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BRICOLAGEM – PROCEDIMENTO ARTÍSTICO E METODOLÓGICO

Paula Carpinetti Aversa – UNESP

Resumo

Pretende refletir sobre a Bricolagem enquanto procedimento artístico e metodológico de


pesquisa. Para tanto, a partir de uma breve contextualização dos movimentos Dadaísta e
Surrealista, apresenta-se alguns de seus procedimentos artísticos, com a finalidade de
estabelecer articulações possíveis com o método da bricolagem, conceitualizado por Lévi-
Strauss.

Palavras-chave: bricolagem, acaso, colagem e objet trouvé

Abstract

The article reflects on the Bricolage as artistic and methodological research procedure. To
do so, from a brief contextualization of the Dadaist and Surrealist movements, it presents
some of his artistic procedures, in order to establish possible
articulations with the method of bricolage,conceptualized

Keywords: bricolage, chance, collage and objet trouvé

Este trabalho pretende refletir sobre a bricolagem enquanto procedimento


artístico e metodológico de pesquisa. As questões metodológicas no campo da
Arte, e mais amplamente no campo das ciências humanas, convocam o
pesquisador a repensar e a criar outras formas de produzir conhecimento diferente
dos parâmetros legitimados pelo método de cunho científico, em muitos momentos
valendo-se dos próprios procedimentos artísticos como modelo de condução de
uma pesquisa.

O sentido consagrado de "metodologia" diz respeito a uma forma de


percorrer um caminho, com regras previamente estabelecidas, tal como indica a
própria etimologia da palavra grega méthodos (metá: através de/ hódos: via). Ou
seja, a metodologia de uma pesquisa é um conjunto de estratégias anteriormente
definidas para se aproximar do objeto ou tema que se quer estudar. Porém, no
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contemporâneo, a idéia de complexidade - tal como Edgard Morin nos apresenta


em vários de seus escritos - é fundamental, apontando que o conhecimento é
gerado por múltiplas fontes e referências, evidenciando o quanto o próprio método
científico precisa complexizar-se, o quanto esse conjunto de estratégias precisa
ser mais articulado com um todo complexo, para não reduzir um fenômeno a uma
causalidade linear. No contemporâneo, o método necessita levar em consideração
aquilo que é da ordem do caótico, do imprevisto, do complexo, abrindo espaço
para a criação no processo de pesquisa formal.

Assim, pretende-se apresentar alguns procedimentos de criação artística,


algumas poéticas ou modos de se fazer arte, juntamente com um breve contexto
em que surgiram, para pensarmos como esses procedimentos podem contribuir
para o campo científico, alargando os métodos de pesquisa, possibilitando
criações ou invenções metodológicas como a bricolagem nos permite.

DECADÊNCIA E VANGUARDAS ARTÍSTICAS: o mito do selvagem

Michelli em seu livro As vanguardas artísticas (2004) procura demonstrar


que as correntes artísticas surgidas na Europa do início do século XX procuraram
romper com a arte burguesa-academicista, por considerá-la caduca, no sentido de
que tinha perdido sua força, firmeza e vitalidade. Tratava-se de uma arte que tinha
"apenas uma função apologética, celebrativa; cobria com um véu de agradável
hipocrisia as coisas desagradáveis e tendia a prolongar a ilusão das passadas
virtudes quando elas já tinham sido substituídas por vícios profundos" (MICHELLI,
2004, p. 39), destinava-se menos a expressão da verdade do que a ocultação
dela.

"A arte oficial burguesa nasce e se consolida quando a burguesia,


uma vez conquistado o poder, prepara-se para defendê-lo de todo
e qualquer ataque. Ou seja, nasce no momento em que a
burguesia percebe que 'todas as armas por ela forjadas contra o
feudalismo voltavam suas pontas contra ela própria; que toda a
cultura por ela gerada rebelava-se contra a sua própria civilização;
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que todos os deuses que havia criado a tinham renegado' (...)


Tornar-se selvagens: eis, portanto, uma das maneiras para evadir-
se de uma sociedade que se tornou insuportável. É o que Paul
Gauguin também tentou fazer, dando à sua iniciativa um caráter
que poderíamos dizer exemplar." (MICHELLI, 2004 - p. 39, 41)

Abandonando o terreno burguês, grande parte da vanguarda artística


origina-se do mito do selvagem, do outro primitivo e exótico como fez Gauguin.
Deixando sua família e uma carreira artística promissora, Gauguin lança-se
romanticamente à vida primitiva ao ir para o Taiti. Queria fugir de tudo que
considerava artificial e convencional, dedicando-se a captar o caráter espontâneo
e intuitivo da arte dos povos considerados sem instrução ou refinamento (a partir
de uma perspectiva eurocêntrica).

Gauguin, apesar de exemplar, não foi o primeiro a seguir o ideal do


primitivismo. Tal como Michelli (2004) nos esclarece, todo o século XVIII estava
impregnado dele, ressaltando que não se tratou de um interesse inesperado e
repentino por parte dos artistas de vanguarda, inclusive podemos encontrar o
ideário do bom selvagem no livro O homem natural do iluminista Rousseau. Tão
pouco podemos dizer que o interesse dos artistas de vanguarda pelo "primitivo"
restringia-se às civilizações não-ocidentais. A arte dos povos primitivos bem como
as produções dos marginais, dos loucos e das crianças passaram a interessar os
artistas do século XX, tal como podemos ver na obra de Matisse, Picasso,
Kandinsky, Paul Klee, entre outros representantes dos diversos movimentos de
vanguarda da Arte Moderna.

A influência que o primitivo - abarcando as variadas manifestações do outro


(estranho, exótico, arcaico, estrangeiro) - teve em cada um dos movimentos de
vanguarda européia do século XX, escapa as finalidades deste texto. Entretanto,
para articularmos os procedimentos artísticos a possíveis métodos de pesquisa,
vale nos voltarmos um pouco mais detidamente ao Dadaísmo e ao Surrealismo.

Dadaísmo e Surrealismo: colagem, objet trouvé, acaso e liberdade


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"Tão belo como o encontro fortuito, em uma mesa onde se


pratica a dissecação, de uma máquina de costura com um
guarda-chuva".

(LAUTRÉAMENT. Apud: DEMPSEY, 2003, p. 151)

Partindo do mesmo desgosto e da tentativa de fuga da mentalidade


burguesa, o dadaísmo nasceu "de um desejo implacável de atingir uma moral
absoluta, do sentimento profundo de que o homem, no centro de todas as criações
do espírito, tivesse de afirmar a sua proeminência sobre as noções empobrecidas
da substância humana, sobre as coisas mortas e sobre os bens mal adquiridos
(....) , uma revolta que exigia uma adesão completa do indivíduo às necessidades
da sua natureza, sem nenhuma consideração com a história, a lógica, a moral
comum (...)". (MICHELLI, 2004, p. 132).

O movimento Dadá nasce em meio a Primeira Guerra Mundial, em Zurique


no ano de 1916, ou seja, quando quase todas as outras tendências artísticas
modernas já tinham se consolidado. Desta forma, o dadaísmo acabou tornando-se
anti-cubista, anti-futurista, anti-abstracionista, etc; mas a partir dos meios e das
inovações destes mesmos movimentos: "O que se chama 'arte dadaísta' não é
certamente algo definido, algo claramente enunciado, mas uma verdadeira
miscelânia de ingredientes já detectáveis nos outros movimentos" (MICHELLI,
2004, p. 137)

Podemos ler em seu Manifesto, datado de 1918:

"Os que estão conosco conservam a sua liberdade. Nós não


reconhecemos nenhuma teoria. Basta com as academias cubistas
e futuristas, laboratório de idéias formais. A arte serve então para
amontoar dinheiro e acariciar os gentis burgueses? (...) Todos os
grupos de artistas acabaram neste banco, mesmo cavalgando
cometas diferentes (...) Transbordamos de maldições sobre a
abundância tropical e de vegetação vertiginosas (...) Eu sou contra
os sistemas. O único sistema ainda aceitável é o de não ter
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sistemas. A lógica é sempre falsa. A moral atrofia (...) Todo


homem deve gritar. Há um grande trabalho destrutivo, negativo, a
ser executado." (TZARA. Apud: MICHELLI, 2004, p. 136)

Não buscavam uma coerência estilística, uma proposta organizadora, mas


sobretudo o significado polêmico do procedimento. Nesta poética o que impera é o
gesto de polemizar, negar e destruir a lógica pequeno-burguesa: "Muitas 'obras'
dadaístas foram 'fabricadas' com o método da 'poesia no chápeu', ou seja,
recolhendo os elementos mais disparatados e colocando-os todos juntos".
(MICHELLI, 2004, p. 138).

O procedimento artístico da colagem faz parte da negação dadaísta.


Produto do acaso e do inconsciente, a colagem - apesar de já ter sido usada com
os futuristas e cubistas - ganha um outro estatuto com o dadaísmo: trata-se de
estabelecer conexões inusitadas e enigmáticas, fora da lógica. Segundo Max
Ernst, "a técnica da colagem é a exploração sistemática do encontro casual ou
artificialmente provocado de duas ou mais realidades estranhas entre si sobre o
plano aparentemente inadequado e um cintilar de poesia que resulta da
aproximação dessas realidades" (ERNST. Apud: PASSETTI, 2007).

Kurt Schwitters servia-se de tudo para a fabricação dos "Merz": pedaços de


madeira e de ferro, penas de galinha, passagens de bonde, envelopes, selos,
pedras, solas de sapato, panos, palavras recortadas de jornais, etc. Detritos do
cotidiano recuperados e dispostos de maneira aleatória para desconstruir a
separação entre arte e vida. Em Nova York, na mesma época, as produções
dadaístas de Duchamp com seus ready-mades, a "arte amorfa" (que não
representa nada e que não é nada) de Picabia e as inventivas técnicas
fotográficas de Man Ray completavam o panorama dadaísta que ultrajavam e
buscavam destruir as normas morais e estilísticas vigentes. Caracterizando-se,
desta forma, como uma anti-arte, era lógico que dadá matasse o dadaísmo. Já
nos primeiros anos da década de 1920, o dadaísmo se encerra como movimento e
muitos de seus artistas aderem ao Surrealismo como o próprio André Breton e
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Marx Ernst.

MAX ERNST KURT SCHWITTERS MAN RAY

A chave das canções da Série Merzbau, 1923-32 Dora Maar, 1936

Uma semana de Bondade, 1933

Muitas das posições dadaístas mantiveram-se na poética surrealista: a


questão da liberdade expressiva, as relações inusitadas de elementos
compositivos, as atitudes destrutivas, os gestos provocativos, o sentimento de
revolta frente aos valores burgueses, mas o surrealismo substituiu a rejeição total
pela pesquisa experimental, construindo um sistema de conhecimento. Enquanto
o dadaísmo fundamentava-se na negação e na destruição, o surrealismo
afirmava-se pela construção.

Diferente do Dadá, o surrealismo foi um movimento extremamente


organizado com teorias doutrinárias. André Breton, idealizador do movimento,
partia das concepções do marxismo, da psicanálise e de filosofias ocultistas para
estruturar o surrealismo. Em seu Primeiro Manifesto de 1924, Breton defini o
movimento: "pensamento que é expresso na ausência de qualquer controle
exercido pela razão e alheio a todas considerações morais e estéticas" (BRETON.
Apud: DEMPSEY, 2003, p. 151).

Enfatizando o automatismo psíquico, Breton afirmava que tanto a poesia, a


prosa ou a pintura deveriam originar-se do encadeamento das primeiras palavras
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ou imagens que ocorressem a mente assim como o método psicanalítico da


associação livre. Para os surrealistas, "o inconsciente não é apenas uma
dimensão psíquica explorada com maior facilidade pela arte, devido à sua
familiaridade com a imagem, mas é a dimensão da existência estética e, portanto,
a própria dimensão da arte" (ARGAN, 1999, p. 360). Desta forma, apoiando-se
nas formulações freudianas do inconsciente, os surrealistas encontraram na
experiência onírica sua dimensão poética.

Do ponto de vista dos procedimentos artísticos, os surrealistas apropriaram-


se da desinibição dadaísta bem como ainda se valiam de técnicas tradicionais
(como a pintura). O automatismo, regido pelo inconsciente, aparecia como "o
principal caminho de acesso ao maravilhoso" (BRADLEY, 1999, p. 21), sendo
considerado como o método surrealista por excelência. Mas, para as finalidades
deste texto, nos centraremos na utilização de um procedimento surrealista
(também profundamente ligado à associação livre): o “objet trouvé”

Além de retirar um objeto de seu contexto original e lançá-lo para outros


contextos e relações inusitadas, atribuindo-o a condição de obra de arte, prática
executada desde os dadaístas e mesmo da elaboração dos chamados "objetos
surrealistas" - como o ferro de passar cheio de pregos ou a xícara de chá forrada
de pele - os surrealista incorporam o "objet trouvé" nos seus processos criativos.

"O objet trouvé, francês para 'objeto encontrado', acompanha o


princípio do ready-made: objeto qualquer encontrado pelo artista e
transformado em obra de arte. Mas enquanto o ready-made é um
objeto entre vários iguais a ele, o objet trouvé é escolhido em
função de sua singularidade" (LODDI, 2010, p.30).

Ligado ao objet trouvé está uma forte carga inconsciente. Segundo Jaffé, "o
desejo de alguns artistas em descobrir esse espírito da matéria nos objetos
encontrados ao acaso vem do inconsciente que 'manifesta-se sempre que o
conhecimento consciente ou racional alcança seus limites extremos e o mistério
se estabelece, pois o homem tende a preencher o inexplicável e o imponderável
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com os conteúdos do seu inconsciente'." (JAFFÉ. Apud: LODDI, 2010, p. 30)

Juan Miró, todas as manhãs, ia para a praia e colhia diversos materiais


trazidos pelo mar, inclusive incorporando em seus trabalhos restos e sucatas
como arames, pedaços de papéis e madeira, ou seja, fragmentos de materiais e
não apenas objetos “inteiros” (por assim dizer) como outros artistas surrealistas
aproveitavam (tais como tais sapatos, botões, bilhetes, bonecos e diversos outros)
que apesar de descontextualizados, ainda assim podiam significar algo por si só.
Procedendo desta maneira, Miró liberava ainda mais as possibilidades de
associações simbólicas desses fragmentos de materiais por vezes irreconhecíveis
de imediato.

Em 1879, Ferdinand Cheval, carteiro francês, tropeça numa pedra e


encantado com a forma da mesma, começou a colecioná-las. Durante os 33 anos
seguintes, durante suas caminhadas diárias como carteiro, Cheval colhia pedras e
usando arame, cal e cimento, ergueu seu Palais Idéal (Palácio Ideal). Pouco antes
de falecer, a obra de Cheval foi reconhecida por Picasso e Breton. A partir de um
objet trouvé, a estética da acumulação realizada por Cheval, encarnava os ideais
surrealistas até mesmo porque escancarava o rompimento da fronteira entre vida
cotidiana e arte.

“O Facteur Cheval recolheu, dessa forma, ao seu redor e em seus


encontros cotidianos, materiais, citações, referências para
construir esse „palácio imaginário, templo da Natureza, templo
hindu e túmulo egípcio‟, imagem mítica no ponto de encontro entre
ele mesmo e os outros, um país sem cortes nem fronteiras, onde
as oposições se anulam, intemporal, “palácio ideal” que, por sua
vez, convida ao encontro e ao sonho, ao trabalho e à reflexão (...)”
(PRÉVOST, Clovis e PRÉVOST, Claude. Apud: Catálogo Arte
Incomum. XVI Bienal de São Paulo, 1981, p. 67)
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JUAN MIRÓ, Desenho-colagem, 1934 FERDINAND CHEVAL, Palácio Ideal, 1879 – 1909

Bricolagem

O arranjo de elementos heterogêneos, a princípio díspares, que podem ser


encontrados ao acaso, construindo algo novo é uma estratégia de bricolagem.
Entendido como um procedimento criativo-metodológico, o termo foi cunhado por
Lévi Strauss.

As afinidades da bricolagem com os procedimentos dadaístas e surrealistas


não se deram ao acaso (ou talvez se deram, mas tal como nos métodos das
vanguardas apresentados, Lévi Strauss aproveitou deste acaso para criar um
novo, um trabalho de criação teórica): em seu exílio em Nova York, durante a
Segunda Guerra Mundial, Lévi Strauss conviveu com André Breton e Max Ernst
(que também eram refugiados). Compartilhavam do interesse pela arte indígena
como objeto de arte, apreciação comum para as tendências vanguardistas que há
muito tempo já se inspiravam nas produções primitivas, mas que se apresentava
como uma novidade entre os etnólogos da época que abordavam esses objetos
com interesse documentário e não estético (PASSETTI, 2007).

Lévi Strauss, ao conceber o pensamento selvagem (ou mítico), explica que


a bricolagem é uma ciência primeira, ao invés de primitiva: "o verbo francês
bricoleur, no seu sentido antigo, era aplicado ao jogo de bilhar, à caça e à
equitação, sempre invocando um movimento incidental: da bola que salta, do cão
que anda ao acaso, do cavalo que se afasta da linha reta". (LODDI, 2010, p. 34)
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Com essa conceituação podemos dizer que o bricoleur é aquele que


começa (uma obra, uma pesquisa) contando com o acaso e com os recursos que
possuem, sem projetos pré-definidos e fechados. Inventa as maneiras de fazer, a
partir de materiais colhidos ou achados e os dispõem conforme a sua necessidade
expressiva e com liberdade de criação. A bricolagem "não se limita a cumprir ou
executar; fala não somente com as coisas, como também por meio das coisas"
(LODDI, 2010, p. 35) e ao proceder desta forma, o bricoleur revela sua própria
subjetividade nas produções em que se engaja. Não persegue a pretensa
neutralidade científica. Neste sentido, o bricoleur não pretende ser o portador da
verdade, pois sabe que seu olhar, a sua leitura é apenas uma das muitas
perspectivas que um fenômeno pode ter.

Segundo DANTAS (2009), Arthur Bispo do Rosário valia-se deste


procedimento artisticamente:

“Bispo era um bricoleur, estava apto a executar tarefas


diferentes, sem se subordinar em cada uma delas, à
obtenção de matérias-primas e de ferramentas, concedidas
e procuradas na medida de sua intenção. Aliás, não havia
um plano pré-concebido. A regra do seu jogo era arranjar-
se com os meio-limites, isto é, com um conjunto restrito de
utensílios e de materiais heteróclitos, resíduos de obras
humanas, uma espécie de subconjunto da cultura. Seus
objetos não eram definidos por um projeto, mas por sua
instrumentalidade, porque os elementos de composição
eram recolhidos e conservados a partir de um princípio:
“isso pode servir” para representação no mundo no dia da
“passagem”. Seu trabalho como bricoleur não se limitava a
executar coisas ou unicamente a descontextualizá-las: ela
não apenas “falava” com as coisas, mas também “falava”
por meio delas, contando, através das escolhas que fez,
fragmentos de sua experiência, de sua vida; ele punha algo
de si nos seus objetos.” (DANTAS, 2007, p. 118)
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Arthur Bispo do Rosário

Manto da Apresentação, s/d

Fazendo essa articulação com o campo das artes e procurando


sistematizar a bricolagem como método de pesquisa, recorre-se a KINCHELOE e
BERRY (2007) que cartografam a metodologia da bricolagem. Segundo estes
autores citados, a bricolagem:

- é de natureza interdisciplinar;

- a bricolagem avança para o domínio da complexidade (está baseada em


uma epistemologia da complexidade). O bricoleur deve estar ciente das estruturas
profundas e das formas complexas com que a vida e as relações humanas se
manifestam, para superar as limitações de um reducionismo monológico, dando
abertura ao domínio do multilógico;

- inventa maneiras de se aproximar do fenômeno, forja as suas ferramentas


metodológicas, teóricas e interpretativas, considerando e trabalhando com
imprevistos e acasos, pois seus caminhos metodológicos não tem indicadores pré-
determinados e fixos;
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- o pesquisador bricoleur procura os métodos e as teorias que melhor


respondem as suas perguntas. Por compreender que múltiplos processos, olhares
e interpretações interagem na produção do conhecimento são como uma espécie
de "negociadores metodológicos";

- pressupõe a participação ativa do pesquisador, que além de contar com


os recursos que dispõe, imprime sua própria subjetividade na construção do
conhecimento;

- a formação filosófica do pesquisador-bricoleur é de fundamental


importância, pois além de esclarecer quais são os pressupostos teóricos e éticos
que o atravessam e o constituem, pode também ser capaz de perceber as
características epistemológicas, ontológicas, políticas, estéticas e éticas presentes
no objeto e no contexto a ser pesquisado;

Não se trata de um descomprometido "vale-tudo" metodológico. Muito pelo


contrário, a metodologia da bricolagem é "baseada em múltiplas perspectivas,
informada, genuinamente rigorosa, de explorar o mundo vivido" (KINCHELOE e
BERRY, 2007, p.23), que se vale, como se procurou apresentar, de
procedimentos advindos do universo das artes e que encontra seu rigor, não na
precisão e previsão (como no método científico), mas na implicação e interesse do
pesquisador.

Referências

ARGAN, Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Cia das Letras, 1999

BRADLEY, Fiona. Surrealismo. São Paulo: Cosac Naify, 1999

DANTAS, Marta. Arthur Bispo do Rosário: a poética do delírio, São Paulo: Editora
UNESP, 2009

DEMPSEY, Amy. Estilos, Escolas e Movimentos: guia enciclopédico da Arte Moderna.


São Paulo: Cosac Naify, 2003

KINCHELOE, Joe e BERRY, Kathleen . Pesquisa em educação: conceituando a


1050

bricolagem. Porto Alegre: Artmed, 2007

LODDI, Laila. Casa de bricolador(a): cartografias da bricolagem (Dissertação de


Mestrado), Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2010

MICHELLI, Mario de. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004

PRÉVOST, Clovis e PRÉVOST, Claude. Facteur Cheval. Catálogo de arte Incomum


(volume III) da XVI Bienal de São Paulo, 1981.

WEBIBLIOGRAFIA:

PASSETTI, Dorothea Voegeli. Colagem: arte e antropologia. Ponto e vírgula. Revista


Eletrônica Semestral do Programa de Estudos de pós-graduandos em Ciências Sociais da
PUC-SP, 1º semestre, no. 1, 2007

Paula Carpinetti Aversa é psicóloga formada pela USP. Atualmente cursa a graduação
em Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais da UNESP e é mestranda junto ao
Programa de Pós-Graduação em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP.

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