algo que está presente inevitavelmente na


política de um partido. Ela representa a directriz pela qual um
governo assume certas orientações. Desse modo, até a forma de
governar advém de uma certa ideologia que ao contrário de pretender
dominar, aspira por transformações sociais e mudanças efectivas nas
estruturas. Percebemos, então, que falamos de ideologia através de
diversos significados. O pensamento marxista discute esta questão,
sendo um dos primeiros parâmetros nos quais nos detemos para
compreensão devida deste fenómeno.

Marx destaca-a para fundamentar de forma mais abrangente o


processo histórico que envolve as relações de dominação existentes
entre os grupos e as classes sociais. Ele percebe que as ideias e a
consciência que construímos sofrem a determinação das condições
materiais de elaboração da existência. Desse modo, certos
sentimentos e ideias comuns são gerados por interesses específicos
que em alguns momentos nem mesmo são observados ou percebidos.

A grande ilustração da qual lança mão Marx é a da câmara escura da


máquina de fotografar. O que leva vários críticos a compararem sua
metáfora ao mito da caverna de Platão. Pois nesta ilustração se
concentra o binómio luz e sombras, verdade e ilusão chamando à
reflexão nossa condição enquanto sujeitos sociais que abandonam
suas verdadeiras questões para habitar um mundo espectral,
fantasmático. Assim como a câmara escura possui no seu interior a
imagem invertida. Do mesmo modo a ideologia estaria agindo no
centro das nossas decisões, invertendo o que nos caracterizaria. Neste
processo, ela nos faz tomar por natural, aquilo que só mantém sua
origem enquanto artifício.

Althusser (1918-1990), considera ideologia como próprio processo de


cognição do mundo. Ela é a compreensão no sentido da codificação do

109
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

mundo que faz com que os indivíduos tomem consciência dos seus
actos. O autor propõe a ideologia como um elemento omnipresente,
trans-histórico e manifesto desde sempre na história da
humanidade.

Assim, inevitavelmente ela dá coesão social aos grupos, estabelecendo


e fiscalizando as relações, ou a promoção das tarefas. Daí se
depreende que o mundo é sempre uma construção da imagem que
assume para representá-lo. A intervenção humana no modo de sua
compreensão é definitiva para dizê-lo como é, pois não existe
efectivamente. De certo modo toda a representação ideológica se
encaminha para essa constatação. Na actualidade a ideologia foi
deflagrada através da constatação de que o ideal europeu de
humanidade não passa de mais um ideal entre outros. Isso não
significa que ele seja o pior, mas somente que não pode pretender
assumir o valor de verdadeira essência do homem, senão, através de
uma condição violenta. A história nos revela diversas passagens em
que se fez presente esta situação.

A história das Américas, por exemplo, revela a extorsão e o repúdio às


suas características específicas, nativas, como o modo deste
dominador se relacionar com os outros povos. Com tal constatação
somos encaminhados ao fim do colonialismo, do imperialismo e das
formas de dominação que, pelo controle do poder político, instituíam
um discurso universalizante, constrangendo a diversidade à condição
de margem, de marginalização.

O advento de um novo modelo de sociedade que se configura a partir


da década de cinquenta do século vinte passa a recriar possibilidades e
expressões que se frutificam numa ordem marcada pela comunicação
generalizada, através de uma explosão e multiplicação de visões de
mundo. Condição que nos lança numa possibilidade de liberdade

110
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

completamente nova.

Perceber a parcialidade dos antigos discursos instituidores de


verdades incita aos grupos sociais que nunca tiveram sua história
escrita por eles mesmos a buscar recursos para a realização desta.
Paradoxalmente o que representaria o fim da ideologia, pelo acesso à
informação que os indivíduos passam a ter, se transforma numa nova
problemática para ser resolvida. É que a intensificação destas
possibilidades de informação, incide directamente sobre a realidade
nos seus mais variados aspectos. Faz com que se torne cada vez
menos concebível o próprio estabelecimento do real.

E para compensar esse excesso de possibilidades, identificamos no


cenário contemporâneo a predominância de visões estereotipadas da
realidade que servem de base para uma ideologia de carácter global.
Um mundo narcísico em que a personificação estimulada pelo
mercado de serviços gera uma deserção generalizada dos valores e
das finalidades sociais. Entre a juventude reflexos de uma
despolitização crescente, como também de índices de
dessindicalização. E, de um modo geral, uma desvitalização das formas
de relacionamento. Os críticos deste modelo de ideologia
predominante identificam no advento de sistemas com “aparência
humana” a promoção massiva do prazer e do bem-estar. Substitui-se o
ideal de felicidade pelas horas de lazer como se ambos
correspondessem.

Há uma ordem que precisa ser racionalizada e devidamente reflectida.


Esta percepção motiva as ciências sociais, em especial a sociologia,
pelo carácter deste fenómeno e no trato que estende aos seus
desdobramentos.

Milton Santos (2009) é um destes pensadores que se inquieta em

111
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

compreender o contexto actual e o lugar da ideologia neste contexto.


Segundo este autor esse mundo contemporâneo é confuso e
confusamente percebido. Neste sentido, para compreender esse
mundo seria importante levar em consideração que se poder falar,
pelo menos em três mundos dentro deste que nós identificamos.

A primeira manifestação do mundo é aquela que nos querem fazer


ver, o que ele nomeia de fábula. Esta é revelada através de símbolos
importantes para a padronização das consciências. A fábula é revelada
pela sensação de pertença à “aldeia global”. Aproveita-se do
alargamento desses contextos para simular uma participação, que só é
regida, senão pela lógica do capital. Daí existir um número significativo
de pessoas que não se encontram em tal condição. O que nos estimula
a aldeia global? Pergunta Santos, a uniformidade maciça através das
incitações ao consumo.

A segunda compreensão que se pode lançar do mundo é aquela em


que ele se desdobra como maldade. Milton Santos diz que este é o
mundo como ele é, marcado pelos comportamentos extremistas e
fúteis. Parece ser a competitividade que caracteriza os
comportamentos hegemónicos. Neste cenário cada vez mais o
desemprego assusta e condiciona as pessoas às suas funções
habituais.

O aumento da pobreza também é um outro factor de pressão. Novas


enfermidades surgindo e velhas enfermidades retornando,
promovendo cada vez mais a insuficiência do sistema de saúde. Por
último destaca-se o mundo como possibilidade. Milton Santos
reconhece neste cenário aquilo que chama de uma sócio diversidade.

Apenas a necessidade de uma globalização mais humana e em que os


elementos ideológicos podem ser orientados para o verdadeiro

112
ISCED – MANUAL DE CIÊNCIAS POLÍTICAS

sentido da nossa presença no planeta. Daí a reformulação de


fundamentos sociais e políticos. A subordinação da lógica às
necessidades estritamente humanas pode operar esta transformação
aclamada pelos teóricos da actualidade.

8.1.3. Liberdade e Opinião Pública

Vimos na discussão acerca da Democracia que em alguns momentos


ela se confunde com a própria liberdade. Ou melhor, parece que toda
democracia conserva a liberdade como valor universal para o qual
devem ser direccionados todos os princípios, práticas e teorias.
Através da história da humanidade a liberdade é o núcleo a partir do
qual se movem todas as acções. Desse modo, a própria natureza da
política faz exigências quanto à acção livre, tomando-a
frequentemente como seu pressuposto.

Em toda a história a liberdade é uma ideia privilegiada sempre pelo


pensamento humano. Mesmo que a condição apresentada seja
adversa e o discurso seja em torno da sua falta, ou da sua
impossibilidade. Ela permanece como um dado essencial, inerente à
essência da natureza humana. E, por isso, comummente usada como
critério para julgar instituições, funções ou condições sociais. Se
falamos hoje numa crise contemporânea, um dos focos principais para
se pensar tal questão é a liberdade. O capitalismo e a lógica do
consumo, as estruturas institucionais e os seus mecanismos de
monitoria são expressão de um sistema que privilegia a segurança não
levando em consideração a condição de liberdade do indivíduo.

Pois a ideia de progresso sempre busca equacionar a liberdade do


indivíduo às leis e sua vigência. Mas esta não é uma notícia nova.
Desde o início da revolução industrial se discutem aspectos relativos à
sua presença, ou não, no interior do contexto social. Pela condição

113
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subjectiva com que frequentemente se fala da liberdade, é necessário


que se estabeleça um aspecto normativo jurídico. Assim pensaram os
teóricos do jusnaturalismo, por ser a liberdade um Direito natural,
assumida como um direito humano. O problema é regulamentar as
liberdades no sentido de projecções ou versões de uma liberdade
oficial no ente humano, em si e no ordenamento positivo, no direito
constitucional. O constitucionalismo liberal volta-se para os direitos e
garantias.

O direito privado, contratos e garantias, pressupõe. Para os actos


jurídicos em geral. A problemática que fica para ser resolvida pela
sociedade moderna é a equação entre os limites da liberdade e
direitos dos indivíduos em relação ao conflito com os interesses da
maioria conforme a liberdade política. Parece haver um embate entre
estes dois sentidos de liberdade. Atenta-se para os limites das
liberdades e os direitos individuais.

Liberdade política e direitos individuais. A liberdade é vista sob várias


perspectivas como a religiosa, ou a social, entre outras, revelando as
nossas possibilidades essenciais. Quando falamos em liberdade nos
referimos com maior frequência à liberdade social, às relações de
interacção, de contacto interpessoal ou social em que um actor deixa
o outro livre para a sua acção. No Dicionário de Política (2000),
Norberto Bobbio ressalta o problema da liberdade social através de
dois sentidos:

A liberdade em sentido descritivo – refere-se às situações


identificáveis empiricamente, independente dos pontos de vista
normativos.

A liberdade em sentido valorativo – é usada mais como exortação,


como palavra de ordem em situações de euforia. Possui diferentes

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significações conforme os modelos éticos.

Em Diálogos em torno da República (2002), Bobbio retoma a discussão


e mantém uma preocupação atenta para uma terceira compreensão
de liberdade que ultrapassa o modelo democrático e liberal.
Apresenta-nos a liberdade a partir de uma compreensão republicana.
Visando esta principalmente reduzir os poderes daqueles que mantém
os outros sob dependência. A resolução dada por este modelo
aprofunda uma problemática não desfeita nem pelo liberalismo, ou
mesmo pela democracia. Dessa forma, expõe suas ideias dentro das
seguintes definições. Positiva, que privilegia a autonomia. É uma acção
que vai de conformidade com a lei, mas por uma lei autónoma, aceita
voluntariamente distintamente de uma lei heterogénea, lançada à
força. Revela nosso poder de decidir as normas que regulam a vida
social.

Concepção liberal – é uma liberdade negativa porque pressupõe a


ausência de interferência, propondo assim a independência. Esta,
enquanto capacidade de dar leis a si mesmo, encontra-se como
princípio do pensamento político liberal. Sob esta perspectiva, a
liberdade é algo que se opõe à lei, pois qualquer lei é restritiva da
liberdade. Ser livre é não ser submetido à interferência.

Concepção republicana – significa não depender da vontade arbitrária


de algum indivíduo. Sustenta-se que, para realizar a vontade política é
preciso opor-se à interferência e à coerção em sentido próprio. Opor-
se à dependência, pois esta enquanto um constrangimento da vontade
torna-se a própria violação da liberdade.

A liberdade manifesta-se na possibilidade de expressão, depois da


quebra do poder das grandes ideologias, a opinião pública torna-se o
factor de representatividade da percepção da visão de mundo e das

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revindicações para obtenção da liberdade social. A liberdade política


concretiza-se através da opinião pública. Esta compõe um dos
elementos que mais tem recebido atenção nos últimos tempos para
uma compreensão da democracia, alçando, em alguns momentos, o
escopo a partir do qual se sugerem as mudanças sociais. A opinião
pública constitui um dos temas mais contemporâneos da Ciência
Política, implicando em questões de complexas abordagens e com
implicações que se estendem às interferências do senso comum e da
ética.

Foi a partir do século XVIII que o seu estudo passou a ser associado às
questões do Estado, destacadamente o Estado Liberal-Burguês. Mas
no decorrer da história várias considerações se interpuseram para
analisar esse fenómeno. Bonavides cita algumas dessas considerações:
 Os publicistas de língua inglesa que falam acerca da
impossibilidade de sua definição, percebendo que tão pouco
algo pode ser denominado usualmente como opinião pública. É
destacado o modo como esta manifestação política deveria ter
um sentido de representatividade, mas dilui-se na opinião vaga
e generalizada acerca daquilo que veicula. Trata-se de um
pensamento formado em colectivo, o que para alguns seria
algo impossível de se definir, a mera opinião;
 Schaeffle diz ser uma reacção, juridicamente informe, das
massas ou de camadas individuais da sociedade contra a
autoridade;
 Schimoller destaca-a enquanto resposta manifesta pela parte
passiva da sociedade, o povo dirigindo-se ao modo como age a
parte activa que é o Estado;
 Toennies a considera uma forma que expõe a vontade social, e
que demanda a execução de normas que tenham validez geral.
 Jellinek afirma que a opinião pública não passa do ponto de
vista da sociedade sobre

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assuntos de natureza política e social.

Tais considerações têm povoado o pensamento político quando o


assunto é opinião pública. Necker, durante a revolução russa,
possivelmente um dos primeiros a se interessar com a opinião pública
na sua dimensão política, já expressava uma preocupação
característica porque percebia nas atitudes corriqueiras da sociedade
a necessidade de promover uma ideia generalizada acerca da sua
condição e status. Assim, ministros chegavam ao máximo da
passividade em certas situações para não comprometer suas posições
em rodas sociais, nos salões, onde se apresentavam as funções mais
destacadas para a elaboração da opinião pública. Embora se pense a
opinião pública como algo leviano, preconceituoso, fortuito, preso às
limitações de visão daquele que professa. Algo que se lançasse muito
mais desconfiança que crédito.

Grande parte dos pensadores proclama pelo poder que emana da sua
condição. É o caso de filósofos como Marx (1181-1990), Hegel (1770-
1831), Sauvy (1898-1990), Bryce, Bakunin (1814-1876), entre outros.
Eles proferiram de maneira unânime que a sua discreta influência, em
algumas ocasiões, acaba por reter o verdadeiro poder, o verdadeiro
conteúdo e justiça, vinculando a esta a constituição, a legislação e a
vida colectiva em geral.

Sumário

Nesta unidade temática estudamos e discutimos a origem da


Democracia remonta aos antigos gregos que criaram a política e
planejaram a existência de um governo feito pelo povo e para o povo.
Dizemos que a Democracia requisita de cada membro do seu corpo
estrutural a responsabilidade cívica. Expressa tanto no voto através
das eleições, como também através da participação popular. Nesta

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perspectiva amontoa-se um conjunto de princípios e práticas


resguardadas na constituição enquanto lei maior. Daí considerar a
Democracia como a institucionalização da liberdade.

A democracia sempre se volta para a garantia dos direitos dos


cidadãos. E quando se fala na distribuição do poder entre todos,
falamos do direito subjectivo de escolha e de veiculação das
ideologias. A ideologia é um fenómeno que possui diversos
significados conforme o entendimento que é lançado. De um modo
geral ela representa as diversas formas de pensar, de conceber a
realidade e de comportar-se.

Desse modo, a ideologia implica numa forma acabada de ideias e


conceitos que servem como palavra de ordem para a realização da
vivência quotidiana. Mas também pode ser vista de forma pejorativa
quando se manifesta como uma forma pronta e acabada de se olhar
para a realidade. O pensamento marxista detém-se sobre a questão da
ideologia, percebendo-a como uma questão central para compreensão
do mundo moderno e das relações que norteiam a consciência de
classe. Procura através dos seus estudos, compreender a origem das
relações sociais e as peculiaridades destas relações, manifestas em
momentos distintos, conforme cada tempo.

A liberdade é um dos valores maiores do sistema de governo


democrático, mas se faz necessário analisar essas condições e as
características expressas no Ciência Política decorrer da história. A
própria natureza da política faz exigências quanto à acção livre,
tomando-a frequentemente como seu pressuposto. A liberdade é vista
sob várias perspectivas como a religiosa, ou a social, entre outras,
revelando as nossas possibilidades essenciais.

Bobbio mantém uma preocupação atenta para uma terceira

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compreensão de liberdade que ultrapassa o modelo democrático e


liberal, habitualmente aplicado à compreensão do fenómeno.
Apresenta-nos a liberdade a partir de uma compreensão republicana.
A resolução dada por este modelo aprofunda uma problemática não
desfeita nem pelo liberalismo, ou mesmo pela democracia. Um dos
maiores símbolos de liberdade que encontramos no cenário
contemporâneo é o da opinião pública. Nela encontramos um
diagnóstico do nosso tempo, mas ao mesmo tempo os anseios que
permanecem quanto a um modelo ideal de sociedade, embora, em
alguns momentos, se pense a opinião pública como algo leviano,
preconceituoso, fortuito, preso às limitações de visão daquele que
professa. Grande parte dos pensadores a proclama pelo poder que
emana da sua condição.

Exercícios de Auto-Avaliação

1. Defina ideologia.
2. Debruce sobre o surgimento da democracia representativa.
3. Defina liberdade.
4. Qual a origem da democracia.
5. Debruce sobre a concepção liberal.
6. Quais os tipos de governo apresentada por Montesquieu.
7. Apresente as características da democracia representativa.

Respostas

1. Resposta de Exercício 1, página 108


2. Resposta de Exercício 2, página 115
3. Resposta de Exercício 3, página 113
4. Resposta de Exercício 4, página 103
5. Resposta de Exercício 5, página 115
6. Resposta de Exercício 6, página 105
7. Resposta de Exercício 7, página 115

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Exercícios

 Defina o conceito de Liberdade social.


 Defina o conceito de democracia e apresente as suas
vantagens.
 Apresente o problema da liberdade social no sentido descritivo
e valorativo.
 Quais são as características da terceira compreensão de
liberdade que ultrapassa o modelo democrático e liberal
apresentada por Bobbio.
 Qual é a relação entre liberdade e opinião publica?
 Converse com militantes de alguns partidos políticos e peça
que te explique quais são as bases ideológicas do seu partido,
ou seja, quais são os princípios dos quais o partido dessa
pessoa defende e como constrói políticas para promovê-los.

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Preparação para Exame

1. Identifique os principais conceitos Ciência Política.


2. Reúna uns cinco conceitos, que fazem parte da Ciência Política.
3. Busque os significados da ciência política a partir de autores
diferentes e perceba como cada autor se apropria de forma
diferente para falar do mesmo assunto.
4. Em que medida o poder político é considerado como Elemento
essencial constitutivo do Estado?
5. Defina o conceito de Estado tendo em conta os diferentes
autores e perspectiva estabeleça a diferença entre eles.
6. Apresente as principais características da sociedade
contemporânea.
7. Apresente o princípio de unidade ou indivisibilidade do poder
do Estado.
8. Estabeleça a diferença entre legitimidade e legalidade tendo
em conta o meio interno e externo.
9. Defina o conceito de soberania.
10. O termo legitimidade interessa preciosamente à ciência
política, mas também é importante a todas as ciências
humanas. Qual é a importância para a Ciência Politica.
11. Quais são as principais formas de governo e de Estado?
12. Apresente a classificação das formas de governo segundo
Aristóteles.
13. Apresente a classificação das formas de governo segundo
Maquiavel.

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Bibliografias

1. ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2009.
2. AZAMBUJA, Darcy. Introdução à ciência política. São Paulo:
Globo, 2008.
3. AZAMBUJA, Darcy. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Globo,
1985.
4. BARRETTO, Lauro. Pesquisas de opinião pública no processo
eleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.
5. BOBBIO, Noberto. Diálogos em torno da república: os grandes
temas da política e da cidadania. Rio de Janeiro, 2002.
6. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2000.
7. Dicionário de política. Vol. I São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2000.
8. BODIN, J. Les Six Livres de la République. Ed. facsimilada,
Scientia Aalen, 1961.
9. BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros,
2010.
10. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense,
2003.
11. CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
12. COMTE-SPONVILLE, André. Política. In: Apresentaçãoda
filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
13. CORBISIER, Roland. Filosofia Política e Liberdade. São Paulo:
Paz e Terra, 1978.
14. DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política. São
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15. HEGEL, G. W. F. Grundlinien der Philosophie des Rechts. 3ª


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16. HELLER, Agnes; FEHER, Ferenc. A condição política pós-
moderna. São Paulo: Civilização Brasileira, 1998.
17. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
18. LOCKE, John. Carta acerca da tolerância. São Paulo: Abril
Cultural, 1978.
19. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São
Paulo: Abril Cultural, 1978.
20. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Abril
21. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Abril
Cultural, 1978.
22. RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1997.
23. SALDANHA, Nelson. Pequeno dicionário de teoria do direito e
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1987.
24. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento
único à consciência universal. São Paulo: 2009.
25. SELL, Carlos E. Introdução à sociologia política: política e
sociedade na modernidade tardia. Petrópolis: Vozes, 2006.
26. TOURRAINE, Alain. Crítica da modernidade. Petrópolis: Vozes,
2002.
27. VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Lisboa: Edições
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28. WAGNER, Eugenia Sales. Hannah Arendt: ética e política. São
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29. WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Pulo:
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