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Pensar e repensar as possibilidades

do trabalho pedagógico em
Sexualidades e Educação Sexual se
faz urgente diante às intensas, e cada
vez mais rápidas, transformações
sociais e políticas.
Vivenciamos a emergência de novas
configurações identitárias,
subjetividades, modos plurais de ser,
agir e praticar a sexualidade, o gênero
e a experiência do corpo saudável.
Diante disso, este livro reúne
capítulos produzidos por
pesquisadores da área de
Sexualidades e Educação Sexual que
foram convidados para produção
destes a partir de seus trabalhos
originalmente apresentados no V
Congresso Brasileiro de Educação
Sexual – UNESP – UEL – UDESC e
VII Simpósio de Sexualidade e
Educação Sexual – Paraná – São
Paulo – Santa Catarina, ocorrido na
Universidade Estadual de Londrina
(UEL) em novembro de 2018.
Tais capítulos são diversos, assim
como o campo de pesquisa, e
compreendem relatos de experiência,
pesquisas e inovações em temas afins
das sexualidades e educação sexual.
Assim, convidamos todes para
experimentar e saborear essas
páginas cheias de conhecimentos,
inovações e singularidades que
podem despertar caminhos a outras
possibilidades.
Sexualidades e
Educação Sexual
práticas, pesquisas e inovações
Ricardo Desidério
Vinícius Colussi Bastos
Virgínia Iara de Andrade Maístro
(Organizadores)

Sexualidades e
Educação Sexual
práticas, pesquisas e inovações

LONDRINA-PARANÁ
2020
Capa e identidade visual: Vinícius Colussi Bastos
Editoração eletrônica: Ricardo Desidério e Vinícius Colussi Bastos
Revisão: os conteúdos dos capítulos aqui apresentados são de exclusiva
responsabilidade das autoras e dos autores.
V CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO SEXUAL UNESP – UEL – UDESC
VII SIMPÓSIO DE SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO SEXUAL
PARANÁ – SÃO PAULO – SANTA CATARINA

COMISSÃO CIENTÍFICA

Presidente:
Paulo Rennes Marçal Ribeiro (Unesp - Araraquara/SP)

Membros:
Álvaro Lorencini Junior (UEL – Londrina/PR)
Ana Cláudia Bortolozzi Maia (Unesp – Bauru/SP)
Ana Cláudia Figueiredo Rebolho (UNICEP – São Carlos)
Andrea Martelli (Unioeste – Cascavel/PR)
Andreza Marques de Castro Leão (Unesp – Araraquara/SP)
Célia Regina Rossi (Unesp – Rio Claro/SP)
Eliane Rose Maio (UEM – Maringá/PR)
Fabiana Carvalho (UEM – Maringá/PR)
Fátima Elisabeth Denari (UFSCar – São Carlos/SP)
Filomena Teixeira (CIDTFF – U. Aveiro e ESEC – Coimbra – Portugal)
Franciele Monique Scopetc dos Santos (UFMA – Codó/MA)
Graziela Raupp Pereira (UDESC – Florianópolis/SC)
Isaias Batista de Oliveira Junior (UNESPAR – Apucarana/PR)
Lara Roberta Rodrigues Facioli (UEL – Londrina/PR)
Luana Pagano Peres Molina (UEL – Londrina/PR)
Márcio de Oliveira (UFAM - Manaus/AM)
Maria Alves de Toledo Bruns (USP – Ribeirão Preto/SP)
Maria Lúcia Correa (SEED-NRELondrina – Londrina/PR)
Mary Neide Damico Figueiró (UEL – Londrina/PR)
Patrícia de Oliveira e Silva Pereira Mendes (UDESC – Florianópolis/SC)
Ricardo Desidério da Silva (UNESPAR/Apucarana e PPG Educação Sexual –
Unesp/Araraquara)
Samilo Takara (UNIR – Rolim de Moura/RO)
Sónia Maria Martins de Melo (UDESC – Florianópolis/SC)
Vera Márcia Marques dos Santos (UDESC – Florianópolis/SC)
Vinícius Colussi Bastos (UEL – Londrina/PR)
Virgínia Iara de Andrade Maistro (UEL – Londrina/PR)
Yalin Brizola Yared (UNISUL – Tubarão/SC)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................... 8

PREFÁCIO ........................................................................................... 9
SEXUALIDADES NA EDUCAÇÃO: TRANSGREDIR COMO
PRÁTICA DE ENSINO ..................................................................... 9

01 PRÁTICAS EM SEXUALIDADES E EDUCAÇÃO SEXUAL 12


A METODOLOGIA LOGOPÁTICA NO ENSINO DE
CONCEITOS RELACIONADOS A HIV/AIDS ............................. 13
A PRÁTICA DE ENSINO DE SOCIOLOGIA NO COMBATE À
LGBTFOBIA E NO DEBATE SOBRE DIVERSIDADE SEXUAL
.......................................................................................................... 31
ENTRE GAROTAS: UM PROJETO DE EMPODERAMENTO
FEMININO NA ESCOLA ............................................................... 45
O PANORAMA ATUAL DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
RELACIONADA A COMUNIDADE LGBT, DIVERSIDADE DE
GÊNERO E SEXUALIDADE PRODUZIDA PELA UNESP: UMA
ANÁLISE DO REPOSITÓRIO ....................................................... 63
SEXUALIDADE E OPRESSÃO: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE
AS OPRESSÕES DOS CORPOS E A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO
SEXUAL EM SALA DE AULA, DIÁLOGOS ENTRE O TEATRO
E A HISTÓRIA ................................................................................ 80
XI - COLÓQUIO DO GRUPO DE PESQUISA FORMAÇÃO DE
EDUCADORES E EDUCAÇÃO SEXUAL. DIÁLOGOS SOBRE
SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO SEXUAL COM VISTAS À
EMANCIPAÇÃO: 11 ANOS DO PROGRAMA EDUCAÇÃO
SEXUAL NAS ONDAS DA RÁDIO UDESC ................................ 95
02 MÍDIAS, SEXUALIDADES E EDUCAÇÃO SEXUAL .......... 107
A “CONFISSÃO”: AS POSSIBILIDADES PARA PENSAR A
VIRTUALIDADE DOS CORPOS ................................................ 108
ADOLESCÊNCIA E “13 REASONS WHY”: UMA ANÁLISE DO
SERIADO E SEU DISCURSO A PARTIR DAS TEMÁTICAS
SEXUALIDADE E SUICÍDIO ...................................................... 124
AIDS E LINGUAGEM: A METAFORIZAÇÃO DA DOENÇA E
SUAS IMPLICAÇÕES NA “MORTE ANUNCIADA” DE
CAZUZA NA REVISTA VEJA .................................................... 140
AS PRINCESAS DA DISNEY: REFLEXÕES SOBRE GÊNERO
........................................................................................................ 158
DESMARGINALIZAÇÃO ARTÍSTICA DA DRAG QUEEN E
SUA REPERCUSSÃO SÓCIO-EDUCACIONAL ........................ 178
LAERTE-SE: A FLUIDEZ DE UM CORPO QUE SE TORNA
FEMININO .................................................................................... 194
PREVENÇÃO COMBINADA EM LIBRAS: A PRODUÇÃO DE
UM RECURSO DIDÁTICO PARA A EDUCAÇÃO SEXUAL ... 204
O ARTIVISMO QUEER-TRAVECO-TERRORISTA DE LINN DA
QUEBRADA E A FRATURA EXPOSTA DA CIS E
HETERONORMATIVIDADE ...................................................... 215
O MEME DE INTERNET: O REFORÇO DE ESTEREÓTIPOS
SOBRE A POPULAÇÃO LGBTI+ ............................................... 238
SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA: MITOS E PRECONCEITOS
NO FILME COLEGAS .................................................................. 253

03 FORMAÇÃO DOCENTE EM SEXUALIDADES E


EDUCAÇÃO SEXUAL .................................................................... 269
A EDUCAÇÃO SEXUAL ESCOLAR E A CONSTRUÇÃO DE
CONCEPÇÕES ACERCA DA SEXUALIDADE E DO PAPEL DO
PROFESSOR DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA COMO EDUCADOR
SEXUAL ........................................................................................ 270
ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES:
IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DOCENTE ........................... 287
ANÁLISE DA TEMÁTICA SEXUALIDADE NOS LIVROS
DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL I: O QUE (NÃO)
ESTAMOS ENSINANDO? ........................................................... 305
CONTEÚDOS DE SEXUALIDADE EM UMA PROPOSTA
DIDÁTICA PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO À
DISTÂNCIA .................................................................................. 325
EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADES CRÍTICA: ONZE FALAS E
ONZE DÚVIDAS DE ESTUDANTES ANALISADAS EM
DEFESA DE UMA PRÁXIS TRANSFORMADORA ................. 342
EDUCAR NÃO É COISA DE MULHER: UM ESTUDO ACERCA
DO ATUAL CENÁRIO DO HOMEM COMO PROFESSOR NO
ENSINO INFANTIL E NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL ......................................................................... 362
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCAÇÃO SEXUAL NA
ADOLESCÊNCIA: INTERLOCUÇÕES ENTRE TRÊS
PESQUISAS DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO ....................... 378
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O TRABALHO DOS
CONTEÚDOS DE GÊNERO COM CRIANÇAS EM IDADE
ESCOLAR E PRÉ-ESCOLAR ...................................................... 390
FILMES INFANTIS NA ABORDAGEM DE GÊNERO E
SEXUALIDADE EM SALA DE AULA ....................................... 408
HETERONORMATIVIDADE NAS ESCOLAS: REFLEXÕES E
EFEITOS PRODUZIDOS .............................................................. 426
PROGRAMA DE EXTENSÃO FORMAÇÃO DE EDUCADORES
E EDUCAÇÃO SEXUAL: INTERFACES COM AS
TECNOLOGIAS ETAPA XI E XII ............................................... 443
RELATO DE UM ESTAGIÁRIO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
HOSTILIDADE POR ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO ............... 455
SEXUALIDADE, EDUCAÇÃO SEXUAL NO ENSINO MÉDIO E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PRODUÇÕES E
INVESTIGAÇÕES ATUAIS ......................................................... 468
TÓPICOS SOBRE SEXUALIDADE NA FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES DE BIOLOGIA:
(DES)CONSTRUINDO CONCEITOS .......................................... 483
UM OLHAR SOBRE A SEXUALIDADE INFANTIL: A
CONCEPÇÃO DE DIRETORAS ESCOLARES DO ENSINO
FUNDAMENTAL I – ANOS INICIAIS ....................................... 500
UM RECORTE DA CAMPANHA “FAÇA BONITO 2018”: O
PAPEL DO EDUCADOR NO ENFRENTAMENTO À
VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL ............................. 520
UMA ANÁLISE DE ARTIGOS SOBRE SEXUALIDADE NA
EDUCAÇÃO INFANTIL .............................................................. 532

04 INVESTIGAÇÕES EM SEXUALIDADES, GÊNEROS E


DIVERSIDADE ................................................................................ 548
A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES DE GÊNERO A PARTIR
DO BRINCAR ............................................................................... 549
A PESSOA TRANS NA UNIVERSIDADE: O QUE PENSAM OS
COLABORADORES DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO
SUPERIOR..................................................................................... 562
A POTÊNCIA DA FIGURAÇÃO DRAG PARA SUBVERSÃO
DAS POLÍTICAS IDENTITÁRIAS .............................................. 583
EDUCAÇÃO SEXUAL E DE GÊNERO NA CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO E DA EMANCIPAÇÃO: ARTICULAÇÕES
POLÍTICAS E PEDAGÓGICAS PARA A CIDADANIA ............ 597
GÊNERO E DIVERSIDADES NO ENSINO MÉDIO:
EMBASAMENTOS CURRICULARES PARA O ENSINO DE
ARTES E DE SOCIOLOGIA ........................................................ 614
GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO SOCIAL:
PERCEPÇÕES ESTABELECIDAS NO PROJETO RENASCER DO
MUNICÍPIO DE IVAIPORÃ – PARANÁ .................................... 634
HOMOFOBIA: O PRECONCEITO E A VIOLAÇÃO DE
DIREITOS DE PESSOAS LGBTI+S NO CONTEXTO
UNIVERSITÁRIO...................................................................... 657
IMPLICAÇÕES HISTÓRICAS A RESPEITO DA EDUCAÇÃO
SEXUAL: CONSIDERAÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO
EMANCIPATÓRIA ....................................................................... 674
MULHER NA SOCIEDADE CAPITALISTA E PATRIARCAL:
DESIGUALDADES DE CLASSE E GÊNERO ............................ 691
O CORPO TRANSGÊNERO: MARGINALIZAÇÃO FORA DA
NORMA ......................................................................................... 708
PORNOGRAFIA, MÍDIA E EDUCAÇÃO: O DESEJO E O
CONSUMO DOS ARTEFATOS CULTURAIS PARA HOMENS
GAYS ............................................................................................. 722
REPRESENTAÇÃO SOCIAL, HOMOFOBIA E
HOMOSSEXUALIDADE: UM ESTUDO CORRELACIONAL
DOS ANOS 2006 E 2016............................................................... 741
UM RECORTE DA CAMPANHA “FAÇA BONITO 2018”: A
PRÁTICA DOS ÓRGÃOS DE REPRESSÃO FRENTE AO
COMBATE DO ABUSO SEXUAL INFANTO-JUVENIL .......... 762
UMA ANÁLISE CONCEITUAL SOBRE O CADERNO DO
PROJETO ESCOLA SEM HOMOFOBIA E SUAS IMPLICAÇÕES
........................................................................................................ 775
APRESENTAÇÃO

Pensar e repensar as possibilidades do trabalho pedagógico em


Sexualidades e Educação Sexual se faz urgente diante às intensas, e cada
vez mais rápidas, transformações sociais e políticas. Vivenciamos a
emergência de novas configurações identitárias, subjetividades, modos
plurais de ser, agir e praticar a sexualidade, o gênero e a experiência do
corpo saudável. Diante disso, este livro reúne capítulos produzidos por
pesquisadores da área de Sexualidades e Educação Sexual que foram
convidados para produção destes a partir de seus trabalhos originalmente
apresentados no V Congresso Brasileiro de Educação Sexual – UNESP
– UEL – UDESC e VII Simpósio de Sexualidade e Educação Sexual –
Paraná – São Paulo – Santa Catarina, ocorrido na Universidade Estadual
de Londrina (UEL) – PR - em novembro de 2018. Uma obra que
enfrentou grandes obstáculos quanto à sua produção, fruto de uma longa
caminhada e trabalho, mas que frente ao compromisso com cada autora,
autore e autor, não foram medidos esforços por seus organizadores
quanto a sua publicação. Assim, convidamos todes para experimentar e
saborear essas páginas cheias de conhecimentos, inovações e
singularidades que podem despertar caminhos a outras possibilidades.

Ricardo Desidério
Vinícius Colussi Bastos
Virgínia Iara de Andrade Maístro
(Organizadores)

8
PREFÁCIO

SEXUALIDADES NA EDUCAÇÃO:
TRANSGREDIR COMO PRÁTICA DE ENSINO
Samilo Takara1

Convidamos você que nos lê para que conheça uma educação


como prática da liberdade. Diferente do pensamento previamente
estabelecido e das ideias pré-concebidas, um livro como este entende que
a educação é o espaço para a transgressão e para a transformação. bell
hooks (2013, p. 273) propôs a educação como tarefa de criar
coletivamente “[...] esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir”.
O campo da Educação e as discussões acerca das sexualidades
continuam em disputa. Por mais que enfrentemos os desmontes que são
postos aos campos pedagógicos, as provocações realizadas pelas
diferentes áreas do conhecimento, as Universidades e os espaços teórico-
políticos continuam produzindo embasadas no que constitucionalmente
defendermos ser a Educação: “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1988, s/p.).
Convidamos para o questionamento do quanto a Educação
corrobora (e colaborou) para seu pleno desenvolvimento como pessoa e
sua compreensão do exercício da cidadania. Olhares para a dimensão
sexual que envolvem experiências, discussões, teorias, discordâncias,

1
Professor do Departamento de Educação e da Especialização em Gênero e
Diversidade na Escola no Campus Rolim de Moura e do Programa de Pós-
Graduação em Educação no Campus José Ribeiro Filho da Universidade
Federal de Rondônia.

9
dissonâncias e provocações como é característica da Universidade e da
curiosidade científica.
Reconhecendo os fundamentos das diferentes áreas de
conhecimento e a necessidade de pensar a Educação como campo
formativo, a sexualidade e suas diferentes experiências e expressões são
características constituintes de uma formação para o pleno
desenvolvimento da pessoa e seu exercício para a cidadania. É feliz o
trabalho que empreendem as pessoas que organizam e as autorias em
propor olhares por outras perspectivas.
Entretanto, as próximas páginas não inauguram e não finalizam
os debates sobre sexualidades e as múltiplas formas de expressão de
gênero e sexuais. Em outra direção, essa obra oportuniza e fomenta o
debate, convida a leitura ao envolvimento e ao conhecimento de
perspectivas que permitam problematizar o que é papel da Educação e
das discussões sobre sexualidades nos tempos que nos encontramos.
Retomo o texto “A coragem de ser você mesmo” que faz parte
das crônicas de travessia do pensador trans/queer Paul B. Preciado (2019,
p. 135) em que ele narra o convite para falar da coragem de ser ele
mesmo. Em uma articulação que nos expõe a necessidade de reconhecer
que essa coragem é a invisibilidade de um sistema machista, misógino,
sexista, heteronormativo, racista, xenófobo e referenciado pelas
proposições da intelectualidade europeia – da qual ele participa e
contribui/confronta – ele nos diz que a coragem é parte desse processo
que faz a manutenção das normas. “A coragem, como a violência e o
silêncio, como a força e a ordem, está do lado de vocês” (PRECIADO,
2019, p. 135).
Ao invés de seguir a coragem, ele nos estimula que aceitemos
perder toda a coragem e “[...] loucos de covardia, desejo que inventem
novos e frágeis usos para seus corpos vulneráveis. É por amá-los que os
desejo frágeis e não corajosos. Porque a revolução atua através da
fragilidade” (PRECIADO, 2019, p. 136). As transformações que estes
textos podem contribuir não é para fortalecer a norma, mas para fragilizá-

10
la. Contribuem para que reconheçamos as assimetrias de poder e o papel
da Educação em ser transgressora.
Para tal transgressão, convidamos para uma outra prática
pedagógica. Transgredir como prática de ensino é uma tática de ensino
que convida quem aprende a reconhecer os traumas, os preconceitos, os
limites e as dificuldades impostas por esse sistema. Produzir modos de
vida outros perpassa a difícil tarefa de reconhecer que esse sistema
inferioriza, silencia, fragiliza. Caso venha de outros campos do saber,
saiba que seu papel também é pedagógico. Ser outro modo de viver no
mundo corrobora com tantas outras formas de vida que não têm
referências para se compreender como vida possível.
Esperamos que o prazer seja tão delicioso como o que se pode
tornar-se. Educar para as sexualidades é transformar o mundo de muitos
modos. Transgredir-se.

Referências
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
Acesso em: 14 jul. 2020.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da


liberdade. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2013.

PRECIADO, PAUL B. Um apartamento em Urano: crônicas da


travessia. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro/RJ: Companhia das
Letras, 2019.

11
01
PRÁTICAS EM
SEXUALIDADES E
EDUCAÇÃO
SEXUAL

12
A METODOLOGIA LOGOPÁTICA NO
ENSINO DE CONCEITOS
RELACIONADOS A HIV/AIDS
Thiago Henrique Ramari
Erick Leonardo Naiverth Antonechen
(Universidade Estadual de Londrina)

Este artigo relata uma experiência com a metodologia logopática no


ensino da história e dos conceitos relacionados a HIV/Aids para um
grupo de pesquisa composto por estudantes de Jornalismo e Relações
Públicas, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no segundo
semestre de 2018. A metodologia logopática, pensada para essa
experiência, baseia-se em uma ampliação do conceito de razão
logopática em Cabrera (2006), segundo o qual o uso do cinema como
ferramenta de ensino contribui para a exploração de aspectos racionais
(logos) e emocionais (pathos) de problemas filosóficos, potencializando
o aprendizado de estudantes. Assim, objetivando essa potencialização,
as atividades do grupo de pesquisa incluíram, além de aulas expositivas,
discussões guiadas sobre oito longas-metragens que tratam sobre
diferentes aspectos do HIV/Aids: 120 batimentos por minuto (2017), A
cura (1995), Angels in America (2003), Clube de Compras Dallas
(2013), E a vida continua (1993), Filadélfia (1993), The normal heart
(2014) e Yesterday (2004). Como resultado, observou-se que, além de
aprofundar o conteúdo das aulas expositivas, a atividade com as obras
fílmicas desenvolveu a empatia dos participantes para com pessoas que
vivem com HIV, contribuindo não apenas para a formação acadêmica,
mas também para a formação cidadã.
Palavras-chave: Metodologia logopática; Razão logopática; Ensino-
aprendizagem; HIV/Aids; Cinema.

13
THE LOGOPATHIC METHODOLOGY IN TEACHING HIV/AIDS-
RELATED CONCEPTS

This article reports an experiment with the logopathic methodology in


teaching history and concepts related to HIV/AIDS for a research group
composed of students of Journalism and Public Relations, at the State
University of Londrina (UEL), in the second half of 2018. The logopathic
methodology, thought for this experiment, is based on an extension of the
concept of logopathic reason in Cabrera (2006), according to which the
use of cinema as a teaching tool contributes to the exploration of rational
(logos) and emotional (pathos) aspects of philosophical problems,
enhancing students' learning. Thus, in order to achieve this potential, the
activities of the research group included, in addition to lectures, guided
discussions on eight feature films dealing with different aspects of
HIV/AIDS: 120 BPM (Beats Per Minute) (2017), The cure (1995),
Angels in America (2003), Dallas Buyers Club (2013), And the band
played on (1993), Philadelphia (1993), The normal heart (2014) and
Yesterday (2004). As a result, it was observed that, in addition to
deepening the content of the expository classes, the activity with the films
developed the participants' empathy towards the people living with HIV,
contributing not only to the academic formation, but also to the
citizenship formation.
Key words: Logopathic methodology; Logopathic reason; Teaching-
learning; HIV/AIDS; Cinema

Enquadramento teórico
De acordo com o O livro dos símbolos (2012), a noção de
enfermidade é interpretada de diferentes maneiras pelas culturas
existentes. De modo geral, no entanto, é vista como um mal, um
padecimento ou um descontentamento, independentemente da origem –
divina ou não. “Associamos a enfermidade ao esgotamento orgânico ou
ao sucumbir, mas também à invasão, ao excesso, à míngua, à desordem,
ao desequilíbrio e à corrupção” (ARCHIVE FOR RESEARCH IN
ARCHETYPICAL SYMBOLISM, 2012, p. 732). Por essas referências

14
genéricas, é comum que a doença seja encarada pelas sociedades, em
maior ou menor medida, como um sinal indubitável da mortalidade
humana e de outros seres vivos. Quando abordada em salas de aula
brasileiras, espaço social enfocado neste artigo, tal concepção carrega a
potencialidade de gerar desconfortos e constrangimentos. É possível que,
além da tradição positivista do processo de ensino-aprendizagem, essa
noção genérica faz com que o conceito de enfermidade seja debatido
frequentemente através de um prisma científico estrito, na tentativa de
afastar qualquer envolvimento emocional, em prol da racionalidade.
Dentre as doenças que assolaram/assolam a civilização, a Aids
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), causada pelo HIV (Vírus da
Imunodeficiência Humana), matou milhões de pessoas, desde a década
de 1980. Segundo a Unaids (2018), 77,3 milhões se infectaram e, destes,
35,4 milhões morreram até 2017, na soma global. Segundo Soares (2001,
p. 11), o índice de mortalidade fez com que a doença tomasse do câncer
o título de “mal do século”, em referência ao século XX. Sontag (1989,
p. 20) segue pelo mesmo raciocínio: “[...] o câncer perdeu parte de seu
estigma devido ao surgimento de uma doença cuja capacidade de
estigmatizar, de gerar identidades deterioradas, é muito maior”. Os dados
e as análises dos estudiosos delineiam a importância de se abordar a
temática de HIV/Aids junto aos alunos de diferentes níveis de
escolarização, a fim de estimular a conscientização e a prevenção. Além
disso, ações e campanhas devem ser realizadas pelos governos
continuamente, com o objetivo de orientar aqueles que já não frequentam
instituições de ensino.
A história da síndrome ajuda a compreender por que ela se
tornou tão temida na sociedade. No início da epidemia, não se sabia qual
era o agente causador da misteriosa doença que estava levando pessoas
à morte. Nos hospitais, os pacientes apresentavam quadros clínicos
semelhantes: os óbitos eram causados por outras patologias,
oportunistas, após um colapso do sistema imunológico causado pela
enfermidade desconhecida. Em 1983, o vírus HIV foi identificado por
uma equipe de pesquisadores franceses e essa descoberta levou à

15
conclusão de que qualquer pessoa poderia se infectar, além de uma
delimitação precisa quanto às formas de transmissão - através do sexo
desprotegido, da transfusão de sangue, do compartilhamento de seringas,
de acidentes com objetos perfurocortantes, do parto e da amamentação.
Surgiu então a Aids, que se tornou a IST (Infecção Sexualmente
Transmissível) mais temida desde a sífilis. Conforme Jeolás (2007, p.
57), as duas doenças “[...] articularam o temor da morte e do contágio ao
tabu do sexo, formando uma tríade com forte enraizamento no
imaginário ocidental, alimentada pelos valores cristãos referentes à
sexualidade”.
Atualmente, a transfusão de sangue não é mais um risco,
devido ao rigor de análise dos materiais coletados. Assim, a transmissão
do HIV se dá por quatro vias: através do sexo desprotegido, do
compartilhamento de seringas, de acidentes com objetos
perfurocortantes e de mãe para filho no decorrer do parto ou da
amamentação. Os tratamentos, por sua vez, evoluíram: se, nos anos
1980, os medicamentos não eram eficazes e provocavam inúmeros
efeitos colaterais, a terapia atual é capaz de eliminar o vírus do sangue e
dos fluidos sexuais do paciente, tornando-o incapaz de infectar outras
pessoas através do sexo. Assim, considera-se que, com aulas de educação
sexual nas instituições de ensino, é possível conscientizar acerca de
práticas seguras e combater o preconceito contra pessoas que vivem com
o HIV. Este segundo item, no entanto, exige uma abordagem pedagógica
que vá além do científico, afinal, o preconceito implica uma profunda
carga emocional – conforme define Mezan (apud SILVA, 2003, p. 2),
preconceito “é o conjunto de crenças, atitudes e comportamentos que
consiste em atribuir a qualquer membro de determinado grupo humano
uma característica negativa, pelo simples fato de pertencer àquele grupo
[...]”.
Diante desse cenário e dos desafios atuais da educação,
delineia-se o problema norteador da pesquisa apresentada neste artigo:
como ensinar de modo eficaz e empático os conceitos e a história do
HIV/Aids a universitários? Como objetivo geral, reflete-se o conceito de

16
razão logopática em Cabrera (2006) como base de uma metodologia
capaz de aprofundar, por meio do estímulo à razão e à emoção, o
processo de ensino-aprendizagem de discentes acadêmicos. O objetivo
específico, por sua vez, baseia-se no relato da aplicação e dos resultados
do conceito tomado como método junto a um grupo de pesquisa formado
por estudantes de Jornalismo e Relações Públicas, na Universidade
Estadual de Londrina (UEL), durante o segundo semestre de 2018. Como
será visto a seguir, quando o professor faz uso do logos e do pathos, isto
é, dos aspectos racional e emocional, no conteúdo programático, os
alunos se veem implicados na conjuntura apresentada e, a partir disso,
demonstram interesse pelo tema, sentem-se estimulados para as leituras
e os debates em sala de aula e se tornam multiplicadores da
conscientização em outros espaços sociais.

Método
A metodologia logopática, baseada no conceito de razão
logopática em Cabrera (2006), direcionou a abordagem das definições e
da história relativas ao HIV/Aids nos encontros do grupo de pesquisa “A
práxis do webjornalismo na era da conectividade: modelos de mercado,
rotinas de redação e produtos de destaque”, durante o segundo semestre
de 2018, na Universidade Estadual de Londrina. Com coordenação do
professor Thiago Henrique Ramari, o grupo de pesquisa, composto por
alunos de Jornalismo e Relações Públicas da instituição, trabalhou a
temática do HIV/Aids a partir de referências bibliográficas e
cinematográficas para, ao longo de 2019, construir e lançar um site sobre
a síndrome para o público brasileiro. O objetivo da página na internet é,
além de apresentar informações atualizadas, oferecer acolhimento a
pessoas que vivem com o HIV e combater a sorofobia, isto é, o
preconceito contra soropositivos.
Cabrera pensou o conceito de razão logopática no âmbito da
Filosofia, expondo-o no livro O cinema pensa: uma introdução à
filosofia através dos filmes, cuja primeira edição brasileira saiu pela
editora Rocco em 2006. Trata-se, com efeito, de uma razão que, em vez

17
de se apoiar apenas em aspectos racionais (logos), considera e valoriza
também os aspectos emocionais (pathos) para o aprendizado. Nesse
contexto, o autor afirma que o cinema tem uma razão naturalmente
logopática, pois, além de permitir reflexões racionais, envolve os
espectadores em uma rede emocional que é, por si só, pedagógica. Em
uma análise aprofundada, defende que o cinema não é um produto de
entretenimento capaz apenas de emocionar a audiência: pelo contrário,
os filmes trazem uma articulação racional que considera o aspecto
emocional, este promovendo sempre uma redefinição daquele.
Importante sublinhar, essa característica não está atrelada à qualidade
dos filmes: obras alternativas, de baixo orçamento ou do gênero trash,
por exemplo, são capazes de provocar reflexões tão ou mais
contundentes do que aquelas multipremiadas em eventos de repercussão
mundial, como o Oscar, a Berlinale e o Festival de Cannes.
Para utilizar o conceito de razão logopática em prol dos
propósitos do grupo de pesquisa, foram necessários, no entanto, dois
deslocamentos: o primeiro, definindo-o como base de uma metodologia,
a fim de possibilitar a aplicabilidade pedagógica; e o segundo,
transferindo-o do campo de conhecimento da Filosofia para o da
Comunicação, mais especificamente o da Comunicação em Saúde. Com
base nesses ajustes, o coordenador do grupo de pesquisa selecionou
longas-metragens sobre HIV/Aids, que foram apreciados pelos
estudantes em suas respectivas casas e debatidos posteriormente em sala
de aula, com vistas à construção futura do site. Desse modo, na
concepção desta pesquisa, a metodologia logopática é aquela que utiliza
o cinema como ferramenta para o processo de ensino-aprendizagem,
considerando a apreciação de filmes adequados ao conteúdo
programático e a posterior discussão guiada em sala de aula, a fim de
entrelaçar reflexões racionais e emocionais e desenvolver, com isso,
habilidades cognitivas e empáticas nos participantes. Afinal, conforme
defende Cabrera (2006, p. 21, destaques do autor),
a racionalidade logopática do cinema muda a
estrutura habilmente aceita do saber, enquanto

18
definido apenas lógica ou intelectualmente. Saber
algo, do ponto de vista logopático, não consiste
somente em ter “informações”, mas também em
estar aberto a certo tipo de experiência e em aceitar
deixar-se afetar por uma coisa de dentro dela
mesma, em uma experiência vivida. De forma que
é preciso aceitar que parte deste saber não é dizível,
não pode ser transmitido àquele que, por um ou
outro motivo, não está em condições de ter as
experiências correspondentes.

Ao argumentar sobre a razão logopática do cinema, Cabrera


(2006, p. 20, destaques do autor) se ampara em filósofos que caracteriza
como “cinematográficos”, a exemplo de Schopenhauer, Nietzsche,
Kierkegaard, Heidegger etc, segundo os quais “[...] certas dimensões da
realidade (ou talvez toda ela) não podem simplesmente ser ditas e
articuladas logicamente para que sejam plenamente entendidas, mas
devem ser apresentadas sensivelmente, por meio de uma compreensão
‘logopática’”. Além de provocarem diversos impactos nos
interlocutores, as apresentações logopáticas alcançam “[...] certas
realidades que podem ser defendidas com pretensões de verdade
universal, sem se tratar, portanto, de meras ‘impressões’ psicológicas,
mas de experiências fundamentais ligadas à condição humana [...]”.
Assim, arremata o autor, o cinema tem um tipo peculiar de
universalidade, que é da ordem da Possibilidade, não da Necessidade:
isto significa que as situações filosóficas retratadas pelas obras fílmicas
não revelam algo que acontece necessariamente com todo mundo, mas
algo que poderia acontecer a qualquer um.
De acordo com Cabrera (2006), o entrelaçamento entre logos e
pathos só é possível devido à impressão de realidade proporcionada pelo
cinema. É por isso que mesmo os filmes mais fantasiosos, como aqueles
que se passam em um futuro ultratecnológico, são capazes de fazer com
que o espectador, pelo período médio de duas horas, esqueça dos
próprios problemas para viver aqueles dos personagens na tela – e é aí
que o aspecto emocional é explorado em profundidade. O autor aponta

19
ainda três técnicas cinematográficas que permitem essa relação
complexa entre impressão de realidade e razão logopática: a
pluriperspectiva, isto é, a capacidade de variar da primeira para a terceira
pessoa, explorando as subjetividades dos personagens; a manipulação
ilimitada de tempos e espaços em uma narrativa verossímil, assim como
se observa, a partir de diferentes mecanismos, nos sonhos e nos
pesadelos; e o corte cinematográfico, que conecta uma imagem à outra
coerentemente, estabelecendo também ritmos diversos.
Diante dos conceitos explicitados nesta seção e da
possibilidade de aplicação de uma metodologia logopática, avalia-se que
uma abordagem estritamente racional do HIV/Aids no grupo de pesquisa
seria insuficiente para contemplar os objetivos do site. Apesar de dar
conta das definições e do histórico da síndrome, uma postura apenas
científica reduziria (e talvez até anularia) o estímulo à implicação dos
estudantes no cenário epidemiológico brasileiro, ao trabalho de
acolhimento e aconselhamento pretendido e, mais largamente, ao
combate à sorofobia. O fato de o cinema apontar para uma universalidade
da Possibilidade delineia um caminho para que os alunos compreendam
sensivelmente o fato de que o vírus HIV pode infectar qualquer pessoa
que se submeta ou seja submetida a situações de risco,
independentemente de raça, religião, escolaridade, gênero, orientação
sexual e frequência de prática sexual – eles inclusos, evidentemente. Essa
percepção desmonta preconceitos há muito arraigados, que são, segundo
Jeolás (2007), alimentados por valores religiosos referentes à
sexualidade perpetuados de geração em geração.
Assim, propor e discutir com os alunos filmes que abordam
dignamente o dia a dia de personagens soropositivos, sejam eles fictícios
ou inspirados em pessoas vivas ou falecidas, é um meio de promover o
desenvolvimento da empatia e o aprofundamento do conhecimento sobre
a vida com HIV. Essa experiência fílmica, logopática em essência porque
não abdica de reflexões racionais, científicas e até filosóficas, capacita-
os para a realização de uma comunicação responsável, humanitária e
acolhedora, perfil pretendido para o site a ser lançado brevemente. Como

20
afirma Cabrera (2006, p. 16), “para se apropriar de um problema [...],
não é suficiente entendê-lo: também é preciso vivê-lo, senti-lo na pele,
dramatizá-lo, sofrê-lo, padecê-lo, sentir-se ameaçado por ele, sentir que
nossas bases habituais de sustentação são afetadas radicalmente”. Por
esse motivo, no projeto de pesquisa, optou-se por trabalhar com
referências bibliográficas e cinematográficas, a fim de estimular o
comportamento empático dos participantes, delineando uma
metodologia logopática.

Resultados principais e discussões


No primeiro encontro do grupo de pesquisa, realizado em 20
de junho de 2018, notou-se que, dentre os 12 estudantes participantes,
sete homens e cinco mulheres, todos com idades entre 20 e 30 anos, a
minoria sabia de fato sobre HIV/Aids. Enquanto os cinco acadêmicos
declaradamente homossexuais, todos do sexo masculino, demonstravam
conhecer as formas de contágio e prevenção, incluindo recursos recentes
como a Profilaxia Pré-Exposição (Prep) e a Profilaxia Pós-Exposição
(PEP), o restante reproduzia receios há muito ultrapassados, como a
possibilidade de contrair o vírus via beijo de língua. Entre os alunos
heterossexuais, percebeu-se também que nenhuma das mulheres havia
realizado o exame para detecção do HIV até então, desconhecendo,
portanto, o próprio status sorológico. Além disso, em um dado momento,
uma participante perguntou ao professor-coordenador se Aids tinha cura
– um questionamento considerado preocupante, uma vez que se trata de
uma doença epidêmica no Brasil, abordada pelos níveis anteriores de
educação e com campanhas regulares na mídia.
Diante desse cenário, aplicou-se a metodologia logopática para
a abordagem da história e dos conceitos relacionados ao HIV/Aids. O
professor-coordenador selecionou oito produções cinematográficas que
tratam sobre a síndrome a partir da perspectiva histórica e de personagens
os mais diversos (crianças, hemofílicos, dependentes químicos,
transfusionados e receptores de produtos derivados de sangue,
homossexuais masculinos adultos e heterossexuais femininos e

21
masculinos adultos). O objetivo, com essa seleção, foi destacar pontos
históricos e o fato de que qualquer pessoa pode contrair o vírus, caso se
submeta ou seja submetida a situações de risco, desconstruindo a noção
antiga de grupos de risco. Os filmes foram assistidos e debatidos em uma
ordem em que os três primeiros abordavam com mais ênfase os aspectos
históricos e os cinco últimos focavam em dramas particulares, alguns
baseados em fatos reais. Nas duas tabelas abaixo, apresentam-se os oito
filmes selecionados, de acordo com a ordem das discussões: na primeira,
com os dados de produção fílmica; e na segunda, com uma breve sinopse.

Filmes selecionados para os debates no grupo de pesquisa


Título País Ano Diretor
E a vida continua EUA 1993 Roger
Spottiswoode
120 batimentos por França 2017 Robin Campillo
minuto
The normal heart EUA 2014 Ryan Murphy
Filadélfia EUA 1993 Jonathan Demme
Clube de Compras EUA 2013 Jean-Marc Vallée
Dallas
A cura EUA 1995 Peter Horton
Yesterday África do Sul 2004 Darrell Rood
Angels in America EUA/Itália 2003 Mike Nichols

Sinopses dos filmes selecionados, com base no Internet Movie


Database (IMDb)
Título Sinopses
E a vida continua A história da descoberta da Aids e de
como os embates políticos internos
entre cientistas dificultaram uma ação
precoce contra a doença.

22
120 batimentos por minuto Grupo Act Up Paris exige, no início dos
anos 1990, ações do governo e das
empresas farmacêuticas para combater a
epidemia de Aids.
The normal heart Ativista homossexual luta para
conscientizar norte-americanos sobre
HIV e Aids no início da década de 1990.
Filadélfia Advogado demitido por ser soropositivo
leva empresa a julgamento com o
auxílio de um advogado homofóbico.
Clube de Compras Dallas Em 1985, eletricista diagnosticado com
Aids age à margem do sistema para
fornecer remédios a outros
soropositivos.
A cura Amizade leva os meninos Erik e Dexter,
este soropositivo, a viajar sozinhos em
busca de uma cura para a doença.
Yesterday Depois que descobre ser soropositiva,
Yesterday luta para viver o máximo
possível, a fim de ver a filha começar a
trajetória escolar.
Angels in America Dividido em oito episódios, o telefilme
mostra a crise da Aids nos anos 1980 a
partir de personagens separados, mas
conectados entre si.

Os longas-metragens foram debatidos durante encontros que


ocorreram entre 18 de julho e 26 de setembro de 2018. A atividade
proposta foi a seguinte: a cada semana, após a discussão do conteúdo
programado (ora sobre webjornalismo, ora sobre HIV/Aids, já que o
grupo de pesquisa lançará um site sobre a síndrome), de um a três alunos
deveriam conduzir uma discussão sobre o filme da vez, que todos já

23
tinham assistido como preparação para o encontro. Além de trazer
informações sobre a obra fílmica, os estudantes responsáveis podiam
destacar os pontos mais importantes em relação à doença e expressar as
impressões e sensações que tiveram em função do enredo. Os outros
acadêmicos, por sua vez, tinham a tarefa de participar ativamente do
debate, também ressaltando pontos do roteiro e sentimentos que
observaram durante a projeção. Ao professor cabia garantir a
organização durante a execução da atividade, referendar ou corrigir
informações, acrescentar dados relevantes e lançar questionamentos
provocativos.
O debate sobre cada longa-metragem durou, em média, uma
hora. Como resultados, observou-se que, com a aplicação da
metodologia logopática, alcançaram-se um aprofundamento do
conhecimento dos alunos em relação ao conteúdo relativo a HIV/Aids,
visto em aulas expositivas antes das discussões cinematográficas; e o
desenvolvimento de uma forte relação empática para com pessoas que
vivem com a síndrome. Em relação ao primeiro tópico, eles
compreenderam melhor uma realidade que, até então, não lhes era
familiar, devido à idade e também ao método de ensino tradicional nos
níveis anteriores: o início da crise provocada pelo HIV/Aids, com o
crescente número de mortes, com a eclosão do preconceito contra
determinados grupos e com os jogos de interesses entre cientistas,
governos e empresas farmacêuticas. Os filmes 120 batimentos por
minuto, E a vida continua e The normal heart apresentam retratos
contundentes desse período, juntamente de dados técnicos, aos quais os
acadêmicos não se sentiram indiferentes. No segundo tópico, eles
acompanharam histórias particulares, baseadas ou não em fatos reais, o
que lhes deu uma dimensão mais nítida do que é viver com uma síndrome
tão estigmatizada na sociedade. Assim, emocionaram-se e indignaram-
se com os dramas vividos por Andrew Beckett (Filadélfia), Dexter (A
Cura), Prior Walter e Roy Cohn (Angels in America), Ron Woodroof
(Clube de Compras Dallas) e Yesterday Khumalo (Yesterday). Vários

24
deles admitiram, durante os encontros, que choraram enquanto assistiam
aos filmes em casa.
Com a metodologia logopática baseada no cinema, foi
possível, por um lado, nivelar o conhecimento dos estudantes a respeito
do HIV/Aids, aprimorando e aprofundando o conteúdo visto nas aulas
expositivas; e, por outro lado, fez com que eles se tornassem defensores
das pessoas que vivem com a síndrome, questionando sistemas,
atendimentos e tratamentos. Se, no primeiro encontro, as mulheres
declararam que nunca haviam feito o exame para detecção do vírus e
outros manifestaram receio de beijar alguém sabidamente soropositivo,
com os debates houve mudanças: as alunas, por iniciativa própria,
realizaram o exame e passaram a cuidar melhor da própria vida sexual;
no segundo caso, os participantes compreenderam que tinham medos
infundados e se sentiram seguros para revelar que, caso se apaixonassem
por alguém que vive com o HIV, manteriam relacionamentos
sorodiferentes. Eles também passaram a olhar criticamente o tratamento
dado pela imprensa às notícias relacionadas à área, que nem sempre é
isenta de preconceito, reforçando muitas vezes estereótipos já superados,
como o da existência de grupos de risco.
Após o fim do ciclo cinematográfico, os participantes
conversaram, por duas horas, com o médico Erick Leonardo Naiverth
Antonechen, em 3 de outubro de 2018. O objetivo desse encontro foi
permitir que, com base em tudo o que haviam aprendido com as aulas
expositivas e com os filmes e respectivos debates, eles pudessem
esclarecer dúvidas que, porventura, ainda persistissem. Ficou evidente,
durante esse bate-papo, que os alunos passaram a se preocupar com o
bem-estar das pessoas que vivem com HIV e com a qualidade do
tratamento oferecido gratuitamente pelo governo, defendendo um
atendimento que seja digno e respeitoso. Eles também questionaram,
entre outros pontos, sobre a premissa científica divulgada nos últimos
anos pelo movimento conhecido como Undetectable = Untransmittable
(Indetectável = Intransmissível), abordada durante as aulas expositivas e
os debates: a de que soropositivos em tratamento e com carga viral

25
indetectável há pelos menos seis meses são incapazes de transmitir o
vírus durante práticas sexuais, mesmo que não haja uso de preservativo.
Com as aulas, os filmes, os debates e o bate-papo com o profissional de
saúde, sedimentou-se um conhecimento que, acredita-se, será de grande
utilidade para o site a ser lançado em 2019.
Como se pode observar diante dos resultados, a metodologia
logopática valorizou tanto os elementos racionais, como os elementos
emocionais, garantindo conhecimento científico e desenvolvendo
relações empáticas frente às questões postas pelo HIV/Aids. Defende-se,
com isso, que o processo de ensino-aprendizagem, em qualquer nível de
educação, não se restrinja aos dados científicos, pois, apesar de
proporcionar conhecimento, não estimula necessariamente posturas
cidadãs diante da realidade social, ainda permeada de exclusões e
preconceitos. Para os objetivos do site a ser lançado, a formação cidadã
é condição sine qua non: os participantes precisam compreender os
dramas vividos por pessoas soropositivas a fim de lhes oferecer
acolhimento e informações adequados – o que só é possível com a
estimulação dos aspectos páticos. Como diz Cabrera (2006, p. 39-40), o
cinema talvez mostre como é superficial “[...] argumentar
indefinidamente, com conceitos-idéia somente lógicos, em favor ou
contra certos assuntos (como guerra ou racismo) em vez de, por uma
conceitualização sensível adequada, fazer sentir o absurdo da guerra ou
do racismo [...]”. Entendemos que, dentre os assuntos que precisam ser
tratados logopaticamente, está o HIV/Aids, uma vez que, devido aos
preconceitos que sustentam a sorofobia, a exclusão social ainda é uma
realidade lamentável.

Considerações finais
A experiência com a metodologia logopática, baseada no
conceito de razão logopática em Cabrera (2006), junto ao grupo de
pesquisa “A práxis do webjornalismo na era da conectividade: modelos
de mercado, rotinas de redação e produtos de destaque”, demonstra que
os processos de ensino-aprendizagem podem ser otimizados com a

26
exploração de aspectos páticos, isto é, emocionais, além daqueles de
ordem científica. Com essa metodologia, conteúdos de indubitável
relevância para a conscientização e para a construção de uma sociedade
mais inclusiva e igualitária, como aqueles que abordam as crueldades do
racismo, da homofobia, do machismo, da xenofobia e, destaca-se, da
sorofobia, são tratados através de um prisma que vai além do científico
e alcança a esfera cidadã. Assim, acredita-se que apenas com
movimentos dessa ordem, estendidos em direção à vida em sociedade, as
injustiças poderão ser combatidas com mais vigor por aqueles que,
atualmente, sentam-se em carteiras escolares. Afinal, conforme pontua
Cabrera (2006, p. 16-17), se não for assim, “[...] mesmo quando
‘entendemos’ plenamente o enunciado objetivo do problema, não
teremos nos apropriado dele e não teremos realmente entendido”. O
desenvolvimento da capacidade empática para com o outro e para
consigo próprio, defende-se, é condição fundamental para a formação de
cidadãos conscientes e é algo que pode ser trabalhado e estimulado
dentro de sala de aula.
No início dos trabalhos do grupo de pesquisa, notou-se que
muitos alunos sabiam pouco sobre HIV/Aids. A despeito de todo o
esforço educacional e governamental para se conscientizar a população
a respeito da síndrome, supõe-se que esse cenário deriva, entre outros
fatores, de práticas educacionais focadas apenas em dados e conduzidas
em meio a vários problemas e carências, dificultando a assimilação do
conteúdo pelos estudantes e ignorando as questões sociais relacionadas.
Desse modo, compreende-se por que alunos chegam ao ensino superior
sem nunca ter feito exames para detecção de HIV e, ainda mais
preocupante, sem saber se Aids tem cura. Com a metodologia logopática
baseada no cinema, encontrou-se um caminho para resultados efetivos
entre os alunos, aprofundando o conteúdo científico e desenvolvendo a
postura cidadã ao mesmo tempo. No grupo de pesquisa, o conhecimento
sobre HIV/Aids foi nivelado e atualizado e os participantes passaram a
se preocupar com o bem-estar daqueles que vivem com síndrome. Este é

27
o resultado que se considera ideal e que, acredita-se, contribuirá para a
construção de um site útil para a população brasileira em 2019.
Evidentemente, para a adoção da metodologia logopática em
sistemas diferentes do de um grupo de pesquisa universitário, são
necessárias adaptações nas dinâmicas e nos planos de ensino. Nos
calendários do ensino médio, por exemplo, os professores costumam ter
pouco tempo para trabalhar cada conteúdo, o que resulta em lacunas no
processo de ensino-aprendizagem. Assim, as direções pedagógicas e as
secretarias de Educação têm o desafio de repensar o trabalho realizado,
com o objetivo de garantir não apenas a assimilação do conteúdo, mas
também a formação de cidadãos preocupados com questões sociais. No
âmbito do HIV/Aids, um trabalho com esse enfoque é preventivo e social
ao mesmo tempo, pois os alunos visualizam a importância de adotar
práticas seguras e de defender os direitos daqueles que precisam. Afinal,
não é necessário viver com o vírus HIV para se combater a sorofobia:
defende-se que a educação eficiente é aquela que estimula todos a
lutarem pelos direitos de todos.

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Imovision, 2017. 1 DVD (144 min).

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<https://makingoff.org/forum/index.php?showtopic=13709 >. Acesso
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Disponível em:
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em: 05 fev. 2019.

CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através


dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

28
CLUBE de Compras Dallas. Direção: Jean-Marc Vallée. Estados
Unidos: Focus Features, Truth Entertainment, 2013. 1 DVD (117 min).

FILADÉLFIA. Direção: Jonathan Demme. Estados Unidos: TriStar


Pictures, 1993. 1 DVD (128 min).

E A VIDA continua. Direção: Roger Spottiswoode. Drama, 141”.


Disponível em:
<https://makingoff.org/forum//index.php?showtopic=53329>. Acesso
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Disponível em:
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. A cura. Disponível em:


<https://www.imdb.com/title/tt0112757/?ref_=nv_sr_3>. Acesso em:
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<https://www.imdb.com/title/tt0790636/?ref_=nv_sr_1>. Acesso em:
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<https://www.imdb.com/title/tt0107818/?ref_=fn_al_tt_1>. Acesso em:
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29
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<https://www.imdb.com/title/tt0419279/?ref_=fn_al_tt_2>. Acesso em:
05 fev. 2019.

JEOLÁS, Leila Sollberger. Risco e prazer: os jovens e o imaginário da


aids. Londrina, PR: Eduel, 2007.

SILVA, Sérgio Gomes da. Preconceito no Brasil contemporâneo: as


pequenas diferenças na constituição das subjetividades. Psicologia,
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SOARES, Marcelo. A Aids. São Paulo: Publifolha, 2001.

SONTAG, Susan. Aids e suas metáforas. São Paulo: Companhia das


Letras, 1989.

THE ARCHIVE for Research in Archetypical Symbolism. O livro dos


símbolos: reflexões sobre imagens arquetípicas. Köln: Taschen, 2012.

THE NORMAL heart. Direção: Ryan Murphy. Drama, 133”.


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UNAIDS. Estatísticas globais sobre HIV 2017. 2018. Disponível em:


<https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2018/07/2018_07_17_Fact-
Sheet_miles-to-go.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2018.

YESTERDAY. Direção: Darrell Rood. Drama, 98”. Disponível em:


<https://makingoff.org/forum/index.php?showtopic=18591>. Acesso
em: 05 fev. 2019.

30
A PRÁTICA DE ENSINO DE SOCIOLOGIA
NO COMBATE À LGBTFOBIA E NO
DEBATE SOBRE DIVERSIDADE SEXUAL
Marina Pedersen
(Universidade Estadual Paulista/Marília)
Eva Aparecida Silva
(Universidade Estadual Paulista/Araraquara)

Partindo da articulação entre teorias, conceitos e temas como princípio


metodológico no ensino de Sociologia, este artigo apresenta uma
experiência de prática de ensino de Sociologia na abordagem da
diversidade sexual e sexualidade, com alunos de primeiros e terceiros
anos do ensino médio, numa escola estadual de Araraquara/SP.
Inicialmente fez-se um mapeamento do perfil identitário e sociocultural
desses alunos, através da aplicação de um questionário que tangenciava
as temáticas que envolvem as relações raciais, de gênero e de orientação
sexual. Com as respostas às questões sobre orientação sexual, que
informam que grande parte dos alunos se identifica como heterossexual,
o que enfatiza a predominância da heteronormatividade, foi realizada
uma sondagem sobre os conhecimentos e as experiências que os alunos
previamente já possuem acerca de diversidade sexual e sexualidade, por
meio de situações-problema representativas de fatos cotidianos, ao
mesmo tempo em que, durante as aulas, eram feitas as abordagens
teórico-conceituais. Ao final das atividades propostas, notou-se uma
maior compreensão dos alunos sobre os significados dos termos
homossexual, bissexual, transexual, etc, o percurso da luta pela conquista
de direitos e sua dimensão legal, as controversas e intolerâncias ainda
existentes, as quais têm impacto direto na vida de sujeitos LGBT e nas
relações sociais.
Palavras-chave: ensino de Sociologia. ensino médio. diversidade sexual

31
THE TEACHING OF SOCIOLOGY AS A MANNER TO TACKLE LGBT
DISCRIMINATION AND DEBATE ABOUT SEXUAL DIVERSITY.

Based on the articulation between theories, concepts and themes as a


methodological principle in the teaching of Sociology, this article
presents an experience of teaching Sociology in the approach to sexual
diversity and sexuality, with first and third year high school students in
a state school of Araraquara / SP. Initially a mapping of the identitary
and sociocultural profile of these students was carried out, through the
application of a questionnaire that touched on the themes that involve
race relations, gender and sexual orientation. With answers to questions
about sexual orientation, which report that most students identify as
heterosexual, which emphasizes the predominance of heteronormativity,
a survey was made on the knowledge and experiences that students
previously have about sexual diversity and sexuality, by means of
problem situations representative of everyday facts, while at the same
time theoretical-conceptual approaches were made during classes. At the
end of the proposed activities, students were better understood about the
meanings of the terms homosexual, bisexual, transsexual, etc., the course
of the struggle for the conquest of rights and their legal dimension, the
controversies and intolerances that still exist, the which have a direct
impact on the life of LGBT subjects and on social relationships.
Key words:teaching sociology. high school. sexual diversity

Enquadramento teórico.
Aqui é apresentada uma experiência de prática de ensino de
Sociologia desenvolvida a partir da temática que envolve diversidade
sexual e sexualidade, no âmbito do PIBID - Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência, em particular no subprojeto da UNESP,
PIBID Ciências Sociais.
Esse subprojeto teve como objetivo aproximar o (a) licenciando
(a) de Ciências Sociais da prática de ensino de Sociologia, em suas
metodologias e recursos didático-pedagógicos (filmes, charges, textos
jornalísticos, obras de arte, etc), e, a partir dos diversos temas propostos

32
para o currículo do ensino médio, promover o exercício que deve
articular teorias, conceitos e temas. Neste caso, os temas de referência,
entre os muitos possíveis para as Ciências Sociais na disciplina de
Sociologia, foram relações raciais, de gênero e orientação sexual, em
virtude das demandas da escola.
Segundo relatos da coordenação pedagógica são cotidianos os
casos de discriminação racial, machismo e LGBTfobia, principalmente
na relação aluno-aluno. Para essa última discriminação foi mencionada
a presença de um aluno transexual, que, entre outras situações,
vivenciava dificuldades no uso do banheiro.
A proposta desenvolvida pelo PIBID Ciências Sociais foi
organizada em quatro módulos temáticos, distribuídos ao longo do ano
letivo, quais sejam: 1) Igualdade, diferenças e desigualdade 2) Gênero 3)
Racismo – origem e repercussões 4) Diversidade sexual e Sexualidade.
Neste trabalho nos dedicaremos ao relato e impressões sobre o
quarto módulo, que abordou a diversidade sexual, tomando como
referência alguns conceitos, tais como homossexualidade,
heterossexualidade, bissexualidade, transexualidade, identidades de
gênero, etc., de forma a desconstruir estereótipos desvalorizativos e
posturas LGBTfóbicas.
Na tentativa de articular teorias, conceitos e temas como
princípio metodológico no ensino de Sociologia, para a abordagem da
diversidade sexual e sexualidade realizou-se um mapeamento do perfil
identitário e sociocultural dos alunos dos primeiros e terceiros anos do
ensino médio de uma escola estadual de Araraquara, através da aplicação
de um questionário anônimo e facultativo. O objetivo era conhecer os
alunos e poder traçar um perfil dos mesmos. Para isso, as perguntas, em
sua maioria, tangiam as temáticas abordadas no subprojeto, como
autoidentificação racial, de gênero e de orientação sexual2. Também

2
No tocante à orientação sexual as opções presentes no questionário
eram: heterossexual - pessoa que sente atração física, sexual e afetiva por
pessoas do gênero oposto; homossexual - pessoa que sente atração por pessoas

33
foram realizadas perguntas sobre a relação dos alunos com o ambiente
escolar e sobre seus perfis de atividades extracurriculares.
Através das respostas obtidas foi possível a realização de um
banco de dados, que conta com 50 respostas de alunos dos primeiros anos
e 73 respostas dos alunos dos terceiros anos.
Nos gráficos3 a seguir podemos observar, separados por
primeiros ou terceiros, alguns resultados:

do mesmo gênero; e bissexuais - pessoas que sentem atração por ambos os


gêneros. A resposta pansexual foi livremente incluída pela pessoa que
respondeu o questionário. A pansexualidade é normalmente definida como
atração independente do gênero da pessoa, fugindo do binômio homem e
mulher. Pode ser entendida enquanto uma sexualidade inclusiva com pessoas
transexuais.
3
Todos os gráficos foram elaborados pelas autoras.

34
Os números evidenciam que, entre todos os alunos que
responderam o questionário, a maior parte se identifica como
heterossexual, sendo bissexual a segunda orientação sexual tanto para os
alunos dos primeiros quanto para os dos terceiros anos.
O fato de a heterossexualidade se mostrar como sexualidade
predominante não é uma mera coincidência ou acaso, pois ela é social e
historicamente construída em nossa sociedade. E, quando ganha o status
de normal e esperada, a heterossexualidade é normatizada: é natural ser
heterossexual, logo, qualquer manifestação que se distinga é anormal,
inaceitável – desta forma, ao mesmo tempo em que se positiva a

35
heterossexualidade, que é considerada normal, as outras formas de
sexualidade e orientação sexual são estigmatizadas4:

Os que supostamente “fogem” à norma são


necessários a ela, para demarcar seus limites, suas
possibilidades e penalidades. Ninguém está fora da
norma, embora possa estar em situação de
confronto com ela, pois só conseguimos estabelecer
o que é normal e desejável (por exemplo, o aluno
heterossexual) se tivermos em mente o que não é
normal nem desejável (o aluno homossexual).
(SEFFNER, 2013, p. 157)

A medida classificadora advém da heteronormatividade, uma


“[...] norma que articula as noções de gênero e sexualidade,
estabelecendo como natural certa coerência entre sexo (nasceu macho,
nasceu fêmea), gênero (tornou-se homem, tornou-se mulher) e
orientação sexual (se é um homem, irá manifestar interesse afetivo e
sexual por mulheres, e vice-versa.)” (SEFFNER, 2013, p. 150.)
Heteronormatividade é, portanto, o termo utilizado para sinalizar a
heterossexualidade como norma a ser seguida, como padrão social e
comportamento esperado.
Seffner (2013) coloca a identidade e a diferença como bases da
heteronormatividade, uma vez que vai agir nas concepções de gênero e
de sexualidade, de forma que a premissa é a de que se a pessoa é um
homem demonstrará interesse por mulheres, e se é uma mulher
demonstrará interesse por homens.

4
Erving Goffman realizou um estudo em torno do estigma (2015), no
qual ele explora suas origens históricas - de ser definido por uma marca física
que indicava o status moral e social de pessoas que deveriam ser evitadas - e o
transforma de uma perspectiva física para uma perspectiva sociológica. O
estigma então passa a ser entendido enquanto uma marca social, que demarca
quais pessoas devem ser evitadas na sociedade, em detrimento das que são
normais. Entre os exemplos de portadores de estigma Goffman diz das pessoas
homossexuais.

36
Constituindo-se a escola como um espaço sociocultural, repleta
de sujeitos socioculturais (negros, brancos, mulheres, homens,
heterossexuais, homossexuais...) em constante relação social, é nela que
muitos alunos experimentam boa parte de suas vidas afetivas, colocando-
a como um terreno de experimentações e expressões da diversidade de
orientações sexuais, e também das maneiras de ser homem e ser mulher
(SEFFNER, 2013.).
Logo, se ela é um espaço de expressão da sexualidade e a
sexualidade dada como norma é a heterossexual, outras formas de
sexualidade encontram desafios em serem demonstradas. Já que a norma
está presente nas práticas do cotidiano e em todos os espaços do ambiente
escolar, o heterossexismo e a homofobia também estão, seja de maneira
sorrateira ou de maneira ostensiva (JUNQUEIRA, 2012.), se
manifestando

[...] no livro didático, nas concepções de currículo,


nos conteúdos heterocêntricos, nas relações
pedagógicas normalizadoras. Explicitam-se na
hora da chamada (no furor em torno do número 24,
mas, sobretudo, na recusa de se chamar a estudante
travesti pelo seu “nome social”), nas brincadeiras e
nas piadas consideradas inofensivas e usadas
inclusive como instrumento didático. Estão nos
bilhetinhos, carteiras, quadras, banheiros, na
dificuldade de ter acesso ao banheiro. Afloram nas
salas dos professores, nos conselhos de classe, nas
reuniões de pais e mestres. Motivam brigas no
intervalo e no final das aulas. Estão nas rotinas de
ameaças, intimidação, chacotas, moléstias,
humilhações, tormentas, degradação,
marginalização, exclusão etc. (JUNQUEIRA,
2012, p. 06).

Sendo impossível deixar as questões tocantes à sexualidade fora


da sala de aula e da escola, nosso objetivo é pensar a amplitude da
diversidade sexual e de gênero, e suas construções históricas,

37
demonstrando as diferenças entre elas e sua importância no mundo
contemporâneo, como essas questões permeiam a vida dos estudantes em
todos os âmbitos e a necessidade de entendê-los para respeitar a
diversidade.

O relato de experiência
No módulo em que foram abordadas diversidade sexual e
sexualidade buscamos elaborar aulas e intervenções que pudessem fugir
do modelo tradicional de ensino - dessa forma optamos por atividades
dinâmicas, jogos, recursos audiovisuais, relacionamos esse conteúdo
com notícias e situações ocorridas na região do município de Araraquara
e no mundo. Ao articular teorias e conceitos com o trabalhado, pudemos
conectá-los à realidade dos nossos alunos e da escola, dando maior
dinamicidade às nossas aulas.
Através desta proposta, os bolsistas/licenciandos participantes
puderam ter a experiência prática de que a atividade docente não se limita
- e tampouco se inicia - dentro da sala de aula. Foram meses de preparo,
durante os quais lemos e pesquisamos sobre as temáticas que nos cabiam,
para então iniciarmos os processos de construção da aula a ser aplicada
na escola, processos esses que envolvem a preocupação com a
metodologia, materiais didáticos, elaboração de atividades e avaliações,
buscando por práticas que fujam do modelo tradicional de aula
expositiva, o que possibilita instigar nossos alunos para as temáticas
expostas e para o aprendizado de Sociologia.
Para introdução dos temos expostos foi proposta uma atividade
baseada em situações-problema, bem como a realização de um trabalho
primário de sondagem dos conhecimentos e das experiências que os
alunos previamente já possuem sobre diversidade sexual e sexualidade.
As situações-problema colocadas na lousa objetivaram estimular que os
alunos as imaginassem e dessem suas opiniões sobre elas, tendo como
referência personagens imaginários, sem revelar seus gêneros e
sexualidades. O intuito também foi mostrar para os alunos que a
heteronormatividade está introjetada como nossas categorias de análise

38
e nosso imaginário, já que sempre que tentassem resolver as situações
pensariam em pessoas heterossexuais.
Para ilustrar melhor a atividade realizada damos exemplos de
situações colocadas para os alunos: “No final dos anos 2000, um casal se
une em união civil, têm um filho e, alguns anos depois, uma das pessoas
do casal morre. A outra encontra dificuldades: não consegue a guarda do
filho e não consegue o direito a ficar com os bens que adquiriram durante
a relação. Por que isso aconteceu?”; “Uma pessoa doa seu sangue,
porém, ele é descartado. Por que isso aconteceu?”. Nota-se que foi
tomado o cuidado de evitar as palavras que denunciassem o gênero das
pessoas em questão, buscando sempre a “neutralidade”.5
A partir disso, os alunos foram motivados a discutir as hipóteses
de resolução do problema, e, na maioria das vezes, as respostas dadas
por eles foram anotadas na lousa e nelas não levavam em consideração a
sexualidade das personagens, mas sim outros fatores como doenças,
modificações corporais, uso de drogas (na situação da doação de sangue)
ou problemas com a justiça e brigas familiares (na situação da morte de
uma das pessoas do casal).
Foram poucas as vezes que os alunos consideravam a hipótese
das personagens não serem heterossexuais e esse ser um aspecto
relevante para as situações colocadas. Mas isso não foi um obstáculo no
aplicar a atividade, pelo contrário, já que o objetivo era mostrar, na
prática, que, ao pensarmos em um casal ou em uma pessoa, sempre
tendemos a pensar em casais e pessoas heterossexuais, e isso se dá
porque nosso imaginário, construído socio-historicamente, o discurso
religioso, o discurso midiático e normativo, com os quais estamos
constantemente em contato, estão submetidos e subjugados pela
heteronormatividade.
Alguns outros recursos didáticos foram utilizados para auxiliar
nos debates que se iniciavam após as situações-problema, como

5
Todas as situações-problema foram elaboradas pelos
alunos/licenciandos/bolsistas PIBID Ciências Sociais.

39
quadrinhos, vídeos e exposições teóricas feitas pelos bolsistas PIBID
Ciências Sociais. Desta forma foi possível dialogar sobre a doação de
sangue por homossexuais6, o casamento igualitário7, as lutas por direitos
da população LGBT e das mulheres, a representatividade na mídia, a
patologização da homossexualidade8 e da transexualidade9.
Nas semanas que antecederam as aulas em questão dois
acontecimentos externos foram importantes, e eles foram apontados por
alunos em todas as salas, contribuindo para as nossas discussões. O
primeiro deles foi a presença de uma personagem transexual em uma
novela exibida em televisão aberta. A personagem em questão nasceu
biologicamente mulher, mas no decorrer de sua vida identificou-se com
a identidade de gênero masculina e passou a viver conforme a mesma,

6
Segundo a Portaria Nº 5 do Ministério da Saúde, que consolida as
normas sobre as ações e serviços de saúde do SUS, no seu Artigo nº 64, fica
estabelecido quem não pode doar sangue pelo período de 12 meses, e consta
entre eles “IV - homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou
as parceiras sexuais destes;”. Contudo, na mesma Portaria, no Art. 2º, § 3º, fica
estabelecido que “Os serviços de hemoterapia promoverão a melhoria da
atenção e acolhimento aos candidatos à doação, realizando a triagem clínica com
vistas à segurança do receptor, porém com isenção de manifestações de juízo de
valor, preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero,
hábitos de vida, atividade profissional, condição socioeconômica, cor ou etnia,
dentre outras, sem prejuízo à segurança do receptor.” Disponível em:
<http://www.prosangue.sp.gov.br/uploads/legislacao/Portaria5.pdf> (Acesso
em Abril de 2018.)
7
No ano de 2013, o Conselho Nacional de Justiça vedou a recusa de
celebração de casamento civil ou conversão de união estável em casamento entre
pessoas do mesmo sexo. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/images/resol_gp_175_2013.pdf> Acesso em Abril de
2018.
8
Foi somente no ano de 1990 que a Organização Mundial da Saúde
retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID).
Cinco anos antes a homossexualidade foi retirada da condição de desvio sexual
pelo Conselho Federal de Medicina do Brasil.
9
A transexualidade ainda é considerada um distúrbio pela CID.
Disponível em: <http://www.icd9data.com/2015/Volume1/290-319/300-
316/302/302.5.htm> Acesso em Abril de 2018.

40
logo, passou-se a se identificar enquanto um homem transexual - essa
questão foi trazida pelos alunos em todas as salas de aula, muitas vezes
foi o exemplo usado para explicar aos colegas que ainda não tinham
compreendido a transexualidade, ou então a diferença entre orientação
sexual e identidade de gênero.
O segundo, infelizmente, não foi obra de ficção: o juiz federal
Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal, tomou decisão em
caráter liminar de suspender a Resolução Nº 001/9910 do Conselho
Federal de Psicologia (CFP), que estabelece as normas de atuação dos
psicólogos em relação às questões de orientação sexual. A suspensão da
mesma abriria espaço para que psicólogos exercessem tratamentos e
pesquisas de reorientação sexual em seus pacientes.
Entre as considerações previstas na citada Resolução, colocou-
se que a sexualidade é parte da identidade dos sujeitos e deve ser
compreendida em sua totalidade, assim como a homossexualidade não é
uma doença, distúrbio ou perversão. Algumas considerações sobre o
papel da Psicologia e do psicólogo frente a essas questões também são
explicitadas, tais como a de que “(...) há, na sociedade, uma inquietação
em torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida
socioculturalmente” (CRP, Resolução Nº 001/99) e de que “(...) é papel
da Psicologia contribuir para os esclarecimentos sobre a sexualidade, de
forma a permitir a superação do preconceito e da discriminação”. O que
ficou então resolvido: o profissional não pode patologizar a
homossexualidade, tampouco colaborar com serviços e eventos que
proponham tratamento/cura para a homossexualidade.
Ambas as questões foram trazidas pelos alunos como forma de
contribuir com o debate e expressar suas opiniões sobre o assunto:
majoritariamente se colocaram contra a decisão do juiz, criticando-a e

10
Resolução do CFP Nº 001/99. Disponível em:
<http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf>
Acesso em Abril de 2018.

41
colocando em pauta que a homossexualidade não é uma escolha e que a
homofobia deve ser combatida. Contudo, quando discutiam sobre
transexualidade e o caso da novela, muitos se mostravam confusos e
sentiam dificuldade em diferenciar identidade de gênero de orientação
sexual. Este, que era um dos nossos objetivos enquanto professores, não
foi ao todo atingido, visto que alguns alunos ao final das aulas ainda não
conseguiam fazer a diferenciação com clareza, o que diz de temas
complexos. Este fato não foi encarado por nós como uma derrota ou
falha, já que no geral os debates foram produtivos.
Outras intervenções foram feitas pelos alunos no decorrer das
atividades através de seus relatos pessoais. Durante as aulas foi
perceptível o envolvimento emocional de alunas e alunos LGBT ou
sensíveis à causa, com teor às vezes de desabafo, às vezes de denúncia,
à medida que relataram acontecimentos de suas vivências dentro e fora
da escola, sendo elas, em grande parcela, situações de preconceito,
intolerância e violência.
Finalizadas nossas aulas, aproveitamos a ocasião de uma semana
cultural na escola para organizarmos uma mostra dos trabalhos
realizados pelo PIBID ao longo do ano. Para isso, pedimos que os alunos
realizassem uma investigação sobre cientistas mulheres e LGBT,
apontando a importância de suas pesquisas e descobertas, bem como a
representatividade desses grupos dentro da ciência, que ainda se mostra
um ambiente hostil, machista, homofóbico e racista.
Com o resultado dos trabalhos realizados pelos alunos foi
possível a organização de uma exposição com cartazes que também
continham fragmentos/frases/relatos orientados pelo questionamento -
“O que eu aprendi com o PIBID?” - tangenciando as temáticas raciais,
de gênero e de sexualidade.

Considerações finais
Ao final das atividades desenvolvidas para tratar sobre a
temática da diversidade sexual e sexualidade constatou-se a importância
dessa abordagem frente ao desconhecimento dos alunos, ou da maioria

42
deles, acerca das identidades de gênero e seus significados, embora
muitos desses alunos já tinham ouvido a menção, no cotidiano das
relações sociais, a terminologias como heterossexualidade,
homossexualidade, bissexualidade, transexualidade.
Por outro lado, o contato com esse tema provoca nos alunos a
curiosidade, a possibilidade de esclarecer dúvidas, compartilhar
experiências e construir um conhecimento específico. Conhecimento não
elaborado como proposta do currículo escolar.
Quando observamos os conteúdos presentes nas disciplinas das
Ciências Humanas, em especial a Sociologia, percebemos que a
diversidade sexual e a sexualidade não se fazem temas selecionados para
o ensino médio. Elas aparecem nos Cadernos de Sociologia, material
didático implementado pela Secretaria Estadual de Educação de São
Paulo, como parte do Programa São Paulo Faz Escola, apenas como
ilustração e exemplificação ao tratar sobre Movimentos Sociais.
Sendo assim, as atividades desenvolvidas pelo PIBID Ciências
Sociais vieram preencher uma lacuna no currículo escolar do ensino
médio, na disciplina Sociologia, ainda que numa escola e com sete
turmas (cinco primeiros e dois terceiros anos), com uma média de trinta
e cinco alunos, nos anos de 2016 e 2017, totalizando por volta de
quinhentos alunos atendidos.
Sem contar que essa lacuna também é representativa do não
reconhecimento da diversidade sociocultural que caracteriza alunos,
professores e a sociedade brasileira, que, uma vez não reconhecida e
valorizada, pode promover relações e situações de discriminação e
exclusão social, tais como as diariamente produzidas e reproduzidas.

Referências
CARRARA, Sérgio; HEILBORN, Maria Luiza; ROHDEN, Fabíola;
ARAÚJO, Leila; e BARRETO, Andreia. (org.) Gênero e diversidade
na escola: formação de professoras/es em Gênero, Sexualidade,
Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Caderno de atividades.

43
Rio de Janeiro: CEPESC, 2009. Disponivel em: <http://www.e-
clam.org/downloads/Caderno-de-Atividades-GDE2010.pdf> Acesso: agosto
de 2017.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução Nº 001/1999.


Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf > Acesso em Abril de 2018.

DINIS, Nilson Fernandes. Homofobia e educação: quando a omissão


também é signo de violência. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n.
39, p. 39-50, jan./abr. 2011. Editora UFPR

GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da


Identidade Deteriorada. 4ª Edição. Rio de Janeiro: LTC, 2015.

JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Pedagogia do armário e currículo em


ação: heteronormatividade, heterossexismo e homofobia no cotidiano
escolar. In: MILSKOLCI, Richard (Org.). Discursos fora da Ordem:
deslocamentos, reinvenções e direitos. São Paulo: Annablume, 2012.

SEFFNER, Fernando. Sigam-me os bons: apuros e aflições nos


enfrentamentos ao regime da heteronormatividade no espaço escolar.
Educ. Pesqui.; São Paulo, v. 39, n.1, p. 145-159, jan./mar. 2013.

44
ENTRE GAROTAS: UM PROJETO DE
EMPODERAMENTO FEMININO NA ESCOLA

Isadora de Freitas Oliveira


(Secretaria de Educação do Distrito Federal)

Muitas transformações sociais vêm acontecendo no campo da


sexualidade. A escola é local privilegiado nesse debate. Promover a
educação sexual é fundamental no combate às violências e no
entendimento do próprio corpo. Há uma grande demanda em relação a
esses conteúdos. As meninas são as principais vítimas da falta de diálogo.
Espaços femininos onde ocorra a troca de experiências são raros. A
violência doméstica e os abusos sexuais são realidades em diversos
contextos. O projeto nasce com o objetivo de contribuir para a
transformação desse cenário, funcionando como um primeiro passo no
empoderamento dessas garotas. Os temas abordados são: objetivos e
expectativas; relações de gênero e feminismo; corpo feminino e
sexualidade; padrões de beleza e auto-estima; relacionamentos; assédio;
sororidade. Diversas metodologias são empregadas, buscando criar um
ambiente acolhedor, onde elas possam partilhar vivências e se fortalecer.
As alunas envolvidas demonstraram ao fim do curso posturas mais
empoderadas, na aceitação do próprio corpo, frente a situações de
assédio e na busca por sororidade. Promover a socialização de
experiências é fundamental para romper com a cultura do estupro. Propor
espaços femininos, possibilitar a reflexão sobre o que é o assédio e
violência sexual, desenvolver a empatia entre mulheres e pregar a
sororidade são os objetivos básicos.
Palavras-chave: empoderamento feminino; educação sexual;
prevenção; sororidade; assédio

BETWEEN GIRLS - A SCHOOL PROJECT OF WOMEN'S


EMPOWERMENT

45
The field of sexuality has experienced many social transformations. The
school is a privileged place in this debate. Promoting sex education is
essential to fighting sexual violence and in understanding one's own
body. There is a big demand in relation to these contents. In this context,
girls are the main victims of a lack of dialogue. Women's spaces where
experience is exchanged are rare. Domestic violence and sexual abuse
are realities in many contexts. This project is born with the objective of
contributing to the transformation of this scenario, functioning as a first
step in the empowerment of these girls. The topics covered are:
objectives and expectations; gender stereotypes and feminism; female
body and sexuality; standards of beauty and self-esteem; relationships;
harassment; sorority. Several methodologies are employed, aiming at
creating a welcoming environment, where they can share experiences
and strengthen themselves. By the end of the course, the students
involved have demonstrated a more empowered posture on their day-to-
day lives, their acceptance of their own bodies and in the development of
their self-stem. Promoting the socialization of experiences is
fundamental to halt the rape culture. The basic goals of the project are
to offer women’s spaces, allow reflection on what is harassment and
sexual violence, develop empathy amongst women and advocate on
sorority.
Key words: Women's empowerment, sexual education, prevention,
sorority, harassment

Enquadramento teórico
Inserido dentro de teorias pós-críticas em educação, não se
pretende aqui, garantir a neutralidade do pesquisador. Entende-se, na
verdade, que o posicionamento do mesmo é ferramenta primordial para
a interpretação dos fenômenos e criação de uma narrativa engajada
(GASTALDO, Denise 2014). Estudar gênero e educação, buscando
entender as formas de opressão e a instituição das diferenças, aliado ao
entusiasmo por mudanças sociais, se constitui também uma “apaixonante
questão política” (LOURO, Guacira Lopes 2003).

46
Entendendo que o “pessoal é político”, começo então por uma
breve contextualização. Eu me chamo Isadora, sou formada em Ciências
Biológicas, pela Universidade de Brasília, leciono há quase dez anos. O
desejo de ser professora vem ainda dos tempos de menina, por exemplos
familiares e por um anseio de contribuir positivamente para o mundo.
Por causa desse desejo, a escolha do mestrado se deu entre a Educação
Ambiental e o Ensino de Sexualidade. O primeiro acabou sendo
escolhido, por razões diversas, mas o trabalho com o segundo nunca foi
abandonado. Ao contrário, ganhou cada vez mais força. Esse projeto é
consequência desse empenho.
Os conteúdos relacionados à sexualidade como sistema genital,
métodos contraceptivos e infecções sexualmente transmissíveis integram
os conteúdos de ciências e biologia. Ao longo desses anos, pude constatar
o grande interesse por parte dos jovens nessa temática e a carência de
ambientes para discussão desses assuntos. Várias metodologias foram
utilizadas com o objetivo de mapear os principais tópicos sob ponto de
vista juvenil. Dinâmicas envolvendo perguntas dos adolescentes sempre
acabavam despertando esses temas, ainda cercados de tabus, vergonhas
e receios. As transformações da puberdade, hormônios, menstruação,
relacionamentos, incluindo a primeira relação sexual, foram os
conteúdos apontados com maior frequência.
Acredito em uma construção social do conhecimento e uma
educação libertadora. Independente do tema, a sala de aula é um espaço
de discussão, troca de ideias. Nada deve ser imposto. Os alunos são livres
para construírem suas visões de mundo com as novas ferramentas
adquiridas no cotidiano escolar. Penso também que nossa missão como
professor, vai além dos conteúdos específicos de cada matéria. Somos
exemplos de respeito, educação, tolerância, entre outros valores passados
através da nossa conduta dentro e fora de sala.
Nesse sentido, a prática pedagógica precisa ser constantemente
revista para buscar questionar as relações de gênero, não naturalizar
situações de violência e promover a tolerância com as diferenças.
Portanto, desconstruir o machismo presente em nosso discurso é uma

47
tarefa árdua e diária de todos os professores comprometidos com a
formação de melhores cidadãos. Acreditando ser possível uma
contribuição para além da minha prática diária e sentindo a necessidade
de realizar um trabalho focado nas meninas, comecei a pensar nesse
projeto.
A Educação Sexual ainda é um campo de muitas discussões. Trata-se de
uma questão de âmbito privado ou deve haver participação da escola?
Caso sejam discutidas na escola, devem ser abordadas em uma disciplina
específica ou ter um caráter multidisciplinar? Qual o caráter dessas
aulas? Que tipo de formação os professores devem ter? São algumas das
questões levantadas por Louro (2003). Ela completa ainda que
possuímos poucas informações sobre como as escolas brasileiras
desenvolvem suas práticas ligadas à Educação Sexual, mas é possível
supor ser uma área tratada ainda com bastante cautela, buscando refúgio
no “científico” - que pode ser entendido como um estreito biologismo,
não abarcando as transformações sociais e culturais (LOURO, 2003).
Durante a minha experiência, pude perceber que os aspectos
biológicos da sexualidade funcionam como um cenário a partir do qual
os adolescentes refletem sobre o lado social da sexualidade. Entender
sobre as mudanças psicológicas durante a puberdade, sobre afetos e
relacionamentos, são temas ansiados pelos jovens. Muitos buscam, em
sala de aula, uma conversa que não acontece em casa, sobre suas
expressões, identidades, amores, amizades, paixões, frustrações, desejos,
sexo. Falar sobre esses assuntos, numa perspectiva educativa, é
fundamental para debatermos informações corretas, mas também para
pregarmos a tolerância e o respeito.
Iniciativas como o curso Gênero e Diversidade na Escola - GDE, do qual
um livro texto e um caderno de atividades foram resultado, demonstram
a importância de trabalhos com o debate sobre sexualidade. Numa
iniciativa de evitar que a escola seja um ambiente de reprodução de
preconceitos e sim um espaço de promoção e valorização das
diversidades, fortalecendo o papel dos profissionais da educação como

48
promotores da cultura do respeito e garantia dos direitos humanos, da
equidade étnico-racial e de gênero (BARRETO, Andréia 2009).
A UNESCO (2014) publicou um material adaptando ao contexto
brasileiro orientações didáticas para o ensino de sexualidade, tendo como
base outro documento publicado pela mesma instituição com orientações
internacionais. O documento reforça o papel da escola nesse campo.
Evitar a temática resulta no despreparo dos adolescentes em lidar com a
própria sexualidade, com a prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis e com a gravidez indesejada. O texto ainda critica a ênfase
dada por grande parte das iniciativas escolares no discurso biologizante
e científico, silenciando questões importantes como o prazer, o desejo e
a diversidade sexual.
A ausência de diálogo sobre esses temas é prejudicial para ambos os
gêneros. A sexualidade feminina ainda é considerada um tabu, carregada
de preconceitos e estereótipos. O gênero masculino também sai em
desvantagem com a construção e incentivo de masculinidades tóxicas.
Porém, as mulheres ainda são as principais vítimas desse discurso que as
objetifica e naturaliza todo tipo de assédio e violência.
Enquanto professores, somos preparados para focar no conteúdo
de nossas disciplinas, e precisamos de uma atenção cuidadosa sob toda a
nossa prática, não apenas para a explicação desse ou outro tema. Ao
abordarmos assuntos considerados polêmicos, o cuidado com o discurso
precisa ser ainda maior, para não impormos nenhum ponto de vista e
criarmos um ambiente de respeito e tolerância, desconstruindo
preconceitos. Silenciar sobre determinados temas e questionamentos
também é se posicionar.
Acreditando na importância da temática, o trabalho realizado em sala
busca incentivar a autonomia dos jovens, o respeito às decisões, e
também a criação de responsabilidade no cuidado com os corpos. A
partir das demandas surgidas em sala e de outras leituras (como as aqui
citadas e outras), discussões sobre assédio, relacionamentos, virgindade,
prevenção e outros temas de impacto social se tornaram frequentes. Com
essa perspectiva, foi ficando evidente a diferença de familiaridade com a

49
temática em uma comparação entre os gêneros e a necessidade de um
trabalho mais aprofundado, com foco nas meninas.
Em 2016 conheci um projeto chamado ‘Precisamos falar do Assédio’. O
projeto adaptou uma van - estúdio e na Semana da Mulher ouviu
depoimentos de mulheres de diferentes área do Rio de Janeiro e São
Paulo dispostas a contarem suas histórias, sem nenhum tipo de
interlocutor. Ao final, 140 mulheres, de 14 a 85 anos, deram seus relatos,
totalizando 12h de material. O projeto virou um documentário longa-
metragem e um site, onde ainda hoje é possível contar novos
depoimentos. As histórias “vão desde cantadas feitas por desconhecidos
no transporte público ou na rua, até estupros cometidos por parentes e
dentro da própria casa, quando elas eram crianças” (SACCHETTA,
Paula 2016).
No mesmo ano, fundamos um grupo de amigas para se encontrar
ocasionalmente, discutir feminismo e trocar experiências. Eram
mulheres de diferentes lugares e variados níveis de amizade. Porém, o
grupo permitiu a criação de uma rede de apoio feminina que se mostrou
extremamente forte. Com o surgimento dessa rede, histórias de abusos e
outras violências foram contadas, experiências partilhadas. Algumas
histórias vieram à tona pela primeira vez. Outras, desconhecidas por
grande parte das mulheres ali, também ganharam voz. O mais
importante, instituiu-se a sensação de pertencimento, de não ser única
enquanto vítima, muito menos responsável de alguma forma por
situações de assédio. O documentário citado também busca desenvolver
uma identificação com as vítimas, fornecendo subsídios para outra
análise das próprias experiências.
Mesmo se tratando de mulheres adultas, com condições sociais
privilegiadas, foi preciso um grupo feminino para que esses relatos
surgissem. Culpa, vergonha, medo e outros sentimentos ruins ainda
estavam presentes. Foi possível perceber na prática a importância e força
do apoio feminino. O conceito de rede de enfrentamento e a necessidade
de uma atuação articulada entre diversos setores para lidar com a

50
complexidade da violência doméstica foi definido pela Secretaria de
Políticas para as Mulheres em 2003.
Recentemente, a Câmara dos Deputados divulgou o Mapa da
Violência Contra a Mulher 2018, feito pela Comissão de Defesa dos
Direitos da Mulher. Além dos dados alarmantes, o texto enfatiza a
importâncias de ações como a aqui descritas:
“Para coibir o estupro, cada vez mais estamos cientes que é necessária a
implantação de um conjunto de medidas que fortaleçam as mulheres e
meninas sobre seus direitos. As escolas, os postos de saúde, o ambiente
de trabalho, as relações solidárias de amizades, as associações
comunitárias, os grupo de mulheres, os operadores do direito. Enfim,
formar rede para o enfrentamento à cultura do estupro que viola a
dignidade física e emocional das mulheres. (p. 15)”
A violência sexual acontece em todos os níveis sociais, nas diferentes
faixas etárias, em diversos contextos. Apesar de todas as suas variáveis,
o denominador comum é claro - nós, mulheres, vítimas, ainda temos
vergonha de falar sobre o assunto. A cultura do estupro faz um excelente
serviço ao culpabilizar a vítima. Algo tão enraizado no nosso dia-a-dia
que, guardamos todas essas histórias cotidianas, nos envergonhamos
delas e seguimos sofrendo em silêncio.
Compartilhar experiências - falar!, passa a ser um ato muito poderoso
para mulheres vítimas de violência. Para isso, faz-se necessário um
ambiente de acolhimento e segurança. A ajuda profissional é de extrema
importância, mas é preciso inicialmente que a vítima admita o ocorrido,
para então buscar ajuda. A troca de vivências entre mulheres permite
diminuir a sensação de solidão e culpa carregada pelas vítimas. Ao
perceberem que suas histórias, infelizmente, não são únicas, é possível
ter outro olhar sobre suas vivências, reconhecendo assédios e violências
até então ignorados ou escondidos.
O projeto surge como um primeiro passo no empoderamento
feminino, na discussão do assédio e das mais variadas formas de
violência as quais mulheres são submetidas desde muito cedo. Apesar de
o foco inicial ser a prevenção e acolhimento, os objetivos do projeto vão

51
além. Discutir padrões de beleza, fortalecer a auto-estima, conversar
sobre corpo e sexualidade, tudo isso é trabalhado com as meninas.
Dentro desse contexto, entender gênero como uma construção social,
baseado em uma relação assimétrica de poder, é imprescindível para
buscar as raízes das violências sexuais e questionar os padrões sociais
vigentes. Esta é uma premissa básica para todo o trabalho aqui
desenvolvido. Diversos autores respaldam essa discussão, como Guacira
Louro, Judith Butler, Valeska Zanello, Maria Amélia de Almeida Teles,
Jane Felipe de Souza, entre outras. Trabalhos como Unesco (2014) e
Gênero e Diversidade na Escola - GDE (2009) também corroboram esse
tipo de projeto.

Método
Entre Garotas - nome escolhido pelas primeiras integrantes,
aconteceu em duas escolas públicas da Secretaria de Educação do
Distrito Federal (SEE-DF). Surgiu no Centro de Ensino Fundamental 05
de Taguatinga (CEF 05 de Taguatinga) e se estabeleceu no Centro de
Ensino Fundamental 404 de Samambaia (CEF 404 de Samambaia) onde
ainda está sendo realizado. A violência sexual não é, de forma alguma,
exclusividade da periferia, mas em situações de vulnerabilidade,
trabalhos como esse são ainda mais importantes.
O projeto surgiu inicialmente como uma oficina na Semana de
Educação para a Vida, que integra o calendário escolar anual da SEE-
DF. A organização da semana temática fica a cargo do corpo docente de
cada escola. Em parceria com o professor de ciências, realizamos seis
oficinas, com duração de 75 minutos cada. O professor ficou responsável
pelas atividades com os meninos, enquanto eu orientava as meninas.
Cada grupo contou com a participação de aproximadamente 20 pessoas
cursando o 7º e 8º ano do Ensino Fundamental.
O objetivo era promover uma conversa sobre temas centrais
para o empoderamento feminino, incentivando a participação e a
reflexão sobre situações cotidianas. Para tal, foram utilizadas imagens,
dados de pesquisas, clipes e vídeos. O ambiente foi preparado buscando

52
trazer segurança e a percepção de que estávamos juntas, com as carteiras
substituídas por tapetes e almofadas, sentando todas em roda.
A oficina foi dividida em cinco momentos: 1) Apresentação:
momento inicial para que as estudantes pudessem falar um pouco de si e
a sua perspectiva do que representa ser uma garota; 2) Momento “quebra-
gelo”: com um clipe para que todas dançassem; 3) Feminismo: conversa
sobre o conceito e vídeo chamado ‘Por que você precisa do feminismo?’
da revista juvenil Capricho (02h45min); 4) Assédio: conversa sobre o
que é assédio, cultura do estupro e a importância de não se calar. Vídeo
da youtuber JoutJout Prazer, ‘Vamos fazer um escândalo’ (09h22min);
5) Sororidade: debate sobre estereótipos em relação à amizade feminina
e definição do termo; 6) Encerramento: momento das meninas
comentarem sua experiência, incentivando a empatia e a colaboração
entre mulheres.
Com o grande sucesso das oficinas e uma constante busca das
alunas por uma segunda edição, decidi criar um projeto. Todas as
estudantes do colégio foram convidadas para um dia da semana em
horário contrário às aulas. Esse espaço seria uma continuação das
atividades realizadas nas oficinas.
A princípio, o projeto foi visto como algo informal.
Apenas uma disponibilidade da professora de utilizar o seu horário de
coordenação para se encontrar com as alunas. Apesar dos encontros
serem sempre muito produtivos, alguns problemas surgiram. Existiram
dificuldades na organização da escola, por vezes não respeitando o
espaço, utilizando a sala destinada para outras atividades, ou ainda da
não disponibilidade do material reservado como projetores, caixas de
som ou outros. A falta de compromisso das estudantes também foi um
ponto negativo. Havia uma variedade grande no número de presentes de
um encontro para o outro, o que dificultava o planejamento das
atividades de cada encontro. O fato de acontecer no contra turno também
demandava alguma atenção, pois várias estudantes moravam longe da
escola, não tendo condições de ficar para o turno vespertino, uma vez
que não era oferecido almoço por parte da escola.

53
Em 2018, passei a lecionar no CEF 404 de Samambaia. Tendo
como forte objetivo a continuidade do projeto e visando solucionar os
obstáculos anteriores, um acordo foi estabelecido com a direção para a
realização do projeto. Com a exigência de um espaço fixo reservado para
tal atividade. Em 2019 o projeto passou a integrar o Plano Político
Pedagógico da Escola, conferindo caráter oficial ao projeto.
Houve um grande interesse das alunas em participarem, sendo
exigido, portanto um comprometimento das estudantes contempladas.
Com a alta procura, foram criadas duas turmas (uma por semestre), com
oito encontros de aproximadamente 1h30 de duração. Algumas
adequações foram realizadas do primeiro para o segundo semestre, mas
os objetivos permanecem os mesmos. Para o ano de 2019, ainda na
mesma escola, os encontros passarão às 3h de duração, sendo reduzidos
a quatro momentos por turma. Diminuir o número de visitas à escola visa
solucionar as dificuldades de locomoção e permanência das alunas.
Todas as integrantes precisam assinar um Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido com autorização dos pais.
As metodologias utilizadas em cada encontro são
constantemente revistas, mas trabalham sempre com a perspectiva de um
tema gerador para orientar a discussão, tendo a professora como
mediadora durante todo o processo. Vídeos, redes sociais e outros
materiais associados a tecnologia costumam despertar o interesse e são
bons dispositivos para iniciar ou finalizar a discussão. Sites e outras
fontes confiáveis de informação eram sempre mostrados como forma de
continuar o trabalho em casa. Alguns materiais também foram
produzidos por elas como cartazes e textos.
No primeiro semestre, os encontros foram divididos nas
seguintes temáticas: 1) Abertura; 2) Feminismo; 3) Relações de gênero;
4) Padrões de beleza; 5) Assédio; 6) Sororidade e 7) Encerramento. Para
o segundo semestre, houve a inclusão de momentos sobre
Relacionamentos e Corpo feminino, em virtude de demandas surgidas na
primeira turma. Sendo assim organizados: 1) Abertura, dinâmica inicial;
2) Feminismo/Relações de Gênero; 3) Padrões de

54
Beleza/Relacionamentos, 4) Relacionamentos/Sexualidade; 5)
Sexualidade/Corpo feminino; 6) Assédio; 7) Sororidade e 8)
Encerramento;
Os encontros foram pensados buscando integrar as demandas
percebidas na sala de aula com temas vistos como imprescindíveis para
o empoderamento. A construção de cada encontro teve como fonte de
inspiração inicial o material produzido no Chile chamado de
‘Desprincesamento’, adaptado para a faixa etária em questão. Cursos de
formação continuada, palestras, textos e outras fontes de pesquisa,
conversas com outros profissionais e a contribuição fundamental de
quatro amigas - duas psicólogas e duas biólogas, sendo uma mãe de
menina, formam a base dessa produção. Nenhum tema ou encontro é
estanque e têm metodologias fixas, todos se relacionam e as discussões
permeiam todo o projeto.

Resultados principais e discussões


Desde o primeiro momento, o interesse das estudantes é notável.
Percebe-se então uma carência desse tipo de diálogo com os jovens, em
especial com as meninas. Nos primeiros momentos do projeto, durante
as apresentações, ao serem perguntadas sobre o que é ser menina, se
gostavam ou não, e qual a melhor/pior parte, já foi possível perceber as
marcas de uma sociedade machista com pré-conceitos tão bem
enraizados.
A menstruação ainda é vista como algo feio, ruim, que precisa
ser escondido. Muitas não compreendem o significado biológico da
menstruação, mas já consideram “uma das piores coisas de ser mulher”.
Associado ao fato de não poderem “fazer o que quiserem” - como os
irmãos e primos, e terem que ouvir “coisas na rua” são os principais
fatores negativos apontados por elas. Os aspectos positivos aparecem de
maneira mais tímida, normalmente relacionados a fatores físicos. “Gosto
do meu corpo, do meu cabelo…”, quando há uma avaliação positiva
sobre a própria beleza.

55
Ao ser confrontada com estereótipos de gênero, a grande
maioria soube citar diversos exemplos. Todos vividos dentro de casa e
no ambiente escolar. Ser menino esteve sempre associado a uma maior
liberdade em todos os aspectos, enquanto ser meninas exigia uma
obediência maior às regras. Segundo elas, mulheres ainda desempenham
melhor funções domésticas e de cuidado, enquanto homens são melhores
em funções de liderança, uso de cálculos e direção de veículos.
Ao falarmos sobre feminismo, fica evidente uma definição
distorcida do termo. Quando questionadas se homens e mulheres
deveriam ter os mesmos direitos, ganhar salários iguais ao
desempenharem as mesmas funções, ter segurança… Todas afirmavam
que sim. Porém, várias não queriam ser feministas. Feminismo no
imaginário de muitas se trata de algo exagerado, para diminuir os
homens, interferindo nos padrões de beleza e comportamento de maneira
negativa. Porém, ao conduzir a discussão para esclarecer o termo,
contando a história do movimento, citando exemplos de posturas e
mulheres feministas, todas refletiram sobre suas próprias concepções.
Conquistas como o direito ao voto, ao divórcio e a criminalização da
violência doméstica não são percebidas como conquistas femininas, e
sim, verdades que sempre existiram.
Ao abordarmos padrões de beleza, o consenso apontado por
elas é um padrão branco, magro, cabelo liso. Porém, várias estudantes
disseram gostar dos seus atributos fora do padrão, como cor da pele e
cabelos cacheados, tendo a consciência de serem diferentes. Apesar
dessa positividade em relação a um ou outro atributo, elas já apresentam
consciência dos padrões inatingíveis impostos pela sociedade. A
gordofobia é um tema merecedor de atenção especial, sendo encaixado
nas versões de 2018 do projeto.
A aparência é uma preocupação constante da maior parte dos
adolescentes, tendo relação direta com a criação da sua identidade, sua
maneira de se expressar. As meninas, desde muito cedo, já percebem os
impactos desses padrões, apresentando sérias consequências disso na sua
auto-estima. Sabemos que tal questão não é exclusiva da adolescência,

56
mas apresenta maior impacto nessa fase. Discutir e promover a auto-
aceitação é fundamental para criarmos mulheres empoderadas, capazes
de resistir a tantas exigências.
O encontro sobre assédio é visto por mim como o mais
importante. Porém, abordar o tema em um grupo que não tenha tanta
familiaridade gera resultados diferentes. Quando elas se sentem à
vontade para partilhar experiências, a troca é muito produtiva. Mesmo
em idade tão jovem, elas já apresentam várias experiências, contando
relatos também sobre violências domésticas.
Ao ouvir as histórias, é perceptível o quanto essas meninas já
se responsabilizam pelos assédios sofridos, questionando se poderiam ter
evitado as situações de alguma forma
A insegurança da impunidade dos agressores e a certeza de que
outras situações de assédio podem ocorrer também se faz presente.
Muitas se perceberam sozinhas em suas histórias, sem saber como
procurar ajuda ou para quem poderiam contar. As posturas familiares
nem sempre são as melhores, sendo comum a responsabilização da
jovem pelo ocorrido ou o descrédito por sua história.
Todos esses aspectos apontam para a importância de trabalhos
como esse, onde a cultura do estupro seja questionada e haja um amparo
às vítimas. Mais uma vez, reafirmo a importância de ajuda profissional.
Reconheço as limitações do projeto, mas ele funciona como um primeiro
passo. Um primeiro apoio para que elas percebam que não estão sozinhas
e não devem ser culpadas por nenhuma situação.
Ao perceberem a minha postura feminista, de intolerância a
brincadeiras discriminatórias e casos de assédio, as meninas passam a me
ver como uma aliada e contam suas histórias. Começam a denunciar
posturas indevidas dos colegas de sala e até de professores. O aumento
do número de denúncias é algo extremamente positivo, mas também
indica a ausência de espaços/pessoas onde elas possam denunciar, uma
vez que as denúncias são endereçadas a mim. Ficam então alguns
questionamentos: Por que essas denúncias não estão sendo feitas aos
pais/responsáveis? Como criar outros espaços de denúncia? Fora da

57
escola, onde elas podem ir? Como possibilitar um aumento do número
de denúncias? Quais outras maneiras de amparar essas vítimas?
Infelizmente, a legislação é extremamente falha para casos de
assédio. Mas conseguimos, com a correta orientação, o afastamento de
um professor com uma denúncia formal feita pelos pais, por exemplo.
Outras meninas contaram sobre assédios sofridos por familiares e com o
apoio da orientação escolar foram assistidas corretamente.
Os meninos, apesar de não fazerem parte do projeto, também
percebem essa minha postura, passando a refletir sobre brincadeiras
inapropriadas e modificando sua forma de tratar aos colegas.
O projeto cria uma rede de apoio que vai além dos encontros.
As estudantes passam a ser multiplicadoras, prestando apoio umas às
outras, incluindo alunas que não participaram. Elas passam a perceber as
situações de assédio de outras maneiras, como algo não natural, que não
deveria acontecer. Entendem também a importância da união feminina,
de não sermos rivais.
Por isso, sororidade é o tema do encontro final. Sendo colocado
como um mecanismo para lutarmos contra essas situações. As próprias
estudantes no início reproduzem o discurso de que mulheres são falsas,
ciumentas, e outros atributos negativos. É comum ver entre as
adolescentes a busca por amizades masculinas, para validar o sentimento
de serem diferentes das outras meninas. Ao final, é possível ver um
aumento da empatia entre elas e novas amizades se formando.
A menstruação foi um tópico incluído depois, ao perceber a
enorme quantidade de dúvidas sobre esse tema e que as aulas de ciências
não seriam suficientes. Exaltar a natureza cíclica, entendendo e
acolhendo cada etapa, mostrando que a menstruação é um sinal de que o
corpo está saudável, foram tópicos chave para diminuir os aspectos
negativos desse fenômeno.
O tópico sobre relacionamentos também foi adicionado
posteriormente, em virtude do grande número de relacionamentos
abusivos relatados por elas por familiares e pessoas próximas. A lei
Maria da Penha foi explicada, assim como as diferentes formas de

58
violência. A violência doméstica é uma realidade na vida de vários
estudantes e precisa ser mais debatida, é tão naturalizada que apenas a
violência física é considerada agressão. Violência moral e psicológica,
por exemplo, não eram percebidas como violências.
Passamos um tempo também comentando sobre
relacionamentos saudáveis e debatendo a sexualidade feminina. O
conceito de virgindade é há muito ultrapassado e falocêntrico, porém
ainda está vigente. A relação sexual ainda é percebida por muitas como
uma forma de agradar os possíveis parceiros, não uma fonte de prazer
para si. A autonomia foi muito questionada, desmistificando o sexo como
“moeda de troca” nos relacionamentos. Abordar positivamente a
sexualidade também é fundamental para a construção de mulheres
autônomas, cientes do próprio prazer.
Os efeitos do projeto são inúmeros e muito variados. Cada
estudante o percebe de uma maneira única, mas todas afirmam gostar e
pedem, inclusive, a continuidade do mesmo. Diversos exemplos de
resultados poderiam ser mostrados, a título de ilustração, transcrevo aqui
o texto de uma participante:

Foi uma experiência maravilhosa poder participar


deste projeto, no qual fazemos um encontro
semanal, e debatemos assuntos que nos envolvem
diretamente como mulheres e percebemos diversas
coisas que nos são impostas simplesmente pelo
nosso gênero.
Acredito muito nesse projeto, acho que ele nos
acrescenta muitos conhecimentos.
Debatemos assuntos como autoestima, assédio,
diferenças entre homens e mulheres, feminismo,
padrões de beleza, sororidade e foi maravilhoso!
Acho que os temas que mais me marcaram foram
padrões de beleza, assédio e sororidade. E confesso
que fiquei muito surpresa ao ouvir outras meninas
falando de situações que já passara, e que também
já passei, entender que somos todas mulheres
maravilhosas e como é bom compartilhar

59
experiências, e ouvir experiências de pessoas que
entendem, pelo simples fato de passarem as
mesmas coisas, de compreender que somos
diferentes, temos aparências diferentes, e não há
problema algum nisso, e que temos de tentar nos
unir cada vez mais, e não competir para pertencer à
alguém, ou algo parecido, até porque somos
AUTO-SUFICIENTES, e não devemos associar
nossa felicidade à alguém… enfim, foram tantas
coisas concluídas, tantas coisas esclarecidas, me
faltam palavras para descrever como foi bom
participar deste projeto. E agora queria dedicar
meus agradecimentos à professora Isadora, por ter
reservado um espaço do seu tempo, nos
proporcionando um lugar de conforto e por ser tão
maravilhosa! (A.A).

Considerações finais
Iniciativas como essa ainda são pontuais, mas geram resultados
positivos não só nas integrantes, mas em toda a comunidade escolar. Se
posicionar, também questiona posturas junto aos professores e corpo
diretor da escola. Permitindo, talvez, com o tempo, uma mudança global
do ambiente escolar. O apoio da orientação educacional, e se possível
também do psicólogo escolar, faz toda a diferença. Possíveis alianças
com o conselho tutelar também podem ser de valor inestimável para
situações mais críticas que podem surgir. Trabalhos interdisciplinares
com a participação de vários professores também seriam de grande
estima.
Apesar de separar os estudantes de maneira binária e realizar
um trabalho apenas com as meninas, tem-se claro que as identidades de
gênero são plurais e diversas. Ao estabelecer essa divisão, não significa
dizer que está se adotando também um padrão do que é ser mulher. Ao
contrário, essas diversas possibilidades dentro do gênero feminino são
exploradas, buscando, inclusive, romper essa polarização que sobrepuja
um gênero ao outro. Mas entendo que, nas mais variadas formas de ser

60
do gênero feminino, este é, em vários espaços, tido como inferior, sendo
a grande maioria das vítimas de exploração sexual.
Os meninos também pedem por iniciativas como essas.
Faz-se importante realizar um trabalho de base que discuta
masculinidades tóxicas, permitindo reflexões sobre as implicações do
gênero masculino, admitindo seus privilégios e veiculando
possibilidades de ação. Refletir sobre a objetificação das mulheres e o
papel masculino nesse processo também é fundamental. Acima de tudo,
ensinar o respeito ao corpo e às vontades de outra pessoa, sobretudo às
mulheres que têm seus corpos constantemente violados.
As identidades de gênero não se encontram dissociadas dos
demais recortes dos estudantes. Um viés interseccional e multicultural
permeia esse tipo de trabalho. Esses vários marcadores sociais
constituem também todo e qualquer educador. Estar ciente das suas
próprias razões e responsabilidades enquanto educador é fundamental
para uma prática pedagógica libertadora.
Um professor me disse recentemente em um e-mail que “a área
de estudos de gênero e sexualidade, especialmente em sua interface com
a educação, virou um verdadeiro campo de batalha”. Faz-se necessário
então, clareza para decidir de que lado queremos estar nessa guerra.

Referências
BARRETO, Andréia; ARAÚJO, Leila; PEREIRA, Maria Elisabete
(Orgs.). Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es
em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Livro de
conteúdo. Rio de Janeiro: CEPESC, 2009.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Defesa dos Direitos da


Mulher. Mapa da Violência Contra a Mulher 2018. Brasília, 2018.
BUSTAMANTE, Yuri (coord.) Escuela de Desaprendizajes
Socioculturales Disponível em:
<http://desaprendernos.blogspot.com/?m=1>. Acesso em: 01 mar. de
2019.

61
GASTALDO, Denise. Pesquisador/a desconstruído/a e influente?
Desafios da articulação teoria-metodologia nos estudos pós-críticos. In:
MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves (Orgs.).
Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. 2ª ed. Belo
Horizonte: MAZZA EDIÇÕES, 2014. p.9-13.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma


perspectiva pós-estruturalista. 6ª ed. Petrópolis: VOZES, 2003. 179p
SACHETTA, Paula. Precisamos falar do assédio. 2016. Disponível
em: <https://precisamosfalardoassedio.com/>. Acesso em: 01 mar. de
2019.

UNESCO. Orientações técnicas de educação em sexualidade para o


cenário brasileiro: tópicos e objetivos de aprendizagem. Brasília:
UNESCO, 2014. 64p Disponível em:
<https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000227762> Acesso em:
01 mar. de 2019.

62
O PANORAMA ATUAL DA PRODUÇÃO
CIENTÍFICA RELACIONADA A
COMUNIDADE LGBT, DIVERSIDADE DE
GÊNERO E SEXUALIDADE PRODUZIDA
PELA UNESP: UMA ANÁLISE DO REPOSITÓRIO
Simão Marcos Apocalypse
Maria José Vicentini Jorente
(Universidade Estadual Paulista)

Sexo, sexualidade, gênero e corpo foram abordados de diferentes


maneiras ao longo das civilizações humanas. Na atualidade, estudos de
diferentes áreas do conhecimento que versam questões de gênero e
sexualidade estão emergindo em meio aos saberes institucionalizados. O
problema levantado no presente estudo refere-se a abordagem das
pesquisas referentes às temáticas LGBT, diversidade de gênero e
sexualidade pelas diferentes áreas do conhecimento, produzidas pela
Universidade Estadual Paulista - Unesp. A pesquisa tem como objetivo
identificar as produções acadêmicas que versem as temáticas LGBT,
diversidade de gênero e sexualidade armazenados e preservados no
Repositório Institucional da Unesp e justifica-se pela pertinência da
construção de arcabouço teórico referente a tais temáticas, de modo que
possam sustentar novas práticas em âmbito educacional, social e moral.
Para a realização do estudo a metodologia utilizada é de caráter
qualiquantitativo, teórico exploratório, que consiste em um levantamento
bibliográfico e um estudo exploratório e quantitativo das produções
convergidas no repositório. Dada a imersão no Repositório Institucional
da Unesp e a busca pelos termos LGBT, diversidade de gênero e
diversidade sexual, foi possível estabelecer um panorama atual da
produção científica em torno dessa temática.
Palavras-chave: Produção Científica; Repositório Digital; LGBT;
Diversidade de gênero; Diversidade sexual.

63
THE CURRENT PANORAMA OF SCIENTIFIC PRODUCTION
RELATED TO THE LGBT COMMUNITY, GENDER DIVERSITY
AND SEXUALITY PRODUCED BY UNESP: AN ANALYSIS OF
THE REPOSITORY

Sex, sexuality, gender and body were approached in different ways


throughout the development of human civilizations. At present,
studies of different areas of knowledge that deal with issues of
gender and sexuality are emerging in the midst of institutionalized
knowledge. The problem raised in the present study refers to the
approach of the researches related to the LGBT community,
gender diversity and sexuality by the different areas of knowledge,
produced by Universidade Estadual Paulista - Unesp. The current
research aims to identify the academic productions that deal with
the LGBT theme, the diversity of gender and sexuality stored and
preserved in the Unesp Institutional Repository and is justified by
the pertinence of the construction of a theoretical framework
referring to such themes, so that they can sustain new educational,
social and moral practices. For the accomplishment of the study
the methodology used is of qualitauantitative character,
exploratory theoretical, that consists of a bibliographical survey
and an exploratory and quantitative study of the converged
productions in the repository. Given the immersion in the Unesp
Institutional Repository and the search for the LGBT terms, gender
diversity and sexual diversity, it was possible to establish a current
panorama of the scientific production around this theme.
Keywords: Scientific Production; Digital Repository; LGBT;
Gender diversity; Sexual diversity.

Introdução
A universidade é um lugar social que deve promover atividades
com a finalidade de dialogar a sociedade como um todo. Neste lugar,
segundo Nogueira (2005) a produção científica deve abordar questões

64
pertinentes a toda sociedade, gerar pensamento crítico, articular saberes,
produzir conhecimento, formar profissionais e atuar em outras atividades
que pertencem ao âmbito social. Para o autor são os fatores históricos e
sociais que baseiam os interesses que a universidade deve buscar, o corpo
que forma a instituição é a sociedade, não sendo a primeira desconexa da
outra.
Entende-se que a universidade reflete questões advindas dos
contextos histórico, social e cultural e o comportamento dos seres
humanos mediante as diversidades ou regras reflete as relações sociais.
Dentre estas relações, estão a diversidade de gênero e a diversidade
sexual. Entretanto, como afirma Planella Ribeira (2017) devido a fatores
históricos e culturais de nossa sociedade, algumas temáticas relacionadas
a camadas sociais que se encontram à margem social, como a
comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais),
diversidade de gênero e sexualidade, são pouco abordadas no âmbito
acadêmico, somadas a pouca visibilidade deste grupo o
compartilhamento e disseminação das produções científicas
relacionadas, ou que versem seus interesses é prejudicada. Planella
Ribeira (2017) aponta que as produções científicas acerca dessas
temáticas necessitam ser abordadas com mais frequência na academia, a
fim de produzir conhecimento teórico que possibilite o aprofundamento
no debate e os resultados de pesquisa necessitam ser compartilhados com
a sociedade.
De maneira convergente, as transformações das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC), pós Segunda Guerra Mundial
trouxeram consideráveis mudanças referentes à produção, acesso e
compartilhamento de informações à comunidade. Como apontam Jorente
e Santos (2014, p.193) “[...] as tecnologias de informação e comunicação
e as mídias, que, por meio delas, circulam, perfazem um meio de
tramitação da informação e do conhecimento em exponencial
movimento de expansão”.
Essas transformações traduziram-se a criação de recursos, como
os Repositórios Institucionais (RI) que possuem além da função de

65
armazenar e preservar a informação produzida pelas Instituições de
Ensino Superior (IES) de forma segura e permanente, disponibilizar esse
material a toda comunidade. A produção científica produzida pela
Universidade Estadual Paulista - Unesp, atualmente, é convergida no RI
da instituição, caracterizando-se como o principal meio de acesso ao
conhecimento científico da universidade.
Neste contexto, a problemática apresentada no presente capítulo,
consiste em identificar e apresentar o panorama atual da produção
científica relacionada à temática LGBT, diversidade de gênero e
sexualidade, produzidas pela Universidade Estadual Paulista – Unesp.
A presente pesquisa objetivou, de modo geral, estudar as
diferentes abordagens referentes às temáticas LGBT, diversidade de
gênero e sexualidade, ao longo da história, a necessidade de que a mesma
seja constantemente discutida nos ambientes universitários e que os
resultados dessas discussões sejam compartilhados a sociedade. Como
objetivos específicos buscou-se identificar a frequência com que as
temáticas referentes à comunidade LGBT, diversidade de gênero e
sexualidade, têm sido abordadas pelas diferentes áreas de conhecimento
da instituição.
Ao considerar o poder transformador do conhecimento
produzido pelas universidades, a pesquisa justifica-se pela necessidade
de estudos voltados para o compartilhamento de conteúdos
informacionais produzidos nesses ambientes e pertinentes a toda
sociedade. Nesse escopo, inserem-se estudos relacionadas à comunidade
LGBT, diversidade de gênero e sexualidade. Embora discussões acerca
dessas temáticas, nos dias atuais, tenham sido crescentes em ambientes
universitários, na sociedade conteúdos informacionais desses segmentos
ainda possuem grande entrave quanto ao seu compartilhamento, sendo a
pesquisa necessária.
Planella Ribeira (2017) ressalta que a produção científica e o
acesso a materiais voltados às temáticas relacionadas à comunidade
LGBT, diversidade de gênero e sexualidade são pertinentes a toda
sociedade. Uma análise acerca da produção científica referente a tais

66
temáticas e a forma com que a mesma se constitui dentro dos ambientes
universitários é necessária. As características referentes a essa produção
carecem de estudos para o fomento de meios que viabilizem o acesso e
possibilitem maior visibilidade aos trabalhos deste segmento,
armazenados e preservados em RI.

Metodologia
Para a realização do estudo a metodologia utilizada foi de caráter
qualiquantitativo, teórico e exploratório, consistindo em um
levantamento bibliográfico referente às temáticas abordadas e um estudo
exploratório e quantitativo das produções convergidas no RI da Unesp.
Os procedimentos metodológicos realizados consistiram na busca e
seleção de referencial teórico referente às temáticas abordadas
perpassando por clássicos e autores contemporâneos a fim de
sistematizar as discussões já produzidas.
Posteriormente, efetuou-se a coleta de dados referente a
produção científica que perpassa a comunidade LGBT, diversidade de
gênero e sexualidade no RI da instituição. Para a realização da coleta de
dados foram escolhidos os termos: LGBT, diversidade de gênero e
diversidade sexual. Utilizou-se para a união dos termos os operadores
booleanos. Por meio das buscas foram levantados indicadores primários
referente a produção científica convergida no ambiente considerando as
variáveis: data da produção, área do conhecimento e tipo de produção.

Comunidade LGBT, diversidade de gênero e sexualidade


A abordagem referente a sexo, sexualidade, gênero e corpo, ao
longo do desenvolvimento das civilizações humanas foi concebida de
diferentes modos. Na atualidade observa-se a emergência estudos que
buscam compreender fatores históricos e sociais das diversas concepções
que perpassam tais assuntos em diferentes nichos sociais e diferentes
épocas.
Para a efetivação do presente estudo, tomam-se como ponto de
partida as reflexões propostas pelo filósofo Michel Foucault (1926-

67
1984), mais precisamente sua obra intitulada A história da sexualidade
(1988, 1984 e 1985). Seus estudos representam um marco acerca das
concepções de gênero, sexo e sexualidade, isso devido ao pensador ser
um dos primeiros teóricos a resgatar a perspectiva de que estes são
construídos socialmente.
Foucault (1988) aborda as noções normativas dos indivíduos:

A sexualidade é, então, cuidadosamente encerrada.


Muda-se para dentro de casa. A família conjugal a
confisca. E absorve-a, inteiramente, na seriedade da
função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O
casal, legítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se
como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade,
guarda o direito de falar, reservando-se o princípio
do segredo. No espaço social, como no coração de
cada moradia, um único lugar de sexualidade
reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos
pais. (FOUCAULT, 1988, p. 9, grifo nosso).

Como apontado pelo teórico, as noções referentes ao sexo e


sexualidade, preservando a noção binária homem/mulher se restringem
ao âmbito conjugal e familiar perpetuando noções regulamentares,
tomadas como verdade absoluta e irrefutável.
Ressalta Foucault (1988) a partir de um contexto histórico da
sexualidade o valor normativo social a qual a sexualidade foi atribuída:
sexualidade como um dispositivo de saber e poder, meio pelo qual se
possibilita criar hierarquias a partir da normatização dos corpos: “o
dispositivo de sexualidade tem, como razão de ser, não o reproduzir, mas
o proliferar, inovar, anexar, inventar, penetrar nos corpos de maneira
cada vez mais detalhada e controlar as populações de modo cada vez
mais global” (FOUCAULT, 1988, p. 101).
Com a necessidade de preservar a normatividade dos corpos, do
gênero binário e da sexualidade heteronormativa, bem como da
manutenção desses moldes, mecanismos de controle tomaram força.

68
Ressalta-se o papel exercido instituições religiosas e sua pontual
influência na manutenção de tais dispositivos:

A visão dualista do homem marcará boa parte da


teologia. No dualismo medieval, o carnal (corpo), é
incompatível com o espiritual (alma). Os homens
devem ser capazes de escapar do carnal para buscar
a pureza da alma. Ao se referir ao corpo e sua
impureza estamos falando indiretamente da
sexualidade e da constituição de uma moral
sexual que a possa controlar. (PLANELLA
RIBERA, 2017, p. 83, grifo nosso).

Contudo, não foram somente as instituições religiosas que


pautaram-se em bases estritamente biológicas. Também outras áreas do
conhecimento fizeram proliferar discursos acerca da sexualidade com o
intuito de manutenção dos dispositivos de controle. Como pontua
Foucault:

[...] o aparecimento, no século XIX, na psiquiatria,


na jurisprudência e na própria literatura, de todo
uma série de discursos sobre as espécies e
subespécies de homossexualidade, inversão,
pederastia e "hermafroditismo psíquico" permitiu,
certamente, um avanço bem marcado dos controles
sociais nessa região de "perversidade"; mas,
também, possibilitou a constituição de um discurso
"de reação": a homossexualidade pôs-se a falar por
si mesma, a reivindicar sua legitimidade ou sua
"naturalidade" e muitas vezes dentro do
vocabulário e com as categorias pelas quais era
desqualificada do ponto de vista médico.
(FOUCAULT, 1988, p. 96).

Ao passo que a homossexualidade foi abordada pelas diferentes


áreas do conhecimento, mesmo que de maneira negativa, os indivíduos

69
pertencentes a essa camada da sociedade passaram a existir, tornando
possível então a luta pela aceitação de seus corpos e expressões. A partir
do reconhecimento da existência de sexualidades destoantes do
considerado normal até o século fim XIX, indivíduos até então renegados
iniciaram um movimento em busca de reconhecimento e aceitação de
seus corpos e comportamentos.
Desse modo, após o trabalho propulsor de Michel Foucault,
estudos com a finalidade de compreender a construção normativa dos
corpos e das concepções sobre gênero e sexualidade tomaram espaço em
meio aos conhecimentos produzidos pela academia. Afloraram também
movimentos sociais tendo como protagonistas membros da comunidade
LGBT.
Ao fim da década de 1980, o termo queer constituiu-se um
campo de estudos referentes a identidades de gênero e sexualidade que
não se enquadravam nos padrões de homossexualidade alinhadas a
gêneros normativos e binários. A fim de melhor contextualizar o
surgimento dos estudos queer, cabe pontuar o prelúdio do termo e como
ele passa a ser utilizado nas lutas por direitos igualitários.
De acordo com Ribeiro Junior:

A expressão queer, antes usada em discursos


homofóbicos para taxar como esquisito ou estranho
as diversas manifestações identitárias da
homossexualidade, é tomada pelos integrantes do
movimento gay que não se identificavam com as
propostas do mesmo, como uma forma de
subverter e questionar sua hierarquia (RIBEIRO
JUNIOR, 2016, p. 54, grifo nosso).

Entre os trabalhos expoentes que buscam compreender estas


relações, deve-se ressaltar a importância da Teoria Queer, umas das
principais e a mais relevante acerca da construção dos corpos em uma
sociedade normativa e excludente, sendo Judith Butler 1956, precursora
da Teoria Queer na contemporaneidade.

70
Butler (2014) trata em seus estudos dos gêneros e sexualidades,
apontando o reducionismo das concepções vigentes:

Essa forma de reduzir gênero à sexualidade deu


lugar assim a duas questões, distintas, mas
vinculadas, no âmbito da teoria queer
contemporânea. O primeiro movimento é separar
sexualidade de gênero, de modo que ter um gênero
não pressupõe que alguém se envolva numa prática
sexual determinada, e envolver-se numa prática
sexual determinada, sexo anal, por exemplo, não
pressupõe que alguém seja de um gênero dado. O
segundo movimento relacionado à teoria queer é
argumentar que gênero não é redutível à
heterossexualidade hierárquica, que ele toma
formas diferentes quando contextualizado pelas
sexualidades queer, e que, de fato, seu binarismo
não pode ser tomado como dado fora do quadro
heterossexual, que gênero é internamente instável,
que as vidas dos transgêneros são evidência da
quebra de quaisquer linhas de determinismo causal
entre sexualidade e gênero. (BUTLER, 2014, p.
269-270).

Os estudos propostos pela Teoria Queer buscam, inicialmente,


romper com convicções que reduzem gêneros e sexualidades como se
fossem características indistintas. Os estudos queer também propõem
uma nova forma de se conceber as noções de gênero e sexualidade,
negando a binaridade: gênero homem/mulher e sexualidade,
heterossexual/homossexual e indo mais além em suas colocações acerca
da fluidez dessas construções.

A Teoria Queer defende que não existiria homem


ou mulher, masculino ou feminino em si, de forma
dada e esperando a análise do historiador para ser
compreendida, mas efeitos de naturalização de
corpos, processos discursivos que criam

71
identidades sexuais e de gênero. (RIBEIRO
JUNIOR, 2016, p. 57).

Após o anterior resgate teórico a respeito das abordagens sobre


gênero e sexualidade é possível compreender o exponencial movimento
em busca de desmistificar as concepções acerca da diversidade de gênero
e diversidade sexual postas na sociedade atual. Neste escopo,
encontram-se as produções acadêmicas que versam tais temáticas e
possibilitam elucidar questionamentos históricos ainda nebulosos.
Resultados e discussões
Mediante as buscas efetuadas no repositório da Unesp,
possibilitou-se identificar o panorama atual da produção científica
relacionada à comunidade LGBT, diversidade de gênero e sexualidade.
A fim de melhor sistematizar e apresentar os resultados da pesquisa
optou-se pela construção de gráficos que possibilitam melhor visualizar
a informação apresentada por meio de dados quantitativos referentes aos
resultados recuperados na busca de cada termo.
Na primeira etapa, efetuou-se a busca utilizando o termo LGBT,
que recuperou uma série de trabalhos apresentados de acordo com a
tipologia, como consta no gráfico 1:

72
Gráfico 1 - Busca pelo termo LGBT

Fonte: elaborado pelo autor.

Ao buscar pelo termo LGBT, recuperou-se um total de 237 itens,


distribuídos dentre as diferentes tipologias. Foram recuperados 135
Dissertações de Mestrado, 42 Teses de Doutorado, 27 Trabalhos de
Conclusão de Curso, 17 Artigos, 8 Livros, 4 trabalhos de Eventos, 2
Revistas e 2 Resumos. Observa-se que o maior número de itens
corresponde a Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado. No
entanto deve-se considerar que tais tipologias se enquadram na política
de autoarquivamento obrigatório, o que reflete o maior no número de
itens arquivados em relação às demais tipologias.
Posteriormente, realizou-se a busca pelo termo Diversidade de
Gênero, com a utilização do mecanismo de filtro para união dos termos.
Recuperou-se, assim, itens com a presença dos dois termos unidos,
subdivididos por tipologia como apresentado no 2.

73
Gráfico 2 - Busca pelo termo DIVERSIDADE DE GÊNERO

Fonte: elaborado pelo autor.

Ao efetivar a busca pelo termo Diversidade de Gênero foi


recuperado um total de 10 itens. Dentre as tipologias contabilizou-se 3
Dissertações de Mestrado, 3 Teses de Doutorado, 2 Trabalhos de
Conclusão de Curso, 1 Artigo, 1 Trabalho em evento, Revistas, Livros e
Resumo, não apresentaram resultados. Verifica-se que o número de
itens recuperados é muito inferior aos recuperados com o termo LGBT;
e em relação a todo conteúdo disponível no Repositório. Os itens
recuperados concentram-se nas tipologias Dissertação de Mestrado e
Tese de Doutorado, como já esperado, devido à política de
autoarquivamento.
Por fim realizou-se a busca pelo termo Diversidade Sexual. Para
a efetivação desta busca utilizou-se o mesmo mecanismo utilizado na
busca pelo termo Diversidade de Gênero, qual possibilita a união de
termos.
Deste modo, os resultados obtidos mediante a pesquisa estão
dispostos dentre diferentes tipologias como apresentado no gráfico 3:

74
Gráfico 3 - Busca pelo termo DIVERSIDADE SEXUAL

Fonte: elaborado pelo autor.

Mediante a busca pelo termo Diversidade Sexual, foram


recuperadas 5 Dissertações de Mestrado, 3 Artigos e 1 Trabalho de
Conclusão de Curso. As tipologias Tese de Doutorado, Trabalho em
Evento, Revista, Resumo e Livro não apresentaram resultados de busca.
Dentre o total de 9 itens recuperados, observa-se uma maior
concentração na tipologia Dissertação de Mestrado, acompanhando a
tendência do autoarquivamento. Verifica-se que os resultados
configuram o menor número de itens recuperados dentre os termos
escolhidos.
Mediante a um comparativo dentre os itens recuperados pelas
buscas dos termos, aponta-se uma grande desproporção entre os
resultados obtidos. Embora o termo LGBT apresente um aumento
significativo nos itens convergidos no ambiente, os termos Diversidade
de Gênero e Diversidade Sexual configuram um número muito baixo.
Através das buscas foi possível também observar as datas em que
os itens foram depositados no ambiente conforme a tabela 1:

75
Tabela 1 - Busca pelos termos no Repositório - Recuperados por período -
2007-2018.
PERÍODO LGBT DIVERSIDADE DE DIVERSIDADE
GÊNERO SEXUAL
2007 - 2009 9 1 0

2010 - 2018 228 9 9

Fonte: elaborado pelo autor.

Ao considerar os resultados obtidos constata-se que entre o


período de 2007 a 2009 foram depositados no ambiente um total de 10
itens representados pelos termos selecionados, sendo dentre estes, 9 com
o termo LGBT e 1 com o termos Diversidade de Gênero. Diversidade
Sexual não apresentou resultados de busca.
Dentre os anos de 2010 a 2018 observa-se um crescimento
exponencial de produções recuperadas pelos termos. Verifica-se que
trabalhos recuperados com o termo LGBT aumentaram de 9 para 288,
Diversidade de Gênero, de 1 para 9 e Diversidade Sexual, que não
apresentou resultados antes de 2010 atualmente recupera 9 itens.
Anteriormente ao ano de 2007 não constam trabalhos
recuperados com os termos selecionados. Observa-se um significativo
aumento de produções no período de 2010 a 2018, o que indicativo do
caráter atual que configura as produções referentes às temáticas.
Identificou-se por meio dessa análise algumas características referentes
à como as produções que versam a temática LGBT, diversidade de
gênero e sexualidade se constituem na universidade e por meio do filtro
“Programa de Pós Graduação” quais áreas têm abordado cada temática,
de acordo com os termos buscados.
Deste modo, foi possível constatar que as unidades e programas
de pós graduação que mais produzem trabalhos recuperados com o termo
LGBT: Faculdade de Ciências e Letras – Araraquara com 44 itens,
dentre estes 15 pertencentes ao programa de pós graduação em Educação

76
escolar e 16 ao programa de pós graduação em Educação sexual;
Faculdade de Ciências e Letras – Assis com 44 itens, sendo 26
pertencentes ao programa de pós graduação em Psicologia; Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação - Bauru com 40 itens, dentre estes
20 TCC e 14 pertencentes ao programa de pós graduação em
Comunicação; Faculdade de Filosofia e Ciências – Marília com 35 itens
sendo 18 pertencentes ao programa de pós graduação em Ciências
sociais.
Tais unidades de ensino e programas de pós-graduação
correspondem aos maiores números resultantes da busca pelo termo
LGBT, demonstrando que as discussões referentes a esta temática tem
seu maior crescimento em meio às humanidades e ciências sociais
aplicadas. A busca pelo termo Diversidade de Gênero e Diversidade
Sexual, embora configurem um número muito baixo de itens recuperados
em relação aos trabalhos recuperados com o termo LGBT e que se
enquadram no contexto da atual pesquisa, também se encontram, em sua
maioria, relacionados a áreas das Ciências Humanas e Ciências Sociais
Aplicadas.

Considerações finais.
Mediante a revisão de literatura, ao resgatar as principais
colocações teóricas referentes aos pontos que emergiram durante a
efetivação da pesquisa é pertinente pontuar que a abordagem das
temáticas referentes à comunidade LGBT, diversidade de gênero e
sexualidade, em ambientes acadêmicos, configuram um panorama
contemporâneo, sendo um fenômeno bastante atual.
Dada a imersão no Repositório Institucional da Unesp e a busca
pelos termos LGBT, diversidade de gênero e diversidade sexual foi
possível estabelecer o panorama atual da produção científica em torno
da temática investigada. Constatou-se que, embora pesquisas estejam
emergindo, os trabalhos que perpassam a temática ainda configuram um
número muito baixo de recuperações em relação a todo conteúdo
convergido no ambiente.

77
Compreende-se a necessidade de que estudos referentes à
comunidade LGBT, diversidade de gênero e sexualidade sejam
abordados no contexto acadêmico e os resultados de pesquisas
compartilhados de maneira adequada. Tais conhecimentos são
imprescindíveis para que o contexto de vulnerabilidade em que se
inserem os indivíduos pertencentes a essa camada da sociedade possa ser
reparado. Assim sugere-se que futuras pesquisas busquem identificar a
ocorrência das de temáticas relacionadas a sujeitos em vulnerabilidade
social no âmbito das IES, bem como formas de melhorar a visibilidade
das pesquisas e dos grupos sociais quais se inserem.

Referências
BOSO, A. K . Repositórios de instituições federais de ensino
superior e suas políticas: análise sob o aspecto das fontes
informacionais. 2011- 150 f. Dissertação (mestrado) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação. Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Florianópolis, 2011.
Disponível em:
<https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/95776/296890.
pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 05 de mar. 2018.

BUTLER, J. Regulações de gênero. Cadernos Pagu. v. 42. jan/jun,


2014. p. 249-274. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cpa/n42/0104-8333-cpa-42-00249.pdf>
Acesso em: 10 mai. 2018.

FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber.


Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon
Albuquerque. 7 ed. Rio de Janeiro: edições Graal, 1988.

FOUCAULT, M. História da sexualidade II: o uso dos prazeres.


Tradução de Maria Tereza da Costa Albuquerque. 8 ed. Rio de Janeiro,
Edições Graal, 1984.

JORENTE, M. J. V.; SANTOS, P. L. V. A. C. Mídias de informação e


comunicação e Ciência da Informação. Perspectivas em Ciência da

78
Informação, v.19, n.1, p.190-206, jan./mar., 2014. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/pci/v19n1/12.pdf >. Acesso em: 19 de
set.2017.

NOGUEIRA M. A. Sofrimento organizacional, democracia e gestão


universitária. Araraquara: Cultura Acadêmica, 2005.
PLANELLA RIBERA, J. Corpo, cultura e educação. Tradução de
Maria José Vicentini Jorente; Natalia Nakano; Lais Alpi Landim.
Marília - São Paulo: Cultura Acadêmica, 2017.

REPOSITÓRIO INSTITUCIONAL UNESP, 2018. Disponível em:


<https://repositorio.unesp.br/page/faq#1> Acesso em: 17 de mai. 2018.

RIBEIRO JUNIOR, B. I. Para além da heteronormatividade: uma


análise dos eunucos representados por Estácio, Marcial e Suetônio
(Roma, 80-121 d. C.). 2016- 189 f. Dissertação de Mestrado –
Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual
Paulista. Assis, 2016. Disponível em:
<https://alsafi.ead.unesp.br/bitstream/handle/11449/138880/ribeirojunio
r_bi_me_assis_int.pdf?sequence=5&isAllowed=y> Acesso em: 16 de
mai. 2018.

79
SEXUALIDADE E OPRESSÃO: UMA
INVESTIGAÇÃO SOBRE AS OPRESSÕES DOS
CORPOS E A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO
SEXUAL EM SALA DE AULA, DIÁLOGOS
ENTRE O TEATRO E A HISTÓRIA

Vera Márcia Marques Santos


Janine Soares da Rosa de Moraes
Guilherme Luiz Porte
(Universidade do Estado de Santa Catarina)

Texto resultante da aplicação de oficinas de Direitos Humanos, na Escola


Básica Júlio Costa Neves/SC, do projeto de extensão do Laboratório de
Educação e Sexualidade/Labedusex, do CEAD/UDESC, parceria com o
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros/NEAB/UDESC. Apresentamos uma
Investigação e práticas em sexualidade e educação sexual. Nosso objeto
de pesquisa será a sexualidade, a opressão dos corpos e a prática da
educação sexual, bem como a promoção do pensamento histórico,
afetivo e consequentemente sensível em sala de aula, tendo como base
as atividades e estudos das artes cênicas. Temos o objetivo de relatar
práticas pedagógicas de educação sexual na escola, que sejam relevantes
para professores/as, alunos/as e comunidade, ampliando a discussão de
um tema que é fundamental para a formação de futuros cidadãos. Para
tanto, utilizamos como técnica de investigação a pesquisa-ação.
Pretendemos refletir e demonstrar nossa metodologia de trabalho, como
foram feitas as atividades. Na sequência apresentamos a justificativa e
descreveremos nossas dificuldades e novos olhares e posicionamentos.
Por fim elencamos o que aprendemos com a aplicação desta atividade de
extensão na escola, o diálogo possível entre Teatro-Educação e a
História, em virtude da possibilidade de trabalhar a associação que
promova tanto a perspectiva histórica, quanto a sensível, na elaboração

80
de práticas escolares interdisciplinares que proporcionem uma ampliação
de olhares sobre os espaços, corpos, tempo e educação sexual.
Palavras-chave: Educação Sexual, Sexualidade, Escola, Direitos
Humanos.

SEXUALITY AND OPPRESSION: AN INVESTIGATION INTO


THE OPPRESSION OF BODIES AND THE PRACTICE OF SEX
EDUCATION IN THE CLASSROOM, DIALOGUES BETWEEN
THEATER AND HISTORY

Human Rights workshops were applied at Elementary School Julio da


Costa Neves/SC, by extension project of Laboratório de Educação e
Sexualidade/Labedusex, from CEAD/UDESC, in partnership with the
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros/NEAB/UDESC. We present an study
and practices about sexuality and sexual education. Our research object
will be the sexuality, the opression of the bodies and the practice of
sexual education, as well as the historic, affective and by consequence
sensitive thought promotion in class, based on the activities and studies
of theatre arts. We aim to report the pedagogical practices of sexual
education at school that are relevant to teachers, students and
community, making the discuss of this so fundamental to form our future
citizens theme, bigger. Therefore, we used as research technique the
research-action.We intent to think over and demonstrate our work
methodology, how the activities were done. Follow by this, we present
the justification and will describe our dificulties and new looks and
perspectives. Lastly, we will name what we can learn from this
experience in the school, the possible dialogue between Theatre-
education and History duo to the possibility to work the association that
promote not only the historical perspective but also the sensitive
perspective while make interdisciplinary school practices the look for
and bigger view about spaces, bodies, time and sexual education.
Key words: Sexual Education, Sexuality, School, Humans Rights.

81
Enquadramento teórico
Com base em nossa experiência de campo, na execução de
oficinas com a temática Direitos Humanos, na Escola Básica Júlio Costa
Neves, na cidade de Florianópolis/SC, em virtude da aplicação do projeto
de extensão do Laboratório de Educação e Sexualidade (Labedusex), do
Centro de Educação a Distância da Universidade Estadual de Santa
Catarina - CEAD/UDESC, em parceria com o Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina -
NEAB/UDESC. Apresentamos essa comunicação no eixo temático: T01
- Investigação e práticas em sexualidade e educação sexual.
Esse trabalho insere-se nas discussões do Labedusex e do
Projeto WebEducaçãoSexual, grupos de estudo e reflexões sobre a
educação sexual nos espaços escolares e a formação de professores/as
com a proposta de sensibilizá-los/las para trabalhar a sexualidade como
dimensão humana.
Cientes da possibilidade de uma proposta onde extensão e
pesquisa são indissociáveis, definimos por realizar nesse contexto de
extensão, sistematizar um espaço de pesquisa, dado a latência dos
questionamentos que surgiram durante as oficinas. Assim, percebemos
que tínhamos nesse quadro um objeto de pesquisa, que perpassa “a
sexualidade, a opressão dos corpos e a prática da educação sexual, bem
como a promoção do pensamento histórico, afetivo, estético e
consequentemente sensível em sala de aula, tendo como base as
atividades e estudos das artes cênicas, mais precisamente o Teatro-
Educação, Teatro do Oprimido e Licenciatura em História”. Surge então,
o questionamento que passou a nos inquietar: Práticas pedagógicas de
educação sexual podem contribuir com a formação cidadã de professores
e professoras, a partir da prática docente?
Nosso o objetivo geral foi perceber como práticas pedagógicas
de educação sexual na escola, que sejam relevantes para professores/as,
alunos/as e comunidade, podem ou não ampliar a discussão de um tema
que é fundamental para a formação cidadã, especialmente na formação
de professores/as, pois segundo Mendes e Santos:

82
No trabalho de formação docente, em uma proposta
de diálogo sobre a educação sexual e suas
implicações nos espaços educativos encontramos
possibilidades na luta contra as violências, no
combate a toda forma de discriminação e
preconceito dentre outros11. (MENDES e
SANTOS, 2018, p. 38)

Para contribuir com a pesquisa elegemos como objetivos


específicos: ampliar a discussão sobre o tema em sala de aula; pensar e
expressar conteúdos e ideias a partir dos corpos; proporcionar momentos
de discussão e sensibilização para a questão da opressão de gênero e
educação sexual; proporcionar autorreflexão, alteridade união, respeito,
empatia, sororidade e diálogo.
Para tanto, utilizamos como técnica de investigação a pesquisa-
ação, quando da aplicação das práticas em sala de aula. Lançamos mão
de um roteiro de leitura e fichamento dos textos que embasaram nossa
intervenção na escola. Aplicamos junto ao nosso público participante,
questionários para compreender o nível de conhecimento dos/as
discentes sobre sexualidade e opressão. Ao longo deste artigo
pretendemos refletir e demonstrar nossa metodologia de trabalho, como
foram feitos e aplicados os jogos e atividades com os/as alunos/as.
Destacamos que a atividade tinha como propósito promover a reflexão
por meio das improvisações teatrais, da análise das letras das músicas,
como também discussões relacionadas ao tema. Ainda apresentar
práticas pedagógicas de educação sexual, que fossem relevantes para
professores/as, alunos/as e comunidade.
Ressaltamos que estudar estes temas, no momento
político/educacional em que nos encontramos, tornou-se uma forma de
afirmar e demonstrar que a educação sexual é fator importante para o
desenvolvimentos e segurança de crianças, adolescentes e adultos, como
tema transversal abordado nos parâmetros curriculares nacionais, onde

11
Grifo nosso.

83
temos que o trabalho realizado a partir da Orientação Sexual, entendida
como educação sexual,
[...] também contribui para a prevenção de
problemas graves, como o abuso sexual e a
gravidez indesejada. Com relação à gravidez
indesejada, o debate sobre a contracepção, o
conhecimento sobre os métodos anticoncepcionais,
sua disponibilidade e a reflexão sobre a própria
sexualidade ampliam a percepção sobre os
cuidados necessários quando se quer evitá-la. Para
a prevenção do abuso sexual com crianças e jovens,
trata-se de favorecer a apropriação do corpo,
promovendo a consciência de que seu corpo lhes
pertence e só deve ser tocado por outro com seu
consentimento ou por razões de saúde e higiene.
Isso contribui para o fortalecimento da auto-estima,
com a conseqüente inibição do submetimento ao
outro. Com a inclusão da Orientação Sexual nas
escolas, a discussão de questões polêmicas e
delicadas, como masturbação, iniciação sexual, o
“ficar” e o namoro, homossexualidade, aborto,
disfunções sexuais, prostituição e pornografia,
dentro de uma perspectiva democrática e pluralista,
em muito contribui para o bem-estar das crianças,
dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua
sexualidade atual e futura. (PCN - 1998)

Para o/a professor/a os PCNs tornam-se importante documento


orientador dos conteúdos trabalhados em sala, assim os/as docentes têm
a responsabilidade de encontrar meios em sua prática, para abordar os
diferentes temas dentro de sua área de conhecimento. Tornando assim o
debate mais abrangente, sobre outras perspectivas como a histórica e as
artística. Nos PCNs de História vamos encontrar que:
as imagens, representações e valores em relação ao
corpo, à sexualidade, aos cuidados e
embelezamento do indivíduo, aos tabus coletivos, à
organização familiar, à educação sexual e à
distribuição de papéis entre homens, mulheres,

84
crianças e velhos nas diferentes sociedades
historicamente constituídas. (PCN - 1998)

Poderíamos ainda citar a Constituição de 1988, que versa na


seção I - Da Educação, apresentando a mesma como direito que deve ser
promovida e incentivada pela sociedade visando o pleno
desenvolvimento da pessoa. Com isso, passamos a descrever o que
aconteceu em nossas intervenções com os/as alunos/as da E. E. B. Júlio
Costa Neves, bem como, quais foram os pontos que se desenvolveram, a
fim de confirmar que a escolha do tema e atividade contribuíram
positivamente para que os/as discentes percebessem a relevância da
temática no processo educativo de cada um/a. Relataremos ainda, nossas
dificuldades, processo que construímos junto com os/as alunos/as e os
recursos para superá-las e propor novos olhares e posicionamentos. Com
a aplicação de questionários, realizamos nossa avaliação das atividades
e feedbacks, a fim de confirmar os resultados exitosos ou não de nossa
prática na escola, durante as oficinas.
Por fim elencamos o que aprendemos com a aplicação desta
atividade de extensão na escola, o diálogo possível entre Teatro-
Educação e a Licenciatura em História, em virtude da possibilidade de
trabalhar a associação que promova tanto a perspectiva histórica, quanto
a sensível, na elaboração de práticas escolares interdisciplinares que
proporcionem uma ampliação de olhares sobre os espaços, sobre os
corpos, sobre o tempo e sobre a educação sexual.

Método
A metodologia de trabalho com os/as alunos/as da E. E. B.
Júlio Costa Neves se deu por meio de aula expositiva e jogos teatrais.
Iniciamos com a apresentação da proposta dos Programa de Extensão
LabeduSex e NEAB/UDESC, esclarecendo sobre a indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão, e sobre as possibilidades de troca de
experiências e informação nesta oficina, lembrando que também
estávamos em uma posição de aprendizado.

85
O 1º jogo foi conduzido pelo acadêmico Guilherme. Em uma
roda de mãos dadas, convidamos os/as alunos/as a andarem pelo espaço
em diferentes velocidades, percebendo os colegas e o local onde estamos.
Em círculo todos falavam seu nome em voz alta, após cada discente vai
até o centro da roda e fala seu nome com um gesto característico, que
todos teriam de imitar. Neste momento trabalhamos a fim de quebrar o
gelo e proporcionar integração no grupo.
O 2º jogo consistiu em ouvir e dançar as seguintes músicas:
Taca Cachaça que ela libera, Vidinha de Balada, Me Lambe e Diretoria.
Neste momento trabalhamos as diferentes formas de percepção, pois
convidamos os/as alunos/as a expressão corporal, dançando
individualmente, em duplas ou em pequenos grupos. Após
aproximadamente 15 minutos de atividade, convidamos os/as alunos/as
a se reunirem em pequenos grupos. Nesse momento distribuímos as
letras das músicas anteriormente ouvidas e dançadas. O desafio naquele
momento constitui-se em reconhecer ou não na letra das músicas,
elementos que remetessem a sexualidade e opressão dos corpos. Essa
etapa do jogo gerou importantes reflexões que foram apresentadas nos
resultados e discussões.
Na sequência convidamos os grupos a apresentarem uma
improvisação sobre suas impressões referentes aos trechos das músicas
e o que mais os impactou. Depois de cada apresentação, fizemos uma
revisão da cena verificando o que conseguimos captar e se conseguimos
reconhecer qual foi a música apresentada, encerrando com um debate
geral. Neste momento, trabalhamos a expressão corporal, as percepções
sensíveis e o afeto entre o grupo.
O 3º jogo iniciou-se com o vídeo “Essa é bem rosinha, b*ceta
rosa”, caso de assédio ocorrido na copa da Rússia em 2018. Após assistir
o referido vídeo dividimos a turma em dois times/grupos, formados de
forma aleatória com meninos e meninas. A cada grupo foi entregue a
missão de defender ou apontar a perspectiva de um dos lados da história,
qual seja a mulher e os homens que aparecem no vídeo. Cada grupo teve
dez minuto para pensar e 5 minutos para colocar seu ponto de vista em

86
relação a um dos lados da história. Neste momento trabalhamos a
organização do espaço de diálogo, pois no tempo que cabia a um grupo
apresentar seu ponto de vista, o outro grupo não poderia interromper.
Oportunizamos a pluralidade de ideias e a discussão de fatos cotidianos
dos/as alunos/as, suscitados a partir do vídeo e do debate gerado em torno
deste.
Na sequência, noutra atividade de assistimos o vídeo do Chá -
Consentimento é tudo. Não significa Não. Nele aparecem diversas
situações em que uma pessoa oferece chá para outra e corre o risco de
não ter o convite aceito. “Se enquanto estava bem, ela falou que não
queria chá e depois desmaiou, não a obrigue a tomar chá e a leve para
um lugar seguro”, para refletir sobre consentimento, onde “não é não” e
respeito ao corpo. Nesse momento convidamos a reflexão amparados nas
discussões anteriores sobre o vídeo de assédio, estimulando o
entendimento e pensamento crítico.
Para finalizar, oferecemos aos discente um grande pedaço de
papel kraft, no qual eles expressaram suas percepções e aprendizado que
as atividades proporcionaram, usando diferentes materiais para desenhar
e colorir. Esta intervenção artística ficou exposta na escola.
O local utilizado para a realização das atividades foi uma sala
ou espaço amplo com possibilidade que todos pudessem ficar em círculo
e se movimentar com liberdade. Também utilizamos aparelho de som
para tocar as músicas do jogo 1, folhas de papel A4 e lápis ou caneta para
anotação, data show e computador para o jogo 4, fita adesiva para colar
o papel Kraft na parede, papel kraft, canetinhas coloridas, giz de cera,
tinta guache e pincel.
Com base na participação e respostas no questionário aplicado
aos alunos/as entendemos que a escolha do tema e atividades
contribuíram positivamente para os/as discentes para dirimir suas
dúvidas, ou qualificarem as suas percepções e compreensão sobre a
temática. O desenvolvimento das dinâmicas ocorreu com a participação
intensa e interação entre os sujeitos, discutindo e refletindo os temas
usando outras formas de percepção como o corpo, expressando e

87
compreendendo conteúdos e ideias não só com a fala e audição, mas
também com a expressão corporal. Nossas principais dificuldades
estavam ligadas ao individualismo, desconfiança com o tema e olhar
rígido. Construímos com os/as alunos/as os recursos para superá-las,
com a proposição de novos olhares e posicionamentos. Percebemos uma
resistência inicial e permanência em estado de ausência de movimentos,
e/ou inibição ao participar de algumas atividades, entretanto a
participação e suporte dos próprios colegas contribuiu para vencermos
esta resistência até o final das atividades. Ao longo das atividades,
observamos que o envolvimento da turma se intensificou, especialmente
quando foram convidados/as a expor sua opinião sobre um caso como
assédio, bem como, nos jogos de improvisação.

Resultados principais e discussões


A aplicação desta atividade de extensão na escola foi muito
enriquecedora e produtiva. Experienciamos o diálogo possível entre
Teatro-Educação e a Licenciatura em História, em virtude da
possibilidade de trabalhar uma associação que promove tanto a
perspectiva histórica, quanto a sensível, na elaboração de práticas
escolares interdisciplinares que proporcionem uma ampliação de olhares
sobre os espaços, sobre os corpos, sobre o tempo e sobre a educação
sexual.
Para os/as alunos/as da Escola Básica Júlio Costa Neves,
percebemos a criação de vínculo e confiança entre os pares, construção
de afeto e novos olhares em relação aos temas abordados, percepção da
educação sexual como um agente emancipador e de combate a violências
e abusos.
As principais discussões levantadas pelos/as discentes foram o
machismo, doutrinação, orientação sexual e racismo. Ao nosso entender,
estas questões levantadas pelos/as alunos/as mostram que nossa
abordagem sobre a opressão dos corpos foi compreendida por eles, para
além do “dispositivo binário de gênero” (LANZ, 2014, p.12), construído
por nossa sociedade, dividida entre homens e mulheres.

88
A discussão sobre machismo ocorreu principalmente no jogo
3, na qual o grupo que abordou o fato sobre a visão da mulher, apontou
situações do próprio cotidiano nas quais sentem-se atravessadas/os de
forma opressora por valores machistas. Importante frisar que no referido
grupo haviam meninas e meninos, e ambos fizeram estes apontamentos.
O grupo incumbido de apresentar o ponto de vista dos homens, sentiu-se
incomodado desde o início em representá-los, pois justificavam que não
havia o que ser defendido. Entretanto orientados pelo acadêmico
Guilherme e acadêmica Janine, participaram da dinâmica entendendo
que tinham o papel de apresentar as justificativas que este lado da história
apresentou e não de defesa. Janine e Guilherme foram questionados por
um aluno sobre o fato de estarem sendo doutrinadores ou tendenciosos,
ao aplicar uma atividade na qual os participantes teriam de defender o
ponto de vista dos assediadores. Explicamos ao aluno que não se tratava
de defender pontos de vista mas sim de apresentá-los e dialogar, pois
entendemos: “a Educação Sexual como luta, é preciso estar convencido/a
de que os problemas da sexualidade refletem a sociedade da qual somos
parte.”(MENDES e SANTOS, 2018, p. 40)
Neste mesmo jogo um aluno levantou a questão de LGBTfobia,
sofrida e presenciada por ele, comparando com as opressões e
brincadeiras ofensivas desferidas por pessoas nos diferentes espaços
sociais. O acadêmico Guilherme teve a oportunidade de refletir junto a
este discente sobre a oportunidade, legitimidade e empoderamento
experienciado pelo aluno nesta atividade.
A discussão racial ocorreu especialmente nas discussões sobre
a condição das mulheres negras em nossa sociedade, e ainda com relação
às mulheres negras e trans. Entretanto percebemos uma discussão tímida
em relação aos alunos/as, mesmo ao trabalhar com a música Diretoria
que traz uma crítica a questão da violência e opressão aos corpos negros.
Talvez isso explique-se pela pouca representatividade de diversidade
étnica nas turmas. Segundo Muniz Sodré:
O racismo é, historicamente, um modo de organizar
povos dominados. O racismo doutrinário foi, desde

89
fins do século XIX, uma opressiva manifestação de
consciência da universalidade dessa pele: a fantasia
do homem branco europeu como valor equivalente
universal de toda humanidade possível, donde a
imposição de um critério racial de classificação
hierárquica das classes sociais. Negros, índio,
mestiço e mulato seriam, por conseguinte, formas
incompletas do “homem pleno”, modelado pelo
europeu.(SODRÉ, 2012, p.50)

A partir das experiências relatadas até aqui, é interessante


refletirmos acerca da importância do ensino de arte, ou de nos fazermos
a pergunta: Por que arte no ensino público brasileiro? A resposta pode
ser encontrada de várias maneiras, mas aqui, é mais adequado ressaltar o
que tange o Parâmetro Curricular Nacional do ensino de arte na escola,
evidenciando aqui, logo o primeiro objetivo geral do ensino
fundamental, que diz:
compreender a cidadania como participação social
e política, assim como exercício de direitos e
deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-
a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e
repúdio às injustiças, respeitando o outro e
exigindo para si o mesmo respeito;(PCN - 1998)

Nesse sentido, já se comprova a importância da linguagem


teatral no ensino público brasileiro, tendo em vista principalmente o
poder de movimento/ação, ou filosoficamente, mover-se, e sobretudo
desenvolver potencial criativo que o teatro oferece como linguagem,
análise, interpretação, conteúdos voltados para o ser/estar neste mundo,
a ideia de não só viver, mas pertencer a uma cultura e assim compreendê-
la da maneira mais ampla e respeitosa que pudermos alcançar, a ponto
de gerar auto reflexão e elencar os fatos cotidianos com maior coerência
crítica, respaldada em métodos experienciativos, que procuram envolver
temáticas mais complexas como por exemplo, problemáticas raciais ou
de gênero e até mesmo de sexualidade, de maneira mais sóbria,
verdadeira, e não somente de formas objetivas e inflexíveis.

90
Sendo assim, convém uma citação poética onde Rudolf Van
Laban diz “O teatro é a tribuna na qual a luta no seio dos valores humanos
é representada artisticamente”. Assim, podemos também dizer que a arte,
mas principalmente o teatro, promovem a igualdade de forma sublime,
como nenhuma outra linguagem alcançará, uma vez que a educação é
carente de afeto dentro de suas relações estruturais, dada as
circunstâncias de sua época, no que diz respeito ao avanço tecnológico,
rápido acesso a informação, que na maioria das vezes não contribui como
construção de conhecimento, dada a manipulação midiática atual
juntamente com as trincheiras ideológicas do regime democrático
capitalista, faz-se necessário um olhar para si, para o sensível e para o
outro, pois segundo Augusto Boal:
Toda ação humana modifica a sociedade e a
natureza. A arte e a ciência modificam a natureza
de uma forma organizada, não-episódica, segundo
suas próprias leis. Mas há uma diferença
fundamental entre a ciência e a arte. Quando
Fleming descobriu a penicilina, não precisou da
consciência do doente para curá-lo. A ciência atua
diretamente sobre a realidade, modificando-a. Pelo
contrário, a arte modifica os modificadores da
sociedade, transforma os transformadores. Sua
ação é indireta, exerce-se sobre a consciência dos
que vão atuar na vida real. (BOAL, 1991,p. 22)

Portanto, não precisamos articular muito o pensamento para


entendermos que existe uma grande diferença social no Brasil e que essa
diferença gera violência, intolerância e mortes, então enquanto
educadores nos cabe a pergunta: Que alternativas pedagógicas podemos
criar, inventar para combater correntes de pensamento que agridem os
direitos humanos? O teatro-educação propõe alternativas como esta, por
isso é mais do que hora de começarmos a olhar para educação por um
viés mais sensível.

Considerações finais

91
Constatamos nesta atividade de extensão, o diálogo possível
entre Teatro-Educação e a Licenciatura em História, haja visto, a
possibilidade de trabalhar tanto a perspectiva histórica, quanto a estética
sensível da Arte, contemplando práticas escolares interdisciplinares. As
oficinas proporcionaram uma ampliação de olhares sobre os espaços, os
corpos, o tempo e a educação sexual na escola. Registramos que esse
contexto, nos proporcionará ainda, um espaço de pesquisa, considerando
a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Daremos
continuidade ao trabalho aplicando esta prática com professores/as, bem
como aprofundando os estudos sobre feminismo, “interseccionalidade”
(OLIVEIRA, 2017) e diversidade sexual.

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto:
Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série
Legislação Brasileira).

Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares


nacionais : história / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília :
MEC / SEF, 1998. 108 p

Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares


nacionais : Temas Transversais/ Orientação Sexual. Brasília : MEC /
SEF, 1998.

Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares


nacionais : Arte. Brasília : MEC / SEF, 1998.

BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. Rio


de
Janeiro, RJ: Ed. Civilização Brasileira S.A., 1991.

FREITAS, Dilma Lucy et al. (Orgs.). Projeto WebEducaçãoSexual: a


educação no espaço escolar. Florianópolis. UDESC, 2018. 191p.

92
LABAN, Rudolf von. Domínio do movimento. São Paulo, SP: ed.
organizada Lisa Ullmann. 1978

LANZ, Letícia. O corpo da roupa : a pessoa transgênera entre a


transgressão e a conformidade com as normas de gênero. Dissertação
(Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal do Paraná. Curitiba,
2014. 342 f.

MENDES, Patrícia. SANTOS, Vera. Currículo, Formação de


Professores/as e Educação Sexual. In: FREITAS, Dilma Lucy et al.
(Orgs.). Projeto WebEducaçãoSexual: a educação no espaço escolar.
Florianópolis. UDESC, 2018. 33-42 p.

OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. O diabo em forma de gente: (r)


existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação.
Tese (Doutorado em Educação) – Setor de Educação da Universidade
Federal do Paraná. – Curitiba, 2017. 190 f.

SANTOS, Vera M. M. Educação sexual ou Orientação sexual?


Florianópolis: (PDF) UDESC/CEAD, 2017.

SODRÉ, Muniz. Reinventando a educação: diversidade,


descolonização e redes. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012

You Tube. Canal: Igo. Essa é bem rosinha, b*ceta rosa. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=VFw6m-FHs6A

You Tube. Canal: Emilio Cid. Consentimento é tudo. Não significa


Não. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wHuBBFvKeC0

You Tube. Canal: Thelittle. Raimundos - Me Lambe. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=VLTePjx-2i4

You Tube. Canal: Henrique e Juliano. VIDINHA DE BALADA.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PnAMEe0GGG8

93
You Tube. Canal: Douglas Tartarotti. Edy Lemond - Taca cachaça
(Live Music). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Pj9Wafc9yuA

You Tube. Canal: Wallace Safra. MC Primo Diretoria Clipe Oficial.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tE2juYyUY2k

94
XI - COLÓQUIO DO GRUPO DE
PESQUISA FORMAÇÃO DE
EDUCADORES E EDUCAÇÃO SEXUAL.
DIÁLOGOS SOBRE SEXUALIDADE E
EDUCAÇÃO SEXUAL COM VISTAS À
EMANCIPAÇÃO: 11 ANOS DO PROGRAMA
EDUCAÇÃO SEXUAL NAS ONDAS DA RÁDIO UDESC

Sabrina Luz de Amorim


Patrícia de Oliveira e Silva Pereira Mendes
(Universidade do Estado de Santa Catarina)

O XI Colóquio do Grupo de Pesquisa Formação de Educadores e


Educação Sexual é uma Ação vinculada ao Programa Formação de
Educadores e Educação Sexual: interfaces com as Tecnologias,
desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Formação de Educadores e
Educação Sexual CNPq/UDESC, que trabalha há mais de 30 anos
investindo esforços na intenção de efetivar/propor e dialogar em espaços
educativos formais e não-formais sobre projetos intencionais de
educação sexual traçados em uma perspectiva emancipatória. O trabalho
desse grupo consiste na conscientização e sensibilização de educadoras
e educadores e comunidade em geral para atentarem para a dimensão da
sua corporeidade, sempre sexuada, em um mundo sexualizado,
compreendendo assim que os espaços escolares não podem se furtar ao
diálogo e a realização de trabalhos intencionais de educação sexual com
vistas à emancipação humana. Neste evento Colóquio, que aconteceu nos
dias 22, 23 e 24 de outubro, foram convidados educadoras/es,
representantes de ONGs, do Movimento Feminista e pesquisadoras/es
que foram entrevistados e corroboraram na Ação Programa de Rádio
Educação Sexual em Debate: nas ondas da Rádio UDESC para
comporem as mesas de debates, participarem de conferências na intenção
de possibilitar aos graduandos e graduandas, educadoras e educadores
participantes no evento o diálogo a partir dos programas já veiculados,

95
para que possamos potencializar a efetivação de práticas emancipadoras,
fortalecer as redes de apoio para a concretização de projetos no campo
da Educação Sexual e avançar na compreensão de ricas temáticas que
nos afetam não apenas nos espaços educativos, mas que nos fazem
refletir sobre o lugar da emancipação na sociedade que construímos e
vivemos. Entendemos a rádio como um veículo potente na disseminação
e sensibilização acerca da educação sexual que almejamos construir e na
qual lutamos para manter o importante diálogo em nossa sociedade que
vivencia nos dias atuais lamentáveis retrocessos que nos fazem ratificar
ainda mais a importância dos temas afetos a sexualidade e a educação
sexual. No momento já são 100 participantes inscritos na ação, os
resultados dessa proposta intencional de diálogos sobre educação sexual
em uma perspectiva de Direitos Sexuais como Direitos Humanos
Universais é o que intencionamos compartilhar.
Palavras-chave: Educação Sexual Emacipatória – Direitos Sexuais -
Colóquio – Rádio

XI – COLLOQUIUM OF RESEARCH GROUP “EDUCATORS


FORMATION AND SEX EDUCATION”. DIALOGUES ABOUT
SEXUALITY AND SEX EDUCATION AIMING AT
EMANCIPATION: 11 YEARS OF THE “SEX EDUCATION IN
THE WAVES OF RADIO UDESC” PROGRAM

The XI Colloquium of Research Group “Educators Formation and Sex


Education” is an Action linked to the Program “Educators Formation
and Sex Education: interfaces with technologies”, developed by
Research Group “Educators Formation and Sex Education
CNPq/UDESC”, which for over 30 years has been making efforts with
the intention to propose/implement and start dialogues in formal and
non-formal educational settings about intentional sex education projects
outlined on an emancipatory perspective. This group’s work consists in
educating and raising awareness of educators and general community to
observe the dimension of their corporeality, always sexed, in a
sexualized world, thus understanding school settings cannot be deprived
of interaction and accomplished intentional works on sex education
aiming at human emancipation. This Colloquium, which will happen on

96
October 22-24, invited to attend educators, representatives of NGOs and
of the Feminist Movement, and researchers who were interviewed and
participated in the Action Radio Program “Sex Education in Debate: in
the waves of Radio UDESC” to compose debate tables, take part in
conferences with the intention of making possible for undergrad
students, educators, and participants to start a dialogue based on the
programs already aired, so we can maximize effective emancipatory
practices, strengthen the support networks to achieve projects in the area
of Sex Education, and advance in the understanding of enriching themes
that affect us not only in educational settings, but which make us think
about the role emancipation plays in the society we are building and
living. We understand the radio as a means of powerful dissemination
and awareness about the kind of sex education we hope to build and as
a platform in which we fight to maintain this important dialogue in our
society, which nowadays experiences an unfortunate setback that make
us legitimize even more the importance of the themes related to sexuality
and sex education. In this moment there are 100 participants enrolled in
the Action; the results of this intentional proposal of dialogues about sex
education from a perspective of Sexual Rights as Universal Human
Rights is what we intend to share.
Keywords: Emancipatory Sex Education – Sexual Rights – Colloquium
– Radio

Introdução.
O presente artigo relata a Ação Evento de Extensão XI
Colóquio do Grupo de Pesquisa Formação de Educadores e Educação
Sexual - Diálogos sobre Sexualidade e Educação Sexual com vistas à
Emancipação: 11 anos do Programa Educação Sexual nas Ondas da
Rádio UDESC, ocorrido nos dias 22, 23 e 24 de outubro de 2018 nas
dependências do campus I da Universidade do Estado de Santa Catarina
- UDESC, organizado pelo grupo de pesquisa Formação de Educadores
e Educação Sexual - EDUSEX - CNPQ/UDESC, liderado pela
professora Dra. Sônia Maria Martins de Melo.

97
O Colóquio se constitui em uma das ações do Programa de
Extensão Formação de Educadores e Educação Sexual: Interfaces com
as tecnologias etapas XI e XII, subsidiado pelos recursos do Edital PAEX
02/2017 da Pró-Reitoria de Extensão da UDESC. Este programa é uma
ação intercentros e em 2018 esteve em sua XI edição. É um evento
gratuito e aberto à ampla participação da comunidade de educadores e
educadoras das redes municipais e estaduais de Florianópolis e Grande
Florianópolis.
Nesse programa, outras duas ações de extensão estão
contempladas, sendo elas: 1. Educação Sexual em Debate nas ondas da
Rádio UDESC e o curso A Educação Sexual Começa na Infância,
desenvolvido gratuitamente em um ambiente online através da
plataforma Moodle; 2. O programa de rádio denominado Educação
Sexual em Debate: nas ondas da rádio UDESC que vai ao ar às sextas-
feiras na Rádio UDESC 100.1 FM, às 10:30 com reprises às quartas
feiras às 23:30 e também na Rádio Comunitária da Pinheira (município
da Grande Florianópolis) nas sextas feiras às 9 horas e sábados às 8:30.
O Programa de Extensão Formação de Educadores e Educação
Sexual: Interfaces com as Tecnologias Etapas XI e XII foi idealizado
pela professora Dra. Sônia Melo, líder do Grupo de Pesquisa Formação
de Educadores e Educação Sexual CNPQ/UDESC. A professora há mais
de 30 anos efetiva ações por meio do Grupo de Pesquisa EDUSEX na
direção de uma educação sexual numa perspectiva emancipatória,
compreendendo que direitos sexuais são direitos humanos universais,
conforme a Declaração dos Direitos Sexuais como Direitos Humanos
Universais. Dessas pesquisas, e da compreensão de educação e
sexualidade adotada por este grupo, promove-se formações continuadas
sobre uma educação sexual emancipatória, consciente e intencional para
professoras e professores das redes públicas de educação e busca-se
compartilhar, por meio de veículos de informação como o rádio e a
internet, os conhecimentos e discussões que envolvem a educação sexual
na perspectiva emancipatória, sobretudo nas circunstâncias sociais-
políticas do atual cenário educativo brasileiro.

98
Em 2018, o evento XI Colóquio esteve voltado para a
celebração dos 11 anos da Ação de Extensão Educação Sexual em
Debate, tendo como título XI - Colóquio do Grupo de Pesquisa Formação
de Educadores e Educação Sexual Diálogos sobre Sexualidade e
Educação Sexual com vistas à Emancipação: 11 anos do Programa
Educação Sexual nas Ondas da Rádio UDESC. Na programação das
mesas e conferências, para o evento, foram convidados/as
entrevistados/as do Programa Educação Sexual em Debate: nas ondas da
rádio UDESC. Dessa maneira, estiveram presentes no evento
pesquisadoras e pesquisadores da educação, professoras de escolas da
rede pública, mestras e doutoras/es em Educação, participantes do
movimento popular feminista e graduandas, todos/as entrevistados/as
nos programas de rádio, pessoas envolvidas com as temáticas da
sexualidade e educação, preocupadas em estreitar o diálogo com a
comunidade e demais profissionais de suas áreas de atuação e estudos.
Estiveram no colóquio cerca de 90 inscritos, sendo por dia
aproximadamente 30 participantes presentes. Os diálogos foram
empolgantes e produtivos, fato que nos possibilita afirmar que
cumprimos com os objetivos traçados para o evento. Outro fato
interessante é que o colóquio contou com a abertura artística teatral feita
por um grupo de estudantes do 3º ano do ensino médio de uma escola da
rede pública, orientado pela Orientadora Educacional Mestre Enemari
Poletti e pela professora Dra. Jaqueline Maria Ramos da Silva, sendo que
a Orientadora Educacional é membro do Grupo de Pesquisa Formação
de Educadores e Educação Sexual – Grupo EDUSEX. Os estudantes
trouxeram para o público uma bela apresentação artística sobre o amor e
o respeito às diferenças.

Afinal, qual educação sexual abordamos nos programas de rádio e


no XI Colóquio?
A educação sexual na qual nos comprometemos diz respeito à
prática intencional de uma educação sexual baseada na emancipação, na
compreensão de sujeitos sexuados, em um mundo sexualizado que lidam

99
com a dimensão de sua sexualidade e corporeidade com beleza e
inteireza. O que isso significa? Significa ampliar a compreensão da
sexualidade como uma dimensão do humano que somos, livre de
preconceito e de entendimentos que reduzem a sexualidade a um
problema, encarando essa rica dimensão como algo feio, sujo,
promíscuo, apartada da beleza do existir. A educação sexual, na
concepção emancipatória, diz respeito à consciência do corpo como um
todo (sempre sexuado), da própria sexualidade (sempre no entendimento
de que é algo inerente a vida humana), envolvendo questões de gênero,
orientação sexual, biológicas etc. Por isso, a educação sexual também
contempla o respeito aos LGBTQ’s - Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais ou Transgêneros, às prostitutas e aos portadores
do vírus da AIDS (FIGUEIRÓ, 2009), o que permite visualizar e
(co)mover-se pelas minorias, sendo então uma educação das relações
humanas e interpessoais. A educação sexual vê a mesma potência em
todas as pessoas, sem classificá-las por gênero, orientação sexual, etnia
ou classe. Para dar início à uma educação sexual, Maria Ignez Saito e
Marta Miranda Leal nos dão uma dica valiosa:

[...] talvez o primeiro passo seja reconhecer


a criança como ser sexuado e o adolescente
desvinculado dos estereótipos que o ligam à
liberação dos costumes, ao erotismo
excessivo e à promiscuidade; é igualmente
importante não encarar a sexualidade como
sinônimo de sexo ou atividade sexual, mas,
sim, como parte inerente do processo de
desenvolvimento da personalidade. (p. 45)

O paradigma de educação emancipatória que adotamos nos


possibilita afirmar que todos os seres humanos são educadores sexuais
uns dos outros (MELO, 2001), pois enquanto sujeitos sexuados, não
deixam sua sexualidade fora dos espaços em que adentram. Nesse
sentido também consideramos importante sensibilizar educadores e

100
educadoras na compreensão de que enquanto sujeitos sociais e históricos,
ainda precisamos desconstruir mitos e tabus ligados ao entendimento da
sexualidade. Sabedore/as da presença de inúmeros preconceitos nos
espaços educativos, assim como identificamos sentimentos e memórias
negativas dessa dimensão no relato de educadoras e educadores, fruto
de uma sociedade que há séculos condena a sexualidade e a entendem
como ruim, suja, vergonhosa e imoral é que ratificamos a importância de
espaços de diálogo serenos e honestos sobre educação sexual.
Na busca pela efetivação de uma educação sexual
emancipatória temos a clareza de que de um modo geral a educação
sexual, sem consciência e intencionalidade se manifesta muitas vezes
tanto nos espaços educativos formais como nos não-formais. Alertamos
que uma educação sexual informal - não planejada acaba por endossar os
preconceitos, mitos e tabus nos quais já referendamos. É preciso
instaurar o diálogo e intencionalmente abordar temáticas no campo da
sexualidade.
É diante dessas questões da educação que o grupo se preocupa
anualmente na feitura do colóquio sobre educação sexual, cuja XI edição
é o assunto deste artigo.

Contando um pouco sobre o evento XI Colóquio


A ação de extensão do XI Colóquio está vinculada a um
programa de extensão intercentros (FAED/CEAD - Centro de Ciências
Humanas e da Educação e Centro de Ensino à Distância - UDESC)
denominado Formação de Educadores/as e Educação Sexual: interfaces
com as tecnologias etapas XI e XII, coordenado atualmente pela
professora Dra. Patrícia de Oliveira e Silva Pereira Mendes, que também
atua como vice-líder do Grupo de Pesquisa Formação de Educadores e
Educação Sexual.
Esse Evento foi organizado pelos participantes do Grupo de
Pesquisa Formação de Educadores/as e Educação Sexual CNPq/UDESC
da FAED e por técnicos universitários do CEAD, ambos localizados no
campus I da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

101
Objetivos
Como já descrito anteriormente, além da intenção de ampliar
os entendimentos acerca das temáticas da sexualidade e educação na
perspectiva de garantia dos Direitos Humanos, o evento objetivou
também a potencialização de práticas intencionais de educação sexual
em uma perspectiva emancipatória integradas ao fazer pedagógico dos
profissionais da educação.

Metodologia
O Evento contou com 01 Conferência de Abertura tratando das
Políticas Públicas para a Educação nos últimos dez anos, inclusa a
BNCC, 06 mesas de debate compostas por participantes entrevistadas/os
pelo Grupo EDUSEX no programa Educação Sexual em Debate: nas
ondas da Rádio UDESC e 01 Roda de Conversa com Líderes de Grupo
de Pesquisa voltados para Sexualidade e a Educação Sexual.
Os diálogos aconteceram num espaço auditório, na forma de
palestras com debates e rodas de conversa.
A mediação das falas foi feita pelas integrantes do grupo, de
modo a não isolar a apresentação do evento a uma só pessoa, mas
envolver cada uma na realização do evento, visto que ele é resultado de
um trabalho feito por todo o Grupo EDUSEX.
A divulgação foi feita através das redes sociais, por meio da
página oficial do evento no site Facebook; do site da universidade, sendo
destaque na página do Centro de Ciências Humanas e da Educação; do
e-mail institucional através do quaa universidade informa a comunidade
acadêmica; da Secretaria de Educação de Florianópolis; de folders
colados em toda parte no campus universitário e através do WhatsApp.
Foi feita em uma plataforma online sendo 100 pessoas inscritas.
Um panorama da programação do evento pode ser vislumbrado
no quadro a seguir:

102
103
Resultados
O evento oportunizou ricos diálogos e trocas significativas no
campo da educação sexual com vistas à emancipação. Envolveu
profissionais comprometidos com as transformações sociais por meio da
educação e da promoção dos Direitos Humanos. E, também contou com
a presença de Grupos de Pesquisa ligados a temática da educação sexual
em Londrina, Tubarão e Ribeirão Preto, das respectivas Instituições de
Ensino Superior: UEL – Universidade Estadual de Londrina, UNISUL –
Universidade do Sul de Santa Catarina e USP – Universidade de São
Paulo.

104
O envolvimento e a participação dos alunos da Escola de Jovens
e Adultos Jacó Anderle, foi de suma importância para o evento,
indicando a extensão universitária no cumprimento da função social de
uma instituição de ensino superior como a UDESC.
Foram feitas pesquisas de satisfação dos ouvintes onde foram
registrados feedbacks positivos e sugestões construtivas ao evento. A
grande maioria se mostrou afetada com as discussões, reiterando a
importância de diálogos acerca da educação sexual e de eventos como o
Colóquio para a disseminação desse conhecimento, além de afirmarem
que estarão presentes em próximos encontros envolvidos com as
temáticas da sexualidade e educação sexual. O XI Colóquio convidou os
participantes a contribuírem com doações de jogos e brinquedos para
crianças de um hospital da Grande Florianópolis e recebeu uma
quantidade significativa de apoio. Os debates foram efetivos e ocuparam
os momentos principais das mesas, onde se notou grande sensibilidade e
desejo pela emancipação humana.

Conclusão
A emancipação humana e a consciência bio-psico-social da
sexualidade é algo que se trabalha em um grande processo de educação,
autoconhecimento e diálogo. Sabemos das circunstâncias sociais e
políticas em que vivemos, e por isso mesmo insistimos na ocorrência de
projetos e ações voltados às referidas temáticas. É um processo
desafiador e um tanto resistente diante das conjunturas políticas, mas os
profissionais da educação estão familiarizados com a resiliência, ou à
flexibilização de suas práticas e fazeres educativos diante de obstáculos
impostos no processo. Não se trata de uma passiva conformação, mas da
persistência no desejo de uma sociedade consciente e emancipada, e na
luta pelos direitos desta mesma sociedade.
Compreendemos com Juçara Teresinha Cabral (1995, p.153)
que “educar o outro é fundar a ação pedagógica acerca da própria
educação [...] o educador ao se apropriar de um conhecimento passa por

105
um processo de autotransformação, o que possibilita a produção e
transmissão de novos conhecimentos”, por isso envidamos esforços na
efetivação de espaços de diálogos sobre uma educação sexual com vistas
à emancipação.

Referências:
CABRAL, Juçara Teresinha. A sexualidade no mundo ocidental.
Campinas, SP: Papirus, 1995.

FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. Educação Sexual: Múltiplos temas,


compromissos comuns. Londrina: UEL, 2009.

RIBEIRO, Marcos. Educação Sexual e Metodologia. s/d. Disponível


em:
<http://www.reprolatina.institucional.ws/site/respositorio/materiais_apo
io/textos_de_apoio/Educacao_Sexual.pdf>. Acesso em 01 mar 2019.

SAITO, Maria Ignez; LEAL, Marta Miranda. Educação sexual na


escola. São Paulo, 2000, 22(1) : 45-48.

106
02
MÍDIAS,
SEXUALIDADES E
EDUCAÇÃO
SEXUAL

107
A “CONFISSÃO”: AS POSSIBILIDADES PARA
PENSAR A VIRTUALIDADE DOS CORPOS

Alexandre Luiz Polizel


Moises Alves de Oliveira
(Universidade Estadual de Londrina)

O presente manuscrito tem por objetivo apresentar uma possibilidade


para pensar corporalização na virtualidade tendo como objeto de análise
o grupo que recebe o nome fictício de Vale, presente na rede social
facebook. Utilizamos como ferramental as teorizações de Michel
Foucault acerca das narrativas de si e dos outros. Neste tocante,
estruturamos o presente ensaio em três eixos: a) Um corpo que faz a si;
b) Um corpo que defende a si; e c) Um corpo que cuida de si.
Consideramos que estes eixos nos dão as primeiras pistas analíticas de
uma corporalização na virtualidade, em um movimento de inscrição-
narrativa de si como corpo desejante, por meio de postagens de fotos,
compartilhamentos e minicrônicas do eu. A corporalização na
virtualidade, acreditamos, tem como operante o corpo que faz a si, à
medida que se circunscreve nesta plataforma, que se inscreve
produzindo rastros-semioses do eu. Vimos que as redes sociais são
potentes espaços de confissão pela inscrição e produção de si no
ciberespaço. Ao mostrar-se na (auto)vigília das instituições não muradas,
ao escrever a si, constitui-se as potências da formatação do eu. O fazer a
si, via o escrever a si nas redes sociais, vem juntamente com a defesa de
si – como em tribunais a céu aberto, o réu confessa-se e, ao confessar,
constitui-se e defende sua constituição, o que envolve esforço continuo,
na defesa de sua própria existência. Neste mesmo operar, do fazer-
defender, o corpo em constituição tem uma potencialidade de cuidado de
si: revisitando aquilo que confessa, reverberando ou rarefazendo suas
movimentações, (auto)vigiando o que consome e como é consumido
Palavras-chave: Confissão, Corpo, Virtualidade, Michel Foucault.

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THE "CONFESSION": THE POSSIBILITIES TO THINK THE
VIRTUALITY OF BODIES

This manuscript aims to present a possibility to think embodiment in the


virtuality having as object of analysis the group that receives the
fictitious name of Valey, present in the social network facebook. Michel
Foucault's theorizations about the narratives of himself and others are
used as tools. In this respect, we structure the present essay in three axes:
a) A body that does itself; b) A body that defends itself; and c) A body
that takes care of itself. We consider that these axes give us the first
analytical clues of an embodiment in the virtuality, in a movement of
inscription-narrative of itself like desiring body, through postings of
photos, shares and minicronic of the self. Corporalism in virtuality, we
believe, has as its operant the body that makes itself, as it is
circumscribed on this platform, which is inscribed producing semiotic
traces of the self. We have seen that social networks are powerful places
of confession by inscribing and producing themselves in cyberspace. By
showing itself in the (self-) vigil of non-walled institutions, in writing to
itself, the self-forming powers are constituted. To do it to him, via writing
himself in social networks, comes along with self-defense - as in open
court, the defendant confesses himself and, in confessing, constitutes and
defends his constitution, which involves continuous effort, in the defense
of his own existence. In this same operation, of the make-to-defend, the
body in constitution has a potentiality of self-care: revisiting that which
confesses, reverberates or rarefaxes its movements, (self) watching what
it consumes and how it is consumed
Key words: Confession, Body, Virtuality, Michel Foucault.

Notas Introdutórias
Este manuscrito insurge de uma inquietação: Como os corpos
fazem-se nas virtualidades? Inquietação que movimenta dois jogos de
significações: os corpos e as virtualidades.
As virtualidades trazidas a cena visto seu olhar contemporâneo:
Estamos em tempos de rede, Encontramo-nos no virtual, Ah mas isso

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aconteceu na virtualidade... Nunca falou-se tanto do virtual, por
falarmos tanto deste ele atravessa nossos poros do presente. Mas no que
consistiria o virtual? Apenas as redes sociais, as dinâmicas do
ciberespaço? Compreende-se que o difundir de novas tecnologias das
informações e comunicações modificam as dinâmicas, o contato
enunciativo e o narrar com a produção do ciberespaço modula as relações
e as culturas: aparentemente não temos barreiras, aparentemente
podemos nos conectar com mais frequência com aqueles que se
identificam conosco.
É assim que Pierre Levy (1996, 2000) concede o ciberespaço: as
barreiras físicas ruíram, as informações encontram-se a um clique de
distância e, posso selecionar quais destas quero acessar. O tempo agiliza,
a seletividade das informações também, as dinâmicas sociais e
epistêmicas são deslocadas com esta dinâmica acelerada e de
acessibilidade, uma cultura outra passa a vigorar: as ciberculturas.
O meio virtual passa a ser tratado como uma referenciação das
dinâmicas demandadas nos ciberespaços, nas relações ciberculturais,
todavia, a virtualidade é um conceito anterior a essa eventualdiade. Neste
sentido a virtualidade é retomada nas filosofias e colocada em questão
na contemporaneidade, exportam-se conceitos de virtualidade a exemplo
de vertentes Aristotélicas, Agostinianas (LEVY, 1996; NEGROPONTE,
1995), Espinosistas e Niezscheanas (NIETZSCHE, 1974), sendo trazida
a questão O que é virtual?.
A virtualidade assim é arrastada para o seu campo filosófico,
virtual é tomado então como um espaço em que as desorganizações
mantem-se no campo das possibilidades, da caoticidade, o que aproxima-
se de um pensamento dionisíaco – descrito por Friedrich Nietzsche
(1974). Nesse sentido, a virtualidade consiste em o espaço da criação, da
potência, de onde qualquer possibilidade pode-se fazer possível, mas
ainda não se fez. A virtualidade, assim, não se oporia à realidade, mas ao
tempo: O que é virtual é o que não se encontra presente, mas pode se
fazer presentíficavel. O processo da presentificação do virtual consiste

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no processo de atualização – o que se faz presente é atual, mas pode-se
fazer virtual, novamente.
O processo de presentificação pode ser entendido como um
processo de organização da caoticidade, fazendo-o presente a partir de
um crivo no caos. Para Gilles Deleuze e Felix Guattari (1997) múltiplas
são as formas de crivar o caos, e a organização faz-se por técnicas, a
exemplo: a arte criva o caos e o organiza pelas sensações, a filosofia por
conceitos, as ciências pelas funcionalidades... A presentificação, via
ordenamento, dá-se por técnicas/tecnologias que possibilitam fazer o
crivo – uma apolínea (NIETZSCHE, 1974).
Tais técnicas e tecnologias consistem em modos de produção,
segundo Michel Foucault (2014a), e podem ser organizadas por seus
efeitos
1. as técnicas de produção por meio das quais nós
podemos produzir, transformar e manipular
objetos; 2. as técnicas de sistemas de signos, que
permitem a utilização dos signos, dos sentidos, dos
símbolos ou da significação; 3. as técnicas de
poder, que determinam a conduta dos indivíduos,
os submetem a alguns fins ou à dominação,
objetivam o sujeito; 4. as técnicas de si, que
permitem aos indivíduos efetuar, sozinhos ou com
a ajuda de outros, pensamentos, suas condutas, seu
modo de ser; transformar-se a fim de atingir certo
estado de felicidade, de pureza, de sabedoria, de
perfeição ou de imortalidade. (FOUCAULT, 2014,
p. 266).

Tais técnicas/tecnologias dificilmente operam em separado,


sendo apresentadas em separadas com a finalidade didática e de
estabelecer fios condutores para compreender a operação combinada
destas e a produção de tecnologias Outras.
Como modos de produção, as tecnologias crivam o caos
(DELEUZE; GUATTARI, 1997) e o organizam, colocando tal
ordenamento no presente em uma atuação, em um funcionamento. O

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operante presentificado tem uma potencialidade: afetar e ser afetado.
Característica de afetação do que é nomeado como corpo.
Os corpos são diversos, são múltiplas suas formas e tentativas de
conceitua-lo. O que reúne esses na categoria corpo!? É algo que se faz
presente, ou seja, é organizado e crivado a partir do caos, tendo a
capacidade de afetar e ser afetado.
Os campos disciplinares disputam e fundam-se sob a noção de
corpo: corpos celestes, corpos cartesianos, corpos do conhecimento,
corpos performáticos, corpos das ciências, corpos das educações, corpos
biológicos, corpos estranhos, corpos do Eu.... Fundamos campos de
saberes em conjunto a noção de corpos que constituímos, assim, nada é
tão disputado quanto a constituição dos corpos.
Neste sentido, compreendendo uma relação direta entre as
virtualidades, o ciberespaço e os corpos, o interesse do questionamento
do qual deriva-se este manuscrito: Como os corpos produzem-se na
virtualidade?
Tal problemática foi levada ao ciberespaço, a um grupo na rede
social facebook que aqui é nomeado (fictício) como Vale dos
Homossexuais, até mesmo pela autoidentificação do grupo com este
nome. O Vale tem dinâmicas específicas, sua própria ecologia – ou seja,
modos dos corpos se produzirem e interagirem – e tem permeabilidade
seletiva a Outros corpos em seu espaço. Suas características como grupo:
a) consideravelmente numeroso, com ondulações em um milhão de
membros; b) busca acolhimento e a faculdade de ouvir, sendo um grupo
fechado e que proíbe vazamento de narrativas desenvolvidas em seu
interior, a fim de preservar a integridade de seus membros e criar um
espaço de reconhecimento e escuta; c) identifica-se como um espaço
aberto as diversidades sexuais, étnico-raciais, regionais e de classe,
atendendo em sua maioria o grupo jovem; d) entende-se como um espaço
de humor não ofensivo; e) organiza-se por eras, de modo que quando os
membros do grupo tornam um espaço de não acolhimento, o mesmo é
arquivado e criado um novo Vale, em uma nova Era; e f) é apresenta

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constante interação, com uma mediana de mil à mil e quinhentas
publicações por dia.
Neste espaço foram perceptadas, via óptica do diagnóstico do
presente (FOUCAULT, 1986; ARTIÈRES, 2004), em suas dinâmicas a
técnica da confessionalidade como eixo guia dos processos de
corporificação nas virtualidades. A apresentação desta dinâmica de
corporificação na virtualidade via técnicas da confessionalidade é
objetivo deste ensaio.

Um corpo que faz a si


O corpo fazer-se na virtualidade, corporificar-se no
ciberespaço... o crivo no caos que instaura o corpo e faz o mesmo
presente, um crivo mediado por técnicas. Ao voltar os olhares para a rede
social facebook, instrumentais são dados configurados por uma base
logarítmica. A própria plataforma fornece instrumentais para interação,
ou seja, traças dinâmicas de regulamentação dos usos deste espaço.
Como toda regulamentação, instrumentais para atuação são
fornecidos. Todavia, os usos dos instrumentais são diversos, possibilitam
múltiplos usos de combinações e, as escolhas dos usos são realizadas
pelos corpos que se prostram em frente às tecnologias de acesso desta
rede: computadores, notebooks, smartphones, tablets...
Ao adentrar na plataforma é requerido um cadastro, nomes,
telefones, endereço eletrônico, fotografia pessoal... São chamados à tona
dados do corpo que se encontra em relação com a máquina de acessar a
plataforma. Um nome que situa o sujeito em arraste a seu registro no
âmbito civil, seu endereço que o localiza geoespacialmente, sua foto que
traz o imagético do corpo que busca criar seu perfil. Esses dados
arrastam consigo uma localização do sujeito e isso é uma forma de
localizar seu corpo (FOUCAULT, 2014b; 2015).
Ao situar sua posição de sujeito e, oferecer tais dados
voluntariamente – assim que requerido em troca do acesso – o sujeito
produz uma narrativa sobre si, narrativa essa que é atestada como
verdade visto que é o próprio corpo que a fornece: um ato de confissão.

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O corpo nesse sentido põe-se a confessar a fim de acessar uma dada
plataforma, de acionar um espaço. A confissão neste sentido modula a
corporificação de si nesse espaço, via movimentos confessionais e
produção de si a medida que se registra: faz-se, pois, é preciso fazer para
interagir com outrem.
Ao adentrar na plataforma da rede social facebook, os
instrumentos são dados: as possibilidades de criar publicações, postagens
que mesclam textos, fotos, vídeos, áudios, figuras animadas e endereços
eletrônicos; de reagir a essas publicações com curtir, amei, haha, uau,
triste e grr; interagir com as publicações por meio de comentários
(apresentando as mesmas características combinatórias das publicações
– ou de compartilhamento das publicações.
Um aparato que convida o corpo a fazer-se à medida que ele
publica: O que está pensando!?
Neste sentido o convite é centrado no situar o corpo à medida
que constitui um determinado pensamento sobre este, ou seja, o corpo
faz-se ao pontuar seu modo de pensar: o que está sentindo, o que gosta,
o que acha que é importante ser enunciado, o que quer compartilhar, o
que quer reagir... O corpo neste sentido não apenas faz-se enquanto
corpo, mas também enquanto subjetividade, enquanto um Eu que se
pontua. O corpo assim criva o caos e se presentifica ao passo que
posiciona um corpo-Eu.
Deste modo o posicionamento dos corpos no ciberespaço,
derivando-se da virtualidade à atualidade, dá-se à medida que o mesmo
constitui uma verdade sobre si e expõe-se como uma subjetividade
autêntica (SIBILIA, 2016). Uma subjetividade autêntica que se efetua ao
curso da produção de uma verdade sobre o corpo-Eu por si mesmo, ou
seja, a medida que este confessa. E confessa por meio de micro contos
de si, à medida que tem seus desejos agenciados ou que agencia o desejo
do Outro (POLIZEL; OLIVEIRA, 2018).
Veja que esta técnica confessional é uma composição que arrasta
consigo resquícios das confessionalidades gregas, medievas e modernas,

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é uma insurgência atualizada da técnica de confessionalidade no
contemporâneo mediada pelas dinâmicas da cibercultura.
Veja, Michel Foucault (19992; 2014a; 2014c; 2015) aponta que
as técnicas de produção de si a medida que se coloca em narrativa tem
uma história, integra e deriva diferentes modus operante no curso das
acontecimentalidades. Vê-se a exemplo as dinâmicas gregas da produção
de seus atos narrativos, em que instrumentos íntimos eram utilizados no
processo do fazer-se escrito e examinar a si. Os diários íntimos dos
hypomnematas e as cartas aos amigos, de Sêneca, retratam este modus
operante de confissão, algo que era autorizado ao corpo-Eu olhar, ou a
outros corpos que olhariam o corpo-Eu com um reconhecimento amigo.
As narrativas e produções de si davam-se no âmbito privado, revisitados
em processos contínuos de exame e de negociação de si para consigo
mesmo. Não que este processo se desse de modo livre, pelo contrário o
olhar a si e o produzir a si é atravessado pelo coletivo e as significações
movimentadas neste. O exame de si aqui e a corporificação tem como fio
condutor as condutas e os usos dos prazeres.
Os deslocamentos deram-se no período medieval, em que a
narrativa de si passou ao campo de uma episteme cristã: a) Exomologese,
voltada ao reconhecer publicamente a verdade de sua fé cristã,
reconhecendo-se como pecador ou como penitente, marcando seu corpo
à brasa, se necessário – ato teatral de reconhecimento; e b) Exagoreusis,
focalizada na verbalização constante de seus pensamentos e
testemunhos. O ato de confessar é arrastado para o campo do público,
para a constância teatralizada, e para o veredicto do Outro membro da
mesma comunidade para qual se confessa. Um exame centrado no olhar
dos membros de uma mesma religiosidade, publicamente, e da renúncia
de si e dos desejos da carne.
Na modernidade uma modalidade Outra, uma episteme cientifica
dos corpos: são aos especialistas que os corpos-Eu confessarão, serão
analisados e marcados com uma verdade institucionalizada e disciplinar.
As biologias, medicinas, psicologias, pedagogias e economias que agora
passarão a veredictar aquilo que o corpo fala, e que ao falar faz-se. O

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corpo fala, os especialistas escrevem e legitimam a escrita por meio de
suas especialidades, nesta combinação produz sua confissão.
O que vemos com a inserção das redes sociais é uma hibridização
das distintas formas de confissão. Agora o corpo encontra-se
posicionado, o corpo confessa a si mesmo e a seus amigos próximos, em
sua intimidade, ou ao público que frequenta o mesmo espaço? O corpo
confessa a um especialista, a um padre ou a um vínculo afetivo? O quarto
é público ou privado? Fala de si para se visitar e reorganizar condutas,
seus prazeres, para firmar sua confissão na carne, ou para circunscrever
em um aval de especialistas? Perguntas difíceis de serem respondidas
com as fronteiras criadas, mais difíceis ainda pelo borrar das fronteiras
no tempo contemporâneo. A confissão agora é público-privada, a
amigos-indiferentes, a si-sacerdote-especialista, a prazeres-carnes-
burocratas, à confissão não se mantem apenas em uma esfera, mas deriva
entre as ranhuras deixadas por essas.
Essas hibridizações têm seus efeitos discursivos no ato do corpo
fazer-se: O corpo cria uma verdade sobre si a medida que se narra, e
coloca-se como subjetividade autentica, pronta a ser consumida e julgada
(SIBILIA, 2016). O próprio corpo fazer-se narrado, com veredicto de si,
é seu atestado de verdade. Suas relações dão-se com as três epistemes
anteriores: a) O narrar a si autentico é a possibilidade de se visitar a todo
momento e de ser visitado por amigos que o aconselhará, a rede social
torna-se para alguns um espaço do íntimo, do reconhecimento e
acolhimento; b) O narrar a si autentico é a possibilidade de se expor
constantemente, marcar na carne – e/ou em uma pós-organicidade – e de
sentir-se parte de uma idolatria coletiva que se une para conclamar acerca
de uma entidade em comum; c) O narrar a si autentico é possibilidade de
se veredictar por si mesmo, do tornar-se especialista em si mesmo, do
julgar a própria autenticidade e a autenticidade do Outro – a crise aos
especialistas e a intelectualidade situa-se ai, na interiorização das
estruturas de conhecimento especifico por propagandas continuas e
acesso a informação que faz com que o sujeito sinta-se especializado em
sua superficialidade.

116
Neste sentido o corpo faz a si, à medida que enuncia e escreve a
si, que confessa e ao confessar atesta uma suposta verdade e
autenticidade da própria subjetividade. O corpo produz-se enquanto Eu
assim, ele não é apenas um corpo que se escreve, mas um autor de si
mesmo.

Um corpo que defende a si


Nas dinâmicas de produção contemporânea do corpo, a
confissão mostra-se como tecnologia que constitui o corpo na (ou da)
virtualidade. O corpo confessa-se, publica sobre si imagens, vídeos,
sons, textos, sítios eletrônicos, conteúdos paralelos pelos quais se sente
identificado ou crítica. O corpo produz uma narrativa de verdade,
deixando marcas de si no ciberespaço, marcando-se como um
constituinte e portador de subjetividade autêntica: um corpo-Eu
identitário passível de se escrever (SIBILIA, 2016; FOUCAULT, 1992;
2005).
A produção de verdade acerca de si requer evidências do corpo
que se faz: a localidade da publicação, o horário, um identificador do
aparelho por qual se escreve, a possibilidade de interação... Evidências
constituídas como atos de mostração de uma suposta verdade acerca
daquele corpo, sua possível referência e local de encontro: o corpo só se
fez corpo pois produz registros do seu ato de fazer-se.
Neste sentido não basta a constituição de uma narrativa sobre o
corpo, mas a criação de provas sobre este (FOUCAULT, 2005; 2014b;
2014c; 2015). O lugar que está, uma foto representa. Do que se
alimentou, uma imagem. Quantos quilômetros caminhou, um registro de
aplicativo. Algo que viu, o link compartilhado. O grupo que está, os
amigos convidados. O evento que vai, o interesse demonstrado
publicamente...
O encontro dado com outros corpos, também produz prova à
medida que reage a estes: curtir, amei, haha, uau, triste, grr. Os
comentários deixados no encontro com esses corpos, suas replicas,

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tréplicas, quádruplas. As provas são os registros de que aquele corpo ao
menos transitou por aquele espaço e deixou suas marcas.
Os diários íntimos escritos pelos hypomnematas, as cartas a
amigos, os registros pontífices, as marcas na carne, os prontuários
médicos e pedagógicos, o que reúne acontecimentos de confessar-se de
diferentes epistemes: produzem provas e registros de si (FOUCAULT,
1992; 2014a; 2014c). Agora estes são registros deixados para além do
orgânico e da materialidade percebida via tato, estes encontram-se agora
em um banco de dados deixados nas virtualidades. Banco de dados que
os confere o aspecto de prova.
Destarte o corpo faz ao constituir uma verdade sobre si, e deixa
uma prova sobre si no ciberespaço: assim sua confissão opera. Quando
falamos em prova, falamos de uma episteme derivada das ciências –
dentre elas das ciências jurídicas. Tais provas consistem na produção de
uma evidência concreta de que determinado corpo, ou narrativa, são
verdadeiros. Todavia, toda prova pode ser submetida a testes e análises,
afim de considerar sua legitimidade (FOUCAULT, 2005).
Neste sentido, o corpo no ciberespaço faz-se ao deixar seus
rastros: publicações, comentários e/ou reações. E outros corpos
interagem com estes, em relações dinâmicas das quais as verdades são
mantidas ou, ao encontrarem com suas controvérsias derivam-se
transformando em outas. Em tal dinâmica as provas sobre o corpo que se
faz são mantidas, ou modificadas, dando outros sentidos a este.
O corpo que se fez como evidencia e credibilizado por uma
subjetividade autêntica que o assina, cria uma prova sobre si a medida
que confessa e firma sua verdade, mas também interage para manter tal
narrativa e defende-la. Neste tocante o corpo não apenas faz-se confesso,
mas defende a sua confissão em outros atos confessos. Na subjetividade
contemporânea, derivadas das – e nas – relações do ciberespaço, o corpo
constitue-se em verdade e também defende-se enquanto tal (SIBILIA,
2016).

Um corpo que cuida de si

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O corpo faz-se da virtualidade, e faz-se ao constituir uma
verdade narrativa sobre si, deixar suas marcas e defender a si nas relações
e interações dadas nas plataformas em que o presentificar do corpo se dá.
Tais rastros arrastam consigo uma subjetividade dada como autêntica.
Assim, o corpo não apenas fa-ze, mas faz-se como um corpo e um Eu:
um corpo-Eu.
A produção de um corpo-Eu dá-se na relações de produção de
signos que são assimilados ou não, no posicionar-se enquanto constituído
juntamente com identificações e diferenciações. Identifica-se com aquilo
em que vê consonância, ou seja, naquilo no qual se ve; e diferencia-se
em relação aquilo que se vê dissonante, que não se reconhece ali – ou
que se reconhece em demasia mas busca recalcar, suprimir tal
reconhecimento via a eliminação-negação daquilo que pretende se
diferenciar (SILVA, 2014).
O corpo-Eu ao fazer-se, então se faz: a) Processualmente, ou
seja, está sempre no ato de fazer-se em meio as construções sociais,
culturais e simbólicas; b) Altero, à medida que só é possível fazer-se em
relação ao Outro, nos processos de reconhecimento; e c) Contrastivo, de
modo que ao voltar seu olhar ao Outro e reconhece-lo, opera por
processos de identificação e diferenciação (HALL, 2002; SILVA, 2014).
Assim, o corpo-Eu produz-se ao passo que verdades sobre si são
narradas e evidenciadas, que uma tecnologia do olhar é acionada e
permite o ver ao Outro e ver a si neste quadro de referências dos valores
constituídos. O corpo-Eu ao fazer-se visita ao Outro e revisita a si, e
nestes deslocamentos, reconhece o Outro e a si mesmo. Nos processos
de reconhecimento estes corpos são enfim veridictados, pois não apenas
o processo de confessar e defender é dado, mas um Outro endossa essa
existência como legitima e ocorrente. Esse reconhecimento não é uma
recepção passiva, é um efetuar coletivo, em que um esforço é realizado
nas negociações do reconhecer-se. No próprio silêncio dos corpos-Eu
dados no ciberespaço, muitas vezes o reconhecimento ocorre (BUTLER,
2015).

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O ato de reconhecimento, e a possibilidade de visitar a si e ao
Outro, de deslocar defesa de si a também defesa – ou ataque – do Outro,
é um processo de cuidado. O cuidado de si apresentado por Michel
Foucault (1992; 2014c) consiste na prática de (auto)exame,
aconselhamentos, e derivas nos modos de existência, afim de garantir
uma continuidade daquele modo de existir. Quando voltamos os olhares
a episteme cristã há a preocupação de renúncia de si, mas do existir em
um outro mundo prometido – a preocupação do corpo-Eu fazer-se em
outra vida e para isso precisar renunciar está. A preocupação moderna
volta-se ao cuidado com a existência de um corpo coletivo, de um corpo-
espécie, afim de garantir sua existência. A preocupação contemporânea
volta-se a garantia da existência de um corpo que se faz, se vê – mesmo
que nos olhos do Outro – e se admira, envolvendo o cuidado do corpo-
Eu que se faz no aqui e agora. Corpos que se fazem, e no processo de
reconhecimento e alteridade, cuidam de si.
Vê-se a exemplo redes sociais que são buscadas como forma de
encontro com outros corpos-Eu semelhantes, nas buscar por dividirem
suas angustias e aconselhamentos, no investimento por identificações..
Procuram nas plataformas virtuais reconhecimento dos Outros,
reconhecimento de si e espaços de acolhimento que garantam a
manutenção de sua existência.

Considerações corporificadas...
Evidencia-se a tecnologia da confissão, recalibrada na
contemporaneidade como modo do corpo fazer-se na virtualidade.
Tecnologia modulada pelas próprias ferramentas dadas pelas
plataformas virtuais, nas redes sociais. Vê-se um estimulo na produção
de narrativas sobre si, e neste ato o atestado de que a confissão é um
modo da produção de relatos autênticos e representacionais sobre os
corpos: que o insere em um espaço-tempo, em dinâmicas experiênciais.
O corpo nesse sentido confessa-se, e produz assim uma narrativa
de verdade compartilhada com uma comunidade que tem acesso a esta,
uma marca, um rastro do corpo que por ali passou e se fez. Esta produção

120
de verdade é visitada, e representa uma evidência do corpo e de sua
subjetividade. Ao ser (re)visitada, é colocada em teste, em
questionamento, na interação com outros corpos, e assim convidada a
defender-se nos tribunais virtuais como uma subjetividade autêntica.
Nos processos de encontro dos corpos, que se fazem e defende-
se no júri popular, a céu aberto, as identificações e diferenciações são
colocadas em proximidade – mesmo que tal proximidade seja produção
de modos outros de se relacionar com o espaço-tempo, via fluxos
informacionais. Nestes (des)encontros das identidades e diferenças, o
corpo-Eu se produz processualmente, alteramente e contrastivamente. O
corpo-Eu nestes processos os reconhecem, e nos reconhecimentos uma
possibilidade de um desenvolvimento de cuidados de si e dos Outros.
Tais reconhecimentos e cuidados não são recepções passivais, mas
efetuações negociadas, na busca pela manutenção das existências e de
modos outros de existir. Na reiteração ou contestação das normas em que
os corpos fazem-se.

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Estudos Culturais. 15 ed. Petrópolis-RJ: Autêntica, 2014, p. 73-102

123
ADOLESCÊNCIA E “13 REASONS WHY”: UMA ANÁLISE DO
SERIADO E SEU DISCURSO A PARTIR DAS TEMÁTICAS
SEXUALIDADE E SUICÍDIO

Adauto Luiz Carrino


Cláudia Regina Mosca Giroto
Ricardo Desidério
(Universidade Estadual Paulista/Araraquara)

Este artigo tem como objetivo investigar entre o seriado “13 Reasons
Why”, o adolescente e as questões sexuais que circulam em torno da
temática suicídio, a partir do que é disposto visivelmente ao adolescente,
que o recebe. O questionamento que circula este estudo, compete em qual
o tipo de discurso que é transmitido pelo seriado “13 Reasons Why”, em
sua fala sobre sexualidade e suicídio, na intersecção com o adolescente,
a partir de verdades que incutem saberes e poderes, desdobrando seu o
olhar para este pensamento na adolescência. Desta forma, o mesmo
apresenta um desdobramento metodológico, proporcionando a pesquisa
bibliográfica associada a análise do discurso perante essa obra
audiovisual, tratando de uma análise com o olhar transversal, na coleta
de “verdades” disseminadas sobre a sexualidade, educação, adolescência
e suicídio. Esta análise também usufrui de um referencial teórico
respaldado com os discursos foucaultianos, com a intenção de colaborar
para elaboração de um conhecimento favorável aos vínculos
educacionais e orientar o pensamento, comportamento do sujeito
adolescente sobre os fragmentos imagéticos deste seriado, que aborda de
forma impactante as narrativas do suicídio, sexualidade, adolescência e
educação. Com este parecer, os elementos apresentados nesta série
podem influenciar os adolescentes através de suas imagens, movimentos,
linguagens, verdades e discursos a partir de um legado de porquês
deixados por uma jovem suicida que assinala justificativas para tal ato.
Palavras-chave: Adolescência. Seriado. Sexualidade. Suicídio.

124
ADOLESCENCE AND “13 REASONS WHY”: AN ANALYSIS OF
THE SERIES AND ITS DISCOURSE FROM THE THEMES
SEXUALITY AND SUICIDE

This article aims to investigate between the series "13 Reasons Why", the
adolescent and the sexual issues that circulate around the subject
suicide, from what is visibly disposed to the adolescent, who receives it.
The question that circulates in this study competes in which type of
discourse that is transmitted by the series "13 Reasons Why", in its talk
about sexuality and suicide, at the intersection with the adolescent, from
truths that instill knowledge and powers, unfolding its the look to the teen
guy's thinking. In this way, it presents a methodological unfolding,
providing the bibliographical research associated with the analysis of
the discourse before this audiovisual work, dealing with an analysis with
the transversal view, in the collection of disseminated "truths" about
sexuality, education, adolescence and suicide. This analysis also uses a
theoretical framework supported by the Foucaultian discourses, with the
intention of collaborating to elaborate a knowledge favorable to the
educational links and to orient the thought, behavior of the adolescent
subject on the imaginary fragments of this series, that approaches in a
striking way the narratives of suicide, sexuality, adolescence and
education. With this opinion, the elements presented in this series can
influence adolescents through their images, movements, languages,
truths and speeches from a legacy of whys left by a suicidal young woman
who points out justifications for such an act.
Key words: Adolescence. Series. Sexuality. Suicide.

Enquadramento teórico
Em toda humanidade, não é estranho pensar em relação a sua
morte, como a sua vida chegará na completude e como a mesma
terminará, provocando então, o acontecimento chamado morte.
O seu humano, no decorrer de sua vida, transmite pensamentos
que entrelaçam sua morte, como será, sua forma, quando e onde,
constituindo então, idealização e espaços que remetem ao seu
acabamento. Nesse encontro, o suicídio, aparece de maneira autoritária

125
e direcionada no que diz a sua própria morte, estipulando seus limites,
autoconhecimento e ideações suicidas.
Destarte, a ideação suicida é estabelecida por Fogaca (2018)
como algo construído por um meio que a vítima pratica atos com o
desígnio de dar fim a sua própria existência, almejando o êxito e
efetivando a sua morte como uma vontade própria.
Com este parecer, a temática sobre o suicídio, está sendo
articulada por diversas produções cinematográficas, televisivas e
literárias, tornando-se de forma responsável e discursivo, disposições e
elementos contributivos na sociedade para questionamentos diante da
morte, incluindo a condição da ideação suicida.
Com o olhar direcionado para a temática sobre suicídio, mídia e
adolescência, analisamos de modo discursivo o seriado “13 Reasons
Why”, que se origino a partir da livro de Jay Asher (2009), sendo está
obra adaptada para a televisão.
Essa série norte-americana, vem sendo apresentada pela mídia
brasileira, pelo qual sua primeira temporada foi disponibilizada em 31 de
março de 2017 pela plataforma de streaming, a famosa Netflix, que se
faz presente na vida dos jovens brasileiros. A série apresenta uma
disposição de por quês e causas da adolescente Hannah Baker praticar a
morte autoprovocada.
No entanto, é de conhecimento que o suicídio se condiz como
um problema de saúde pública. Assim, o suicídio é um tema que
transborda por mitos e crenças elencadas na e pela sociedade. Com os
apontamentos que direcionam sobre as circunstâncias que levaram tal
sujeito a cometer tal ato e, também pensamentos sobre o que acontece
com o invidividuo suicida após cometer este ato, envolvendo, crenças,
diálogos, e religiões.
“13 Reasons Why”, também infringi várias regras dispostas pela
OMS (Organização Mundial de Saúde), que proporciona consentimentos
sobre “A prevenção do suicídio: Um manual para profissionais da
mídia”, advertindo normas e orientações que ajudam os profissionais da

126
mídia a tratarem o tema suicídio, indicando a não propagação e
incentivos ao suicídio através da mídia.
Com este parecer, retiramos a visão míope que muitos têm na
sociedade e abrimos o olhar para uma amplitude dos contextos que essa
série transmite, diante de uma análise discursiva.
Assim, essa pesquisa tem como objetivo investigar entre o
seriado “13 Reasons Why”, o adolescente e as questões sexuais que
circulam em torno da temática suicídio, a partir do que é disposto
visivelmente ao adolescente, que o recebe.
O questionamento que circula este estudo, compete em qual o
tipo de discurso que é transmitido pelo seriado “13 Reasons Why”, em
sua fala sobre sexualidade e suicídio, na intersecção com o adolescente,
a partir de verdades que incutem saberes e poderes, desdobrando seu o
olhar para o pensamento do sujeito adolescente.

Método
Este estudo apresenta um desdobramento metodológico,
proporcionando a pesquisa bibliográfica e documental, associada a
análise do discurso perante essa obra audiovisual, tratando de uma
análise com o olhar transversal, na coleta de “verdades” disseminadas
sobre a sexualidade, educação, adolescência e suicídio.
Esse procedimento tem a intenção de colaborar para elaboração
de um conhecimento favorável aos vínculos educacionais e orientar o
pensamento, comportamento do sujeito adolescente sobre os fragmentos
imagéticos deste seriado, que aborda de forma impactante as narrativas
do suicídio, sexualidade, adolescência e educação.
Diante deste olhar, o estudo parte da leitura de textos voltados
ao assunto e assimilação das entrelinhas articuladas no seriado, focando
no modo que essa sexualidade é transmitida e associada ao adolescente,
olhando as construções sociais e trazendo a pertinência do tema suicídio.
Assim, dispondo para que o respaldo teórico seja fortificado de forma
primordial, apresentando o discurso, diálogo e verdades incutidas neste
seriado que se expandem nas paredes escolares.

127
Contudo, este trabalho contempla em diversos momentos do
pensamento foucaultiano, conferindo por meio de contextos e teorias
essências a contribuir para uma melhor análise discursiva, assim como,
compreensão, entendimento e visão que cerca os pontos, gerando
embasamento e sustento no diálogo que remete ao seriado, a sexualidade,
a educação, a adolescência e o suicídio.
A seguir, começamos um diálogo e olhar de maneira transversal
sobre os enredos, discursos e verdades dispostas nos vários fragmentos
que a série dissemina.

A narrativa de “13 Reasons Why”


A série “13 Reasons Why” se originou a partir do livro de Jay
Asher, sendo a obra lançada em 2009 e dimensionado para televisão em
2017.
O seriado circula a construção do personagem Clay Jensen
(Dylan Minnette), um jovem de 16 anos, que está em processo do
autoconhecimento, centralizando em motivos sustentáveis que o levam a
se apaixonar peça garota que conduz a própria morte. A narrativa da
primeira temporada é definida pelos trezes por quês que Hannah Baker
(Katherine Langford) comete o ato de suicidar.
No dia 18 de março de 2018, é lançada a segunda temporada,
cujo a mesma se passa 5 cinco meses após o ato suicida de Hannah Baker,
envolvendo os depoimentos das testemunhas que foram entrelaças na
voz de Hannah nos 13 episódios anteriores.
A segunda temporada pelo qual focaremos os mais adiante, se
codifica da primeira, no qual era articulada as fitas cassetes, estas, agora
dão espaço por fotos polaroides que promovem mensagem difamadoras
dos sujeitos envolvidos no envolto da série. Na segunda temporada, o
roteiro é desvencilhado da obra aliteraria, não usufruindo de forma direta
a voz e pensamento do autor original.
Porém, antes de focarmos nas questões do discurso e verdades
que este seriado dissemina, junto aos contextos da sexualidade, suicídio

128
e adolescência. Atribuímos de forma essencial, uma breve alusão sobre
a ideologia e narrativa que é circulada a história de “13 Reasons Why”.
A narrativa começa quando Clay Jensen encontra um pacote de
fitas cassetes deixadas por Hannah Baker à sua porta um dia em que ele
retorna casa da escola. Este fato se passa já semanas seguintes após o
suicídio de Hannah.
A personagem era sua colega de classe, mas também a garota
que ele amava muito. Neste momento, a história da série começa nas fitas
que são narras pela própria Hannah. Os capítulos vão se desenvolvendo
conforma Clay vai ouvindo-as, no total são sete fitas e cada uma
contempla lado A e B, gerando no total treze episódios, trezes por quês.
Nas fitas, Hannah relembra as coisas que os dois fizeram juntos,
revelando também seus segredos e desesperos em buscar ajuda e todos
se demonstrarem omissos, sua voz sufocada dá espaço para uma
sustentação de justificativas que fizeram a praticar a morte
autoprovocada. Ela descreve as coisas que aconteceram e que a fez
desistir da esperança diante do ambiente pelo qual convivia.
São treze razões pelas quais é uma narrativa triste, sufocante,
preocupante e forte em quesitos emocionais, revelando o lado mais
sombrio do comportamento humano e dialogando questionamentos da
adolescência, suicídio, sexualidade e relacionamentos. Com o intuito de
quebrar o silêncio sobre o suicídio na sociedade e provocando a reflexão
o modo como as pessoas tratam uns aos outros e lidam com a vida e seus
problemas.
Neste encontro, personagens são um elemento importante na
narrativa da série, pois a eles são atribuídas as circunstâncias das treze
razões. Há um número considerável de sujeitos participantes do círculo
do suicídio autoprovocado de Hannah Beker, sendo cada um destes
aferindo a um impacto na vida da mesma. A seguir, apresentamos os
personagens que circularam de forma oriunda as principais razões pelas
quais Hannah cometeu o suicídio.

129
Caracterização dos personagens de “13 Reasons Why” – Modelo adaptado de
(Fung, 2009)
Fonte:
http://student.thestandard.com.hk/liberal/PDF/s/file_20090901164516070554.pdf

Com este parecer, sabemos que Hannah não optou pela melhor
maneira de segurar e lidar com seus problemas. A personagem idealizou
uma fuga por meio do suicídio, culpando sua infelicidade em pessoas ou
contextos. Porém, sua história contempla o pensamento que se
colocarmos no lugar dos outros, teríamos a capacidade de evitar
conflitos, incompreensões e até mesmo suicídios.

O discurso do seriado (verdades que incutem saberes e poderes)


Primeramente, antes de traçar alguns discursos de verdade que a
série transmite, trazemos no pensamento de Hawton et. al. (2012) apud
Botti (2018), considerando que alguns dos principais fatores de risco
para o comportamento suicida na adolescência. As informações
demográficas e educacionais são destacadas, como o baixo status
econômico, o fato de ser lésbica, gay, bissexual ou transgênero e
educação restrita. Os acontecimentos negativos na vida e circula

130
familiar, bem como separação ou morte parental, contextos de abuso
físico ou sexual, transtornos familiares e interpessoais, bullying. Já os
fatores psiquiátricos/psicológicos, circulam em transtornos mentais
(depressão, ansiedade, déficit e hiperatividade), consumo excessivo de
álcool e drogas, baixa autoestima, desesperança.
Com estas verdades, sabemos que várias destas também se
enquadram na moldura e no discurso que a série expõe diante dos olhos
do adolescente, buscando por identificações, assimilações, acolhendo e
orientando o adolescente sobre o seu sentimento e pensamento.
Para Baronas (2006), na sociedade atual, como forma
multimidiática, é necessário compreender o discurso e sua função e
disposição para com a mídia como uma configuração de produção,
captação, recepção e circulação de saberes e poderes.
Como a base teórica deste estudo, contemplamos a Análise do
Discurso na ótica de Foucault, encontrando neste olhar as regularidades
discursivas, os recursos de linguagem imagética, tal como os sentidos
que se encontram camuflados nas cenas e vozes que transmitem verdades
sobre o abuso/violência sexual, questões sobre gênero e sexualidade.
No encontro de dialogar a série como um dispositivo de poder
midiático as raízes da adolescência que se encontra em processo de
formação escolar, cultural e também conhecimento sexual. Dispomos do
olhar para o discurso produzido por “13 Reasons Why” na luz da voz
foucaultina, entrelaçando por intermédio de vosso pensamento, uma
disposição de poderes, saberes e perigos, junto da força de eventos
incontroláveis articulados na trama, bem como o ocultismo das forças
verídicas que disseminam o círculo social, atribuindo evidencias a
fragmentos internos e externos.
Com este parecer, focamos nossa análise para a série diante de
uma ordem discursiva através da conferencia da palavra, ou seja, o tabu
do objeto. Essa trama demonstra o suicídio de uma forma transversal e
justificada aos olhos da personagem, dispondo das razões para que
fizesse a cometer tal ato e, quebrando o silêncio que sufocava o tema
suicídio na sociedade.

131
A série também rompe tabus sobre o abuso e violência sexual,
em modo de não se calar e expor as consequências e fragilidades da
vítima, interpondo os transtornos psicológicos que a vítima pode aderir
após este acontecimento, bem como a morte autoprovocada. Momentos
e cenas bem difíceis de serem visualizadas e assimiladas no decorrer da
narrativa, como imagens de estupro e omissão por parte de terceiros.
A trama também passa por caminhos que correspondem a
sexualidade, preconceito e aceitação, em termos de gênero e orientação
sexual, demonstrando de forma clara as marcas carregadas pelo
adolescente que convive com essa questão.
Em verdade, o discurso se afere entre a língua e o mundo, entre
um indivíduo e o seu interlocutor, sendo neste momento que se confere
“a ordem do discurso”. Para tanto, o objeto de estudo neste caso, traça
pontos em que os temas midiáticos (seriado), adolescência, suicídio,
sexualidade e escola, se encontram e desencontram no decorrer da trama,
com o foco na ordem discursiva e verdades.
Então, focamos essa discussão para o que a série emana por meio
de suas verdades, vozes, pensamentos e ideologias acerca do tema
suicídio e sexualidade na adolescência.
Com isto, a ordem discursiva da série é debatida “[...] uma vez
que a própria personagem descreve seu suicídio enquanto resultado de
uma série de práticas capazes de inviabilizar a existência humana
pautada por uma situação de dor coletivamente construída em seu micro
espaço de convivência social.” (FOGACA, 2018, p. 114).
Em outra concepção, a relação do indivíduo, os adolescentes,
com o outro, sendo este a série abordada, isto afere a um indivíduo e o
seu interlocutor, se conferindo neste momento uma ordem discursiva,
que deve em ser dialogada e averiguada sobre quais verdades são
produzidas na e pela trama, circulando os saberes e poderes.
Entretanto, o poder não é uma coisa, é uma prática social, o que
existe são práticas de relação de poder, há uma produção do gesto, do
corpo, sendo assim, o poder se exerce não se possui. Aos olhos de
Foucault (2001), pode-se pensar que não existe verdade fora do poder.

132
Portanto ao conceber essa verdade, concebe também o poder que dela
emana.
No entanto, não é a produção de quaisquer verdades, mas são em
especial aquelas que produzem subjetividades, a fim de “fabricar” um
tipo de sujeito moldado, onde se percebe o poder incutido na moldura de
concepções e personalidades.
Destarte, o sujeito adolescente se identifica com a mídia, ele
encontra neste contexto o seu "eu", a sua subjetividade, sua identificação,
enxerga no enredo midiático um acolhimento instantâneo, que vai se
moldando no decorrer do tempo.
Para Foucault (2011), o poder, em síntese, é algo que se exerce,
desdobra, envolvendo táticas, estratégias e manobras, emergindo num
lugar e tempo dados, entrelaçando que o exercício que remete ao poder
constitui-se em administrar condutas. O autor ainda confere que o saber
como um instrumento de poder, consistindo em instrumentos reais da
constituição e acumulação do saber.
Em verdade, neste momento, articulamos algumas das possíveis
verdades de modo analítico e colaborativo nas vertentes que a série
transmite, sem a pretensão de tornar este estudo algo que se esgote, mas
sim que se transborde, abrindo também para novas possibilidades ao
olhar de cada sujeito que visualiza essa trama, obtendo percepções e
analises muitas vezes subjetivas.
Assim, concebemos a seguir uma teia de “verdades”, que podem
representar aspectos negativos e/ou positivos, mas elencadas aqui estão
algumas das narrativas que “13 Reasons Why” impulsiona.
A série articula uma exibição e aflição social, diante do ato
suicida e conduta na adolescência. Desta forma, a série transmite o
suicídio como uma ruptura do silêncio sobre o assunto na mídia,
sociedade e ambiente escolar.
A falta do diálogo, interpondo o suicídio, de forma trágica, mas
evidente na sociedade. O suicídio como superação do sofrimento da vida
da personagem, sendo esta declinada pelo seu círculo social. O olhar

133
sobre as vítimas que praticam a morte autoprovocada, não procurando
um auxílio e ajuda necessária para o momento.
Com o impulso do seriado, a temática sobre sexualidade e
suicídio tomou forma e passou a ser mais discutida no âmbito social.
Nasce um sentimento de solidariedade e empatia por aqueles sujeitos que
tem o pensamento suicida.
Amplitude da família e escola acerca dos assuntos que circulam
a sexualidade, bem como um direcionamento da essência escolar e
familiar sobre a conduta do sujeito na adolescência. A prevenção e
informação se dispondo pelo diálogo aberto sobre o assunto na
sociedade.
Em outra vertente, o sofrimento da vítima do bullying,
abuso/violência sexual e preconceitos, geram passos para um possível
suicídio. A falha escolar por meio de sua omissão perante os
acontecimentos.
Algumas pessoas articulam vertentes diferentes sobre a
influência da séria diante do suicídio, umas apontam como uma ideação
suicida e outras, como um apoio e incentivo a buscar a ajuda.
Em várias faces, a série articula o cyberbullying como uma
disposição a praticar a morte autoprovocada e ao mesmo tempo, um
pensamento reflexivo sobre o tema.
Como resulto de sua dor e sofrimento constituídos em seu meio
social, Hannah decide narrar e justificar por meio das fitas cassetes seu
ato, articulando de forma clara o suicídio como uma forma de poder e
saber.
Com as várias verdades articuladas pela série, dispomos algumas
vozes e direções para o qual a série inclina, relacionando de maneira
conscientizada e reflexiva, bem como a intenção de orientar a escola,
sociedade e família. No encontro sobre o que os adolescentes estão
aderindo ao visualizar essa trama, entrelaçando muitas vezes por meio
das vozes que a série fala, um sofrimento que talvez não seja
compreendido.

134
Entretanto, assim como nas fitas cassetes apresentadas existem
lado A e B, aqui também relacionamos outro lado da narrativa. De acordo
com o site ESTADÃO (2017), a série resultou em algo positivo. Após
seu lançamento, ocorreu um aumento de 445% no número de e-mails de
pessoas aderindo a ajuda ao Centro de Valorização da Vida (CVV), bem
como elevação de 170% na contagem dos visitantes do site. Com isto,
houve uma ampla repercussão sobre o assunto nas redes sociais,
dispondo sua influência de forma negativa e positiva. Portanto, torna-se
perceptível que as pessoas que assistem a série, acreditam que ela
influência de modo positivo. (BARBOSA et. al. 2018, p. 473).

Sexualidade e o suicídio abordados na série


Hannah dissemina por meio de seu pensamento um conjunto de
vozes sufocadas pela intolerância, medo, vergonha e abusos que sofreu
em sua adolescência, um dos pilares desses artefatos, permanece o abuso
e violência sexual sofrida por ela e outra personagem da série.
Além de tratar sobre o suicídio, um dos principais ápices da série
é a demonstração do abuso sexual, a abordagem da violência e abuso
sexual ocorrem diante da personagem Hannah e Jéssica a serem abusadas
por Bryce Walker (Justin Prentice) na primeira temporada da série.
Este contexto é entrelaçado com o enredo escolar porque os
personagens possuem vínculos escolares, dispondo também que Hannah
tentou dialogar sobre o assunto com o conselheiro da escola Kevin Porter
(Derek Luke), sobre o caso de violência sexual e estupro, dando indícios
de seu suicídio, bem como por meio de seus poemas, demonstrar tais
aspectos aos professores. Porém, diversas cenas da série a escola se
demonstrou omissa a Hannah.
A série também demonstra de forma nítida, os problemas da
vítima de abuso sexual em conseguir dialogar/contar para seus país,
escola ou até mesmo amigos, o abuso que ocorreu em sua vida. A vítima
se sente violada, frustrada e confusa diante dos fatos, com o sentimento
de impotência e incapacidade de fazer algo, principalmente diante do
estuprador, instaurando-se um sentimento de medo e repulsa.

135
Com este olhar, a série idealiza que é melhor demonstrar,
debater, dialogar e falar sobre o assunto do que permanecer no silêncio,
constatando que apesar de ser demonstrado em uma obra fictícia, essas
cenas fazem parte da realidade da sociedade.
Com isso, podemos visualizar um aspecto considerável em
relação ao impacto da série perante um compasso dinâmico entre os
adolescentes e seus familiares, considerando que essa temática passou a
ser incluída na narrativa familiar e social, desmembrando o silêncio antes
instaurado. Além deste contexto, emerge um sentimento de solidariedade
e empatia com aqueles que se encontram em situações similares, sendo
estes, vítimas de bullying, depressão, abuso e violência sexual
(FOGACA, 2018).
A série vem de encontro com uma transmissão de contextos
antes silenciados na família, a fim de discutir esses assuntos de forma
emergencial e como percussora de uma possível conscientização e
prevenção, contribuindo para um diálogo favorável sobre a sexualidade
no círculo familiar, social e escolar.
Este contexto, deve implicar no maior acompanhamento e
direcionamento por parte do núcleo familiar e dos aspectos sociais que
circulam o jovem, contribuindo para a eliminação de quaisquer agravos
inerentes à saúde emocional, assim como a integridade física deste
sujeitos (FOGACA, 2018).
Em outra vertente, a força do cyberbullying exposta na série,
também é algo agravante para a morte de Hannah. Este enredo é
transmitido, entrelaçando a sexualidade da personagem e apontada pelos
personagens.
A sexualidade de Hannah é colocada em pauta na internet, seja
como um beijo gay ou na exposição de seu corpo, gerando firmamentos
de que ela seja uma garota promiscua (BARBOSA et. al., 2018).
Este declínio de informações geradas por meio de cyberbullying
e circulando a exposição da sexualidade de Hannah, é visualizada pela
personagem como mais uma motivação que a faz cometer o suicídio.

136
A discrepância e intolerância dos personagens em disseminar o
ódio pela diferença ou exposição sexual de Hannah perante os demais,
gera conflitos em seu psicológico, pelo qual diversas vezes a
personagens articula transtornos e dificuldades em assimilar de forma
mais racional e sensata o que está ocorrendo ou como deve conduzir a
situação, sendo este enredo também um dos fatores agravantes que a faz
declinar para a ideação suicida.
Destarte, a sexualidade está entrelaçada de forma explicita com
a ideação suicida da personagem, colocando em pauta os apontamentos,
julgamentos e o ato de denegrir a imagem do sujeito devido a sua
sexualidade, vinculando também o cyberbullying como um condutor
dessas vozes, incutindo em Hannah aspectos de sofrimento emocional,
dúvidas, transtornos psicológicos e a morte.

Considerações finais
Com as possibilidades, discursos, poderes e saberes que “13
Reasons Why” transmite ao público adolescente, torna-se visível a
identificação que este mesmo público tem com a produção audiovisual,
abraçando o comportamento do sujeito na adolescência e por meio de
sua narrativa compreendendo-o com seu pensamento.
Diante dos estudos aqui dialogados, declaramos que alcançamos
o objetivo proposto, investigando a série com o adolescente diante das
questões sexuais que circulam em torno do assunto suicídio, dispondo de
visões e discursos sobre o assunto. Com a disposição de um encontro nos
contextos disseminados pela série e principalmente pela voz da
personagem Hannah Baker.
Com este parecer, o foco deste estudo visa em transbordar o
diálogo, não pretendemos esgotar o olhar sobre esse assunto e chegar ao
ponto final, mas sim de colocar uma vírgula e disseminar o
conhecimento, sentimento e orientações que possam ajudar/colaborar
com o sujeito adolescente e o campus educacional.
Com este olhar analítico, deixamos assim, um pensamento de
reflexão e conscientização acerca do assunto, direcionando para

137
possíveis contribuições e diálogos que fazem refletir a Educação Sexual
e a ideação suicida no campus escolar.

Referências
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BARBOSA, Júlia S.; MENDES, Giovana; OLIVEIRA, Marina;


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______. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 39. Ed. Petrópolis:


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PESQUISA INTERNACIONAL. Como pais e adolescentes reagiram


à série da Netflix 13
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13 REASONS WHY. Criador: Brian Yorkey. Direção: Kyle Patrick


Alvarez. Califórnia: July Moon Productions; Kicked to the Curb
Productions; Anonymous Content; Paramount Television [produção].
Netflix, 2017. Série - 1ª Temporada (13 episódios).

13 REASONS WHY. Criador: Brian Yorkey. Direção: Kyle Patrick


Alvarez. Califórnia: July Moon Productions; Kicked to the Curb
Productions; Anonymous Content; Paramount Television [produção].
Netflix, 2018. Série – 2ª Temporada (13 episódios).

139
AIDS E LINGUAGEM: A METAFORIZAÇÃO
DA DOENÇA E SUAS IMPLICAÇÕES NA
“MORTE ANUNCIADA” DE CAZUZA NA
REVISTA VEJA

Caroline Knup Tonzar


Thiago Henrique Ramari
(Universidade Estadual de Londrina)

Muitas doenças são pensadas e conceituadas a partir de metáforas do


campo semântico da guerra. Este fato aconteceu com a tuberculose, com
o câncer e, posteriormente, com a Aids. Apesar de não parecer
significativo, o uso de metáforas militares, no que se refere às
enfermidades, pode trazer consequências sociais graves, como a
estigmatização da doença e, também, do doente. Desse modo, este artigo
analisa a utilização dessas metáforas em relação à Aids. Com base no
livro Aids e suas metáforas (2007), de Sontag, o trabalho tem como
objeto a polêmica reportagem Uma vítima da Aids agoniza em praça
pública, sobre o cantor e compositor Cazuza, publicada pela revista Veja
em 26 de abril de 1989, e pretende responder à pergunta: como a
metaforização militar da Aids, apontada por Sontag, apresenta-se na
reportagem sobre o cantor Cazuza da revista Veja? Para tal estudo, o
método utilizado é o da análise de conteúdo, baseado nos estudos de
Bardin (1977) e Sontag (2007). Como resultado, observa-se o intenso
uso de metáforas militares na reportagem analisada e, com isso, as
consequências para a vida de Cazuza, dentre elas, sua morte social
anunciada.
Palavras-chave: Aids; metáforas; Cazuza; revista Veja.

AIDS AND LANGUAGE: THE METAPHORIZATION OF THE


DISEASE AND ITS IMPLICATIONS IN THE “ANNOUNCED
DEATH” OF CAZUZA AT VEJA MAGAZINE

140
Many diseases are categorized from war metaphors. This happened to
some illness like tuberculosis, cancer and, posteriorly, Aids. Although it
may seem not significant, the use of war metaphors, regarding the
diseases, can bring serious social consequences, as the stigmatization of
the illness and the sick person. Therefore, this scientific paper focus on
analyzing the use of these metaphors regarding to Aids. Based on
Sontag’s book, Aids and its metaphors (2007), the paper has as research
object the polemic article A victim of Aids agonizes in public square,
about the Brazilian singer and songwriter Cazuza, published at Veja
magazine in April 26, 1989, and intends to answer the following
question: how the militar metaphorization of Aids, pointed out by Sontag,
is presented in the article about the singer Cazuza at Veja magazine?
For the study, the method used is the content analysis, based on Bardin
(1977) and Sontag (2007) writings. As a result, it is observed the intense
use of war metaphors in the analyzed article and, because of it, the
consequences to Cazuza’s life, such as his announced social death.
Key-words: Aids; metaphors; Cazuza; Veja magazine.

Enquadramento teórico
De acordo com O livro dos símbolos (2012), a enfermidade é
interpretada de maneiras variadas pelas diferentes culturas e povos
espalhados pelo globo. Entretanto, de maneira geral, e principalmente no
Ocidente, a doença é vista como um mal, algo que antecede e está
estritamente relacionado à morte, assim como Sontag (2007, p. 95)
afirma: é “[...] demasiadamente forte a associação entre doença e morte”.
Dentre as várias doenças que já assolaram a civilização ao longo
da história, a Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), causada
pelo HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), tornou-se pandêmica na
década de 1980 e matou milhões de pessoas desde então. De acordo com
dados da Unaids (2018), 77,3 milhões de pessoas foram infectadas pelo
vírus HIV até 2017, o que acarretou em 35,4 milhões de mortes. Em
decorrência da epidemia e da gravidade da, até então, nova enfermidade,
Soares (2001, p. 11) fala que a Aids tirou do câncer o título de “mal do

141
século” e que, possivelmente, poderia vir a ser considerada o “mal do
milênio” e, não obstante, “o maior mal da história da humanidade até
hoje”.
No início da epidemia, os estudiosos nada sabiam sobre a nova
doença: formas de contágio, vírus, práticas de risco, entre outras
características e dados. O único fator que indicava uma possível nova
doença era a semelhança dos quadros clínicos das vítimas: todas as
mortes eram causadas por patologias oportunistas, que até então não
eram suficientes para levar uma pessoa adulta e relativamente saudável
à morte. Como a maioria dos casos da doença naquela época foi descrita
entre homens homossexuais e usuários de drogas intravenosas, Soares
(2001, p. 23) afirma que os pesquisadores começaram a supor que “[...]
algum tipo de microorganismo fosse o agente etiológico da doença, que
seria transmitida por contato sexual ou por sangue contaminado”.
A primeira descoberta significativa sobre a Aids só aconteceu
em 1983, quando a pesquisadora Françoise Barré-Sinoussi e o
pesquisador Jean-Claude Chermann, liderados por Luc Montagnier,
analisaram a biópsia de um linfonodo retirado de um determinado
paciente norte-americano, no Instituto Pasteur de Paris. Com o
isolamento do vírus, foi possível determinar a causa da Aids, o chamado
HIV.
Em 1986, a mesma equipe do Instituto Pasteur isolou um outro
vírus, diferente do primeiro analisado. O novo microrganismo, que
também causava a Aids, era proveniente de pacientes de Guiné-Bissau,
na África. Depois disso, e como afirma Soares (2001, p. 24), os dois vírus
descobertos foram chamados de HIV-1 (isolado em 1983) e HIV-2
(isolado em 1986).
Com essas descobertas e o crescente número e diversificação de
pacientes que apresentavam a doença, conclui-se que a Aids poderia
infectar pessoas de qualquer cor, gênero e orientação sexual. Além disso,
as pesquisas mostraram como era possível contrair a doença: por meio
do sexo desprotegido, uma vez que há contato com sangue e fluídos

142
corporais; do compartilhamento de seringas; da transfusão de sangue; de
acidentes com objetos perfurocortantes; pelo parto e pela amamentação.
Com a descoberta dos meios de transmissão e com a consciência
de que a Aids não atingia somente homossexuais e, portanto, não poderia
ser denominada “câncer gay”, os pacientes começaram a ser segregados
de acordo com a forma de infecção. Pessoas que contraíram o vírus por
meio de transfusões de sangue, como hemofílicos e crianças, eram vistas
como vítimas inocentes. Já usuários de drogas intravenosas e
homossexuais eram potenciais vítimas culpadas, que estavam doentes
porque precisavam ser castigadas de alguma forma por seus hábitos. Para
Sontag (2007, p. 52), essa diferença ocorre porque “toda sociedade, ao
que parece, precisa identificar uma determinada doença como o próprio
mal, uma doença que torne culpadas as suas ‘vítimas’ [...]”.
Essa visão sobre a Aids influenciou a maneira como a mídia
abordou a doença. Muitos veículos, nacionais e internacionais, após a
superação do termo “grupos de risco”, passaram a tratar sobre os
comportamentos de risco. Com base nesses comportamentos, a mídia
conseguia segregar as formas de contágio da doença e,
consequentemente, definir como determinado paciente seria tratado.
Segundo Lima (2000, p. 4), a Aids é uma doença com “um terreno fértil
de metáforas médicas, políticas, religiosas [...] e de discriminação e
estigmatização, constituindo-se, também numa questão aberta a uma
discussão sob a perspectiva do discurso-comportamento politicamente
correto”.
Conforme explica Thompson (1990), a mídia pode ser entendida
como um sistema cultural complexo que envolve duas dimensões: uma
simbólica e outra contextual. Desse modo, no começo da epidemia de
Aids, segundo Spink, Medrado, Menegon, Lyra e Lima (2001), a mídia
contribuiu significativamente para a construção do repertório da doença.
Segundo estes autores, a mídia foi responsável por fazer a Aids
existir na sociedade com todos os preconceitos e estigmas conhecidos.
De acordo com Sontag (2007), todas as doenças são pensadas de
forma metafórica. Com a Aids não foi diferente. Entretanto, a autora

143
ressalta que o uso de algumas metáforas, especialmente as palavras
trazidas de um contexto de guerra para falar sobre doenças (combate,
luta, inimigo, derrota, por exemplo), contribuem para a estigmatização
da doença e do doente.
Neste sentido, Mann et al. (1996, p. 173) dizem que

a escolha de palavras é importante porque está


associada, por um lado, à luta entre os esforços de
prevenção e assistência ao HIV e AIDS e, por outro
lado, ao status quo do pensamento da comunidade.
As palavras têm muitos significados ou códigos
diferentes.

Para Spink, Medrado, Menegon, Lyra e Lima (2001), a Aids


possibilitou um fenômeno na mídia chamado de Aids-notícia. Isso
porque estes autores acreditam que o HIV/Aids possui agentes
facilitadores referentes à produção de notícias jornalísticas. Segundo
entrevistas realizadas pelos autores no artigo A construção da Aids-
notícia (2001), o primeiro fator facilitador para a presença da doença na
mídia constitui-se do impacto e do interesse que desperta na população.
O segundo aspecto facilitador está na amplitude de enfoques para as
pautas e na diversidade de fontes que podem ser entrevistadas. Os autores
reforçam que a relação repórter-órgãos oficias é sempre muito
importante em assuntos como este. Por fim, o assunto Aids traz consigo
os conceitos jornalísticos de exclusividade e ineditismo, o que atrai os
leitores e contribui para a venda dos jornais.
Apesar da intensa divulgação sobre o assunto (conforme
pesquisa realizada por Biancarelli [1997], de setembro de 1987 a
dezembro de 1996, a Folha de S. Paulo publicou mais de 7 mil matérias
que faziam referência direta ou indireta à Aids), muitos meios de
comunicação não utilizaram uma linguagem apropriada para tratar sobre
o assunto.
Para Sontag (2007), quando metáforas militares são utilizadas
para tratar sobre uma determinada doença (neste caso, a Aids), por

144
exemplo, os doentes são transformados em vítimas, mas vítimas que nem
sempre são inocentes.
Com a Aids, o modo de contágio determinava se uma vítima
seria tratada como inocente ou culpada: se era homossexual, profissional
do sexo ou usuária de drogas, era vítima culpada; se era hemofílica ou
criança, era inocente. Essa narrativa, que foi fomentada pelo uso das
metáforas militares que se referiam à Aids como uma praga, dividiu a
sociedade, como apontado por Sontag (2007): potenciais transmissores
da doença eram vistos como inimigos da chamada sociedade em geral.
Exemplos dessa linguagem que culpabilizava as vítimas da
doença podem ser vistos em todo o mundo, principalmente no início da
epidemia. Segundo Biancarelli (1997, p. 137-147, grifo nosso), “a
imprensa imprimiu um caráter sensacionalista à epidemia, chegando a
chamá-la de peste gay”. Outro exemplo, este objeto central deste artigo,
é a reportagem de capa da revista Veja de 26 de abril de 1989, estampada
por uma foto de Cazuza com Aids. A foto é tão chocante quanto a
manchete: “Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”.
Sobre a capa da Veja, Ribeiro (2017, recurso eletrônico) afirma
que

no caso, Cazuza em seu estado de saúde não foi


respeitado. A revista usa-se da sua imagem e de uma
manchete sensacionalista para atrair o público. O
cantor teve sua vida íntima exposta e seu sofrimento
revelado em praça pública. A reportagem não
discutia sobre Aids, seus sintomas ou medidas
contraceptivas, a matéria foca no estilo de vida dele
para justificar uma sentença de morte que a própria
revista dá.

Deste modo, é possível dizer que a linguagem e a abordagem


jornalística direcionam a interpretação do leitor. Assim, é importante que
os jornalistas sempre estejam atentos às palavras, especialmente as
metáforas militares (que, segundo Sontag, devem ser evitadas), às
imagens e aos demais elementos gráficos.

145
A pergunta que rege esta pesquisa é a seguinte: como a
metaforização militar da Aids, apontada por Sontag, apresenta-se na
reportagem sobre o cantor Cazuza, publicada na revista Veja de 26 de
abril de 1989? O objetivo é analisar a utilização de metáforas referentes
à Aids, especialmente as que foram retiradas do campo semântico bélico,
e os efeitos de sentido produzidos por elas.

Método
Para responder à pergunta citada acima, a metodologia se ampara
em uma análise de conteúdo, especialmente semântico e linguístico, com
base em um cruzamento dos estudos de Bardin (1977) e Sontag (2007).
Segundo Bardin (1977), as fases da análise de conteúdo são
organizadas em torno de três polos cronológicos: a pré-análise, a
exploração do material e o tratamento dos resultados, as inferências e as
interpretações. Na fase de pré-análise, que pode ser definida como a fase
da organização, existem três missões: escolher os documentos que serão
analisados, formular hipóteses e elaborar indicadores que vão
fundamentar a interpretação final. No caso desta pesquisa, o documento
analisado é a reportagem de capa da edição de 26 de abril de 1989 da
revista Veja, sob a ótica da teoria de Sontag (2007), com a seguinte
hipótese: o uso das metáforas militares, extraídas do campo semântico
bélico, foram responsáveis pela morte social e anunciada de Cazuza.
Quanto às outras duas fases, Bardin (1977) explica que só é
possível passar a elas quando a pré-análise for concluída. Na exploração
do material, o pesquisador deve se debruçar sobre o objeto e realizar “[...]
operações de codificação, desconto ou enumeração, em função de regras
previamente formuladas” (BARDIN, 1977, p. 101). Na última fase, a de
tratamento dos resultados obtidos e interpretação, Bardin (1977) afirma
que é quando o pesquisador avaliará toda a análise e, ao dispor os
resultados em tabelas, poderá “propor inferências e adiantar
interpretações a propósito dos objetivos previstos, ou que digam respeito
a outras descobertas inesperadas” (BARDIN, 1977, p. 101).

146
Como dito acima, a teoria selecionada para a análise é a de
Sontag (2007). Segundo a autora (2007, p. 6), os humanos nascem com
uma espécie de dupla cidadania: a que se tem quando se está saudável
(que chama de reino dos sãos) e a que se tem quando se está doente (reino
dos doentes). Para a autora, todos os seres humanos transitam entre esses
dois reinos e, para isso, devem aprender a conviver com as fantasias
criadas para se viver no reino dos doentes.
Nos livros Doença como metáfora (2007) e Aids e suas
metáforas (2007), Sontag explica que muitas doenças são envoltas por
diversas metáforas. Dois exemplos são a tuberculose e o câncer. A
tuberculose, doença incurável no século XIX que gerou uma epidemia
gravíssima, era vista de forma romantizada pela população:

a tuberculose era – ainda é – vista como capaz de


gerar períodos de euforia, de apetite intenso e de
exacerbado desejo sexual. [...] Ter tuberculose foi
considerado afrodisíaco e fonte de extraordinários
poderes de sedução. [...] A tuberculose é uma
enfermidade do tempo, acelera a vida, a realça, a
espiritualiza (SONTAG, 2007, p. 10).

A visão em torno do câncer era o extremo oposto: não havia nada


de belo e de afrodisíaco nele. O câncer, desde que fora descoberto, “foi
descrito como um processo em que o corpo é consumido” (SONTAG,
2007, p. 9). A autora afirma que o câncer era e é visto até hoje como uma
doença que destrói a vitalidade, ao contrário da tuberculose.
Mesmo com as diferenças de sentido apontadas, as duas doenças
provocaram algo em comum: o uso de metáforas do campo semântico da
guerra, por parte do governo, da imprensa e até em conversas informais,
para se referir a elas. E o que são metáforas do campo semântico da
guerra? Palavras como combate, luta, invadido, inimigo e mal são
exemplos das chamadas metáforas militares. Sontag (2007) aponta que
esse é um fenômeno difundido no mundo todo desde a descoberta das
doenças em questão.

147
Citados os exemplos da tuberculose e do câncer, faz-se
necessário falar também de outra doença, a que é o assunto principal
desta pesquisa: a Aids. Assim como as outras duas, a Aids também conta
com uma massiva quantidade de metáforas militares. Para muitas
pessoas, essa questão pode parecer pífia e sem importância significativa.
No entanto, Sontag (2007, p. 50) explica que “as metáforas militares
contribuem para a estigmatização de certas doenças e, por extensão,
daqueles que estão doentes”.
No caso da Aids, o uso das metáforas e as consequências sociais
trazidas por elas são ainda mais graves. No começo da epidemia de Aids,
na década de 1980, a doença atingia, na maioria dos casos, homens
homossexuais. Desse modo, a doença era encarada por alguns como a
“peste gay” ou o “câncer gay”; outros enxergavam na doença um castigo
divino vindo à Terra contra os pecadores. Com a Aids, as metáforas
militares mais generalizadas, as que encaram a doença como invasora da
sociedade, ganham destaque e, cada vez mais, palavras como luta,
combate, guerra, mal e tragédia passam a ser utilizadas para se referir à
enfermidade (SONTAG, 2007).
Sobre a influência do vocabulário bélico nas metáforas utilizadas
para se referir às doenças, Han (2017, p. 8) diz que

o século passado [século XX] foi uma época


imunológica. Trata-se de uma época na qual se
estabeleceu uma divisão nítida entre dentro e fora,
amigo e inimigo ou entre o próprio e o estranho.
Mesmo a Guerra Fria seguia esse esquema
imunológico. O próprio paradigma imunológico do
século passado foi integralmente dominado pelo
vocabulário dessa guerra, por um dispositivo
francamente militar. A ação imunológica é definida
por ataque e defesa.

Muitas pessoas enfrentaram problemas devido à linguagem


utilizada para falar da Aids na sociedade. Um dos casos mais polêmicos
e emblemáticos do Brasil é capa da edição da revista Veja de 26 de abril

148
de 1989, que mostra o cantor e compositor Cazuza magro e abatido pela
Aids, juntamente da manchete: “Uma vítima de Aids agoniza em praça
pública”. O tom da capa se repete nas oito páginas internas destinadas à
reportagem.

Resultados principais e discussões


Na edição 1.077 da revista Veja, de 26 de abril de 1989, a
reportagem de capa chama a atenção tanto pela imagem de Cazuza
quanto pela manchete “Uma vítima de Aids agoniza em praça pública”.
De acordo com Sontag (2007, p. 55), a Aids é uma doença do tempo, em
que sua evolução pode ser rápida e há toda uma variedade de sintomas
que incapacitam, desfiguram e humilham o paciente, tornando-o cada
vez mais fraco, indefeso e incapaz. Com isso, é possível afirmar que, ao
olhar para a capa da revista, o leitor se depara com a imagem frágil de
Cazuza, que na fotografia pesava apenas quarenta quilos, e com isso
“visualiza” a Aids como uma doença do tempo.
Além da imagem, a capa traz uma metáfora que tem
proximidade com o campo semântico da guerra: a palavra agoniza.
Segundo o dicionário online Michaelis, o verbo agonizar significa “estar
na agonia da morte ou estar prestes a morrer”. Com base nessa definição,
constata-se a aderência do vocábulo ao contexto bélico, já que exprime
sofrimento, especialmente aquele intimamente relacionado à morte –
exemplo disso está na reportagem Iêmen: a guerra esquecida (2016),
publicada pelo portal G1, na qual se lê: “Retalhado entre grupos opostos
e facções terroristas, alvo de bombardeios aéreos constantes, com a
economia em frangalhos, hospitais destruídos e uma crise de fome e
desnutrição que está matando suas crianças, o Iêmen agoniza [...]”. No
caso da Veja, aponta para a estreita relação entre doença e morte: se
Cazuza está com Aids, logo está em agonia e morrerá em pouco tempo
– interpretação que é reforçada pela imagem de um Cazuza totalmente
diferente daquele visto nas capas dos discos.

149
Imagem 1 - Capa da edição 1.077 da revista Veja, de 26 de abril de 1989.

Fonte: Acervo digital da Revista Veja

Internamente na publicação, a partir da página oitenta, o cantor


e compositor Cazuza tem a sua vida e a sua relação com a Aids expostas
aos leitores. Além de sempre ressaltar a estreita relação entre doença e
morte, que ecoa a utilização do verbo agonizar na capa, os jornalistas
responsáveis utilizam inúmeras metáforas militares, especialmente no
início da reportagem. Como Cazuza não era hemofílico e tampouco havia
feito transfusão de sangue, os holofotes se voltam também aos hábitos
que o levaram a contrair o vírus HIV.
Segundo Sontag (2007, p. 57), a sociedade moderna busca
culpados e, muitas vezes, os culpados são as próprias vítimas. No caso
da Aids, muito mais que em outras doenças, como o câncer e a
tuberculose, a vítima pode ser considerada culpada ou inocente e o que
vai determinar isso é a forma como a pessoa foi contaminada pelo vírus
HIV: “o comportamento perigoso que produz a Aids é encarado como
algo mais do que fraqueza. É irresponsabilidade, delinquência – o doente
é viciado em substâncias ilegais, ou sua sexualidade é considerada
divergente” (SONTAG, 2007, p. 57).

150
Na tabela a seguir, encontram-se todas as metáforas militares
e, também, as metáforas que estabelecem uma relação direta entre a Aids
de Cazuza e a sua morte inevitável.

Tabela 1 – Metáforas militares e metáforas que relacionam doença e


morte presentes na reportagem sobre Cazuza da revista Veja de 26 de
abril de 1989.
1) Metáforas militares 2) Metáforas que
relacionam doença-
morte
1-a) “A luta em público contra a 2-a) “O mundo de Cazuza está se
Aids” (p. 80) acabando [...]” (p. 80)
1-b) “Abatido aos poucos pela 2-b) “[...] rumo ao fim
doença [...]” (p. 80) inexorável” (p. 80)
1-c) “[...] Cazuza conta como 2-c) “Mas o cantor dos versos [...]
resiste [...]” (p. 80) faz questão de morrer em
público [...]” (p. 80)
1-d) “[...] Agenor de Miranda 2-d) “[...] o neto [Cazuza] disporá
Araújo Neto definha um pouco a de muito menos tempo [...] (p.
cada dia [...]” (p. 80) 83)
1-e) “Há os que contemplem o seu 2-e) “‘[...] pensando: eu vou
calvário [...]” (p. 80) morrer, eu vou morrer” (p. 83)
1-f) “[...] atraídos pela tragédia de 2-f) “[...] comunicou que iria
Cazuza” (p. 80) morrer” (p. 83)
1-g) “[...] desconfiasse do mal que 2-g) “[...] com ar de funeral” (p.
o acometia” (p. 84) 83)
1-h) “[...] se aproveitando da 2-h) “‘Gente, estou morrendo’!”
tragédia do cantor” (p. 84) (p. 83)
1-i) “[...] frente ao que julgam ser 2-i) “‘[...] eu morro, mas morro
grandes tragédias” (p. 85) amando’” (p. 84)
1-j) “Entre os que sofrem de Aids 2-j) “‘Como a morte para ele é
[...]” (p. 85) algo presente [...]’” (p. 85)

151
2-k) “‘[...] como uma espécie de
testamento, de últimas
palavras’” (p. 85)
2-l) “[...] e venha a morrer
dentro do estúdio” (p. 86)

Fonte: os próprios autores. Grifos nossos.

Na coluna da esquerda, é possível notar o uso de diversas


palavras extraídas do contexto de guerra ou, apesar de originadas em
outros campos, aderentes ao contexto de guerra. Alguns desses
vocábulos são apontados por Sontag (2007), a exemplo de luta, mal,
definha, tragédia, sofre e resiste. Quando transferidas do campo
semântico bélico para aquele que trata de doenças, essas palavras têm o
poder de motivar o imaginário das pessoas, levando-as a estreitar a
relação entre doença e morte, relação esta que já é assinalada na
reportagem pela utilização de outras palavras, como as apontadas na
coluna da direita da tabela.
Como exemplo, é possível analisar os substantivos “luta” e
“tragédia”, que aparecem na reportagem da revista sobre Cazuza.
Segundo o dicionário online Michaelis, um dos significados de “luta” é:
“briga ou combate entre duas ou mais pessoas, com ou sem armas, com
intenção de subjugar, pôr em fuga ou matar”. Ao transferir o conceito
para o campo semântico da Aids, é possível dizer que Cazuza e a Aids
estão em luta e que um dos dois sairia morto dela.
Sobre o substantivo “tragédia”, o dicionário Michaelis aponta
como uma das definições: “acontecimento triste, funesto, catastrófico,
que infunde terror ou piedade”. Com isso, é possível relacionar o
significado da palavra, tão comum ao universo da guerra, com a situação
de Cazuza que a revista Veja pretende passar: um homem que estava
sofrendo por conta da doença e, conforme apontam todas as metáforas
listadas, estava caminhando para a morte.

152
De acordo com Sontag (2007, p. 50), o uso abusivo da metáfora
militar talvez “[...] seja inevitável numa sociedade capitalista, uma
sociedade que cada vez mais restringe o alcance da credibilidade do
apelo aos princípios éticos, que acha absurdo o indivíduo não sujeitar
suas ações ao cálculo do interesse próprio e do lucro”. E, além do uso
das metáforas militares e das relações entre Aids e morte, a revista faz
muitas associações entre o comportamento de Cazuza e sua doença,
levando os leitores a enxergarem-no como uma vítima culpada.
Exemplos dessas associações podem ser vistos nas seguintes
frases publicadas pela revista: “A história das artes está repleta de
drogados [...], de alcoólatras [...] e de promíscuos sexuais [...]. O
problema, nos anos 80 do século XX, é que a combinação desses fatores
facilita a contaminação com o vírus da Aids” e “O cantor é o primeiro a
reconhecer que foi um menino-problema, um adolescente-problema, um
jovem-problema, um homem-problema e é hoje um doente-problema”.
Esses trechos fazem referências à bissexualidade e o uso de álcool e
drogas por Cazuza. Sobre isso, Sontag (2007, p. 57) diz:

a transmissão sexual da doença, encarada pela


maioria das pessoas como uma calamidade da qual
a própria vítima é culpada, é mais censurada do que
a de outras – particularmente porque a Aids é vista
como uma doença causada não apenas pelos
excessos sexuais, mas também pela perversão
sexual. [...] Não apenas a promiscuidade é
considerada perigosa, mas também uma
determinada “prática” sexual tida como antinatural.
Contrair a doença através da prática sexual parece
depender mais da vontade, e portanto implica mais
culpabilidade.

É interessante observar que, na mesma reportagem, há os três


elementos que figuram na teoria de Sontag (2007): as metáforas
militares, as relações entre doença e morte e as consequências causadas

153
pelo uso dessas duas. Devido à reportagem da Veja, pode-se dizer que as
consequências sociais geradas foram: a estigmatização da doença, que
aparece várias vezes vinculada ao comportamento dito promíscuo e
inconsequente do cantor; a estigmatização de Cazuza, que teve sua vida
exposta nas páginas da revista e, também, a sua morte anunciada.

Considerações finais
Sontag (2007) recomenda que, além de suspender o uso, as
metáforas militares devem ser desmascaradas, criticadas, atacadas e
desgastadas. Como demonstrado neste artigo, o uso dessas metáforas da
guerra é muito presente na mídia, gerando consequências profundas,
sobretudo no âmbito da estigmatização de doenças e de doentes. Com
isso, é indispensável dizer que o jornalista deve estar sempre atento com
as palavras que escolhe para escrever, por exemplo, uma reportagem, a
fim de evitar o uso das metáforas militares e, também, o reforço de
preconceitos e estigmas.
Sobre o efeito negativo provocado pelo uso das metáforas da
guerra para a Aids e para os doentes, Sontag (2007, p. 87) afirma:

a metáfora que estou mais interessada em


aposentar, mais ainda depois do surgimento da
Aids, é a metáfora militar. Sua utilização inversa –
o modelo médico do bem-estar público –
provavelmente tem consequências ainda mais
perigosas e extensas, pois ele não apenas fornece
uma justificativa persuasiva para o autoritarismo,
como também aponta implicitamente para a
necessidade da repressão violenta por parte do
Estado (equivalente à remoção cirúrgica ou ao
controle químico das partes indesejáveis dos
“doentes” do organismo político). Mas o efeito das
imagens militares sobre a conceituação da doença e
da saúde está longe de ser irrelevante. Elas
provocam uma mobilização excessiva, uma
representação exagerada, e dão uma contribuição

154
de peso para o processo de excomunhão e
estigmatização do doente.

Como implicação futura, sugere-se que os jornalistas, ao


escreverem reportagens sobre Aids, tenham primeiramente
conhecimento sobre todos os conceitos que irão utilizar. Para isso,
sugere-se conferir o manual Aids, leia antes de escrever (2003),
elaborado pelo Ministério da Saúde. Como a edição é antiga, é
recomendado, também, que o jornalista pesquise conceitos mais novos,
como os relacionados ao tratamento atual.
Em segundo lugar, é necessário que o jornalista, como
apontado por Sontag (2007), não utilize, em hipótese alguma, metáforas
militares. Para isso, é preciso que ele tenha conhecimento de quais são e
quais sentidos são produzidos por elas, a fim de evitar o uso e de
desmistificar o sentido que elas produzem.

Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Paris: Presses
Universitaires de France, 1977.
BIANCARELLI, Aureliano. Doença em foco: as reportagens sobre aids
publicadas pela Folha de São Paulo. Revista USP, São Paulo, n. 33,
mar.-maio 1997.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. 2 ed. amp. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2017.

LIMA, Nonato. A aids e outras falas: uma reflexão sobre metáforas e


neologismos relacionados com doenças. Revista de Letras, Ceará,
v.1/2, n. 22, jan.-dez. 2000.

MANN, Jonathan; TARANTOLA, Daniel; NETTER, Thomas. From


the epidemiology to vulnerability to human rights. In: Aids in the
world II. Nova York: Oxford University Press, 1996.

155
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157
AS PRINCESAS DA DISNEY: REFLEXÕES
SOBRE GÊNERO

Camila Aparecida Aquino


Andréa Cristina Martelli
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná)

O presente estudo tem a finalidade de analisar o conceito de gênero


presente na narrativa fílmica Valente (2012) e no vídeo da campanha
publicitária da Disney “Sou princesa, Sou real” (2016). Por meio da
análise do perfil dos e das personagens e ações vivenciadas em Valente
(2012), refletiremos o papel da protagonista e construiremos uma relação
com as princesas apresentadas pela Disney. Analisaremos os conceitos e preconceitos
envolvidos em torno da temática pesquisada. Em Valente (2012), observamos diferentes
noções de gênero, as e os personagens são construídas e construídos com
distintas individualidades, o desenrolar da narrativa fílmica, bem como
da campanha publicitária, contribuem para a problematização e
discussão sobre a temática. Compreendemos, a partir principalmente das
leituras de Ribeiro (1996); Garcia (2009); Ferreira (2009); Louro (2003;
2009; 2010), que gênero perpassa as várias instituições sociais, como a
família, igreja e escola, é necessário, portanto, desnaturalizar o gênero e
compreendê-lo como uma construção social, de forma a conceber uma
nova compreensão em nossa prática pedagógica, a qual precisa ser
refletida com o intuito de uma educação com respeito às diversidades de
gênero.
Palavras-chave: Educação Infantil. Gênero. Narrativas fílmicas. Escola.

THE PRINCESSES OF DISNEY: REFLECTIONS ON GENDER

This study aims to analyze the concept of gender presented in the film
narrative Brave (2012) and Disney’s advertising campaign video
"Dream Big, Princess" (2016). Through the analysis of the profile of the
characters and actions experienced in Brave, the study aims an
approach on the role of the protagonist and the connection with the
princesses presented by Disney. Interpretation and analysis of the

158
concepts and prejudices involved around the researched topic are also
performed from a sociological perspective. In Brave (2012), different
notions of gender may be found, and the characters are constructed with
different individualities; the unfolding of the film narrative, as well as
the campaign, contribute to the problematization and discussion on the
theme. It is understood, mainly from authors such as Ribeiro (1996),
Garcia (2009), Ferreira (2009) and Louro (2003; 2009; 2010), that the
idea of gender passes through different institutions as family, church and
school. A denaturation of what gender is necessary and so is an
understanding of it as a social construction, in order to conceive a new
comprehension in our pedagogical practice, which needs to be reflected
in an education with respect to gender diversity.
Keywords: Child Education. Gender. Film narratives. School

Introdução
Princesas, príncipes, rainhas, reis, guerreiros e donzelas
remetem-nos a conceitos e preconceitos de gênero estabelecidos em
nossas experiências, carregados de símbolos e signos resultados de uma
construção social e cultural, e reproduzidos a cada um e cada uma por
meio da família, amigos, escola, histórias, regras, filmes e ações.
Gênero caracteriza-se como uma construção histórica e social, o
qual pode, e deve, ser abordado na Educação Infantil, pois é inerente aos
seres humanos e, portanto, constitui a nossa formação desde a mais tenra
idade (GARCIA, 2009). Deste modo, faz-se necessário repensar, na
nossa prática pedagógica, situação em que são produzidos e reproduzidos
padrões hegemônicos de gênero, para a construção de novos caminhos a
fim de tecer a discussão sobre essas temáticas na rotina escolar.
Trabalhar com atividades relacionadas à sexualidade e gênero
na Educação Infantil é um desafio, uma vez que foi criado em torno
dessas temáticas um campo minado de preconceitos e tabus que visa
censurar e limitar o trabalho docente. Diante desse cenário, buscaremos,
por meio da narrativa fílmica, alternativas pedagógicas para trabalhar
com o assunto no cotidiano.

159
Em nosso estudo, abordaremos gênero como as características
sexuais que são compreendidas e representadas na prática social.
Portanto, a sua construção ocorre no processo histórico e nas relações
vividas formando masculinos e femininos (RIBEIRO, 1996; GARCIA,
2009; FERREIRA, 2009; LOURO, 2003; 2009; 2010). A escola, como
espaço social, também participa dessa formação, haja vista que meninas
e meninos permanecem nessa instituição grande parte de seu dia, onde
vivenciam diferentes discursos, práticas e representações, construindo
assim suas maneiras de compreenderem e interagirem com as pessoas e
o mundo a sua volta.
Ao compreendermos que gênero é construído e desconstruído a
partir de nossas vivências, afirmamos que esses aspectos não são dados
e acabados (LOURO, 2003), mas estão inteiramente ligados à forma
como compreendemos o mundo e como tecemos nossas relações e
práticas sociais. Conforme Ribeiro (1996):

O contexto cultural do qual a criança participa e as


práticas sociais historicamente constituídas são
incorporadas por ela, ativamente. Essa rica
experiência acumulada pela humanidade possibilita
à criança aprender pela palavra do outro,
organizando os próprios processos mentais e as
suas ações. É por esse processo que se constrói o
senso de si mesmo, como indivíduo único que está
em constante transformação – o seu projeto
identificatório – que pressupõe o senso de si mesmo
como menino ou menina, homem ou mulher. O
corpo sexuado deixa a sua marca nas ações do
indivíduo, naquilo que pensa, sente, diz ou faz
(1996, p. 41).

Nesse sentido, cada menina e menino constrói o seu


conhecimento a partir daquilo que lhe cerca, sendo por meio de sua
cultura, costumes e regras que se constrói a sua história e a sua identidade
de gênero. Consideramos que essas concepções podem se modificar com
o passar do tempo, agregando novos conhecimentos ou renunciando a

160
outros; esse movimento impulsiona, desenvolve e interage com as
diversas personas que somos em nossas vidas.
Parafraseando Louro, acreditamos que a escola é o lócus de
produção e socialização de saberes e conhecimentos, por meio de um
processo sistemático e intencional de formação múltipla dos sujeitos
(LOURO, 2010). A complexidade em torno do gênero, por vezes, remete
insegurança aos profissionais da educação, principalmente ao que tange
à Educação Infantil.
A carência na formação inicial e/ou continuada sobre a
temática é apontada pelos profissionais de Educação Infantil como
principal barreira no desenvolvimento do trabalho com crianças, e, aliada
a essa questão, citamos a resistência por parte de algumas famílias das
crianças e alguns dos profissionais da educação sobre o tema, uma vez
que compreendem que este não é pertinente de ser tratado nessa etapa da
infância. Contudo, as crianças passam a desvendar as diferenças e
semelhanças ao se reconhecerem como menina ou menino, e ao
estruturarem as suas compreensões sobre as experiências vividas.
Barbosa e Magalhães (s/d) defendem que:

Quando falamos em infância, não podemos nos


referir a esta etapa da vida como uma abstração, e
sim como um conjunto de fatores que institui
determinadas posições que incluem a família, a
escola, pai, mãe, entre outros que colaboram para
que hajam determinados modos de pensar e viver a
infância (BARBOSA; MAGALHÃES, s/d).

A formação do caráter, do pensamento, da forma de agir e de


sentir da criança ocorre em suas diferentes vivências, e com isso
podemos dizer que essas situações ofertarão a ela subsídios para a
construção do seu ser.

Se antes pensávamos que o desenvolvimento era


natural e que as qualidades humanas se
manifestavam à medida que as crianças cresciam,

161
agora passamos a ver o desenvolvimento como
resultado das experiências que a criança vive, de
sua atividade e de sua aprendizagem. Se antes
entendíamos que o desenvolvimento acontecia
naturalmente, hoje entendemos que devemos
intencionalmente provocá-lo, querendo que as
crianças se desenvolvam ao máximo, que
reproduzam as máximas qualidades humanas
(MELLO, 2015).

No cotidiano com as crianças de Educação Infantil


experienciamos situações de descobertas e curiosidades nas brincadeiras,
conversas e interações entre meninas e as meninos. Ao longo de cinco
anos de docência, foi possível observar que as crianças trazem para sala
de aula muitas dúvidas sobre o que está a sua volta, e estas são
externalizadas por meio de perguntas, no jogo de papeis sociais e nas
suas ações.
Em nosso trabalho, utilizaremos como corpus de análise uma
narrativa fílmica e um vídeo de campanha publicitária. Sobre a
narrativa fílmica compreendemos a mesma como uma manifestação
cultural recorrente na rotina da Educação Infantil, seja em seus lares ou
na escola. A Educação Infantil compreende o atendimento de crianças de
0 a 5 anos, e tem por finalidade a socialização dos saberes, científicos,
artísticos, éticos, culturais, e sociais, que desenvolvem as possibilidades
humanas, ultrapassando os limites impostos pelo cotidiano e pelo senso
comum.
Destacamos que, nesta faixa etária, a criança explora os seus
arredores, e, a partir de seus sentidos, constrói significações e
conhecimentos através destes, portanto, os desenhos animados
possibilitam às crianças a apropriação e contato com a diversidade
cultural (BOYNARD, p 283. s/d). Ao utilizar as narrativas fílmicas de
animação, é possível apresentar à criança as diversas nuances do mundo
e construir por meio deste a sua concepção de sociedade. Diante disso,
elencamos a narrativa fílmica Valente (2012) e a campanha publicitária

162
da Disney “Sou princesa, Sou real” (2016) para analisar os conceitos de
gênero presentes nos desenhos animados.

VALENTE: UMA NOVA FORMA DE SER PRINCESA


A narrativa fílmica Valente é uma produção da Walt Disney
Pictures e pela Pixar Animation Studios, dirigido por Mark Andrews,
Brenda Chapman e Steve Purcell, foi lançado no Brasil na data de 20 de
julho de 2012.
A protagonista da narrativa fílmica é Merida, filha primogênita
do rei Fergus e da rainha Leonor. No decorrer da narrativa fílmica, a
rainha passa a ensinar a filha a tornar-se princesa, cumprir seus deveres
e demonstrar o comportamento esperado para a posição que lhe cabe, no
entanto, esse é um trabalho árduo, pois a jovem princesa tem apreço por
cavalgar, praticar arco e flecha e aventurar-se pelas terras do reino.
Nesse cenário, após incansáveis aulas de etiqueta, postura,
oratória e preparação, chega o momento de se escolher o noivo para a
princesa, e, assim, a família real organiza um evento para a escolha de
um marido para Merida. São três pretendentes de reinos vizinhos, cada
um é apresentado por seu respectivo pai, os quais discorrem sobre
coragem, ousadia, valentia e vitórias, mas ela não demonstra interesse
pela escolha de seu marido, a qual será efetivada em uma competição,
com um esporte determinado pela princesa.
A jovem demonstra sua rebeldia e seus desejos no dia da
competição, momento em que enfrenta a família e busca ser ouvida.
Merida acredita que a competição dos príncipes pela sua mão retira a sua
liberdade de escolha, e portanto enfrenta seus pais e o reino na luta pela
sua liberdade, contudo na busca para ser ouvida, ela encontra ajuda em
uma velha feiticeira que transforma sua mãe em uma ursa. A trama da
narrativa fílmica passa então na busca pela união de mãe e filha, de modo
que aprendam a ouvir, compreender e respeitar uma à outra, e voltar a
terem as suas vidas habituais.
Com linguagem simples, a narrativa fílmica mostra que as
atribuições dadas aos gêneros masculino e feminino, pela sociedade,

163
podem ser remodeladas. Merida não se enquadra nos padrões impostos
como essenciais para o referido título, afinal, socialmente, o mesmo
exige delicadeza, uma coroa, roupas exuberantes e um mundo cor de
rosa, assim como vemos no conto da Bela Adormecida, por exemplo.
Merida não tem a graciosidade de uma princesa, troca sua coroa por arco
e flecha, seu vestido é azul, e seus cabelos não possuem um penteado
sofisticado.
Desde criança, ela demonstrava seu interesse pelo tiro com
arco, recebe o incentivo de seu pai, o rei Fergus, para a prática deste
esporte, o que não é aprovado pela mãe, que acredita não ser apropriado
a uma princesa. Leonor aprendeu a tradição de sua família, na qual o
esporte e a aventura não são deveres de uma princesa, desejo que propõe
a sua filha, mesmo sem obter êxito.
Em uma das falas, Merida expressa o seu desejo pela aventura,
momento em que poderia explorar o reino, sem regras, sem proibições,
somente ela, seu arco e seu cavalo. O desejo da princesa é possuir a
liberdade que é concedida aos seus três irmãos caçulas, que, embora
crianças, podem realizar qualquer brincadeira, pois são meninos.
Embora a protagonista manifeste o seu desejo de construir uma
nova maneira de ser princesa, a tradicionalidade expressa pela rainha e
pelos costumes do reino ressaltam que, mesmo na dinâmica de inovações
de práticas sociais, a disciplina sobre ser menino e ser menina ainda está
presente e ecoa nas ações observadas.
A campanha iniciada pela Disney em 2016, “Sou Princesa, Sou
Real”, retrata a ruptura nos padrões de comportamento, uma vez que
mostra caber às próprias meninas a escolha de como agir e portar-se,
exibindo a figura de princesas anteriormente retratadas em narrativas
fílmicas e compiladas com imagens de meninas, realizando atividades
antes estereotipadas como masculinas. O vídeo demonstra que nem todas
as princesas são iguais, independentemente de usarem arco e flecha ou
sapatos de cristal, cada personagem constrói o seu futuro a partir de suas
escolhas.

164
A partir de Valente (2012), é possível tecer a discussão sobre a
construção de gênero, pois a princesa tende a refutar os padrões de
comportamento demonstrados pelas princesas em outras animações que
a própria Disney consolidou. Desse modo, transmite-se a ideia que as
características padronizadas como feminino ou masculino passam a ser
questionadas, possibilitando um comportamento alternativo à princesa
em contradição com as anteriores.
Nesse sentido, observamos que a noção de gênero tem sido
delineada nas relações sociais e transmitida de geração a geração no
decorrer dos anos. Na narrativa fílmica, essa situação é evidente nos
momentos de ensinamento da rainha Eleonor para com a princesa
Merida, as falas entre mãe e filha detalham a herança cultural repassada:
“Uma princesa deve demonstrar conhecimento sobre seu reino, […] deve
cedo levantar, deve ter compaixão, é paciente, cautelosa, asseada, e,
acima de tudo, uma princesa busca a perfeição”.
Os modos de ser menina e de ser menino são vistos de diferentes
ângulos e compreendidos nas suas peculiaridades conforme a cultura de
cada um; ao atentarmos para imaginário de princesa, sob a ótica da mãe
de Merida, percebemos que o mesmo foi construído por meio de suas
vivências, carregado de signos e significados por ela apreendidos, os
quais buscam replicar para a filha. Contudo, esse imaginário pode mudar,
e ser reconstruído com outras compreensões, outros desejos, outros
medos.
Considerando o contexto cultural vivido nos espaços sociais da
atualidade, percebemos ainda nas falas das crianças a construção de dois
mundos paralelos, um de meninas e outro de meninos, como se estes não
se misturassem, não se entrelaçassem, concebidos com ideias contrárias,
impossibilitando viver ao mesmo tempo nos dois mundos. De um lado,
a delicadeza e o colorido da menina, cheio de fitas, flores, balé, bonecas
e vestidos; do outro, azul, futebol, carros, gravatas e heroísmo. Às
meninas são pensadas profissões delicadas; aos meninos profissões mais
reconhecidas socialmente. No entanto, é preciso desmistificar essa
noção, afinal, compreendemos que:

165
[...] as noções de gênero e de identidade de gênero
têm sido, cada vez mais, questionadas; o que
significa ser macho ou fêmea, masculino ou
feminino, em contextos sociais e culturais
diferentes, pode variar enormemente, e a identidade
de gênero não é claramente redutível a qualquer
dicotomia biológica subjacente. Todos os machos e
fêmeas biológicos devem ser submetidos a um
processo de socialização sexual no qual noções
culturalmente específicas de masculinidade e
feminilidade são modeladas ao longo da vida. É
através desse processo de socialização sexual que
os indivíduos aprendem os desejos, sentimentos,
papeis e práticas sexuais típicos de seus grupos de
idade ou de status dentro da sociedade, bem como
as alternativas sexuais que suas culturas lhes
possibilitam (Louro, 2000, p 96).

Para algumas pessoas, gênero é compreendido como natural,


com padrões determinados, concebidos e estereotipados, e essa
naturalização das características tidas como feminino e/ou masculino não
pondera as vivências sociais e culturais de cada homem e ou mulher. Na
visão de Joan Scott (1989),

[...] gênero é um elemento constitutivo de relações


sociais baseado nas diferenças percebidas entre os
sexos, e o gênero é uma forma primeira de
significar as relações de poder. As mudanças na
organização das relações sociais correspondem
sempre à mudança nas representações de poder,
mas a direção da mudança não segue
necessariamente um sentido único (p 21 e 22).

A construção do feminino e do masculino assume novas formas


em consonância com o que é vivenciado por cada pessoa e apreciado
como próprio para si, não nos é possível determinar o correto ou o errado,
tão logo consideramos que é por meio de suas escolhas e experiências

166
que se dá a constituição de seu ser. Nesse sentido, consideramos que ao
se construir socialmente o rosa, o delicado e o frágil às meninas, o azul,
o forte e heroico aos meninos, são delimitados espaços e
comportamentos, que se tornam, em algumas situações, barreiras no
desenvolvimento da criança e, por vezes, forçando-as a se enquadrarem
ao que lhes é imposto. Diante desse contexto, é necessário desnudar as
regras e apresentar um mundo de escolhas.
A Educação Infantil pode ser esse mundo de escolhas, uma vez
que é a base da construção da personalidade das crianças, e possibilita a
elas conhecer, decidir e criticar, amparando-as para o mundo.

Essa nova relação entre aprendizagem e


desenvolvimento tem implicações essenciais para a
compreensão do processo educativo em conjunto.
Muda a concepção de criança que orientava nosso
pensar e agir na escola da infância. Se a
aprendizagem é que impulsiona o
desenvolvimento, então a criança aprende desde
que nasce: a velha concepção de criança como
incapaz e frágil precisa ser atualizada para
contemplar a nova criança capaz de aprender e de
atribuir sentido ao que vive. Ao adotar essa
compreensão, nos desafiamos a transformar não
apenas nosso discurso, mas também nossas
práticas. (MELLO, 2010, p 55)

É na Educação Infantil que ocorre o primeiro contato da criança


com a instituição escolar, são novas regras, novos rostos e novas
maneiras de explorar o mundo ao seu redor. Nessa etapa, a criança está
em intensa descoberta do seu corpo, do corpo do outro, constrói a sua
identidade nas experiências e nas manifestações em seu entorno.
Com a LDB nº 9394/96, a Educação Infantil passa a ser
reconhecida como a primeira etapa da Educação Básica, e tem por
finalidade o desenvolvimento integral da criança, de forma a
proporcionar

167
[...] o direito da criança à brincadeira, à atenção
individual, à convivência em um ambiente
aconchegante, seguro e estimulante; o direito à
desenvolver sua curiosidade, imaginação e
capacidade de expressão; o direito à proteção, ao
afeto e à amizade; o direito ao movimento em
espaços amplos; o direito à expressar seus
sentimentos, a uma especial atenção durante seu
período de adaptação à escola da infância; à
desenvolver sua identidade cultural, racial e
religiosa; a uma alimentação sadia e ao contato com
a natureza (CHAVES; CIRINO; CASAGRANDE,
2015, p.15)

A Educação Infantil é compreendida como “um conjunto de


práticas que buscam articular as experiências das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico e
ambiental, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças”
(CHAVES; CIRINO; CASAGRANDE, 2015, p 31). Desenvolvimento
este que ocorre por meio de suas aprendizagens sociais, econômicas e
culturais.
Nesse viés, concordamos com Mioto (1989), pois a criança
apropria-se e reinventa os aspectos vivenciados, sua construção é
produto do momento histórico e da sociedade principiado nas suas
experiências e no contexto cultural, no qual está inserida. Desse modo,
pondera-se “que a criança se apropria da cultura e produz uma cultura
típica da infância” (CHAVES; CIRINO; CASAGRANDE, 2015, p. 33).
As tradições sociais, familiares e religiosas, produzidas ao
longo dos anos e repassadas por gerações através de histórias, regras,
lendas e tabus, implicam em uma dicotômica de gênero, que diferem
desde o ventre materno até o futuro da criança, escolhendo desde então
e impondo-lhe cores, gostos, comportamentos, estilos de vida e sonhos.
Concepções estas que ainda estão presentes nos costumes sociais e que
ecoam nas salas de aula.

168
Ressaltamos que para se entender como homem e mulher se
relacionam em uma sociedade não é necessário atentar apenas às
características sexuais biológicas, mas todo o contexto que envolve as
suas convicções. Fragmentos do passado permanecem, e percebemos
ainda, em determinados grupos sociais, como família, trabalho e escola,
a presença de expectativas influenciam, tais como:

[...] às meninas traduzidas por posturas de ser boa


aluna, educada, obediente, sentimental, frágil,
aplicada e facilmente conduzida por regras e
normas. Dos meninos são esperadas qualidades
como ser ativo, viril, corajoso, líder, prático e
ousado (SCHINDHELM, 2011, p. 10).

Em sala de aula, presenciamos este comportamento, nas


brincadeiras das meninas e dos meninos, quando principalmente nos
jogos de papeis sociais reproduzem ações, diferenciando ou
classificando como próprias para menina e menino, tais ocorrências nos
incitam a possibilitar um novo rumo a estas vozes, proporcionando
reflexões sobre gênero.

É necessário demonstrar que não são propriamente


as características sexuais, mas é a forma como essas
características são representadas ou valorizadas,
aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai
constituir, efetivamente, o que é feminino ou
masculino em uma dada sociedade e em um dado
momento histórico. (LOURO, p. 21, 2003).

Na narrativa fílmica Valente (2012), ocorre uma cena em um


jantar da família, na qual a matriarca repreende a filha: “Merida! Uma
princesa não coloca suas armas sobre a mesa! Uma princesa não deve
nem possuir armas, em minha opinião”. Nessa mesma ocasião, a rainha
é repreendida pelo rei, que responde: “Deixa ela, princesa ou não,
aprender a lutar é essencial!”. A descaracterização da luta como

169
referencial masculino é um exemplo do movimento social, o que em um
dado momento é relacionado a determinado gênero, em outro pode tomar
forma diferente, o que não irá interferir na sua interação social nem no
desenvolvimento da sociedade.
Louro (2003) elenca que as concepções de gênero são
permeadas pelo movimento de mudança, e se diferem com os momentos
históricos e com a transformação de sociedade. Ao analisarmos a
campanha publicitária da Disney (2016), percebemos que as noções de
princesas que presenciávamos em nossa infância sofreram uma
alteração, estas que antes expressavam sua delicadeza e fragilidade,
doravante assumem um papel de protetoras, heroínas, aventureiras e/ou
guerreiras. Ao analisar a Campanha Publicitária da Disney “Sou
Princesa, Sou Real” (2016) percebemos um novo paradigma para a
caracterização das personagens, se outrora as princesas buscavam o seu
príncipe e dependiam deste para o intitulado final feliz, agora elas
enfrentam suas aventuras, superam seus medos e se realizam nas suas
conquistas. Essa nova roupagem construída para as personagens da
Disney, é impulsionada pela sociedade, não é um ato isolado, os
desenhos animados expressam aquilo que é vivenciado, devem ser
considerados instrumentos de grande valia na constituição moral e leitora
da criança (ELSNER, 2009).
A transgressão realizada por Merida impulsiona a
questionarmos os padrões impostos pela sociedade como sendo
adequados para menina e menino ou mulher e homem. Por mais que o
contexto cultural diferencie o feminino e o masculino, a criança tende a
se identificar ou não com o que lhe é imposto, ou ao que é dirigido ao
seu sexo biológico, delineando a partir de seus desejos a sua própria
forma de ser.

Valente: outros olhares sobre gênero


Nas salas de aula de Educação Infantil, é comum
presenciarmos nas brincadeiras de papeis sociais a presença das

170
princesas e heróis, o que causa inquietação e traz o desejo de tornar-se
igual à determinada personagem.

A brincadeira surge na criança a partir de sua


necessidade de agir em relação ao mundo dos
adultos da maneira como ela os vê, procedendo da
maneira como lhe ensinaram. [...] Assim, tanto na
brincadeira simbólica de papéis, na qual a criança é
a “mamãe” ou “professora” da amiguinha ou da
boneca, quanto na brincadeira de representação
com os objetos em que uma régua pode
transformar-se em um “avião”, ou uma borracha
em um “carro”, a criança realiza mentalmente uma
operação de abstração importante. (CHAVES;
CIRINO; CASAGRANDE, 2015, p 46).

As narrativas fílmicas de animação da Disney são


caracterizadas por apresentarem princesas elegantes, sofisticadas, belas,
as quais se encaixam nos padrões de beleza construídos pela sociedade.
No entanto, ao se observar a narrativa fílmica Valente (2012), é possível
constatar que há uma alternância nos padrões.
Ao selecionarmos tal narrativa, o fizemos pelo destaque nas
questões de gênero presentes na mesma, principalmente na figura da
protagonista, pois sua personagem, em primeiro instante, pode causar
estranheza ao público, por expressar-se de uma maneira que não é
esperada, em comparação com as outras princesas.
São vários os recursos pedagógicos que são utilizados pelas
professoras e professores nas salas de Educação Infantil, sendo livros,
sons, cores, registros, brinquedos, e, entre outros, a narrativa fílmica
(CHAVES; CIRINO; CASAGRANDE, 2010 p. 66).

Os desenhos animados [...] devem ser considerados


como instrumentos de grande importância na
formação não só moral, mas também leitora por
facilitar o desenvolvimento da personalidade e
estimular um canal possível para a resolução dos

171
problemas cotidianos, por servir como uma forma
de avalição e análise dos conteúdos que
transmitem, e, além disso, por estimular a formação
de novos modos de compreender e ver o mundo.
(ELSNER, 2009, p. 2).

Em Valente (2012), destacamos as relações de gênero nas


ações da personagem da princesa Merida, que questiona os
comportamentos determinados como essenciais para princesas e para os
príncipes. Já na primeira cena, o destaque ocorre pelo gosto dela pelo
arco e flecha, esporte praticado por seu pai, e reconhecido pelas
habilidades masculinas, mas que, no entanto, é praticado com excelência
pela princesa.
O enredo da história ocorre em um reino, onde as tradições que
a mãe busca passar implicam no modelo de mulher obediente, educada,
preparada para o casamento. Entretanto, o que a filha deseja é viver
aventuras, cavalgar, conhecer o reino e seus limites, ter a liberdade, a
qual é destinada a seus irmãos.
Ao questionarmos crianças da idade pré-escolar, entre os
quatro e cinco anos de idade, sobre o que é uma princesa, as respostas se
mesclam em um mundo de delicadeza, beleza e graciosidade. Algumas
dizem: “ela é linda!”, outras citam que a princesa “usa vestido cheio de
brilho”, outras meninas dizem: “eu queria ter um cabelo igual da
princesa!”, os meninos descrevem a princesa como “ela é muito bonita”,
“ela é menininha”, “a princesa vai casar com o príncipe!”. As respostas
geralmente são embasadas nos contos de fadas como Branca de Neve,
Cinderela ou A Bela Adormecida, histórias em que as personagens
encontram seus príncipes e são salvas por estes.
Na narrativa fílmica em análise, a rainha almeja um casamento
para a filha, com o intuito de manter ativas as alianças com os reinos
vizinhos, e para tanto é necessário moldar a princesa, de modo que se
encaixe ao que é concebido como correto para uma boa esposa,
garantindo, deste modo, que a filha herdasse seu trono. Essa fuga de
Merida dos padrões estabelecidos pela cultura escocesa e esperada por

172
uma princesa Disney pode estar relacionada com os movimentos e lutas
feministas na busca pela sua própria identidade, a busca pela igualdade
entre os gêneros e valorização social da mulher.

Considerações finais
Ao longo dos anos, os desenhos animados criaram um padrão
para as princesas, que se destacavam pela beleza, obediência, e
necessidade de serem protegidas. Merida se diferencia do grupo de
princesas da Disney pela sua valentia, aventuras e gosto por esporte, sua
feminilidade se expressa de outra maneira. Ela não deixa de ser princesa,
contudo, não se limita aos vestidos encantadores e penteados
exuberantes, ela caracteriza-se pela busca da liberdade e sonha pela
conquista de seu próprio lugar.
Por meio dos desenhos animados, é possível vermos uma
forma de transmissão de cultura, pelos quais se propagam mitos,
costumes, valores e tradições sociais, sendo uma fonte de orientação no
contexto cultural. Em Valente (2012), Merida é uma princesa com
características próprias, sem normas, sem etiqueta, sem a perfeição
esperada pela rainha. Ela se diferencia da tradicionalidade e dá vida à
criação de uma individualidade, com aparência desleixada, estilo
próprio, causando um movimento no imaginário coletivo de princesa e
fornecendo recursos para a formação de uma nova identidade na qual a
aparência, o jeito de ser e a imagem substituem elementos como a ação
e o compromisso na constituição da identidade.
A identidade de gênero, como vimos, é construída nas relações,
torna-se móvel, múltipla, pessoal, reflexiva e sujeita a mudanças e
emoções. O vídeo da campanha da Disney apresenta diferentes tipos de
princesas, cada uma com suas características para vestir-se, falar, pensar
e agir. Na narrativa fílmica abordada neste trabalho, as representações
das e dos personagens adotam comportamentos distintos, uma princesa
que gosta de armas e esporte, príncipes que não são bons na pontaria, reis
com dificuldade no discurso e uma rainha que preza pelos costumes de
seu reino. Essas personagens masculinas e femininas demonstram que

173
não há, de fato, uma única forma para ser, agir e pensar, desconstruindo,
assim, o imaginário de rótulos sociais predisposto aos aspectos
biológicos.
Em nossa sociedade, há ainda presente na cultura um ideal do
feminino e do masculino desde o seio materno, a organização do enxoval,
a escolha do nome, tudo é preparado para a chegada de um novo membro
da família pensando no seu sexo biológico. Contudo, não é raro
observamos formas de resistência à normatização imposta pela
sociedade. Ponderamos que o feminino e o masculino são construções
sociais, e não nos cabe impor qual cor é adequada a qual gênero, se deve
ou não apreciar arte ou esporte, mas, sim, a nós, profissionais da
educação cabe possibilitar o respeito pela diversidade.
A princesa Merida foi escolhida como sujeito deste estudo,
pois pressupomos que sua personagem, com sua figura colorida,
dinâmica, lúdica, rebelde e convicta, provoca nos espectadores
questionamentos e problematizações na desconstrução da figura de
princesa, e, logo, nas noções sobre o feminino.

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VALENTE. Direção de Mark Andrews; Brenda Chapman. Emeryville:


Disney/Pixar, 2012. 93 min

177
DESMARGINALIZAÇÃO ARTÍSTICA DA
DRAG QUEEN E SUA REPERCUSSÃO
SÓCIO-EDUCACIONAL
Lua Lamberti de Abreu
Eliane Rose Maio
(Universidade Estadual de Maringá)

A arte Drag, que pode subverter construções de gênero, nem sempre tem
a visibilidade e o respeito merecidos. Paralelamente, a comunidade trans
sofre com diversas formas de opressões e marginalizações. Esta pesquisa
visa historicizar as questões artísticas do/da ator/atriz crossdresser e
relacionar essas situações com alguns dos problemas sociais da
comunidade LGBTI, por meio de pesquisadores/as do teatro, teóricas
feministas e pensadores/as da educação. Acredita-se que a arte e a
educação são fortes aliadas para desmarginalizar pessoas desse meio e
conquistar voz e protagonismo dentro da arte, do meio acadêmico, ou do
espaço que as essas pessoas tentarem se inserir.
Palavras-chave: Drag Queen; Teatro; Educação.

ARTISTIC DEMARGINALIZATION OF THE DRAG QUEEN AND


IT’S SOCIAL-EDUCATIONAL REPERCUSSION

Drag art, which can subvert gender constructs, does not always have the
deserved visibility and respect. At the same time, trans Community
suffers from various forms of oppression and marginalization. This
research aims to historicize the artistic questions of the actor/actress
crossdresser and relate these situations some of the social problems of
the LGBTI Community, through theather researchers, feminist theorists
and education thinkers. It is believed that art and education are Strong
allies to demarginalize people from this space and gain voice and
protagonism within the art, the academic environment, or the space that
these people try to insert themselves.

178
Key words: Drag Queen; Theatre; Education.

Enquadramento teórico
Essa pesquisa tem por objetivo buscar desmarginalizar a
performer Drag Queen, possibilitando dar mais visibilidade às pessoas
que são apagadas da hegemonia atual. Contextualizar a trajetória do
transformismo dentro do teatro, e buscar meios de romper a distância
entre o/a12 artista que transgride normas de gênero e a plateia, para além
do meio LGBTI13, buscando validar essa forma artística, muitas vezes
desprezada ou até esquecida por parte da sociedade.
Drag Queen é a personagem que surge com a transfiguração de
um/uma ator/atriz transformista. Não é intrínseca à identidade de gênero
ou à sexualidade de quem o faz. Travestis são diferentes de Drag Queens;
Nem só homens fazem personagens Drag; Nem sempre travestir-se para
interpretar um/uma personagem do gênero oposto está ligado à
sexualidade de quem o faz. Uma travesti transcende os palcos e leva a
subversão de gênero para todos os aspectos da vida, podendo alterar seu
corpo permanentemente, assumindo nome e identidade novas
(MESQUITA, 2011). Já a performer Drag não vive sua vida como sua
personagem. Fica restrita aos palcos, apresentações, espetáculos ou
qualquer manifestação artística. (AMANAJÁS, 2015).
Acredita-se que a educação seja fundamental nesse processo,
tentando dar conta de diminuir a ignorância e a segregação, que são

12
Opta-se, neste trabalho, pelo uso de ambas as formas para englobar tanto
homens quanto mulheres, cis ou não, e por falta de uma forma mais
abrangente para pessoas não binárias ou que não se identifiquem com as
leituras sociais hegemônicas de gênero.
13
Sigla referente a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais,
Transgêneros/as, Interssexos, mas pode englobar toda e qualquer sexualidade
ou identidade de gênero não heterocisnormativa que não esteja representada por
estas nomenclaturas mas entenda-se parte dela.

179
nítidas atualmente, mas já houve cenários diferentes na história do teatro
e do fazer artístico de maneira geral.
Não é segredo que homens se travestiam para interpretar papéis
femininos nos primórdios do teatro. De fato, esta prática se estendeu por
séculos, até o Renascimento, como nos trazem diversas/os autoras e
autores teatrais, entre elas/es, Margot Berthold (2011) e Dario Fo (2004).
Entrementes, basta analisar a produção artística e midiática atual para
constatar que a subversão de gênero, a transgressão de suas normas
socialmente impostas, é algo muitas vezes mal visto e até reprovável em
grande parte da sociedade, quando não usada de maneira pejorativa em
programas humorísticos ou de entretenimento superficial.
Mas, se o ato de se travestir faz parte da história do fazer artístico
teatral, como pode ser omitido e reprimido atualmente? A figura do/a
artista que performa outro gênero, que não o atribuído à sua genitália
biológica de nascença, é comumente jogada à margem e atrelada às
minorias LGBTI, onde, ainda assim, está sujeita à discriminação e
opressão dentro do meio. A performer Drag passa por altos e baixos na
história da arte, poucas vezes chegando ao topo, porém atingindo o
fundo, a marginalização, diversas.

Método
Para o desenvolvimento da pesquisa, optou-se pelo método de
revisão bibliográfica, em diálogos com a metodologia feminista para
pautar as discussões e problematizações acerca da temática.

Resultados principais e discussões


A mulher não tinha espaço nem vez nos palcos, durante muito
tempo na história do teatro, desde seus primórdios. Este panorama não é
mais comum no meio teatral nos dias atuais, não só graças às lutas
feministas, mas à própria evolução da arte em si. Com o advento da
Commedia Dell’Arte no período renascentista, o papel feminino que
antes era comumente desempenhado por artistas homens passou, então,
a ser interpretado por mulheres (FO, 2004). Em contrapartida, o

180
machismo e a intolerância mudaram o foco para o ator que transgredia
seu gênero, e este perdeu seu espaço e foi colocado à margem, por
preconceito.
E, apesar disso, até hoje não há um grande número de
dramaturgas, diretoras ou encenadoras reconhecidas mundialmente, com
poucas exceções, evidentemente. Mesmo já sendo aceita social e
culturalmente uma mulher artista, ainda há o predomínio masculino nas
referências teatrais, decorrência do machismo entranhado em tais
estruturas. E, no caso do teatro, homens atuando como mulheres não é
algo recente ou inédito. Como muitos/as pesquisadores/as nos trazem,
em diversos momentos da história do teatro, esse fato era comum
(GASSNER, 2010).
No teatro oriental, a tradição sempre se fez mais rígida e presente
que no teatro Ocidental. O artista que interpretaria papéis femininos já
os fazia desde criança, algumas vezes chegando a extremos de ser
castrado para evitar a produção de hormônios masculinos (BERTHOLD,
2011). Giroux (2012), em seu livro Zeami: Cena e Pensamento Nô, sobre
a vida e obra de Zeami, cita diversos atores, compositores e dramaturgos
japoneses, majoritariamente homens, com pouca menção às mulheres.
Nos anexos do livro, algumas fotos mostram cenas dos
espetáculos, e todos os fotografados são atores, independente de estarem
interpretando homens ou mulheres. Nas peças escritas/compostas por
Zeami, também não há menção de mulheres, e existem obras específicas
de personagens femininas.
Magot Berthold (2011) também explana sobre os atores
transformistas no Oriente, em diversas culturas. E como, muitas vezes, a
persona feminina transcendia dos palcos para a vida real.
Esse costume também aparecia no Ocidente. Inclusive, uma das
hipóteses do termo Drag é que surgiu nas obras de Shakespeare,
abreviação da expressão Dressed as a Girl (Vestido como uma garota).
O icônico beijo de Romeu e Julieta não foi, de fato entre um garoto e
uma garota, mas sim entre dois atores, um interpretando um papel
masculino, e outro, um papel feminino.

181
A história da humanidade apresenta inúmeras
passagens em que o ato de se vestir (montar) em
drag, além de um posicionamento artístico e
político, foi uma necessidade cênica imposta pela
sociedade e pela moral vigente. Desde a Grécia
clássica até os dias atuais, homens personificam a
imagem feminina em diferentes aspectos, da
maneira mais realista ao total estilizamento da
forma. A drag queen sofreu metamorfoses reais
tanto em sua estética como em sua função, mas
nunca perdeu seu principal objetivo – a grande arte
do estranhamento. (AMANAJÁS, 2015, p. 01).

Durante o período renascentista, o movimento teatral conhecido


como Commedia Dell’Arte veio quebrar o tabu da mulher em cena.
Populares, os/as artistas viviam do dinheiro que arrecadavam com suas
apresentações e, apesar de serem espetaculares, precisavam de mais e
mais atrativos (FO, 2004). Colocar a mulher em cena, sem o artifício da
máscara, foi uma das formas que encontraram para ganhar a atenção. E,
a partir disso, a mulher foi ganhando espaço nos palcos e nas
apresentações, ainda tendo menos reconhecimento que a produção
masculina de maneira geral.
E onde foi parar o ator transformista? As Drags que, por um
tempo, dividiram os palcos com as mulheres, foram mais e mais
esquecidas e marginalizadas, não pelo espaço que as mulheres estavam
ocupando, mas sim pelo machismo e pela opressão cisexista14. Em
diferentes épocas ganharam certo destaque em situações adversas, mas
de maneira oscilante, acabando por voltar sempre às margens
(AMANAJÁS, 2015).
Não seria justo, entretanto, falar deste universo sem contemplar
o trabalho precioso do grupo carioca Dzi Croquettes. Durante o

14
Cisgênero é o termo usado para se referir ao indivíduo que se identifica
com a leitura de gênero socialmente atribuída à sua genitália de nascença.
Cisexismo é discriminação para com mulheres, pessoas trans, não binárias
etc.

182
movimento de contracultura da década de 70, 13 homens, entre eles
Lennie Dale e Wagner Ribeiro, deram origem ao grupo de dança, teatro
e música, que expunha experimentações de gênero sob o bordão “Nem
rainha, nem valete, sou um Dzi Croquette”. A transgressão de gênero era
feita de maneira realmente subversiva, mesclando elementos de leitura
social masculina e feminina num mesmo indivíduo (ISSA e ALVAREZ,
2009).
Apesar do sucesso e da repercussão até os dias de hoje, tendo
influenciado grupos musicais, artistas de dança e teatro, tais como Secos
e Molhados, as Frenéticas, Cláudia Raia, Miguel Falabella, entre outros,
não se encontra com facilidade referências acadêmicas sobre o grupo, e
mesmo no meio teatral, não é um estudo comum.
Pensando sobre isso, pode-se questionar o motivo desse apagamento.
Outros grupos da mesma época e de importância talvez semelhante, são
até hoje estudados e respeitados por teóricos/as do teatro. Mas pouco se
discute sobre o grupo de transformistas que dançava na época da
Ditadura, período de militarismo no Brasil, com grande repressão às
minorias e grupos de oposição às ideologias impostas. Foram engolidos
pela sombra do machismo cisexista?
O silenciamento e a invalidação de figuras LGBTI não é,
infelizmente, reclusa ao âmbito das artes. Como acontece em diferentes
sociedades e períodos históricos, a arte funciona como um termômetro
social, ou seja, está sempre em diálogo com a realidade cultural do tempo
e espaço em que se situa (FO, 2004). Portanto, pode-se deduzir que não
há espaço para a comunidade LGBTI em muitos âmbitos sociais.
O Conselho Nacional de Combate à Discriminação, em seu
documento Brasil sem Homofobia (CONSELHO, 2004), traz um
exemplo bastante concreto desse apagamento que gays, lésbicas,
bissexuais, intersexuais, travestis e transgêneros/as sofrem.
Segundo este documento, Janaína César Dutra Sampaio foi a
primeira travesti advogada filiada à OAB. E, entrementes, não há
literatura de fácil acesso ou conhecimento comum sobre sua carreira
militante; e o fato de ter sido a primeira, na década de 1980, evidencia a

183
discrepância entre uma pessoa cis e uma pessoa trans conquistarem o
mesmo reconhecimento.
E essa realidade não se resume apenas ao meio acadêmico,
obviamente. Atuar ou performar transgredindo as normas de gênero é
algo negligenciado pelas mídias e por grandes partes dos meios
artísticos. Porém, o/a artista que o faz tem todo o direito de ser
reconhecido/a por seu trabalho, com todo o valor artístico que tem. O
transformismo não é, necessariamente, algo inerente à pessoa que o faz,
ou seja, performar como Drag Queen não é sinônimo de ser travesti ou
transexual, nem um limitante de sexualidade (AMANAJÁS, 2015).
Alípio de Sousa Filho (2009), nos traz que sexualidade e
identidade de gênero não são definidas por fatores genéticos, e podem
ser construídas e alteradas durante a vida do indivíduo. O autor denuncia
a homofobia por trás do discurso eu nasci assim, defendendo a liberdade
de escolha das pessoas não heterossexuais e cisgêneros/as.
Portanto, atuar como o gênero oposto, ou numa confusão de
signos sociais atribuídos aos gêneros, pode sim ser uma opção que vem
a mudar no decorrer da vida, mas, independentemente disso, não muda o
teor artístico de sua performance, ou desmerece o trabalho que há nesta
ação.
Baseada em conservadorismo e
heteronormatividade, a sociedade tem dificuldade
em perceber que montar-se de drag trata-se de uma
expressão artística da vontade do indivíduo em se
vestir de outra maneira que não a designada para
seu gênero, tampouco dentro das normalidades.
Muitas vezes confundidas com transexuais, o ato de
se montar sempre foi associado como atividade de
pessoas gays, o que as fez por muito tempo
permanecerem em guetos onde eram aceitas.
(LEAL, et all, 2015, p. 07).

De acordo com Rita Von Hunty (2013), Drag brasileira e


estudante de letras da Universidade de São Paulo (USP), um homem que
nasce com todos os privilégios que a sociedade pode dar: homem,

184
branco, cisgênero, heterossexual, classe média alta etc. e escolhe
performar uma mulher, está traindo todos esses privilégios. A
feminilidade deve ser ceifada desse indivíduo, pois não se pode aceitar
alguém que, por opção ou não, abandone seu lugar de superioridade
hierárquica para se colocar no lugar de oprimido/a.
Também sobre isso, temos Judith Butler (2003), filósofa e um
dos principais nomes da teoria queer, que questiona se a construção de
gênero não pode ser revertida ou reinterpretada. Ao subverter a
construção social imposta à sua genitália, o indivíduo tido como homem,
não estaria colocando-se dentro do gênero feminino, e assim, sendo alvo
de machismo e opressões patriarcais?

Quando teóricas feministas afirmam que gênero é


uma interpretação cultural do sexo, ou que o gênero
é construído culturalmente, qual é o modo ou o
mecanismo dessa construção? Se o gênero é
construído, poderia sê-lo diferentemente, ou sua
característica de construção implica alguma forma
de determinismo social que exclui a possibilidade
de agência ou transformação? (BUTLER, 2003, p.
26).

A autora não está sozinha neste pensamento. Simone de


Beauvoir (1970) tem sua famosa frase, dizendo que não se nasce mulher,
mas sim, torna-se. Ou seja, o que se tem de conceito de mulher é dado
por uma construção de símbolos e significações, de padrões e de
comportamentos sócio-culturais, e que não estão ligados diretamente à
genitália da pessoa em questão. Portanto, subverter normas de gênero,
mesmo que dentro de um contexto artístico, é colocar-se no lugar
daquele/a outro/a sujeito/a.
Infelizmente, essa experimentação e transição fluida entre
construções de gênero não é algo socialmente aceito. Inclusive, em 2015,
discussões de gênero e sexualidade dentro de escolas foram barradas
pelas câmaras municipais de diversas cidades do Paraná, e na maioria

185
dos outros estados brasileiros (MARINGÁ, 2015). Como esperar uma
educação abrangente se não o tema é vetado na instância municipal?
E essa soberania masculina não se faz presente somente na arte
ou na educação. Muito pelo contrário, é apenas um reflexo social. Joan
Scott (1989) afirma que a subordinação feminina é anterior ao
capitalismo, calcada na origem do patriarcado, na qual a mulher é a
reprodutora e o homem está hierarquicamente acima disso. Segundo a
autora, a mulher vem sendo submissa em diversos sentidos, sem uma
causa nítida. Outros/as autores/as também explanam a diferenciação
sexual baseada em conceitos biológicos, que tentam justificar essa
desigualdade entre homem e mulher.

Longe de as necessidades da reprodução biológica


determinarem a organização simbólica da divisão
social do trabalho e, progressivamente, de toda a
ordem natural e social, é uma construção arbitrária
do biológico, e particularmente do corpo,
masculino e feminino, de seus usos e de suas
funções, sobretudo na reprodução biológica, que dá
um fundamento aparentemente natural à visão
androcêntrica da divisão de trabalho sexual e da
divisão sexual do trabalho e, a partir daí, de todo o
cosmos. (BOURDIEU, 2012, p. 33).

Esse patriarcado que subjuga a figura da mulher, entendo aqui


mulheres cis, trans, travestis, e expressões múltiplas de mulheres, acaba
por atingir o/a performer que transgride suas normas de gênero.
Essa situação vem se configurando desde muito antes do
conceito de performance de gênero ter sido sequer cunhado, em diversas
instâncias. No caso do teatro, conforme a mulher conquistou espaço nos
palcos, o/a crossdresser foi sendo mais e mais marginalizado/a, não por
concorrência, sabendo que muitas vezes a Drag atriz dividia os palcos
com a atriz, mas sim pela opressão e fetichização masculina.
A participação da mulher no teatro não foi apenas um ato
positivamente político ou feminista. Como a maioria dos eventos

186
históricos, havia um interesse por trás do feito. Com pouco acesso à
leitura e ao treinamento de artista, a mulher estava no palco por fetiche e
objetificação por parte do homem, que a certo ponto não se satisfazia
mais com “outro homem” atuando como uma mulher. Portanto, a Drag
ainda coexistiu com a mulher, a primeira como atriz, a segunda como
objeto de desejo. (AMANAJÁS, 2015).
Com o advento das lutas feministas, mais e mais a mulher veio
conquistando direitos, apesar de ainda ter um longo caminho para a
equidade proposta. E, por outro lado, mais e mais a figura da travesti, da
Drag Queen, da subversão de gênero, foi caindo no esquecimento, no
isolamento, na repressão, resultado da violência simbólica do patriarcado
para com as figuras femininas. E se, segundo Scott (1989), não há um
marco para o começo dessa opressão, como seria possível ir contra isso?
Vê-se na educação uma ferramenta poderosa para problematizar e
desconstruir alguns desses paradigmas.
Uma estrutura assim é inegavelmente heteronormativa15 e
machista. E, uma vez que a luta feminista veio conquistando pouco a
pouco o lugar da mulher, a opressão masculina sobre corpos lidos como
masculinos que subverte às normas de gênero intrínsecas à sua genitália
vem tendo mais visibilidade. Não que seja maior ou menor do que já foi
um dia, talvez só esteja mais em pauta graças às discussões do feminismo
e da teoria queer, que vêm ganhando destaque em espaços de educação
formal e informal.
Queer é tudo isso: é estranho, raro,
esquisito. Queer é, também, o sujeito da
sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais,
transexuais, travestis e drags. É o excêntrico que
não deseja ser ‘integrado’ e muito menos
‘tolerado’. Queer é um jeito de pensar e de ser que
não aspira o centro nem o quer como referência; um
jeito de pensar que desafia as normas regulatórias
da sociedade, que assume o desconforto da

15
Heteronormatividade é a imposição de padrões heterossexuais, excluindo
ou oprimindo outras formas de sexualidade.

187
ambiguidade, do ‘entre lugares’, do indecível.
Queer é um corpo estranho, que incomoda,
perturba, provoca e fascina (LOURO, 2012, apud
AMANAJÁS, 2015, p. 08).

A exclusão social gerada por essa invisibilidade repercute em


diversas camadas. Desde o desemprego e condições desfavoráveis aos/às
artistas, marginalização de transexuais e travestis, até à evasão escolar,
por homofobia ou transfobia. Não poder sequer usar o banheiro que
deseja por não ser visto/a como aquele determinado gênero é, no mínimo,
humilhante e opressor; Sofrer bullying por um comportamento que
desvia da heteronorma imposta gera um ambiente desfavorável para
qualquer criança e/ou adolescente.

O meio acadêmico raramente divulga casos de


agressão física ou verbal, evasão ou abandono
escolar, associados a estudantes homossexuais. No
entanto, a homofobia incide fortemente nas
trajetórias educacionais e formativas e nas
possibilidades de inserção social de milhões de
jovens LGBT. Além disso, a homofobia tende a
privar cada um/a desses/as jovens de direitos mais
básicos, por afetar as expectativas quanto ao
sucesso e ao rendimento escolar, e tende a dificultar
a permanência na escola e, consequentemente,
prejudicar a inserção no mercado de trabalho
(BRASIL, 2007), características observadas nos
baixos índices de instrução escolar atribuídas a
evasão escolar provocada pela discriminação.
(MAIO, et all, 2012, p. 142).

Não se vê na escola um lugar para desconstrução social, e sim


para perpetuação dos ideais hegemônicos, heteronormativos, machistas
e cissexistas.

Deste modo, a escola, desde sua criação traz, ao


contrário do que a massa popular acredita, um forte

188
teor regulatório direcionado aos papéis de gênero e
sexualidade. Como parte do processo performativo,
a escola cria mecanismos que dividem e definem de
modo inflexível, os locais aos quais meninas e
meninos devem pertencer através do adestramento
de hábitos e a construção subjetiva de ideais de
“masculinidade” e “feminilidade”. (VILARINS,
2014, p. 25-26).

Como esperar que haja espaço acadêmico para essas pessoas se,
desde as bases educacionais, já são excluídas e enfrentam mais
adversidades que os/as colegas heterossexuais e cisgêneros/as? Não é de
se surpreender que o espaço reservado à essas pessoas seja a margem. A
falha é estrutural, acima de tudo. Políticas públicas e sistemas
educacionais que não contemplam quem não está dentro da heteronorma
cisexista (BRASIL, 2007).
Entre os/as artistas Drag e a população trans, é comum o
aparecimento de famílias por amadrinhamento, numa estrutura familiar
única, como o grupo Dzi Croquettes vivia. Laços socioafetivos unem
pessoas excluídas da sociedade, e nesses núcleos, há a sensação de
pertencimento e responsabilidade entre irmãs e mãe, muitas vezes
dividindo o lar, os materiais e as experiências, suprindo necessidades não
contempladas pelo sistema heteronormativo em que vivemos.

De fato, o amadrinhamento é o um processo que


visa a transmissão de saberes, a ajuda mútua e a
constituição de laços de solidariedade entre pessoas
cujas identidades estão carregadas de estigmas. Por
isso, é importante salientar os sujeitos se auto-
identificam como uma família e que o
amadrinhamento é uma realidade existente entre
transformistas e drag queens de todo o País.
(MESQUITA, 2011, p. 03).

Na realidade, o Brasil está entre os países que mais mata


transgêneros/as no mundo. Essa realidade é notável em qualquer âmbito

189
sociocultural do país. A invisibilidade da arte subversiva de transgressão
de gênero é apenas um reflexo deste cenário transfóbico (ARRAES,
2004).
Educar gera visibilidade, e essa visibilidade é necessária. Quanto
menos se fala sobre, menos esse grupo existe socialmente. Para outros
grupos sociais, Drags, travestis, transgêneros/as e transexuais estão
distantes de sua realidade. Tal omissão gera uma série de problemas,
desde marginalização do indivíduo até casos de violências.
Apesar da intolerância individual, muitos desses problemas têm
como raiz comum a ignorância. Não ter contato com essa outra pessoa
que vive de maneira diferente de mim faz com que ela não exista.

Considerações finais (com implicações para investigações futuras,


politicas e/ou práticas).
De maneira geral, pode-se dizer que a arte Drag tornou-se cíclica
após a liberação feminina nos palcos. Mas, ousar sair de seu lugar
marginal para ganhar a mídia sempre gera polêmica. Por exemplo, na
década de 1990, filmes com temática Drag fizeram muito sucesso, como
The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert (1994) e To Wong Foo,
Thanks for everything! Julie Newmar (1995). Nos anos seguintes, a
produção diminuiu. E, posteriormente, o reality show RuPaul’s Drag
Race (2009) estourou nas televisões norte americanas, tornando-se
sucesso mundial, repercutindo em grandes projetos para Drags do mundo
todo, até no Brasil, com o reality nacional Academia de Drags (2014).
Nota-se a diferença entre as datas. O que houve nesse intervalo? Nada
foi produzido com a temática Drag Queen? Difícil de acreditar que isso
seja verdade. A questão visibilidade com certeza está em pauta.
Pós sucesso do reality de RuPaul Charles, o trabalho de muitas
Queens ganhou potência mundial. Um documentário sobre uma ex
participante foi feito, Drag Becomes Him (2014), além de diversos
álbuns e clipes com as participantes das sete temporadas já
televisionadas. E essa visibilidade, além de favorável para os/as artistas
do ramo, expõe um leque de problemas sociais muitas vezes

190
negligenciados, como a evasão escolar por parte da comunidade trans*,
crimes transfóbicos, diversas formas de intolerância etc. Educar é o
caminho para desconstruir esses preconceitos, e a visibilidade artística é
algo que anda de mãos dadas com a educação. Uma coisa catalisa a outra.
Arte Drag não é, e nem deve ser, restrita ao meio LGBTI. E, por outro
lado, escolas e instituições de ensino devem ter espaço para esse meio,
porque todos/as temos direito à educação. Logo, abrir o panorama, tanto
artístico quanto educacional, é algo com um potencial subversivo e
revolucionário incrível.

Referências
AMANAJÁS, Igor. Drag Queen: Um percurso histórico pela arte dos
atores transformistas. 2015. Disponível em <
http://www.belasartes.br/revistabelasartes/downloads/artigos/16/drag-
queen-um-percurso-historico-pela-artedos-atores-transformistas.pdf>
Acesso em 29 jan. 2019.

ARRAES, Jarid. Transfobia, a epidemia que os movimentos sociais


precisam combater. 2004. Disponível em <
http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2014/07/03/transfobi
a-epidemia-que-os-movimentos-sociais-precisam-combater/> Acesso
em: 29 dez. 2017.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 4ª Edição. São Paulo:


Difusão Européia do Livro, 1970.

BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. 5ª Edição. São


Paulo: Perspectiva, 2011.

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Bertrand Brasil, 2012.

BUTLER, Judith P. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da


identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

191
CONSELHO Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem
Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra
GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília : Ministério da
Saúde, 2004.

FO, Dario. Manual Mínimo do Ator. São Paulo: Editora Senac São
Paulo, 2004.

GASSNER, John. Mestres do Teatro I. 4ª Edição. São Paulo:


Perspectiva, 2010.

______________. Mestres do Teatro II. 3ª Edição. São Paulo:


Perspectiva, 2007.

GIROUX, Sakae Murakami. Zeami: Cena e Pensamento Nô. São


Paulo: Perspectiva, 2012.

ISSA, Tatiana; ALVAREZ, Raphael. Dzi Croquettes. 2009.


Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=rgy8fXEqw98>
Acesso em: 20 fev. 2019.

LEAL, Tatiane, et all. A Construção de Celebridades Drags a Partir


de RuPaul’s Drag Race: Uma Virada do Imaginário Queer.
XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de
Janeiro, RJ, 2015.

MAIO, Eliane, et all. Heterossexismo e sua tenacidade nas políticas


educacionais, práticas docentes e aprendizagem. ECS – Sinop, MT,
2012.

MARINGÁ, 2015. Sessão ordinária. Disponível em <


https://www.youtube.com/watch?v=85LI36cxst4> Acesso em: 20 fev.
2019.

MESQUITA, Marina Leitão. O Amadrinhamento como forma de


sociabilidade: Uma análise antropológica de uma família Drag Queen.

192
XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais – Salvador, BA,
2011.

PEREIRA, Guilherme Terreri. Perfil Diversidade – Episódio 1:


Guilherme e Rita. 2013. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=RINt0JHu71g> Acesso em 20
fev. 2019.

SCOTT, Joan. Gênero: Uma Categoria Útil para Análise Histórica.


1989.

SOUZA FILHO, Alípio. A Política do Conceito: Subversiva ou


Conservadora? Crítica à essencialização do conceito de orientação
sexual. Bagoas – Natal, RN, 2009.

VILARINS, André Luiz Rodrigues. Se não for pra causar, nem saio
de casa: Drag Queen como potência pedagógica. Brasília, DF. 2014.

193
LAERTE-SE: A FLUIDEZ DE UM CORPO QUE
SE TORNA FEMININO

Kaoana Sopelsa
Silvana Vaillões
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná)

Laerte, cartunista brasileira que retrata, entre outros personagens, Hugo


e Muriel (a mesma pessoa em diferentes performatividades) enquanto
torna-se mulher é analisada sob o olhar de seus desenhos - adaptando a
escrita de si e sua subjetividade às tirinhas supracitadas, as quais
demonstram a fluidez de seu corpo não-binário. A problemática sobre a
fluidez do gênero e sua performatividade no corpo de Laerte lança luz a
uma breve análise histórica sobre o corpo binário, o qual é atravessado
pelo discurso hegemônico no Brasil contemporâneo – lê-se
heteronormatividade, a fim de possibilitar a reflexão acerca do corpo e
da identidade fluidas. Essa análise interdisciplinar visa demonstrar que a
performatividade é construção histórica, passível de releituras e quebra
de paradigmas, pautadas na subjetividade humana. A tomada da fonte,
atravessada pela teoria Queer, visa demonstrar os deslocamentos - lê-se
performatividades fluidas – dos corpos, ainda que a heteronormatividade
pretenda se legitimar socioculturalmente.
Palavras-chave: Performatividade. Heteronormatividade. Muriel Total.

LAERTE YOURSELF: THE FLUIDITY OF A BODY THAT


BECOMES FEMININE.

Laerte, a Brazilian cartoonist who portrays, among other characters,


Hugo and Muriel (the same person in different performativities) while
he himself is in the process of becoming a woman (BEAUVOIR, 2016),
is analyzed under the gaze of his drawings - adapting the writing of
himself and his subjectivity (RAGO, 2013) to the aforementioned strips,
which demonstrate the fluidity of his non-binary body. The intention is
to realize a brief historical analysis on the binary body, which is crossed

194
by hegemonic discourse in contemporary Brazil - it reads
heteronormativity, and enables reflection on the body and identity fluid.
This interdisciplinary analysis aims to demonstrate that performativity
is a historical construction, susceptible of re-reading and which breaks
paradigms, ruled on human subjectivity. The selected strips are part of
the Muriel Total series, which are available on the author's page.
Keywords: Performativity. Heteronormativity. Muriel Total.

Gênero e Muriel Total


A cartunista Laerte Coutinho sempre vinculou sua obra às
causas sociais, de direitos das minorias e dos trabalhadores. Durante
muitos anos, militou como artista engajada, usando o humor de suas
charges e tiras para também tentar transformar a realidade e fazer refletir.
Após três casamentos e três filhos, Laerte finalmente levou a público sua
identidade feminina de mulher trans, tendo vivido por muitos anos (58,
para ser mais exato) no “armário”. Mas, não sem utilizar, ainda que
inconscientemente, sua personagem Muriel como “tira batedora”16,
abrindo caminhos para discutir e pensar sobre questões que lhe eram
importantes no momento de transição de gênero.
Laerte causou furor na mídia quando iniciou sua transição. Foi
a vários programas de entrevistas, bem como voltou a ter visibilidade,
pois todos queriam saber do que se tratava aquela situação. Um homem,
branco, de classe média, com carreira consolidada, de repente, quer ser
mulher? A questão é que a cartunista aproveitou o ensejo e passou a

16
“Essa tira do Hugo foi a minha tira batedora, ela foi na frente e foi ela que
atraiu o olhar de uma querida amiga, Maria Paula, que me escreveu um e-mail
dizendo: Eu acho que você possa ser um crossdresser. [...] Muitas vezes eu fiz
o Hugo se travestir e todo mundo sabe que até o Pernalonga, não há desenho
que não se travista. Não quer dizer que o autor esteja fazendo isso de forma
consciente, mas foi a partir daí que eu percebi.” Entrevista Laerte para o Roda
Viva. Exibido em 07 de fevereiro de 2012. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=vNT6kWzloWM. Acesso em: 01 mar.
2019.

195
militar pela causa trans, levando conhecimento sobre um tema tão
relevante e atual.
Laerte, brasileira de atuação profissional como cartunista,
retratou, em sua página chamada Muriel Total17, como um corpo
atravessado pela heteronormatividade demonstrou sua subjetividade e
fluidez ao tornar-se feminino. A cartunista entende sua identidade como
mulher trans, deslocando-se da performatividade masculina construída
socialmente para ela, em um exemplo de corpo não-binário, que
enfrentou (e continua enfrentando, como os quadrinhos demonstram) o
discurso hegemônico brasileiro de grande parte do século XX e início do
século XXI.
Hugo e Muriel são os personagens trazidos por Laerte,
utilizados como fonte, demonstrando como Hugo foi atravessado pela
performatividade masculina por muitos anos, devido à genitália
biológica pênis, considerada masculina. Neste ínterim, Hugo é colocado
em situações de cobrança pelos amigos homens, quando a fluidez de sua
identidade e corpo começam a tornar-se Muriel, mulher trans que
personifica Laerte na atualidade.
Entretanto, o enfrentamento não cessa. Se havia cobranças
sobre a identidade heteronormativa masculina, no corpo de
performatividade feminina elas continuam existindo; assim, conceitos
como “mulher de verdade” são trazidos pela cartunista, que se desloca
para “Muriel de verdade”, na fluidez performática e identitária.
O Brasil dos séculos XX e XXI normatizou os corpos como
binários, ou seja, aceitando apenas como performatividades o padrão
heteronormativo. Sobre isso:

[...] as pessoas com genitália masculina devem se


comportar como machos, másculos e as com
genitália feminina devem ser femininas, delicadas.
[...] a heteronormatividade advoga que ter um pênis
significa ser obrigatoriamente másculo, isto é, o

17
Disponível em: http://murieltotal.zip.net/. Acesso em: 01 mar. 2019.

196
gênero faz parte ou depende da “natureza”; existe
uma relação mimética do gênero com a
materialidade do corpo. (NOGUEIRA e
COLLING, In. COLLING e TEDESCHI, 2015, p.
357).

Hugo e seu deslocamento para Muriel, retratando a biografia


de Laerte, quebra o paradigma heteronormativo, que é uma construção
social (diferente do que se pretende), ao contestar a “natureza” com sua
subjetividade, a qual, mesmo sem autorização para existir, resiste.
Laerte, por si e por Hugo e Muriel, apresenta a fluidez identitária
presente na subjetividade humana, em que “ninguém nasce com um
gênero – o gênero é sempre adquirido” (BUTLER, 2018, p. 194).
Portanto, os limites binários da construção da performatividade
homem-mulher encontra a transposição de seus limites, na qual a
“identidade de gênero pode ser reconcebida como história
pessoal/cultural de significados recebidos” (BUTLER, 2018, p. 238).
Laerte vai além da passividade do corpo culturalmente
construído, no molde apontado por Butler (Idem), ao afirmar que
“quando “o corpo” é apresentado como passivo e anterior ao discurso,
qualquer teoria do corpo culturalmente construído tem a obrigação de
questioná-lo como um constructo cuja generalidade é suspeita”
(BUTLER, 2018, p. 223). Sobre isso, Butler (2018) discorre:

[...] o corpo está sempre sitiado, sofrendo a


destruição pelos próprios termos da história. E a
história é a criação de valores e significados por
uma prática significante que exige a sujeição do
corpo. Essa destruição corporal é necessária para
produzir o sujeito falante e suas significações.
Trata-se de um corpo descrito pela linguagem da
superfície e da força, enfraquecido por um “drama
único” de dominação, inscrição e criação.
(BUTLER, 2018, p. 225).

197
Um corpo pretendido pela heteronormatividade como
masculino, que se torna feminino, faz menção à afirmativa de Beauvoir
(2015) de que não se nasce mulher, mas torna-se, a partir da
subjetividade que se identifica como feminina, com “atos, gestos e
atuações” expressos “e inscritos sobre a superfície dos corpos, então
parece que os gêneros não podem ser verdadeiros nem falsos, mas
somente produzidos como efeitos da verdade de um discurso sobre a
identidade primária e estável” (BUTLER, 2018, p. 235-236). Assim,
pode-se afirmar que o gênero é construído pelo discurso, pela linguagem,
muito mais do que pelo corpo físico e sua materialidade. Até por isso há
modificações nas citações aos gêneros, de acordo com a mudança
cultural ou histórica. O gênero constrói-se com base na norma adequada
a cada tempo.

Análise das tiras de Muriel Total

Disponível em: http://murieltotal.zip.net/.

Na tira, a personagem está realizando o processo de


travestimento, no qual ela prende seus cabelos curtos com uma touca, a
fim de usar a peruca. Também, está de espartilho, peça do vestuário
feminino que serve para afinar a cintura. Segura em uma das mãos um
rímel, que está passando em seus olhos, assim, pode-se perceber que está
fazendo sua maquiagem, algo tido como “práticas imitativas” do “caráter
performativo do próprio gênero” (BUTLER, 2018, p. 240). Os “atos de
gênero” (Idem, p. 241), na construção performativa de mulher que Laerte
retrata, referem-se ao uso da maquiagem. Na tirinha, identifica-se com

198
facilidade o batom e o rímel. Esse ritual de maquiar-se marca o ato
performativo do gênero feminino. Qual o motivo, então, do
questionamento sobre não ser mulher de verdade, se a performatividade
feminina está presente?
A arbitrariedade presente na tirinha gira em torno do fato de que,
diante de uma concepção biológica, um corpo com pênis jamais poderá
ser feminino, ou seja, não se pode ser mulher se não for biologicamente
provida de órgãos reprodutores de fêmea.

O gênero é um ato que faz existir aquilo que ele


nomeia: neste caso, um homem “masculino” ou
uma mulher “feminina”. As identidades de gênero
são construídas e constituídas pela linguagem, o
que significa que não há identidade de gênero que
preceda a linguagem. Se quiséssemos, poderíamos
dizer: não é que uma identidade “faça” o discurso
ou a linguagem, mas é precisamente o contrário – a
linguagem e o discurso é que “fazem” o gênero.
(SALIH, 2015, p. 91).

Dessa forma, há que se pensar que o corpo não está fora da


linguagem e que somos interpelados a ser “homem” ou “mulher” antes
mesmo do nascimento. Passamos uma vida aprendendo o que é ser um
“homem” ou “mulher” de verdade. São atos que nos são ensinados, dia
a dia, por isso, são chamados performativos.

[...] o gênero não é um substantivo, mas tampouco


é um conjunto de atributos flutuantes, pois vimos
que seu efeito substantivo é performativamente
produzido e imposto pelas práticas reguladoras da
coerência do gênero. [...] o gênero mostra ser
performativo no interior do discurso herdado da
metafísica da substância – isto é, constituinte da
identidade que supostamente é. (BUTLER, 2018, p.
56).

199
Diante disso, os atos performativos de um gênero evocam a
possibilidade de que sejam efetivados por qualquer pessoa, ainda que ela
não possua os atributos físicos biológicos, explicitados como “naturais”
pela sociedade. Ser mulher independe de ter a biologia feminina, do
contrário, seriam menos mulheres aquelas que precisam retirar os órgãos
reprodutores, por causa de doenças como o câncer? Uma mulher sem
seios é menos mulher do que uma que possua seios? Uma mulher sem
seios não é uma mulher “de verdade”?
A palavra gênero, na construção conceitual, é “uma espécie de
imitação persistente, que passa como real” (BUTLER, 2018, p. 9), que
traz consigo a afirmação de que os sujeitos não são “estáveis ou
permanentes” (p. 18), mas produzidos, regulamentados. Portanto, como
expõe Butler (Idem), “Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é
tudo o que esse alguém é; (...) porque o gênero nem sempre se constituiu
de maneira coerente e consistente nos diferentes contextos históricos” (p.
21).
Onde o binarismo e a ordem compulsória dos gêneros pretendem
formar os sujeitos, a normalização é vista através de “enquadramento”,
“subordinação” e “regulamentação” (BUTLER, 2018b, p. 99). Essas leis,
regras e repetições performativas, apesar de pretenderem generalizar-se,
não encontram a passividade total. Isso significa, para Butler (Idem), que
“a resistência aparece como efeito do poder, como parte do poder, como
subversão dele mesmo” (p. 100).
Ser uma “mulher de verdade”, na heteronormatividade, mais do
que ter um corpo com genitália feminina, o qual tem o poder de
reprodução por causa do útero, é “ser boa mãe, ser um objeto
heterossexualmente desejável, ser uma trabalhadora competente, em
resumo, (...) uma variedade de demandas diferentes, tudo ao mesmo
tempo” (BUTLER, 2018, p. 251); a ofensiva apresentada é a resistência
do discurso hegemônico pela manutenção do status quo, ao observar um
corpo que excede, desafia sua ordem (Idem, p. 250).
Assim, “[...] uma pessoa é um gênero e o é em virtude do se sexo,
de seu sentimento psíquico do eu, e das diferentes expressões desse eu

200
psíquico, a mais notável delas sendo a do desejo sexual” (BUTLER,
2018, p. 51).

Disponível em: http://murieltotal.zip.net/.

Na tira acima, a personagem Muriel se depara com uma outra


mulher, que lhe diz que não há possibilidade de Muriel ser “mulher de
verdade”. A isso, Muriel responde com um gesto manual, pedindo à
colega que imite. Como a moça não consegue imitar o gesto feito por
Muriel, com as mãos, ela diz: “Tudo bem, querida. Você não é uma
verdadeira Muriel.” A tira desperta a reflexão para o fato de que “o ato”
feito com as mãos, por Muriel, pode ser comparado ao ato performativo
de gênero, tendo em vista que é algo ensinado, imitado, feito. “[...] o
gênero é um processo que não tem origem nem fim, de modo que é algo
que “fazemos”, e não algo que “somos”” (SALIH, 2015, p. 67).
Se o ritual de performatividade feminina, que abrange a
indumentária, os atos e gestos não caracterizam Muriel como uma
“verdadeira mulher”, ela se torna “uma verdadeira Muriel”, uma mulher
trans. Isso porque, independentemente da aprovação social, essa é sua
identidade, seu nome, sua subjetividade.
Performar o gênero é possível, tendo em vista que as normas para
cada gênero são ensinadas e reiteradas a cada dia, durante muitos anos
de nossas vidas. O corpo só se materializa como sujeito quando é
interpelado por uma linguagem, que o define como macho ou fêmea,
homem ou mulher. Essa imposição binária é limitante, estressante,
violentadora, abusiva e produz pessoas extremamente infelizes, uma vez

201
que é preciso repetir atos, às vezes até mecânicos, para ser uma
“verdadeira” mulher ou um “verdadeiro” homem.

Considerações finais
Diante dessa breve análise, há que se pensar na abrangência que
o gênero possui, quando é ele quem define o sujeito e como viverá sua
vida. A aceitação social depende muito de ser identificado em um gênero,
de forma que há sempre a noção de que um gênero precisa ser uma ou
outra possibilidade. O corpo fluido, apresentado por Muriel
(consequentemente, por Laerte), tende a ser refutado, tendo em vista que
não se enquadra na imposição binária vigente na atualidade: HOMEM
ou MULHER.
Nesse caso, ainda há a imposição de um padrão do que é
considerado ser “mulher de verdade”, que não seria qualquer mulher.
Como estar dentro desse enquadramento? Uma das primeiras bases para
isso seria possuir a biologia de fêmea, coisa que Muriel não possui.
Ademais, é preciso também exercer os atos performativos de acordo com
o que nos foi ensinado, no decorrer da vida. Ainda, atender aos requisitos
citacionais limitantes e abusivos de ser boa mãe, boa esposa, bonita,
bem-sucedida, boa amiga, ou seja, atender a tudo, de forma perfeita. Ao
homem, as noções de gênero atropelam em termos de sensibilidade, pois
não é assim que um macho “de verdade” deve ser visto: bom pai,
amoroso, que cuida dos outros, que chora, que tem empatia, que escuta,
que dialoga.
Entender como é nocivo esse enquadramento em uma das duas
possibilidades já ajuda para que se possa questionar tais “verdades”. O
gênero é social, não é natural, por isso, um corpo que desafia a imposição
binária de gênero é um corpo que resiste, que transgride e que questiona.
Dessa forma, Laerte expressa sua identidade de gênero de maneira a
questionar a imposição binária de gênero (ademais, por não ter feito
modificações corporais de ordem cirúrgica), o que confirma a
performatividade de seu corpo em detrimento de um corpo físico binário.

202
Referências
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da
identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

_____________. A vida psíquica do poder: Teorias da sujeição. Belo


Horizonte: Autêntica Editora, 2018b.

NOGUEIRA, G. e COLLING, L. Homofobia, Heterossexismo,


heterossexualidade compulsória, heteronormatividade. In In
COLLING, A. M e TEDESCHI, L. A. (org). Dicionário crítico de
gênero. Dourados: Ed. UFGD, 2015.

SALIH, S. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Autêntica


Editora, 2015.

LAERTE. Muriel Total. Disponível em: <http://murieltotal.zip.net/>.


Acesso em 01 mar. 2019.

203
PREVENÇÃO COMBINADA EM LIBRAS: A
PRODUÇÃO DE UM RECURSO DIDÁTICO PARA
A EDUCAÇÃO SEXUAL

Felipe Tsuzuki
Giovanna Camargo do Carmo
Francine Nagay Yamassato
Vinícius Colussi Bastos
(Universidade Estadual de Londrina)

No contexto escolar, as pessoas surdas por vezes têm informações


negligenciadas, mesmo que estas sejam necessárias para um
desenvolvimento pleno de suas habilidades e competências. A
sexualidade e a saúde sexual se destacam por possuírem poucos sinais
difundidos que abranjam suas terminologias, afetividades e
subjetividades. Este déficit intensifica a dificuldade de acesso à saúde
pela comunidade surda, aumenta suas vulnerabilidades e constitui uma
questão de saúde pública. Nesse sentido, este trabalho teve como
objetivo a produção e a avaliação de um recurso didático visual que
promovesse a saúde sexual e a prevenção combinada. Para tanto foi
realizada uma análise das tecnologias disponíveis pelo Sistema Único de
Saúde (SUS) para a prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis
(IST) e HIV/AIDS, seus modos de uso, locais que os disponibilizam e o
uso combinado desses instrumentos. Para a gravação dos vídeos,
utilizou-se uma câmera digital semiprofissional (Canon Powershot
Sx530 Hs) e posteriormente foram editados, unidos e legendados pelo
programa VEGAS Pro 15. As dificuldades na produção deste material
começaram na busca pelo vocabulário necessário e adequado para o
vídeo, uma vez que as terminologias existentes em LIBRAS não
compreendiam todos os significados do assunto abordado, ou não eram
conhecidas pela própria comunidade surda local. Assim, ressalta-se a
necessidade de mais materiais didáticos inclusivos.
Palavras-chave: Língua Brasileira de Sinais, Educação para a saúde,
Saúde sexual.

204
COMBINATION PREVENTION IN LIBRAS: THE PRODUCTION
OF A DIDACTIC RESOURCE FOR SEXUAL EDUCATION

In the school context, deaf people sometimes have omitted information,


even if it is necessary for ripeness of your skills and competencies.
Sexuality and sexual health stand out because they have few diffused
signs that cover their terminologies, affectivities and subjectivities. This
deficit intensifies the difficulty of access to health by the deaf community,
increases their vulnerability and becomes a public health issue. In this
sense, this study had the objective of producing and evaluating a visual
didactic resource that promoted sexual health and combination
prevention. To do so, it was necessary to carry out an analysis of the
different technologies available by the Unified Health System (SUS) for
the prevention of Sexually Transmitted Infections (STI) and HIV / AIDS,
their modes of use, the places that make them available and the combined
use of these instruments. A semi-professional digital camera (Canon
Powershot Sx530 Hs) was used to record the videos and were
subsequently edited, joined and subtitled by the VEGAS Pro 15 program.
Difficulties in the production of this material began in the search for the
necessary and adequate vocabulary for the video, since the
terminologies existing in LIBRAS did not understand all the meanings of
the subject addressed, or were not known by the local deaf community
itself. Thus, there is a need for more inclusive didactic material.
Key words: Brazilian Sign Language; Health education; Sexual health.

Contextualização
No passado, era comum a prática de esconder os filhos surdos
da sociedade, isto era decorrente da vergonha e do medo de ter concebido
um indivíduo diferente do padrão socialmente aceito como normal e
saudável. Portanto a maioria dos indivíduos surdos não saíam de suas
casas ou sempre estavam acompanhados dos pais para tal (MONTEIRO,
2006).

205
Neste contexto, a comunicação entre a família ouvinte e os
indivíduos surdos era bastante complexa, pois, ainda não era popular a
Língua de Sinais, ou, pouco aceita pelas pessoas que a conheciam. A
resistência no não uso da Língua de Sinais se dava, pois, culturalmente
era tido como “feio” fazer “gestos” ou “mímica” como forma de
comunicação com outras pessoas, e consequentemente, a Língua de
Sinais não era aceita como possibilidade de primeira língua de alguém
(MONTEIRO, 2006).
Diante deste cenário, os surdos eram isolados da sociedade e
permaneciam quase sem comunicação. Por muito tempo, a própria
comunidade surda não compreendia a importância da comunicação
através da Língua de Sinais para desenvolver o processo de construção
de suas identidades culturais, cognição e linguagem propriamente dita
(LEITE, 2004).
Atualmente, é possível observar um processo de mudança em
relação ao olhar da sociedade para a comunidade surda e suas
especificidades. Porém, tal processo ainda se dá de forma bastante lenta
dentro das políticas educacionais no Brasil. Há alguns anos atrás a
Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ainda possuía status de
linguagem, o que ocasionava certo preconceito e tabu. Hoje, a LIBRAS
possui status de Língua (MONTEIRO, 2006).
No que se refere ao histórico, a LIBRAS, evoluiu no século
XIX em contato com a Língua Francesa de Sinais (LSF) pelas mãos do
professor surdo francês E. Huet. Ele chegou no Rio de Janeiro em 1855
com a intenção de ideia de iniciar uma escola para surdos, e, com o apoio
de D. Pedro II, fundou o instituto Imperial de Surdos-Mudos em 1857,
que nos dias atuais é o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES)
(DINIZ, 2010).
Já em 1875, emergiu a Iconographia dos Signaes dos Surdos-
Mudos, como reprodução do dicionário da LSF – proposta que seria para
facilitar a comunicação entre alunos surdos e professores ouvintes do
INES. Contudo, a liberdade em se expressar através da Língua de Sinais
foi brutalmente cessada quando foi divulgada a decisão tomada durante

206
o Congresso Internacional de Educação de Surdos: esta decisão refere-
se à rejeição das línguas de sinais nas escolas de surdos, permanecendo
o foco apenas para a língua oral, considerada como superior à Língua de
Sinais (DINIZ, 2010).
Por esta razão a LIBRAS passou a ser desvalorizada e
desprezada pela sociedade e na educação. Em resistência, os alunos
surdos do INES continuaram se comunicando através da LIBRAS de
maneira escondida, em todos os locais. Anos à frente, esta língua de
sinais já estava formada com um sistema linguístico, e então foi
difundida para o Brasil, visto que os alunos do INES não consistiam
apenas em pessoas nascidas no Rio de Janeiro. A medida que os alunos
voltavam para seus Estados natais, levavam com eles a LIBRAS (DINIZ,
2010). A LIBRAS é, atualmente, cada vez mais reconhecida pela
sociedade, na legislação, nas escolas, universidades, empresas e outros
setores.
Pensando nos esforços dos últimos anos no campo da
prevenção contra novas infecções pelo HIV e da organização do cuidado
das pessoas que vivem com o vírus, faz-se extremamente necessário
discutir e conscientizar a necessidade de politizar todos os espaços e
todos os públicos.
A prevenção tem sido uma questão crucial para os programas
de controle de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Nas décadas
passadas, o desconhecimento acerca desta temática era grande e era
evolvida de estigmas, preconceitos com a comunidade LGBTQIA+ 18 e
fundamentos religiosos, em um universo que associava as infecções à
promiscuidade e falta de cuidado. Com o desenvolvimento científico,
lutas de movimentos sociais, criação de políticas públicas e entre outros,
houve um aumento significativo no conhecimento acerca das IST, e
principalmente, sobre HIV e AIDS, como suas interações com o

18
Sigla que identifica as populações de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transgêneras, Transexuais e Travestis, Queer, Intersexo, Assexuais e Pessoas
que Vivem com HIV ou AIDS.

207
organismo, epidemiologia, tecnologias de tratamento e prevenção.
Ressalta-se, um grau elevado de conhecimento atingido acerca do
controle dos efeitos nocivos do HIV sobre o organismo humano.
A prática consistente do sexo seguro e a adesão à medicação
ou aos serviços de saúde, na maioria das vezes implicam em um desafio
permanente, dia após dia, situação após situação e pessoa após pessoa
(PAIVA, 2002). Diante desse desafio, a prevenção combinada se mostra
uma estratégia pertinente e promissora.
A prevenção combinada é uma estratégia que possibilita o uso
simultâneo de diferentes abordagens de prevenção, sendo elas,
biomédica, comportamental e estrutural. Tais abordagens podem ser
aplicadas em diferentes níveis, ou seja, individualmente, nas
parcerias/relacionamentos, comunitária e socialmente, com a finalidade
de atender às especificidades de todos os segmentos populacionais e de
formas de transmissão do HIV.
As intervenções biomédicas consistem em ações e práticas
voltadas para a redução do risco à exposição, mediante intervenção na
interação entre o HIV e a pessoa passível de infecção. As estratégias
desta categoria podem ser divididas em: intervenções biomédicas
clássicas, que consistem nos métodos de barreira física ao vírus, como as
camisinhas peniana e vaginal, já amplamente utilizadas no Brasil e o gel
lubrificante; e intervenções biomédicas baseadas no uso de
antirretrovirais (ARV), como o Tratamento Para Todas as Pessoas (TPP),
a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) e a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP).
As intervenções do tipo comportamentais se referem às ações
que aumentam as informações e a percepção do risco de exposição ao
HIV e para sua consequente redução, mediante incentivos a alterações
nos padrões comportamentais da pessoa, comunidade ou grupo social em
que está inserida. Como exemplos, tem-se: o incentivo ao uso de
preservativos peniano e vaginal, aconselhamento sobre IST e incentivo
à testagem como forma de prevenção.
Já as intervenções estruturais são ações focadas nos fatores e
condições socioculturais que influenciam diretamente na vulnerabilidade

208
ao HIV de indivíduos ou grupos sociais específicos, envolvendo a busca
por transvalorar o estigma historicamente construído do HIV e da AIDS,
preconceitos, discriminação ou qualquer outra forma de exclusão e
alienação no que se refere aos direitos e garantias fundamentais à
dignidade humana. Neste sentido é possível citar exemplos como:
práticas de enfrentamento e combate ao racismo, sexismo,
LGBTQIA+fobias, fomento e defesa dos direitos humanos, campanhas
e ações educativas e de sensibilização.
As novas estratégias de prevenção surgem como ferramentas
que podem complementar o enfrentamento da epidemia de HIV,
ampliando a gama de opções que os indivíduos terão para se prevenir
contra a infecção pelo vírus e oferecendo mais alternativas para que seja
possível que todos os públicos se previnam da maneira mais confortável
e eficiente possível.
Quando alguém fala ou ouve a palavra saúde, quase que
instantaneamente é relacionada com a condição geral do corpo. Porém
ela vai muito além que o bem ou mal estar do corpo físico do indivíduo,
pois, ela inclui também a saúde mental e a social. Com a preocupação de
haver uma saúde pública eficiente, em 1986 houve a primeira
conferência Internacional sobre promoção da Saúde e nela é citado que
a saúde não é responsabilidade somente do setor da saúde, ela é dever de
todos independente do ambiente.
No art. 196, assegura que “a saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação”. Porém, o que deveria por Lei ser direito de todos, não são
todas as pessoas que podem usufruir desses direitos, pois muitos
profissionais que deveriam estar preparados para atender as diferenças,
como por exemplo a comunidade surda, com o conhecimento sobre a
Língua de Sinais Brasileira. Por esse motivo, muitas pessoas que estão
inclusas nessa comunidade, necessitam de um acompanhante familiar ou

209
tradutor para o que deveria ser muitas das vezes alguma consulta muito
particular.
A partir desse contexto, é de suma importância que essa
educação se dê nas escolas também e seja inclusiva, pois esses alunos
que portam alguma deficiência auditiva, assim como outros alunos, eles
passam grande parte de suas vidas dentro do ambiente escolar, o período
que eles vivenciam no mesmo, que seria desde criança até sua
adolescência, é exatamente quando eles começam uma maior interação
social, transformações do corpo, iniciação da atividade sexual, busca de
identidade, entre outras. Com isso professores tem o papel de construir e
estimular atitudes e valores reflexivos, conduzindo o jovem a tomar
decisões e ações para que ele tenha uma saúde física, mental e social
saudável, mas que não se limite a ele e sim que possa intervir nos
indivíduos que o rodeiam.
Uma vez que o déficit na disseminação da LIBRAS intensifica
a dificuldade de acesso à saúde pela comunidade surda, pode-se
considerar que este fato aumenta as vulnerabilidades desta população,
tornando-se uma questão de saúde pública. Nesse contexto, este trabalho
teve como objetivo a produção e a avaliação de um recurso didático
visual que busca promover a saúde sexual e a prevenção combinada.

Método
Para a produção de um recurso didático que atendesse e
incluísse a população surda, foi escolhido a modalidade visual, e para
tanto foi necessário realizar uma análise crítica das diversas tecnologias
disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para a prevenção de
Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e HIV e AIDS, seus modos
de uso, locais que os disponibilizam e o uso combinado desses
instrumentos. Para o registro dos vídeos, utilizou-se uma câmera digital
semiprofissional (Canon Powershot Sx530 Hs), os quais foram
posteriormente editados, unidos e legendados pelo programa VEGAS
Pro 15.

210
O processo criativo e a iniciativa se deram na disciplina de
LIBRAS, que é ofertada aos estudantes do curso de licenciatura em
Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), na
qual foi proposto a produção de uma videoaula de algum conteúdo
referente a biologia em LIBRAS. Por meio de pesquisas e da atuação no
projeto de extensão “Educação para a Sexualidade: Diálogo entre UEL e
a Educação Básica”, os autores e as autoras encontraram a realidade
relatada neste trabalho e voltaram-se ao trabalho em Educação Sexual e
Saúde.

Resultados principais e discussões


A proposta de produção de um material visual em LIBRAS
como recurso didático de inclusão de pessoas surdas e a promoção do
acesso à saúde, apresentou dificuldades desde o início das buscas por um
vocabulário necessário e adequado para o vídeo. Esta complicação se
deu, pois, as terminologias existentes em LIBRAS não compreendiam
todos os significados, subjetividades e afetividades da temática
escolhida, ou não eram conhecidas pela própria comunidade surda local,
como também foi descrito por Oliveira (2015).
Em decorrência da variação linguística que ocorre não só com
a LIBRAS (XAVIER, 2014; CASTRO JÚNIOR, 2011), mas também
com todas as outras línguas, algumas palavras tiveram que ser soletradas
pelo alfabeto manual em português antes da apresentação dos sinais. Isto
foi necessário, pois estes sinais não eram conhecidos pela população
surda local. A variação linguística em LIBRAS, embora expresse o
subjetivo da população local, também pode ser considerada um
impedimento no acesso à educação como foi relatado por Pereira (2011).
No entanto, muitos termos técnicos ou específicos da temática
não possuíam sinais que os traduzissem. Neste caso em específico, as
palavras que apresentavam essa característica foram apenas soletradas e,
então, tiveram uma breve contextualização, na qual seus significados
foram explicados e foram estabelecidas relações entre os termos e a
temática. Esta metodologia de abordagem no vídeo caracteriza uma

211
tentativa de associação entre os termos em língua portuguesa e em
LIBRAS, tornando explícito a necessidade de sinais que compreendam
uma abrangência maior no vocabulário. Entretanto, não cabe a este
trabalho ou aos autores deste, que não são pessoas surdas, criarem esses
sinais, isto seria impositivo e afetivamente distante. Acreditamos que por
meio de uma Educação Sexual e em Saúde para todos essa produção irá
emergir com a própria comunidade surda e ser feito em colaboração com
diferentes áreas do conhecimento como no estudo de Souza (2014).
Diferentemente de outros trabalhos feitos nesses moldes,
optou-se pelo recurso de legenda durante o vídeo. Isto, pois, desta forma
o recurso didático pode ser inclusivo e não exclusivo. Assim, em uma
sala de aula com estudantes ouvintes e surdos, o vídeo produzido pode
ser apresentado na língua de ambos os grupos de estudantes. Com isso,
assume-se que esta ferramenta tem potencial de promover a saúde sexual
por meio da disseminação destes conhecimentos de forma inclusiva.

Considerações finais
De acordo com o que foi exposto, encontra-se um paradigma:
há uma necessidade explícita de mais materiais didáticos como este e,
concomitantemente, a presença de barreiras e impedimentos da própria
língua de sinais que dificultam a comunicação pela escassez de
vocabulário, assim tornando mais trabalhoso a produção de vídeos como
este.
Considerando que esta ferramenta tem potencial de facilitar o
acesso à informação, acredita-se que este vídeo contribua com o
aprendizado crítico de assuntos acerca da temática e proporcione o
acesso a saúde sexual. Logo, a divulgação deste material didático nas
plataformas visuais disponíveis na internet faz com que tais saberes
cheguem a mais pessoas da comunidade surda, bem como a mais
profissionais da educação e da saúde.

Referências

212
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HIV/Aids: lessons learned and current challenges, Interface _
Comunic, Saúde, Educ, v.6, n.11, p.11-24, 2002.

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C. S., ROCHA, S. P., BARROS, L. M., & VASCONCELOS, M. I. O.
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do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

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LEITE, E. M. C. Os papéis do intérprete de LIBRAS na sala de aula


inclusiva. 2004. Dissertação (Mestrado Interdisciplinar de Linguística
Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de
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213
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PEREIRA, Karina Ávila. Variação linguística da Libras no contexto


da Educação de surdos. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) -
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SOUZA, Celso Luiz de. Abordagem interdisciplinar para a criação e


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XAVIER, André Nogueira; BARBOSA, P. Diferentes pronúncias em


uma língua não sonora? Um estudo da variação na produção de sinais
da libras. DELTA, v. 30, p. 371-413, 2014.

214
O ARTIVISMO QUEER-TRAVECO-
TERRORISTA DE LINN DA QUEBRADA E
A FRATURA EXPOSTA DA CIS E
HETERONORMATIVIDADE
Matheus Zaffani Borges
(Universidade Estadual Paulista/ Bauru)
Luiz Henrique Moreira Soares
(Universidade Estadual Paulista/São José do Rio Preto)

Entre uma série de artistas que produzem sobre/nas dissidências sexuais,


as performances artísticas e musicais de Linn da Quebrada configuram-
se propostas ético-políticas de intervenção queer na heteronorma. No
palco e nas suas letras, o artivismo de Linn problematiza sobre os tantos
corpos transviados que habitam o sul do Equador, por meio de
(re)criações irreverentes que produzem (des)ensinamentos potentes para
(re)pensar a fabricação do caráter fixo dos gêneros e das sexualidades
(COUTO JÚNIOR; SILVA, 2018). Destarte, este estudo objetivou
analisar o artivismo de Linn da Quebrada, tendo como objeto a letra das
canções “(+ Muito) Talento” e “Bomba Pra Caralho”, faixas presentes
no seu álbum “Pajubá”, do ano de 2017. Baseando-se nas postulações
dos estudos queer, nas figuras de Judith Butler (2003) e Paul Beatriz
Preciado (2017), enxergamos os dedos que Linn aponta à cis e
heteronormatividade, expondo sua ação de opressão, mas também sua
fragilidade e fratura.
Palavras-chave: Artivismo. Educação sexual. Letra de música. Mídia.
Teoria queer.

THE QUEER-TRANSVESTITE-TERRORIST ARTIVISM OF LINN


DA QUEBRADA AND THE EXPOSED FRACTURE OF CIS AND
HETERONORMATIVITY

215
Among a series of artists who produce about/on the sexual dissidences,
the artistic and musical performances of Linn da Quebrada are
configured as ethical-political proposals of queer intervention on the
heteronormativity. On stage and in her lyrics, the artivism of Linn
problematizes about the many stray bodies that inhabit the south of the
Ecuador, through irreverent (re)creations that produce powerful
(de)teachings for (re)thinking the fabrication of the still identities, of
gender and sexualities (COUTO JÚNIOR; SILVA, 2018). Consequently,
this study aimed to analyze Linn da Quebrada's artivism, with the lyrics
of "(+ Muito) Talento" and "Bomba Pra Caralho", tracks featured on
her album “Pajubá”, from 2017. Based on the postulates of the queer
studies, in the figures of Judith Butler (2003) and Paul Beatriz Preciado
(2017), we can perceive the fingers that Linn points towards the cis and
heteronormativity, exposing its oppression actuation, but also its
fragility and fracture.
Keywords: Artivism. Lyrics. Media. Sex Education. Queer theory.

Introdução
As flexibilizações identitárias, produzidas pela modernidade,
têm dado dinâmicas constantes às diversas posições de sujeito. Pelo
menos no Brasil, na última década, tem-se assistido ao (res)surgimento
de uma série de novas e novos artistas, imbuídos por linguagens variadas
e experimentações que questionam e problematizam hegemonias,
violências e os discursos naturalizantes de gênero e de sexualidades. A
literatura, a música, o cinema e a pintura têm sido suporte dessas
experimentações, muitas vezes como forma de confronto à heteronorma
e à reafirmação política.
Para Leandro Colling (2017), a proliferação de novas(os) artistas
LGBT+ é produto de movimentos muito específicos, como: o
crescimento dos estudos de gênero/sexualidades e os estudos queer no
país; o advento das mídias sociais; o espaço adquirido pelas discussões
de gênero/sexualidades na TV e a consequente visibilidade de
identidades até então excluídas dos espaços de poder; bem como o

216
contexto sócio-político de avanço dos conservadorismos e das diversas
formas de aniquilação política.
No cenário musical atual, é possível elencar, entre as(os)
várias(os) que produzem sobre/nas dissidências sexuais: As Bahias e a
Cozinha Mineira, Banda Uó, Danna Lisboa, Glória Groove, Horrorosas
Desprezíveis, Jaloo, Johnny Hooker, Lia Clark, Liniker e os
Caramelows, Linn da Quebrada, Lulu Monamour, Mulher Pepita, Não
Recomendados, Pabllo Vittar, Quebrada Queer, Rico Dalasam, Solange
Tô Aberta, Valéria Houston, Verónica Decide Morrer, e Zerzil.
Essas novas discursividades e poéticas, além de produzirem
espaços de luta nas ruas e na produção cultural e acadêmica, também
produzem “processos de invasão”. Em outras palavras, por meio das
experimentações do pop, do brega, do funk e da música eletrônica, tem-
se produzido discursos de questionamento do regime heteronormativo.
Apesar de ritmos, estilos e sonoridades distintas, todas(os)
essas(es) artistas advogam da mesma possibilidade e potência de
questionamento da heterossexualidade e das naturalizações de gênero e
de sexualidades: o artivismo, entendido nas palavras de Colling, Sousa
e Sena (2017, pp. 200-201) como uma “expressão política que
problematiza, através das artes, as mais diversas questões sem o corrimão
das identidades fixas e que privilegia a experiência do corpo em
trânsito”.
Assim comentam Rafael Guimarães e Cleber Braga (2017, p.
30):

a militância (ou o engajamento) não se registra


apenas à tematização de questões políticas (seja em
letra ou em performatividade), mas também na
composição estética: são criações de existências
conjuntas, vidobras que se dobram e se redobram
com o interesse em fazer música juntas, em que se
colocam todas as experiências e referências
artísticas de cada uma. É nesse espaço que se
constrói um outro tipo de militância, no qual as
trocas estéticas se tornam tão urgentes. Sim, são

217
pessoas trans, travestis, drags, viadas, sapatões, e
também artistas interessadas em colocar em dobra
suas vidas e suas obras, coletivamente.

Nesse cenário de deslocamentos identitários, investidos cada vez


mais por estéticas e trocas coletivas, interessa-nos saber como tais trocas
são produzidas, quais subjetividades são postas em cena, como tais
desvios e deslocamentos reconfiguram noções de gênero e de
sexualidade no Brasil, bem como a forma sob a qual o trabalho de artistas
dissidentes constrói novas narrativas de experiência e de afetos.
Para tanto, entre as múltiplas possibilidades investigativas,
escolhemos o trabalho artístico-político de Linn da Quebrada, artista
multimídia, performer, atriz, bixa travesti, (de)compositora e cantora
funk/população – como ela se identifica.
Tal escolha deve-se ao fato de que sua produção e seus
experimentos, no Brasil contemporâneo, se configuram como propostas
ético-políticas de intervenção queer na heteronorma. Em outras palavras,
ao trazer para o palco, e para as suas letras-discursos-histórias-protestos,
um tipo de performance artística de experimentação linguística e
corporal, a arte de Linn da Quebrada, para Couto Júnior e Silva (2018),
problematiza sobre os tantos corpos transviados que habitam o sul do
Equador, por meio de (re)criações irreverentes que produzem
(des)ensinamentos potentes para (re)pensar a fabricação dos gêneros e
das sexualidades.
Destarte, o objetivo desta pesquisa foi analisar o artivismo da
produção de Linn da Quebrada, tendo como objeto a letra das canções
“(+ Muito) Talento” e “Bomba Pra Caralho”, faixas presentes no seu
álbum “Pajubá”, do ano de 2017.

O que é Linn da Quebrada e quem é o álbum “Pajubá”


“Vou te contar a lenda da bixa esquisita” (QUEBRADA, 2017):
Linna Pereira, mais conhecida como Linn da Quebrada, nasceu em 1990
na periferia de São Paulo, numa área pobre da Zona Leste, e cresceu no

218
interior do estado, nas cidades de Votuporanga e São José do Rio Preto.
“Bixa, louca, preta, favelada” (QUEBRADA, 2017). Foi criada por sua
tia, em contato com a religião jeovista; no começo, enfrentou muitos
preconceitos da família e da comunidade religiosa ao assumir-se
homossexual e, posteriormente, transexual/travesti (PEREIRA, 2016).
Com isso, abandonou a religião, saiu da casa da família e voltou para a
capital. Passou então a dedicar-se a diversos ramos da arte, incluindo a
música, realizando shows e performances em boates e bares.
Durante alguns anos, Linn esteve em quimioterapia, enfrentando
um tumor testicular, justamente no símbolo da masculinidade que
buscava destruir. Essa história de epifania de mortalidade,
incompreensão e submissão médica, recuperação e instabilidade, ela
relata em uma publicação de rede social (QUEBRADA, 2016).
Durante o ano de 2016, lançou suas primeiras músicas autorais,
alcançou sucesso de visualizações nas plataformas digitais, adentrou a
carreira musical por meio do nome artístico “MC Linn da Quebrada”,
sendo o prefixo “MC” retirado algum tempo depois. Desde então,
embarcou em turnês nacionais e internacionais, apresentou-se em
programas televisivos (como “Amor & Sexo”, da Rede Globo),
concedeu várias entrevistas e reportagens a revistas e projetos (Vogue,
Elle, Melissa), fez aparição em documentário e em filme. Muito
recentemente, uma reportagem de janeiro de 2019 do jornal alemão
Deutsche Welle (DW) publicou sobre sua liderança na resistência trans-
negra no ‘Brasil de Bolsonaro’ (SMUGMAN, 2019), o que mostra sua
influência já se alastrando pelo mundo e com cunho político forte em
favor das(os) LGBT+.
Suas músicas contam sua história e a de outras(os), manifestam
a teoria queer e a contrassexualidade, empoderam os corpos mais
marginalizados dentro das LGBT+. O jogo de palavras em suas
composições é uma de suas características mais marcantes, ainda mais
usando vocabulário e gírias próprias das(os) LGBT+. Está, inclusive,
presente até em seu nome artístico: Linn da Quebrada… linda quebrada.
A Linn que vem da quebrada (periferia pobre e violenta) paulista. E as

219
lindas quebradas, as bixas pretas, partidas e miseráveis (SMUGMAN,
2019). “Tô bonita?/ Tá engraçada…/ Eu não tô bonita?/ Tá engraçada…/
Demorei tanto pra ser aplaudida,/ mas até agora só deram risada”
(QUEBRADA, 2017). Linn canta sobre a opressão, a quebra emocional
e social, a desconstrução, a reconstrução e colagem das peças, a
transformação e a intervenção. Afinal, “Ser viado não é só close,/ batom,
glitter e purpurina” (QUEBRADA, 2017).
Um ponto marcante de aplausos foi o lançamento, em 2017, de
seu álbum audiovisual de estreia, o “Pajubá”, contendo as músicas já
lançadas, mais algumas novas, que Linn percorre mundo a fora
divulgando até a data presente.
O título faz referência ao dialeto (ou socioleto) Pajubá (ou
Bajubá) que é linguagem de resistência, construída a partir de
palavras/expressões africanas, usada por praticantes de religiões afro-
brasileiras como o candomblé; a partir da ditadura militar, passou a ser
usada também por travestis e grande parte da comunidade LGBT+, como
código (BARROSO, 2017). O termo significa “fofoca”, “novidade”,
“notícia”. O dialeto inclui inúmeras expressões curiosas que facilmente
podem ser encontradas e traduzidas pela internet. Em 2018, o ENEM
apresentou uma questão mencionando o Pajubá, fato que foi muito
notável na luta progressista, mesmo tendo gerado polêmicas.
“Eu chamo esse álbum de Pajubá porque, para mim, ele é
construção de linguagem e invenção, é ato de nomear. É mais uma vez
resistência”, explica Linn em entrevista (GENTE, 2017), “A ideia é
produzir um espaço de intervenção sexual, uma rede de apoio e
fortalecimento entre o feminino, independente em que corpo estiver”.
O álbum foi lançado como um projeto de crowdfunding
(angariação coletiva). Em 11 de abril de 2017, Linn lançou em uma
plataforma digital a possibilidade de fãs e investidores doarem verba,
recebendo em troca recompensas, desde merchandising a shows
particulares. A angariação excedeu a quantia necessitada, mostrando a
grande aposta no seu trabalho. Para Oliveira (2017), o fato de o álbum
ter sido crowdfunding o insere em novas formas de produzir e divulgar

220
trabalho: o copyleft, um sistema alternativo ao copyright, uma forma de
trabalhar as produções artísticas, científicas, culturais, entre outras, a
partir da perspectiva do compartilhamento em recursos abertos (open
source), em oposição à privatização e centralização da informação.
Assim, vai ao encontra da demanda e/ou do acesso das pessoas mais
marginalizadas.
Com direção de BadSista, o álbum conta com dezesseis faixas, a
saber, na respectiva ordem: “(+Muito) Talento”, “Submissa do 7º Dia”,
“Bomba Pra Caralho”, “BixaTravesty”, “Transudo”, “Necomancia”
(com participação de Gloria Groove), “Coytada”, “Pare Querida”, “Dedo
Nucué” (com participação de Mulher Pepita), “Enviadescer”, “Pirigoza”,
“Tomara”, “Serei A” (com participação de Liniker), “A Lenda”, “Bixa
Preta” e “Mulher” (QUEBRADA, 2017).
Eleito pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA)
como um dos melhores álbuns brasileiros de 2017, o Pajubá é definido,
segundo a própria Linn como um disco “afro-funk-vogue”, valorizando
elementos sonoros trans-nacionais.
Em seu website, Linn compara seu álbum de debut com o álbum
de 2016 da afro-americana feminista Beyoncé: “Era um Lemonade
Transvyada que vocês queriam, meninas?” (QUEBRADA, [s.d.]). E
qualifica-o como “celebração e (re)existência […]. É sobre nossas vidas.
É nossa.” (QUEBRADA, [s.d.]). Nele, ela afirma: “Eu falo de mim, mas
em essência falo também de várias questões ligadas ao feminino e ao que
sinto dentro da comunidade TLGB. Solidão, erro, afeto, corpos
preteridos, eu queria um novo vocabulário para tudo isso”
(QUEBRADA, [s.d.]). Ainda completa: “Estivemos sempre de joelhos
dobrados nessa sociedade, senão diante da oração, da ereção. Em Pajubá
eu refaço tudo isso: tiro o macho do centro e dou o foco total aos corpos
de essência feminina e a seus desejos” (QUEBRADA, [s.d.]).
Para Silva e Meireles (2018), “Pajubá” é uma obra de tom, corpo
e caráter que resistem uma vez mais pela palavra como ação no mundo.
Suas letras

221
constituem pontos de vista de subjetividades
(re)negadas cujos desejos são interpelados pela
norma social binária de gênero e pela
masculinidade hegemônica. Em suas composições,
tais subjetividades reclamam seus lugares de
enunciadoras e tornam visíveis, audíveis e
explícitas suas demandas, negações, intensidades e
potencialidades ao desestabilizar as ordens sobre
suas experiências sexuais afetivas. As
reelaborações das experiências de sexo anal
compreendem um discurso que, entre expressões
lexicais do pajubá, imagens, vozes e sons,
subvertem, através da linguagem, as restrições e
ordens nas experiências anais (p. 1).

Facchi (2017) define o álbum como “um espaço onde putas,


bichas, travestis, negros, mulheres […] ganham destaque (e voz) a todo
instante, crescendo em meio ao ambiente dominado pela forte erotização
detalhada na poesia urbana da rapper”; afirma que “pinta um retrato
honesto, cru, ainda que bem-humorado, de temas muitas vezes
ignorados/sufocados pela ‘moral e os bons costumes da família
brasileira’”.
Oliveira (2017, p. 7) atribui a Linn um “protagonismo de
resistência”, pois, ainda que possa ser ridicularizada, excluída e
desvalorizada, questiona a normatização excludente, reinvindica sua
(des/contra)identidade, em uma disputa de poder pelo lugar da produção
musical periférica dissidente e das pluralidades de arte da/na favela.
Referindo-se a si mesma como “bicha, trans, preta e periférica.
Nem ator, nem atriz, atroz. Performer e terrorista de gênero”, a arte de
Linn é descrita como “uma estética que não é estática; se move, é
transito, é trans”, um jeito encontrado por Linn “para sustentar [em si] a
força desse feminino e ao mesmo tempo provocar um novo imaginário e
novas potências para corpos feminilizados” (QUEBRADA, [s.d.]). “Um
processo inacabado, estando sempre em obras, em obras… não em obras
das trevas, mas obras das travas” (TRÓI, 2018, p. 457).
O termo ‘terrorista de gênero’ chama atenção pela audácia.

222
Sobre o terrorismo no seu trabalho, Linn argumenta, em várias
publicações (TRÓI, 2018; PEREIRA, 2016; SMUGMAN, 2019): a
violência para corpos como o seu, pretos, transviados, de quebrada, está
posta, então é necessário responder também com ‘terror’, colocando o
corpo como arma, protesto, manifesto, pólvora.

Será que não fomos por tempo demais inofensivas?


Não está na hora de a gente passar a dar medo, a
assustar? E também a se assustar, se pôr em risco?
Por isso me coloco nessa posição: eu quero duvidar
da imagem consolidada há tanto tempo no espelho.
Eu quebro esse espelho para que possa me
reinventar. É preciso ter muita coragem para sair
como eu saio na rua, porque as pessoas não matam
só com faca ou com balas. O discurso também
mata. Os olhares pelas ruas também nos matam e
nos oprimem, e é preciso que todos os dias eu
mesma me encoraje para poder ser (PEREIRA,
2016).

Tal terrorismo lembra o termo “traveco-terrorista”, que está


relacionado ao processo de ressignificação linguística e, como a
pesquisadora e artista Tertuliana Lustosa comenta, no Manifesto
Traveco-Terrorista (2016, pp. 394-395),

o uso do termo “traveco”, somente ele, ainda não é


semelhante à atitude política de outras
subjetividades de gênero que se autodeclaram
bicha, travesti, sapatão, e que, nesse movimento,
revertem signos de ódio em potências de força,
tornando a sua performatividade um gatilho de
resistência às normas do corpo. Traveco-terrorista
(os termos aglutinados, não de forma separada) foi
o meu modo – travesti – de reagir ao desterro. E a
travesti-etc. ou a – triangular – traveco-terrorista-
etc. são, portanto, posturas afirmativas em favor do

223
estabelecimento de políticas brasileiras pensadas
pela e para agências trans. Autópsias autoaplicadas
sendo também uma forma de se pensar táticas de
ocupação política dos campos normativos da
sociedade. Eu amo a traveco-terrorista-etc. acho
que porque sou dessas.

Lustosa (2016, p. 396) entende o traveco-terrorismo como um


processo de “despedaçamento” dos estereótipos homem/mulher,
homossexual/heterossexual, natural/artificial; como uma potência de
problematização de “discursos sobre gênero com teor de apagamento
epistemológico ou a visões acadêmicas apartadas da experiência de
desviante no contexto brasileiro/latino-americano”:

O terrorismo daquela pessoa que o senhor chama


de traveco é uma posição filosófica de escavamento
das suas frequências não-binárias e também uma
não aceitação dos modos de vida cisgênera como
verdade única. Terrorismo como uma desfeitura
das armas coloniais através do erro, da desordem e
da produção de uma contraconduta que incomoda,
que agride, que é bombardeada, porém, que resiste
(LUSTOSA, 2016, p. 398)

É também um processo de deglutição de teorias, de corpos e


tecnologias outras em torno de uma clandestinidade política, inscrita na
necessidade de produzir novos modos de vida, expansões corporais,
rejeição aos regimes dicotômicos e teorias universais, “destruição” do
falo que nunca existiu: escritas e experimentações de gênero infiltrando-
se nas hegemonias e as descolonizando.

Método
Este estudo se caracteriza como qualitativo, de natureza básica e
caráter descritivo. O objeto de estudo são as letras de duas músicas de
Linn da Quebrada, “(+ Muito) Talento” e “Bomba Pra Caralho”, faixas
do seu álbum “Pajubá”, do ano de 2017, que foram coletadas do encarte

224
do álbum e adaptadas conforme a música ouvida.
A análise foi feita com base nos estudos queer, principalmente
nas figuras de Judith Butler (2003) e Paul Beatriz Preciado (2017).

Resultados principais e discussões


A construção de “verdades” e visões estereotipadas sobre
determinados corpos, a partir de discursos médicos, religiosos e
psiquiátricos, em sintonia com a heterossexualidade compulsória (RICH,
2010), tende a reduzir as relações sexuais e amorosas/afetivas em uma
única e estreita lógica, na qual se estabelece a relação: “homem = macho
= pênis” e “mulher = fêmea = vagina”. Tal visão se ancora na relação
científica de produção e naturalização dos corpos, do gênero e do sexo,
e corrobora na normatização e controle das formas de ser e estar no
mundo.
A heteronormatividade, segundo Michel Warner (1991), é um
conceito utilizado para significar um conjunto de normas e condutas
padronizadas de sexualidade (a hetero) que regulam e organizam as
sociedades ocidentais. A heteronormatividade, então, configura-se como
uma estratégia de ratificar, na cultura, a compreensão de que a “norma”
e o “normal” são as relações existentes entre pessoas de sexos diferentes,
que logo recai sobre a necessidade produção de sujeitos sempre
masculinos ou sempre femininos.
Como destaca Michel Foucault (1988), em todo o espaço de
proeminência do poder, há também resistência. A partir de tais
premissas, o filósofo queer espanhol Paul Beatriz Preciado escreve o
Manifesto Contrassexual, em 2004. Tendo como base o pensamento do
próprio Foucault, Deleuze, Butler e Derrida, o autor inaugura a
“contrassexualidade” – um tipo de matéria teórica e metodológica que
possibilita pensar o corpo como um espaço de estratégia frente ao poder
heterocentrado e naturalizante:

A contrassexualidade não é a criação de uma nova


natureza, pelo contrário, é mais o fim da Natureza

225
como ordem que legitima a sujeição de certos
corpos a outros. A contrassexualidade é. Em
primeiro lugar: uma análise crítica da diferença de
gênero e de sexo, produto do contrato social
heterocentrado, cujas performatividades
normativas foram inscritas em corpos como
verdades biológicas (Judith Butler, 2001). Em
segundo lugar: a contrassexualidade aponta para a
substituição desse contrato social que
denominamos Natureza por um contrato
contrassexual (PRECIADO, 2017, p. 21).

Apesar das inúmeras críticas em relação à produção teórica


localizada e estritamente vinculada ao contexto europeu colonial, as
contribuições de Preciado nos coloca de frente às indagações sobre os
processos de naturalização do corpo das relações sexuais. O
questionamento e a desconstrução de tais premissas naturalizantes,
materializadas pelo discurso, estão presentes na obra de Linn da
Quebrada.
A ideia da contrassexualidade (e aqui o termo faz referência aos
processos de contraprodutividade, percebidos por Foucault), reside na
proposição de colocar em xeque a ordem desse regime heterocentrado de
organização e controle das práticas sexuais, bem como questionar a
suposta naturalidade dos corpos, os binarismos, a normatização das
identidades sexuais e a produção da abjeção. A contrassexualidade diz
respeito a um processo e estratégia de resistência aos discursos
produtivos da modernidade – uma “desconstrução sistemática da
naturalização das práticas sexuais e do sistema de gênero” (PRECIADO,
2017, p. 22).
A canção “(+ Muito) Talento” assemelha-se a um poema falado;
uma rima crua, para Facchi (2017). Sua letra é apresentada no Quadro 1,
com os versos numerados.

Quadro 1 – Letra da música “(+ Muito) Talento”


1 Não adianta pedir 13 Já tava na cara

226
2 Que eu não vou te chupar escondida no14 Que tava pra ser extinto
3 banheiro 15 Que não adiantava nada
4 Você sabe, eu sou muito gulosa, 16 Bancar o machão se valendo de pinto
5 Eu não quero só pica, quero corpo inteiro 17 Tu se achou o gostosão, né?
6 Nem vem com esse papo 18 Pensou que eu ia engolir
7 Feminina tu não come? 19 Ser bicha não é só dar o cu
8 Quem disse que, linda assim, 20 É, também, poder resistir
9 Eu vou querer dar meu cu pra homem? 21 E eu vou te confessar
10 Ainda mais da sua laia 22 Que, às vezes, nem eu me aguento
11 De raça tão específica 23 Pra ser tão viado assim, precisa ter
12 Que acha que pode tudo 24 muito…
Na força de deus e na glória da pica Muito, muito, muito, ma(i)s muito
talento
Fonte: QUEBRADA (2017), adaptado.

Nela, Linn performa um processo de recusa e acusação.


Exemplificado, sobretudo, pelo discurso da negatividade nos versos 1, 2,
4 e 5 (não adianta, não vou, não quero, nem vem), Linn recusa a discrição
de um suposto “excesso” de sexualidade, por isso abjeta e queer; recusa,
pela negatividade, à acomodação do seu desejo a partir do discurso do
outro, ao mesmo tempo em que instaura a existência de uma excitação
integral do corpo, não somente o genital (“quero corpo inteiro”).
Em versos como 13 a 16, Linn expõe a forma como a
heteronormatividade se projeta nos corpos, assim como apresenta
rachaduras, fraturas. Para Preciado (2017, p. 31), a destituição do poder
que é investido simbolicamente ao pênis promove a desfiguração do
sistema heterocentrado, calcado no capitalismo e na união matrimonial,
e logo, da própria definição de “masculino” e “feminino”:

Os órgãos sexuais não existem em si. Os órgãos que


reconhecemos como naturalmente sexuais já são o
produto de uma tecnologia sofisticada que
prescreve o contexto em que os órgãos adquirem
sua significação (relações sexuais) e de que se
utilizam com propriedade, de acordo com sua
“natureza” (relações heterossexuais).

227
Linn, ao rejeitar o discurso heterocentrado, baseado em uma
relação sexual figurada pela presença (necessária e primordial) de um
pênis, rejeita também uma relação de poder e submissão do seu corpo a
outro: versos 5 a 12.
Os binarismos e as naturalizações do corpo, da sexualidade e do
gênero estabelecem-se como esferas de atribuição do conceito de
“normal” e “anormal” – produz o “anormal” a partir do momento em que
instaura o significado na normalidade. Linn, por meios discursivos,
“aterroriza” os critérios normativos de atribuição dessa normalidade
(versos 3, 19 e 20). A “raça tão específica” (verso 10), da qual fala Linn,
pode ser interpretada não como um corpo em específico, mas uma
ordenamento heteronormativo que é privilegiado nos processos de
submissão/dominação; um ordenamento definido como “normal”,
aquele que não precisa se esconder, que é (re)conhecido e inteligível pela
ordem social.
O que parece operar nas letras de Linn da Quebrada, a partir da
primeira pessoa do singular (“nem eu me aguento”, verso 22), é a
produção de um espaço singular de resistência (também como
experiência de recusa e exposição), fazendo da abjeção, simbolizada por
seu corpo, sua voz e sua escrita, estratégia de “despedaçamento” da
norma. Judith Butler (2003; 2000), filósofa americana, define a abjeção:

Esta matriz excludente pela qual os sujeitos são


formados exige, pois, a produção simultânea de um
domínio de seres abjetos, aqueles que ainda não são
“sujeitos”, mas que formam o exterior constitutivo
relativamente ao domínio de sujeito. O abjeto
designa aqui precisamente aquelas zonas
“inóspitas” e “inabitáveis” da vida social, que são,
não obstante, densamente povoadas por aqueles
que não gozam do status de sujeito, mas cujo
habitar sob o signo do “inabitável” é necessário
para que o domínio do sujeito seja circunscrito. [...]
Nesse sentido, pois, o sujeito é constituído através
da força da exclusão e da abjeção, uma força que
produz um exterior constitutivo relativamente ao

228
sujeito, um exterior abjeto que está, afinal, “dentro”
do sujeito, como seu próprio e fundante repúdio
(BUTLER, 2000, p. 153)

Queer é justamente isso: tornar o abjeto como matéria política e


de resistência, ainda mais ao corpo negro, latino e travesti,
historicamente estigmatizado e objetificado. Mas o abjeto também tem
se relacionada com a geopolítica mundial, as espacialidades e
temporalidades abjetas, ou seja, aqueles espaços de guerra e de paz,
espaços de produção da vida, da morte e da aniquilação (SERRANO,
2007, p. 248). No caso da América Latina, os processos coloniais de
exploração apresentam-se de forma intrínseca às formas de produção da
abjeção: corpos negros, feminizados, corpos travestis e trans são alvos
constantes de políticas de Estado baseadas no cerceamento e na
condenação, heranças de processos históricos produzidos por violências
e aniquilamentos.
Linn, ao final da música, alerta: precisa ter muito talento, mas
muito talento, muito mais talento (versos 23 e 24), remetendo às
identidades e (re)existências não-naturais que tanto sofrem e lutam para
se afirmarem.
A canção “Bomba Pra Caralho”, também de rima crua e mais
aproximada de um queer rap (FACCHI, 2017), tem seus versos
apresentados e numerados no Quadro 2.

Quadro 2 – Letra da música “Bomba Pra Caralho”


1 Baseado em carne viva e fatos reais 17 Tem fogo no rabo, passa, faz
2 É o sangue dos meus que escorre pelas18 fumaça,
3 marginais 19 Faça “chuca” ou faça sol
4 E vocês fazem tão pouco, mas falam20 É “uó” o ócio do comício em ofício
5 demais 21 Que policia o comércio de lucros e
6 Fazem filhos iguais, assim como seus pais loucos
7 Tão normais e banais, em processos22 Que aos poucos arrancam o couro
8 mentais 23 dos outros
9 Sem sistema digestivo 24 Mais pretos que louros, os mouros
10 Lutam para manter vivo o morto-vivo 25 Morenos mulatos pardos de papel

229
11 Morto, vivo, morto, morto, morto, viva! 26 passado
12 Bomba pra caralho 27 Presente futuro-mais-que-perfeito
13 Bala de borracha 28 Em cima do muro
14 Censura fratura exposta, fatura da viatura 29 Em baixo de murro, no morro, na
15 Que não atura pobre preta revoltada marra
16 Sem vergonha, sem justiça, tem medo de30 Quem morre sou eu?
nós? Ou sou eu quem mata?
Não suportam a ameaça dessa raça Quem mata, quem multa, quem mata
Que, pra sua desgraça, a gente acende, sou eu?
(a)ponta Ou sou eu quem mata?
Mata a cobra, arranca o pau
Fonte: QUEBRADA (2017), adaptado.

Em “Bomba Pra Caralho”, a questão da abjeção também é levada


ao discurso, ao tratar com olhar cru sobre as violências da periferia, o
caos urbano e o genocídio negro e travesti. Para Facchi (2017), esta
música é um passeio sem cortes pela periferia brasileira, detalhando
fragmentos marcados pela violência e preconceito.
O corpo é trazido como o principal catalizador dos processos de
identificação e articulação. Também operando na primeira pessoa do
singular, o discurso de Linn enfrenta o discurso colonizador,
problematizando a noção de uma masculinidade tóxica, historicamente
posicionada no sentido de dominação e exploração do outro (versos 1-
4).
Evidencia-se, também, o caráter interseccional do sujeito queer,
entendido a partir de um conjunto de disposições sociais que se
entrecruzam, tal como raça/etnia/cor, idade, nacionalidade, classe social,
etc. O discurso de Linn debate, linguisticamente, com o processo de
violência literal (institucionalizada e velada) e morte epistêmica aos
corpos abjetos, produtos de uma biopolítica específica, muito viva no
modo civilizatório capitalista, que escolhe quem deve manter-se vivo e
quem morre, que gerencia a vida e a morte (FOUCAULT, 1988).
Nesse sentido, ao utilizar determinadas formas de linguagem,
Linn expõe o processo de violência, como nos versos 6 a 8,
exemplificado pelo uso corrente de anáforas, utilizadas para intensificar

230
determinada ideia de jogo presente no discurso. A “morte” a “vida”
aparecem intrincadas, estar “morto” e estar “vivo” não é mais captável
pela linguagem, que não consegue dar conta dos processos simbólicos de
aniquilação social enfrentados pelas experiências trans. O recurso ainda
é utilizado em outras passagens como nos versos 9 a 13, ao enfocar
vocábulos que usam as letras “p”, “b” e “t” (bomba, borracha, fratura,
fatura, viatura, pobre, preta, revoltada) e intensificar, linguisticamente, o
sentido de violência no próprio corpo do texto.
O enfrentamento e a resistência de Linn, nesse sentido, são
exemplificados pela maneira como se organiza o discurso: versos 14 a
16. Ao “acender”, “(a)pontar”, “matar a cobra” e “arrancar o pau”,
estabelece-se um processo não só de subversão da criação divina de um
“homem” e de uma “mulher” (mito de Adão e Eva), uma vez que a
“cobra”, segundo o mito, simbolizaria a ascensão do mundo ao pecado
(e, logo, a produção do bem e do mal) e o “pau”, o símbolo de uma
masculinidade exemplar, hegemônica e primeira (Adão, o primeiro
homem); mas também de um processo de subversão da própria
linguagem (“mata a cobra e mostra o pau” é uma expressão popular que
significaria “provar a realidade dos fatos”).
Podemos dizer que, ao “matar a cobra” e “arrancar o pau”, Linn
desconfigura noções como “natureza”, “verdade” e “normalidade”, além
da falsa estabilidade de “homem” e de “mulher”. Mas a produção de Linn
parece propor a não apenas a ideia de desfiguração, mas também de
supressão. Nos versos 17 a 21, alguns fonemas parecidos aparecem em
conjunto, integrados, sustentando esteticamente a fragmentação da
linguagem e da própria identidade do sujeito, entendida como uma
produção descontínua e contingente (HALL, 2000).
Ao utilizar repetidamente o recurso de repetição fonética (passa,
fumaça, chuca, sol, ócio, ofício, polícia, comércio), típico do rap, e
também ao jogar com as palavras (“faça chuca ou faça sol”, em vez de
faça chuva ou faça sol), o discurso de Linn tenta fugir de tradicionalismos
da linguagem para criar seu próprio espaço de (re)existência. Uma das
potências do queer é justamente a produção de uma nova gramática que

231
abrigue outros corpos. Nesse sentido, o trabalho de Linn com a
linguagem se estabelece em um processo de desconfiguração e
desconstrução discursiva.
Nos versos finais, 23 a 30, a voz discursiva retorna ao jogo do
início da música (morto-vivo), qualificando a sua ação com a palavra
como “destruidora”: agora, ao colocar-se na primeira pessoa do singular,
utilizando-se de um discurso que se autorrecicla, autocompõe e
autossustenta, na “guerra” de morrer ou viver, morrer ou contra-atacar.
Também nos faz repensar: a fratura exposta é da pobre preta revoltada?
Ou é a da masculinidade, da cis e heteronormatividade? Torcer a
linguagem é torcer as formas de representação estanques, as formas de
visão estanques, colocando em xeque as noções de “autenticidade”,
“organicidade” e “naturalidade”.

(In)conclusões
Assim como Linn se descreve como inacabada, inconclusa, em
obras, não estática, em trânsito, trans, suspenderemos este estudo com
algumas considerações finais que não encerram uma análise, uma artista
e um tema com tantas possibilidades.
A partir de um breve olhar investigativo sobre as canções “(+
Muito) Talento” e “Bomba Pra Caralho”, observou-se a maneira como a
performance linguístico-discursiva de Linn, nas letras em questão, revela
os processos de controle e regulação dos corpos (organizados por
complexas marcações de gênero/sexualidade, etnia/raça e classe social)
e desloca o olhar do modelo euro-cis-hetero-centrado de ver o mundo.
A faixa que abre o álbum de estreia de Linn, “(+ Muito)
Talento”, que se assemelha a um discurso/manifesto em sua sonoridade,
enfoca as relações sociais-afetivas-sexuais, rejeitando o ‘normal’ e o
falocentrismo impostos, e erguendo a voz da contraposição, da
resistência, da contrassexualidade. Enquanto isso, a terceira faixa,
“Bomba Pra Caralho”, também se aproximando de um discurso, mas
roçando o território musical do rap, enfoca a violência literal e
epistêmica, tanto física quanto psicológica/moral, portando o grito da

232
sobrevivência, do contra-ataque. E ambas as músicas vão se encontrar no
que toca ao acusar as imposições das verdades, ao ir contra as normas;
ao puxar a manga e os curativos e revelar as cicatrizes e os ferimentos
sofridos; e ao expor as feridas também nos agressores, apontando o dedo
(enfiando-o, na verdade) à fragilidade e fratura da cis e
heteronormatividade, que predomina e domina, mas não vinga, tem
falhas e está desabando.
As experimentações estéticas e linguísticas da Linn também se
estabelecem como potências na medida em que ela busca um espaço
possível para falar de si (e não só), performando processos de
subjetivação constantes. Linn se coloca como produtora de um discurso
sobre si, em reconstrução e reinvenção constante; poetizando a crise da
essencialidade, refundando o seu próprio “eu” (ou “eus”), fazendo do
caráter abjeto uma matéria/método/estética de desconfiguração das
normas, e isso se dá no caráter do discurso, uma vez que ela desconfigura
a linguagem (masculinizada) e se reinventa.
Ao utilizar a linguagem sob formas desconfiguradas da tradição,
intenta-se a produção de um espaço habitável, empreendida pelo corpo.
O artivismo de Linn, nesse sentido, produz outras realidades, de
enfrentamento e resistência, e é investido a partir de processos potentes
de desconfiguração de imagens e discursos hegemônicos e binários,
processos traveco-terroristas de gênero (LUSTOSA, 2016), que revisam
os espaços sócio-históricos e culturais demarcado para os corpos negros,
periféricos e transviados, que podem ser entendidos, segundo Larissa
Pelúcio (2012, p. 399), como propostas e esforços queer de “prover outra
gramática, outras epistemologias, outras referências que não aquelas que
aprendemos a ver como verdadeiras”.
Assim, aproveitando os termos ‘artivismo’, ‘intervenção queer’,
‘terrorista de gênero’ já muito (auto)atribuído a Linn, e “traveco-
terrorista” explicado por Lustosa (2016), denominamos a produção de
Linn da Quebrada como artivismo queer-traveco-terrorista, pois se
configura nessa manifestação contrassexual e da teoria queer, a favor
principalmente das identidades trans, contra as normatizações impostas.

233
Que faz tanto de forma ‘agressiva’, ativa, na sua performance e na sua
poesia, expondo e atacando os fatores marginalizantes, e incentivando
outras(os) a fazerem o mesmo; quanto de forma ‘pacífica’, ‘passiva’,
apenas sendo a Linn e encorajando outras(os) a se serem…, a se
buscarem, se aceitarem e se afirmarem. Tão importante nos dias de hoje,
em que o conservadorismo político e religioso ameaça desabar
conquistas e barrar lutas. Assim, Linn fala por quem não tem voz, mas
também passa o microfone a corpos diversos oprimidos que também
querem cantar, gritar.

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Duke University Press, n. 29, 1991.

237
O MEME DE INTERNET: O REFORÇO DE
ESTEREÓTIPOS SOBRE A POPULAÇÃO
LGBTI+

Guilherme Popolin
(Universidade Estadual de Londrina)

Os memes de internet podem funcionar como instrumento de contestação


sobre fatos e notícias tendenciosas, ou até como uma simples piada
carregada de ironia. Ao mesmo tempo em que existem memes
produzidos para romper os estereótipos – de gênero, político ou social –
, existem aqueles que os reforçam. Este trabalho analisa memes de
discussão pública (CHAGAS et. al., 2017), coletados na página O
Retrógrado, do site de rede social Facebook, identificada à direita no
espectro político, em postagens que buscam emitir opiniões e valores
sobre a população LGBTI+. A análise neste artigo permite compreender
o uso do meme como fonte potencial de desinformação, dependendo da
maneira em que é utilizado. Ao replicar um meme sem a devida reflexão
de seu conteúdo, o indivíduo pode, intencionalmente ou não, contribuir
para o reforço de estereótipos e do discurso de ódio sobre a população
LGBTI+.
Palavras-chave: Memes de internet; estereótipos; LGBTI+.

THE INTERNET MEME: THE REINFORCEMENT OF


STEREOTYPES ABOUT THE LGBTI+ POPULATION

Internet memes can act as an instrument of contestation about facts and


biased news, or even as a simple joke full of irony. At the same time as
there are memes produced to break stereotypes – of gender, political or
social – there are those who reinforce stereotypes. This paper analyzes
internet memes of public discussion (Chagas et al., 2017), collected in
the Facebook page O Retrógrado, identified as a right-wing page, in
posts that seek to express opinions and values about the LGBTI+
population. The analysis in this paper allowed to understand the use of

238
meme as a potential source of misinformation, depending on the way in
which it's used. By replicating a meme without proper reflection of it’s
content, the individual may intentionally or not contribute to the
reinforcement of stereotypes and to increase hate speech about the
LGBTI+ population.
Key words: Internet memes; stereotypes; LGBTI+

Enquadramento teórico
Os memes de internet podem funcionar como instrumento de
contestação sobre fatos e notícias tendenciosas, ou até como uma simples
piada carregada de ironia. Ao mesmo tempo em que existem memes
produzidos para romper os estereótipos – de gênero, político ou social –
, existem aqueles que os reforçam. Este trabalho analisa memes de
internet de discussão pública (CHAGAS et al., 2017), coletados na
página O Retrógrado, no site de rede social Facebook, identificada como
uma página de direita, em postagens que buscam emitir opiniões e
valores sobre a população LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Travestis e Intersexuais). Limor Shifman (2014) define os
memes de internet como grupos de itens com características semelhantes,
os quais são, com possibilidades de imitação e recriação, reflexos de
vozes coletivas e de vozes individuais, isto é, “(a) Um conjunto de
elementos digitais que partilham características comuns de conteúdo,
forma e/ou (b) foram criados com consciência uns dos outros, e (c) foram
disseminados, imitados e/ou transformados pela Internet por muitos
usuários”19 (p. 41, tradução nossa).
A reprodução de um padrão de opressão pelos memes faz com
que ideias conservadoras, tradicionais e preconceituosas continuem a
transitar pelo imaginário das pessoas que se identificam com esses
mecanismos de opressão como forma de defesa de uma moral,

19
“(a) a group of digital items sharing common characteristics of content, form,
and/or stance, which, (b) were created with awareness of each other, and (c)
were circulated, imitated, and/or transformed via the Internet by many users”.

239
geralmente calcada em valores tradicionais e religiosos. Essa forma de
defesa dos valores tradicionais pode levar à reprodução de um discurso
de ódio, que carrega também ideias preconceituosas e intolerantes. Ideais
conservadores levam à reprodução de estereótipos, explorados neste
trabalho sob as perspectivas de Peter Burke (2004) e Stuart Hall (2016).
A replicação dos memes analisados reforçam os estereótipos sobre a
população LGBTI+ no Brasil. O embasamento sobre gênero e identidade
fica por conta dos estudos de Laura Moura de Quadros (2015), que
explora as contribuições de Judith Butler em sua análise. Os memes
analisados foram coletados e arquivados em um backup pelo autor; não
foi possível colocar o link específico de cada meme porque a página
original foi excluída.

Método
A metodologia contempla três etapas: coleta e catalogação dos
memes; revisão bibliográfica; e análise de conteúdo. Foram coletadas
2.947 imagens postadas pela página do site de rede social Facebook O
Retrógrado, no período de 17/07/2016 até 18/08/2017. Do total de 2.947
arquivos, imagens repetidas e imagens de cunho publicitário foram
deletadas. Restaram 2.596 imagens: 69 imagens foram alocadas na
categoria Gênero e sexualidade. A coleta das imagens na página
supracitada foi feita com o auxílio da ferramenta DownAlbum, uma
extensão do Chrome Web Browser. De maneira preliminar, os conteúdos
postados pela página O Retrógrado identificam-se com as pautas da
direita20.
Após a coleta e categorização, a metodologia contempla a
revisão bibliográfica (GERHARDT & SILVEIRA, 2009). Essa etapa

20
O binômio direita e esquerda sintetiza propostas de políticas antagônicas
(BOBBIO, 2001). A polarização entre direita e esquerda enfrentada pelo Brasil
atualmente combina velhas e novas questões. Resumidamente, a esquerda busca
a igualdade entre os seres humanos e a mudança da ordem social. Já a direita
considera a desigualdade como inerente aos seres humanos, ao mesmo tempo
em que valoriza o apego às tradições.

240
apresenta os conceitos que norteiam a pesquisa a partir de autores que
pensaram diretamente ou indiretamente sobre o tema abordado. Além
disso, sua validade reside na exposição e na articulação das visões de
diferentes pesquisadores sobre o corpus deste artigo. Em seguida, a
análise de conteúdo (HSIEH & SHANNON, 2005), com caráter
qualitativo, busca compreender e interpretar os objetos da pesquisa,
codificando os significados expostos, de acordo com a revisão
bibliográfica. A análise de conteúdo segue uma linha interpretativa,
composta pela descrição dos objetos, identificação de temas e padrões.

Resultados principais e discussões


Após a catalogação das imagens coletadas na página O
Retrógrado e da revisão bibliográfica, identificou-se as que se
enquadravam como memes de discussão pública. Quatro amostras desses
memes são apresentadas neste artigo, as quais trazem conteúdos que
permeiam e atingem toda a população LGBTI+ em maior ou menor
medida. O gênero discussão pública apresentado nas análises é resultado
das pesquisas de Chagas et al. (2017); já os conceitos de humor – humor
de comparação e humor de exagero – têm como referência o trabalho de
Taecharungroj & Nueangjamnon (2015).
Chagas et al. (2017) propõe uma metodologia de análise de
conteúdo com base nos memes sobre debates eleitorais de 2014
publicados no site de rede social Twitter. Para aferir o enquadramento
discursivo dos memes desenvolveu-se uma matriz taxonômica baseada
em pesquisas sobre memes e em pesquisas sobre Comunicação Política.
Chagas et al. (2017) compreendem os memes – por meio dos estudos de
Limor Shifman (2014) – como um conjunto semântico. Os memes
políticos foram divididos em: persuasivos (desperta o engajamento no
próximo), de ação popular (demonstra o engajamento ao próximo) e de
discussão pública (familiariza o próximo e a si mesmo). Os memes de
discussão pública são aqueles produzidos por meio de montagens visuais
ou audiovisuais, geralmente carregadas de humor. De acordo com
Chagas (2016), os memes de discussão pública possuem um humor

241
latente, e, geralmente, materializam-se a partir de uma imagem estática
com legendas sobrepostas ou com a adição de elementos característicos
das fotomontagens. Ademais, “flertam com a ironia e o humor
subversivo, dessacralizam e deslocam sentidos.” (p. 95)
O percurso teórico segue com Peter Burke (2004), que estuda
a construção do estereótipo como resultado do choque de culturas
diferentes. Para o autor, “o estereótipo pode não ser completamente falso,
mas frequentemente exagera alguns traços da realidade e omite outros.”
(p. 155) Neste artigo, a compreensão de Burke (2004) sobre o estereótipo
é aplicada sobre os memes que representam o choque entre a
heteronormatividade e a população LGBTI+. Na maioria dos
estereótipos verifica-se formas hostis e desdenhosas de tratar o Outro,
uma vez que o distanciamento do eu para com o Outro é fortemente
evidenciada por meio de imagens e signos – carregados de estereótipos
e preconceitos – que mediam a visão que se tem de outra pessoa. A
estereotipagem impõe um limite entre o que é “normal” e o que é
“pervertido”, entre o “aceitável” e o “inaceitável”; entre o “pertencente”
e o não pertencente, no caso, o “Outro”; a manutenção simbólica e social
é fomentada pela estereotipagem e “envia para o exílio simbólico todos
Eles, “os Outros”, que são de alguma forma diferentes, “que estão fora
dos limites.”” (HALL, 2016, p. 192)
De acordo com a pesquisa de Laura Moura de Quadros (2015),
as instituições dominantes – o Estado, a Igreja e o sistema capitalista –
regularam as sexualidades ao longo dos anos, por meio de seus discursos
hegemônicos. Foi a partir do século XIX que o corpo e a sexualidade
humana foram moralizados perante a vida social. Um movimento de
hierarquização das sexualidades ascendeu – conforme a consolidação do
capitalismo e da burguesia, distinguindo o que seria correto, adequado
aos padrões e que deveria ser estritamente seguido. Formas de
sexualidade que não estavam em conformidade com a
heterossexualidade receberam a alcunha de imorais e patológicas, de
modo que práticas diferentes da heterossexualidade e os indivíduos que
as praticavam eram considerados impróprios, inadequados à sociedade.

242
O discurso hegemônico levou à discriminação, à criminalização, à
punição e à patologização de comportamentos sexuais que não seguiam
o padrão heteronormativo (PRADO; MACHADO, 2008).
O gênero como construção social foi demonstrado por Judith
Butler, visto que o que é masculino e o que é feminino extrapolam o
conceito de sexo binário biológico. A noção de gênero e suas
possibilidades ultrapassam, assim, o aspecto morfológico, pois entende-
se a heterossexualidade como um regime de poder e discurso, enquanto
a homossexualidade tem um valor menor. A homossexualidade é muitas
vezes ligada à ininteligibilidade cultural, à dessexualização do corpo
feminino – no caso das lésbicas – e considerada inadequada. Butler
denomina como “performance” os comportamentos que mulheres e
homens praticam e que são considerados como adequados pela sociedade
(BUTLER, 2014).
No campo das representações sociais, Serge Moscovici (2011)
analisa as “formas assumidas forçadamente por coisas ou pessoas para
que se encaixem em categorias determinadas na realidade social, caso
contrário, podem não ser compreendidas ou decodificadas
adequadamente pela sociedade” (apud QUADROS, 2015, p. 19). As
representações feitas e impostas sobre algo são construídas ao longo dos
anos, com o passar das gerações, por meio da união de um sistema de
imagens, da memória coletiva e de reproduções na linguagem. Com as
representações compreende-se e comunica-se uma ideia a uma imagem
ou uma imagem a uma ideia.

As representações sociais feitas sobre pessoas que


não seguem os comportamentos considerados
adequados pela heteronormatividade fazem parte
do senso comum com uma grande porção de
características associadas a essa população, que
culminam com a distinção entre homem afeminado
e mulher masculinizada, no caso de homossexuais;
pessoas com dificuldades para definir sua atração
sexual, no caso de bissexuais; e a imagem
caricatural de homens vestidos de mulher, com voz

243
grossa e pelos, no caso de travestis. (QUADROS,
2015, p. 20)

Figura 1 – Reproduz / Não reproduz

Fonte: O Retrógrado / acervo do autor

O meme (Figura 1) traz um meme de discussão pública, o qual


carrega sua mensagem por meio do humor de comparação. O humor de
comparação se estabelece combinando dois ou mais elementos, com o
objetivo de produzir uma situação engraçada. Os memes com esse tipo
de humor comparam dois elementos, duas situações ou duas pessoas. No
meme (Figura 1), a imagem da parte superior traz um homem, uma
mulher e o texto “REPRODUZ”; a parte inferior traz duas imagens: em
uma, dois homens se abraçam e em outra com dois homens se beijam na
boca; o texto verbal sobre elas é “NÃO REPRODUZ”.
A parte superior do meme representa um casal heterossexual e
a parte debaixo tem a intenção de representar um casal homossexual,
mesmo que na realidade essas pessoas não formem casais de fato. A
intenção é provocar o humor por meio de um estereótipo que visa
inferiorizar casais homossexuais, já que o estereótipo é o exagero de
alguns elementos da realidade, ao mesmo tempo em que outros
elementos são omitidos, muitas vezes de maneira repetitiva (BURKE,

244
2004). É possível identificar dois estereótipos nesse meme: o primeiro
está ligado ao padrão heteronormartivo, em que para que um casal seja
reconhecido como tal ele precisa ter a capacidade de se reproduzir. Um
casal formado por dois homens não pode se reproduzir biologicamente
e, muitas vezes, esse argumento é utilizado para invalidar os
relacionamentos homossexuais, reduzindo um casal ao aspecto da
procriação. Entretanto, existem outras formas de conceber e gerar uma
família, como a adoção ou a maternidade de substituição; o segundo
estereótipo está relacionado com as condutas inadequadas para a
heteronormatividade.
Ao trazer dois homens se abraçando e se beijando na parte de
baixo, o meme reforça a ideia de que dois homens não podem demonstrar
carinho um pelo outro sem que sejam caracterizados como
homossexuais. No caso das imagens utilizadas no meme, o ex-deputado
federal Jean Wyllys é gay e o deputado federal Marcelo Freixo é hétero.
Na concepção de quem emitiu esse meme, um homem hétero não pode
trocar afeto com um homem homossexual sem que tenha segundas
intenções, como desejar um ato sexual que não leva à reprodução. Isso
reforça mais um padrão da heteronormatividade, com aspectos também
religiosos, em que um casal teria função exclusiva de reprodução.

245
Figura 2 – Redução da transexualidade

Fonte: O Retrógrado / acervo do autor

O estereótipo transmitido por esse meme (Figura 2) reside no


aspecto da pessoa trans ter suas subjetividades simplificadas. A pessoa
trans é vista como uma pessoa que quer apenas se vestir ou ser chamada
de acordo com o sexo oposto ao que ela nasceu. O meme (Figura 2) traz
o humor de comparação por meio de três imagens. Duas na parte
superior, com os textos verbais “TRABALHADORES PERDENDO O
EMPREGO” e “GENTE MORRENDO NA FILA DO SUS”, e uma
imagem na parte inferior com o texto verbal “E O GOVERNO
PREOCUPADO COM O ROBSON QUE QUER SER CHAMADO DE
VALÉRIA NA AULA”.
De acordo com a filósofa Judith Butler (2014), as práticas do
que é feminino e do que é masculino são maneiras de se portar
consideradas adequadas pela sociedade heteronormativa. Ao nascer, os
indivíduos são educados e aprendem sobre o que é ser menina e o que é
ser menino: rosa para a menina, azul para o menino; boneca para a
menina, carrinho para o menino, aspectos que reforçam a cultura
heteronormativa. Entretanto, essas maneiras heteronormativas sobre
como ser mulher ou como ser homem faz com que a população LGBTI+

246
se sinta oprimida por precisar assumir esses papeis de maneira
praticamente forçada, já que é algo extremamente naturalizado pela
sociedade capitalista, cristã e burguesa. Caso contrário, essas pessoas são
compreendidas ou decodificadas como inadequadas pela sociedade.
É o que demonstra o meme (Figura 2), o qual busca retratar
uma mulher trans na parte inferior da imagem. A pessoa trans é entendida
como inadequada, logo, a transexualidade é jogada à margem da
sociedade. Os problemas enfrentados pelas pessoas trans, como é o caso
do nome social, é visto como um problema menor que o desemprego e a
saúde pública precária do país. Entretanto, o problema social que envolve
a população de transexuais e travestis, logo, a população LGBTI+ é tão
grave quanto o problema do desemprego, da saúde e da educação, já que
a idade média da população trans no Brasil é de 35 anos21 – menos da
metade da média nacional que é 75 anos. A expectativa de vida está
relacionada à violência que essa população está exposta, mas não
somente. Muitas pessoas trans quando ficam doentes não se sentem
confortáveis para procurar atendimento médico, por saberem que
sofrerão discriminação. A questão do nome social é tão importante para
uma pessoa trans quanto um emprego para um desempregado, e ambos
os casos devem ser atendidos por políticas públicas eficazes.

21
Expectativa de vida de transexuais é de 35 anos, metade da média nacional.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-
cidadania/expectativa-de-vida-de-transexuais-e-de-35-anos-metade-da-
media-nacional. Acesso em 5 de fevereiro de 2019.

247
Figura 3 – O exagero

Fonte: O Retrógrado / acervo do autor

O meme (Figura 3) é do gênero de discussão pública com sua


mensagem transmitida por meio do humor de exagero, o qual
redimensiona algo para além da realidade. Os memes carregam
elementos exagerados sobre algo ou alguém. O meme insinua que uma
pessoa designada como menino ao nascer por conta de seu sexo biológico
pode virar menina porque na infância não teve brinquedos de menino.
Quem emitiu este meme não leva em consideração os processos e as
violências aos quais uma pessoa LGBTI+ é submetida a partir de seu
nascimento. Em uma sociedade em que o que é difundido como correto
é o homem desempenhar certos papeis masculinos e a mulher certos
papeis femininos, o caminho da autoaceitação e da aceitação pelos outros
se torna tortuoso. É o que acontece com a menina que, sendo lésbica ou
não, é hostilizada por apresentar comportamentos considerados
masculinos; o que acontece com os meninos que, sendo gays ou não,
sofrem bullying por apresentarem comportamentos considerados
femininos; o que acontece com a população bissexual e a fama de ser
indecisa; ou o que acontece com a população de transexuais e travestis,
geralmente entendida pelo senso comum heteronormativo como homens
vestidos de mulher ou mulheres vestidas de homens.

248
Figura 4 – Heteronormatividade e agressividade

Fonte: O Retrógrado / acervo do autor

O meme (Figura 4) de discussão pública transmite sua


mensagem por meio do humor de comparação. A imagem superior traz
um printscreen da manchete de uma revista, a Superinteressante. A
chamada “Brincar de super-herói aumenta agressividade – mas não o
heroísmo” vem acompanhada da foto de uma criança fantasiada de
Super-Homem. O texto verbal de apoio é “ELES QUEREM MESMO”.
A parte inferior traz a imagem de uma criança com o rosto maquiado. O
texto verbal de apoio é “SEU FILHO (HOMEM) FANTASIADO
ASSIM”.
O meme reproduz o estereótipo da masculinidade que afeta
diretamente a vida de um homem gay em sociedade, já que o modo de
vida do homem heterossexual tem em seu universo a agressividade como
um dos pilares da masculinidade. Para um garoto ser valorizado como
ser humano, é preciso que ele compartilhe de valores aceitos pela cultura
heteronormativa, em que para ser herói, por exemplo, é preciso ser
agressivo. Um garoto que usa maquiagem, elemento do universo das
mulheres dentro da heteronormatividade, é visto como um ser inferior,
que deve ser marginalizado por ser considerado gay.

249
Considerações finais
Os memes objetos deste artigo contribuem para a reprodução
de ideias conservadoras e preconceituosas no imaginário de parte da
população brasileira. Os memes são sintomáticos acerca das maneiras
com as quais a população LGBTI+ é compreendida por uma parcela da
população, sobretudo por aquelas pessoas que acompanham a página O
Retrógrado no site de rede social Facebook. Os memes coletados e
analisados possuem conteúdos que beiram o grotesco e a replicação nas
mídias sociais indica uma conexão estabelecida entre os atores e um
grupo social, que partilham conhecimentos mútuos sobre o fato que
gerou os memes. A análise neste artigo permite compreender o uso do
meme como fonte potencial de desinformação, dependendo da maneira
na qual é utilizado, pois, ao replicar um meme sem a devida reflexão de
seu conteúdo, o indivíduo pode, intencionalmente ou não, contribuir para
o reforço de estereótipos e de um discurso de ódio sobre a população
LGBTI+.
O que aparentemente é apenas uma piada, significa violência e
discriminação quando não se leva em conta o contexto social de parte da
população LGBTI+. Os memes analisados exageram alguns traços da
realidade e omite outros, em prol da heteronormatividade e em
detrimento da população LGBTI+. A análise mostrou formas hostis e
desdenhosas para tratar a população LGBTI+, a qual pode ser
compreendida sob o viés do “Outro” (BURKE, 2004; HALL, 2016). A
estereotipagem é um mecanismo utilizado para tratar a
heteronormatividade como normal e aceitável, enquanto as vivências da
população LGBTI+ são tratadas como inaceitáveis e inadequadas à
sociedade. Os memes analisados demonstram o distanciamento dos
emissores para com o Outro, permitindo assim o reforço dos estereótipos.
Os receptores desses memes constroem a imagem do Outro por meio
deles e podem replicá-los sem refletir sobre seus conteúdos – mas
também de forma intencional, com o objetivo de atacar a população
LGBTI+, contribuindo para a replicação de estereótipos e preconceitos.

250
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252
SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA: MITOS E
PRECONCEITOS NO FILME COLEGAS

Luiz Fernando Zuin


Priscila Marconato Da Silva
Andreza Marques de Castro Leão
(Universidade Estadual Paulista)

A educação sexual é um processo contínuo e abarca uma dimensão ampla


e complexa que se desenvolve ao longo da vida das pessoas em suas
interações com elementos sociais, culturais, econômicos, históricos e
biológicos. Desta maneira podemos dizer a que a sexualidade é algo
intrínseco ao ser humano, que vai além dos aspectos biológicos e genitais
e não se restringe apenas ao ato sexual. Pessoas com deficiências como
a Síndrome de Down (SD) são comumente infantilizadas e a expressão
de sua sexualidade é permeada de mitos, tabus e preconceitos. Além
disso, geralmente não recebem educação sexual, resultando em falta de
conhecimento sobre o assunto, vivências afetivas e sexuais limitadas e
situações de vulnerabilidade. Desta maneira, indagamos: Por que ainda
a sexualidade da pessoa com deficiência é cerceada por tabus e
preconceitos? No intento de responder a esta pergunta, o presente estudo,
teve por objetivo analisar e discutir as dificuldades expostas no segmento
sexual de jovens com SD a partir do filme Colegas do diretor Marcelo
Galvão, lançado no ano de 2013. O estudo foi realizado por meio do
método descritivo, considerando as cenas mais marcantes em
comparativo com a realidade social. Os dados da análise do filme
revelam que é preciso, a partir de uma visão otimista valorizar os
aspectos positivos em detrimento dos preconceitos, dos mitos e tabus que
abarcam a sexualidade da pessoa com SD. Concluímos que há uma
barreira atitudinal que colabora para a construção de uma visão
preconceituosa e estereotipada sobre as pessoas com deficiência, além da
negação da sua sexualidade. Contudo, evidencia-se o quanto a
sexualidade pode ser vivida de forma saudável por parte de pessoas com
SD como a de qualquer outra pessoa que não apresenta deficiência.
Palavras-chave: Sexualidade, Educação Sexual e Deficiência

253
SEXUALITY AND DEFICIENCY: MYTHS AND PREJUDICES IN
THE FILM COLLEAGUES

Sex education is an ongoing process and encompasses a broad and


complex dimension that develops throughout people's lives in their
interactions with social, cultural, economic, historical, and biological
elements. In this way we can say that sexuality is something intrinsic to
the human being, that goes beyond the biological and genital aspects and
isn’t restricted only to the sexual act. People with disabilities such as
Down Syndrome (DS) are commonly infantile and the expression of their
sexuality is permeated by myths, taboos and prejudices. In addition, they
generally don’t receive sex education, resulting in a lack of knowledge
about the subject, limited sexual and affective experiences and situations
of vulnerability. In this way, we ask: Why still the sexuality of the
disabled person is curtailed by taboos and prejudices? In an attempt to
answer this question, the present study aimed to analyze and discuss the
difficulties exposed in the sexual segment of young people with SD from
the film Colleagues of the director Marcelo Galvão, launched in the year
2013. The study was conducted through of the descriptive method,
considering the most striking scenes in comparison with the social
reality. The data of the analysis of the film reveal that it is necessary,
from an optimistic vision to value the positive aspects to the detriment of
the prejudices, of the myths and taboos that embrace the sexuality of the
person with SD. We conclude that there is an attitudinal barrier that
contributes to the construction of a prejudiced and stereotyped view of
people with disabilities, in addition to the denial of their sexuality.
However, it is evident how sexuality can be lived in a healthy way by
people with DS like any other person who doesn’t have a disability.
Key words: Sexuality, Sexual Education and Disability

Introdução
O conceito de deficiência intelectual preconizado pela AAIDD
(American Association on Intellectual and Developmental Disabilities)
caracteriza-se por “limitações significativas, tanto no funcionamento

254
intelectual, assim como no comportamento adaptativo, como também,
nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Esta
deficiência origina-se antes dos 18 anos” (AAIDD, 2010 p. 209).
Atualmente, vigora a Lei n° 13.146, intitulada como Estatuto da
Pessoa com Deficiência, sancionada em 06 de julho de 2015, o artigo 2°
da referida lei, trata da definição de deficiência, apreendendo-a como
sendo “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas”.
Em consonância com esse enfoque, diferentes autores (Denari,
1997; França Ribeiro, 2001) vêm apresentando a pessoa com deficiência
intelectual como sujeitos de direitos, dentre os quais se inclui o exercício
da sexualidade. Para tanto, vem sendo discutida a melhor forma de
prepará-los para a concretização efetiva da salvaguarda desse respectivo
direito.
A Sexualidade é fenômeno biopsicossocial, e faz parte do
crescimento e personalidade da pessoa. É a maneira de ser, compreender
e viver o mundo através do nosso ser, como homens ou mulheres, assim
como se expressa através da integração entre corpo e mente enquanto
como elemento básico para a feminilidade ou masculinidade do
indivíduo (GLAT, 2004).
Desta forma podemos dizer a que a sexualidade é algo intrínseco
ao ser humano, que vai além dos aspectos biológicos e genitais e não se
restringe apenas ao ato sexual.
Ainda, de acordo com Denari (2002), refere-se às formas de
sentir, pensar e agir, que são aspectos imprescindíveis ao entendimento
do ser humano em todas as suas dimensões. Nesse sentido podemos
entender a sexualidade dentro de uma dimensão plural, que envolve
aspectos culturais, biológicos e psicossociais. Devendo assim, ser
respeitada conforme a individualidade de cada indivíduo (MAIA;
CANOSSA, 2003). A questão sexual dessas pessoas muitas vezes é
inibida e são considerados fora da norma padrão, sendo excluídos da vida

255
social e sexual. Sendo assim, desenvolvem sua identidade, e sua
personalidade de maneira incompleta, fragmentada, considerada
“excepcional”, consequência da vida estigmatizada em que vivem.
Desta maneira, o objetivo dessa pesquisa foi discutir e analisar
as manifestações da sexualidade de adolescentes com síndrome de Down
a partir do longa metragem Colegas, filme brasileiro do ano de 2013
produzido por Marcelo Galvão, que traz como protagonistas três
personagens adolescentes com síndrome de Down (Stallone, Aninha e
Márcio) que rejeitados por suas famílias foram deixados em uma
instituição, ainda quando bebês.
Nesta instituição, quando adolescentes e enfadados com a rotina
regrada a qual eram submetidos, Stallone, um amante do cinema e que
tinha o filme Thelma & Louise (Scott, 1991) como preferido, convida
seus dois amigos (Aninha e Márcio) para aventurarem-se para além
desses muros, inspirados neste clássico em que as protagonistas cansadas
de suas vidas abandonam tudo e saem sem destino pelo mundo.

A Síndrome de Down e sua patogênese


A Síndrome de Down (trissomia do 21) é uma anomalia genética,
que ocorre em conjunto e a determinação das causas é comum a todas
elas, que provoca retardo mental, deformação da mandíbula inferior,
localização baixa das orelhas entre outras. Todas as alterações
decorrentes da presença de três expressões do cromossomo 21 (PIATO,
2009).
Jonh Langdon Down médico inglês 1866 descreveu algumas
características dos portadores da Síndrome de Down, que se caracteriza
por um conjunto de malformações causadas no cromossomo 21 que
altera o desenvolvimento de alguns órgãos desde a formação do feto, o
que define a presença de anomalias. Os portadores da Síndrome de Down
têm características físicas distintas.
A doença pode ocorrer com todas as famílias, ainda não foi
comprovado que fator ou fatores levam à ocorrência do nascimento de
crianças portadoras da síndrome, entretanto, sabe-se que as gestantes

256
acima dos 35 anos têm mais probabilidade de gerar uma criança com
Síndrome de Down.
De modo geral, as crianças com a síndrome são sociáveis e
carinhosas, mas algumas delas são desafiadoras quanto qualquer criança
pode ser (MOTTA, 2009). Em relação ao preconceito e a discriminação,
não é diferente em relação aos portadores da síndrome de Down, pelo
fato de terem características físicas típicas e algum comprometimento
intelectual não significa que tenham menos direitos e necessidades que
outras pessoas (VARELLA, 2014). Dormael (1996) expressa que eles
talvez sejam os corretos seres humanos e nós, “normais”, apenas o
esboço de uma criação maior, sendo as pessoas com a síndrome
brincalhonas, amam incondicionalmente.
Historicamente, indivíduos com SD têm sido considerados
portadores de características comportamentais peculiares e de
deficiência mental. Langdon Down atribui a esses indivíduos poder de
imitação, obstinação, amabilidade e sociabilidade. Collacott (1998)
descreve características como bom humor e temperamento agradável,
confirmando o estereótipo comportamental, ressaltando também a
escassez de distúrbios de adaptação nos portadores dessa síndrome.
Estes autores referem que fatores de natureza social, psicológica
e biológica podem estar relacionados ao fenótipo comportamental, a
exemplo da redução do nível de serotonina, associada a anomalias
estruturais do cérebro. Já, outros pesquisadores não encontraram
diferenças de comportamento em crianças com SD quando comparadas
a outras com deficiência mental ou a controles normais da mesma faixa
etária. Fidler & Hodapp (1999) acreditam que os estereótipos
comportamentais estejam relacionados à aparência craniofacial infantil,
observando que portadores da síndrome que apresentam a “face de bebê”
mostram mais frequentemente comportamento imaturo. Quanto ao
retardo mental, embora tenha sido considerado característica típica da
síndrome, nem sempre é observado.
Ao assistir o filme Colegas, onde três amigos adolescentes com
SD que moram em um orfanato tem o desejo de “sair para o mundo” e

257
realizar o sonho de cada um, há o questionamento com relação a fase do
adolescer junto a uma deficiência intelectual e busca-se entender a
importância dessa fase para o adolescente portador da síndrome, os
medos, as vontades, os desejos, as angústias, a importância do carinho e
da compreensão das pessoas que os cercam.

A deficiência e a puberdade
A puberdade acontece em momentos diferentes não somente
para meninas e meninos, como também para indivíduos diferentes do
mesmo sexo. As meninas de um modo geral, iniciam a puberdade de 12
a 18 meses antes que os meninos. As evidências têm mostrado que a
puberdade está iniciando cada vez mais cedo, ou seja, a idade para a
puberdade para ambos os sexos diminuiu em três anos completos no
período correspondente aos dois últimos séculos, devido a melhores
padrões de saúde e nutrição (UNICEF, 2011).
Deste modo, as meninas em especial e alguns meninos chegam
à puberdade vivenciando mudanças físicas e psicológicas associadas à
adolescência, antes mesmo de serem considerados como adolescentes
pelo critério da Organização das Nações Unidas (ONU), ou seja
indivíduos de 10 a 19 anos de idade (UNICEF, 2011).
Um dos fatores complicador para a definição de adolescência
está na grande oscilação das leis nacionais que estabelecem limites
mínimos de idade (maioridade civil) para a participação em atividades
exclusivas de adulto como, por exemplo: votar; casar; servir o exército;
consumir álcool; dirigir (UNICEF, 2011).
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) a adolescência é
um processo essencialmente biológico, durante o qual o
desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade são
intensificados. Compreende as idades entre 10 e 19 anos, divididas em
duas etapas pré-adolescência, dos 10 aos 14 anos e adolescência, dos 15
aos 19 anos (OMS/OPS, 1985).
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei
8.069, de 1990, estabelece a adolescência entre 12 e 18 anos de idade

258
(BRASIL, 1990). Conforme Yazlle; Duarte; Gir (1999 apud YAZLLE;
FRANCO; MICHELAZZO, 2009, p.477): “a iniciação sexual acontece
frequentemente neste período, o que tem sido motivo de preocupação,
seja pela possibilidade de ocorrerem gestações indesejadas ou pela
disseminação de doenças sexualmente transmissíveis”.
Glat (1996) afirma que “a sexualidade da pessoa com deficiência
mental (a não ser nos casos neurologicamente mais prejudicados) não é
qualitativamente diferente das demais” e refere que sempre que essa
colocação é feita em público leva inevitavelmente a expressões de
espanto, descrença e frequentemente à franca oposição.
Podemos observar no filme o momento em que os adolescentes
com SD se apaixonam, descobrem e vivenciam esse sentimento da
mesma forma que ocorre com jovens que não possuem a síndrome, esse
amor que despertou entre os dois os levam ao ato sexual.
Giami & D’ Allones (1984) pesquisaram as representações que
pais e educadores faziam da sexualidade de adolescentes com deficiência
mental e referiram que os educadores entrevistados viam a sexualidade
do deficiente mental como “selvagem” (práticas masturbatórias,
voyerismo, exibicionismo, homossexualidade e condutas agressivas,
sem afetividade) ou então incompletas, não finalizadas.
Os pais, por sua vez, consideravam seus filhos “sexualmente
infantis”, com atitudes assexuadas ou essencialmente fundadas na
afetividade. Pode-se observar no filme uma questão muito comum que
ocorre com o jovem que possui uma deficiência intelectual, que apesar
da idade, ou seja já é um adolescente, os cuidadores do orfanato talvez
por um carinho muito grande, os tratam como crianças.
A sexualidade está submetida a regras sociais e deve ser
orientada de acordo com as normas da sociedade. A educação sexual
deve ser considerada parte do processo de educação global da criança e
do adolescente com SD, como para qualquer pessoa, com metodologia
adequada à sua capacidade cognitiva e à faixa etária. Pessoas com SD,
como quaisquer outras, requerem o desenvolvimento de aspectos como
autoestima, responsabilidades e valores morais, para se tornarem seres

259
sexualmente saudáveis. A capacidade de manifestar e sentir amor
constitui a essência básica da sexualidade. Demonstrações de ternura,
simpatia e atração exprimem amor e afeto e revelam a natureza do
indivíduo como ser sexuado.

O estigma e a identidade da pessoa com deficiência


O estigma que envolve a sexualidade e o estigma de serem
adolescentes com deficiência afetam diretamente a identidade dos
mesmos. Ainda nos dias de hoje, muitos grupos possuem suas
identidades excluídas por não serem socialmente aceitáveis, visto que, a
sociedade é marcada pelo consumo, direcionada especificamente para
pessoas sadias, no qual, a beleza e a saúde são consideradas na cultura
nacional como sinônimo de produtividade (BAUMAN, 2009).

Ocorreram ainda modificações profundas na forma


de pensar dos indivíduos e ainda na forma como os
grupos sociais passam a ter consciência acerca de si
mesmos e sobre o que se passa à sua volta. Daqui
resultou a forma como são concebidas as noções de
ordem e desordem, normalidade e anormalidade e
saúde e doença mental (GADELHA; PAIVA,
2009, p.15).

Neste sentido, Fagundes (1992), diz que a sexualidade é


essencial para a constituição e sobrevivência do ser humano, no qual,
integra sua personalidade. Ou seja, quando a sexualidade é reprimida a
personalidade é afetada, principalmente pelo fato de a sexualidade ser
dinâmica, sofrendo constantes transformações.
Glat (2004), também ressalta a importância da sexualidade na
construção da identidade, pois ela só acontece quando a pessoa se
relaciona e se identifica no meio em que vive, ou seja, precisa estar
incluída na sociedade. Entretanto, o autor relata que por não serem
considerados seres humanos “completos” ou “normais”, a sexualidade
de pessoas com deficiência é ignorada.

260
A experiência da sexualidade e da
corporalidade de modo geral, (...) é fator
integrante do processo de formação de
identidade, que por sua vez é determinado, em
grande parte, pelas mensagens que o indivíduo
recebe no convívio com outras pessoas. (GLAT,
2004, p.7).

Goffman (1988), em seu clássico “Estigma: notas sobre a


manipulação da identidade deteriorada” relata que a identidade de
pessoas estigmatizadas, é construída a partir do atributo de possuir a
deficiência, que os tornam diferentes e inferiores, dificultando a
construção efetiva de suas identidades pessoais e sociais. Neste contexto,
define estigma como um atributo depreciativo, inaceitável pela
sociedade, tornando o indivíduo com descrédito social, visto como fraco,
em desvantagem do que a sociedade prevê.
Visto isto, considera-se possível que após serem considerados
diferentes, o convívio dos grupos antagônicos é conflituoso,
principalmente porque os não estigmatizados são estigmatizados quando
não estigmatizam. Quando os considerados “normais” não excluem os
considerados desviantes, são estigmatizados por cortesia, no qual,
acabam sendo exclusos por consequência.
Esta divisão de grupos vai de encontro à concepção da sociedade
moderna que se diz viver em um posicionamento inclusivo. Mas, a
inclusão que se diz acontecer, é pautada em aspectos que são
“politicamente corretos”, ou seja, as adaptações são realizadas apenas
para que as leis sejam cumpridas. Entretanto, este pensamento
equivocado, não os incluem.
Neste sentido, Magalhães e Cardoso (2010, p.15), relatam que:
“Destaca-se assim o papel relevante desempenhado pelo outro na
construção da identidade. Tal influência não se dá de forma aleatória ou
ingênua, mas sempre a partir daquilo que o social convenciona como
legítimo ou não”.

261
Pode-se concluir que, a construção da identidade não acontece
espontaneamente, por vontade própria e de forma harmoniosa, sendo
que, ela é influenciada pelo poder, dominação e por grupos considerados
hegemônicos, no qual, os diferentes não são valorizados e/ou incluídos.
Sendo assim, o conflito social entre as classes estabelecidas pode
ser direcionada de duas formas, pela “identidade social virtual” que seria
os atributos que a sociedade impõe, e a “identidade social real”, que é
aquela que engloba a diversidade de características dos serem humanos,
sejam elas físicas ou não.
Diga-se então, que a oposição destas identidades, causam
conflitos relacionais, no qual, tornam os grupos geralmente incorporados
pelos estigmas, auto excluindo-se do convívio social, prejudicando sua
imagem corporal, autoestima e qualidade de vida (GOFFMAN, 1988).
Nestes aspectos, Maia (2011) diz que: “compreendemos por autoestima
a maneira pela qual os indivíduos aceitam sua própria identidade,
incluindo aí uma boa imagem corporal e uma aceitação dos aspectos
afetivos e sociais inerentes a sua existência” (MAIA, 2011, p.55).
Entretanto, o conflito maior, se estabelece na concepção de que
os preceitos da normalidade se modificam com o tempo, mas nem
sempre evoluem. Os conceitos do que é aceito de acordo com a
normalidade na sociedade depende de contextos históricos, culturais e
sociais. Neste contexto, Magalhães e Cardoso (2010, p.30), relatam que:
“o significado do que é ‘normal’ não passa de uma construção social, em
diferentes culturas e em determinados momentos históricos”.
Conclui-se assim que, de acordo com Goffman (1988), os
conflitos de identidade, seriam menos prejudiciais caso fossem criadas
de acordo com uma “linguagem de relações”, e não por atributos e
estereótipos. Ou seja, os jovens com deficiência podem e devem seguir
uma vida normal seguindo seus desejos e prazeres sexuais desde que
tenham uma educação sexual direcionada para evitar problemas como
abuso ou doenças.

262
Procedimentos Metodológicos
Este texto caracteriza-se por uma pesquisa descritiva, tipo
documental, que tem por objetivo descrever e analisar o filme Colegas
produzido por Marcelo Galvão (2013) a partir de seu conteúdo.

Resultados
Comumente nos deparamos com discursos que discorrem de
maneira errônea e equivocada quando sobre a sexualidade da pessoa com
deficiência intelectual, descrevendo os comportamentos sexuais destas
pessoas como verdadeiras aberrações. Nesse sentido Maia e Ribeiro
(2011) destacam a importância de esclarecer esses mitos e preconceitos
é tarefa importante na sociedade uma vez que “incentivam as relações de
discriminação” e de dominação.
No filme, umas das cenas Márcio está sentado ao lado de um
garoto e mostra uma revista com fotos de mulheres nuas e a mãe do
garoto ao perceber a situação levanta e dirige-se até os dois e diz para
seu filho não conversar com retardado e na sequencia da cena Márcio
está com um pirulito nas mãos e o mergulha várias vezes no açúcar
levando a mãe do garoto a supor que está se masturbando. Isso traduz
numa série de preconceitos sociais, “mitos” ou crenças generalizadas, de
influência poderosa, que se dão por certas e evidentes, irrefletidas ou
inquestionáveis, destacando-se a premissa de que as pessoas com
deficiência possuem uma sexualidade exacerbada. Maia (2006, p. 100).
A despeito dessas dificuldades, Assumpção Junior (1988), destaca que a
maioria dos distúrbios de conduta decorre de dificuldades ambientais e
educativas e não de problemas inerentes à deficiência intelectual e por
isso destaca a importância da criação de condições educacionais e sociais
para que essas pessoas possam expressar, de maneira adequada, seus
direitos sexuais.
Para Amor Pan (2003) abordar o tema sexualidade humana em
circunstâncias normais já não é fácil, e este tema se torna ainda mais
complexo no caso das pessoas com deficiência intelectual, à medida que
a manifestação sexual nessa população foi quase sempre vista como um

263
“problema” e não como um atributo humano “positivo”. Assim, uma
mudança de olhar em relação a essas pessoas é necessária, a fim de que
estes encontrem seu lugar no laço social, questão que concerne tanto à
sociedade, como à família.
Contudo, evidencia-se um desafio e ao mesmo tempo uma
urgência em buscar refletir e modificar a visão da sociedade sobre o
padrão de normalidade e como a pessoa com deficiência é reconhecida
pela mesma. É preciso, a partir de uma visão otimista valorizar os
aspectos positivos em detrimento dos preconceitos, dos mitos e tabus que
abarcam a sua sexualidade da pessoa com deficiência.

Considerações Finais
Por meio da análise do filme Colegas e dos apontamentos
científicos estabelecidos, é evidente que a sexualidade do adolescente
com deficiência não é diferente das demais que não apresentam
deficiência, podemos identificar que muitas vezes, ela se manifesta de
maneira considerada socialmente como inadequada em virtude tanto da
carência de programas e processos educativos oferecidos a essas pessoas
como da dificuldade das pessoas em relação à própria sexualidade. Neste
âmbito, Maia (2006, p.166) considera que a maior dificuldade não está
na deficiência em si, mas nos tabus, estereótipos e preconceitos que se
somam quando assunto é a sexualidade do deficiente e o reconhecimento
destas dificuldades pode contribuir para balizar um debate sobre as
questões mais polêmicas apontadas acerca da sexualidade humana. Para
Ribeiro (2009), negar a expressão sexual destas pessoas dificulta a
possibilidade delas exercerem sua sexualidade em interação social com
outras pessoas.

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268
03
FORMAÇÃO
DOCENTE EM
SEXUALIDADES E
EDUCAÇÃO
SEXUAL

269
A EDUCAÇÃO SEXUAL ESCOLAR E A
CONSTRUÇÃO DE CONCEPÇÕES
ACERCA DA SEXUALIDADE E DO PAPEL
DO PROFESSOR DE CIÊNCIAS E
BIOLOGIA COMO EDUCADOR SEXUAL
Bruna Larissa Ramalho Diniz
(Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Marcelo Maia Cirino
(Universidade Estadual de Londrina)

A sexualidade é uma parte constitutiva do indivíduo e inerente ao âmbito


escolar, sendo que a maneira como é abordada nesse espaço é
responsável, em grande parte, pelas concepções que os indivíduos
constroem sobre a temática. O presente artigo busca investigar como foi
a Educação Sexual escolar de graduandos de um curso de Licenciatura
em Ciências Biológicas e como a abordagem da temática contribuiu para
a construção das concepções sobre sexualidade e Educação Sexual, bem
como sobre o papel do professor de Ciências e Biologia do trato da
temática na escola. A amostra de investigação foi constituída por 12
graduandos, que responderam a questões de uma entrevista
semiestruturada. Utilizamos como ferramenta analítica a Análise Textual
Discursiva (ATD), segundo Moraes (2003) e Moraes e Galiazzi (2006).
Tendo em vista a diversidade dos discursos apresentados sobre a
Educação Sexual em diferentes momentos da formação escolar dos
graduandos, acreditamos que a maneira como a temática foi abordada
nesse espaço é responsável pela visão biologista que os graduandos
apresentam, uma vez que eles responsabilizam o professor de Ciências e
Biologia pela tarefa, além de limitarem a abordagem da temática à
anatomia e fisiologia dos corpos, à prevenção de ISTs e da gravidez
precoce. A rica experiência vivida durante esta pesquisa, sobretudo no
decorrer da análise dos dados, constituiu um período muito fértil de
aprendizagem, pois partilhamos experiências, momentos e

270
conhecimentos vivenciados pelos graduandos em um dos momentos
mais importantes da construção das concepções sobre Educação Sexual:
a formação escolar. Esperamos que as reflexões e discussões realizadas
ao longo desse artigo contribuam para que uma visão completa da
sexualidade, que evoca a subjetividade e nos faz vivenciar as bases mais
exigentes e contraditórias do ser humano, como paixão, amor,
sensualidade e sensibilidades, possa chegar às escolas, aos alunos e aos
professores livre de tabus e preconceitos.
Palavras-chave: Educação Sexual. Escola. Concepções.

SEXUAL SCHOOL EDUCATION AND THE CONSTRUCTION OF


CONCEPTIONS ON SEXUALITY AND ACTION OF THE
TEACHER OF SCIENCES AND BIOLOGY AS A SEXUAL
EDUCATOR

Sexuality is a constituent part of the individual and inherent in the school


environment, and the way in which it is approached in this space is
largely responsible for the conceptions individuals construct on the
subject. This article aims to investigate how was the Sexual Education of
undergraduates of a course in Biological Sciences Degree and how the
approach of the thematic contributed to the construction of the
conceptions on sexuality and Sexual Education, as well as on the role of
the professor of Sciences and Biology the treatment of the subject in
school. The research sample consisted of 12 undergraduates, who
answered the questions of a semistructured interview. We use as an
analytical tool the Discursive Textual Analysis (ATD), according to
Moraes (2003) and Moraes and Galiazzi (2006). Given the diversity of
the discourses presented on sexual education at different moments in the
undergraduate education, we believe that the way the subject was
approached in this space is responsible for the biological view that the
students present, since they hold the professor responsible Sciences and
Biology by the task, besides limiting the approach of the subject to the
anatomy and physiology of the bodies, the prevention of STIs and the
precocious pregnancy. The rich experience during this research,
especially during the analysis of the data, was a very fertile period of
learning, because we share experiences, moments and knowledge

271
experienced by the students in one of the most important moments of the
construction of the conceptions about Sexual Education: the formation
school. We hope that the reflections and discussions carried out
throughout this article will contribute to a complete view of sexuality,
which evokes subjectivity and allows us to experience the most
demanding and contradictory bases of the human being, such as passion,
love, sensuality and sensibilities. schools, students and teachers free of
taboos and prejudices.
Key words: Sexual Education. School. Conceptions

A escola e a Educação Sexual


A escola tem uma função social muito importante na sociedade,
sendo que um dos seus principais objetivos é, segundo Guirado (1997),
a aprendizagem de conhecimentos por meio da constituição de esquemas
de pensamentos que deem conta das possibilidades de aprender, bem
como o desenvolvimento de uma atitude diante do conhecimento
adquirido.
Dessa forma, uma vez que a sexualidade é uma parte constitutiva
do indivíduo, ela atravessa as ações cotidianas de professores e alunos e
se insere na escola como um conhecimento essencial e necessário
(BRAGA, 2002), e a maneira como é abordada nesse espaço é
responsável, em grande parte, pelas concepções que os indivíduos
constroem sobre ela.
Todavia, mesmo diante da grandiosidade do papel da
sexualidade na constituição do indivíduo, a Educação Sexual ainda
ocupa, nos dias de hoje, uma posição marginal nos currículos escolares
brasileiros.
Mas, afinal, o que é Educação Sexual? Que significados ela
assume no presente trabalho?
Para Figueiró (2014, p. 44), Educação Sexual é:

Toda a ação de ensino-aprendizagem sobre


sexualidade humana, seja em nível de

272
conhecimento de informações básicas, seja em
nível de conhecimento e/ou discussões e reflexões
sobre valores, normas, sentimentos, emoções e
atitudes relacionadas à vida sexual. Para ser
completa e eficaz, principalmente quando faz parte
de um programa educacional, a Educação Sexual
deve abranger tanto o componente informativo
quanto o formativo.

A autora acrescenta ainda que a Educação Sexual “[...] deve ser


definida, sobretudo, como uma forma de engajamento pessoal nos
esforços coletivos pela transformação de padrões de relacionamento
sexual e social” (FIGUEIRÓ, 2014, p. 45). Para tanto, o indivíduo
necessita desenvolver comportamentos e atitudes autônomas em relação
a sua sexualidade, no sentido de poder vivê-la livremente, sem
sentimentos de culpa ou opressão social.
Assim sendo, se a meta é informar ou formar cidadãos
conscientes de todos os aspectos de sua sexualidade, a escola destaca-se
entre as principais instâncias sociais por serem essas suas funções
precípuas. No espaço pedagógico da escola, a Educação Sexual torna-se
legal e necessária e a forma como é tratada, ou não, neste espaço,
contribui grandemente para a construção de concepções acerca da
temática (DINIZ, 2015).
Apesar das dificuldades em lidar com o tema na escola, é
necessário que a sexualidade ganhe mais espaço para que os alunos
passem a ter confiança nos professores e possam expor seus anseios
frente à temática. Concomitantemente, os professores precisam superar
seus próprios conceitos de sexualidade, os quais muitas vezes estão
carregados de preconceitos (GAGLIOTO e LEMBECK, 2011;
FIGUEIRÓ, 2014). Cabe à escola discutir a sexualidade como fenômeno
ligado à essência humana e que favorece a vivência da saúde, pois quanto
mais livres dos mitos que a cercam, maiores possibilidades de a pessoa
tomar decisões favoráveis a si e aos outros com quem se relaciona.

273
Portanto, a Educação Sexual não deve ser vista como uma ação
que ocorre à parte da educação global do indivíduo e sim, entendida
como parte desta. Trata-se de um processo permanente de construção das
concepções que cada indivíduo possui a respeito da sexualidade, dos
relacionamentos sexuais e interpessoais dos quais participa e que
acontece em várias instâncias sociais, dentre as quais está a escola
(FIGUEIRÓ, 2010).

A Educação Sexual e o professor de Ciências e Biologia


Como já foi discutido, a Educação Sexual ainda ocupa, nos dias
de hoje, uma posição marginal nos currículos escolares brasileiros.
Embora, no terceiro milênio, ela tenha emergido em uma nova posição
no conjunto da educação escolar, graças aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998), que a elegeram para integrar o
conjunto de temas transversais, para que ela aconteça, de fato, é preciso
que haja um envolvimento sério e real dos profissionais da educação
(FIGUEIRÓ, 2014).
Segundo Figueiró (2014, p. 44), essa posição marginal tem sido
caracterizada por diversas formas, entre elas:

- não é considerada uma questão prioritária na


educação escolar;
- não é colocada em prática na maioria das escolas
brasileiras;
- é praticada em um número restrito de escolas, por
iniciativa de alguns professores, isoladamente;
- é praticada em algumas escolas de rede pública,
por iniciativa, principalmente, de órgãos oficiais da
educação ou da saúde que, depois de um pequeno
número de anos interrompem o apoio efetivo;
- é criticada por uma parcela pequena, porém
relativamente significativa de professores e
elementos da comunidade, como um trabalho não
da escola, mas da família.

274
Acrescentamos a esses fatores de marginalização da Educação
Sexual o fato de que, ainda nos dias de hoje, os professores de Ciências
e Biologia são usualmente responsabilizados pela abordagem da
sexualidade na escola, o que limita, na maioria das vezes, as discussões
sobre a temática à anatomia e fisiologia dos sistemas reprodutores e às
discussões preventivas sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis
(ISTs) e gravidez precoce, já que esses profissionais, devido à sua
formação limitada em assuntos relacionados à sexualidade, não
conhecem outra forma de trabalhar o tema em sala de aula.
Todavia, esse caráter normativo-institucional e biologizante da
Educação Sexual é objeto de críticas de muitos autores no campo das
políticas educacionais, que afirmam que essa anato-funcionalidade do
corpo, da reprodução e do sexo irá excluir os aspectos subjetivos,
identitários e étnicos da construção da sexualidade (CARVALHO,
2015).
Assim sendo, mesmo que a Educação Sexual se destaque nas
aulas de Ciências, estas não são suficientes para atingir os objetivos tão
complexos dessa temática, que envolve um processo histórico-cultural e
compreende diferente significados durante todo o processo histórico.
Além disso, grande parte dos cursos de licenciatura em Ciências
Biológicas não prepara devidamente os seus acadêmicos para serem
educadores sexuais, uma vez que, durante a graduação, não há uma
disciplina obrigatória que trate da sexualidade humana para além do
enfoque biológico e estes indivíduos, quando em sua vida profissional,
precisam ministrar aulas sobre o tema, sentem-se inseguros diante da
tarefa (DINIZ, 2015).
Diante do exposto, o presente artigo busca investigar como foi a
Educação Sexual escolar de graduandos de um curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas e como a abordagem da temática contribuiu para a
construção das concepções sobre sexualidade e Educação Sexual, bem
como sobre o papel do professor de Ciências e Biologia do trato da
temática na escola.

275
Metodologia
Este artigo é um pequeno recorte de uma pesquisa de mestrado
intitulada "Formação de Educadores Sexuais no curso de Ciências
Biológicas da UEM: a concepção dos graduandos sobre a atuação do
professor de Ciências e Biologia na Educação Sexual”, que foi
desenvolvida na Universidade Estadual de Maringá (UEM), no campus
de Maringá, Paraná, com estudantes do curso noturno de Licenciatura
em Ciências Biológicas.
A amostra de investigação da pesquisa foi constituída por 12
graduandos (10 do sexo feminino e 2 do sexo masculino), sendo 6 da
turma de 3º série e 6 da turma de 5º série do curso, regularmente
matriculados e com idades variando de 20 a 26 anos. O critério de
escolha das turmas foi por conta dos graduandos já terem feito pelo
menos uma das disciplinas de estágio docente obrigatório e possuírem
vivência nos espaços escolares no papel de professores.
Quanto à coleta de dados, optamos por utilizar a entrevista
semiestruturada, composta e os dados coletados foram fragmentados em
unidades de significados, categorizados, tabelados, analisados e
discutidos em forma de metatextos a fim de construir novos significados
para as respostas do sujeito, segundo o referencial teórico-metodológico
da Análise Textual Discursiva (ATD), proposta por Moraes (2003) e
Moraes e Galiazzi (2006).
Neste artigo, utilizaremos para análise apenas as questões que
fizeram parte da categoria denominada “Formação Escolar”.
As questões que compõem a categoria supracitada são descritas
abaixo:
1. Você teve Educação Sexual na escola? Em que série(s)? Escola
pública ou particular?
2. Você acredita que a Educação Sexual que teve na escola foi válida e
suficiente, ou não?
3. Você acha necessário que a Educação Sexual seja trabalhada nas
escolas? A partir de que séries? Por quê?

276
4. Qual é, em sua opinião, o profissional que deveria ser responsável pela
Educação Sexual na Escola?
5. Por que, em sua concepção, a Educação Sexual é delegada usualmente
aos professores de Ciências e Biologia?
Resultados principais e discussões
Segundo Figueiró (2011), a Educação Sexual se faz presente na
escola, na família e na sociedade em geral. Dessa forma, entendemos que
as concepções sobre a temática são frutos de tudo o que aprendemos,
ouvimos e vivemos nessas instâncias sociais. Consideramos, então, que
a concepção atual dos sujeitos desta pesquisa acerca da Sexualidade e
Educação Sexual, bem como do papel do professor de Ciências e
Biologia frente à Educação Sexual na escola advêm das informações e
noções sobre a temática, recebidas, entre outras instâncias, na escola, o
que explica a escolha da categoria de análise para este artigo.
Na apresentação dos dados coletados, optamos por nomear cada
graduando com a letra G, seguida do número de ordem da concessão da
entrevista. Assim sendo, o primeiro graduando entrevistado foi
denominado G1, o segundo G2 e assim sucessivamente. Todavia,
selecionamos para nossa análise nesse artigo apenas as falas mais
significativas dentro da categoria “Formação Escolar”.
Análise da categoria “Formação Escolar”
Questão 1: Você teve Educação Sexual na escola? Em que série(s)?
Escola pública ou particular?
(G1): “[...] Dentro da disciplina de Biologia tive aparelho
reprodutor masculino e aparelho reprodutor feminino”; (G2): “[...] Em
Ciências estudei a vida, a reprodução, o nascimento e estrutura corporal
[...]”; (G6): “[...] Eu tive nas aulas de Biologia o órgão reprodutor
[...]”; (G7): “Não, só sistemas reprodutores [...]”; (G8): “[...] a gente
só vê aparelho reprodutor, anatomia [...]”; (G9): “[...] Quando a gente
ia estudar a sexualidade era só o pênis e a vagina [...]”; (G11): “[...] Só
o sistema reprodutor.”; (G12): “[...] Minha professora de Biologia mal
explicou os contraceptivos, tipo camisinha”.

277
Representações próximas a essas afirmações também podem ser
percebidas nas falas de: (G5): “[...] Mas, foi só sobre DST [...]”; (G7):
“[...] Sobre DST lembro que foi em algumas oficinas [...]”; (G10): “[...]
Já tive palestra na área da saúde que só falava na parte de doença,
prevenção [...]”.
Fica evidente nas falas selecionadas que, durante o período de
sua formação escolar, os assuntos relacionados à Educação Sexual foram
trabalhados em uma abordagem predominantemente biológica, nas
disciplinas de Ciências e Biologia. Eles não consideram, entretanto,
segundo nossa interpretação, essas aulas como sendo Educação Sexual.
Para eles, eram apenas conteúdos programáticos que deviam ser tratados
dentro das disciplinas de Ciências e Biologia como qualquer outro.
Essa responsabilização dos professores dessa área de
conhecimento no trato da temática na escola se dá por conta da
aproximação da sexualidade com os conteúdos de Ciências,
principalmente no que se refere aos temas relacionados à reprodução
(ALTMAN, 2007).
Cabe registrar que consideramos inegável a importância dos
aspectos biológicos no trato das questões relacionadas à Educação
Sexual. Entretanto, esta temática não deve ser restrita a uma abordagem
meramente anato-funcional do corpo, da reprodução e do sexo, uma vez
que a compreensão biológica da sexualidade, de maneira isolada e
fragmentada, é uma explicação reducional e insuficiente para que os
alunos entendam a complexidade do tema (BONFIM, 20012).
Questão 2: Você acredita que a Educação Sexual que teve na escola foi
válida e suficiente, ou não?
(G1): “[...] Não. De forma alguma”; (G2): “[...] Não. [...] Nas
aulas de fisiologia alguma coisa foi citada, mas só o que envolve a
fisiologia dos órgãos”; (G7): “Não. Na época eu não prestava muita
atenção”; (G8): “[...] Com certeza não foi suficiente”; (G9): “[...] Para
o vestibular sim, para a vida não”; (G10): “[...] Não. Tive palestra que
só falava na parte de doença, prevenção”; (G11): “[...] Não. Eu não me

278
lembro de Educação Sexual na escola, só sistema reprodutor”; (G12):
“Eu acho que não [...]”.
De acordo com as falas analisadas, os assuntos relacionados à
Educação Sexual que foram trabalhados em suas escolas não podem ser
considerados suficientes, justamente por terem ficado restritos aos
aspectos biológicos. Essa abordagem é válida para provas, concursos e
vestibulares, como afirma (G9), todavia, é insuficiente, no sentido que
limita as oportunidades de aprendizado e reflexão sobre todos os outros
aspectos que a sexualidade envolve.
Para (G3), (G4), (G5) e (G6), a Educação Sexual recebida na
escola foi avaliada como válida: (G3): “Foi, foi bem válida [...] Desde
transmissão de doenças, a parte de fisiologia mesmo, do ciclo
menstrual”; (G4): “Sim. Em relação ao ato sexual, sim”; (G5): “[...]
tudo o que acontece no corpo e as formas de prevenção, no caso, sim”;
(G6): “Válida pode ter sido [...] Mas, eu fiquei com muita dúvida”.
Contudo, apesar de ter sido avaliada positivamente por eles, as
falas destacadas deixam claro que, mais uma vez, apenas o aspecto
biológico foi priorizado. Voltamos a enfatizar que a abordagem biológica
da sexualidade, embora importante, não deve ser a única trabalhada no
ambiente escolar. As informações biológicas são fundamentais, mas não
são suficientes para uma Educação Sexual emancipatória e de qualidade
(DINIZ, 2015).
Questão 3: Você acha necessário que a Educação Sexual seja trabalhada
nas escolas? A partir de que séries? Por quê?
(G1): “Eu acho legal ser trabalhado [...]”; (G2): “Com certeza.
Desde o ensino fundamental. Os alunos têm que se conhecer melhor para
eles se cuidarem melhor desde pequenininho”. (G3): “Sim.
Fundamental. Porque não tem outro lugar para eles aprenderem isso.
[...]”. (G4): “Importantíssimo. A gente vê hoje em dia muita adolescente
grávida. Falta informação. [...]”. (G5): “Sim. Muito necessário. Para
os alunos conhecerem a questão do preconceito. A importância da
contracepção, como reagir diante de determinadas situações. Tem que
ser trabalhado em todas as séries [...]”. (G7): “Eu acho. Desde pequena

279
a criança tem que saber. Lógico que não tem que falar a coisa toda, mas
de acordo com a idade delas. Tem que ser abordado tudo a partir do
sistema reprodutor”. (G8): “Com certeza. Dá pra se trabalhar isso
desde os primeiros anos do ensino fundamental. Faria uma grande
diferença na sociedade depois”. (G10): “Com certeza. Tem que ensinar
desde pequeno. Quanto mais cedo melhor”.
De acordo com as falas analisadas, não há dúvidas para os
graduandos quanto à importância da Educação Sexual na escola e muitos
defendem que ela deveria ser iniciada desde os primeiros anos escolares.
Assim, ao entendermos a Educação Sexual como “um processo
de vida inteira” (SUPLICY, 1990, p.19), lento e progressivo, que vai se
interiorizando e exteriorizando conforme a criança vai sendo orientada
verbalmente ou não, concordamos com os graduandos que o tema deve
ser inserido na escola desde a Educação Infantil, pois a criança é um ser
sexuado, e tem direito a ter suas dúvidas e inquietações respondidas, de
modo que possa construir concepções positivas sobre sexualidade e
assumi-la livre de medo ou culpa, preconceito, vergonha, bloqueios ou
tabus (BRAGA, 2002).
Gostaríamos de ressaltar que em alguns recortes (G4 e G5), fica
evidente que para eles a Educação Sexual deve respaldar-se em um
discurso médico-biológico, cumprindo seu papel ao reproduzir conceitos
e explicações sobre a anatomia e fisiologia do corpo, contracepção e
doenças.
Questão 4: Qual é, em sua opinião, o profissional que deveria ser
responsável pela Educação Sexual na Escola?
(G1): “Eu acho que esse assunto diz respeito à área biológica
[...]”; (G2): “[...] Tem que ter no mínimo um trabalho conjunto, com
psicólogo e biólogo”; (G3): “Eu acho que o professor de Ciências e
Biologia mesmo [...]”; (G4): “O professor de biologia lidera [...]”;
(G5): “[...] É o professor de Ciências e Biologia [...]”; (G6): “[...] é
justamente o professor de Biologia [...]”; (G7): “[...] Todo mundo fala
que é função do professor de Biologia”; (G8): “[...] Professor de
Biologia no ensino médio e no ensino fundamental o professor da turma

280
(regente) mesmo”; (G9): “[...] o biólogo é o mais focado”; (G11): “[...]
Na parte reprodutiva, o professor de Biologia”.
Segundo dez dos doze graduandos, a responsabilidade sobre a
Educação Sexual na escola é, quase sempre, do professor de Ciências e
Biologia.
Como justificativa para esta responsabilidade, (G5) e (G6)
dizem que: (G5): “[...] porque é o que está com a matéria mais próxima
ao tema sexualidade”; (G6): “[...] Ele (professor de Ciências e
Biologia) é o que tem a matéria mais próxima ao tema. O conhecimento
que o biólogo tem do corpo humano e das áreas da saúde é muito
amplo”.
Segundo Foucault (1988), a sexualidade e os assuntos a ela
relacionados estão direcionados por uma forma de saber desenvolvida
graças ao conhecimento médico e científico. Assim sendo, durante muito
tempo, a sexualidade humana esteve baseada em uma medicina do sexo,
que se apoiava somente na Biologia dos corpos e tinha como principal, e
talvez único, objetivo, a reprodução e perpetuação da espécie.
Embora esta abordagem médica e biológica da sexualidade tenha
sofrido inúmeras contestações devido a novas concepções apresentadas
pelas ciências humanas e sociais, ainda nos dias de hoje, como já foi
discutido anteriormente, é este discurso que prevalece nas práticas de
Educação Sexual no ambiente escolar, o que para nós, justifica a
homogeneidade das declarações dos graduandos sobre a
responsabilidade (quase exclusiva) delegada aos professores de Ciências
e Biologia no trato desta temática na escola.
Outros profissionais também foram citados pelos graduandos
como responsáveis pela abordagem da temática na escola: (G1): “[...] O
professor de ciências, o de Biologia e até o de Educação Física e
Química [...]”; (G2): “[...] Psicólogo e biólogo”; (G4): “[...] Acho
legal trazer profissionais da saúde, profissionais da enfermagem, da
medicina, da farmácia”; (G5): “[...] Se for possível, trabalhar com
alguém da área da saúde ou um médico que possa dar uma palestra ou
algo do gênero”; (G10): “[...] Acho que a escola deveria ter um

281
conteúdo, ter um psicólogo ou uma pessoa especialista na área da
sexualidade para ter um conjunto na escola”.
Segundo Figueiró (2011), não existe um profissional específico.
É o contato diário com os alunos, sejam eles crianças ou adolescentes,
que é, na verdade, a grande “força propulsora” para que profissionais
conscientes e preparados, de qualquer área, se disponham a trabalhar a
Educação Sexual.
Questão 5: Por que, em sua concepção, a Educação Sexual é delegada
usualmente aos professores de Ciências e Biologia?
(G1): “Porque eu acho que eles confundem isso (Educação
Sexual) com sexo e com reprodução e como isso é um conteúdo da grade
curricular de Biologia, acaba sobrando para o professor dessa
disciplina”; (G2): “Pelo próprio estudo da vida, do nascimento à morte,
da estrutura corporal, hormônios”; (G3): “[...] Na Biologia já se estuda
a reprodução de tantos organismos e ver a reprodução de nós mesmos é
fundamental”; (G4): “Acho que por causa do estudo do ser humano, da
vida e dos animais”; (G5): “[...] devido ao conteúdo ser mais próximo
à sexualidade”; (G6): “Por causa da gama de conteúdos que a Biologia
abrange”; (G7): “Porque a gente trabalha com organismos, corpo
humano”; (G8): “Porque é a matéria mais próxima do assunto, né?
Fisiologia, anatomia, essas coisas”; (G9): “[...] A gente estuda corpo e
sexualidade é corpo, né?”; (G11): “Porque o professor de Ciências já
fala do Sistema Reprodutor, então, acaba tendo que falar do resto”;
(G12): “Uma porque trabalhamos corpo humano [...]”.
Essas afirmações vêm ao encontro do esperado por nós, previsto
pela literatura e apontado em outros pontos desta análise. Mais uma vez,
fica evidente o quanto a sexualidade está restrita, na concepção dos
sujeitos desta pesquisa, aos limites do corpo e à abordagem biológica.
Consideramos que a trajetória escolar desses graduandos, na qual a
Educação Sexual, quando existente, foi vista apenas sob o olhar da
biologia, é responsável, em parte, por essa visão que eles têm hoje do
que é sexualidade e de como ela é, e deve ser, trabalhada nas escolas.

282
Dois deles, (G10) e (G12), afirmam que essa responsabilidade
recai sobre esses professores porque eles têm menos vergonha de falar
sobre o tema do que os professores de outras disciplinas: (G10):“[...]
Acho que é porque o professor de Biologia tem menos vergonha de falar
no assunto”; (G12): “[...] outra é porque os professores têm vergonha
de falar sobre isso”.
Todavia, não consideramos assim. Os professores de Ciências e
Biologia, assim como todos os outros profissionais da educação, são
frutos de uma sociedade repressora e moralista nos assuntos referentes à
sexualidade. O medo, a vergonha e o constrangimento, por certo,
também fazem parte da rotina desses professores quando o assunto sexo
está em pauta. Entretanto, como na maioria das escolas, a
responsabilidade de tratar os assuntos relacionados a essa temática
recaem sobre essa área de conhecimento, eles se veem obrigados a
“colocar sua vergonha no bolso” e enfrentar o desafio, mesmo não tendo
sido preparados devidamente para abordar a temática em sala de aula.

Considerações finais
Ao considerarmos que as concepções particulares de cada
indivíduo são frutos de sua formação nas mais diversas instâncias da
sociedade, buscamos, ao longo deste trabalho discutir a formação escolar
dos graduandos com relação aos assuntos relacionados à Educação
Sexual, de modo a analisar como a abordagem da temática contribuiu
para a construção das concepções sobre sexualidade e Educação Sexual,
bem como sobre o papel do professor de Ciências e Biologia do trato da
temática na escola.
Assim, a fim de atender aos objetivos elaborados, selecionamos
algumas falas classificadas dentro da categoria “Formação Escolar” e
percebemos durante a análise que muitos graduandos se sentem
insatisfeitos com a forma como a Educação Sexual foi tratada em suas
escolas. Percebemos em suas falas que os temas relacionados à
sexualidade foram trabalhados, quando trabalhados, apenas nas
disciplinas de Ciências e Biologia ou em eventuais palestras, em uma

283
abordagem meramente biológica e preventiva, a qual tratava
exclusivamente temas como DST, gravidez precoce e reprodução.
Observamos com satisfação que os graduandos reconhecem a
importância da Educação Sexual no ambiente escolar para a formação
dos alunos, mas, consideram que ela deve respaldar-se no discurso
médico-biológico, mesmo tendo criticado essa abordagem
anteriormente.
Diante do exposto e, ao longo de toda a análise, constatamos que
a concepção que os graduandos apresentam sobre o papel do professor
de Ciências e Biologia frente à Educação Sexual na Educação Básica é
que esse profissional é o maior responsável pela temática no espaço
escolar, justificando esse compromisso pelo fato de a Biologia ter em
seus conteúdos programáticos tópicos como anatomia e fisiologia
humana, entre outros, que aproximam essa área do conhecimento daquilo
que entendemos como corpo.
Consideramos que essa concepção se dá, em parte, pela forma
como a temática foi/é tratada no período de formação escolar dos
graduandos. A Educação Sexual no espaço escolar é geralmente
abordada (quando abordada) apenas em seu viés biológico e por
professores de Ciências e Biologia.
Conhecer e modificar essa realidade são, portanto, grandes
desafios.
Esperamos que as reflexões e discussões realizadas ao longo
desse artigo contribuam para que uma visão completa da sexualidade,
que evoca a subjetividade e nos faz vivenciar as bases mais exigentes e
contraditórias do ser humano, como paixão, amor, sensualidade e
sensibilidades, possa chegar às escolas, aos alunos e aos professores livre
de tabus e preconceitos.

Referências
ALTMAN, H. Sobre a educação sexual como um problema escolar.
Linha, v. 7, n. 1, 2007.

284
BONFIM, C. R. S. Desnudando a Educação Sexual. 1 ed. Campinas:
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DINIZ, B. L. R. Formação de Educadores Sexuais no curso de


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FIGUEIRÓ, M. N. D. Formação de educadores sexuais: adiar não é


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FOUCAULT, M. A história da sexualidade I: a vontade de saber. 1


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Revista de Educação, v. 6, n. 11, 2011.

285
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pela análise textual discursiva. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2,
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SUPLICY, Marta. Papai, mamãe e eu. 1 ed. São Paulo: FTD, 1990.

286
ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES: IMPLICAÇÕES NA
FORMAÇÃO DOCENTE

Laísa Cristina Brand


Andréa Cristina Martelli
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná)

O presente trabalho versa analisar a importância da escola no


enfrentamento à violência sexual, como também da discussão desse
fenômeno na formação docente. Segundo alguns estudos, em casos de
violência seja doméstica, física, psicológica ou sexual, a escola se torna
o refúgio para a fuga desse fenômeno que ocorre tanto nas relações
intrafamiliares, como extrafamiliares, desta maneira, para compreender
esse fenômeno complexo, optamos pela pesquisa de abordagem
qualitativa e utilizamos como metodologia a História Oral. A opção por
esse caminho só foi possível por conta da colaboração de uma jovem,
vítima de abuso sexual quando era criança, sua entrevista configurou-se
como epicentro da pesquisa. Após a entrevista e a narrativa pronta, a
mesma foi analisada com o referencial teórico pesquisado. Esta análise
nos apontou que as crianças demonstram alguns sinais que podem ser
evidenciados pelo professor ou outro profissional da escola, contudo,
muitos desses profissionais não estão preparados para lidar com essa
temática, devido a falta de formação, muitos não sabem como proceder
perante casos de suspeita ou de confirmação do abuso sexual. Também
pudemos constatar que a escola, assume importante papel na prevenção
e no enfrentamento às violências, sobretudo aqui tratando-se de abuso
sexual. Diante disso, ratificamos a necessidade do trabalho com essa
temática nos cursos de formação docente, seja inicial ou continuada.
Palavras-chave: Escola. Abuso Sexual. Formação Docente.

287
SEXUAL ABUSE AGAINST CHILDREN AND ADOLESCENTS:
IMPLICATIONS IN TEACHING TRAINING

This study aims to analyze the importance of school in coping with sexual
violence, as well as the discussion of this phenomenon in teacher
education. According to some studies, in cases of domestic, physical,
psychological or sexual violence, the school becomes the refuge for the
escape of this phenomenon that occurs in both intrafamilial and
extrafamilial relationships, in order to understand this complex
phenomenon, we opted for the research of qualitative approach and we
use as Oral History methodology. The option for this path was only
possible due to the collaboration of a young woman, victim of sexual
abuse as a child, her interview was the epicenter of the research. After
the interview and the completed narrative, the same was analyzed with
the theoretical reference researched. This analysis pointed out that the
children show some signs that can be evidenced by the teacher or other
professional of the school, however, many of these professionals are not
prepared to deal with this issue due to lack of training, many do not know
how to proceed in cases of suspected or confirmed sexual abuse. We also
noticed that the school plays an important role in preventing and coping
with violence, especially in the case of sexual abuse. Therefore, we ratify
the need to work with this theme in teacher training courses, whether
initial or continuing.
Key words: School. Sexual abuse. Teacher Training.

Introdução
O presente estudo teve por finalidade analisar a importância da
discussão sobre o fenômeno do Abuso Sexual dentro do ambiente escolar
e universitário, especificamente, na formação de
professores/professoras. Para o desenvolvimento desta pesquisa optou-
se pela metodologia da História Oral, através de uma entrevista realizada
com uma jovem de 21 anos, vítima de abuso sexual na infância. Por se
tratar de uma narrativa as falas serão pronunciadas em primeira pessoa,
e o nome fictício de Beatriz, escolhido pela colaboradora.

288
Posteriormente, faremos o entrecruzamento da entrevista com a revisão
bibliográfica.
O tema abordado nessa pesquisa é um assunto pouco discutido
no curso de Pedagogia, porém, o abuso sexual assim como a violência
física, psicológica e afetiva, exercem influência negativa e devastadora,
que interfere no desenvolvimento integral das crianças e adolescentes,
devendo ser objeto de discussão em todas esferas sociais e,
principalmente, na educação.
Buscamos com a elaboração deste trabalho, contribuir na
formação dos pedagogos e das pedagogas da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná - UNIOESTE e demais Instituições de Ensino, com o
intuito de instrumentalizá-los, para que saibam como agir ao se
depararem com situações de abuso, bem como, elaborar um corpus
teórico da temática estudada.

Método
Em nossa pesquisa utilizamos como metodologia a pesquisa
bibliográfica e a História Oral, como o próprio nome diz privilegia a
oralidade e, mais do que isso, destaca e concentra sua análise nas
narrativas das experiências vivenciadas. Cabe ressaltar que essa
metodologia se difere de outras que usam entrevistas, uma vez que possui
particularidades, as quais serão mais definidas no decorrer dessa seção.

A História Oral foi instituída em 1948 como uma


técnica moderna de documentação histórica,
quando Allan Nevins, historiador da Universidade
de Colúmbia, começou a gravar as memórias de
personalidades importantes da história norte-
americana. (THOMPSON (1992) apud ALVITO,
2012, p. 89)

Essa metodologia segundo Meihy (1994, p. 53) “é uma prática


nova, resultado da interação entre narradores e estudiosos atentos à
responsabilidade de documentar”. Para a realização dessa metodologia,

289
são necessários três elementos: o pesquisador/pesquisadora, o/a depoente
também chamado de colaborador/colaboradora, e um instrumento
fundamental: a máquina de gravar para captar a entrevista. Todos esses
elementos irão gerar textos escritos, elaborados através de métodos
estudados.
No Brasil, a História Oral desenvolveu-se a partir da década de
1980, Meihy ressalta três situações que contribuíram para a prática da
mesma:

1 - O fato dos primeiros textos sobre esta proposta


terem nascido no exílio; 2 - O estigma colonizado
de nossos textos que, fatalmente, buscam
legitimidade em debates exóticos, estrangeiros e
alheios ao nosso meio; 3 - A carência de trabalhos
de fôlego que extraiam a prática de nossa história
oral dos pequenos artigos, coletâneas ou falas
exclusivamente teóricas onde, no máximo, a base
empírica é usada como exemplo (MEIHY, 2006,
p.192).

Os primeiros textos sobre essa metodologia surgiram nos


Estados Unidos nos anos de 1950, porém, somente anos depois a sua
incorporação aconteceu no Brasil. Esse atraso se justifica pela falta de
materiais para estudos e discussões consideradas aquém da realidade
vivida, não sendo possível utilizar os mesmos critérios usados pelos
autores estrangeiros para estudar e analisar dados.
Contudo, de acordo com Meihy (2006, p. 193) “o fato de ser uma
proposta de amplíssima aceitação em nosso meio social e a sua pífia
definição conceitual”, passou-se a definir a História Oral nada além de
“[...] um instrumento aplicável seja à antropologia, história, psicologia,
sociologia, geografia humana, jornalismo. Dela, aliás, já se afirmou ser
uma “terra de ninguém” e por isto “lugar de vale tudo” (MEIHY, 2006,
p. 193).
Isso porque se duvidava sobre os conceitos dessa metodologia
no Brasil, considerando-a como saber descompromissado. Contudo,

290
segundo afirma Meihy, (2006, p. 194) “Se buscarmos o sentido social do
conhecimento, percebemos que a História Oral é um recurso de
transformação, não meramente um recurso de conhecimento.” Vale
ressaltar que esse processo de investigação baseia-se nas memórias e
histórias narradas pelo colaborador/colaboradora. A pesquisa acontece
através dos relatos, gravação, transcriação, e pôr fim a legitimação pelo
entrevistado/entrevistada. Segundo Alvito (2012):

A história oral é uma história construída em torno


de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria
história e isso alarga seu campo de ação. Admite
heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a
maioria desconhecida do povo. Estimula
professores e alunos a se tornarem companheiros de
trabalho. Traz a história para dentro da comunidade
e extrai a história de dentro da comunidade[...]
(THOMPSON (1992) apud ALVITO, 2012)

Essa metodologia nos traz diferentes possibilidades: enquanto


leitores/leitoras podemos nos identificar com a história, sentimos
vontade de saber mais, imaginamos a situação relatada, ou, enquanto
pesquisadores/pesquisadoras podemos nos surpreender esperando uma
resposta e sermos contemplados com outras. Nesse contexto, trabalhar
com essa metodologia exige um olhar diferenciado do
pesquisador/pesquisadora, já que envolve emoções, receios, medos,
experiências dolorosas e muitas lembranças do colaborador/
colaboradora.
Posteriormente a leitura de alguns materiais como Labronici,
Fegadoli e Correa (2010), Martelli (2009), que utilizaram a História Oral
como metodologia da pesquisa, compreendemos a forma de ler,
interpretar e nos sentir presente naquelas histórias; essa metodologia
estimula os/as leitores/leitoras a vivenciar as experiências contadas, as
memórias, as lembranças e as emoções presentes no texto, e foram
exatamente essas sensações que nos fizeram optar por essa metodologia

291
em nossa pesquisa: “Lançar a vida para dentro da história.”
(THOMPSON,1992, p. 44 Apud ALVITO, 2012)
Conforme Meihy (1994, p. 55), podemos classificar a História
Oral em três ramos: História Oral de Vida, História Oral Temática e
Tradição Oral. A História Oral de Vida é geralmente caracterizada por
entrevistas longas e que devem captar o sentido da experiência
vivenciada pelo colaborador/colaboradora. De acordo com Meihy (2008,
p.146) “Vale lembrar que em entrevistas assim, mais do que perguntas
pontuais são cultivados estímulos capazes de alimentar continuidades.”
As entrevistas são mais do que perguntas e respostas, são estímulos que
fazem com que o colaborador/colaboradora sinta vontade de relatar sua
história, sem sentir-se pressionado ao fazê-lo.
Essa metodologia tem como fundamento a necessidade de
transmissão de uma moral de vida, por isso, sempre que possível deve-
se dar espaço ao colaborador/colaboradora para que demonstrem seus
argumentos pessoais tendo maior liberdade para contar sobre sua
experiência. Para Meihy (2008, p.147) “Não compete ao entrevistador
provar nada, pelo menos na fase de captação da história” neste sentido,
as informações obtidas devem ser livres de julgamentos morais,
principalmente por parte do pesquisador/pesquisadora.
A História Oral Temática segundo Meihy (2008, p. 147) “[...]
acontece em recortes de assuntos específicos, ou, como o diz o próprio
nome, temas captados e entrevistas organizadas, planejadas, atentas a
cumprir um fim”. Ou seja, é caracterizada com a abordagem de um
assunto mais específico, com questões intencionais, objetivas e com
caráter mais documental. Além disso, o texto traduzido também deve ser
o mais próximo da fala.
Já a Tradição Oral, aborda o colaborador/colaboradora enquanto
transmissor de tradições antigas, como ressalta Meihy (2008, p. 148)
“preferentemente voltada a grupos de oralidade primária, ou seja,
segmentos isolados e sem contato com a prática escrita ou midiática”. O
autor afirma (2008, p.148) ainda que “A Tradição Oral é apontada como

292
recurso para a compreensão de grupos ágrafos ou sem história escrita”
sendo quase sempre indígenas ou africanos.
As narrações coletivas são bastante comuns nesta pesquisa, já
que conforme afirma Meihy (2008, p.149) “a transmissão oral se
fundamenta exatamente na articulação argumentativa que varia pouco de
geração para geração” e as histórias referentes ao passado longínquo são
transmitidas de pais para filhos ou entre os indivíduos oralmente.
Outra característica importante, é que a Tradição Oral exige que
os/as pesquisadores/pesquisadoras tenham contato, convivendo com o
grupo estudado, depois de observados seus hábitos é que as entrevistas
irão acontecer. Porém, cabe ressaltar que em algumas situações pode não
haver captação de entrevistas, pois para esse método este instrumento
não é uma regra. Em relação à transcrição das entrevistas, quando
houver, Meihy (2008, p.149) afirma que “Os trajetos de fala, as
repetições, irregularidades, tudo, faz parte do registro” portanto, as
entrevistas devem ser transcritas tal e qual foram ditas pelo
colaborador/colaboradora sem nenhuma alteração.
As entrevistas passam por esses momentos: a transcrição, a
textualização, a transcriação e a legitimidade pelo
colaborador/colaboradora. Primeiramente, a transcrição é caracterizada
por reproduzir fielmente o que foi dito pelo entrevistado/entrevistada. Na
textualização, as falas e as perguntas do entrevistador/entrevistadora são
omitidas e a narrativa do colaborador/colaboradora se dará em primeira
pessoa. Já, a transcriação é o texto escrito a partir da transcrição, em que
o pesquisador/pesquisadora precisa ser coerente, textualizando as ideias
e fazendo com que aquele texto tenha sentido.
Ao transcriar o entrevistador/entrevistadora assume o papel de
mediador/mediadora entre a história vivenciada e contada aos leitores do
texto, no sentido de passar as emoções e sensações para a escrita. O que
é dito é de suma importância, porém o pesquisador/pesquisadora não
deve se prender somente a isso, pois os detalhes, os silêncios, a
respiração, o choro, o sorriso, tudo isso deve ser observado atentamente
para que em outro momento o pesquisador/pesquisadora possa transmitir

293
todas as emoções ao texto; isso é transcriar. O novo texto transcriado,
valoriza a narrativa e lança vida àquilo que foi escrito. É neste texto que
o pesquisador/pesquisadora deve colocar as emoções sentidas e captadas
durante a entrevista; aquilo que não foi falado, mas foi dito de alguma
forma é transcriado para o papel.
Em seguida, o entrevistador/entrevistadora entrega a narrativa já
transcriada ao colaborador/colaboradora, e o mesmo/mesma deve
analisá-lo para saber se identifica-a com sua própria história de vida,
legitimando ou até mesmo alterando alguma fala, alguma parte e/ou
suprimindo outras, para ser divulgado conforme as normas e diretrizes
éticas internacionais que asseguram salvaguardar a dignidade, os
direitos, a segurança e o bem-estar do participante da pesquisa.
A História Oral pode ser considerada uma metodologia, utilizada
para coletar entrevistas baseado em fontes orais, memórias, e
recordações sobre o passado da pessoa entrevistada, como uma forma de
captar um instante da própria história.
Para nosso processo de investigação, compreendemos que a
História Oral se constituiu como metodologia, entrecruzaremos a
metodologia da História Oral de Vida e da História Oral Temática , pois
a entrevista baseada na História Oral de vida segundo Meihy (1994, p.
56 e 57) “remete ao registro da experiência pessoal” e História Oral
Temática que “por sua vez está vinculada ao testemunho e abordagem de
um assunto específico” assunto esse que neste trabalho já foi
previamente estabelecido, servindo como base para a entrevista:
Compreender as consequências que o abuso sexual pode causar na vida
de uma pessoa.

Toda a ação da história oral é transformadora. E isto


em todos os níveis, desde a elaboração do projeto,
escolha dos colaboradores, operação de entrevista,
produção textual e eventual análise. (Meihy, 2006,
p. 195)

294
Portanto, enquanto pesquisadores/pesquisadoras devemos estar
cientes de que conforme orienta Meihy (2006, p.195) “durante todas as
fases de execução da história oral temos um compromisso com a
transformação sem o que a história oral não tem razão de ser.” ou seja, a
História Oral possui um caráter transformador, compromissado com o
social.
Para realização desta pesquisa, foi necessária a submissão do
projeto no comitê de ética e pesquisa da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná. Após alguns meses, o projeto submetido foi aprovado para a
realização da entrevista, posteriormente, entramos em contato com a
colaboradora marcando o dia e o horário para coletar a narrativa. A
Colaboradora assinou um termo de esclarecimento autorizando que a
pesquisa fosse gravada e utilizada neste trabalho.
Tínhamos um roteiro pré-determinado que serviu como base
para a realização da entrevista, contudo, conforme a metodologia
explicada anteriormente, o roteiro serviu como um estímulo para que a
colaboradora se sentisse a vontade para relatar suas vivências. A
entrevista foi encharcada de emoções e lembranças dolorosas, a
colaborada se emocionou várias vezes. Depois de coletar a narrativa, nos
debruçamos para escrever a transcrição literal; trabalho árduo, onde
tivemos que escutar a entrevista várias e várias vezes, não deixando de
passar para o papel nenhuma sequer palavra; tudo o que foi dito, até
mesmo os vícios de linguagem tal e qual maneira foram pronunciados.
Em seguida, fizemos a transcriação. Outro trabalho que exigiu
muito tempo e dedicação. Neste momento buscamos com outras palavras
passar para o papel todos os sentimentos que observamos na entrevista,
sempre deixando a essência da entrevista intacta. Procuramos passar para
os leitores, toda a emoção sentida e vivenciada, para que os mesmos se
sintam presentes na narrativa. Após esse processo, encaminhamos a
transcriação para a colaboradora, que se identificou com o texto, fazendo
assim a legitimação. Depois que o texto foi legitimado, passamos então
para a análise da narrativa com a bibliografia que estava sendo estudada
para a elaboração deste trabalho.

295
Analisando os dados
O/a professor/professora precisa, além de transmitir
conhecimento científico, atuar também como agente na identificação e
prevenção do Abuso Sexual, pois conforme diz Lima (2013, p. 81)
“afinal, ninguém melhor que o/a professor/a para reconhecer
comportamentos incomuns em seus/suas alunos/as.”, tendo em vista o
tempo de convivência, principalmente, no magistério infantil e da
relação de afinidade, muitas vezes, construídas nas escolas. Em vista
disso, ressaltamos que a discussão sobre esse tema é tão importante na
formação inicial e continuada desses/dessas profissionais.

Temos clareza da importância da temática


violência sexual nos cursos de formação de
professores/as para que possam identificar quando
um aluno está sendo vítima dessa forma de
violência. Mesmo que o/a aluno/a não fale, os/as
professores/as capacitados poderão escutar seus
gritos silenciosos e, intervir nessa situação,
contribuindo inclusive para o melhor
acompanhamento e compreensão dos processos
cognitivos e psíquicos da criança e do adolescente
violentados (VAGLIATI, 2015, p. 12).

Com estudos e discussões sobre o fenômeno do Abuso Sexual,


os/as profissionais da educação podem orientar a comunidade escolar,
principalmente, as crianças e adolescentes, no intuito da prevenção e
informação, podendo evitar possíveis futuros abusos. “Não sabia como
chegar e contar para alguém, onde recorrer, não tinha informação para
onde denunciar...Senti uma solidão horrível, eu sofria a violência
silenciada.” (BEATRIZ, 2017) Com base nesse relato, percebemos como
é necessário que esses/essas profissionais participem de estudos e
formação continuada com o objetivo de identificar, prevenir e denunciar
os casos de suspeita ou confirmação da violência.

296
Para tanto, a formação pedagógica do/a professor/a
é essencial para que se percebam os sinais. Claro
que somente identificá-lo não é suficiente para
afirmar o ocorrido, mas é um alerta e não omissão
da violação de direitos, para que aquele fato se
perpetue na vida da criança que terá certamente
consequências duradouras e terríveis. (LIMA,
2013, p. 88)

Muitas vezes esses/essas profissionais não conseguem


identificar o abuso, pois desconhecem os sinais dessa modalidade de
violência, ou ao se deparar com casos suspeitos e/ou confirmados não
sabem lidar com eles por falta de formação e informação.

Por razões de origens: sociais, religiosas, políticas,


psicológicas, entre outras, ainda existe na
sociedade um amplo receio em abordar o assunto
do abuso sexual em crianças e adolescentes.
Segredos e silêncios rondam essa temática, bem
como visões e acepções distorcidas a respeito do
abuso sexual, dos abusadores, dos abusados, da
família, da veracidade dos fatos, entre outras
coisas. Mitos e preconceitos precisam ser
questionados para conseguirmos compreender essa
violência que extrapola as paredes familiares e
chega às escolas. (MARTELLI, 2013, p. 06 e 07)

Ressaltamos a importância da desmistificação do assunto, e a


relevância de tratá-lo com clareza na intenção de formar
professores/professoras e demais profissionais da educação cientes da
seriedade deste fenômeno que é, infelizmente, existente em toda a
sociedade nas diferentes classes sociais, nas variadas profissões.
Conforme relata Beatriz “[...] Eu acho que se os professores tivessem
algum conhecimento sobre violência, poderiam identificar. Nunca me
perguntaram nada!” Além disso:

297
Não é normal não se comunicar nem ter contato
com ninguém...Se está isolada em algum canto,
alguma coisa tem, um problema de família ou
alguma situação que esteja sofrendo, penso que os
professores podiam identificar e falar: O que você
tem que não está bem e nem conversou com
ninguém? (BEATRIZ, 2017)

Sem conhecimento sobre esse fenômeno, “ocorre uma


reprodução da violação de direitos da criança, que também tem
condições de saber sobre questões da sexualidade, bem como sobre a
prevenção ao abuso e/ou exploração sexual.” (LIMA, 2013, p.82)

A escola, como parte da sociedade, não está imune


a esse problema: recepciona a violência produzida
para além de seus muros e, quando não a trata
adequadamente, alimenta-a, não só a reproduzindo,
mas também produzindo outras formas de
violência. (LUZ, CASAGRANDE, 2016, p.14)

É de extrema importância ressaltar que a vítima além de se


culpabilizar pela violência sofrida, ainda precisa lidar com o medo de ser
desacreditada ao relatar o abuso. Muitas vezes a criança ou o adolescente
denuncia a violência para os familiares e estes não acreditam, pensando
que é invenção ou fantasia, fazendo com que a falta de credibilidade dada
ao seu depoimento cause novos traumas.

Ressaltamos a necessária formação para identificar,


cuidadosamente, os casos de violência sexual,
sabendo escutar e proceder a um encaminhamento
mais adequado à situação. Acreditar na criança e no
adolescente, ser empático, não prometer sigilo, até
mesmo porque precisarão da ajuda de outros
profissionais, explicar que a responsabilidade é do
agressor e não da vítima e, ter a percepção de como
a vítima se sente ao final da conversa. (VAGLIATI,
2015, p. 11)

298
Desta maneira, já que os professores/professoras tem bastante
contato com as crianças principalmente na primeira infância onde esse
vínculo afetivo se torna mais próximo, é de extrema importância que o
professor/professora crie um vínculo de confiança, de modo que as
crianças se sintam seguras e confortáveis para conversar. O
professor/professora não deve se preocupar somente com a
aprendizagem escolar de seus alunos/alunas e, sim, com tudo aquilo que
envolve a vida desses alunos/alunas, uma vez que vítimas de Abuso
Sexual apresentam dificuldades na aprendizagem. Entretanto, neste caso
a realidade era diferente, pois conforme afirma Beatriz (2017) “A única
coisa que eles ressaltavam eram as minhas faltas, mas estavam
preocupados porque eu perdia conteúdo e não o motivo delas. Talvez se
eles perguntassem o que estava acontecendo, eu teria contado.”
Nesta perspectiva, o/a profissional que identificar ou suspeitar
da violência, deve antes de tudo, se colocar no lugar do outro, respeitar
a criança e/ou adolescente, criar um vínculo de confiança para que a
vítima se sinta segura ao relatar suas vivências.

Na escola, uma professora muito especial me


ajudou, me aconselhou bastante. Uma vez tínhamos
que fazer um trabalho e descrever qual que era o
nosso melhor sonho, eu escrevi que o meu era ter
uma família. Ela foi bem sensível, tanto que veio
falar comigo para saber o que tinha acontecido.
Fiquei confiante com sua forma de me acolher e
contei a ela. (BEATRIZ, 2017)

Nestes casos, também se faz necessário abster-se de


julgamentos e opiniões pessoais, e acima de tudo, zelar por essas crianças
não deixando que seus direitos sejam violados, ou seja, não adianta
somente suspeitar ou identificar a violência, também se faz necessário
intervir nessa situação buscando denunciar, na tentativa de evitar futuros
abusos.

299
Dentro deste contexto torna-se necessário que o
professor deixe de se ver como especialista de uma
determinada disciplina para se ver como educador
de uma forma mais ampla, com consciência sobre
o caráter político de sua atuação que se articula em
torno dos conceitos de cidadania, democracia,
comunidade, solidariedade e emancipação
individual e social, assim como o conhecimento
que adquirir durante a sua formação deve ser o mais
abrangente possível, não se restringindo a
procedimentos técnicos e teorias previamente
estabelecidas, indo além dos aspectos relativos a
aprendizagem do conteúdo formal. (SANTOS,
2011, p. 37)

Muitas vezes a escola e a sala de aula são o único refúgio que a


criança violentada encontra para escapar do abuso que geralmente
acontece dentro de casa, e nesta perspectiva, o professor/professora pode
ser a única pessoa em que ela confia, já que em seu núcleo familiar pode
não existir diálogo, e as pessoas que deveriam zelar por essa criança não
se posicionam em relação aos abusos cometidos, causando assim outras
violências, além de mais dores e sofrimento.

Minhas faltas eram responsabilidade do meu pai.


Quando ele queria fazer alguma coisa e eu não
queria, ele pegava e escondia a minha mochila e me
trancava dentro de casa... muitas vezes eu fugia
dele e ia pra escola, porque eu não queria o que ele
fazia comigo...eu não queria ficar em casa e a
escola era a minha escapatória. Mas quando eu
voltava, eu apanhava. (BEATRIZ, 2017)

Portanto, o professor/professora além de transmitir os


conhecimentos escolares e científicos, precisa olhar o outro de forma
mais sensível, tendo em vista que está lidando com pessoas que sentem

300
medo, trauma, tristezas, enfim, seres dotados de sentimentos. Da mesma
forma,

Para identificar as crianças em situação de risco, os


profissionais da escola deverão estudar os indícios,
sinais e sintomas do abuso sexual para reconhecê-
los em sua sala de aula e contribuir para
interromper o ciclo de violência sexual.
(MARTELLI, 2013, p. 12)

Quando identificados esses sinais, o professor/professora deve


buscar subsídios de como agir informando-se sobre quais serão as
providências a serem tomadas, desse modo, “a atuação do/a professor/a
na identificação e denúncia da violência sexual é essencial,
principalmente nos anos iniciais, visto que é a fase de maior permanência
e contato entre crianças, instituição e educador/a.” (LIMA, 2013, p. 86)

Considerações finais
Percebemos que a violência sexual se faz presente em toda a
sociedade e a escola enquanto instituição social é um meio eficaz na luta
e enfrentamento deste fenômeno. Podemos considerar que a instituição
escolar exerce sobre a vida das pessoas é muito significativa,
funcionando também como um mecanismo de superação dos traumas
causados pela violência.
Contudo, também podemos destacar e problematizar em nosso
trabalho, a falta de formação e informação que os/as profissionais da área
da educação têm sobre a temática da violência sexual. A pobreza de
formação inicial e continuada, para que esse professor/professora saiba
como identificar e interpretar os sinais que seus alunos/alunas podem
evidenciar, bem como saibam como lidar em situações de suspeita e/ou
confirmação de violência. A capacitação, seja ela durante a formação ou
continuada, irá auxiliar os/as profissionais da área da educação a
abordarem essa temática delicada através de eixos estruturantes de forma

301
a proporcionar aos alunos/alunas abertura e confiança suficiente para se
abrirem se necessário.
Neste sentido, o papel que a escola e que os profissionais da
educação exercem em relação a prevenção das violências, sejam elas
manifestadas das diferentes formas, é um dos mais significativos, pois as
instituições de ensino podem e devem elaborar projetos de intervenção,
bem como campanhas educativas visando levar informações sobre o
tema da violência sexual para toda a comunidade escolar. Os professores
podem orientar seus alunos, e criar propostas de intervenção para lidar
com os casos de abuso sexual já confirmados, além de contribuir no
sentido de prevenção a novas violências.
Não podemos fechar os olhos perante esses abusos; é inaceitável
compactuar com essa prática cruel, como cidadãos precisamos defender
nossos direitos e principalmente os direitos das nossas crianças, que
devem ser respeitadas em sua individualidade, bem como lutar contra a
prática da violência que é um crime contra a vida. São raros os
professores e professoras que estão capacitados à orientar seus alunos e
alunas no sentido de prevenção e enfretamento à essa violência que
infelizmente cresce cada vez mais.
As políticas públicas e sociais também precisam ser cumpridas a
fim de punir os agressores, e prevenir os abusos garantindo às crianças
acesso a saúde, educação, lazer e todos os seus direitos previstos em lei,
e agindo de forma eficaz na luta e prevenção a todo e qualquer tipo de
violência.

Referências
ALVITO, Marcos. Apostila História Oral. Universidade Federal
Fluminense, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em:<
https://uff.academia.edu/MarcosAlvito> Acesso em: 23 jul.2017

LABRONICI, Liliana Maria; FEGADOLI, Débora; CORREA, Maria


Eduarda Cavadinha. Significado da violência sexual na manifestação

302
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Enfermagem Usp, São Paulo, p.401-407, 2010.

LIMA, Edyane Silva. VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA


CRIANÇAS: FORMAÇÃO DOCENTE EM DISCUSSÃO.
Maringá, 2013.
LUZ, Nanci Stancki; CASAGRANDE, Lindamir Salete.
Entrelaçando gênero e diversidade: violências em debate. Ed.
UTFPR, Curitiba, 2016.

MARTELLI, Andréa Cristina. O IMAGINÁRIO DA


SEXUALIDADE NAS VOZES DE PROFESSORAS. 127 f. Tese
(Doutorado) Unicamp, Campinas, 2009.

MARTELLI, Andréa Cristina. III SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE


EDUCAÇÃO SEXUAL. ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS
E ADOLESCENTES: O QUE A ESCOLA TEM A VER COM
ISSO? Maringá: 2013. 16 p.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Definindo história oral e memória.


Cadernos CERU- nº 5 – Série 2- 1994.

____________________________ OS NOVOS RUMOS DA


HISTÓRIA ORAL: O CASO BRASILEIRO. Revista de História 155
(2º - 2006), p. 191-203.

____________________________ PALAVRAS AOS JOVENS


ORALISTAS: ENTREVISTAS EM HISTÓRIA ORAL. (2008), p.
141-150.

SANTOS, Benedito Rodrigues dos. IPPOLITO, Rita. Guia escolar:


identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e
adolescentes. Seropédica, RJ: EDUR, 2011.

SANTOS, Rita De Cássia Ferreira. VIOLÊNCIA SEXUAL E A


FORMAÇÃO DE EDUCADORES – UMA PROPOSTA DE
INTERVENÇÃO. Presidente Prudente, 2011.

303
VAGLIATI, Ana Paula. IV SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE
EDUCAÇÃO SEXUAL. O PROFESSOR COMO AGENTE NA
PREVENÇÃO E NA IDENTIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA
SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Maringá:
2015.

304
ANÁLISE DA TEMÁTICA SEXUALIDADE
NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL I: O QUE (NÃO) ESTAMOS
ENSINANDO?

Michely da Silva Bugança


Leandro Afonso da Silva
Silmara Sartoreto de Oliveira
(Universidade Estadual de Londrina)

O presente trabalho objetivou analisar os conteúdos que permeiam a


sexualidade propostos por livros de Ciências do Ensino Fundamental I
adotados por um município do interior do Estado do Paraná. Para tanto
foram selecionadas três coleções de livros didáticos destinados aos anos
do ensino fundamental. Essas coleções foram selecionadas previamente
pelos professores residentes nas quatro escolas do município. Os livros
de cada coleção foram inicialmente analisados quanto a presença de
conteúdo sobre sexualidade, por conseguinte, foi realizada a análise e
descrição dos conceitos quanto a questões de diversidade, gênero e
desenvolvimento/reprodução. Dentre os livros analisados, pode-se
identificar a escassez dos conceitos de análise pré-estabelecidos,
entretanto, algumas abordagens pontuais foram identificadas, como
diversidade familiar, as diferenças de gênero e o cuidado paterno. As
fases e mudanças no corpo apresentaram conceitos rasos, enquanto a
reprodução foi abordada somente nos animais, em suma, a maioria dos
livros apresentaram somente conceitos biológicos. Portanto, frente a
ausência de conteúdo se considera importante reiterar a grande
dificuldade dos professores discutirem esses conceitos, visto que a
sexualidade ainda é um tabu dentro do ambiente escolar seja por ausência
nos livros didáticos, colocação mal sucedida de determinados assuntos,
ou por influência pessoal na escolha dos livros.
Palavras-chave: Educação sexual; anos iniciais do ensino fundamental;
PNLD.

305
ANALYSIS OF THE THEMATIC SEXUALITY IN THE DIDACTIC
BOOKS OF FUNDAMENTAL EDUCATION I: WHAT ARE WE
(NOT) TEACHING?

The present work aimed to analyze the contents that permeate the
sexuality proposed by Primary School Science I books adopted by a
municipality in the interior of the State of Paraná. For that, three
collections of textbooks were selected for the years of elementary school.
These collections were previously selected by the teachers residing in the
four schools of the municipality. The books of each collection were
initially analyzed for the presence of content on sexuality, therefore, the
content analysis and description of the concepts regarding diversity,
gender and development / reproduction were carried out. Among the
analyzed books, one can identify the scarcity of pre-established concepts
of analysis, however, some specific approaches have been identified,
such as family diversity, gender differences and paternal care. The
phases and changes in the body presented shallow concepts, while
reproduction was only addressed in animals, in short, most of the books
presented only biological concepts. Therefore, in view of the absence of
content, it is considered important to reiterate the great difficulty of
teachers to discuss these concepts, since sexuality is still a taboo within
the school environment either by absence in textbooks, unsuccessful
placement of certain subjects, or by personal influence in the choice of
books.
Key words: Sexual education; years of elementary school; PNLD.

Enquadramento teórico
Contextualização do problema
A sexualidade é pertencente aos indivíduos desde seu
nascimento, mas, também, configura-se por meio das relações sociais,
históricas e culturais. Logo, o ambiente escolar, cujo alunos estão
inseridos, incide diretamente sobre o acesso às informações e a
promoção de uma educação libertadora, crítica e consciente quanto as

306
diferenças, principalmente na infância, na qual os estereótipos dos
gêneros e as relações de poder são reforçados pela escola.
Apesar dessa notoriedade, muitos obstáculos ainda dificultam a
educação sexual, bem como trabalhos sobre diversidade e questões de
gênero, tais como: a influência pessoal, religiosa ou cultural dos
docentes; a precariedade da formação inicial e continuada dos
professores; resistência familiar e escolar e a ausência de material
didático adequado. Nesta perspectiva, o livro didático apresenta-se como
um material de fácil acesso, frequentemente consultado pelos docentes
e, por vezes, de uso exclusivo, portanto, necessariamente deve conter
informações corretas e atentar-se as necessidades do conteúdo,
disponibilizando não somente conceitos biológicos, mas também
reflexões, a fim de extrapolar a memorização conceitual, estendendo-se
para a construção individual e social dos indivíduos.
Frente ao contexto supracitado, o presente trabalho objetivou
analisar os conteúdos que permeiam a sexualidade propostos por livros
didáticos de Ciências dos do ensino fundamental I adotados por um
município do interior do Estado do Paraná.

Panoramas da sexualidade nos contextos familiar e escolar


A classificação dada à sexualidade humana desde a vida
intrauterina, propõe uma separação entre os gêneros binários, menino ou
menina. Essa classificação, analisada a luz de um pensamento voltado à
Biologia, remonta ao pertencimento dos humanos no grupamento dos
seres sexuados (SANTOS; RUBIO, 2013).
Embora não exista uma definição que contemple completamente
expressão “sexualidade” sabe-se que a mesma influencia na totalidade
de características de um indivíduo, em contrapartida ao pensamento
convencional que a relaciona apenas com relações sexuais e órgãos do
sistema reprodutor (PASCUAL, 2002; SANTOS; RUBIO 2013).
De acordo com Santos e Rubio (2013, p. 3):

307
[...] Desde cedo as crianças [...] vão descobrindo o
próprio o corpo, e vendo a diferença entre o sexo
masculino e feminino. Até mesmo o próprio bebê
faz as suas próprias descobertas, podendo-se notar
pelo interesse e entusiasmo que eles brincam com
os próprios pés e mãos. Um pouco mais tarde, eles
acabam achando mais divertido e prazeroso tocar
outras partes do seu corpo, inclusive os genitais.

Na infância naturalmente as curiosidades são aguçadas e novos


questionamentos vão surgindo com o passar do tempo e, ainda que exista
uma imensa explicitação midiática, o tema sexualidade é pouco
desenvolvido de forma social e a discussão desta em suas instituições
enfrenta grandes desafios quando acontece (PIASENTIM; BRAGA,
2009).
A ausência do diálogo sobre o tema com a família pode
influenciar uma busca por respostas errôneas pelas crianças, por meios
de comunicação ou consultando outras pessoas, como amigos que
possuem os mesmos questionamentos sobre o tema, que pode ocorrer de
forma imprecisa, podendo gerar a internalização de informações erradas
que podem culminar em exposições de risco à saúde, tabus e até mesmo
preconceitos (SANTOS; RUBIO, 2013).
Para Rodrigues e Wechsler (2014, p. 3)

[...] é preciso levar em consideração o modo


como a educação sexual é abordada, tanto
com os familiares quanto com a escola. Os
pais precisam tratar os assuntos mais
individuais e profundos, já a escola deve
trabalhar de maneira geral e superficial,
tratando assuntos de cunho social e convívio
entre ambos os sexos [...].

Na ausência do sinergismo completo entre família e escola para


o ensino de educação sexual e sexualidades, é dada à escola e aos
professores a responsabilidade de fomentar tais questionamentos

308
(SANTOS; RUBIO, 2013), podendo trazer novos significados às
possíveis distorções construídas pelos alunos (RODRIGUES;
WECHSLER, 2014). Neste sentido, a educação fornecida no contexto
escolar deve ser libertadora, permitindo que os alunos se liberem das
amarras daquilo que é reprimido e passem a ter uma visão mais ampla e
mais clara sobre a naturalidade da sexualidade em todos os seus aspectos
(PIASENTIM; BRAGA, 2009).
O ensino do tema sexualidade pelas escolas se torna uma ação
imprescindível para o desenvolvimento do aluno, pois não somente
propicia conhecimentos e entendimentos sobre o próprio corpo do
indivíduo, mas fornece aportes para que os alunos reflitam e discutam
sobre padrões e normas de comportamento preestabelecidos
(PIASENTIM; BRAGA, 2009).
Ainda que tão esclarecedora a conversa sobre sexualidade,
Piasentim e Braga (2009, p. 14) ressaltam as dificuldades docentes para
a discussão do tema pois:

[...] ainda hoje, o professor não tem formação para


trabalhar a sexualidade, pois quando uma criança
de 5ª série pergunta à professora o que é “sexo oral”
ou coisa similar, a professora ainda prende a
respiração e sua frio para pensar em qual a atitude
correta a tomar... Ainda falta leitura, treinamento,
estudo, para que o professor possa conversar
naturalmente sobre sexo com seus alunos
pequenos.

Figueiró (2009) caracteriza que muitos dos atuais professores


ainda são frutos de uma educação sexual tradicional e que podem possuir
tabus, preconceitos e sentimentos negativos interiorizados sobre o tema
sexualidade o que dificulta que este profissional promova discussões e
aborde o assunto em sua sala de aula. Além disso, o medo de reações
negativas dos pais é recorrente entre os docentes, o que culmina em
tratamentos do assunto apenas de forma fisiológica, anatômica e em

309
relação a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, omitindo
tudo que pode causar maiores desconfortos para os pais e para os
próprios professores que determinam na maioria das vezes que no
período da infância, abordar o tema sexualidade é inadequado e ofensivo
(FIGUEIRÓ, 2009; FURLANI, 2011; FIORINI, 2016).
Em contrapartida ao medo e da negatividade da sociedade/pais
pelo tratamento do tema é imprescindível que o educador conheça o
embasamento legal que o ampare ao tratar a temática na sala de aula, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
Este documento oficializou a partir do final da década de 90 a
discussão do tema sexualidade como um tema transversal para o trabalho
didático, norteando as discussões sobre a mesma e também a
estruturação de currículos no ensino básico, tratando entre outros
aspectos, sobre orientação sexual, ficando então disposto legalmente
que:

As crianças e adolescentes trazem noções e


emoções sobre sexo, adquiridas em casa, em suas
vivências e em suas relações pessoais, além do que
recebem pelos meios de comunicação. A
Orientação Sexual deve considerar esse repertório
e possibilitar reflexão e debate, para que os alunos
construam suas opiniões e façam suas escolhas
(BRASIL, 1998, p. 67).

Educação sexual e sexualidades: contextualizando os livros didáticos


Entre os diversos materiais didáticos/paradidáticos utilizados
pelos indivíduos do ambiente escolar o livro didático é o mais utilizado,
sendo uma importante fonte de pesquisa para docentes e discentes ainda
que existem extensas críticas sobre a sobreposição deste recurso em
detrimento aos demais (LEÃO; NETO, 2003).
O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD)
criado em 1985 tem como objetivo, segundo o artigo 1º do decreto
9.099/2017: “[...] avaliar e a disponibilizar obras didáticas, pedagógicas

310
e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa, de forma
sistemática, regular e gratuita [...] (BRASIL, 2017). Para a avaliação dos
livros didáticos, foram criadas comissões específicas para a análise das
disciplinas curriculares e ao fim essas avaliações são disponibilizadas um
guia digital contendo uma visão geral a descrição, a análise e as
possibilidades que a obra propõe como atividades em sala de aula.
Entre os critérios de análise dos livros didáticos, está a
observância de princípios éticos e democráticos necessários à construção
da cidadania, ao respeito à diversidade e ao convívio social republicano,
assim são excluídos dessa seleção livros que:

[...] veiculam qualquer tipo de estereótipo e


preconceito de condição socioeconômica, regional,
étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de
idade, de linguagem, de religião, de condição de
deficiência, assim como qualquer outra forma de
discriminação ou de violação de direitos humanos
(BRASIL, 2018, p. 14).

Embora exista esse critério, o mesmo se mostra vago enquanto


ao tratamento da temática de sexualidade. Não se pode ferir o critério
estabelecido, o que não significa que o livro abordará os conteúdos de
forma efetiva.
Ainda, para o ensino de ciências, nota-se muitas vezes que o
conteúdo se encontra arraigado e discutido apenas como conceitos
biológicos relacionados a reprodução e anatomia, não tratando de
diversidade, gêneros, e outros conceitos importantes para a formação do
aluno (LASCOSKI, 2016).

Método
A presente pesquisa constitui-se como qualitativa e foi realizada
em quatro escolas municipais do ensino fundamental I (1º ao 5° ano) da
rede pública de ensino do interior do estado do Paraná, Brasil.

311
Foram selecionadas três coleções de livros didáticos de ciências
adotadas pelo município (Quadro 1), disponibilizadas pelo Programa
Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e escolhidas
previamente pelos professores efetivos das referidas escolas.

Quadro 1 - Descrição das coleções utilizadas no estudo.


Coleção Nome da Coleção Autor(es) Edição Editora Ano

A Ciências Geslie Coelho 1 FDT 2018

Buriti mais
Natália Leporo; Mônica
interdisciplinar –
B Torres Cruvinel; Fernanda 1 Moderna 2017
Ciências, História e
Pereira Righi
Geografia

Denise Bigaiski; Lilian Editora


C Akpalô - Ciências 4 2017
Sourient do Brasil

Fonte: o próprio autor.

Os livros foram inicialmente analisados quanto a presença de


capítulos que poderiam conter conceitos de sexualidade e, como estes
são abordados, seja através de textos ou figuras.
Em sequência, os conteúdos encontrados foram classificados e
descritos em três categorias principais: 1) Diversidade; 2) Gênero e 3)
Desenvolvimento/Reprodução. Essas categorias emergiram da
predominância dos assuntos encontrados dentre as diferentes coleções,
bem como sua escassez de variabilidade de descrições e observações
realizadas na pesquisa.

Resultados principais e discussões


As três coleções de livros de ciências, citadas como A, B e C,
totalizaram 15 livros verificados (5 livros de cada coleção), sendo que,
desses, na coleção A, apenas dois livros possuíam algum conteúdo
relacionado a diversidade, gênero ou desenvolvimento/ reprodução,
assim como em B. Já na coleção C, três dos cinco livros continham algum

312
conteúdo correlato, ainda que, nenhuma das coleções exiba capítulos
específicos sobre as temáticas, estando dispersas ao longo dos capítulos.
Em linhas gerais, não foi verificada a relação da existência desses
conteúdos com os anos nos quais foram encontrados.
É possível afirmar que a escassez de conteúdos relacionados a
sexualidade se mostrou evidente durante o presente estudo, o que
possibilitou que as categorias a serem analisadas fossem definidas pela
frequência em que o assunto foi abordado. Também foram inseridos os
trechos e imagens encontrados nos livros analisados, a percepção e visão
geral dos livros e capítulos, bem como de seus detalhes.
A seguir serão apresentados e discutidos os conteúdos elencados
a partir da análise das coleções correspondente a este estudo.

1. Diversidade
Em relação a diversidade, na coleção A, não foram encontrados
trechos ou figuras que pudessem ser considerados como abordagem de
questões acerca da diversidade para além das características físicas.
Na coleção B (livro do primeiro ano do ensino fundamental I),
diferentemente das demais, a Unidade 2 intitulada “As famílias”,
apresenta, por meio de figuras, a diversidade familiar, representada pela
foto de uma família formada por duas mulheres e duas crianças (Figura
1). Porém não foi encontrada outra denominação ou outras configurações
de famílias compostas por dois homens. Esta imagem mostra a tentativa
dos autores de introduzirem de forma subliminar os diferentes contextos
familiares de forma significativa, diante da inexistência nos outros livros,
porém não traz outros exemplos masculinos para retratar tal contexto.
Para Oliveira (2015) multiculturalismo e diversidade são temas
transversais que fazem parte do contexto escolar com função social.
Portanto, é importante que a escola possa romper padrões, hierarquias,
estereótipos e segregação, pois, considerando a existência desses
atributos negativos, o ambiente escolar torna-se prejudicial,
classificando as crianças simplesmente por suas características, sendo
elas físicas ou não (FREITAS; BRÊTAS, 2016).

313
Figura 1. Imagem das diferentes configurações familiares

Fonte: Leporo, Cruvinel e Rigui, 2017, p. 50.

Na mesma coleção, também no livro do 1º ano (Unidade 1)


identificada como “Quem é você”, apresenta um quadro sobre o respeito
a todas as crianças, estabelecendo o respeito como um conceito
primordial, em contraponto à discriminação: “Todas as pessoas devem
ser respeitadas. Por isso, nenhuma criança pode sofrer discriminação por
cor, gênero, nacionalidade, religião, característica física ou condição
social” (LEPORO, CRUVINEL; RIGUI, 2017, p. 24)
O trecho apontado está correto ao negar a discriminação por
outras condições além da questão física, que é comumente encontrada
em detrimento as demais questões. Em contrapartida, na coleção C, o
capítulo intitulado como “Somos iguais e diferentes” pertencente ao livro
do 1º ano, apresenta um box com um texto abordando o respeito as
diferenças: “Elas são diferentes, pois as características físicas, como
cabelo, cor da pele e dos olhos, variam. Além disso, cada pessoa tem suas

314
preferências e seu modo de ser” (LEPORO, CRUVINEL; RIGUI, 2017,
p. 15).
Mas, neste caso, os autores fazem menção as características
físicas, levando os leitores à uma interpretação errônea de que as demais
diferenças não são normais, ainda que o mesmo cite as diferenças entre
as preferências e modo de ser, o que também pode propiciar uma má
interpretação ou julgamento dos demais indivíduos que não atendem aos
padrões de normalidade socialmente impostos.
Os livros de ciências ainda se encontram apegados aos conteúdos
estritamente biológicos, anatômicos e pouco se atentam aos conteúdos
referentes a diversidade, por exemplo, que são necessários a formação
cidadã e social dos alunos, visto que a longo prazo estes se tornem
compreensivos as diferenças (LASCOSKI, 2016).

2. Gênero
De maneira geral, questões relacionadas a gênero não foram
frequentemente encontradas. Iniciando pela coleção A, há uma imagem
representando o cuidado paterno. A referida imagem é apresentada no
capítulo “Uma fase de mudanças” no livro do 1º ano (Figura 2). A
imagem retrata além do que é habitualmente representado, o cuidado
materno.

315
Figura 2 - Imagem do cuidado paterno da criança.

Fonte: Coelho, 2018, p. 62.

Para Oliveira, Pastana e Maia (2011) é fundamental


compreender a palavra gênero como a identificação de homem ou mulher
a partir de uma condição histórica e social baseada em suas
representações na sociedade. É no âmbito escolar que as crianças
começam a ser influenciadas pelas determinações impostas pelo gênero,
através das relações de poder, propiciadas pelas separações nas
brincadeiras, tarefas e espaços, onde surgem os primeiros aportes sobre
o preconceito e a discriminação (OLIVEIRA; ADI, 2018).
As delimitações “masculinas e femininas” frequentemente
reforçadas pelos professores, pelas escolas ou até mesmo pelas imagens
presentes nos livros (OLIVEIRA; PASTANA; MAIA, 2011), reafirmam
padrões e fomentam segregações e piadas de caráter sexistas. Neste
contexto, a existência de imagens como essa contribui para o
rompimento dos paradigmas vinculados ao gênero.
Na coleção B, a presença de um box com um texto sobre “Os
direitos das mulheres no Brasil”, foi encontrado na unidade “Água, lixo

316
e tecnologia”, capítulo “População” do livro do 5º ano. O box se atenta
a apresentar alguns marcos históricos que conferiram direitos as
mulheres no Brasil, viabilizando discussões acerca da igualdade entre
homens e mulheres.
Ainda na mesma coleção, desta vez no livro do 1º ano, na
Unidade “As famílias”, um trecho apresenta as diferentes configurações
familiares ao longo do tempo (Figura 3), demonstrando os novos papeis
assumidos pelas mulheres. Entretanto, curiosamente, o autor propõe
atividades de fixação e memorização sobre essas configurações. Na
coleção C não foi verificado registros de conteúdos sobre gênero.

Figura 3 - Diferentes famílias.

317
Fonte: Leporo, Cruvinel e Rigui, 2017, p. 54.

Para Oliveira e Adi (2018) condutas sexistas são observadas em


crianças de 4 a 5 anos de idade, que na maioria das vezes trazem
conotações intolerantes aos comportamentos, interesses e brincadeiras
fora dos padrões de masculinidade e, na tentativa ratificar sua
masculinidade, abominam tudo o que parecer feminino.
Para Carvalho e Campos (2018) as escolas, mesmo que
indiretamente, contribuem para a continuidade de atitudes homofóbicas
e sexistas. Neste sentido, trabalhar questões de gênero é romper com
rótulos estabelecidos, pois devem ser apresentados às crianças que em se
tratando de atividades não deve ser reforçadas as relações de gênero. A
sensibilidade e a meiguice não são características exclusivamente
femininas, bem como as meninas podem brincar, vestir ou se portar como
desejarem (OLIVEIRA; ADI, 2018).
A relevância da escola como promotora do diálogo e reflexões
fundamenta-se na educação para o respeito às diferenças e igualdade
social, visto que sua ausência pode resultar, nessa situação, a validação
da violência de gênero, discriminação e intolerância com o outro
(OLIVEIRA, 2017).

318
Sendo assim, considera-se fundamentalmente importante a
existência de textos e imagens deste caráter a fim de contribuir para o
rompimento de padrões de gênero pré-estabelecidos.

3. Desenvolvimento/Reprodução
Por fim, nesta categoria, esperava-se encontrar conteúdos
relacionados ao sistema reprodutor e desenvolvimento humano, mas,
diferentemente dos demais sistemas apresentados nos livros, nenhuma
das coleções abordaram essas questões. As fases do desenvolvimento do
humano, quando mencionada, traz informações sobre a adolescência e a
vida adulta, de forma rasa que pouco agrega como novos conceitos.
A coleção A, capítulo “Reprodução dos Animais” do livro do 3º
ano, apresenta imagens e breves textos sobre as fases da vida humana
(fases relacionadas à cronologia). A infância é bastante evidenciada, a
adolescência é descrita como fase intermediária, enquanto na fase adulta,
é evidenciada como uma etapa em que as pessoas estão preparadas para
ter filhos. Neste momento, considera-se importante ressaltar a escassez
de informações sobre transformações do corpo na adolescência, trazendo
a informação da gravidez como algo que acontece exclusivamente da
vida adulta.
Para Ludovico e Maistro (2017), a sexualidade é intrínseca a
existência humana e deve ser abordada nos livros didáticos, assim como
os professores também devem realizar discussões acerca do tema. Todo
indivíduo, seja na infância ou não, possui dúvidas sobre sexualidade, e
quando não esclarecidas corretamente, a busca por informações pode se
dar de forma equivocada (SANTOS; RÚBIO, 2013).
A coleção B, não apresentou conteúdos de reprodução ou
desenvolvimento em nenhum dos seus livros. A coleção C, é traz uma
imagem sobre a reprodução dos animais (Figura 4), embora essa
abordagem seja também utilizada em outros livros, coube trazer aqui
apenas um exemplo. Inserida no capítulo “O desenvolvimento dos
animais” no livro do 2º ano, o ato reprodutivo em diferentes animais é
descrito como um encontro que pode resultar em reprodução, sem outras

319
informações, podendo levar os alunos a pensarem que a aproximação
com outros indivíduos poderá gerar descendentes, o que é um absurdo.

Figura 4 - Reprodução animal.

Fonte: Bigaiski e Sourient, 2017, p. 42.

Segundo as autoras Ludovico e Maistro (2017), o livro didático


é um material no qual os professores se baseiam frequentemente e, em
alguns casos, exclusivamente, uma vez que apresenta conteúdos
necessários a aprendizagem dos alunados. Para tanto, o mesmo deve
apresentar informações corretas e, partindo do pressuposto de que o
mesmo é o material mais acessado pelos alunos, este deve sanar dúvidas,
valorizar a diversidade e o respeito.
Apesar dessa notoriedade dos livros didáticos, convém
mencionar que o mesmo sofre influência na sua elaboração e execução
de diferentes instâncias, como o banco mundial, as pesquisas, as
diretrizes e os professores (LEÃO; NETO, 2003).
Atrelado aos fatores influenciadores dos livros didáticos, cabe
refletir sobre a questão docente. No trabalho de Freitas e Brêtas (2016),
em uma pesquisa realizada com professoras da educação infantil e anos

320
iniciais do Ensino Fundamental, foi observado em diferentes momentos
de suas falas, ainda que ingênuas, o preconceito, estigmas e o próprio
bullying em relação aos seus alunos.
Diante do exposto, alguns questionamentos surgiram com a
realização desta pesquisa, tais como: se consideramos que muitas
dúvidas e questionamentos são evidenciados pela comunidade escolar e
sociedade civil sobre como abordar o tema sexualidade nas escolas,
como atender corretamente aos anseios dos alunos? Se o livro didático é
o meio mais acessado pelo professor e alunos para o acesso às
informações, porque não abordam os conceitos de sexualidade de forma
curricular onde os professores possam utilizar como material didático
suficiente para trabalhar esses conceitos?
Portanto, destaca-se a importância de trabalhos de formações
iniciais e continuada que rompa os tabus socialmente construídos
(FIGUEIRÓ, 2009) e fomentem o senso de desigualdade ocasionado
pelas relações de gênero, a fim de promover reflexões sobre suas
concepções atuantes (OLIVEIRA; ADI, 2018). Salienta-se também a
necessidade de pesquisas e investimento na área educacional e de
políticas públicas de forma assistencial, defendido pela constituição no
tripé, Educação, Saúde e de Seguridade Assistencial.

Considerações finais
Dentre as coleções avaliadas, todas apresentaram pouco ou
muito conteúdo acerca de questões sobre sexualidade, entretanto, a
coleção B, foi a que mais se atentou aos tópicos analisados. A maioria
dos livros apresentaram somente conteúdos meramente biológicos, como
a reprodução em animais, não havendo uma atenção considerável dos
autores para a diversidade, seja ela familiar ou de gênero.
Frente a essa ausência de conteúdo considera-se importante
reiterar a grande dificuldade de os professores discutirem esses
conceitos, seja por ausência nos livros didáticos, colocação malsucedida
de determinados assuntos, ou por influência pessoal na escolha dos
livros. Ainda, salienta-se que sexualidade é um tabu dentro do ambiente

321
escolar, que muitas vezes atua como perpetuadora de padrões de
normalidade, relações de poder e discriminação.
Considera-se também que, trabalhar os vários assuntos da
sexualidade na infância permite o desenvolvimento saudável dos
infantes, que passam a entender a escola como acolhedora e
esclarecedora de dúvidas, também permite o estabelecimento de relações
de igualdade entre os gêneros, bem como visa minimizar a discriminação
e a segregação. Contudo, a disponibilidade de materiais didáticos
adequados, a participação da família, bem como uma formação docente
de qualidade é crucial para o sucesso do processo educativo.

Referências
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Saberes da Educação: São Roque, v. 4, n. 1. p. 1-17. 2013.

324
CONTEÚDOS DE SEXUALIDADE EM
UMA PROPOSTA DIDÁTICA PARA A
FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES NA PERSPECTIVA DA
EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA

Karina Rossi da Silva


Mickely Liuti Dealis
Silmara Sartoreto de Oliveira
(Universidade Estadual de Londrina)

A formação continuada enriquece a prática docente, pois a formação


inicial geralmente não contempla discussões necessárias ao preparo do
professor para tratar determinados conteúdos nas escolas. Este trabalho
objetivou analisar uma proposta de intervenção pedagógica sobre
sexualidade e gênero utilizando filmes, em um contexto de formação
continuada de professores na modalidade educação à distância. Foram
analisados planos de aulas de 23 alunos matriculados em um curso de
formação continuada de professores de Biologia, de uma Instituição de
Ensino Superior no interior do Paraná. Verificou-se se: realizaram a
atividade, cumpriram suas exigências e quais foram as abordagens em
educação sexual. Analisou-se a atividade com maior participação dos
alunos matriculados em uma das turmas, ou seja, 23 de 25 alunos. A
grande adesão em realizar a atividade, pode ter sido reflexo da
praticidade do uso dos filmes e imersão do espectador na realidade do
mesmo, favorecendo a reflexão do tema abordado. Contudo, apenas 13
das 23 propostas abordavam todas as exigências propostas. 14 deles
foram condizentes quanto às propostas e objetivos. Quanto às
divergências de abordagens, 11 optaram pela abordagem dos direitos
humanos; 3 pela abordagem biológico-higienista; 1 pela abordagem dos
direitos sexuais; 1 pela abordagem moral-tradicionalista e 6 optaram por
uma mescla entre as abordagens dos direitos humanos e direitos sexuais.

325
Portanto, evidencia-se predominância da abordagem dos direitos
humanos.
Palavras-chave: Sexualidade; Mídias Educacionais; Formação
Continuada de Professores de Biologia.

CONTENTS OF SEXUALITY IN A TEACHING PROPOSAL


FOR A CONTINUING TEACHER TRAINING IN THE
PERSPECTIVE OF DISTANCE EDUCATION

Continuous training enriches the teaching practice, since initial training


usually does not contemplate discussions needed to prepare the teacher
to deal with certain contents in schools. This work aimed to analyze a
proposal of pedagogical intervention on sexuality and gender using
films, in a context of continuing education of teachers in the modality
distance education. Classroom plans of 23 students enrolled in a
continuing training course of Biology teachers from a Higher Education
Institution in the interior of Paraná were analyzed. It was verified that:
they performed the activity, they fulfilled their requirements and they
were the approaches in sexual education. The activity with the highest
participation of students enrolled in one of the classes was analyzed, that
is, 23 of 25 students. The great adhesion in the performed activities,
could have been a reflection of the practicality of the use of the films and
immersion of the spectator in the reality of the same, favoring the
reflection of the approached theme. However, only 13 of the 23 proposals
addressed all the proposed requirements. 14 of them were consistent
with the proposals and objectives. Regarding divergences of approaches,
11 opted for a human rights approach; 3 by the biological-hygienist
approach; 1 for the sexual rights approach; 1 by the moral-traditionalist
approach and 6 have opted for a mix between approaches to human
rights and sexual rights. Therefore, the human rights approach is
predominant.
Key words: Sexuality; Educational Media; Continuing Education of
Biology Teachers.

326
Enquadramento teórico
Trabalhar o tema sexualidade nas escolas é uma prática de
suma importância, para professores da rede básica de ensino, pois é
imprescindível que os jovens possam encontrar nas aulas e nas escolas,
espaços e momentos de reflexão sobre os diversos conteúdos abrangidos
por esse tema, como conhecimentos em relação aos órgãos sexuais tanto
femininos como masculinos (para ambos os sexos), ISTs, gravidez
indesejada, aborto, além de terem noção sobre questões de gênero,
orientação sexual, abuso sexual, etc., uma vez que, nem sempre os pais
tratam sobre esses assuntos com os filhos com problemas de conotação
sexual enfrentados pelos jovens e pela própria família.
No entanto, muitos professores acabam optando por não
trabalhar com tal tema, tendo em vista a falta de preparo e até mesmo por
insegurança dos mesmos em como abordar e se posicionar diante de
diversas dúvidas e situações que possam surgir na sala de aula. Nesse
contexto verifica-se a importância de apresentar aos professores
atuantes, propostas de formação continuada para professores em
Ciências e Biologia, que busque contemplar discussão acerca da
educação sexual, e que proponha estratégias didáticas diferenciadas a fim
de prepara-los para lecionar essa temática nas escolas.
Sendo assim, este trabalho objetivou analisar uma proposta de
intervenção pedagógica sobre o tema sexualidade e gênero, utilizando
filmes, em um contexto de formação continuada de professores na
perspectiva da educação à distância. Para as análises, foram levadas em
consideração 8 abordagens contemporâneas, descritas por Jimena
Furlani (2011), em relação à educação sexual, de acordo com o princípio
ideológico.

1. Educação sexual no currículo escolar


Os conteúdos sobre sexualidade foram implantados no
currículo escolar como um tema transversal, devendo ser trabalhado de
forma interdisciplinar no contexto escolar (ABREU, 2017; COSTA e
SILVA, 2017). A discussão nas escolas acerca do tema iniciou-se por

327
volta das décadas de 20 e 30, onde os problemas considerados “desvios
sexuais”, eram julgados como crime e passaram a ser tratados como
doenças (ALTMANN, 2001). Dessa forma, a escola tornou-se um espaço
de intervenções preventivas da medicina higiênica, cabendo a ela cuidar
da sexualidade das crianças e adolescentes para que produzam
comportamentos considerados “normais”. No entanto, o tema
sexualidade só foi efetivado no currículo escolar a partir da implantação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), no final da década de
1990, com aulas e projetos na educação básica (CÉSAR, 2009).
De acordo com o PCN: Tema Transversal Orientação Sexual
(BRASIL, 1997), a implementação do tema Orientação Sexual, como um
tema transversal a ser trabalhado na escola, deu-se devido à preocupação
dos profissionais da educação com a ocorrência crescente de gravidez
indesejada entre adolescentes e ao risco da infecção pelo HIV na época.
Assim, o documento aponta como justificativa a promoção da saúde de
crianças, adolescentes e jovens, ao intervir na prevenção de ISTs, como
a AIDS, além de contribuir para a prevenção de problemas graves, como
gravidez indesejada e abuso sexual, e para o conhecimento e valorização
dos direitos sexuais e reprodutivos. Dessa forma, a discussão de assuntos
considerados polêmicos e delicados pela sociedade, tais como
masturbação, iniciação sexual, o “ficar” e o namoro, homossexualidade,
aborto, disfunções sexuais, prostituição e pornografia, contribui muito
para o bem-estar das crianças, adolescentes e jovens quanto à vida sexual
atual e futura.
Em contrapartida, um problema enfrentado na educação
sexual, é a ideia que alguns profissionais da educação têm de que cabe
somente à família tratar sobre sexualidade com os filhos, assim ignoram,
ocultam e reprimem qualquer abordagem de sexualidade, ou apenas
ensinam na perspectiva biológica, trabalhando apenas o aparelho
reprodutivo, lembrando, no entanto que, como o tema sexualidade é
transversal, este deve ser contemplado pelas diversas áreas do
conhecimento (BRASIL, 1997).

328
Ainda de acordo com o documento, a escola tem a função de
abordar os pontos de vista, valores e crenças com relação à sexualidade,
presentes na sociedade, a fim de auxiliar o aluno na construção de um
ponto de auto referência através de reflexões, ou seja, para que os
próprios alunos construam suas próprias opiniões e tirem suas
conclusões para escolherem seu caminho, a partir dos diversos
conhecimentos construídos com o professor. Ressalta ainda que não há
intenção alguma em substituir ou concorrer com a função da família, mas
sim complementar. Contudo, a prática docente deve ser minuciosamente
planejada, visto que a abordagem desse assunto trata-se de um processo
formal e sistematizado. Ademais, é necessário que as diversas temáticas
da sexualidade sejam trabalhadas dentro do limite da ação pedagógica,
evitando invadir a intimidade e o comportamento dos alunos e
professores.

2. Educação sexual e a formação continuada de professores


Tratar educação sexual nas escolas não é uma tarefa fácil para
os professores, visto que o assunto está ligado à valores morais, hábitos
culturais e sociais entre várias pessoas, determinando o comportamento
de cada indivíduo, o que requer formação adequada dos professores, para
que estejam preparados a lecionar esse tema (NUNES, 2003). Porém,
muitas vezes, a formação inicial não contempla todas as discussões
necessárias ao preparo dos futuros professores (DE SOUZA, 2009;
SILVA e SANTOS, 2011; RODRIGUES e SALLES, 2011). Para
Bonfim (2009), há uma contradição na inserção do tema sexualidade nos
currículos escolares, pois essa, na grande maioria das vezes, não está
inserida no currículo dos cursos de licenciatura.
Neste sentido, propostas de formação continuada, para
educação sexual, tornam-se iniciativas de fundamental importância para
propiciar o enriquecimento da prática docente na escola, ampliando a
compreensão e significação da sexualidade, e superando a visão
dogmática religiosa, bem como a visão biológica, e a naturalista, além
da concepção determinista que inda se tem da sexualidade (MAIA et al,

329
2006; BOMFIM, 2009). Para Silva e Santos (2011), há a necessidade de
uma formação voltada para o sentido amplo da sexualidade, de maneira
que esta abranja todas as questões envolvidas, ultrapassando influências
do contexto cultural e biológico.
Rodrigues e Sales (2011) também acreditam que o processo de
formação continuada é uma das saídas imediatas para a formação de
educadores sexuais, que se comprometam com a saúde sexual e
reprodutiva dos alunos, contribuindo para a vivência da sexualidade com
respeito e sem discriminação em relação à orientação afetivo sexual.
Para Silva e Neto (2006) o professor deve preparar-se para a
intervenção prática mediante leituras e discussões, devendo ter um
espaço grupal de supervisão continuada e sistemática que propicie uma
reflexão sobre essa prática e sobre seus próprios valores e limites, o que
o auxiliará na amplificação da sua consciência em relação à sexualidade
e à visão de mundo, assim como na adoção de uma postura ética na sua
atuação.
A temática “sexualidade” pode ser um ponto capital na
formação continuada, isto é, na busca de crescimento pessoal e
profissional do professor. Além disso, é possível haver significativo
progresso no relacionamento professor-aluno e no processo de ensino-
aprendizagem como um todo, considerando o desenvolvimento da
formação continuada tendo a sexualidade como tema central
(FIGUEIRÓ, 2006).

3. Uso de filmes em aulas de educação sexual


Considerando que o ambiente escolar apresenta grande
diversidade (social, política e religiosa), sendo um espaço plural e
multicultural, Rocha et al (2015) defende que são necessárias abordagens
mais amplas e reflexivas acerca de sexualidade e gênero. Mas antes
disso, deve haver comprometimento em não só reconhecer a existência
das diversidades na escola, mas também em legitimá-las. Além disso,
acredita que a educação pode contribuir para transformar a sociedade,
onde a abordagem crítica de temas com sexualidade e gênero no espaço

330
escolar deve favorecer a superação de visões distorcidas e reducionistas
sobre tais temas, propiciando a construção de uma sociedade mais justa.
Um bom professor é aquele que busca novas estratégias e
possibilidades de ensino e aprendizagem, assim, fazendo a diferença em
prol da educação (NÓVOA, 2007). Neste sentido, o uso de filmes sobre
sexualidade e gênero, configura-se como uma estratégia metodológica
que contribui para a construção de uma visão mais embasada sobre o
assunto, e visa possibilitar o despertar de emoções e tomada de
consciência, além de vivenciar experiências e emoções, e expor uma
realidade mais próxima aos alunos , mesmo que as situações abordadas
no filme não sejam diretamente vivenciadas por eles, mas fazem parte da
realidade da sociedade em que vivem (ROCHA et al, 2015; GARCIA e
LOUREIRO, 2017).
Altmann (2013) também afirma que possibilidades educativas
ligadas à diversidade sexual podem ser construídas a partir da arte, como
por exemplo filmes, uma vez que contribui para uma abordagem da
sexualidade muito além da sua dimensão biológica. No entanto,
considerando que filme está ligado ao contexto de lazer e entretenimento,
muitos professores utilizam filmes em sala de aula para “descanso” ou
apenas no momento de substituir algum outro professor que falta. Para
os alunos, a exibição de filmes também acaba tendo esse significado, o
que modifica a postura e as expectativas em relação ao seu uso (LEAL,
2010).
Diante disso, para Rocha et al (2015) apenas o ato de exibir um
filme não torna a educação um processo mais significativo, pois ele é
uma tecnologia que precisa ser habilmente utilizada para se converter em
propiciadora das experiências almejadas. Dessa forma, é necessária a
mediação docente, onde o professor deve ter técnica para aproveitar
todas as vantagens do filme, sendo então um agente que sugere reflexões
e aponta episódios úteis para serem analisados e para interpretar seus
fatos. Além disso, ressalta que essa mediação deve ser feita a partir de
um planejamento prévio de como trabalhar os temas sexualidade e
gênero, de forma que possibilite a discussão sobre relações de gênero;

331
desigualdade de gênero; preconceito de gênero; papéis sociais e a
construção social do gênero, por exemplo.

4. Abordagens da educação sexual contemporânea


De acordo com Furlani (2011), a educação sexual
contemporânea pode ser organizada em 8 abordagens distintas:
abordagem biológico-higienista; abordagem moral-tradicionalista;
abordagem terapêutica; abordagem religioso-radical; abordagem dos
direitos humanos; abordagem dos direitos sexuais; abordagem
emancipatória e abordagem Queer, sendo que cada uma delas representa
a prática docente e o perfil de cada professor que pensará, planejará e
desenvolverá essa educação sexual.
A primeira abordagem proposta por Furlani (2011) é a
biológico-higienista, a qual confere ênfase na biologia essencialista
(baseada no determinismo biológico), sendo marcada pela centralidade
do ensino na promoção da saúde, na reprodução humana, nas ISTs, na
gravidez indesejada, no planejamento familiar, etc. Nessa abordagem as
diferenças entre homens e mulheres são consideradas decorrentes dos
atributos corporais, o que contribui para que as desigualdades sexuais e
de gênero sejam “naturalizadas” bem como com o machismo, sexismo,
misoginia e homofobia, além de implicar num currículo limitado e
reducionista, sendo que esta é a abordagem mais presente, e muitas vezes
a única, nas práticas educacionais em desenvolvimento sexual humano.
A segunda abordagem é da educação sexual moral-
tradicionalista, a qual defende apenas a abstinência sexual como forma
para evitar a gravidez indesejada e ISTs, pois é 100% eficaz, além de
defender os papéis sexuais tradicionais, o casamento e relações
monogâmicas, a castidade pré-marital e a educação separada entre
meninos e meninas, pregando a intolerância com as práticas sexuais e
com os modos de viver a sexualidade que não tenham a finalidade de
reprodução, e alegando ainda que a educação sexual é de competência
da família.

332
A terceira abordagem, a terapêutica, esta é voltada ao caráter
psicológico do indivíduo, e busca “causas” que expliquem as vivências
sexuais consideradas “anormais”, ou “problemas sexuais”, afirmando
poder “curar” as pessoas. Geralmente, propõe conclusões simplistas,
imediatistas, genéricas e universais para os fenômenos da vida sexual.
Para alguns defensores da terapia sexual, a homossexualidade
poder ser causada por possessão demoníaca, ou por desvio de conduta ou
estilo de vida alternativo, ou ainda por falta de amadurecimento
emocional psicossexual devido à ausência ou violência do pai durante a
infância de um menino, pois segundo esses defensores, é necessário que
o pai dê amor, aceitação e confirmação ao seu filho para que seu processo
de crescimento psicossexual, segundo seu gênero, seja bem
desenvolvido. Já em relação às meninas, elas devem fazer o processo de
identificação com uma mãe que aprove e confirme sua feminilidade, caso
o contrário, resulta em lesbianismo. Assim, a abordagem em questão,
comumente pode estar ligada a instituições religiosas, ocupar a mídia e
consultórios de aconselhamento e orientações, utilizando-se de técnicas
de terapia individual ou grupal e de psicodrama para alcançar a “cura”
sexual dos homossexuais (FURLANI, 2011).
A próxima abordagem é a religioso-radical, caracterizada pelo
apego às interpretações literais da bíblia, defendendo o discurso religioso
com “verdade incontestável” acerca da sexualidade “normal”. Tem a
finalidade de pregar a manutenção da família patriarcal, e a volta da
“submissão da mulher”, seguindo como era relatado nas antigas
escrituras. Assim, trata-se de uma abordagem fundamentalista, haja vista
que a bíblia é adotada como referência única de ética e moral, visando o
conservadorismo e obediência rigorosa e literal em relação aos princípios
básicos escritos. Dessa forma, a vida sexual de casais e jovens é regulada,
onde o sexo deve ser feito com a finalidade de reprodução, caso o
contrário, é considerado como pecado, assim como as práticas
homoafetivas.
A quinta abordagem, referente à educação sexual dos direitos
humanos, explicita, problematiza e desconstrói representações negativas

333
socialmente impostas aos indivíduos e suas identidades “excluídas”
(gays, lésbicas, travestis, bissexuais e transexuais), tratando-se de um
processo educacional político que se compromete em construir uma
sociedade melhor e menos desigual.
Já a abordagem dos direitos sexuais, baseada na Declaração
dos Direitos Sexuais, enxerga a sexualidade como parte integral dos
seres humanos estando presente no seu desenvolvimento, sendo que os
direitos sexuais são direitos humanos fundamentais e universais,
embasado na liberdade, igualdade e dignidade de todos os seres
humanos. Nessa declaração, estão contidos os direitos à liberdade sexual;
à autonomia sexual, à integridade sexual e à segurança do corpo sexual;
à privacidade sexual; à justiça (equidade) sexual; ao prazer sexual; à
expressão sexual emocional; à livre parceria sexual; a fazer escolhas
reprodutivas livres e responsáveis; à informação baseada na investigação
científica; à educação sexual integral; e à atenção à saúde sexual. Em
suma, é uma abordagem voltada ao reconhecimento da diversidade
sexual, de gênero e étnico-racial, apresentando as causas dos direitos
sexuais das mulheres e levantando discussões para a questão de gênero e
movimentos LGBTI, bem como infância e adolescência.
A penúltima abordagem é a emancipatória, a qual caracteriza-
se como sendo sócio-histórico-crítica, tendo como influência o
marxismo. Ela pressupõe que a construção da cidadania começa com a
formação da identidade do sujeito, cuja representação, sujeito-pleno, está
ligada à “liberdade de escolha” que deve ser proporcionada pela
educação sexual emancipatória. Ademais, a ideia de emancipação está
atrelada ao esclarecimento (consciência) que remeterá à liberdade de
escolha de cada indivíduo.
A oitava e última abordagem descrita por Furlani (2011), é a
da educação sexual Queer, derivada da Teoria Queer, cuja origem vem
da cultura intelectual gay e lésbica a partir de meados da década de 1980.
Critica a política de identidade, questionando o caráter, limites e
fronteiras da identidade homossexual, e exclui visões de identidades
fixas e únicas, trocando-as por uma política da diferença. Assim, rejeita

334
formas normativas, recusando a adoção de estereótipos, permitindo que
as identidades dos sujeitos sexuais e de gênero possam ser inseridas no
espaço educacional sem julgamentos.

Percurso Metodológico
Para este trabalho, foram analisados planos de aulas de 23
alunos matriculados em um curso de especialização, ou seja, de formação
continuada de professores de Ciências e Biologia, de uma Instituição de
Ensino Superior Estadual do interior do Paraná, Brasil, na perspectiva da
modalidade à distância. Dessa forma, o público analisado nesse trabalho
tratou-se de profissionais graduados na área de Ciências Biológicas e
Saúde, além de áreas afins, interessados na docência em nível básico,
técnico e/ou superior.
O curso possui uma disciplina voltada para a Educação Sexual
na Educação Básica, de onde foram obtidos os planos de aula elaborados
pelos professores como requisito de atividade proposta pela disciplina.
A atividade de número 3 consistia em analisar um vídeo proposto pelo
professor, que aborda temas relacionados à sexualidade onde os alunos
deveriam utilizar “filmes com potencialidades para uso em uma
intervenção em Educação para as Sexualidades e Gêneros”.
Quanto aos critérios de análise verificou-se se todos os alunos
realizaram a atividade proposta, se cumpriram as exigências da
atividade, sendo estas: público alvo, objetivos da aula, conceitos
trabalhados, momento da aula onde o vídeo seria utilizado e uma
proposta de situação; e se foram condizentes objetivos e propostas. Além
disso, analisou-se o plano como um todo, identificando em qual ou quais
abordagem(ns) da educação sexual o mesmo fora elaborado.
Como referencial para a análise desse material foi utilizado a
classificação de Jimena Furlani, descrita em ”Educação sexual na sala de
aula: relações de gênero, orientação sexual e igualdade étnico-racial
numa proposta de respeito às diferenças” (2011), que aborda a educação
sexual em diversas abordagens de acordo com o princípio ideológico,
sendo estas: direitos humanos, biológico-higienista, direitos sexuais,

335
moral-tradicionalista, entre outras já mencionadas, mas que não foram
identificadas no material selecionado para a análise deste trabalho.

Resultado e Discussão
Buscou-se analisar a atividade com maior participação dos
alunos matriculados. Foram entregues 23 planos de aula dos 25 alunos
matriculados na disciplina (92%), o que nos levou a inferir que a
praticidade do uso dos filmes e imersão do espectador na realidade do
mesmo, favorece a reflexão do tema abordado, tanto para o educador
como educando. Contudo, apenas 13 dos 23 planos de aula entregues
(aproximadamente 56%) abordavam todas as exigências propostas. Por
outro lado, 14 deles (aproximadamente 60%) foram condizentes quanto
às propostas e objetivos, havendo limitações desse critério de análise
para atividades onde não cumpriam itens necessários para a mesma.
Já quanto às divergências de abordagens, classificadas por
Furlani (2011), verificou-se os seguintes dados: 11 professores optaram
pela abordagem dos direitos humanos; 3 pela biológico-higienista; 1 pela
dos direitos sexuais; 1 pela moral-tradicionalista e 6 optaram por uma
mescla entre as abordagens dos direitos humanos e direitos sexuais (fig.
1). Portanto, dos 23 planos de aula, 22 foram classificados quanto à(s)
abordagem(ns), pois uma proposta não apresentava material necessário
para que o plano de aula fosse classificado.

336
Figura 1 - Abordagens da educação sexual contemporânea identificadas
nos planos de aula analisados.

Fonte: O próprio autor

Dentre os planos de aula que seguiam a abordagem dos direitos


humanos, o professor menciona seguinte trecho:

Professor 4: Conscientizar os/as alunos a quebrar o


silêncio e denunciar; Conhecer as consequências
provenientes do abuso sexual infantil; Diferenciar
o que é carinho do abuso sexual; Reconhecer que o
agressor pode ser qualquer pessoa de seu convívio.

Essa classificação pode ser feita por conta do teor prevenção


da violência contra grupos em situação mais vulnerável, sendo neste caso
principalmente crianças e adolescentes.
Já a classificação em Biológico-Higienista pode ser
exemplificada pelo professor 2 quando menciona que o professor deve
realizar a “Orientação das crianças, onde as mesmas devem saber cuidar
de seu próprio corpo, ter higiene e principalmente por questão de saúde”.
Notando-se claramente a marcada centralidade do ensino como
promoção da saúde.

337
Quanto aos Direito Sexuais, Professor 20, cita:

A sexualidade faz parte da vida de todos os seres


humanos, quando discutida com adolescentes gera-
se várias ideias, dúvidas, que são manifestadas ao
longo do tempo.

Aqui, a sexualidade é tratada como parte integral da


personalidade de qualquer ser humano e seu desenvolvimento total
depende da satisfação de necessidades humanas básicas, como contato,
intimidade, expressão emocional, prazer, carinho e amor, assim, o foco
desse ensino pode ser considerado a plenitude sexual sem formas de
coação e abuso.
A abordagem Moral-Tradicionalista também esteve presente
nos planos analisados, com a exemplificação no seguinte trecho:

Professor 6: Os próprios pais devem dialogar


assuntos como a evolução corporal, notar seu
comportamento em casa, na escola, para assim
evitar que os filhos comentam erros.

Neste trecho o professor trata a educação sexual na escola


como complemento da obtida pelos pais, sendo um dever destes instruir
de acordo com suas opiniões particulares, geralmente defendendo a
abstinência sexual contra gravidez e “doenças”, os possíveis “erros”
mencionados no trecho anterior.
Por fim, também foi presenciada a mescla de Direitos
Humanos e Sexuais em um mesmo plano de aula, com a presença de
trechos onde o professor 1 cita que deve “Promover discussões para o
combate a homofobia. Compreender as homossexualidades como mais
uma variação natural da sexualidade humana”.
Esses trechos exemplificam tanto a prevenção da violência
contra grupos em situação vulnerável, sendo, neste caso, os

338
homossexuais, além de entender a sexualidade como parte integral do ser
humano, devendo ser vivida em plenitude sem coação ou abuso.

Considerações finais
A partir das análises realizadas, podemos identificar que há a
predominância de planos de aula com a abordagem relacionada aos
direitos humanos, onde se pode ver a ênfase em problemas sociais
relacionados à sexualidade, como, principalmente a pedofilia e abuso
sexual, devido à preocupação que estes casos trazem à sociedade e à
sabida necessidade de prevenção a esses tipos de violência.
Outro tópico que deve ser considerado é que o curso de
formação continuada ministrado já afetou a percepção de sexualidade
dos profissionais-alunos, lembrando que a atividade analisada era a
terceira da disciplina, portanto, pode ter sido por este motivo que houve
uma menor propensão a propostas com a abordagem biológico-higienista
do que o esperado, uma vez que esta é a abordagem mais comum
identificada no ensino formal tradicional.
Com isso, evidencia-se que, realmente, políticas públicas que
incentivem a formação continuada de professores são de fundamental
importância para a educação sexual, promovendo a desmitificação de
conceitos relacionados e elaboração de propostas de intervenção para os
contextos educacionais, buscando opções fora do ensino formal
tradicional.

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licenciandos em Ciências Naturais (FUP). 2017. 64 fls. Dissertação
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341
EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADES
CRÍTICA: ONZE FALAS E ONZE DÚVIDAS DE
ESTUDANTES ANALISADAS EM DEFESA DE
UMA PRÁXIS TRANSFORMADORA

Matheus Zaffani Borges


(Universidade Estadual Paulista/Bauru)
Mateus Luiz Biancon
(Universidade Estadual do Norte do Paraná/Jacarezinho)

Respaldando-se teórico-metodologicamente no materialismo histórico-


dialético, partiu-se do entendimento da realidade histórica e atual
condicionada dialeticamente pelas relações materiais para olhar as
problemáticas acerca de (gênero e) sexualidades na sociedade e na
educação, com preocupação em quebrar o status-quo e movimentar à
transformação. Este estudo é um recorte da monografia intitulada
“Educação em Sexualidades Crítica: uma experiência em uma escola
pública do norte pioneiro do Paraná” (BORGES, 2017), com autoria do
primeiro autor e orientação do segundo, que objetivara compreender a
prática social, com enfoque nas questões de sexualidades, a partir de
estudantes do Ensino Médio de uma escola pública do norte pioneiro do
Paraná, e intervir com conhecimentos elaborados. Neste artigo,
objetivou-se analisar algumas falas e dúvidas de estudantes sobre
assuntos inerentes às sexualidades, que permitissem problematizar a
prática social e identificar as lógicas que reproduzem.
Palavras-chave: Educação sexual. Escola pública. Formação e ação
docente. Materialismo histórico-dialético. Pedagogia Histórico-Crítica.

CRITICAL EDUCATION IN SEXUALITIES: ELEVEN


STATEMENTS AND ELEVEN QUESTIONS FROM STUDENTS
ANALYZED IN DEFENSE OF A TRANSFORMATIVE PRAXIS

342
Based, theoretically and methodologically, on the historical-dialectical
materialism, we began with the understanding of the reality dialectically
conditioned by material relations to look at the problematics about
(gender and) sexualities in society and in education, with the concern
with breaking the status-quo and to drive towards transformation. This
study is a clipping of the monograph entitled "Critical Education in
Sexualities: an experience in a public school in the pioneer north of
Paraná" (BORGES, 2017), written by the first author here and
orientated by the second one, which had aimed to comprehend the social
practice – focusing on sexualities education –, from high school students
of a school in the pioneer north of Paraná, and intervene with elaborated
knowledge. In this article, we aimed to analyze statements and questions
from students about sexualities, that would permit to problematize social
practice and identify the logics that they reproduce.
Keywords: Historical-Critical pedagogy. Historical-dialectical
materialism. Public school. Sex Education. Teacher training and teacher
practice.

Introdução
Nossa sociedade vive, historicamente, um cenário de
desigualdade e injustiça, recentemente acirrado com o fortalecimento das
ondas conservadoras. Segundo relatório britânico de 2017, a respeito da
desigualdade socioeconômica no Brasil, 5% da população mais rica
detém a mesma fatia de renda que o restante 95% (OXFAM, 2017). Nos
últimos meses, novos obstáculos surgiram de embate contra o
progressismo, as políticas públicas e a educação pública, o que
significam consequências em especial para a classe trabalhadora.
Partindo de uma visão crítica, com a lente do materialismo
histórico-dialético (MHD) e, assim, entendendo a realidade
condicionada dialeticamente pelas relações materiais, estas questões
estão associadas às lógicas exploratórias e alienantes que dominam na
sociedade, ainda em vigor com o modo civilizatório capitalista. São
lógicas que marginalizam e normatizam a humanidade em diversos

343
âmbitos, inclusive quanto às questões de gênero/sexualidades, que
perfazem o foco deste estudo.
As sexualidades (corpos, gêneros, identidades, afetos,
erotismos) passaram, pela história, e ainda hoje passam, por diversas
opressões, influências e normatizações sociais, no âmbito da religião, da
política, da economia, da educação, e até mesmo da ciência. Atualmente,
ainda vemos essa herança, como no preconceito e na violência
culturalizados. Segundo relatórios brasileiros, 68 mil casos de violência
contra mulheres foram contabilizados apenas no primeiro semestre de
2016, e 347 LGBT+ foram mortas(os) violentamente no mesmo ano
(BRASIL, 2016; JULIÃO, 2017). Na nossa sociedade, com o
conservadorismo em ascensão supramencionado, tem prevalecido o
machismo, a cis/heteronormatividade e a LGBTfobia, configurando-se
lutas contra as mulheres e as pessoas LGBT+ (BORGES, 2017);
recentemente, projetos têm movido reações contra o estudo e o ensino
sobre sexualidades em escolas, ameaçando destruir conquistas sociais e
censurar a pesquisa científica e a atuação docente.
Estas questões de normatização dos corpos, identidades e
relações sexuais/afetivas, assim como de enfraquecimento da educação,
impossibilitam o gênero humano de alcançar a humanização na sua
forma mais plena, pois estão relacionadas à alienação e exploração do
modo de produção capitalista (BORGES, 2017).
Neste cenário, faz-se necessária uma prática revolucionária
articulada a uma teoria revolucionária, no sentindo de buscar ações
mediatas que rompam com a lógica hegemônica e transformem, pela
raiz, o modelo de civilização. Ao encontro disso, está o MHD, aporte
teórico-metodológico para compreender o real, aqui escolhido como
lente para entender o gênero humano, o trabalho, a sociedade, a
educação, etc., inclusive as questões de sexualidades, e buscar
transformações sociais.
Esta revolução não se limita à escola, mas, inevitavelmente, em
alguma medida, passa por ela, pois é o espaço em que a formação
humana obtém as mais elevadas produções culturais de forma

344
sistematizada (MAIA, 2015). A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) é
uma abordagem dialética da educação (fundamentada no MHD) que
supre essa demanda; histórica por entender os conhecimentos
historicamente acumulados, e crítica por permitir a consciência filosófica
para o enfrentamento do modo capitalista de produzir a vida (SAVIANI,
2008; 2013). Para tratar em específico a temática de sexualidades com
essa visão transformadora, existe a Educação em Sexualidades Crítica
(ESC) (BIANCON, 2016; BORGES, 2017), baseada na PHC.
Ante o exposto, preocupou-se com a prática social
desqualificada, em específico no que toca às questões de sexualidades, e
a defesa de uma práxis transformadora, possível com a ESC e suas
objetivações últimas consequentes de sua fundamentação, na qual aqui
se respalda.
O presente trabalho apresenta-se como um recorte da pesquisa
da monografia intitulada “Educação em Sexualidades Crítica: uma
experiência em uma escola pública do norte pioneiro do Paraná”
(BORGES, 2017), com autoria do primeiro autor e orientação do
segundo, realizada em 2017, que objetivara “compreender a prática
social, com enfoque nas questões de sexualidades, a partir de estudantes
do Ensino Médio de uma escola pública do norte pioneiro do Paraná, e
intervir com conhecimentos elaborados” (p. 21), onde se atuou junto a
95 estudantes participantes, nas suas aulas de Biologia, coletando dados
de suas compreensões e ações sobre a temática.
Neste artigo, utilizando um recorte dos dados da pesquisa
original, o objetivo foi analisar algumas falas e dúvidas de estudantes
sobre assuntos inerentes às sexualidades, que permitissem problematizar
a prática social e identificar as lógicas que reproduzem.

Humano, trabalho, sociedade e educação


O materialismo histórico-dialético (MHD) é a filosofia
elaborada por Marx ao superar (por inclusão) a dialética de Hegel (que a
tratava no plano das ideias) e conferir-lhe um caráter materialista e
histórico (PIRES, 1997). Partindo do cerne de que a matéria precede às

345
ideias (materialismo), compreende que as coisas (matéria, mundo) e a
realidade existem, e nós interagimos com elas, sendo por elas
influenciadas(os) e influenciando-as, ao mesmo tempo, num processo de
contradição e movimento (dialética) (LESSA; TONET, 2011).
À luz do MHD, o ser humano tem biologicamente garantida sua
existência apenas na sua forma biológica, na sua natureza animal: como
hominídeo. Enquanto que sua segunda natureza, a social, é preciso ser
produzida para que possa existir como humano. O processo de
humanização acontece através da transformação da natureza: o trabalho
(no seu sentido ontológico), material ou não-material. Nesse processo, o
humano, para suas necessidades, realiza prévias-ideações (elabora algo
na sua mente de forma complexa, baseado no que já existe) e
objetivações (ação/produção do idealizado) e, assim, transforma a
natureza materialmente e imaterialmente; por consequência, transforma
a realidade e, ao mesmo tempo que isso acontece (porque é dialético),
transforma-se si mesmo (LESSA; TONET, 2011).
O trabalho de um conjunto de seres humanos, vivendo em
sociedade, gera produtos materiais (ferramentas, etc.) e não-materiais
(como conhecimento), que são ditos socialmente produzidos e
historicamente acumulados. Eles caracterizam a cultura, que é por
excelência humana. Enquanto o que é físico pode deixar de existir na sua
forma elaborada (a matéria é manipulável e destrutível), o conhecimento
permanece nas mentes. E a educação, escolar ou não escolar, permite a
sua transmissão. A função da educação, portanto, é garantir o acesso a
conhecimentos nas suas formas mais elaboradas, permitindo a
humanização. O ato de educar é o ato de humanizar (SAVIANI, 2008;
2013).
No sentido de o ser humano ser um ser social, determinado pela
sociedade e determinante dela – logo, constituindo-se humano e
desenvolvendo-se conforme as relações sociais –, o modo como funciona
a sociedade determina o modo como se produz a vida. Assim, este
processo de objetivação para suas necessidades só ocorre plenamente e
só resulta em humanização na medida em que isso for oportunizado.

346
No modo de vida capitalista (em que há uma divisão social em
classes com interesses antagonistas, que travam constantes lutas – as
lutas de classes), a produção segue a sua lógica. Nela, o trabalho é, em
geral, dividido, desigual, injusto, exploratório, objetivado ao lucro de
quem detém o meio de produção. E, assim, em geral, não permite
humanização; desfigura-se de sua essência ontológica e assume caráter
alienante em diversos níveis (para ambas as classes, embora as condições
de vida sejam diferentes). A educação e a escola, neste modo de vida,
corriqueiramente utilizando pedagogias acríticas (SAVIANI, 2008),
forma para o mínimo necessário para o mercado de trabalho, aprofunda
a desigualdade, a exploração, a alienação e a marginalidade,
reproduzindo a lógica burguesa e mantendo a hegemonia.
Porque as relações sociais são dialéticas, existe a possibilidade
de movimentar-se contra a hegemonia, promovendo criticidade,
libertação da opressão, emancipação e transformação social. Ou seja,
uma revolução, que acontecerá de forma dialética, rumo a um novo modo
de vida em sociedade: sem classes, justa, igualitária e sustentável.
Para uma prática revolucionária, faz-se necessária uma teoria
revolucionária (SNYDER, 1974). Daí o aporte no MHD, cujos
complexos de conceitos permitem ascender ao concreto, enxergar o real
e trilhar o caminho de transformação social. O MHD, corresponde a uma
ferramenta importante para entendermos o humano, o trabalho, a
sociedade, a educação e a escola, em sentidos gerais e, também, em
sentido aplicado às questões de sexualidades e à educação em
sexualidades.
Ainda que a escola não faça a revolução, a revolução passa por
ela. Pois é o local privilegiado para a função de socializar os
conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados, na
sua forma mais elaborada, e permitir o ser humano alcançar a consciência
filosófica, e qualificar sua prática social (SAVIANI, 2008; 2013).
Daí a fundamentação na Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), que
compartilha dos fundamentos do MHD para defender o resgate dessa
essência da educação na escola, pensar os conteúdos necessários e a

347
forma qualificada de formar à criticidade. A PHC dá grande atenção aos
conteúdos, que devem, em primeiro plano, ser os conhecimentos
clássicos (que resistiram ao tempo e fazem-se necessários); científicos,
artísticos e filosóficos; na sua forma mais elaborada; vivos, reais,
dinâmicos e concretos; isto é, o conhecimento que permita à(ao)
oprimida(o) libertar-se da condição de opressão. E defende estimular a
atividade e inciativa das(os) estudantes, levando em conta seus
interesses, ritmos de aprendizagem e desenvolvimento psicológico, mas
sem perder de vista a sistematização logica dos conhecimentos pela(o)
docente, nem o objetivo mediato de transformação social (SAVIANI,
2008; 2013).

Sexualidades e educação crítica


As sexualidades, após as várias mãos opressoras e libertadoras
por quais passaram na história, são entendidas desde os séculos XX e
XXI de forma mais liberta. Atualmente, compreendem-se como um
aspecto central do ser humano, importante para a identidade e
socialização, estando presente na vida desde a infância, canalizando-se
de diversas formas ao longo de desenvolvimento ao longo do tempo
(VIGOSTKI, 2003; OMS, 2017). São entendidas nas esferas
biopsicossociais, isto é, na intersecção do biológico (genética, fisiologia,
etc.; cromossomos, genitais, hormônios), do psicológico (identidade,
orientação, desejo, erotismo, etc.) e do social (cultura, política, ética,
economia, história, família, religião, etc.) (OMS, 2017). Englobam
corpo, identidades e papéis de gênero, afeto, intimidade, orientações
sexuais, erotismo (OMS, 2017). E são vividas e expressas em
pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores,
comportamentos, práticas, relacionamentos (OMS, 2017).
A independência entre as dimensões das sexualidades resulta na
sua diversidade virtualmente infindável, e esta compõe o grupo social
das pessoas LGBT+.
A educação em sexualidades faz-se necessária desde a infância,
preocupando-se com a preservação plena do instinto sexual e com seu

348
desenvolvimento normal (não reprimir ou enfraquecê-lo) (VIGOSTKI,
2003), até a idade adulta; para que “conheçam, desde a idade mais tenra,
o critério científico sobre a vida sexual” (p. 95).
Contudo, sua compreensão, liberdade e educação, nos dias
atuais, tem sido obstruída pelo preconceito e pela violência, reprodução
das lógicas opressoras/conservadoras nos vários âmbitos da sociedade,
herdadas historicamente. Quando as sexualidades adentraram a educação
escolar, após lutas sociais a longo prazo, foi por meio da medicina à
lógica da época, então adquiriu caráter biologicista, higienista e
normativo. Essas características e práticas ainda se veem presentes na
sociedade e na escola atualmente. Inclusive, quando a temática (ou parte
dela, como as diversas identidades e orientações não-normativas) sofre
silenciamento (BIANCON, 2016), está sendo alvo de uma normatização.
Na educação brasileira, o documento que marcou a inserção da
temática no currículo foi o “Orientação Sexual” dos PCNs (BRASIL,
1997). Ele tem extrema importância, pois adotou a temática como
transversal e dá certa visibilidade à diversidade de sexualidades. Mas
também recebeu poucas atualizações e duras desaprovações, pois, com
um olhar crítico, enxerga-se sua contaminação pela lógica biologicista,
higienista e normativa, assim como pelas tendências pedagógicas que
reproduzem o relativismo do conhecimento e a lógica de mercado na
educação e, em maior instância, corroboram a lógica exploratória e
alienante capitalista. Ele contém definições vagas, usa teorias
pseudocientíficas, enfatiza mais a responsabilidade do que o prazer,
defende subjetividade, equipara valores familiares ao conhecimento
científico, e resguarda a facultatividade das aulas com este tema (DA
SILVA, 2015).
Buscando suprir as necessidades das questões das sexualidades
e superar o modo como estas são tratadas na educação, mas também
compreendendo a necessidade de ir à raiz dos problemas
socioambientais, algumas(uns) pesquisadores aproximaram a educação
sexual com as teorias críticas da sociologia, da psicologia e da educação.
É o caso da Educação em Sexualidades Crítica (ESC)

349
(BIANCON, 2016), que se apresenta como um “‘escape’ ao status-quo”
(BORGES, 2017, p. 39) da educação sexual biologicista, normativa,
superficial e intimidadora, mostrando-se uma proposta
político-pedagógica possível ao enfrentamento contra a hegemonia
dominante que oprime e marginaliza (BORGES, 2017).
A PHC, ao discutir os processos educacionais, tem trabalhado
diante de perspectivas emancipatórias, buscando instrumentalizar para a
libertação de qualquer forma de alienação, o que justifica o mergulho nas
questões sexualidades; pois, na concepção marxista, pessoas alienadas
são pessoas negadas (BIANCON, 2016).
Afinal, as sexualidades, tendo uma esfera social, que inclui
questões econômicas (e, sendo tudo na vida humana, inclusive o
biológico e psicológico, condicionado pelo social), também estão
determinadas dialeticamente pelas relações materiais.
A ESC compartilha dos fundamentos da PHC (e do MHD) para
socializar conhecimentos críticos e emancipatórios sobre sexualidades:
devem ir além dos saberes de biologia, e contemplar as diversas
identidades e orientações sexuais/afetivas, assim como os inúmeros
assuntos a tudo isso relacionado, que se fazem tão urgente e não se
encontram previstos no currículo escolar.
Da Silva (2015) defende que educar sobre/para as sexualidades
não pode depender da existência de um projeto de educação sexual na
escola, pois esses conhecimentos são parte indispensável do
conhecimento sobre a sociedade atual e o ser humano. Para o mesmo
autor, ao se instrumentalizar as(os) estudantes com os clássicos
universais (proeminentes para a PHC) que apresentem questões sobre
relações afetivas, sexuais, de gênero, etc., estas(es) estariam não só
aprendendo sobre sexualidades, mas também se apropriando da cultura
clássica.
Pela obviedade de que as sexualidades são inerentes a todo o
gênero humano e que a temática tangencia diversas áreas do
conhecimento, a(o) responsável para esta tarefa não requer ser uma(um)
especialista, nem se limita à(ao) docente de Ciências e Biologia.

350
Todas(os) deveriam ser qualificadamente formados e empenhadas(os)
em socializar estes conhecimentos às(aos) estudantes. Para tal, também
a formação docente inicial e continuada precisa movimentar-se para
atender esta demanda.
É importante ressaltar que a ESC principia a compreensão do
grupo social oprimido das pessoas LGBT+ juntamente com os outros
tantos grupos sociais oprimidos, todos unidos como classe trabalhadora,
desfragmentando, assim, sua luta e tornando mais eficaz a ida à raiz dos
problemas (BIANCON, 2016; BORGES, 2017).
Deste modo, a ESC objetiva, dialeticamente, humanizar para
transformar a realidade, e transformar a realidade para se alcançar uma
em que é possível ser-se humana(o). Uma realidade em que a sociedade
é justa, igualitária, sem classes e sustentável, como já foi dito, mas
acrescenta-se: uma realidade em que as(os) humanas(os), libertas(os) de
preconceitos, normatizações e categorizações, possam viver plenamente
seus corpos, suas identidades, seus desejos, seus prazeres, suas fantasias,
seus afetos, seus amores.

Método
Esta pesquisa qualitativa, de natureza básica e caráter descritivo
é um recorte da pesquisa que se desenvolveu no ano de 2017, junto a 95
estudantes de Ensino Médio de uma escola estadual no norte pioneiro do
estado do Paraná, durante suas aulas de Biologia, aquando das
intervenções do pesquisador realizando Estágio Supervisionado.
Para o estudo original, foram coletados dados das compreensões
e ações das(os) estudantes sobre a temática que pudessem representar a
prática social, assim como seus dados socioeconômicos, através de
questionário semiestruturado e de anotações em caderno de campo dos
debates em sala de aula durante toda a atuação (que teve um momento
de ‘aferição’ e um momento de intervenção pedagógica sobre os
conteúdos de Educação em Sexualidades Crítica necessários para
qualificar a prática social).
Para este recorte, delimitaram-se os dados em onze falas

351
(afirmações) e onze dúvidas (questionamentos) de variados assuntos
inerentes às sexualidades, selecionando aquelas que permitissem uma
representação de prática social desqualificada.
As falas e dúvidas não foram rotuladas individualmente às(aos)
estudantes participantes, mas sim tratadas como um todo das turmas que
representavam sujeitos de sua classe social. Esta possibilidade é aberta
pela pesquisa qualitativa, que tem, ainda, importância nos estudos
sociais, pois “permite que as vozes” das pessoas oprimidas – como as
das mulheres, da comunidade LGBT+, das raças e etnias, etc. – “sejam
ouvidas e que os objetivos sejam concretizados” (FLICK, 2009, p. 78;
BORGES, 2017).
Para a análise, utilizou-se o método do materialismo histórico-
dialético, que se caracteriza pelo movimento do pensamento através da
materialidade histórica da vida em sociedade, isto é, trata-se de descobrir
(pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a
forma organizativa das pessoas em sociedade através da história (PIRES,
1997). É método de interpretação da realidade, visão de mundo e práxis;
utilizando-o, é possível percorrer uma análise da realidade concreta e
objetiva, sem fragmentá-la, com as relações do indivíduo e a sociedade
com base no momento histórico e social vigente (PIRES, 1997;
TOZONI-REIS, 2008). Para Biancon (2016), ele permite pensar na
educação e, neste caso específico desta pesquisa, a educação e sua
relação com a temática de sexualidades, com compromisso político,
recorrendo-se ao movimento dialético do pensamento, partindo do
empírico (o concreto aparente), passando por abstrações (elaborações do
pensamento, reflexões teóricas), e chegando ao concreto pensado (a
compreensão mais elaborada do que há de essencial no objeto).

Análise dos dados e discussão


As(Os) 95 estudantes participantes da pesquisa eram de 5 turmas
diferentes de Ensino Médio, tanto regular como profissionalizante, tanto
de período matutino quanto de vespertino, de primeiro a quarto ano.
Dessas(es) estudantes, 51,5% identificavam-se com o gênero masculino;

352
tinham de 14 a 20 anos, com maior número (37,8%) nos 17 anos; 48,4%
era de raça/etnia branca; 62,5% de religião católica; 60,0% residia na
periferia de seu município; 25,4% exercia atividade renumerada; 65,2%
integrava famílias de configuração nuclear; e 45,3% de suas(eus)
responsáveis tinha o nível de escolaridade de Ensino Fundamental.
As 11 falas selecionadas apresentam-se numeradas de F1 a F11
no Quadro 1.

Quadro 1 – Onze falas


FALAS
“Humanos não são animais”
F1
“Trabalhar [é] para ser rico”
F2
“Exploração social não existe”
F3
“[Feministas] protestam de uma forma que sujam suas imagens”
F4
“[Feministas são] mulheres que se acham superiores”
F5
“[Feminismo é] frescura”
F6
“[LGBT+] são pessoas que nascem de um jeito e querem ser de outro”
F7
“[Ser LGBT+] é errado” / “…é pecado” / “…é doença” / “… é curável” /
F8
“…é opção”
F9
“[LGBT+] não existe” / “…é uma palhaçada” / “…não são humanos”
F10
“Aos LGBT [sic] falta educação e religiosidade”
F11
“[LGBT+]: tem que matar todos”
Fonte: as(os) autoras(es)

A F1 mostra-nos a incompreensão de humano como animal, no


sentido biológico. No senso comum, as pessoas elevam o ser humano a
um ser superior à natureza, legitimando explorações ambientais, por
exemplo. Contudo, o humano, ou melhor, o hominídeo é uma espécie
derivada dos primatas, evolutivamente. Sociologicamente, o ser humano
tem suas diferenças, pois nossa espécie tem garantida biologicamente sua
existência como hominídeo (animal), mas necessita produzir sua
humanidade através da atividade vital, o trabalho.
A F2 evidencia-nos reprodução de discursos meritocráticos e
capitalistas, assim como compreensão distorcida dos termos para
trabalho, confundindo o seu sentido ontológico com o seu sentido de

353
‘emprego’. Ao longo da história, o trabalho que o humano realiza perdeu
sua essência humanizadora e, no capitalismo, atinge um maior nível de
exploração e alienação, continuando a não permitir a humanização.
A F3 indica falta de conhecimento sobre as relações sociais
desiguais, associadas, nesta sociedade capitalista, ao modo de produção
e ao trabalho, o que gera uma incoerência e carência significativa
destas(es) estudantes que são filhas(os) de trabalhadoras(es) e integram
a classe social trabalhadora, que é explorada, oprimida, alienada e
manipulada pela classe social burguesa dominante conforme suas
demandas.
De F4 a F6, as falas abarcam o assunto de feminismo, mostrando
que não ficou compreendido seu significado e reproduziram-se frases
reacionárias e machistas, muito repetidas durante o período em que a
pesquisa foi realizada, momento de corrida política e de ascensão do
conservadorismo. Não ficou claro a estes estudantes que o feminismo
não se resume ao que se viu em alguns protestos na mídia, que ser
feminista não se resume às mulheres; desconhecem as razões da
importância do feminismo, e seu significado de busca pela igualdade
social, política e econômica entre os gêneros.
Por fim, de F7 a F11 discursou-se sobre identidades de gênero,
orientações sexuais/afetivas e as pessoas LGBT+. As falas revelam
preconceito, exclusão e uma preocupante violência verbal; demonstram-
se reproduções do senso comum conservador. As(Os) estudantes
entendem suas opiniões como igualitárias ao conhecimento científico.
Em suma, as falas selecionadas revelam negação, ignorância
e/ou relativização de conhecimento científico (biológico e sociológico).
Reafirmam uma prática social despreparada, insuficiente para entender a
realidade dialeticamente condicionada.
As 11 dúvidas selecionadas apresentam-se numeradas de D1 a
D11 no Quadro 2.

354
Quadro 2 – Onze dúvidas
DÚVIDAS
D1 “O que é vulva?” [perguntado por várias estudantes do gênero feminino]
D2 “Como que se faz sexo oral protegido?”
D3 “O homem, quando perde a virgindade, sangra como a mulher?”
D4 “Meninas de 11 anos podem ficar grávidas?”
D5 “HIV é gripe suína?”
D6 “Mas como é um eunuco?”
D7 “Existe bastantes hermafroditas [intersexuais] no mundo?”
D8 “Como é uma pessoa agênero?”
D9 “O que é redesignação de sexo? Existe no Brasil?”
D10 “Heterossexual significa o quê? [perguntado por um estudante heterossexual]”
D11 “A escola deveria ensinar isto [assuntos de sexualidades] para crianças?”
Fonte: as(os) autoras(es)

Em geral, as dúvidas configuraram-se incompreensões do


conteúdo abordado em sala de aula na intervenção e questionamentos
emergidos com a intervenção.
Na D1, quando principalmente meninas e mulheres
desconhecem o nome para o conjunto dos órgãos externos do sistema
reprodutor feminino, faz refletir se a temática, prevista em lei pelo menos
de modo biologicista, tem sido minimamente atendida na escola. Pois
vemos carência de conhecimentos biológicos básicos, sobre corpo
humano e saúde, que são muito mais presentes no currículo de Biologia
e muito menos polêmicos e questionados.
A D2 trata de um subtema que foi muito demandado durante a
intervenção: ISTs. Ao terem conhecimento de que sexo oral pode
transmitir ISTs, as(os) estudantes mostraram-se preocupadas(os), como
se se tratasse de uma informação nova. Ao questionarem sobre o uso da
camisinha no sexo oral, revelam despreparo para vivenciarem suas
sexualidades de forma clinicamente segura.
A D3 remete a uma curiosidade de senso comum, revelando
novamente desconhecimento da fisiologia humana, e possivelmente
reproduzindo um discurso conservador acerca de uma importância dada
à virgindade.

355
A D4 também remete a uma curiosidade, e pode alertar para
possíveis incidentes de relações sexuais/afetivas inseguras e sem
métodos contraceptivos por quais as(os) jovens podem ter passado.
Na D5, reforça-se o desconhecimento de uma questão mundial
da saúde humana, que é o HIV, também alertando para possíveis
ocorrências de práticas sexuais inseguras.
As D6, D7 e D8 permitem pensar que as(os) estudantes tiveram
contato pela primeira vez com os termos “eunucos”, “intersexuais” e
“agênero”, já que o conteúdo de educação sexual habitual apenas
menciona órgãos reprodutores binários e gêneros binários. Revela-se,
aqui, o silenciamento da diversidade de sexualidades.
A D9 trata de uma curiosidade pertinente, podendo também
indicar possíveis casos de pessoas trans entre as turmas carecendo de
informações.
A D10 assemelha-se à questão D1, mostrando desconhecimento
de sua própria essência: um estudante do gênero masculino perguntou o
que significa “heterossexual” e, após a resposta, deixou claro que se
identificava com tal orientação sexual. Esta dúvida serve, também, para
reafirmar a necessidade do tema na escola, indo contra as acusações de
relação exclusiva entre educação sexual e LGBT+; pessoas
heterossexuais (ou seja, que correspondem à norma imposta) também são
alienadas, desinformadas e carentes de conhecimento, e a educação em
sexualidades tem igual importância para elas. Dito isto, há necessidade
de quebrar o status-quo de que existe um ‘eu, normal, sem nome para
minha sexualidade’ e ‘as outras pessoas, anormais, diferentes, com
sexualidades nomeadas’.
Por fim, a D11 foi a dúvida que inspirou todo o motivo deste
estudo. As(os) estudantes, após debates e apropriações acerca de
identidade e sexo/afeto, questionaram se tais assuntos deveriam ser
ensinados na escola. Pois estes exemplos dados neste estudo, de falas e
dúvidas que mostram falta de conhecimento, são apenas alguns que
demonstram a importância de uma educação sexual (crítica) na escola.
A educação sexual já é prevista por lei, mas tem falhado por

356
diversas razões já citadas, que têm a ver com seu desdobramento teórico-
metodológico e com os obstáculos sociopolíticos, impedindo-a de se
distanciar da lógica opressora, normativa e alienante. Destarte, como já
dito, carece-se de uma teoria revolucionária e transformadora para haver
uma práxis revolucionária e transformadora.

Considerações finais
As falas e as dúvidas analisadas, que representam uma prática
social desqualificada, são desprovidas da criticidade para pensarem as
questões das sexualidades e toda a realidade, e contêm elementos que
indicam conceituações distorcidas, alienadas e do senso comum,
afastadas do trilho de uma humanização plena, emancipação ou
transformação. Pelo contrário: esta prática social, como se presenciou,
leva a preconceitos e a ações inseguras e violentas.
Os resultados revelam que as(os) estudantes, que estão dentro de
grupos sociais marginalizados, em geral, enunciam falas higienistas e
normativas, algumas preconceituosas e violentas, reproduzindo
discursos da educação sexual biologicista que ainda sobram na escola,
assim como discursos opressores, normatizadores e conservadores que
ainda vagueiam pela sociedade. E apresentaram dúvidas e curiosidades
sobre assuntos que são conhecimentos básicos e importantes para sua
vida e de qualquer humano, principalmente sobre humanidade e
sociedade, corpo humano, relações afetivas e sexuais seguras e livres.
Esta situação demonstra as consequências da lógica capitalista
exploratória, marginalizante e alienante sobre a sociedade e a educação,
assim como aponta que esta prática social desqualificada produzida
corrobora e reproduz a mesma lógica, fechando o ciclo das engrenagens
desta maquinaria desumanizante que é a sociedade estruturada segundo
tais condições dialéticas.
Foi alarmante encontrar saberes cientificamente distorcidos e
afirmações preconceituosas, com a pesquisa. Compreende-se que o
conhecimento que as(os) estudantes demonstraram ter são insuficientes
para uma(um) jovem viver uma adolescência e suas relações

357
afetivas/sexuais de forma livre, seguras e saudáveis, quanto muito para
elevá-la(o) à consciência filosófica e qualificar sua prática social.
Este estudo importou para reforçar que as ações docentes em
educação sexual não têm dado conta das necessidades das(os) jovens,
nem cumprido seu papel, ou a temática tem sido silenciada; e para
reafirmar que a educação básica pública não tem verdadeiramente se
preocupado em socializar os conhecimentos na sua forma mais
elaborada, nem se preocupado com a temática de sexualidades e outras
questões sociais no sentido de resolver problemas socioambientais.
Afinal, além dos conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos sobre
a sociedade, em geral, e sobre as sexualidades, não previstos no
currículo, eram escassos os conhecimentos biológicos e superficiais
previstos e recorrentes.
O que se verifica na educação pública são amenizações dos
problemas através de políticas públicas e ações progressistas paliativas,
que camuflam a realidade e os condicionantes sociais, visam consenso e
minimização da luta de classes (BIANCON; MAIA; COSTA, 2014). Se
não permitem a compreensão na totalidade, não emancipam, não
quebram o status-quo, e, por consequente, reproduzem lógicas que
atendem aos interesses econômicos conservadores, alienantes e
opressores do capitalismo.
Destarte, preocupando-se com as problemáticas socioambientais
que se vivem neste modo de sociedade, defende-se a ação e a formação
docente fundamentadas em teorias como o MHD e a PHC, para que o ato
educativo seja qualificado e objetivado à superação do modo de
produção, no âmbito da educação.
Quanto às questões de sexualidades, em especial, há necessidade
de se abordar com mais imponência esta temática nesta articulação, de
modo menos pontual e mais mediato. Deve-se trazê-los também para
primeiro plano, por serem assuntos essenciais da vida das(os) jovens.
Em específico, a Educação em Sexualidades Crítica (ESC)
reivindica a defesa de que a sexualidade está presente desde a infância
na vida humana, e necessita ser trabalhada desde essa idade na escola,

358
qualificadamente. Busca trabalhar as questões de sexualidades inserida
nos clássicos e/ou através de clássicos. Compreende o grupo social
oprimido LGBT+ juntos com outros grupos sociais oprimidos, unidos
como classe trabalhadora, desfragmentando assim sua luta. Objetiva a
transmissão de saberes elaborados que permitam criticidade,
emancipação e transformação social. Logo, defende ações mediatas para
revolucionarmos o modo civilizatório atual, em vistas a um outro, no
qual as diversas sexualidades (leia-se: diversos corpos, diversas
identidades, diversas formas de se relacionar e satisfazer afetiva e
sexualmente) sejam celebradas, afirmadas e incluídas com igualdade,
permitindo a humanização em níveis mais plenos e a criticidade em
níveis mais próximos à totalidade. Isto sendo condição para libertação da
opressão de modo radical (pela raiz) e para a formação de uma sociedade
verdadeiramente justa.
Antes de ser Educação em Sexualidades, a ESC é Educação; em
uma sociedade injusta e desigual como a nossa, resgatar o papel de
humanização e libertação da educação é mister para erradicarmos os
problemas socioambientais que são fruto (e base) do modo civilizatório
capitalista vigente.

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continuada de professoras(es) com fundamentos na Pedagogia
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361
EDUCAR NÃO É COISA DE MULHER: UM
ESTUDO ACERCA DO ATUAL CENÁRIO DO
HOMEM COMO PROFESSOR NO ENSINO
INFANTIL E NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

Washington Lombarde
Rosilene dos Santos Oliveira
Neide Maria Michelan Kiouranis
(Universidade Estadual de Maringá)

Em pleno século XXI, a Educação Infantil ainda é concebida como um


espaço predominantemente feminino, de forma que pouco se veem
homens professores atuando nesta realidade. Dessa forma, a presente
pesquisa objetivou investigar a presença da figura masculina como
professor no Ensino Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Para isso, utilizou-se como instrumento de coleta de dados, um
questionário online composto por 7 questões discursivas de autoria
própria. O referido questionário foi destinado a homens professores da
Educação Infantil e/ou dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Os
sujeitos de pesquisa foram contatados individualmente por meio da rede
social e também em um grupo fechado de homens pedagogos que atuam
na Educação Infantil. Os referidos professores, ao apontarem os motivos
de vermos tão poucos homens atuando na Educação Infantil e nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, apontaram: a preferência por outros
campos de atuação; o preconceito; a baixa remuneração e a manutenção
de estereótipos de gênero, reforçando a divisão sexual do trabalho. Com
este estudo pode-se constatar a dificuldade em se encontrarem homens
professores nesse nível de Ensino, o que é decorrente da resistência
imposta pelos papeis de gênero, que ora veem a Educação Infantil como
coisa de mulher, sendo esta dotada de uma tal afetividade maternal, em
contrapartida, apontam o homem como alguém que deve ocupar cargos
superiores, além de apontar a figura masculina como maliciosa.

362
Palavras-chave: Educação Infantil; Gênero; Esfera Produtiva; Esfera
Reprodutiva.

EDUCATION IS NOT A WOMAN'S THING: A STUDY ABOUT


THE CURRENT MAN SCENE AS A TEACHER IN CHILD
EDUCATION AND IN THE YEARS OF FUNDAMENTAL
EDUCATION

In the XXI century, Infant Education is still conceived as a predominantly


feminine space, so that few teachers are seen acting in this reality. Thus,
the present research aimed to investigate the presence of the male figure
as a teacher in Early Childhood Education and in the Early Years of
Elementary School. For this, an online questionnaire composed of 7
discursive issues of its own authorship was used as an instrument of data
collection. This questionnaire was intended for male teachers of Early
Childhood Education and / or Early Years of Primary Education. The
research subjects were contacted individually through the social network
and also in a closed group of male pedagogues who work in Early
Childhood Education. These teachers, pointing out the reasons for
seeing so few men working in Early Childhood Education and Early
Years of Elementary School, pointed out: preference for other fields of
action; the prejudice; low pay and the maintenance of gender
stereotypes, reinforcing the sexual division of labor. With this study we
can see the difficulty in finding male teachers at this level of education,
which is due to the resistance imposed by the gender roles, which now
see the Infant Education as a woman's thing, being this one endowed
with such a maternal affection , in contrast, point the man as one who
should occupy higher positions, besides pointing the male figure as
malicious.
Keywords: Child education; Genre; Productive Sphere; Reproductive
Sphere.

363
Introdução
A sociedade sempre foi e tem sido marcada pelas diferenças de
gênero. Quando nos referimos ao termo gênero, estamos falando das
construções e expectativas sociais sustentadas em relação aos homens e
mulheres, mais especificamente, à forma como nossa sociedade constrói
representações sobre ser homem e ser mulher, pressupondo que estas
sejam naturalmente estabelecidas (GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS EM GÊNERO E RAÇA, 2010).
Estas questões são facilmente visualizadas quando verificamos
a divisão sexual do trabalho, definida por Hirata e Kergoat (2007), como
a divisão do trabalho social resultante das relações sociais que se
estabelecem entre os sexos; ou ainda mais além, constitui-se em um fator
primário para a manutenção destas relações. O que por sua vez é fruto de
uma construção histórica e social, caracterizada pela “[...] designação
prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera
reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções
com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.)”
(HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 599).
Diante desse contexto as atividades da Educação Infantil e dos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tal como são verificadas
atualmente, estão intrinsecamente relacionadas “[...] ao papel sexual e
reprodutivo, desempenhado tradicionalmente pelas mulheres,
caracterizando situações que reproduzem o cotidiano, o trabalho
doméstico de cuidados e socialização infantil”. Dessa forma, a estas
atividades eram atribuídas características afetivas e de obrigação moral,
dispensada de remuneração, considerando erroneamente que o trabalho
desempenhado por este profissional requer pouca qualificação e também
menor valor salarial (KRAMER, 2001).
A este respeito, Ferreira e Carvalho (2006), pontuam que são
raros os homens inseridos no ambiente da Educação Infantil e dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, já que esse “[...] segmento constitui um
campo de trabalho tipicamente feminilizado, aparentemente consolidado
como natural: a educação de crianças é coisa de mulher” (p. 151). Nesta

364
perspectiva, torna-se necessário o investimento de políticas públicas na
educação, favorecendo assim a formação continuada de professores na
tentativa de compreender as relações sociais de sexo e gênero.
A presença masculina na docência, nos primeiros anos de
escolarização consiste em um desafio a ser alcançado, o qual aponta para
caminhos ainda pouco explorados em pesquisas (FERREIRA;
CARVALHO, 2006). Portanto, os homens educadores devem possuir
convicções fortes para poderem alcançar seus propósitos, pois terão que
“se confrontar com muitas pressões sociais, quer de tipo familiar quer do
tipo mais geral, que identificando o exercício desta profissão com o
gênero feminino, não aceitam a inscrição de homens na mesma”
(SARMENTO, 2004, p. 105).
Assim, fica evidente que a ocupação do homem nesses espaços,
tidos como algo incomum perante a sociedade, é de extrema importância
na luta para que o gênero não defina as atribuições profissionais e as
funções sociais. Contrapondo a crença, arraigada na sociedade, “de que
o sexo define as funções da vida em sociedade” (SAYÃO, 2005, p. 71).
Diante do exposto, o presente trabalho busca investigar qual o
cenário atual do homem como professor no Ensino Infantil e nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental.
Percurso metodológico
A presente pesquisa é caracterizada como de natureza
qualitativa interpretativa, a qual busca responder a questões muito
peculiares, pois se preocupa com aspectos da realidade que não podem
ou não deveriam ser expressos quantitativamente (MINAYO;
DESLANDES; GOMES, 2009). Isto é, “[...] trabalha com o universo dos
significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das
atitudes” (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2009, p. 21).
Dessa forma, para a realização da coleta de dados utilizou-se
um questionário online composto por 7 questões discursivas de autoria
própria. O referido questionário foi destinado a homens professores da
Educação Infantil e/ou dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Os
sujeitos de pesquisa foram contatados individualmente por meio da rede

365
social e também em um grupo fechado de homens pedagogos que atuam
na Educação Infantil.
A utilização da internet para contatar os sujeitos de pesquisa
apresenta algumas vantagens, dentre as quais podem ser destacadas:
possibilidade de acessar pessoas em diferentes espaços geográficos, o
que dispensa a presença física do pesquisador e pesquisado; a
flexibilidade em relação ao preenchimento dos questionários, de modo
que o pesquisado não precisa fazê-lo de imediato; as informações obtidas
são disponibilizadas já na forma de texto, não precisando ser transcrito
(BRYMAN, 2012). Em contrapartida, é preciso considerar algumas de
suas desvantagens, dentre as quais se destaca principalmente o pequeno
número de indivíduos que se disponibilizam a participar do estudo e a
desconfiança/receio em relação à sua confidencialidade (BRYMAN,
2012).
As informações obtidas foram analisadas mediante a Análise
de Conteúdo de Bardin (1977), a qual se estrutura em três etapas, sendo
elas: 1) pré análise - na qual procedeu-se a leitura aprofundada dos
questionários de modo a realizar sua organização 2) exploração do
material – compreende a fase de análise propriamente dita, na qual é
realizada a codificação e categorização por meio das unidades de
contexto e unidades de registro identificadas; 3) tratamento dos
resultados obtidos e interpretação – consiste na interpretação dos
resultados brutos de maneira a torná-los significativos e válidos.
Resultados principais e discussões
Os resultados obtidos nesta pesquisa serão dispostos em
tabelas, com a posterior interpretação dos dados. A referida pesquisa
contou com participação de 04 professores, sendo 03 atuantes na
Educação Infantil (PEI-2; PEI-3; PEI-4) e 01 com atuação nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental (PEF-1).
Ao que diz respeito ao perfil de idade dos professores
pesquisados, foram obtidos os resultados expressos na Tabela 1.

366
Tabela 1 – Perfil de idade dos professores pesquisados
Idade Quantidade
29 anos 1 (PEF-1)
23 anos 1 (PEI-2)
46 anos 1 (PEI-3)
55 anos 1 (PEI-4)
Fonte: Autoria própria.

Assim, verifica-se que os referidos professores apresentam


diferentes perfis de idade, de modo que o mais jovem menciona ter 23
anos (PEI-2) e o mais adulto, 55 anos (PEI-4).
Posteriormente, ao analisarmos a formação acadêmica e o
tempo de atuação de cada um dos professores, obtivemos as
informações dispostas na Tabela 2.

Tabela 2 – Formação acadêmica e tempo de atuação dos professores


pesquisados
Tempo de atuação
Formação acadêmica Professores
(anos)
Educação Física 8 1 (PEF-1)
Educação Física 39 1 (PEI-4)
Pedagogia 2 1 (PEI-2)
Pedagogia / Mestre em 8 no geral e 3,5 na
1 (PEI-3)
Educação Educação Infantil
Fonte: Autoria própria

Pode-se observar que 02 professores apresentam formação


acadêmica em Educação Física (PEF-1 e PEI-4) e 02 em Pedagogia
(PEI-3 e PEI-4), sendo que um destes, o PEI-3, possui mestrado em
Educação. Quanto ao tempo de docência, 01 professor apontou ter 02
anos de atuação na Educação Infantil (PEI-2), indicando estar ainda no
início da carreira docente; 01 apontou ter 8 anos de atuação nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental; 01 respondeu ter 8 anos de atuação no
ensino de forma geral e 3,5 anos especificamente na Educação Infantil;

367
e por fim, apenas 01 dos professores apontou ter 39 anos de atuação
docente, o que por sua vez indica uma carreira já consolidada.
Ao serem questionados a respeito do que os levou a escolherem
a docência no Ensino Infantil e/ou nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, foram obtidas respostas que remeteram a aspectos como
concurso público, identificação com a profissão e as crianças, conforme
expresso nas categorias apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3 – Categorias referentes à questão “O que levou você a escolher a


docência no Ensino Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental?”
Categorias Professores
Concurso público 2 (PEF-1; PEI-3)
Identificação com a profissão 2 (PEI-2; PEI-3)
As crianças 1 (PEI-4)
Fonte: Autoria própria.

Em seguida podem ser conferidas as falas que se enquadram


nas categorias listadas na Tabela 3: “CONCURSO PÚBLICO” (PEF-1);
“No primeiro momento foi a oportunidade de ter passado em um
concurso público. Hoje a minha permanência se dá pelo gosto e
afinidade com a Educação Infantil” (PEI-3). Nota-se que a estabilidade
proporcionada por um concurso público foi um primeiro atrativo para
estes profissionais. Outros professores fizeram alusão à identificação
com a profissão, que é o caso do já mencionado PEI-3, em cuja fala22
evidencia-se que atualmente sua constância na Educação Infantil,
extrapola o concurso público, abrangendo o amor à carreira, e o PEI-2,
o qual aponta: “Sempre foi uma área que me identificava e a primeira
porta aberta após a formatura foi na educação infantil” (PEI-2).
Um outro professor mencionou em sua resposta aspectos
referentes às crianças, como segue no discurso: “As crianças foram as

22
Os excertos apresentados encontram-se ipsis literis.

368
principais responsáveis pela decisão de ser professor” (PEI-4), o que
demonstra sua afinidade com o público atendido.
Em relação às dificuldades que permearam o início da
profissão dos referidos professores, foram elencadas as categorias
apresentadas na Tabela 5.

Tabela 5 – Categorias referentes à questão “Quais as dificuldades


encontradas no início da profissão?”
Categorias Professores
Estranhamento dos pais e colegas de profissão 2 (PEI-2; PEI-3)
Dificuldades pedagógicas e sociais 2 (PEI-1; PEI-3)
Dificuldades financeiras 2 (PEI-1; PEF-4)
Fonte: Autoria própria.

Conforme pode ser observado (Tabela 5), dentre as principais


dificuldades enfrentadas pelos docentes encontram-se fatores
relacionados à: estranhamento dos pais e colegas de profissão;
dificuldades pedagógicas e sociais e; dificuldades financeiras. Estes
apontamentos podem ser conferidos nos excertos a seguir: “O
estranhamento dos pais com a presença do professor em sala e até
mesmo de algumas parceiras de profissão” (PEI-2); “Dificuldades
Pedagógicas: Não ter uma formação adequada para exercer a profissão.
A minha graduação foi em Pedagogia com especialização em Gestão.
Não conhecia a rotina, os registros e conteúdos que deveriam ser
ministrados a cada idade. Dificuldades sociais: A descrença por parte
de certas professoras e profissionais da escola em relação a minha
capacidade em exercer o cargo; preconceitos em relação a minha
presença na Umei, principalmente quando eu tinha que ministrar às
crianças bem pequenas. Dificuldades estas que foram superadas depois
de alguns meses pelo trabalho prestado mas que até hoje sinto certa
resistência por parte de algumas poucas profissionais” (PEI-3); “Sabia
da credibilidade social da profissão de professor de Educação Física,
mas isto não foi barreira para desistir. Credito as condições econômicas

369
da época a maior barreira. As dificuldades financeiras não me permitia
comprar o livro que queria ler” (PEI-4); “SALÁRIO E FALTA DE
RESPEITO DOS ALUNOS COM OS COLEGAS E PROFESSOR”
(PEF-1).
Das dificuldades mencionadas destacam-se os relatos que
mencionam o estranhamento dos pais e de colegas de profissão em
relação à presença do professor, enquanto figura masculina, em sala de
aula, o que é decorrente do fato desse espaço ser ocupado
predominantemente por mulheres. Além disso, como podemos verificar
foram pontuadas pelo PEI-3, as dificuldades pedagógicas, que envolve
o sentir-se não qualificado o suficiente para exercer atividades referentes
à função docente, e sociais que demonstram a resistência existente
quanto à sua atuação. Em contrapartida, os demais professores fizeram
menção à fatores econômicos/financeiros. Além disso, o PEF-1, pontua
o desrespeito sofrido em sala, tanto entre os alunos quanto destes com o
professor. Conforme pode ser verificado, o referido docente apresenta
um discurso um tanto diferente dos demais, o que pode ser justificado
pelo fato de lecionar nos anos iniciais da Educação Fundamental, na qual
as crianças atendidas já não são tão pequenas.
Quando questionados se já passaram por alguma forma de
rejeição, seja por parte dos pais dos alunos ou de colegas de profissão,
nota-se que a maioria dos docentes mencionaram já ter vivenciado esse
tipo de situação, conforme os dados apontados na Tabela 6.

Tabela 6 – Categorias referentes à questão “Em algum momento você se


deparou com alguma forma de rejeição por parte dos pais dos alunos ou
colegas de trabalho? Caso sim, relate.”
Categorias Professores
Sim 3 (PEI-2; PEI-3; PEI-4)
Não 1 (PEF-1)
Fonte: Autoria própria.

370
Dessa forma, seguem os relatos dos professores que pontuaram
ter se deparado com algum tipo de rejeição: “Dos pais, dizendo onde está
a responsável pela sala? Que eu não poderia fazer trocas por ser
homem...” (PEI-2); “A maior resistência encontrada foi por parte das
colegas do trabalho. Em vários momentos eu era aconselhado a assumir
um papel de direção dentro da escola, um cargo de chefia, pois a salas
de educação infantil não era o melhor lugar para que eu pudesse
trabalhar. Diziam "uma pessoa como você, que estudou e se preparou
muito... não merece trabalhar na educação infantil como professor. O
ideal era você se candidatar a um cargo de chefia" ou "vamos ver até
quando ele vai aquentar a trabalhar com as crianças". Eram
comentários "naturais", sem qualquer ataque explícito, mas que refletia
o inconsciente de algumas profissionais da Umei23. Em relação aos pais,
fui chamado uma vez na coordenação para conversar com uma mãe que
dizia que seu filho tinha muito medo da minha pessoa. Me achava muito
rígido pra com ele. Segundo a mãe a criança não estava dormindo
direito e não queria ir para a escola. A diretora da Umei, que também
era psicóloga, mediou a nossa conversa e chegou a conclusão de que o
medo que a criança tinha a meu respeito era uma espécie de
transferência que ele fazia em relação ao seu pai. Foi realizado um
trabalho específico com a criança e, depois de alguns meses o medo dela
foi dissipado. Os pais quando me viam pela primeira vez nas turmas,
acreditavam que eu era um dos funcionários da Umei e não professor.
Sempre me referiam como outro funcionário da escola. Em alguns
momentos sugeriram que eu fosse chamar a professora da turma para
eles tirarem algumas dúvidas com ela. Quando eu dizia que eu era o
professor da turma, eles levavam um susto. Houve um caso no início do
meu trabalho nas Umeis que um pai sugeriu que eu não realizasse a
higiene da sua filha que na época tinha dois anos. Fora estes casos não
me lembro de outros momentos. O certo que eu sempre desconfiei que
alguns pais procuravam a direção da escola para questionar a minha

23
Unidades Municipais de Educação Infantil.

371
presença na Umei. Mas as diretoras com todo profissionalismo
coordenavam a situação explicando que eu era um profissional
preparado academicamente para a função e que eu tinha entrado para
a Umei através de um concurso público. Desta forma eu tinha todas as
qualificações para exercer a função” (PEI-3); “Em parte sim. Não era
o professor de sala de aula propriamente dito. Exercia a função de
professor de Educação Física, mas todos os dias estava com crianças.
Percebia em alguns momentos estranhos olhares sobre o meu trabalho,
como se fosse uma pessoa que não devia estar com as crianças” (PEI-
4).
Diante destes discursos, podemos verificar situações em que
não caberia ao professor realizar as trocas das crianças, pelo fato do
mesmo ser homem, haja vista que isto requer o contato com o corpo da
criança, causando desconfiança e reafirmando determinados
preconceitos sociais. O que por sua vez é fortalecido no relato de um dos
professores quanto ao fato de que por possuir determinada qualificação
profissional deveria assumir um cargo de destaque, chefia, e não em uma
sala de aula da Educação Infantil. Essa visão nos remete ao pensamento
de uma divisão sexual do trabalho, a qual estabelece as profissões que
devem ser exercidas pelas mulheres e pelos homens. Deste modo, as
funções atribuídas ao homem ainda são compreendidas enquanto
superiores àquelas que são direcionadas às mulheres. Além disso, estas
são vistas como mais pacientes/afetivas/sensíveis que os homens, o que
justifica o apontamento trazido pelo professor PEI-3, ao dizer que
colegas de trabalho o desafiavam acerca de até quando aguentaria as
crianças.
Outro ponto interessante apresentado em um dos referidos
discursos refere-se quanto à necessidade da criança ter contato tanto com
a figura feminina quanto masculina, o que fica evidenciado quando o
professor PEI-3, menciona que um menino havia dito à mãe que sentia
medo dele, de modo que após o acompanhamento psicológico com a
criança, descobriu-se tratar de uma transferência que a mesma fazia do

372
docente em relação ao seu pai. Situação esta que foi resolvida após o
devido acompanhamento psicológico desse aluno.
Verifica-se ainda que o apoio da direção da Unidade Municipal
de Educação Infantil (UMEI), exerceu um papel de grande importância
na significação do exercício docente do PEI-3, pois o mesmo confessa
desconfiar que pais tenham questionado sua presença na instituição,
contudo por saber de sua qualificação profissional, sabiam controlar a
situação com o profissionalismo necessário.
Indo ao encontro desse aspecto, o PEI-4, corrobora em seu
discurso com a questão da desconfiança percebida nos olhares estranhos
que lhe são lançados, o que por sua vez, o induzem a pensar que não
deveria estar com as crianças, mesmo que não fosse professor de sala de
aula, ou seja, demonstrando o pensamento preconceituoso que,
infelizmente, encontra-se incutido no imaginário social.
Somente o PEF-1 disse não ter passado por algum tipo de
rejeição: “NÃO” (PEF-1). O que por sua vez pode estar relacionado ao
fato deste professor atuar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e não
no Ensino Infantil propriamente dito.
Ao serem indagados acerca do porquê vemos tão poucos
professores atuando na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, os
referidos docentes pontuaram aspectos relacionados à: preferência por
outros campos de atuação; preconceito; baixa remuneração; manutenção
de estereótipos de gênero, conforme pode ser verificado na Tabela 7.

Tabela 7 – Categorias referentes à questão “Em sua opinião, por que


vemos tão poucos homens atuando na Educação Infantil e no Ensino
Fundamental?”
Categorias Professores
Preferência por outros campos de atuação 1 (PEF-1)
Preconceito 1 (PEI-2)
Baixa remuneração 1 (PEI-3)
Manutenção de estereótipos de gênero 2 (PEI-3; PEI-4)
Fonte: Autoria própria.

373
O PEF-1 mencionou: “NA MINHA ÁREA (EDUCAÇÃO
FÍSICA), PORQUE A MAIORIA TEM PREFERENCIA POR
ACADEMIAS E ESTUDIOS. E TAMBEM POR TODAS AS
DIFICULDADES QUE SÃO CONHECIDAS PELA SOCIEDADE QUE
O PROFESSOR SOFRE” (PEF-1). O PEI-2 pontuou: “Devido ao
preconceito por parte dos responsáveis, que acarreta ao medo de
exercer a profissão” (PEI-2). O PEI-3 mencionou: “São dois pontos
importante para a presença/ausência dos homens professores na
educação infantil. Um deles é os baixos salários. Nós homens fomos
criados para sermos os "chefes da família", ou seja, teríamos que ter um
salário melhor para mantermos a casa. Esta educação fica impregnada
em nós, mesmo contra a nossa vontade. Em alguns momentos pensei em
sair da Educação Infantil com o objetivo de se conseguir um emprego
com melhor remuneração. Minha esposa sempre me apoiou na minha
decisão, mas quando a crise financeira sondava nossa família...
costumava ouvir: Você precisa de um emprego melhor, um emprego que
faça jus a sua capacitação profissional. Em contrapartida ao conversar
com minhas colegas de trabalho, percebia que para algumas delas o
exercício da profissão na Educação Infantil era temporário devido aos
salários baixos. Algumas delas esperavam conseguir "uma coisa
melhor", diziam elas. Mas por enquanto dá para "eu continuar nesta
profissão pois meu marido tem sustentado a maior parte financeira da
casa". Percebi que para algumas pessoas... aquele espaço era
temporário e de "quebra galho". O outro ponto importante é por a
Educação Infantil ser concebida com um espaço feminino. Algumas
pessoas ainda acreditam que este espaço pertence somente as mulheres
por elas terem mais "habilidades" com as crianças pequenas. Até hoje
as pessoas ao meu redor quando ficam sabendo que eu trabalho como
professor para a Educação Infantil questionam como é trabalhar num
espaço dito feminino e seu eu exerço as mesmas "tarefas" das
professoras. Acredito que para muitos de nós homens professores da
Educação Infantil o maior obstáculo de presença/ausência na Educação
Infantil esteja ligado a parte financeira. Se os salários fossem maiores...

374
com certeza teríamos mais professores. Para as demais pessoas,
acredito que o maior obstáculo que elas vêm em nossa presença na
Educação Infantil, esteja relacionado aos papéis de gênero” (PEI-3). O
PEI-4 pontuou: “Atribuo duas hipóteses básicas à baixa participação
dos homens na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental. A primeira é o desconhecimento da profissão de
professor, a segunda a manutenção de estereótipos associados a
construção da masculinidade. Duas hipóteses que se articulam e dão ao
sujeito homem um lugar estranho e desaconselhado de trabalho.
Somam-se a estas hipóteses ou estão a elas relacionadas, ideias
preconcebidas de gênero que reforçam papéis sociais díspares para
homens e mulheres” (PEI-4).
Em síntese, conforme apontado pelos referidos docentes, a
ausência ou rara presença de homens atuando enquanto professores na
Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental deve-se a
aspectos relacionados à: baixa remuneração da profissão; preconceitos
dos responsáveis; preferência por outras áreas; desconhecimento desse
campo de atuação; a manutenção de estereótipos que reforçam os papeis
sociais de gênero.
Como podemos observar este aspecto envolve mais a questão
estrutural das relações de gênero constituídas e estabelecidas na
sociedade do que propriamente a capacitação destes sujeitos.
Considerações finais
Diante dos resultados apresentados neste trabalho, podemos
verificar por meio dos relatos das vivências dos professores pesquisados,
que, ainda persistem em nossa sociedade as resistências quanto à
inserção/presença da figura masculina no segmento da Educação Infantil
e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
O fator preponderante dessa realidade, envolve principalmente
estigmas sociais referentes aos papeis de gênero e sexo, os quais
determinam na divisão sexual do trabalho, qual é o papel social da
mulher e do homem, designando assim, quais cargos devem ocupar.
Dessa forma, à mulher designa-se funções que envolvam afetividade,

375
sensibilidade, de pouco reconhecimento, com baixos salários e, em
contrapartida, ao homem são atribuídos cargos que requerem maior
qualificação e remuneração.
Percebemos nesta pesquisa, que as dificuldades apresentadas
pelos homens que optam por esta carreira, dizem respeito justamente a
estes aspectos, que por muitas vezes, causa estranhamento/desconfiança
por parte dos pais e até mesmo de colegas de profissão. Pontos que
contribuem para a manutenção discriminatória das relações de gênero.
Assim, nota-se a necessidade de se desenvolver mais pesquisas
que contemplem e propiciem maiores discussões a respeito do assunto e,
assim, a elaboração de políticas públicas que minimizem as diferenças
sexistas e de gênero, pois a capacidade de homens e mulheres não
podem, de forma alguma, serem determinadas por seu sexo biológico.

Referências
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data collection. In: BRYMAN, A. Social research methods. New
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Educação Infantil: Um estudo de professores em creche. Tese de
Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal de Santa Catarina- UFSC, 2005.

377
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E
EDUCAÇÃO SEXUAL NA
ADOLESCÊNCIA: INTERLOCUÇÕES ENTRE
TRÊS PESQUISAS DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Franciéle Trichez Menin


Gisele Arendt Pimentel
Franciele Lorenzi
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná)

O presente artigo trata da sistematização de três pesquisas de Mestrado


em Educação realizadas com adolescentes, professores e análise de
documentos no contexto escolar, as mesmas têm como ponto comum a
relevância da Formação Docente em Educação Sexual. Estas pesquisas
apontam para a necessidade de discussões que tratem de Educação
Sexual, Sexualidade e Adolescência no campo científico em pleno século
XXI, reafirmam ainda, a importância de uma continuidade na
abordagem da Educação Sexual, que valorize a relação e a interação
entre professores, alunos, comunidade escolar e, principalmente, a
família contrapondo-se ao hábito de recorrer às abordagens pontuais e a
terceirização da Educação Sexual a profissionais externos ao ambiente
escolar. Para uma Educação Sexual de qualidade, defendemos que esta,
deve abranger questões biológicas, psicológicas, históricas, sociais e
culturais, levando em consideração a participação do adolescente como
agente do processo educativo. O conhecimento é inesgotável e, mediante
as políticas públicas que regem a educação do nosso país na atualidade,
a Educação Sexual se torna um ato de resistência. É imprescindível
investir na formação de professores, seja inicial ou continuada, a qual é
fundamental para uma Educação Sexual Emancipatória que contribui
para a formação de indivíduos responsáveis, capazes de reconhecer sua
importância e valorizar as relações familiares, escolares e sociais para a
consolidação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Palavras chave: Educação Sexual; Sexualidade; Adolescência;
Educação Emancipatória; Formação de Professores.

378
TEACHER TRAINING AND SEXUAL EDUCATION IN
ADOLESCENCE: INTERLOCUTIONS BETWEEN THREE
RESEARCH MASTERS IN EDUCATION

This article deals with the systematization of three Master's studies in


Education carried out with adolescents, teachers and analysis of
documents in the school context, they have as a common point the
relevance of the teacher's training in Sexual Education. These researches
point to the need for discussions on sexual education, Sexuality and
Adolescence in the scientific field in the 21st century. They also reaffirm
the importance of a continuity in the approach to Sexual Education that
values the relationship and interaction between teachers, students, the
school community and, especially, the family, opposing the habit of
resorting to occasional approaches and the outsourcing of Sexual
Education to professionals outside the school environment. For a quality
sexual education, we advocate that it should cover biological,
psychological, historical, social and cultural issues, taking into account
the participation of adolescents as agents of the educational process.
Knowledge is inexhaustible and, through the public policies that govern
education in our country today, Sexual Education becomes an act of
resistance. It is imperative to invest in teacher training, either initial or
continuing, which is fundamental to an Emancipatory Sexual Education
that contributes to the formation of responsible individuals, capable of
recognizing its importance and valuing family, school and social
relations for the consolidation of a more just and egalitarian society.
Keywords: Sexual Education; Sexuality; Adolescence; Emancipatory
Education; Teacher training.

Enquadramento teórico
As dissertações que norteiam essa discussão, foram realizadas
concomitantemente no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em
Educação da UNIOESTE – Francisco Beltrão PR no período de 2015 –

379
201824. As pesquisadoras atuaram como educadoras sexuais em um
projeto de extensão promovido pelo LAB GEDUS25, projeto este
intitulado Laboratório de Educação Sexual Adolescer26. Embora as
atuações das pesquisadoras tenham ocorrido em momentos distintos, a
experiência de docência em Educação Sexual com pré-adolescentes e
adolescentes de 9 – 17 anos de idade, contribuiu significativamente para
compor a problematização das três pesquisas apresentadas ao PPGE da
UNIOESTE.
A partir deste momento passamos a tratar os textos como
Pesquisa 1 – Sexualidade e Agressividade entre adolescentes no
contexto escolar: contribuições psicanalíticas; Pesquisa 2 – Sexualidade,
Adolescência e Educação Sexual a partir dos quereres e poderes da
internet e Pesquisa 3 - A Educação Sexual na formação do/a pedagogo/a
no estado do Paraná.

24
As dissertações estão disponíveis em:
http://tede.unioeste.br/handle/tede/2988 ,
http://tede.unioeste.br/handle/tede/2992 e
http://tede.unioeste.br/handle/tede/3326.
25
O LABGEDUS (Laboratório e Grupo de Pesquisa Educação e Sexualidade),
é um grupo de pesquisas e estudos interdisciplinares, composto por professores
efetivos e colaboradores e acadêmicos da graduação e pós-graduação das áreas
de Ciências Humanas e Ciências da Saúde. Foi criado em 2003 por afinidade
teórica e empírica de professores do Curso de Pedagogia, Campus Francisco
Beltrão e ampliado para a área da Saúde, com a implantação do curso de
Medicina no mesmo campus, em 2013. Por conta da qualificação dos seus
membros, o LABGEDUS tem interesse de investigação e aprofundamento
conceitual para as questões da sexualidade, infância, adolescência, violências,
educação em saúde, estudos de gênero e formação de professores. Disponível
em http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7032512543597148 Acesso em
07/09/2018.
26
O Laboratório de Educação Sexual adolescer: espaço de construção de
conhecimento e saberes sobre sexualidade é um projeto de extensão permanente
que atua na Educação Sexual de crianças e adolescentes, bem como na formação
docente.

380
As pesquisas 1 e 2 apontam para a necessidade de discussões que
tratem de Educação Sexual, Sexualidade e Adolescência no campo
científico em pleno século XXI. A Pesquisa 1 considera o vínculo entre
agressividade e sexualidade entre adolescentes no contexto escolar. Com
base na teoria psicanalítica, tanto a agressividade quanto a sexualidade
são pulsões, ou energias vitais que nos acompanham por toda a vida,
desta forma precisamos conhecer a dimensão destas energias e suas
manifestações no decorrer da existência humana. A Pesquisa 2 visou
entender como era realizado o uso da internet pelos adolescentes e ou
professores dentro do espaço escolar, bem como se já haviam participado
de aulas de Educação Sexual, entendendo quais eram as compreensões
pela temática. Assim foi possível visualizar os papéis de cada um na
educação sexual dos adolescentes, quais as influências que sofriam e os
motivos que levavam a estas. Na pesquisa 3, o objetivo consistiu em
identificar, nas matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia - das
universidades públicas do Paraná, elementos ou componentes
curriculares relacionados à Educação Sexual na formação inicial dos/as
professores/as, uma vez que é preciso formação adequada ao/à
professor/a.
As pesquisas 1 e 2 apontaram a necessidade da desconstrução de
preconceitos sobre a Sexualidade por parte dos professores que atuam no
cotidiano escolar o que reforçaram a problemática que sustenta a
pesquisa 3. Todas reafirmam a necessidade de formação inicial e/ou
continuada desses professores. Pois, segundo Furlani (2009), a docência
pode tanto servir para a manutenção ou à transgressão dos estereótipos
construídos em relação à Sexualidade e a sua diversidade. Seja devido à
formação “insuficiente”, seja por questões familiares e pessoais, valores
introjetados na forma de pensar.
Pensando no caminho percorrido durante as pesquisas, é possível
entender que no processo de adolescer, a escola ocupa uma posição
relevante na constituição dos indivíduos que compõem este espaço,
principalmente, no que se refere à compreensão da Adolescência, o que
demanda conhecimentos por parte dos professores e demais agentes

381
educativos para um processo educativo-formativo qualificado. Assim,
corroboramos com Figueiró (2013) ao afirmar que “[...] quando se quer
desenvolver um trabalho de Educação Sexual na escola é importante que
os vários profissionais que ocupam o espaço da instituição também
participem dos grupos de estudos ou de reuniões para debater o tema” (p.
42).
A adolescência é um momento intenso de descobertas e
transformações significativas, embora esta se apresente como um
processo difícil, confuso e doloroso, é neste período que se vivenciam as
construções e identificações de novas ferramentas emocionais para
estabelecer a relação com o mundo. Entendemos a adolescência, para
além da transição biológica da infância à vida adulta, considerando os
aspectos psicossociais a ela associados. Corroborando com Pimentel
(2017) ao apresentar que à medida que o adolescente estabelece relações
com pessoas diferentes, visualiza novas concepções acerca do ambiente
social e, aos poucos, constitui sua identidade. A escola não está imune
ao processo de adolescer, Aquino (1997) afirma que os adolescentes
requerem a verbalização do tema sexualidade, com a seguinte
observação:

Mesmo comumente pensada como um exercício


exterior aos muros escolares, a sexualidade insiste
em mostrar seus efeitos, deixar seus vestígios no
corpo da instituição. Seria mais legítimo dizer que
ela se inscreve literalmente, às vezes, na estrutura
das práticas escolares. Exemplo disso? As
pichações nos banheiros, nas carteiras, os bilhetes
trocados, as mensagens insinuantes. O que dizer,
então, dos olhares à procura de decotes arrojados,
braguilhas abertas, pernas descobertas? E aquele(a)
professor(a), ou colega de sala, para sempre
lembrado(a) como objeto de uma paixão juvenil?
(p. 09).

382
Além das manifestações da sexualidade nas práticas escolares
citadas por Aquino, na atualidade contamos com outro instrumento
comum aos adolescentes, trata- se das ferramentas midiáticas, dentre elas
a internet, utilizada como fonte de informações, comunicação ou
expressão por parte das pessoas. Neste sentido, na internet a sexualidade
geralmente está associada a publicações de materiais pornográficos,
porém é necessário lembrar que é possível encontrar postagens,
divulgações, blogs e sites que tratam de conteúdos educativos que visam
uma Educação Sexual Emancipatória, contribuindo para a formação dos
adolescentes.
As pesquisas 1,2 e 3 concordam que a garantia de Educação
Sexual intencional planejada e voltada para a emancipação dos sujeitos
pode auxiliar os adolescentes no processo de adolescer e empoderá-los
para a vivência dos conflitos deste período da vida, conflitos estes que
são ao mesmo tempo inevitáveis e, superáveis, pois a medida que a
superação destes conflitos se estabelece, o adolescente encontra formas
de se relacionar com o mundo e consigo mesmo fortalecendo assim a sua
própria constituição frente ao mundo.

Os métodos, os resultados principais e as discussões


As três pesquisas tiveram as problemáticas levantadas a partir
das ações desenvolvidas no LAB Adolescer. Na pesquisa 1, foram
considerados como sujeitos da pesquisa, dezessete (17) adolescentes
entre 13 e 15 anos de idade, e onze (11) professores que lecionam para
esses discentes em áreas de conhecimento distintas (PIMENTEL, 2017).
A coleta de dados, para identificar a relação agressividade-sexualidade
na adolescência no contexto escolar foi realizada por meio da aplicação
de questionários semi abertos aos estudantes e aos professores. A
pesquisa nos revelou que as manifestações de comportamentos
agressivos são rotineiras nos espaços investigados e que o trato com as
situações conflituosas é complexo tanto para professores como para
docentes.

383
Concomitantemente, a sexualidade ocupou um lugar de destaque
na preocupação dos sujeitos da pesquisa 1. O espaço escolar aparece
como último lugar para recorrer quando o assunto é sexualidade;
contraditoriamente, apresentaram-na como o segundo espaço
responsável pela Educação Sexual, ficando atrás, somente, da família.
Neste sentido, Silva (2009) ressalta a necessidade de uma formação
continuada para professores acerca da Educação Sexual enfatizando que
grande parte dos docentes considera o tema relevante, mas sentem-se
despreparados para explanar o mesmo. Para Silva (2009) a Educação
Sexual compreende
[...] toda ação que envolve uma aprendizagem
sobre sexualidade humana, que esteja inserida
em um conjunto de representações, valores,
vivências e regras, pertencentes a todo gênero
humano. Para isto, faz- se necessário que os
educadores, possam desenvolver diretrizes e
princípios filosóficos, éticos e políticos
emancipatórios, a partir da consideração da ação
de resistência e afirmação de novas culturas e
valores presentes na sociedade brasileira atual,
com o reconhecimento de que há uma marcha de
cidadãos e cidadãs em busca de seus direitos e
identidades, dando condições para compreender
e viver positivamente a sexualidade (p. 88-89).

Desta forma, a pesquisa 1 traz à tona a preocupação com a


agressividade e sua relação com a sexualidade, uma vez que a Educação
Sexual desenvolvida no ambiente escolar pode constituir-se como um
instrumento para conhecer os aspectos relacionados à adolescência, à
sexualidade e às relações que se estabelecem entre essas duas categorias
no espaço escolar.
Na pesquisa 2, a coleta de dados junto a quarenta e três (43)
adolescentes e vinte e dois (22) professores, ambos do Ensino Médio em
quatro (04) colégios estaduais da rede pública do município de Francisco
Beltrão - PR (MENIN, 2017). A coleta de dados foi realizada por

384
aplicação de questionários semi abertos para todos os participantes por
meio de dez (10) perguntas cada.
As respostas dos adolescentes e dos professores muitas vezes
foram divergentes ao nos reportarmos a Educação Sexual, nos deixando
a entender que novamente para os adolescentes os assuntos trabalhados
apenas em Ciências e/ou Biologia seria Educação Sexual, enquanto os
professores percebiam que este trabalho era apenas pontual e não
suficiente.
Durante a pesquisa em uma determinada pergunta para
diferenciar sexo e sexualidade os alunos em totalidade e a maioria dos
professores não entendiam a separação, para eles a sexualidade era
meramente o sexo. Com isso após o preenchimento do questionário foi
realizada a explicação da diferença e complementação sobre as
temáticas.
Desta forma, foi possível entender a urgência e a necessidade de
formação inicial e continuada para os professores, pois na grande maioria
demonstraram nas falas o medo pelo temo por não saber de que forma
deveriam lidar com a temática e principalmente como responder aos
questionamentos dos adolescentes em sala de aula.
A pesquisa 3, consistiu em traçar o percurso histórico das
políticas públicas à educação no Brasil com o intuito de compreender
como se materializaram as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (DCNCP, 2006), a qual passou a ter a docência
como base de sua identidade e se o/a pedagogo/a vem recebendo
formação histórica e embasamento teórico necessário, para trabalhar a
Sexualidade Humana no exercício da docência. Foram identificados
trinta e um (31) cursos de graduação em Pedagogia, dos quais, entre as
matrizes curriculares, identificamos apenas duas (02) disciplinas, na
modalidade optativa, relacionadas à Educação Sexual. As disciplinas
abrangem quatro (04) dos trinta e um (31) cursos e são ofertadas em uma
das universidades estaduais e na universidade federal.
A Pesquisa 3 estudou as matrizes curriculares e ementas das
disciplinas que compõem a grade curricular vigente, dos cursos de

385
graduação em Pedagogia das universidades públicas do Paraná, uma vez
que a formação acadêmica da pesquisadora foi nesta área e as indagações
foram ganhando forças no exercício da profissão. O objetivo foi
identificar o contingente de inferências e determinantes econômicos,
éticos, políticos, religiosos, tecnológicos e sociais, que levaram à
materialização das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Pedagogia (DNCCP, Resolução CNE/CP n. 1/2006, de 15/05/2006).
Buscou ainda, compreender as relações existentes entre a estrutura social
e o sistema político brasileiro na construção da identidade e
desenvolvimento da história da Educação Sexual institucionalizada no
Brasil, especialmente na formação dos/as Pedagogos/as.
No decorrer da pesquisa, através do levantamento bibliográfico,
constatamos, que falar sobre Sexualidade ainda é algo revestido de
preconceitos. Quando acontece está se caracteriza como uma abordagem
heteronormativa, binária e relacionada à função biológica e/ou
reprodutiva com ênfase na prevenção da gravidez na adolescência e à
prevenção das doenças sexualmente transmissíveis - DSTs. Geralmente,
o tema é abordado nas aulas de Ciências ou, então, de forma
interdisciplinar, pelos professores que fizeram algum curso, ou que
participam de grupos de estudos relacionados à temática.
Corroborando com as Pesquisas 1 e 2 , a Pesquisa 3 reafirma a
importância de uma continuidade na abordagem da Educação Sexual,
que valorize a relação e a interação entre professores, alunos,
comunidade escolar e, principalmente, a família contrapondo-se ao
hábito de recorrer às abordagens pontuais e a terceirização da Educação
Sexual a profissionais externos ao ambiente escolar.
Neste sentido, as três pesquisas apontam a urgência em uma
formação adequada e qualificada em Educação Sexual para que os
profissionais da educação, possam desenvolver a capacidade de saber
relacionar-se, organizar-se, compreender e compreender-se, uma vez
que, o professor, ao mesmo tempo que é formador, está aprendendo no e
com o processo de ensino aprendizagem.

386
Considerações finais
Ressaltamos a urgência de investimentos na formação dos
professores em Educação Sexual, seja ela inicial ou continuada, afinal é
por meio da formação que endossamos a prática pedagógica no dia a dia.
Nesse sentido, o conhecimento é inesgotável e, mediante as políticas
públicas que regem a educação do nosso país na atualidade, a Educação
Sexual se torna um ato de resistência.

Desta forma, a Educação Sexual se torna


imprescindível ao reconhecer a sexualidade, como
algo que está presente na vida do ser humano desde
a sua concepção até a sua morte, a qual não é
intacta, pois passa por modificações e
transformações conforme as vivências, fases e
realidades de cada pessoa (MENIN, 2017, p.29).

Muitas vezes a Educação Sexual é negligenciada por familiares


e professores por acreditarem que ao falar sobre sexualidade com os
adolescentes estariam estimulando a curiosidade precoce, sendo que os
adolescentes desde a infância têm curiosidades inerentes ao seu
desenvolvimento físico e psicológico, precisando de auxílio para
entender o mundo que o cerca, bem como as formas de relacionar-se com
este. Para Pimentel (2017) a escola assume um papel significativo à
medida que

[...] representa um lugar em que o adolescente pode


expressar aquilo que, por vezes, em casa ou em
outros ambientes que frequenta não lhe é permitido,
seja pelas regras morais ou pelo sentimento de
pertencimento do adolescente que, às vezes, é mais
marcante no espaço escolar que em outros
ambientes. Essa relação do adolescente com o outro
e consigo mesmo é permeada por conflitos na busca
da identidade pessoal e da afirmação desse
adolescente no mundo adulto (p. 88).

387
Para promover Educação Sexual de qualidade, defendemos que
esta deve abranger questões biológicas, psicológicas, históricas, sociais
e culturais, levando em consideração a participação do educando como
agente do processo educativo. Às vésperas da segunda década do século
XXI, passamos por turbulências múltiplas no campo educativo, manter
erguida a bandeira da Educação Sexual Intencional nos espaços formais
é um ato de resistência, mais do que isso, é denunciar o descaso, que ora
presenciamos, com a sexualidade humana enquanto característica
primordial daquilo que nos constitui como humanos, o desejo, a
capacidade de aferir afetos em nossas relações cotidianas.
Uma vez que a Educação Sexual se insere no campo das relações
estabelecidas com o outro, consigo mesmo e com o mundo, educar
pessoas para exercer relacionamentos saudáveis é um compromisso
social, para a promoção de uma sociedade justa, democrática, igualitária
e plural. Compromisso este que precisa encontrar espaço principalmente
nos locais de formação básica e continuada de docentes.

Referências
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práticas. São Paulo: Summus, 1997.

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Subsídios ao trabalho em Educação Sexual. 3ª Ed. 1 reimp. Belo
Horizonte: Autêntica, 2009.

LORENZI, Franciele. A Educação Sexual na formação do/a


pedagogo/a no estado do Paraná. 2017. 199 f. Dissertação (Programa
de Pós-Graduação em Educação) - Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, Francisco Beltrão, 2017.

MENIN, Franciéle Trichez. Sexualidade, adolescência e educação


sexual a partir dos quereres e poderes da internet. 2017.174 f..
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, Francisco Beltrão .

PIMENTEL, Gisele Arendt. Sexualidade e agressividade do


adolescente no espaço escolar: contribuições psicanalíticas. 2017.
137 f.. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual do
Oeste do Paraná, Francisco Beltrão, 2017.

SILVA, Ricardo Desidério da. Educação em ciência e sexualidade: o


professor como mediador das atitudes e crenças sobre sexualidade no
aluno. Maringá, 2009. Dissertação de Mestrado.

389
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O
TRABALHO DOS CONTEÚDOS DE
GÊNERO COM CRIANÇAS EM IDADE
ESCOLAR E PRÉ-ESCOLAR

Patrícia Barbosa da Silva


Etienne Henrique Brasão Martins
Eliane Rose Maio
(Universidade Estadual de Maringá)

O presente trabalho consiste em uma reflexão sobre a necessidade de


discussões e encaminhamentos de gênero no período pré-escolar e
escolar. Dessa forma, tem como objetivo geral realizar um ensaio para
que se possa ampliar as possibilidades de análise quanto à temática
proposta para estudo. A presente escolha se justifica devido a estes serem
os momentos da periodização de maior significação e apropriação de
estereótipos e preconceitos sobre gênero, que exigem por parte do/a
pedagogo/a, mediações intencionais que visem romper a presente
realidade de dominação e exploração de gênero-etnia e classe. Para tanto,
utilizamos como referência teórica e metodológica as contribuições da
Psicologia Histórico-Cultural na qual compreende que o trabalho
docente deve possuir intencionalidade na promoção do desenvolvimento.
Considera-se também que a formação de professores/as é uma
oportunidade de desmistificar conceitos espontâneos em referência ao
tema de gênero e sexualidade, possibilitando que os/as mesmos/as
interpretem e transmitam a partir de sua prática, a concepção de gênero
como uma construção social e que precisa ser mediada durante as
brincadeiras infantis e ensino escolar.
Palavras-chave: Formação de Professores; Psicologia Histórico-
Cultural; Gênero.

390
TEACHER TRAINING AND WORK OF GENDER CONTENTS
WITH CHILDREN AT SCHOOL AND PRESCHOOL

The present work consists of a reflection on the necessity of discussions


and referrals of gender in the preschool and school years. In this way, it
seeks to carry out an essay to be postponed in the future as possibilities
of analysis regarding a version proposed for the study. The present
choice is justified because these are the moments of periodization of
greater significance and appropriation of gender stereotypes and
prejudices, which require the intentional mediation of the pedagogue to
break the present reality of domination and exploitation of gender-
ethnicity and class. For that, we use as a theoretical and methodological
reference the contributions of Historical-Cultural Psychology in which
it understands that the teaching work must have intentionality in the
promotion of development. It is also considered that the training of
teachers is an opportunity to demystify spontaneous concepts about the
theme of gender and sexuality, allowing them to interpret and transmit
from their practice, the conception of gender as a social construction
and that needs to be mediated during children's play and school
teaching.
Key words: Teacher Training; Historical-Cultural Psychology; Gender.

Enquadramento teórico
O presente trabalho se justifica devido à situação atual nas quais
se encontram as populações ditas como minorias e a possibilidade de
modificar a atual situação por meio do trabalho com crianças pré-
escolares e escolares, por meio das brincadeiras infantis. Devido à
amplitude da temática, destacamos o elevado número de violências
sofridas por mulheres, considerando a desvalorização no mercado de
trabalho, como uma forma de violência.
Atualmente no Brasil os índices de violência contra as mulheres
têm se mostrado alarmantes. Segundo dados do Mapa da Violência
(2015), de 1980 a 2013 os índices de assassinatos de mulheres

391
aumentaram cerca de 2,3% ao ano e, no período de 2007 a 2013, houve
um crescimento de 23%, número expressivo quando considerado o curto
período de tempo. Quando comparados os dados nacionais com os
presentes, em países desenvolvidos, o Brasil apresenta 48 vezes mais
feminicídios que no Reino Unido; 24 vezes mais que na Irlanda e
Dinamarca e 16 vezes mais que no Japão e Escócia (WAISELFISZ,
2015).
Waiselfisz (2015) ressalta ainda, com relação às violências
sofridas pelas mulheres, que o feminicídio, consequência máxima de
descaso social, é apenas uma das modalidades de sofrimento da mulher,
observando também violências físicas, psicológicas e sexuais, praticadas
em sua maioria por familiares. Das 2.433.867 mulheres agredidas, 22,6%
são feitas por seus parceiros e 12,5%, por ex-parceiros. Em referência às
violências praticadas por pessoas conhecidas, 57,3% das mulheres
sofreram pelo menos uma vez violência física e 37,3% violência
psicológica27. Outros dados também afirmam que 36,9% sofreram de 8 a
11 vezes violência sexual (WAISELFISZ, 2015).
O Mapa também revela que a violência mais comum praticada
contra as mulheres é a psicológica (47,8%), seguida de violência física
(43,1%) e sexual (0,5%). E quando a sociedade se silencia perante a essa
situação, a mulher paga com sua vida como ocorreram com 4.762
mulheres, sendo que destas 2.394 foram assassinadas por um familiar e
1.583 foram mortas pelos seus parceiros ou ex-parceiros.
Além disso, o referido documento cita que o perfil preferencial
das mulheres vítimas de violência são mulheres negras, com idades entre
18 e 30 anos (WAISELFISZ, 2015). Em relação a essa situação, Saffioti
(1987) argumenta que a dominação e exploração do gênero feminino está
relacionada a outras formas de dominação e exploração presentes na

27
Violência psicológica é definida por Saffioti (2015) como toda conduta que
cause dano emocional e diminuição da autoestima, que objetivem degradar ou
controlar ações, se utilizando de ameaças, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância, perseguição, chantagem e ridicularização.

392
sociedade, tais como a étnica e de classe. Em outras palavras, a luta pela
emancipação feminina não consiste em uma sobreposição de um gênero
a outro, mas sim em uma luta conjunta (gênero-etnia-classe) pela
emancipação humana.
Em relação à situação da mulher no mercado de trabalho,
destacam-se pesquisas realizadas pelo IBGE28 em 2016, que mostram
que as mulheres ganham 23,5% menos que os homens em cargos que
não exigem ensino superior e 36,6% a menos em cargos que exigem
ensino superior, sendo esta uma das formas de violência contra a mulher,
segundo Saffioti (1987).
Saffioti (1987; 2013) considera que a atual situação da mulher
no mercado de trabalho consiste em uma estratégia do sistema
capitalista, que visa a maior taxa de lucro. Para tanto, justifica a atual
situação da população feminina e de outros grupos marginalizados a
partir de ideologias, dentre elas a meritocracia.
Ao vislumbrarmos os dados e reflexões anteriormente
explicitadas, não podemos ignorar um fator para a permanência desse
ciclo, a educação. Deste modo, relacionamos que as práticas exercidas
socialmente também são reforçadas dentro do ambiente escolar quando
o/a professor/a mediador/a está lidando com os jogos de papéis, período
de apropriação dos conceitos de gênero. Compreendendo gênero como a
dimensão cultural a qual o sexo biológico se manifesta (SAFFIOTI,
2015; 2015).
Assim, no que se refere à relevância de discutir as questões de
preconceito contra a mulher nas brincadeiras infantis, destaca-se que na
teoria de referência, as brincadeiras são consideradas a forma como a
criança interpreta o mundo. Conforme Leontiev (2001b), nesse momento
a criança toma contato com ideias, conceitos e valores, principalmente,

28
Disponível in: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-
agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-
ganha-menos-do-que-o-homem.html. Acesso in Set. 2018.

393
na brincadeira de papeis, na qual ocorre a apropriação dos papéis sociais
de gênero presente em nossa sociedade.
É possível pensar que esse contexto, de desigualdade, se reflete
na escola, gerando várias manifestações violentas generalizadas (tanto
entre alunos/as, quanto entre professores/as e alunos/as), como o
bullying, por exemplo. Além disso, há um desconhecimento acerca do
debate sobre gênero e sexualidade, o que contribui para a violência.
Pensando na escola enquanto um dos locais de reprodução dessa
violência, não se pode deixar de lado, contraditoriamente, a função
humanizadora da mesma e assim, considerá-la enquanto um lócus de
grande importância para o combate da violência de gênero.
Considera-se que a função de trabalhar gênero, sexualidade e os
preconceitos presentes nestas temáticas são da escola, já que esta é a
responsável pelo desenvolvimento do pensamento por conceitos
verdadeiros29. Ou seja, acredita-se que o trabalho na Educação Infantil
pré-escolar, relacionado a apropriações que rompam com a lógica
presente em nossa sociedade, pode ser uma forma de modificar a situação
atual de violência e preconceito de gênero e em torno da diversidade
sexual.
Adentrando na função da escola, uma das possibilidades de
trabalho da Psicologia e Pedagogia no enfrentamento da violência de
gênero é o trabalho com formação de professores/as. A formação é uma
estratégia para instrumentalizar o/a professor/a diante das dificuldades
encontradas no contexto de seu trabalho. E no âmbito das discussões de
gênero e sexualidade encontra-se muito despreparo e preconceito por
parte da comunidade escolar, nesse sentido, para realizar discussão sobre
gênero e sexualidade nas escolas é imprescindível instrumentalizar o/a
docente para tal.

29
Conceitos verdadeiros, de acordo com Vigotski (2001) são o último estágio
do desenvolvimento do pensamento abstrato, no qual os/as sujeitos/as conhecem
a essência dos fenômenos. Os mesmos são conquistados apenas por meio de
uma educação formal e de qualidade.

394
Dessa forma estabelecemos como objetivo geral deste trabalho,
realizar um estudo teórico sobre a relevância da formação de
professores/as da pré-escola, na perspectiva da Psicologia Histórico-
Cultural. Na referida abordagem é possível justificar um ensaio sobre
esta temática, como uma possibilidade de enfrentamento da realidade
que mostra grandes potencialidades de transformação.
A relevância acadêmica e social do estudo consiste em contribuir
para a modificação da situação de naturalização da desigualdade,
preconceito e violência contra a mulher, construídos ao longo da história
e reforçados pelo sistema capitalista, assim como discutir a relevância
dos processos educativos e o papel da escola para à superação dos dados
apresentados.

Método
O método utilizado neste texto consiste em um ensaio. Na
concepção de Severino (2000) o ensaio consiste em uma modalidade de
exposição lógica-reflexiva com ênfase na argumentação e interpretação
dos autores.

Resultados principais e discussões


Tomando como base às questões abordadas anteriormente,
juntamente com o nosso objetivo, consideramos relevante destacar
aspectos da docência, inseridas na proposta da Psicologia Histórico-
Cultural, que é composta por significado e sentido. O significado de dar
aulas é social, ou seja, a atividade de docência se modifica ao longo da
história e com ela também o que se define como significado da docência.
A partir do significado, atribuição social e histórica, temos o sentido
pessoal. Esse consiste no que o/a professor/a atribui como a razão
(interpretação pessoal do significado social) de dar aulas (ASBAHR,
2005; PASQUALINI, 2016).
A significação social do/a professor/a envolve o seu papel como
mediador/a dos conteúdos desenvolvidos pela humanidade. E também, a
responsabilidade de desenvolver os/as alunos/as, por meio do

395
direcionamento intencional do ensino. A intencionalidade é
imprescindível, visto que por meio da mesma ocorre o desenvolvimento
dos conceitos espontâneos (cotidianos e provenientes da experiência) aos
científicos (desenvolvidos historicamente pela humanidade), além de
promover a formação crítica dos/as alunos/as (ASBAHR, 2005;
PASQUALINI, 2016). Nas palavras de Pasqualini (2016, p. 3),

[...] a depender dos conteúdos que se transmite e da


forma que se adota para sua transmissão, estaremos
atendendo à intencionalidade de promover o
desenvolvimento omnilateral dos estudantes ou
meramente reproduzindo explicações da realidade
entranhadas de ideologia e produtoras de
passividade, obediência e conformismo.

Em relação à atuação do/a pedagogo/a compõem-se os


aspectos já citados, temos função de promover a educação para e na
cidadania, abrangendo as compreensões e aplicações dos conhecimentos
que envolvem saberes matemáticos, linguísticos, históricos, geográficos,
artísticos e corporais (BRASIL, 2006). Não podendo desvencilhar do
desenvolvimento das dimensões físicas, psicológicas, intelectuais e
sociais, que circunscreve os/as educandos/as em ambientes escolares e
não escolares, em uma perspectiva educativa e de transmissão de
conhecimento (BRASIL, 2006).
Desta forma Pasqualini (2016) argumenta que a intencionalidade
deve estar presente na seleção e direcionamento dos conteúdos a serem
trabalhados. Tal seleção engloba a sua reflexão desde aspectos macro
(como a participação na elaboração de políticas educacionais e/ou no
Projeto Político Pedagógico da escola) como micro (planejamento das
aulas ministradas), sendo a última a promotora direta de
desenvolvimento da consciência e personalidade, atuando na unidade
afetivo-cognitivo do/a aluno/a (que se apropria e interpreta o
conhecimento) e professor/a (que ao atuar no mundo e o modificar
também se modifica).

396
Levando em consideração tais inferências, a formação
continuada se faz premente, devido a possibilitar o exercício contínuo do
retorno à intencionalidade. Possibilita também a oportunidade de
desenvolvimento de temas atuais vivenciados em seu cotidiano, sob o
viés de conceitos científicos.
Neste trabalho, buscamos desenvolver e promover a reflexão em
relação à intencionalidade da atividade docente na Educação Infantil e
escolar (anos iniciais), relacionadas aos conteúdos de gênero e
sexualidade. Para que tal objetivo seja alcançado, torna-se necessária a
compreensão da periodização do desenvolvimento e do/a professor/a
como agente ativo/a nesse processo, assim como a sua relação com os
conceitos de gênero e sexualidade.
No que tange à periodização do desenvolvimento, a partir do
ponto de vista da Psicologia Histórico-Cultural somos seres constituídos
por meio das relações sociais e históricas (FRANCO, 2016). Tal
afirmação inclui também a inferência de que nós desenvolvemos durante
toda a vida, de forma não linear, incluindo momentos estáveis e de crise.
Nesse sentido, Elkonin (2012) argumenta que o
desenvolvimento humano ocorre por meio das divisões de épocas e
períodos do desenvolvimento. As épocas são a primeira infância,
infância e adolescência, como exemplificadas na tabela a seguir.

397
Título: Periodização do Desenvolvimento Psíquico
.

FONTE: Material didático elaborado e cedido pelo Professor Dr. Ângelo


Antônio Abrantes da Faculdade de Ciências da UNESP – Campus Bauru,
2012.

Leontiev (2001a) argumenta que as atividades principais estão


inseridas nas épocas, essas são conforme Elkonin (2012) e Leontiev
(2001a), as responsáveis por proporcionarem mais desenvolvimento das
funções especificamente humanas (superiores) em determinada fase do
desenvolvimento. As mesmas a reestruturam, proporcionam as bases da
personalidade e permitem que, posteriormente, outra atividade principal
se desenvolva.
No que se refere à mudança das atividades principais, Vigotski
(2012) expõe que as mesmas se alteram por meio da linha central e linha
acessória do desenvolvimento. O autor afirma que a atividade presente
na linha central do desenvolvimento é responsável por todas as

398
neoformações de cada idade e, também, por mudanças na personalidade,
enquanto a atividade presente na linha acessória se caracteriza por
realizar todas as outras mudanças parciais no psiquismo. O autor infere
ainda que ambas as atividades em determinado ponto do
desenvolvimento, no qual existe a contradição entre as potencialidades e
a atividade presente, se invertem, de forma que a atividade presente na
linha central se torna secundária e uma atividade secundária se torna a
atividade dominante do período.
No que tange nosso objeto de estudo, destacaremos a seguir as
atividades principais das brincadeiras infantis e idade escolar. Na idade
pré-escolar (3 a 6 anos) a atividade principal são as brincadeiras infantis,
nestas se desenvolvem as apropriações de regras, estereótipos, valores.
Para Elkonin (1998), as significações e compreensão das
relações sociais pela criança, consistem em um processo de
desenvolvimento da consciência infantil (incluindo as associações
relacionadas ao gênero). Tal processo se estrutura nas ações que a criança
realiza no mundo, dentre as quais se destacam inicialmente os processos
lúdicos presentes nas brincadeiras. Estas permitem à criança se
desprender da realidade imediata por meio de atividades abstratas, tais
como a compreensão das relações entre as pessoas, ou seja, das relações
de gênero presentes em nossa sociedade. Essa compreensão se torna mais
complexa, assim como o conhecimento do significado social dos objetos,
a autoconsciência e o sentimento de pertencimento social que
reestruturam a consciência (ELKONIN, 1998).
Vigotski (2008) e Elkonin (1998) ressaltam a origem da
atividade principal das brincadeiras infantis, está relacionada com a
contradição presente entre a necessidade de fazer o que os adultos fazem,
mas não possuir condições físicas para tal. A partir desta contradição as
brincadeiras surgem como forma de realizar desejos irrealizáveis,
provenientes de afetos generalizados. O mesmo ocorre, devido à criança
ser capaz de compreender as relações sociais e reagir às mesmas por
meio de afetos.

399
Os afetos, apesar de estarem presentes nas brincadeiras e
direcionarem seu conteúdo, não são inicialmente conscientes à criança.
Esta não compreende porquê brinca, nem dos motivos que a levaram a
executar a atividade. A presente compreensão se desenvolve durante a
execução da atividade, que é composta por uma situação imaginária e
regras a serem seguidas (LEONTIEV, 2001a; VIGOTSKI, 2008). As
regras são compostas de comportamentos sociais observados pela
criança, dentre esses a representação do que em nossa sociedade se
define como feminino e masculino (SAFFIOTI, 1987).
Em relação à idade escolar, Pasqualini (2013) argumenta que
durante a atividade de estudo predomina a necessidade de conhecer o que
os adultos conhecem, por meio do conteúdo escolar. Nesse momento,
existe a troca da predominância da relação criança-adulto social para
criança-objeto social, assim como a modificação do objetivo da
atividade, do processo para o resultado.
A atividade de estudo inicialmente nasce como uma linha
acessória presente na atividade principal anterior, das brincadeiras
infantis. Enquanto atividade acessória, podemos identificá-la em
momentos no qual se têm a orientação para o resultado, como o desenho
e modelagem. Nessas atividades, presentes durante as brincadeiras, a
criança desenvolve o que se denomina de atividade produtiva e orientada
para o resultado.
Neste momento, as significações sociais de gênero continuam a
se desenvolver mediadas pelo significado da palavra. Dito de outra
forma, a criança ampliará a sua significação sobre as relações humanas,
dentre elas as relações entre os gêneros, por meio de palavras e da
compreensão de seu significado social.
As apropriações de gênero (feminino e masculino) que ocorrem
nas brincadeiras infantis e na idade escolar são compreendidas por
Saffioti (1987; 2013; 2015) como um processo amplo que envolve
múltiplas relações e não se limita à diferença entre os sexos. Trata-se da
dimensão cultural na qual o sexo biológico se manifesta.

400
Considera-se também que o termo gênero é um conceito a-
histórico e ideológico. É considerado a-histórico, devido ao conceito
representar a possibilidade de relações iguais ou desiguais. E em si, não
explicar a desigualdade presente na sociedade entre homens e mulheres
(SAFFIOTI, 2013).
Devido ao caráter ideológico do termo gênero, Saffioti (2013;
2015) afirma que o conceito precisa ser utilizado em conjunto com o do
patriarcado30, pois este, explica historicamente e na materialidade a
desigualdade entre os gêneros. O patriarcado exerce influência
ideológica na compreensão do tema, sendo esta mais uma razão para a
utilização de ambos os conceitos na compreensão e explicação da
temática.
Saffioti (2015) argumenta que a ideologia expressa pelo
patriarcado ocorre em duas esferas: material e abstrata. A partir da
materialidade, consiste em pensar como a sociedade constrói o feminino,
e como suas regras recaem sobre o corpo da mulher. Essa face da
ideologia é o que possibilita a educação do corpo feminino voltado para
a submissão, levando a limitação do desenvolvimento da personalidade
feminina.
Em referência às apropriações do gênero masculino, Saffioti
(1987) argumenta que os meninos são ensinados (na educação informal)
a assumirem o papel oposto ao feminino (de passividade e submissão),
propiciando um desenvolvimento voltado à racionalidade, força,
competitividade e agressividade.
Estas apropriações também se caracterizam como limitadoras do
desenvolvimento, visto que excluem outras possibilidades de constituir
enquanto sujeito do gênero masculino. No entanto, ressalta-se que apesar
de os meninos possuírem limitações no desenvolvimento da

30
Sistema de heranças que institui a transmissão de bens por meio da linhagem
paterna. Tal modalidade de transmissão é originado devido a instauração da
propriedade privada e visa, a sua manutenção por meio de ideologias
relacionadas ao corpo feminino, propagadas e mantidas pela cultura (ENGELS,
1997; SAFFIOTI, 1987;2013; 2015).

401
personalidade, a esfera de maior limitação e dominação recai sobre o
gênero feminino e, por isso, justifica-se a pesquisa a partir das violências
sofridas por esse gênero.
As características supracitadas, que se voltam para a submissão
(feminina) e para a dominação (masculino), são apropriadas em diversos
momentos da vida. Assim, para Saffioti (1987; 2013; 2015), se destacam
as apropriações que ocorrem no período pré-escolar e escolar, devido a
este ser o momento de internalização das regras sociais, e
consequentemente, das regras impostas ao corpo feminino (ideologia do
patriarcado) e masculino (limitação da afetividade).
A criança está internalizando quem ela é e como deve agir
socialmente, é neste bojo que ocorrem as apropriações que atuam na
construção de características psicológicas voltadas ao dito feminino e
masculino. Isso ocorre por meio da delimitação de comportamentos
socialmente definidos a cada sexo. Em outras palavras, de forma alienada
e ideológica se definem maneiras como as mulheres e homens devem se
comportar, estabelecendo regras rígidas, que complementam as
apropriações ideológicas voltadas a expressão do corpo, de forma mais
intensa ao corpo feminino (SAFFIOTI, 2013; 2015).
Desta forma, por meio da compreensão de que se atribuem
características sociais a cada sexo biológico, Saffioti (2013) se refere ao
gênero como uma categoria indissociável do sexo. Em suas
considerações, destaca a necessidade de considerar ambos, em unidade,
pois não é possível analisar a sexualidade desprendida da realidade
material, na qual é vivenciada. Neste momento, a autora enfatiza a
necessidade de compreensão histórica da unidade gênero e sexo
biológico.
Perante a presente realidade de desigualdade entre os gêneros na
educação informal, é necessário explorar o potencial de transformação
da realidade presente na educação formal. Para Martins (2011), na
sociedade, a escola se destaca como a instituição responsável por
desenvolver conceitos científicos a partir de conceitos espontâneos. Ou
seja, a escola possui a responsabilidade de desenvolver o pensamento

402
teórico (conceitos científicos), fundamentado nos conhecimentos
historicamente produzidos pela humanidade, a partir da experiência
prática dos sujeitos (conceitos espontâneos). O ensino, portanto, deve ser
crítico, inserir a contradição e compreensão dos processos históricos que
levaram a presente realidade.
Considerando que o conceito de gênero deve ser desenvolvido
na escola, objetivando a modificação da realidade atual de preconceitos
e estereótipos, se utilizando como meio da atribuição de novas relações
qualitativas e conceituais ao significado da palavra. O significado da
palavra é um elemento essencial para interpretar a realidade, já que
revelam psiquicamente generalizações, conceitos e a história social das
relações humanas, existindo relação entre o desenvolvimento da palavra
e o desenvolvimento psíquico (VIGOTSKI, 2001; TOFFANELLI,
2016).
Dessa forma, a palavra possui um sentido mutável conforme as
transformações sociais. Por meio do seu significado, durante o
desenvolvimento a criança pode transformá-la, ressignificando
apropriações presentes na educação informal, por meio da mediação
presente na educação formal (MARTINS, 2011).
No que se refere às apropriações presentes na educação informal,
Saffioti (1987; 2013; 2015) argumenta que ambos/as os/as genitores/as
educam as crianças, por meios diretos e indiretos em relação ao que
compreendem pertencer ao gênero feminino e masculino. Estas
apropriações (conceitos espontâneos) são permeadas pela ideologia do
patriarcado, levando à propagação de estereótipos e preconceitos de
gêneros, que são reproduzidos pela criança na escola.
Nesse aspecto, a realidade material gera a necessidade de
planejamento de ações formais (ensino de conceitos científicos) que
modifiquem a situação atual de alienação, possíveis por meio do
desenvolvimento do pensamento conceitual de gênero, tanto para
alunos/as quanto para professores/as.
Na docência, a formação continuada se destaca como a
oportunidade de desenvolver conceitos verdadeiros em relação à

403
temática gênero para professores/as, possibilitando que estes/as saibam
identificar e intervir de forma emancipadora durante sua atuação. Dessa
forma o/a professor/a pode identificar situações desiguais de gênero e
mediar reflexões e ações que rompam com a reprodução das diversas
violências que são reproduzidas na escola. Em outras palavras, a
formação continuada de professores/as na temática de gênero, deve
possibilitar os/às mesmas/os a refletirem nas relações de gênero, tal
como significado da palavra mutável e historicamente construída.

Considerações finais
A partir do exposto acima, podemos inferir que a compreensão
do desenvolvimento infantil e gênero como socialmente construídos.
Para a Psicologia Histórico-Cultural, o desenvolvimento humano
depende da historicidade e da cultura a qual a pessoa está inserida.
Nesse aspecto as brincadeiras infantis e relações escolares, são
consideradas apropriações culturais relevantes ao desenvolvimento do
psiquismo, pois possibilitam apropriações de regras sociais, assim como
de estereótipos e preconceitos de gênero. O gênero, também deve ser
compreendido como socialmente definido, assim como os papéis
estereotipados, que são apropriados por meio da cultura e reproduzidas
na escola.
Uma vez compreendidas as relações entre a atuação do/a
professor/a dentro de sala de aula com alunos/as na idade pré-escolar e
escolar e as apropriações, torna-se possível desenvolver estratégias de
combate ao feminicídio, LGBTQfobia31, racismo, entre outros, a partir
de uma conscientização deste/a profissional do seu papel de mediador do
desenvolvimento dos/as estudantes, dos/as quais é responsável.
Dessa forma, gera-se a possibilidade de modificação dos
estereótipos, como exemplo os de gênero, por meio de mediações desse/a
profissional conscientizado/a, que proporcione oportunidade de

31
A LGBTfobia consiste em violências físicas e psicológicas exercidas contra
lésbicas, gays, bissexuais e travestis (SAFFIOTI, 2013).

404
brincadeiras e significações diferentes das estereotipadas,
ressignificando a linguagem presente nas apropriações relacionadas a
diferenças de gênero.

Referências
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Sociedade Livre Da Barbárie: Reflexões Sobre Intencionalidade,
Conteúdo e Forma Do Ato de Ensinar. Evento do Método MHD e PHC,
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WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres


no Brasil. Distrito Federal: Flacso Brasil, 2015.

407
FILMES INFANTIS NA ABORDAGEM DE
GÊNERO E SEXUALIDADE EM SALA DE
AULA

Izana Stamm Brol


Andréa Cristina Martelli
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná)

Compreender o desenvolvimento das crianças envolve considerar


questões relativas a sexualidade e gênero, bem como a forma como elas
a vivenciam e como se reconhecem. Sexualidade e gênero estão
presentes em todos os espaços de convivência, e o espaço escolar merece
destaque porque esse é um espaço de perguntas, respostas e experiências.
A abordagem dessas temáticas é possível por meio de livros didáticos,
de literatura, materiais pedagógicos e filmes. Neste trabalho,
problematizamos sexualidade e gênero a partir de filmes infantis,
sugerindo discussões que podem ser levantadas a partir deste artefato
cultural acessível e didático. Por meio de pesquisa no Google, usando
a palavra chave “filme infantil”, escolhemos 11 filmes infantis. Desses,
quatro foram selecionados: “Zootopia – Essa Cidade é o Bicho”, “Moana
– Um Mar de Aventuras”, “Os Smurffs e a Vila Perdida” e “Valente”.
As narrativas fílmicas permitem identificar relações de poder e
diferenças de gênero no binarismo masculino e feminino. O trabalho
sobre essa temática na escola pode propiciar o conhecimento e a
compreensão do espaço e dos direitos da mulher na sociedade. Possibilita
questionar alunos e alunas sobre como compreendem as diferenças e as
relações entre homens e mulheres, colocando em movimento suas
concepções e valores.
Palavras-chave: Filmes infantis, gênero, sexualidade, trabalho docente.

408
CHILDREN FILMS ON THE GENDER AND SEXUALITY
APPROACH IN CLASSROOM

Understanding children's development involves considering issues of


sexuality and gender as well as how they experience it and how they
recognize it. Sexuality and gender are present in all spaces of
coexistence, and the school space deserves attention because it is a space
of questions, answers and experiences. The approach of these themes is
possible through textbooks, literature, teaching materials and films. In
this work, we problematic sexuality and gender from children's films,
suggesting discussions that can be rose from this accessible and didactic
cultural artifact. Through Google® search, using the keyword
"children's movie", we chose 11 children's films, of which four were
selected: "Zootopia", "Moana", "The Smurffs and the Lost Village" and
"Brave". The film narratives allow identifying relations of power and
gender differences in male and female binaries. The work on this theme
in the school can promote knowledge and understanding of the space
and the rights of women in society. Makes it possible to discuss the
question about how students understand the differences and
relationships between men and women, putting their conceptions and
values in motion.
Keywords: Children's films, gender, sexuality, teaching work.

Introdução
Pensar no desenvolvimento da criança é sem sombra de
dúvidas, pensar em sua sexualidade e na forma como a vivencia na
família, no grupo de amigos, na escola, na igreja, etc. Entretanto, ela
ainda é permeada por tabus, medos, inseguranças e receios. “A
construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras
aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situações, e é
empreendida de modo explícito ou dissimulado (...)” (LOURO, 2008, p.
18). A sexualidade extrapola o ato sexual e as questões biológicas,
representa e inclui aspectos históricos, culturais e pessoais. Cada sujeito
possui uma forma singular de expressar a sua sexualidade e, portanto,

409
não existe o correto ou incorreto, mas diferentes formas de vivê-la
(JESUS, 2007).
Dentre as diferentes questões que envolvem e constituem a
sexualidade estão as relativas a gênero. Segundo Louro (1997), o
conceito de gênero é a forma de compreender ou representar as
características sexuais ou como estas são trazidas para as práticas sociais.
Gênero constitui-se em sistemas e formas de ser, pensar e agir nas
relações sociais, como as relações de poder entre homens e mulheres,
que são resultados da cultura e, não, das diferenças biológicas dos corpos
femininos e masculinos. Para Anacleto e Maia (2009), atualmente
sexualidade é um tema recorrente na área da educação e envolve não
somente os aspectos biológicos, mas também aspectos psicológicos e
sociais. O sujeito reflete as influências do meio em que está inserido,
então por meio da educação se pode contribuir para uma formação com
respeito às diversidades e diferentes formas de se viver a sexualidade.
A escola tem como uma de suas funções a formação humana
em seus diferentes aspectos, moral, intelectual, social, psicológico,
físico, entre outros. Nesse sentido, torna-se um espaço importante para a
discussão de gênero e sexualidade. Na escola há condições de promover
o respeito as diferenças, a quebra de tabus e preconceitos, incentivando
formas de pensar e agir que desmistifiquem os padrões politicamente
corretos impostos pela sociedade. É na convivência mútua e troca de
experiências que meninos e meninas podem superar as desigualdades,
sexismo, machismo e a misoginia (FURLANI, 2009), a escola, é,
portanto, local ideal para promover a educação sexual.
Os assuntos relacionados à educação sexual perpassam todas
as relações sociais e fases da vida e são parte constituinte dos sujeitos e
suas identidades (FURLANI, 2009), curiosidades e dúvidas sobre o
corpo, relacionamentos, etc. são exemplos. Nesse processo, a escola
educa os corpos e padroniza comportamentos, em todas as suas
especificidades a partir das formas pelas quais ensina, avalia, pune e
define masculino e feminino (DIAS, 2013). Assim, cabe à escola
possibilitar aos alunos e alunas reflexões sobre gênero e sexualidade a

410
partir de atividades desenvolvidas de forma intencional e planejada,
minimizando barreiras, movimentando paradigmas, desmistificando
crenças e mitos que, na maioria das vezes, podem conduzir a
preconceitos e discriminações resultando em situações de conflitos e
violências.
“A sexualidade é uma das questões que mais tem trazido
dificuldades, problemas e desafios aos educadores no seu trabalho
cotidiano de ensinar” (FIGUEIRÓ, 2006, p. 6). A curiosidade e vontade
de conhecer e desvendar as sensações, prazeres e mudanças do próprio
corpo e do contato com o corpo do outro ou outra, leva alunos e alunas a
questionar e buscar respostas em casa e também no espaço escolar.
Contudo, segundo Figueiró (2006, p. 6), isso “é um fator intrigante para
o próprio educador que, na maior parte das vezes, não tem sabido, ou não
aprendeu, a ensinar sobre a mesma”, ou seja, a falta de conhecimento e
informação de professores e professoras pode levar a não abordagem de
questões relativas a gênero e sexualidade.
Estes/as profissionais precisam de acesso a conhecimentos
científicos, formação inicial e continuada referentes a essas temáticas
para trabalharem com as manifestações da sexualidade, problematizando
as questões e dúvidas dos alunos e alunas, promovendo reflexões e a
produção de suas próprias respostas. Afinal, independente do preparo ou
não destes e destas profissionais, questões relativas sexualidade e gênero
estão presentes no cotidiano escolar e, intencionalmente ou não,
professores e professoras promovem educação sexual.
A abordagem das temáticas em voga nas salas de aula pode ser
realizada por meio de livros didáticos, materiais pedagógicos, livros de
literatura e filmes. Os filmes infantis são artefato cultural contemporâneo
usado com frequência na educação de crianças32 e podem trazer em seu

32
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (LEI Nº 8.069, DE 13 DE
JULHO DE 1990), Art. 2º Considera-se criança a pessoa até doze anos de idade
incompletos.

411
enredo questões relacionadas a gênero e sexualidade, auxiliando no
trabalho destas temáticas.
Nesse sentido, as narrativas fílmicas33 são um produto
contemporâneo de ampla circulação que transmite conhecimentos e
valores (CARDOSO et al., 2015), usadas como recurso didático nas salas
de aulas, podem ser um meio utilizado pelos e pelas profissionais da
educação para problematizar os conceitos de gênero e sexualidade
infantil na escola.
As narrativas fílmicas infantis trazem para o mundo das
crianças uma mistura de fantasia e diversão, que influenciam os modos
de se comportar e agir em casa, na escola e nos mais diversos espaços
sociais. Estas animações saem da telinha e influenciam as crianças em
seus comportamentos e escolhas, haja vista que ofertam uma gama de
artigos desde camisetas, sapatos, jogos eletrônicos, cadernos, mochilas,
dentre outros (SABAT, 2001). Por meio desses veículos são
disseminadas influências posturais, escolhas, hábitos, o que são objetos,
cores e atitudes de menino e de menina.
Segundo Sabat (2001), é comum narrativas fílmicas infantis
construírem diferenças de gênero e sexuais como naturais, influenciando
a construção hierárquica do feminino e do masculino como decisivas e
inalteráveis. Compreender e problematizar essas construções e trazer
para a sala de aula é importante para a formação das crianças, a fim de
promover uma educação sexual que coloque em movimento tabus,
preconceitos, diferenças e falta de compreensão diante das diversidades
e liberdade de cada sujeito.

Método
Realizamos a seleção dos filmes infantis com base em pesquisas
realizadas em site de busca34, com a palavra chave “filme infantil”, que

33 Utilizamos neste trabalho a expressão narrativas fílmicas como sinônimo de filmes.


34
www.google.com.br.

412
resultou na seleção de seis filmes infantis. No Blog da Leiturinha35 foram
selecionados três filmes infantis e por sugestões de profissionais da área
da educação, integrantes do Grupo de Estudos sobre Educação e
Sexualidade (GEPEX), foram selecionados dois filmes infantis. Essas
buscas e sugestões resultaram em um total de 11 filmes infantis e
aproximadamente 14 horas de narrativas fílmicas assistidas.
O primeiro contato com os filmes infantis foi realizado antes da
leitura do referencial teórico, que nortearia as análises e discussões
futuras. A escolha dessa metodologia se deve ao fato de acreditarmos que
dessa forma nosso conhecimento poderia influenciar nas escolhas e na
forma como essas narrativas fílmicas infantis seriam vistas.
Na sequência realizamos o levantamento bibliográfico da
temática e estudo do mesmo. O material selecionado e consultado foram
artigos científicos, livros, capítulos de livros, teses e dissertações, que
abordavam a temática gênero e/ou sexualidade e problematizavam
artefatos culturais (filmes, desenhos animados, livros de literatura,
programas de televisão) que permitiriam o trabalho com as temáticas na
escola.
Realizada a leitura e estudo do material bibliográfico, os filmes
infantis selecionados foram assistidos novamente, com atenção a
maneira como esses filmes abordavam gênero e sexualidade e as
possíveis problematizações a partir de suas narrativas.

Resultados e Discussão
Os filmes infantis assistidos estão listados na tabela 1. As
narrativas fílmicas infantis selecionadas para problematizar os conceitos
de gênero e sexualidade infantil foram: Zootopia – Essa Cidade é o
Bicho, Moana – Um Mar de Aventuras, Valente e Os Smurfs e a Vila
Perdida, por permitirem problematizar questões de gênero e sexualidade
em primeiro plano, facilitando a compreensão e envolvimento dos alunos
e alunas. Os demais filmes infantis, embora permitam discussões e

35
http://leiturinha.com.br/blog/20-filmes-infantis-para-assistir-em-familia/.

413
problematizações, requerem um nível de análise e compreensão mais
elaborado e sistematizado, sendo que na nossa avaliação poderia tornar
inviável seu uso para abordagem da temática com crianças.

Tabela 1 – Relação dos filmes infantis selecionados e assistidos.

Fonte: as próprias autoras.

As narrativas fílmicas infantis selecionadas evidenciam a


importância e necessidade da mulher não almejar costumes, profissões
ou atividades tidas como masculinas. Não lhes é permitido sonhar ou
desejar algo que não esteja de acordo com os princípios femininos que
regem a cultura a qual pertencem. Louro et al. (2000, p. 6), lembra que
“a inscrição dos gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é feita,
sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as
marcas dessa cultura”. Nos filmes infantis analisados as protagonistas
transgridem as imposições de suas culturas e/ou famílias deixando em
evidência o direito e a capacidade das mulheres em realizar o que de fato
desejam.

414
Nesse sentido, a importância de trabalhar com as crianças gênero
e sexualidade está em fazê-los problematizar os porquês de determinados
comportamentos, costumes e atitudes, com o intuito de refletirem e
questionarem esses padrões, pois, isso coloca em movimento hábitos,
costumes e crenças passadas de geração a geração.
Em Moana – Um Mar de Aventuras, enquanto a jovem Moana
sonha com o dia em que conseguirá entrar em um barco e ir além dos
corais, seu pai argumenta sobre a importância e necessidade da jovem
permanecer onde está e aceitar seu destino, como a nova líder da aldeia.
Apesar da dominação masculina ainda estar presente na sociedade
moderna, é imprescindível destacar que as mulheres estão cada vez mais
participantes e ativas nas decisões de suas necessidades (LOURO et al.,
2000).
O trabalho sobre essa temática na escola possibilita o
conhecimento e a compreensão do espaço e dos direitos da mulher na
sociedade. A narrativa fílmica, Moana – um mar de aventuras, traz uma
situação em que a personagem principal é tratada como incapaz ou sem
direito de decidir sobre seu destino, pois este está traçado pela tradição.
Essa situação possibilita questionar aos alunos e alunas como
compreendem tais situações.
Certo dia as crianças estão ouvindo a vó de Moana contar a
história da origem do povo da aldeia, quando seu filho, pai de Moana,
interrompe a história da mãe, alegando não passar de invenções. Ele pega
Moana no colo e diz: “Ninguém vai além dos recifes. Estamos seguros
aqui. (...). Não há nada depois dos recifes, além de tempestades e mares
agitados. Enquanto ficarmos em nossa ilha muito segura, ficaremos bem
(...)” (MOANA, 2016). Na cena seguinte ao encontrar Moana sozinha
próxima ao mar, ele ordena que ela retorne para a aldeia e começa a
discursar sobre o destino da menina, o que pode ser verificado na fala
que segue:

Pai: - Você é a próxima grande chefe do nosso


povo.

415
Mãe: - E fará coisas maravilhosas, minha
pequenina.
Pai: - Claro que sim, mas primeiro você precisa
saber em que lugar você é destinada a estar
(MOANA, 2016).

É possível inferir que ela está destinada a seguir o caminho


escolhido por seu pai, sem o direito de escolher ou opinar. A mãe de
Moana enfatiza essa crença, consolando-a depois de uma discussão entre
pai e filha, argumentando o porquê de seu pai não querer que ela vá além
dos recifes. Moana está chateada jogando galhos na areia quando a mãe
se aproxima e diz:

Mãe: - Não é como se estivesse dito na frente de


seu pai, de pé em um barco que deveriam ir além
dos recifes.
Moana: - Eu não disse para irmos além dos recifes
porque eu quero estar no oceano.
Mãe: - Mas ainda assim você quer. Ele é duro com
você.
Moana: - Porque ele não me entende.
Mãe: - Porque ele era como você, atraído pelo
oceano. Certa vez, ele pegou uma canoa e cruzou o
recife e achou um mar imperdoável. Ondas do
tamanho de montanhas. O melhor amigo dele
implorou para estar naquele barco. E seu pai não
pôde salvá-lo. Ele espera poder te salvar. Às vezes,
quem desejamos ser ou o que desejamos poder
fazer simplesmente não é nosso destino (MOANA,
2016).

Regras, costumes, crenças e o poder de decisão masculino


estabelecidas e passadas de geração a geração muitas vezes são difíceis
de serem modificadas ou colocadas em movimento. O medo e
insegurança do pai em permitir que a filha tentasse realizar algo em que
ele havia fracassado, fazia com que ele colocasse limites a ela. “Os
padrões de privilégio sexual masculino não foram totalmente rompidos,

416
mas há, agora, abundantes evidências de que tal privilégio não é
inevitável nem imutável” (LOURO, 2000, p. 41). Nesse contexto, é
possível deixar as crianças pensarem e falarem sobre os seus desejos e
vontades, expressando suas opiniões.
Refletir sobre as relações e divergências entre homens e
mulheres a partir de narrativas fílmicas pode ser uma forma lúdica e
acessível no trabalho sobre gênero e sexualidade em sala de aula. Para
Louro et al. (2007, p. 16), “ao longo da vida, através das mais diversas
instituições e práticas sociais, nos constituímos como homens e
mulheres, num processo que não é linear, progressivo ou harmônico
(...)”. A partir do filme Moana é possível incentivar alunos e alunas a
pensarem e refletirem sobre esses papéis possibilitando a construção de
novas masculinidades e feminilidades.
Estes enredos, Zootopia – Essa Cidade é o Bicho, Moana – Um
Mar de Aventuras, Valente e Os Smurfs e a Vila Perdida, nos permitem
discutir com alunos e alunas as relações de poder, as diferenças e os
papéis que homens e mulheres desempenham em nossa sociedade, uma
sociedade patriarcal. Para Louro (2007, p. 204) “(...) sujeitos são
acolhidos ou desprezados conforme as posições que ocupem ou ousem
experimentar”.
“Zootopia – essa cidade é o bicho” permite debater gênero e
sexualidade a partir da personagem Judy, representada por uma coelha
que, mesmo diante da descrença e falta de apoio dos pais, não desiste de
ser uma policial. Em conversa com os pais sobre sonhos, Judy é alertada
sobre os riscos que enfrentará,

Gil Hopps (pai): - Judy, já pensou o porquê de sua


mãe e eu sermos felizes?
Judy: - Não.
Pai: - Porque desistimos de nossos sonhos e
sossegamos. Não foi, Bonnie?
Bonnie (mãe): - Verdade. Sossegamos mesmo.
Gil: - Essa é a beleza da complacência, Judy. Se
você não tentar algo novo, você nunca vai falhar.

417
Judy: - Eu gosto de tentar.
Bonnie: - O que seu pai quer dizer é que pode ser
difícil, praticamente impossível que você seja uma
policial. Nunca houve um policial coelho.
Gil: - Não, nunca. Coelhos não fazem isso.
Judy: - Então acho que serei a primeira. Porque eu
farei do mundo um lugar melhor (ZOOTOPIA,
2016).

É possível, a partir da história de Judy, pensar os desafios e


preconceitos postos ao universo feminino como o gênero frágil, incapaz
e limitado a determinadas atividades. Ao desejar uma profissão que via
de regra é dominada pelo universo masculino, a personagem permite
colocar em debate o que pode ou não uma mulher fazer. A história
permite debater se há divergências entre direitos masculinos e os
femininos. Possibilita conversar com as crianças sobre posturas e
comportamentos femininos e masculinos, fazendo-os pensar sobre a sua
condição e posição na sociedade. É possível a partir da narrativa fílmica
levá-los/las a “desestabilizar a relação homem dominador/mulher
dominada, ou o gênero forte dominando o fraco, a fim de entender que
nessa relação binária de poder serão tecidas novas formas de domínio”
(DIAS, 2013, p. 249).
As personagens das narrativas fílmicas infantis analisadas
lideram, decidem, mostram determinação e desempenham papeis
considerados masculinos. Conseguem no desenrolar da história mostrar
que são capazes e competentes tanto quanto homens. Em Os Smurfs e a
Vila Perdida, ao narrar o início da história papai Smurff diz,

E está é a nossa vila, onde tem um Smurff para


praticamente tudo. Tem o Smurff Perdedor, o
Pintor, o Vaidoso, o Fazendeiro, o Policial, o
Terapeuta (...). E esse sou eu o papai Smurf, o chefe
desse lugar (...). O nome da Smurfette não diz nada
sobre ela. (...) então o que exatamente é uma
Smurfette? (SMURFS, 2017).

418
O nome de cada Smurff representa o que ele é ou faz, mas
Smurfette não remetia a nada, e aí começa o dilema de encontrar algo
que a representasse. Essa situação a deixava deslocada e com um
sentimento de exclusão. “É relevante refletir sobre os modos como se
regulam, se normatizam e se vigiam os sujeitos de diferentes gêneros
(...)” (LOURO, 2007, p. 204). Pensar a necessidade e obrigatoriedade
que nos é colocada de respondermos aos ditames da sociedade, ou seja,
a imposição de papeis que correspondam ao nosso gênero.
No filme Valente, Elinor (mãe de Merida), reprova a atitude do
marido Fergus quanto ao presente de aniversário que ele dá a filha,
exclamando: - “Um arco, Fergus? Ela é uma dama” (VALENTE,
2012). Isso deixa em evidência sua concepção de que existem objetos
e atividades femininas e masculinas. “Os pais constroem o primeiro
ambiente de brinquedos da criança, antes que ela comece a fazer suas
escolhas” (KISHIMOTO; ONO, 2008, p. 210). É assim, que desde o
nascimento o ambiente, principalmente o familiar, vai influenciando as
escolhas e decisões das crianças.
Com a história do filme Valente é possível abordar o respeito as
diversas formas de se ver, viver e fazer escolhas. As narrativas fílmicas
permitem colocar em movimento as divergências que existem no
binarismo feminino e masculino, existente em nossa sociedade. Afinal,
“aprendemos a ser um sujeito do gênero feminino ou masculino,
aprendemos a ser heterossexuais, homossexuais ou bissexuais (...)”
(LOURO, 2011, p. 64). Os ambientes (casa, escola, igreja, bairro, etc.),
em que as crianças estão inseridas moldam e influenciam
comportamentos, atitudes, hábitos, etc.
O debate e a reflexão sobre os conceitos e conhecimentos que
alunos e alunas trazem para sala de aula é uma forma de propiciar que
eles/elas coloquem em movimento suas crenças e saberes. Isso favorece
a formação de sujeitos críticos, reflexivos e capazes de compreender e
aceitar as diferenças e diversidades presentes em nossa sociedade.
As narrativas fílmicas infantis permitem abrir diálogos sobre
regras, costumes, crenças, conceitos. A personagem Merida, no início do

419
filme “Valente”, apresenta seus três irmãos, os príncipes Hamish, Hubert
e Harris que, segundo ela, podem tudo e não seriam pegos nem se
cometessem um assassinato. Merida diz,

Eu nunca escapo de nada. Sou a princesa. Sou um


exemplo. Tenho deveres, responsabilidades e
expectativas. Minha vida está planejada, para o dia
que me tornarei como minha mãe. Ela está no
controle de todos os dias da minha vida
(VALENTE, 2012).

É possível a partir desse fato falar sobre as distinções de


comportamento e atitudes esperadas de homens e mulheres e os motivos
que levam a estas diferenças. “Diferentes sociedades e épocas atribuem
significados distintos às posições de gênero, à masculinidade, à
feminilidade e também às várias expressões da sexualidade” (LOURO,
2011, p. 64). Colocar em movimento nossos conhecimentos sobre as
temáticas gênero e sexualidade é um modo de formar sujeitos críticos e
reflexivos sobre as mais diversas questões que permeiam esses assuntos.
Em Valente, Elinor, mãe de Merida, lembra diversas vezes quais
são os bons modos de uma princesa para sua filha: – “Uma princesa não
gargalha. Não enche a boca. Acorda cedo. Tem compaixão. É paciente,
cautelosa, limpa. E acima de tudo se esforça para ser perfeita”
(VALENTE, 2012). Dessa forma, ela busca internalizar na filha os
costumes e modos que lhe foram passados, de forma que se tornem
naturais. “As muitas formas de fazer-se mulher ou homem, as várias
possibilidades de viver prazeres e desejos corporais são sempre
sugeridas, anunciadas, promovidas socialmente” (LOURO, 2004).
O uso de filmes infantis em sala de aula permite uma abordagem
dinâmica e lúdica sobre questões relacionadas a sexualidade, que “inclui
o sexo, a afetividade, o carinho, o prazer, o amor ou o sentimento mútuo
de bem querer, os gestos, a comunicação, o toque e a intimidade”
(FIGUEIRÓ, 2006, p. 2). A forma como vivenciamos nossa sexualidade
está ligada as nossas experiências, a razão e a questões sociais. Ela não

420
se resume ao ato sexual, logo, é importante trabalhar todos os demais
aspectos que a envolvem como o afeto, a amizade, gênero, prazer, amor,
etc.
Com o filme “Os Smurfs e a vila perdida” é possível propor
conversas sobre a importância das amizades em nossas vidas, pois, foi
com a ajuda de seus amigos que Smurfette encontrou o bosque das
Smurfs e as avisou que Gargamel viria atrás delas. É possível trabalhar a
relação de igualdade entre meninos e meninas, afinal, “meninos e
meninas ainda não possuem o Sexismo da forma como ele está
disseminado na cultura construída pelo adulto” (FINCO, 2003), e
também na vivência familiar.
“Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de
ver, ouvir e sentir as múltiplas formas de constituição dos sujeitos,
implicadas na concepção, na organização e no fazer cotidiano escolar”
(LOURO, 1997, p. 59), além de trabalhar a importância e necessidade de
nossas emoções e sua influência na construção de conceitos, e também
do respeito a si e ao próximo. “Os significados atribuídos aos gêneros e
às sexualidades são atravessados ou marcados por relações de poder e
usualmente implicam em hierarquias, subordinações, distinções”
(LOURO, 2011, p. 64). É possível a partir dos filmes infantis dialogar
sobre conceitos, crenças e conhecimentos que nos levam a conceber as
distinções, preconceitos e diferenças como normais e aceitáveis.
“Meninos e meninas são escolarizados para compreenderem o
que é ser menino e menina, quais lugares, papéis, atitudes que devem ter
ou reproduzir, criando‐se discursos e artefatos culturais que auxiliem
nesse processo” (CARDOSO et al., 2015, p. 245). Isso torna natural e
imperceptível aos olhos de muitos, os mecanismos de “formação” dos
costumes, hábitos e regras do que é aceitável e desejável em cada
sociedade. “A escola, servindo-se de símbolos e códigos, afirma o que
cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui” (LOURO, 1997,
p. 58). Daí a necessidade de trabalhar gênero e sexualidade na escola,
desde a educação infantil, como forma de amenizar as distinções e
preconceitos estabelecidos e cristalizados ao longo do tempo.

421
Utilizar filmes infantis em sala de aula é rico e proveitoso desde
que sejam promovidas situações que levem os alunos e as alunas a pensar
sobre o porquê das situações presentes na história, porque agimos dessa
ou daquela forma, porque pode isso e não aquilo. As narrativas fílmicas
infantis podem ser um meio de contribuir para a emancipação das
crianças, para que se tornem sujeitos capazes de compreender as
diversidades que os cercam.
A mulher pode alcançar seus objetivos e sonhos independente de
uma relação afetiva, uma vez que o cotidiano atual oferta espaços para
as mulheres decidir suas próprias vidas (LOURO et al., 2000). No filme
Valente, a protagonista sente-se realizada, feliz e satisfeita ao não ser
mais obrigada a casar com o pretendente escolhido por seus pais. Seus
pais deixam que ela assuma o poder de decisão, afinal por mais jovem
que fosse, ela tinha seus desejos e vontades próprias. Segundo Louro
(1997), homens e mulheres se constroem a partir de práticas e relações
que envolvem gestos, modos de ser e estar no mundo. “Os estereótipos
dos papéis sexuais, os comportamentos pré-determinados, os
preconceitos e discriminações são construções culturais, (...) ainda não
conseguiram contaminar totalmente a cultura da criança” (FINCO, 2003,
p. 95).
É possível trabalhar a partir dos filmes infantis abordar as
diferentes possibilidades e caminhos que as crianças podem seguir ou
escolher, ou seja, deixar em evidência sua capacidade de decisão e
autonomia. A escola, ao possibilitar que as crianças possam escolher
diferentes brincadeiras, brinquedos ou acesso a artefatos culturais, como
as narrativas fílmicas, que transgridam o que é pré-determinado para
cada sexo se torna um espaço propício para o não Sexismo, preconceitos,
diferenças e exclusões.

Considerações finais

Os filmes infantis possibilitam abordagens de temáticas que


frequentemente são permeadas de tabus, medos, receios e preconceitos,

422
mas que partindo de situações fictícias podem facilitar a abordagem,
compreensão e participação de alunos e alunas nas discussões e
construção de conhecimentos. Proporcionar momentos de debates e
conversas com alunos e alunas é uma forma de promover reflexões de
forma que se conheçam e reconheçam seus conceitos, costumes e
crenças.
Professores e professoras podem a partir dos filmes infantis
colocar em pauta as relações de poder existentes entre o feminino e o
masculino, o que alunos e alunas acreditam ou pensam sobre essas
relações e as diversas formas de ser menino ou menina em nossa
sociedade. É possível inferir questionamentos sobre a necessidade do
casamento, do seguir tradições, das relações afetivas e sociais entre
homens e mulheres, do satisfazer as vontades dos pais ou responsáveis
colocando em segundo plano seus anseios.
O trabalho da escola na abordagem de questões relativas a
sexualidade e gênero, por meio de artefatos culturais é um meio de
contribuir com a formação de sujeitos capazes de colocar em movimento
seus preconceitos, crenças, diferenças, etc. Afinal, acreditamos que as
crianças se encontram expostas aos ditames, preconceitos,
discriminações e sexismo que existe em nossa sociedade, e a vivência
com os adultos e sua cultura que os faz acreditam e internalizarem
crenças, diferenças, relações de poder, o certo e errado, o pode e não
pode. No entanto, também acreditamos que na infância é possível
trabalhar questões de sexualidade e gênero de forma emancipatória,
dando-lhes a oportunidade de falar, pensar e questionar sobre suas
vontades, desejos e anseios.

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ANPE, 2001. p.1–15.

425
HETERONORMATIVIDADE NAS
ESCOLAS: REFLEXÕES E EFEITOS
PRODUZIDOS

Nathaly Cristina Fernandes


(Faculdade de Jandaia do Sul)

A escola tornou-se um espaço em que rotineiramente perpetua


preconceitos e discriminações que produzem efeitos. A possibilidade de
padronizar e conservar as características ditas normais da sociedade faz
com que as diversidades sejam invisibilizadas. A heteronormatividade é
encontrada dentro da escola e pode ser percebida no currículo de maneira
sutil, é usada para pautar suas condutas com o corpo docente e discente.
Esse estudo tem por objetivo refletir sobre os efeitos produzidos pela
heteronormatividade nas escolas, tendo como método a pesquisa
bibliográfica. Os resultados mostraram que a heteronormatividade impõe
à opressão, o silenciamento da orientação sexual, a submissão, a
invisibilidade da mulher frente ao homem e que o binarismo entre o
feminino e o masculino determina a naturalização da sexualidade.
Fazendo com que o indivíduo que apresenta um comportamento
diferente a esta lógica seja compreendido como anormal. Concluímos,
portanto, que escolas devem encontrar mecanismos para refletir sobre
essa temática, problematizando práticas, atitudes, valores e normas que
investem nas segregações, na naturalização das diferenças, na
essencialização e fixação de identidades sociais, na (re)produção de
hierarquias.
Palavras-chave: Heteronormatividade; Sexismo; Escola.

HETERONORMATIVITY IN SCHOOLS: REFLECTIONS AND


EFFECTS PRODUCED

The school has become a space in which it routinely perpetuates


prejudices and discriminations that produce effects. The possibility of

426
standardizing and preserving the normal characteristics of society
makes the diversities invisible. The heteronormativity is found within the
school and can be perceived in the curriculum in a subtle way, is used to
guide its conduct with the faculty and student. This study aims to reflect
on the effects produced by heteronormativity in schools, using
bibliographical research as a method. The results showed that
heteronormativity imposes on oppression, the silencing of sexual
orientation, submission, the invisibility of women vis-a-vis man and that
the binarism between the feminine and the masculine determines the
naturalization of sexuality. By making the individual who behaves
differently to this logic be understood as abnormal. We conclude,
therefore, that schools must find mechanisms to reflect on this theme,
problematizing practices, attitudes, values and norms that invest in
segregation, in the naturalization of differences, in the essentialization
and fixation of social identities, in the (re) production of hierarchies.
Key words: Heteronormativity; Sexism; School.

Enquadramento teórico
A escola tornou-se um espaço em que rotineiramente perpetua
preconceitos e discriminações que produzem efeitos. A possibilidade de
padronizar e conservar as características ditas normais da sociedade faz
com que as diversidades sejam invisibilizadas.
A dificuldade que a escola apresenta em aceitar a diversidade
sexual e de gênero segundo Bassan (2017, p. 88) está ligada a uma esfera
política e social, que é motivada por uma visão histórico-cultural
construída na trajetória da sociedade, em que as classes dominantes
determinavam os padrões de comportamento. As pessoas que seguem
uma orientação sexual diferente daquela que impera na sociedade, se
tornaram sujeitos hierarquizados a partir de discursos sociais em que a
heterossexualidade é o normal, o que chama-se de heteronormatividade.
Esse estudo tem por objetivo refletir sobre os efeitos produzidos
pela heteronormatividade nas escolas.

427
Temos visto consolidar-se uma visão segundo a
qual a escola não apenas transmite ou constrói
conhecimento, mas o faz reproduzindo padrões
sociais, perpetuando concepções, valores e
clivagens sociais, fabricando sujeitos (seus corpos
e suas identidades), legitimando relações de poder,
hierarquia e processos de acumulação. Dar-se conta
de que o campo da educação se constituiu
historicamente como um espaço disciplinador e
normalizador é um passo decisivo para se caminhar
rumo à desestabilização de suas lógicas e
compromissos. (JUNQUEIRA, 2009, p. 13)

A heteronormatividade é tida como única possibilidade de


vivência da sexualidade humana, é expressa de formas discursivas,
práticas e através de valores que assumem papéis de normalização dos
corpos ao que Butler (2000 apud SANTOS; SILVA; PRATA, 2016, s/p)
vai chamar de Heterossexualidade compulsória. Segundo Petry; Meyer
(2011, p. 195) a heteronormatividade “visa regular e normatizar modos
de ser e de viver os desejos corporais e a sexualidade de acordo com o
que está socialmente estabelecido para as pessoas.”
Junqueira (2009, p.91) diz que o processo da
heteronormatividade é mais visível ou intenso em relação ao gênero
masculino:

Observamos que desde os primeiros anos de


infância os meninos são alvo de uma especialíssima
atenção na construção de uma sexualidade
heterossexual. As práticas afetivas entre meninas e
mulheres costumam ter, entre nós, um leque de
expressões mais amplo do que aquele admitido para
garotos e homens. A intimidade cultivada nas
relações de amizade entre mulheres e a expressão
da afetividade por proximidade e toques físicos são
capazes de borrar possíveis divisórias entre
relações de amizade e relações amorosas e sexuais.
Daí que a homossexualidade feminina pode se
constituir de forma mais invisível. Abraços, beijos,

428
mãos dadas, a atitude de “abrir o coração” para a
amiga/parceira são práticas comuns do gênero
feminino em nossa cultura. Essas mesmas práticas
não são, contudo, estimuladas entre os meninos ou
entre os homens. A “camaradagem” masculina tem
outras formas de manifestação: poucas vezes é
marcada pela troca de confidências e o contato
físico, ainda que seja plenamente praticado em
algumas situações (nos esportes, por exemplo), se
dá cercado de maiores restrições entre eles do que
entre elas (não só quanto às áreas do corpo que
podem ser tocadas como do tipo de toque que é
visto como adequado).

A heteronormatividade é encontrada dentro da escola e pode ser


percebida de maneira sutil, é usada para pautar suas condutas com o
corpo docente e discente, alunos que, por exemplo, possuem
comportamentos que não se encaixam no padrão heteronormativo, como
os homossexuais, são regulados por estratégias usadas pelos professores
e pela direção para repreendê-los ou mesmo invisibilizá-los, através de
um esforço corretivo e normalizador.

Sabemos que os ditames da heteronormatividade


atravessam muito mais do que os currículos, como
aos discursos e práticas dos professores, as
brincadeiras admitidas no interior disciplinar, à
confecção das provas (Questões de Matemática que
diferenciam os gêneros). A diferenciação das
“atividades de menino” e das “brincadeiras de
menina”, a separação dos brinquedos já na
educação infantil revela o investimento na
educação voltada para a instituição de papeis
sociais divergentes para homem e para mulher, a
heterocentralidade dos currículos e conteúdos dos
livros didáticos, são alguns dos exemplos de
estratégias deste investimento (SANTOS; SILVA;
PRATA, 2016, s/p)

429
Sendo assim a heteronormatividade pode ser entendida enquanto
um campo normativo e regulador das relações humanas, que se sentem
autorizados a corrigir corpos desviantes, com humilhações, piadas,
violências. Novas formas de atuação nas escolas vêm se fazendo
necessárias, pois enquanto a escola permanecer sustentada na
heteronormatividade, pessoas serão silenciadas, tendo suas experiências
negadas, potencializando a homofobia nos espaços escolares, reforçando
estereótipos e estigmas.
Faz-se necessário falar sobre as relações de gênero para
compreender sua construção, que segundo Joan Scott (1995, p. 85- 86
apud PINHO; PULCINO, 2016, p. 672), essas relações:

São constitutivas das relações sociais e nelas


podemos encontrar mecanismos e formas de
relações de poder, nas quais mulheres e homens são
organizados dentro de um conjunto específico de
características que definem padrões idealizados
daquilo que conhecemos como feminino e
masculino.

Segundo Bourdieu (1999 apud SOARES, 2012, p. 06), por meio


das tecnologias do sexo, o processo de autodisciplinamento é instaurado,
fazendo com que os sujeitos regulem a si mesmos, a partir dos diversos
saberes disseminados sobre as formas corretas de viver a sexualidade e a
sua identidade de gênero.

Todas essas práticas e linguagens constituíam e


constituem sujeitos femininos e masculinos; foram
— e são — produtoras de "marcas". Homens e
mulheres adultos contam como determinados
comportamentos ou modos de ser parecem ter sido
"gravados" em suas histórias pessoais. Para que se
efetivem essas marcas, um investimento
significativo é posto em ação: família, escola,
mídia, igreja, lei participam dessa produção. Todas
essas instâncias realizam uma pedagogia, fazem um

430
investimento que, freqüentemente, aparece de
forma articulada, reiterando identidades e práticas
hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa
outras identidades e práticas; outras vezes, contudo,
essas instâncias disponibilizam representações
divergentes, alternativas, contraditórias. A
produção dos sujeitos é um processo plural e
também permanente. (LOURO, 2000, p. 16-17)

A lógica social binária está presente em múltiplas pedagogias


culturais, assim sendo, os corpos sempre são objeto de um meticuloso
processo de controle, pois as relações sociais de poder são demarcadas
pelos corpos de cada indivíduo (BOURDIEU, 2011 apud SILVA, 2013,
p.2470). O ambiente escolar reproduz a heteronormatividade de forma
singela, quase que invisível, e todos que fogem a lógica heteronormativa
estão sujeitos a violência:

O binarismo entre o feminino e o masculino


determina a naturalização da sexualidade, fazendo
com que o indivíduo que apresenta um
comportamento diverso a esta lógica seja
compreendido como anormal e passível de
violência. Assim nos discursos sociais, sejam eles
científicos, baseados no senso comum ou, ainda,
em fundamentos religiosos, a diferença homem,
mulher é definida pelo aparelho anatômico, sendo
constantemente incorporada para justificar, ao
mesmo tempo em que, determinar as distintas
posições sociais e a diferença entre feminino e
masculino. Nesta lógica o gênero é analisado como
uma categoria natural. Compreende-se que os
indivíduos já nascem dotados de uma sexualidade,
enquanto na verdade, o gênero é uma categoria
relacional. O discurso hegemônico utiliza-se desta
categoria, ou seja, as distinções do aparelho
anatômico, como forma de justificar as
desigualdades entre homem e mulher, afirmando-
as diferenças naturais e não como socialmente
construídas. (SILVA, 2013, p.2470)

431
A desconstrução desse binarismo segundo Guacira Lopes Louro
(2010, p. 31-32 apud BRAZ; VIEIRA; BUSSOLETTI, 2013, p. 29), “se
faz necessária para compreendermos a pluralidade na constituição das
feminilidades e masculinidades contemporâneas por um viés não
hierarquizante, que abranja também as identidades não hegemônicas.”
Ou seja, é fundamental “desnaturalizar e desconstruir o caráter
permanente das oposições binárias masculino/feminino e
homossexual/heterossexual” (SOUZA; PEREIRA, 2013, p. 83)
Segundo Magalhães (2010 apud SILVA; JESUS, 2015, p. 08) “a
construção/imposição das sexualidades/gêneros começam na família,
perpassando todo o universo escolar, desde a educação infantil até o
ensino básico”. A construção desses papéis são aprendidos e
condicionados desde a infância, como se as crianças estivessem
preparando-se para um destino já determinado, num futuro próximo.
(SILVA; BRABO 2017, p. 133)
Tanto na escola quanto no ambiente familiar, que reproduzem
discursos voltados a uma educação heteronormativa.
A imposição de condutas sociais tidas como legitimas
reconhecem relações sociais válidas e as não válidas e aceitas,
delimitando e controlando as relações sexuais dentro e fora do espaço
escolar, e dessa forma vamos ocupando e reconhecendo nossos lugares
sociais:

O processo de docilização dos corpos é intenso,


muitos são os discursos que pretendem legitimar a
lógica social hegemônica, demarcando os espaços
sociais dos corpos, eles pretendem conformar os
corpos sociais, assim afirmam o que é civilizado,
educado, decente, controlando os lugares que os
sujeitos devem ocupar na sociedade. Eles
expressam e exercitam relações de poder.
(LOURO, 2012 apud SILVA, 2013, p.02)

432
É possível observar que o processo de vigilância sobre os sexos
é intenso, constantemente controlado por diversas instâncias.
Estabelecendo-se hierarquias e opressões, impondo um padrão de
sexualidade perfeita, criando-se sexualidades marginais. Além do
silenciamento da orientação sexual, existe também a submissão e a
invisibilidade da mulher frente ao homem, através de uma sociedade
sexista.

Essa normatização presente na sociabilidade


humana está enraizada nas práticas sociais, por
influências religiosas ou morais, e vai discriminar
os indivíduos porque as suas formas de serem
homens ou mulheres, não se enquadram no que é
tido como normal dentro de uma lógica
heteronormativa e sexista (SOUZA; NORONHA,
2013, p. 105)

Desta forma, as ações na escola são norteadas pelo padrão


heterossexual, que seria o modo adequado, normal de masculinidade e
de feminilidade, essa ideia é propagada enquanto universal e natural.
Frente a isso se faz necessário encontrar mecanismos para discutir de que
forma esse discurso inferioriza uns indivíduos em detrimento do outro,
marginalizando sujeitos, saberes e práticas dissidentes. Pois os espaços
sociais segundo Silva (2013, p.07) “devem garantir a “liberdade” de cada
indivíduo, no sentido de que cada ser humano tenha possibilidade de
viver a sua identidade sexual, social, amorosa, livremente.”

Ser viril é a exigência para que um garoto seja


aceito e respeitado no seu meio escolar. A escola
torna-se um palco onde ele expõe essa virilidade e
assim ganha admiração de todos. Em relação às
meninas, as normas também são determinantes.
Uma menina que se comporta de forma a negar
bonecas e a gostar de futebol, por exemplo, logo é
reprimida e estimulada a se dedicar a brincadeiras
tidas como femininas. (NINO; PIVA, 2013, p. 504)

433
A diferença é uma das primeiras marcas que aprendemos no
processo escolar, e isso poderia ser substituído pelo respeito às
diferenças. Bassan (2017, p. 88) fala de alguns desafios da escola:

A diversidade sexual e de gênero ainda se torna um


desafio para a escola, que deveria se propor a
trabalhar essas relações no ambiente escolar tanto
com alunos quanto com professores como forma de
combater a desigualdade e promover o respeito às
diferenças. Mesmo sendo uma realidade no dia a
dia escolar, ainda existe resistência em trabalhar
essas questões por ainda prevalecer em nossa
sociedade os discursos dominantes. Buscar uma
pedagogia diferente, em que a escola forneça meios
para que o aluno construa a sua própria
personalidade, identidade e senso crítico, gera
tensão e repúdio por parte dos conservadores que
ainda acreditam que o diferente é o anormal. Ainda
vivemos em um mundo em que a grande parcela da
sociedade acredita que a mulher, por ser mulher,
não pode fazer tarefas e participar de brincadeiras
consideradas de homem, e que homens não podem
fazer tarefas e participar de brincadeiras
consideradas de mulheres, assim como a pessoa
não pode escolher uma identidade de gênero
diferente daquela que nasceu com ela, dificultando
assim o processo de construção e aprendizado das
pessoas.

Segundo Elian (2013 p. 03) são utilizadas estratégias e táticas


pelos professores e pela direção frente a alunos que possuem
comportamentos que não se encaixam no padrão heteronormativo como
a repreensão verbal, a separação entre colegas, a exposição destes alunos
dentro da escola, ou mesmo o silêncio. E podemos perceber esse controle
também sobre o corpo docente, à coerção e às sexualidades desviantes
no ambiente escolar está ligada aos discentes inseridos neste contexto,

434
que muitas vezes também sobre com a imposição do modelo
heteronormativo. Junqueira (2013, p. 487):

Em frases como “Vira homem, moleque!”, tão


comumente relatadas, além de pressupor uma única
via natural de amadurecimento para os “garotos”
(que supostamente devem se tornar “homens”),
subjaz a ideia de um único modelo de
masculinidade possível. Algo a ser conquistado
pelos indivíduos masculinos, numa luta árdua por
um título a ser defendido a cada momento da vida,
sob a implacável vigilância de todos(as). Uma
busca por um modelo inatingível, fonte permanente
de insatisfação, angústia e violência.

A internalização da norma heterossexual faz com que


frequentemente se confundam expressões de gênero (gestos, gostos,
atitudes, como se expressa e age), identidades de gênero (como você se
considera) e orientação sexual (por quem você se atrai). Junqueira (2013,
p. 487) pontua:

Não existe uma forçosa, inescapável e linear


correspondência entre esses conceitos.
Comportamentos não correspondem
necessariamente a assunções identitárias. Bastaria
notar que podemos ser ou parecer masculinos ou
femininos, masculinos e femininos, ora masculinos
ora femininos, ora mais um, ora mais outro, ou não
ser nenhuma coisa ou outra, sem que nada disso
diga necessariamente respeito à nossa sexualidade.
Para ser “homem” alguém precisa ter pênis, ser
agressivo, saber controlar a dor, ocultar as
emoções, não brincar com meninas, detestar poesia,
bater em “gays”, ser heterossexual ou estar sempre
pronto para acossar sexualmente as mulheres?

Os processos heteronormativos (JUNQUEIRA, 2010, p.2014)


“nos fazem construir a imagem de sujeitos masculinos obrigatoriamente

435
heterossexuais, nos fazem rejeitar a feminilidade e homossexualidade.”
Nesse sentido Junqueira (2009, p. 91-92) afirma que:

Os discursos e as práticas que constituem o


processo de masculinização implicam a negação de
práticas ou características referidas ao gênero
feminino e essa negação se expressa, muitas vezes,
por uma intensa rejeição ou repulsa de práticas e
marcas femininas (o que caracterizaria, no limite, a
misoginia). É preciso afastar ou negar qualquer
vestígio de desejo que não corresponda à norma
sancionada. O medo e a aversão da
homossexualidade são cultivados em associação
com a heterossexualidade.

Masculinidades e de feminilidades possuem existências e


performances plurais e dinâmicas, e nos espaços e práticas escolares não
há um suporte a isso, pois o que existe ali é uma generificação binária
onde as fronteiras de gênero são demarcadas. Portanto:

A heteronormatividade constitui um padrão


hegemônico de representação dos corpos que não é
facilmente percebido, já que dado como única
possibilidade natural, legítima e autoevidente.
Entender a heteronormatividade como marco
epistêmico evidencia que há uma norma
heterossexual escondida sob o discurso da
neutralidade, da objetividade e da universalidade.
Além disso, na lógica heteronormativa, o
diferencialismo de gênero faz pensar os seres a
partir da grade binária macho e fêmea,
naturalizando e performando um mundo de
posições masculinas e femininas, sob o discurso da
objetividade e da universalidade empírica dessa
distinção. Contudo tal sistema de posições, mais do
que representar a realidade, performa mundos
binários, construindo e reforçando diferenças e
hierarquias. (OLIVEIRA;DINIZ, 2014, p. 251)

436
Silva; Brabo (2017, p. 132) fala que as regras sociais tem seu
início na infância, onde é nos ensinado certos comportamentos e
condutas para meninos e meninas, e sobre a a necessidade de expressão
correta de seu gênero, em consonância com seu sexo, é construída,
gradualmente, como uma verdade inquestionável durante todo o
crescimento, através de uma norma social. Em conformidade com os
mesmos autores (2017, p. 138) é preciso trabalhar para que as relações
sociais de gênero, desde a educação infantil, sejam pautadas no respeito,
na ideia de que todos e todas são sujeitos de direitos.
Seria importante se a escola se dedicasse à:

Problematização de práticas, atitudes, valores e


normas que investem nas polarizações dicotômicas,
no binarismo de gênero, nas segregações, na
naturalização da heterossexualidade, na
essencialização das diferenças, na fixação e
reificação de identidades, na reprodução de
hierarquias opressivas. Isto, porém, sem
desconsiderar que, graças às cambiantes operações
da heterossexualidade hegemônica e obrigatória,
impugnações do binarismo de gêneros podem ser
acompanhadas de novos métodos de normalização
heterorreguladora. (JUNQUEIRA, 2013, p.488)

Neste sentido, é possível observar que as práticas excludentes


existem nas escolas, e tais práticas precisam ser banidas, de modo que
todas as pessoas tenham iguais condições de acesso e permanência
(BRASIL, 1996 apud PERES; OLIVEIRA; MAIO, 2015, p. 7958) nas
instituições escolares.

O sistema heteronormativo, para se manter na


ordem das coisas, necessita se retroalimentar da
lógica sexual binária. Daí a necessidade de
ideologicamente controlar as tecnologias
pedagógicas da escola e mais amplamente da
cultura. Nestes pressupostos, articulam-se as

437
identidades e as práticas curriculares. (CAETANO;
GOULART; SILVA, 2016, p. 644)

Método
Essa pesquisa tem como método a pesquisa bibliográfica.

Resultados principais e discussões


Os resultados mostraram que a heteronormatividade impõe à
opressão da orientação sexual, a submissão, a invisibilidade da mulher
frente ao homem e que o binarismo entre o feminino e o masculino
determina a naturalização da sexualidade. Fazendo com que o indivíduo
que apresenta um comportamento diferente a esta lógica seja
compreendido como anormal, pois existe uma padronização dos corpos
e silenciamento das diferenças sexuais em âmbito escolar.
Desta forma, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais,
transgêneros e mesmo os heterossexuais que não se enquadram no
padrão de sexualidade esperado, são alvos de violência. Outro efeito
produzido pela heteronormatividade é a homofobia, que atua enquanto
regime de vigilância e controle da conduta sexual e das expressões e das
identidades de gênero. A heteronormatividade se configura, portanto,
um mecanismo que expulsa os sujeitos não normatizados do ambiente
escolar, através de preconceitos e discriminações.
Os educadores se vêem, em geral, sem respaldo institucional
para agir de maneira distinta e contraposta ao instituído pela escola, e
muitas vezes nem percebem a necessidade disso, por já estar enraizados
neles também a heteronormatividade, pois está em sua conduta moral a
heterormatividade enquanto modelo “certo”, único e natural. Professores
reforçam a heterormatividade, impondo papéis designados as crianças.
Percebe-se a necessidade de criação de políticas públicas
voltadas à capacitação de profissionais dentro da escola, promovendo a
informação e o debate sobre o tema, de forma que as pessoas, tanto
alunos, quanto profissionais da educação, possam identificar suas
potencialidades e estratégias de enfrentamento e resistências às

438
violências causadas pela heteronormatividade. Portanto professores
também são vítimas desse processo.
Sendo assim as práticas heteronormativas são muito comuns em
sala de aula, e no ambiente escolar de forma geral, como vimos isso deve
ser problematizado, o contexto escolar muitas vezes reproduz discursos
e práticas heteronormativos, contudo este ambiente também é rico para
debates e práticas que promovam a desconstrução disso.

Considerações finais
Concluímos, portanto, que escolas devem encontrar mecanismos
para refletir sobre essa temática, problematizando práticas, atitudes,
valores e normas que investem nas segregações, na naturalização das
diferenças, na essencialização e fixação de identidades sociais, na
(re)produção de hierarquias. Fazendo-se necessário mais estudos sobre a
temática.

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442
PROGRAMA DE EXTENSÃO FORMAÇÃO
DE EDUCADORES E EDUCAÇÃO
SEXUAL: INTERFACES COM AS TECNOLOGIAS
ETAPA XI E XII

Mariana Romão Galdino


Patrícia de Oliveira e Silva Pereira Mendes
(Universidade do Estado de Santa Catarina)

O Programa de Extensão Formação de Educadores e Educação Sexual:


interfaces com as tecnologias Etapa XI e XII é um programa com
recursos do Edital PAEX 02/2017 com três ações que serão
desenvolvidas bianualmente. Ação 1: Educação Sexual em Debate: nas
ondas da rádio UDESC; Ação 2: Curso “A Educação Sexual começa na
infância” desenvolvido com docentes, gestores, estudantes e membros da
comunidade escolar por meio do ambiente virtual de aprendizagem
moodle; Ação 3: XI Colóquio de Grupos de Pesquisa Formação de
Educadores e Educação Sexual. Neste ano de 2018 a Ação 1: Educação
Sexual em Debate: nas ondas da rádio UDESC, trouxe convidados
representantes de diversas áreas da educação, direitos humanos,
movimentos feministas e ONGS, que discorreram sobre seus trabalhos
de pesquisa e experiências práticas voltadas para ações educativas em
ambientes formais e não formais de educação. Até o momento, foram
mais de 20 entrevistas realizadas, veiculadas ao vivo na rádio UDESC e
reprisadas na Rádio UDESC e em uma Rádio Comunitária em um
Município vizinho a Cidade de Florianópolis; a Ação 2: Curso “A
Educação Sexual começa na infância”, ministrado por uma docente
Doutora na área da Educação e Sexualidade aliando o uso das
Tecnologias de informação e Comunicação, está sendo desenvolvido no
ambiente virtual de aprendizagem moodle e conta com 96 cursistas
dialogando e aprofundando estudos no campo da educação sexual na
infância. Neste ano, em comemoração aos 11 anos da ação desenvolvida
na Rádio UDESC, será realizada a Ação 3: o XI Colóquio de Formação
de Educadores: Diálogos sobre Sexualidade e Educação Sexual com

443
vistas à Emancipação: 11 anos do Programa Educação Sexual nas Ondas
da Rádio UDESC. Esta ação, que ocorrerá nos dias 22 a 24 de outubro,
foi planejada contando com a participação em mesas redondas, palestras
e conferências de pesquisadores e pesquisadoras, educadoras/es no geral,
que corroboraram com o Grupo de Pesquisa Formação de Educadores e
Educação Sexual - EDUSEX CNPq/UDESC, concedendo entrevistas e
partilhando suas experiências na luta por uma educação sexual com
vistas à emancipação. Este evento se destina a todos/as que envolvidos/as
com a educação compreendem a importância do diálogo acerca da
educação sexual pautada em um paradigma emancipatório. Salienta-se
que todas essas ações neste Programa de Extensão se desenvolvem
voltadas para a sensibilização de toda a comunidade, escolar ou não,
objetivando uma Educação Sexual Emancipatória, promovendo uma
interação significativa entre os membros da universidade, comunidades
escolares e profissionais da área, na busca de minimizar estigmas e
desigualdades sociais, por meio da ampliação do repertório social,
cultural e político da população e do enriquecendo do conhecimento
fazendo uso das mídias e tecnologias disponibilizadas pelo Grupo de
Pesquisa EDUSEX. Destaca-se também a extensão universitária como
recurso frente às ações de efetivação de uma Educação Sexual pautada
nos Direitos Sexuais como Direitos Humanos Universais.
Palavras-Chave: Extensão Universitária – Tecnologias – Educação
Sexual Emancipatória – Direitos Humanos.

EXTENSION PROGRAM “EDUCATORS FORMATION AND SEX


EDUCATION: INTERFACES WITH TECHNOLOGIES ROUND
XI AND XII”

The Extension Program “Educators Formation and Sex


Education:interfaces with technologies Round XI and XII” is a program
with resources from Public Notice PAEX 02/2017, composed by three
actions that will be developed biannually. Action 1: Sex Education in
Debate: in the waves of Radio UDESC; Action 2: Course “Sex Education
begins in childhood” developed by teaching staff, managers, and
members of the school community by means of virtual learningplatform
“Moodle”; Action 3: XI Colloquium of Research Groups “Educators

444
Formation and Sex Education”. In 2018, Action 1:Sex Education in
Debate: in the waves of Radio UDESC brought guests which represent
different areas of education, human rights, feminist movements, and
NGOs, who talked about their research works and practical experiences
aimed at educational actions in formal and non-formal educational
settings. To the present moment, over 20 interviews were made,
transmitted live at Radio UDESC and replayed at Radio UDESC and at
a Community Radio from a town near Florianópolis; Action 2: Course
“Sex Education begins in childhood”, lectured by a Professor in the area
of Education and Sexuality, unifying the usage of Information
Technologies and Communication, is being developed in the virtual
environment “Moodle” with 96 participants interacting and improving
studies in the field of sex education in childhood. As means of celebrating
11 years of the action developed by Radio UDESC, this yearwill see the
development of Action 3: the XI Colloquium Educators Formation:
Interactions about Sexuality and Sex Education aiming at Emancipation:
11 years of the Sex Education in the Waves of Radio UDESCProgram.
This action, which will happen on October 22-24, was planned
envisaging the participations in round tables, lectures, and conferences
of researchers, educators who take part in the Research Group
“Educators Formation and Sex Education – EDUSEX-CNPq/UDESC”,
giving interviews and sharing their experiences in their fight for an
emancipatory sex education. This event is dedicated to all involved in
education who understand the importance of a dialogue regarding sex
education based on an emancipatory paradigm. It is highlighted that the
actions ofthis Extension Program were developed aiming to touch the
whole community, academic or not, aspiring to an Emancipatory Sex
Education, promoting a significative interaction between university
members, school communities, and professionals in this area, searching
to minimize stigmas and social inequalities by means of broadening the
population’s social, cultural, and political repertoire and producing
knowledge by making use of media and technologies made available by
the Research Group EDUSEX. Also, it emphasizes university extension
as a resource for effective actions for a Sex Education guided by Sexual
Rights as Universal Human Rights.
Keywords: University Extension – Technologies – Emancipatory Sex
Education – Human Rights

445
Contextualização
O presente artigo pretende informar sobre um trabalho essencial
para a formação docente, que, há 11 anos, alia ensino, pesquisa e
extensão em um projeto intercentros, realizado e idealizado pelo Grupo
de Pesquisa EDUSEX Formação de Educadores e Educação Sexual
CNPq/UDESC, que, em seus mais de 30 anos de história, vem lutando
por uma Educação Sexual Emancipatória e intencional na educação
básica.
O Programa de Extensão Formação de Educadores e Educação
Sexual surgiu em 2007, idealizado pela Professora Doutora Sonia Maria
Martins de Melo36, também idealizadora e líder do Grupo de Pesquisa
EDUSEX Formação de Educadores e Educação Sexual CNPq/UDESC.
O programa Intercentros surgiu conforme a necessidade de ampliar as
discussões já iniciadas na disciplina de Educação Sexual, presente no
currículo do Curso de Pedagogia presencial, no Centro de Ciências
Humanas e da Educação/FAED, e no curso de Pedagogia à distância, no
Centro de Educação à Distância/CEAD na Universidade do Estado de
Santa Catarina – UDESC.
A partir de 2011, o programa começou a ser coordenado pela
Professora Doutora Patrícia de Oliveira e Silva Pereira Mendes37,
docente na disciplina de Psicologia e vice-líder do Grupo EDUSEX e, no
presente ano, conta com duas bolsistas de Extensão.

36 Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1978), possui


Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (1991) e Doutorado pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2001). Atuou, como docente, na graduação
e pós-graduação no Centro de Ciências Humanas e no Centro de Ensino à Distância da Universidade
do Estado de Santa Catarina até o ano de 2018. (Fonte: Plataforma Lattes)
37
Graduada em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí/UNIVALI (1995), possui
Especialização Lato Sensu em Educação Sexual pela Universidade do Estado de Santa
Catarina/UDESC (1999), Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa
Catarina/UFSC (2005) e Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa
Catarina/UFSC (2016). Atualmente é docente no Centro de Ciências Humanas e da
Educação/FAED, na Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC, na disciplina de Psicologia.
(Fonte: Plataforma Lattes)

446
O programa possui 3 ações bianuais e está em sua XI etapa,
tendo como objetivos principais: sensibilizar as comunidades escolares,
acadêmicas e não acadêmicas, acerca da importância de uma Educação
Sexual intencional e, acima de tudo, emancipatória; ampliar o
conhecimento a respeito da temática; alcançar diversos perfis de
profissionais, possibilitando trocas de conhecimento e usar as
tecnologias como apoio primordial nessa caminhada.

Metodologia
Este Programa, como já mencinado, acontece a partir do
desenvolvimento de três ações, a saber:
1. Ação Rádio
Comemorado 11 anos de história e mais de 300 programas, o
Programa Educação Sexual em Debate: nas Ondas da Rádio UDESC,
coordenado pela Professora Dra. Sonia Maria Martins de Melo, vai ao
ar, ao vivo, na Rádio UDESC, frequência 100.1 FM, semanalmente às
sextas-feiras às 10 horas da manhã, com reprise, nas quartas-feiras, às
23h30 e na rádio Comunitária da Pinheira38 nas sextas às 9h e sábados às
8h30. Os programas são divulgados pelo Facebook, rede social onde
possui uma página própria, administrada pelas mestrandas e doutorandas
da Professora Sonia Melo, que conta com 387 seguidores até o presente
momento.
O programa é coordenado pelas integrantes do Grupo EDUSEX
com apoio dos técnicos, bolsistas e jornalistas da rádio UDESC.
Além disso, é uma ação interativa que visa a participação e
interação do público alvo, e os ouvintes podem se comunicar durante o
programa via SMS, Whatsapp, e-mail e Facebook, por meio de
mensagens na página ou inbox. Os programas, após gravados, ficam
disponíveis online para que possam ser revisitados.

38
Comunidade localizada no Município de Palhoça, Santa Catarina.

447
Destacamos alguns dos programas gravados em 2018 no quadro
abaixo:

2. Ação Curso
Disponibilizado via Ambiente Virtual de Aprendizagem
MOODLE, O Curso online gratuito: A Educação Sexual Começa na
Infância: a sexualidade infantil de 0 a 6 anos, foi realizado, neste ano, do
dia 24 de setembro ao dia 02 novembro, em encontros quinzenais com
duração de 1h e 30 minutos cada. A ação, idealizada pela professora
Gabriela Dutra de Carvalho39, em parceria com a professora Dra. Dhilma

39
Graduada em Letras pela Universidade Federal do Paraná, com especialização em Análise
Semântica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, possui Mestrado em Educação,
Comunicação e Tecnologia pela Universidade do Estado de Santa Catarina e é doutoranda na
Universidade do Minho. Atualmente, é professora na disciplina de Educação Sexul no Centro de
Educação à Distancia CEAD/UDESC. (Fonte: Plataforma Lattes)

448
Lucy de Freitas40, que também é ministrante do curso, foi organizada em
4 encontros e dividido em 4 módulos, e é destinado à pais, mães,
docentes da educação infantil, estudantes das áreas da educação,

Psicologia, Saúde, Direitos, entre outros. Nesta edição, contou com 96


participantes inscritos que, ao final do período estipulado, 28 receberam
seus certificados de conclusão do Curso com carga horária de 60 horas.
Apontamos abaixo o folder de divulgação do Curso, elaborado
pela professora Dra. Dhlma Lucy de Freitas:

3. Ação Colóquio
Em comemoração aos 11 anos da rádio, foi realizado, no ano de
2018, nos dias 22, 23 e 24 de outubro, o XI Colóquio dos Grupos de
Pesquisa Formação de Educadores e Educação Sexual - Diálogos Sobre
Sexualidade e Educação Sexual com Vistas à Emancipação: 11 Anos do
Programa Educação Sexual nas Ondas da Rádio UDESC. Para compor
essa ação, foram convidados 24 profissionais, dentre as mais diversas

40
Graduada em Pedagogia, com especialização em Educação Sexual pela Universidade do Estado
de Santa Catarina, possui Mestrado em Educação e cultura pela mesma universidade e Doutorado
pela Universidade de Lisboa. Atualmente trabalha com formação continuada no Espaço de
Formação e Educação Sexual (EducaSex). (Fonte: Plataforma Lattes)

449
áreas, que já foram entrevistados no Programa Educação Sexual em
Debate, para dialogar sobre temas ligados a Educação Sexual. As
apresentações foram divididas em 9 mesas temáticas que discutiram
temas como: Direitos Humanos, as relações entre os
adolescentes/crianças e as mídias sociais, práticas pedagógicas,
movimentos feministas e coletivo de mães.
Esta ação tem o objetivo de sensibilizar cada vez mais a
comunidade acadêmica e não acadêmica acerca das temáticas que se
entrelaçam intimamente com a da Educação Sexual. Através dos
diálogos que se constroem por meio deste encontro, pode-se conceber
uma nova forma de olhar e trabalhar essas questões dentro e fora da sala
de aula e das instituições de ensino superior.
Destacamos a imagem que expressa o teaser do evento.

450
Resultados e Discussões
Por meio dessas três ações já explicitadas o Grupo de Pesquisa
Formação de Educadores e Educação Sexual segue aliando pesquisa,
ensino e extensão em uma universidade pública brasileira do sul do
Brasil.
Sabemos que o Programa Educação Sexual em Debate: nas
ondas da rádio UDESC permanece nesta rádio por 11 anos, é um
programa inédito em uma rádio educativa, pois se propõe a dialogar
sobre temáticas importantes e pertinentes para uma educação sexual
numa perspectiva emancipatória. Entendemos que os programas
gravados semanalmente e que compõem hoje um grande acervo (com
331 programas gravados) com diálogos e entrevistas que podem ser
utilizados como recursos didáticos e como consulta para educadores e
educadoras da educação básica. Assim, como o fato desses programas
estarem disponibilizados em uma rede social como o facebook
possibilitando para a comunidade em geral o acesso ao entendimento de
uma educação sexual com vistas à emancipação e atingindo a
comunidade de pais, mães, educadores/as e todos/as que se interessarem
sobre temáticas afetas a educação.
Destacamos que a relevância dessas três ações também se
expressa nos estudos que dão origem a dissertações e teses, sob a
orientação da professora Dra. Sonia Maria Martins de Melo, no
Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE/UDESC. Os
programas de rádio já veiculados foram tema de estudo no Mestrado
desenvolvido pela hoje Doutoranda Márcia de Freitas41, que segue em
seu doutoramento estudando possibilidades educativas via a mídia rádio.
Assim como há pesquisas que são desenvolvidas a partir dessas ações e
outros estudos de tese e dissertações que expressam e endossam a

41
Título da Dissertação: Programa Educação Sexual em Debate na Rádio UDESC Florianópolis:
espaço de sensibilização sobre as possibilidades de uma educação sexual emancipatória. Dissertação
defendida em 2014. PPGE/FAED.

451
caminhada do Grupo de Pesquisa Formação de Educadores e Educação
Sexual em seus projetos e ações no campo da extensão.
Salientando os resultados da ação curso, enfatizamos a
possibilidade de por meio desta ação, abrir diálogos intencionais, com o
uso da plataforma moodle abrangendo educadores e educadoras na
intenção de aprofundar conhecimentos no campo da educação sexual em
uma perspectiva emancipatória. Atualmente esse curso está em sua
segunda versão voltado para a temática da sexualidade e educação sexual
na infância.
Com relação ao Colóquio realizado no Centro de Ciências
Humanas e da Educação e com apoio do Centro de Educação à Distância,
que se propõe ao longo desses anos a dialogar com Grupos de Pesquisa
que também aliam ensino, pesquisa e extensão e corroboram para o
campo da formação de professores/as e educação sexual em uma
perspectiva emancipatória. Neste XI Colóquio, participaram de sua
elaboração educadores e educadoras da rede municipal e estadual de
ensino partilhando boas práticas e experiências intencionais de educação
sexual.

Considerações Finais
O Grupo de Pesquisa Formação de Educadores e Educação
Sexual CNPq/UDESC vem atuando todos esses anos com bastante
ênfase nas aproximações possíveis entre a temática da educação sexual
e o uso das novas tecnologias de informação e comunicação.
Com a caminhada, temos percebido que é possível avançar na
produção de conhecimento na área de educação sexual em uma
universidade pública, realizando com qualidade atividades de ensino,
pesquisa e extensão, utilizando as novas tecnologias de informação e
comunicação, explorando o uso de diferentes tecnologias (rádio,
computador, celular, mídias sociais), desta forma, além de ampliar suas
plataformas de divulgação, também está possibilitando a expansão da
temática para todos os públicos.

452
Essa atuação contribui na criação, desenvolvimento,
implantação e implementação de novas metodologias e na produção de
materiais pedagógicos em várias linguagens midiáticas reunindo Grupos
de pesquisa do Brasil e outrora do Exterior, estreitando assim, o diálogo
sobre a educação sexual em uma perspectiva emancipatória.
Entendemos que a continuação do resgate e o registro
sistemático integrado dessa caminhada já realizada e em andamento, com
ênfase na perspectiva das novas tecnologias de informação e
comunicação, pode qualificar positivamente o processo de formação
docente em uma universidade pública como a UDESC e pode corroborar
com boas ações no campo de uma educação sexual compreensiva,
consciente e intencional nos âmbitos educativos.
A pretensão do grupo é atingir um público cada vez maior e
ampliar ainda mais a visibilidade, o entendimento e a sensibilização da
temática nas diferentes plataformas virtuais, possibilitando que a
Educação Sexual não seja mais vista como um tabu e sim como um tema
de grande importância para a construção sócio cultural de cada indivíduo,
visto que todo processo de educação sexual também é um processo
educativo.
Seguimos no Grupo de Pesquisa Formação de Educadores e
Educação Sexual – Grupo EDUSEX compreendendo que a educação
sexual em uma perspectiva emancipatória é nosso sonho possível e um
sonho que permanecemos comprometidas em sua efetivação.

Referências
FREITAS, Márcia de. Programa Educação Sexual em Debate –
Rádio UDESC – Florianópolis: Momentos de Sensibilização de
Educadores/ Educadoras para uma Educação Sexual em uma
Perspectiva Emancipatória?. Florianópolis, 2015. Disponível em:
<http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/19350_11396.pdf>.
Acesso em: 08 dez 2018.

MELO; MENDES; CARVALHO; CAMPAGNA, CÓRIA; SANTOS.


Programa de Extensão Formação de Educadores e Educação

453
Sexual e as Novas Tecnologias: Reflexões sobre o Programa
Educação Sexual em Debate nas Ondas da Rádio UDESC.
Florianópolis, 2011. Disponível em:
<http://www.sies.uem.br/trabalhos/2011/183.pdf>. Acesso em: 08 dez
2018.

MENDES; MELO; SANTOS; CARVALHO; RAQUEL;


ALEXANDRE. Programa de Extensão Formação de Educadores e
Educação Sexual: interfaces com as tecnologias – Etapa VII.
Florianópolis, 2013. Disponível em:
<https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/116980/Educa
%C3%A7%C3%A3o%20%20PROGRAMA%20DE%20EXTENS%C3
%83O%20FORMA%C3%87%C3%83O%20DE%20EDUCADORES
%20E.pdf?sequence=1> Acesso em: 08 dez 2018.

MENDES, Patrícia de Oliveira e Silva Pereira. Programa de Extensão


Formação de Educadores e Educação Sexual: interfaces com as
tecnologias - Etapas XI e XII. SIG PROJ. Florianópolis, 2017.
Disponível em:
<http://sigproj1.mec.gov.br/projetos/imprimir.php?modalidade=0&proj
eto_id=282712&local=home&modo=1&original=1>. Acesso em: 08
dez 2018.

454
RELATO DE UM ESTAGIÁRIO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL: HOSTILIDADE POR
ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO

Clara Hanke Ercoles


Etienne Henrique Brasão Martins
Eliane Rose Maio
(Universidade Estadual de Maringá)

Ao adentrarmos em instituições públicas de educação infantil de


Maringá, poucos podemos encontrar de homens pedagogos, como
também nenhum cuidador masculino, por limitação decidida pelo
próprio município. Assim, é muito raro haver homens ocupando esses
espaços na educação, podendo acontecer reações que vão de
estranhamento à hostilidade quando abalado o estereótipo de que os
cuidados e educação das crianças pequenas devem ser femininos. Neste
trabalho pretendemos relatar como foi a experiência de um estagiário da
Universidade Estadual de Maringá, estudante do curso de Pedagogia, um
dos autores deste trabalho, visando apresentar o contexto de hostilidade
e vigilância em seu período de estágio em Centro Municipal de Educação
Infantil (CMEI), denunciando práticas preconceituosas dentro deste
espaço e conivência da professora de estágio. O estagiário narra que por
ser homem em um ambiente predominantemente feminino passou a ser
vigiado e reprimido em questões de contato físico e emocional com as
crianças do CMEI. Analisaremos o relato, discutiremos sobre o homem
na educação infantil articulando com produções acadêmicas que
discorrem sobre o assunto, denunciando e refletindo sobre essa
problemática e, assim, interpretaremos os fatos de acordo com as
leituras.
Palavras-chave: relato de experiência; Educação Infantil; homens
pedagogos; estágio supervisionado.

455
REPORT OF A TRAINEE IN THE NURSERY SCHOOL:
HOSTIITY BY GENDER STEREOTYPES

When we enter in public nursery education institutions in Maringá, we


can find few male pedagogues, as well as no male caretaker, because of
a decision by the municipality. Thus, it is very rare for men to occupy
these spaces in education, and reactions can be from strangeness to
hostility when the stereotype is shocked that the care and education of
children must be feminine. In this paper we intend to report how the
experience of a trainee from the State University of Maringá, a student
of the pedagogy course, one of the authors of this work, aiming to present
the context of hostility and vigilance during his internship on a
supervised practice in a municipal nursery school, denouncing biased
practices and connivance of the trainee teacher. The trainee narrates
that because he is a man in a predominantly feminine environment, he
has been watched and repressed in matters of physical and emotional
contact with the children of the nursery school. From this fact, we will
discuss about the man in the nursery education articulating with
academic productions that talk about the subject, denouncing and
reflecting on this problematic.
Key words: experience report; nursery education; male pedagogue;
supervised practice.

Enquadramento teórico
Em nossa cidade, Maringá, é muito difícil encontrar homens
trabalhando na educação infantil. Nem como cuidadores, já que o
concurso público é apenas para o público feminino para esse cargo, e
muito poucos professores. Ainda que poucos, homens estão em cursos
de Pedagogia nas Universidades e passam por período de estágio
supervisionado obrigatório para conseguir formar-se pedagogos. Então,
como é o período de estágio supervisionado na Educação Infantil para
homens que estão cursando Pedagogia?
Por meio de um relato de experiência de um dos autores deste
artigo, Etienne, iremos mostrar como pode ser esse período de prática

456
educativa em um espaço tão cristalizado nas questões de gênero, em que
o feminino é visto como sinônimo de cuidado e confiança enquanto o
masculino como ameaça e inseguro.
Em seguida, discutiremos sobre o fato relatado por meio de três
referências teóricas. A primeira, Guacira Lopes Louro (2003) discutindo
sobre a disciplina e a imagem de professoras e professores exigida pela
escola em uma sociedade patriarcal. A segunda, a Angela Cristina
Gomes da Silva (2014) com sua monografia sobre o homem professor na
educação infantil, para entendermos o contexto desse profissional dentro
de um espaço não comum a eles. A terceira, Júlio Régis da Silva e
Viviane Lima Martins (2016), que será mais destacada, com o artigo da
revista Intr@ciência, refletindo acerca de conceitos de preconceito,
estereótipos e masculinidade, cuja problemática é essencial para
compreendermos a violência e machismo no fato.
Acreditamos que censurar um professor homem por dedicar
atenção e afeto para as crianças da educação infantil é algo que deve sem
problematizado. E para isso, atravessaremos essas discussões por meio
das nossas lentes feministas.

Método
O artigo parte da inquietação particular que aconteceu no
período de estágio de um dos autores deste, Etienne, durante sua
graduação em Pedagogia. Em conversas na universidade entre ele e eu,
Clara, percebemos o quanto essas situações violentas não podem ficar
silenciadas entre quatro paredes, mas sim deve transbordar e transgredir,
então, colocamos em prática o propósito de escancarar na academia sobre
o fato, além de possibilitar a troca de conhecimentos e experiências por
meio da apresentação.
Sendo assim, escolhemos narrar em primeira pessoa, já que um
dos autores vivenciou e escolheu compartilhar academicamente suas
reflexões, discutindo e abrangendo sobre como se dá o espaço da
Educação Infantil para estagiários pedagogos masculinos. Antes disso,
pontuamos que todas as nomenclaturas foram inventadas para distanciar

457
do nome original das pessoas envolvidas nos fatos a fim de preservar
suas identidades.
Iniciemos com uma breve contextualização do local em que
ocorrem os fatos a serem relatados. Foi em um Centro Municipal de
Educação Infantil (CMEI) localizado em uma área valorizada de
Maringá, assim acolhendo diversas crianças com situação financeira
estável e elevada comparada a outros centros da cidade. É
consideravelmente pequeno, atendendo uma turma de Infantil I, II e IV
e duas turmas de Infantil III e V, sem uma idade exata, mas a idade
máxima é cinco anos.
Os fatos ocorreram no primeiro semestre do 3º ano de
Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Campus Sede,
no ano de 2018, cursando a disciplina Estágio Curricular
Supervisionado em Educação Infantil III, sendo a terceira vez que eu
entrava em contato com a Educação Infantil. Foram realizados sete
encontros, no período vespertino, em que quatro contavam com somente
observação participativa, um com observação participativa junto de
atividade de uma hora, e por fim, duas intervenções no horário completo
do estágio realizado. Os encontros todos em uma turma de Infantil IV,
contanto com 27 alunos, sendo 6 meninos e 21 meninas, além da
professora regente da turma formada em Pedagogia. As atividades foram
realizadas em dupla com uma aluna de minha turma de Pedagogia, tal
como geralmente ocorre nas turmas da UEM.
Os fatos relatados posteriormente constam de um dia de
observação participativa, em que compõe a observação do ambiente
escolar e as atividades propostas pela professora regente, juntamente
com o auxilio caso requerido pela mesma.
No quinto dia de observação dentro do ambiente escolar houve
o início corriqueiro, semelhante aos outros dias. A turma um pouco
agitada como nos outros dias, em que gradativamente no decorrer da
tarde perde o interesse com a aula ou outras atividades que não envolvam
Lego. Nossas atividades iniciaram às 13 horas e 30 minutos, como
planejado. Ao chegarmos à sala de aula, pedimos licença para

458
adentrarmos o lugar. Após alguns minutos da nossa entrada, a professora
entregou a água para as crianças como parte da rotina.
A atividade do dia estava relacionada com uma maquete que
estava sendo produzida com as crianças, em que a professora iniciou
pedindo para que desenhassem cadeiras e mesas em metade de uma folha
sulfite, mostrando para nós e à professora os desenhos. Em seguida foram
dadas, pela professora regente, peças de montar para os/as alunos/as com
o comando de formar cadeiras e mesas com peças de lego para colocar
na maquete como forma de localizar onde futuramente ficariam as
cadeiras e mesas. Depois dessa atividade, permaneceram brincando com
Lego enquanto interagíamos com as crianças em resposta aos
questionamentos delas. Chegando o momento do jantar, próximo às
quatro horas, movemos-nos para o refeitório, realizaram a refeição e
retornamos para a sala.
Como nova atividade, foram liberadas bonecas para que
brincassem, enquanto a minha dupla de estágio teve a ideia de vestir sua
mão como uma personagem chamada Clarice e brincar com as crianças.
Permaneci conversando com os/as demais alunos/as para dar atenção a
todos/as. Enquanto isso, a professora precisou se ausentar da sala, e para
isso pediu para que outra professora (que estava em hora atividade) para
não deixar os/as estagiários/as sozinhos/as (normas de controle que
envolve a observação). A sala permanecia bastante agitada por estarem
brincando com as bonecas. Duas alunas iniciam uma discussão, no
momento são repreendidas pela professora. Uma das alunas começa a
chorar passando a ser confortada pela mesma professora que havia
repreendido, ficando em seu colo ao tempo que chora, transmitindo
bastante afeto como forma de reconfortar a menina que ali chorava.
Nesse momento, o aluno Luan dialoga comigo em tom de desafio,
questionando minha força. São respondidas as provocações à altura das
perguntas, dizendo a capacidade de erguê-lo sem dificuldade por ser
grande. Assim, Luan pediu para que fosse levantado no colo como forma
de desafiar o estagiário, que atendeu ao pedido. O aluno demostrou
surpresa, ao mesmo tempo em que achava divertido. Outras cinco

459
crianças pediram para serem erguidas e demonstraram muito felizes com
o ato, abrindo mais para diálogos e atenção. Por estarem em idades
diversas, mas que estão próximas de 4 anos de idade, tornam-se cada vez
menos recorrentes os atos de levantar do chão, em que no máximo temos
o reconforto no colo em uma demonstração de carinho como forma de
acalmar choros, semelhante a atitude da professora de hora atividade que
estava na sala. Ao pegar no colo os/as alunos/as, apresentou uma
mudança do significado do ato, pois retoma um momento de diversão
e/ou entretenimento, algo próximo da brincadeira, sendo assim outra
forma de transmitir carinho com o mesmo ato.
Antes de ocorrer essa interação de levantar as crianças, havia
bastante relutância delas comigo, sempre tendo uma relação com poucos
diálogos e sempre me observando como se fosse muito diferenciado,
algo até de certo ponto compreensível por haver poucos profissionais
masculinos na Educação Infantil, na posição de professor.
Seguindo as atividades, precisei ausentar-me da sala por um
momento. A professora regente já havia retornado e a outra professora
saído da turma para realizar as próprias atividades. Ao que retorno para
a sala, me deparo com um recado da minha parceira de dupla de estágio,
dizendo que não era para que levantasse as crianças novamente, sendo
esse um pedido da nossa professora da turma de estágio, Débora. Isso me
deixou bastante constrangido ao mesmo tempo confuso, pois estava em
uma turma com crianças de 4 anos, aproximadamente, e o pedido poderia
ocorrer novamente já que foi observado pelos/as educandos/as a
liberdade para uma interação mais afetiva comigo, em posição de
professor dentro do CMEI. Ao final das atividades, encontrei a
professora Débora no corredor e, de forma afastada e “discreta” (a qual
não foi bem sucedida), novamente atentou para que não ocorresse
novamente um maior contato com os/as estudantes.
No dia de encontro realizado na universidade, a professora
Débora retomou o acontecimento, relatando que a direção foi informada
(a pessoa que passou a informação não foi colocada no diálogo, focando-
se somente na “bronca”) de que o estagiário havia pegado no colo alguns

460
dos alunos e que tal ação não deveria acontecer novamente. Quando a
Débora questiona a direção, é respondida com o argumento de que as
crianças de quatro anos já falam, e por isso não poderia pegá-las no colo,
pois elas podem conversar com os pais42. Deixando-me desolado, já que
estava limitado a interagir com os/as alunos/as, além da fala ser
direcionada especificamente a mim, pois para as colegas mulheres não
havia problema e para outro homem que estava na turma não houve
reclamações por estar lidando com crianças de 1 ano. Posteriormente,
durante o estágio, foi pedido colo, mas devido ao comando da professora,
neguei o pedido o que levou a um pequeno distanciamento das crianças
comigo.

Resultados principais e discussões


A escola, para Louro (2003) não está apenas preocupada em
disciplinar as crianças e jovens, mas a quem forma, ou seja, professoras
e professores. “Por isso o corpo e a alma dos mestres, seu comportamento
e seus desejos, sua linguagem e seu pensamento também precisam ser
disciplinados.” (LOURO, 2003, p. 92). Assim, conseguimos
compreender a necessidade da escola em pedir que o estagiário evite os
contatos físicos, bem como a resposta em concordância da professora de
estágio em passar esse recado, deixando claro ser emergente tal mudança
de postura, independente da vontade ou da metodologia que o estagiário
optasse. O que entra em contradição quando lembramos que a professora
mulher da escola podia oferecer colo para consolar a aluna que chorava,
quase “natural” da mulher o carinho dispensado à criança.
Angela Cristina Gomes da Silva (2014) apresenta-nos
reflexões que nos permite compreender sobre o homem professor na
Educação Infantil e nos contextualiza sobre sua figura historicamente,
assim como seu contexto atual, apresentando a mudança no cenário hoje.

42
Ignorando o contexto familiar plural, onde é centrada a figura paterna,
enquanto há diversos/as outros/as membros/as além do pai na
responsabilidade da criança.

461
A educação infantil historicamente configurou-se
como um espaço feminino, no qual a figura
masculina é de certo modo rejeitada, pela própria
comunidade escolar. Por outro lado, a cada ano
aumenta o número de homens inscritos em cursos
de formação de professores em nível médio e nos
cursos de Pedagogia e é quase consensual que é
salutar o convívio de crianças em formação na
educação infantil com professores do sexo
masculino. (SILVA, 2014, p.8)

Assim, podemos afirmar que a educação infantil é um espaço


predominantemente feminino, contudo, há uma crescente participação de
homens, ainda que tímida. Podemos pensar em uma educação cujos
homens pedagogos e crianças possam ter uma boa relação.
A educação infantil tem como objetivo o educar e cuidar das
crianças. Em uma sociedade patriarcal, onde o machismo ainda é a
ideologia predominante, responsabiliza a mulher pela educação e
cuidado das crianças nas instituições, sejam elas familiar, escolar, etc.
“O trabalho fora do lar, para elas, tem de ser construído de forma que o
aproxime das atividades femininas em casa e de modo a não perturbar
essas atividades.” (LOURO, 2003, p. 104). Assim, o trabalho da
professora aproxima-se com a ideia da maternidade, que dentro de uma
sociedade machista é de responsabilidade exclusivamente da mulher.
Essa responsabilização fica bastante evidente na retomada
histórica realizada por Angela Cristina Gomes da Silva (2014), como
também para Júlio Régis da Silva e Viviane Lima Martins (2016), os
aspectos de formação da área da Educação Infantil, quanto seu
desenvolvimento, deu-se em uma perspectiva dicotômica das relações de
gênero, segregando mulheres para profissões relacionadas ao doméstico,
afetivo e/ou educacional. Dessa forma, é dado como “natural” que as
mulheres sejam as profissionais interessadas na formação das crianças e
que elas tenham a real vocação para atuarem nos centros de educação
que têm como público crianças em idade pré-escolar.

462
Sendo o cuidar e educar atividades consideradas femininas
socialmente, não são comuns serem executadas por homens (SILVA;
MARTINS, 2016; SILVA, 2014). E quando eles decidem romper com
esses estereótipos, abala na sociedade o conceito de masculinidade
cristalizado e intocável.
Ao apresentar os conceitos de estereótipos e masculinidade,
voltamos a Silva e Martins (2016) cuja produção apresenta discussões
sobre a presença do professor masculino em salas da Educação Infantil,
refletindo sobre os conceitos de preconceito, estereótipos e
masculinidade, que discutiremos para que nos possibilite compreender
sobre o fato relatado não como algo que seja comum em um estágio
supervisionado, mas algo que precisa, sim, ser destacado, refletido e
denunciado porque tais atitudes refletem uma sociedade machista, cujos
estereótipos sobre o “masculino” e o “feminino” servem apenas para
propagar preconceitos e, consequentemente, violência.
Ao retratar sobre preconceito, a autora e o autor abordam certa
complexidade quanto ao conceito, buscando diversas fontes para
explicitar a perspectiva compatível com a discussão proposta. É possível
compreender preconceito como constituído de ideias passivamente
aceitas sem necessariamente passarem por uma avaliação racional, de
forma a não questionar a validade dessas ideias.
No relato em questão, percebemos a situação de preconceito
por meio da violência velada quando a professora de estágio exige que
tenha que interromper contatos físicos com as crianças, que demonstram
carinho e cuidado, mas que passa significar ameaça apenas por se tratar
de um homem, sem ao menos refletir sobre sua atitude nem dialogar com
o autor deste trabalho enquanto estagiário.
Aliado ao preconceito, temos os estereótipos, explorado por
meio das referências do artigo aqui referido, resumidos seu conceito em
um trecho significativo e sucinto de Silva e Martins (2016, s/p):
Estereótipos também são formas de classificar
determinados grupos da nossa sociedade, seja ele
qual for, roqueiros, emos, ricos, pobre, etc.,

463
gerando, assim, a generalização de atitudes e
costumes de uma pessoa que se enquadre a
determinado grupo.

Os estereótipos se constituem do preconceito, conforme Silva


e Martin (2016), dentro de uma suposição imposta a algum grupo, em
que vivenciadas constroem as discriminações, já que é considerado como
a prática do preconceito.
Ainda tratando dos estereótipos, Silva e Martin (2016) citam
Pinsky et. al (2006) e reforçam a necessidade de questionar as ideias que
constituem tanto esse conceito, pois, ao serem construídos estereótipos,
discriminações também são geradas, permanecendo o ciclo.
Sendo assim, observamos do pedagogo masculino a
necessidade de afirmar-se por desconfiarem de sua capacidade, ou,
quando prova ser capaz, passam a desconfiar de sua intenção. Assim o
homem pedagogo sofre em sua formação e atuação profissional, sendo
colocado em dúvida sobre sua capacitação ou sendo considerado uma
ameaça para as crianças. “[…] por mais formado e preparado que seja se
depara com esse antigo pensamento da nossa sociedade, onde só os
homens podem oferecer perigo as nossas crianças, como se fossem o
“lobo mau” […]” (SILVA, 2014, p.16).
A expressão de carinho do estagiário foi mal interpretada por
sua professora e pela equipe da escola o que gerou censura temendo
sobre o que se poderia ter de relato por parte das crianças sobre o afeto
recebido pelo professor, ainda que sejam gestos muito semelhantes das
professoras mulheres.
Ao considerar o professor masculino uma ameaça para as
crianças, podemos relacionar a concepção de masculinidade agregada
pelas pessoas, também explicitado por Silva e Martins (2016), em que
realizam uma reflexão de forma a sintetizar esse conceito para alcançar
o objetivo proposto para o artigo. É posto como complexo e a principal
referência para essa discussão proposta é Marcelo Henrique Gonçalves
de Miranda (2003), cuja visão de masculinidade contempla a necessidade

464
de “a função de manter a lei, a ordem e zelar pela segurança e bem estar
da família, levando sempre a questionamento qualquer homem que ouse
fugir desse padrão.” (SILVA; MARTINS, 2016, s/p).
Ao observar essa construção, também é atentada pelo autor e
pela autora, a necessidade desse ser masculino de se provar a todo
momento para permanecer nos moldes tradicionais de “macho frio,
seguro e bem sucedido” (SILVA; MARTINS, 2016, s/p). Ao final da
discussão, Silva e Martins (2016, s/p) relacionam as reflexões sobre
masculinidade apresentado.

Devido a todos esses conceitos de homem e


masculinidades podemos supor que esse pode ser
um dos fatores que contribuem para a ausência de
professores homens na educação infantil, pois,
dependendo da cultura a qual se insere um
indivíduo, um homem frequentando o magistério
sofreria certa repressão frente a seus colegas e até
mesmo da sociedade, que muitas vezes olha esse
profissional de forma diferente com relação a um
médico, engenheiro e assim por diante, pois essas
profissões são vistas com bons olhos, porque quem
costuma exercer são homens bem sucedidos.

O estagiário relata quão hostilizado sentiu em receber o “aviso”


de sua professora de estágio que não poupou ao menos de fazer de forma
privada, mas aberta a todas as demais pessoas da disciplina. Não sabemos
as intenções dela ao fazer tal comentário publicamente, pode ser desde
uma forma de tornar clara tal proibição a todos os homens presentes,
como uma apelação para vigilância, ou outros motivos. O fato é que
receber desconfianças sobre seu trabalho em período de aprendizagem
da prática pode ser realmente um obstáculo na formação de homens
pedagogos, culminando em desistências, evasão, escolha de outra área
na educação ou até mesmo outra profissão, que os torne “encaixados”
nos estereótipos de masculinidade.

465
Ao pensarmos estereótipos de masculinidade, podemos
observar a presença do pedagogo masculino como um afronte por iniciar
uma quebra do padrão machista que envolve os homens, além de
contribuir com uma visão não sexista das profissões, presando
principalmente pela capacidade e formação da pessoa. Uma vez
adentrando espaços que envolvam o cuidar e educar, possibilita-se uma
nova visão de masculinidade que não depende da frieza e /ou virilidade
como aportes para sua função.

Considerações finais
Através do relato, podemos perceber quão hostil a educação
infantil pode ser para homens pedagogos, ainda que de forma velada.
Nos CMEIs de nossa cidade predominam quase totalmente mulheres. E
ainda desconfia-se da presença masculina, não identificando no
pedagogo masculino a finalidade de educar e cuidar, como se o homem
fosse incapaz ou leviano nessas intenções, denunciando quão machista
nossa sociedade ainda é.
Denunciamos, aqui, uma postura machista que aconteceu com
o autor deste em um curso de pedagogia. Por meio de uma situação de
violência velada, aponta que os cursos que capacitam e formam
professoras e professores para a atuação na educação infantil são
machistas e enraizados na cultura de estereótipos de gênero e
preconceituosos.
Louro (2003) aponta que o mais urgente é desconfiar de que é
dado como “natural”. E de fato, concordamos. É “natural” que apenas
mulheres ocuparem os espaços de educação infantil? É “natural” que
sejam carinhosas e apenas delas partam os carinhos? Talvez, ou de fato,
tenhamos que “adotar uma atitude vigilante e contínua no sentido de
procurar desestabilizar as divisões e problematizar a conformidade com
o "natural"; isso implica disposição e capacidade para interferir nos jogos
de poder.” (LOURO, 2003, p. 86). É necessário que denunciemos, que
produzamos conhecimento, que reflitamos, que questionemos, que

466
argumentemos. Mas, principalmente, que desestabilizemos o que é dado
como “natural” a fim de romper com preconceitos e estereótipos.

Referências

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma


perspectiva pós-estruturalista. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

SILVA, Angela Cristina Gomes da. Reflexões sobre o professor do


sexo masculino na educação infantil. 2014. Disponível
em:<http://www.ffp.uerj.br/arquivos/dedu/monografias/Monografia.pdf
>. Acesso em: 24 fev. 2019.

SILVA, Júlio Régis da; MARTINS, Viviane Lima. O professor homem


na educação infantil: um olhar acerca do preconceito. 2016. Disponível
em:<http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170531133930.pdf
>. Acesso em: 24 fev. 2019.

467
SEXUALIDADE, EDUCAÇÃO SEXUAL NO
ENSINO MÉDIO E FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: PRODUÇÕES E INVESTIGAÇÕES
ATUAIS

Rinaldo Correr
Juliana Marques Castilho de Matos
(Universidade Estadual Paulista/Araraquara)

Neste trabalho buscou-se investigar, por meio da revisão da literatura


recente as temáticas que estão sendo estudadas em relação à sexualidade,
educação sexual no ensino médio e formação de professores. Assim, o
objetivo deste estudo é explorar e descrever como a sexualidade está
sendo abordada pelos professores do ensino médio, com ênfase nos
trabalhos analisados por pesquisadores em artigos científicos publicados
nos últimos dois anos. A estratégia metodológica utilizada foi à busca
sistemática na base de dados Scielo, com a utilização das palavras-chave:
sexualidade, educação sexual, ensino médio e formação de professores.
Observou-se a predominância de estudos que abordam o debate público
atual sobre a educação sexual, referentes à inclusão dos conteúdos que
envolvem a questão de gênero e sexualidade no Plano Nacional de
Educação. Estes estudos têm como temática convergente a reflexão
acerca das consequências de movimentos ligados ao conservadorismo
religioso. Nesse universo, em que questões políticas e ideológicas
atravessam questões pedagógicas, afloram às disputas sobre política
sexual no espaço escolar. Assim, as discussões indicam a necessidade de
ênfase na complexidade do desafio atual: como desenvolver ações
pluralistas para a sexualidade na educação de jovens e adolescentes?
Nesse processo analítico e reflexivo, figura como pauta emergente a
inclusão ou não de conteúdos relacionados a gênero e à sexualidade no
Plano Nacional de Educação. No centro das polarizações, estão sendo
impostas, de acordo com os estudos observados, questões referentes à
ameaça de eliminação de diretrizes, já existentes, nos planos estaduais e
municipais, que versam sobre de gênero, identidade de gênero e
orientação sexual. Nessas temáticas as discussões apontam para a

468
construção de um “pânico moral”, a partir da uma narrativa acusatória
da ideologia de gênero. Observa-se que, as práticas em educação sexual,
se apoiam em fundamentos reducionistas, vinculadas apenas à
sexualidade enquanto caráter preventivo de infecções sexualmente
transmissíveis – ISTs. Os trabalhos destacam, a falta de coerência entre
a maioria das ações realizadas no âmbito escolar, como aquelas propostas
nos Parâmetros Curriculares Nacionais, em relação à transversalidade do
tema. Conclui-se, por meio deste breve levantamento de literatura, a
necessidade de discussões e pesquisas sobre o impacto do momento
político atual nas concepções e ações dos professores, especificamente
em relação à educação sexual e no ambiente escolar de adolescentes do
ensino médio. Nessa perspectiva, a ação investigada nessa seara deverá
desvelar os processos políticos que sustentam os processos educacionais.
A ação docente necessita de horizontes balizados por reflexões
científicas que levem a superação de práticas discriminatórias.
Palavras-chave: Sexualidade, Educação Sexual, Ensino Médio,
Formação de Professores.

SEXUALITY, SEXUAL EDUCATION IN MIDDLE SCHOOL AND


TEACHER TRAINING: CURRENT PRODUCTIONS AND
RESEARCH

Sexuality, sex education in high school and teacher training: current


productions and research In this work we have tried to investigate,
through a review of the recent literature, the themes being studied in
relation to sexuality, sex education in high school and teacher training.
Thus, the objective of this study is to explore and describe how sexuality
is being addressed by high school teachers, with emphasis on the works
analyzed by researchers in scientific articles published in the last two
years. The methodological strategy used was the systematic search in the
Scielo database, using the keywords: sexuality, sex education, high
school and teacher training. It was observed the predominance of studies
that address the current public debate on sex education, regarding the
inclusion of content that involves the issue of gender and sexuality in the
National Education Plan. These studies have as a convergent theme the
reflection on the consequences of movements linked to religious

469
conservatism. In this universe, where political and ideological issues
cross pedagogical issues, they surface in disputes about sexual politics
in the school space. Thus, the discussions indicate the need to emphasize
the complexity of the current challenge: how to develop pluralistic
actions for sexuality in the education of young people and adolescents?
In this analytical and reflexive process, the inclusion or non-inclusion of
content related to gender and sexuality in the National Education Plan
is an emerging agenda. At the center of the polarizations, according to
the studies observed, questions regarding the threat of elimination of
existing guidelines at the state and municipal levels regarding gender,
gender identity and sexual orientation are being imposed. In these
themes the discussions point to the construction of a moral panic, based
on an accusatory narrative of gender ideology. It is observed that the
practices in sexual education are based on reductionist foundations,
linked only to sexuality as a preventive character of sexually transmitted
infections - STIs. The papers highlight the lack of coherence between
most of the actions carried out in the school context, such as those
proposed in the National Curricular Parameters, in relation to the
transversality of the theme.
Keywords: Sexuality, Sex Education, Secondary Education, Teacher
Training.

Enquadramento teórico
O presente estudo tem como objetivo realizar uma revisão de
literatura sobre as produções e investigações atuais, relacionadas à
sexualidade, educação sexual nas escolas brasileiras, em especial, as
ações desenvolvidas no ensino médio e a formação de professores. Ao
falarmos de educação sexual, devemos reconhecer a complexidade do
tema que é permeada pela história e pelos valores de cada pessoa,
observando, assim a necessidade de preparo do profissional que atuará
junto a esta temática.
Conforme Maia e Ribeiro (2011), a sexualidade humana é
composta de componentes biológicos, psicológicos e sociais, é expressa
por cada ser humano, em sua subjetividade, de modo singular, e em modo

470
coletivo, por meio dos padrões sociais, que são aprendidos e apreendidos
durante a socialização. Exemplos de padrões sociais relacionados à
sexualidade, são as atitudes e valores, comportamentos e manifestações,
que fazem parte da história de cada indivíduo desde o seu nascimento.
Constituem assim, os elementos básicos do processo denominado
educação sexual. Este processo ocorre inicialmente, na família e depois
em outros grupos sociais. Sendo desta forma, o modo pelo qual
desenvolvemos nossos valores sexuais e morais, os discursos religiosos,
midiáticos, literários fazem parte da construção e constituição desses
valores. Não havendo um código universal de valores morais ou sociais
sobre sexualidade, cada sociedade faz as suas regras de comportamentos
sexuais, sofrendo mudanças no tempo e na história.
Este processo ocorre, inicialmente, de modo informal, a partir
das relações com o ambiente, em que a família é a referencia inicial. Em
seguida, com a entrada das crianças nas escolas, esses processos têm
início de modo formal, por meio de práticas pedagógicas. Foi no início
do século XX, que as práticas voltadas à educação sexual começaram a
ser desenvolvidas no âmbito escolar. Neste contexto, as ações se
orientam pela meta de controle epidemiológico. Os discursos que
permeavam o desenvolvimento de práticas voltadas à educação sexual,
eram embasados nos pressupostos da moral religiosa, sendo muitas
vezes, repressivos e fortalecidos pelo caráter higienista das estratégias de
saúde pública. O avanço das discussões políticas em relação aos direitos
sexuais e reprodutivos, e também com a expressiva participação dos
movimentos feministas, contribuiu para o aumento de discussões
referente à sexualidade, extrapolando a visão apenas biologicista,
passando a ser compreendida como prática aliada à saúde física e mental.
(FURLANETTO; LAUERMAN; COSTA; MARIN, 2018).
Para os referidos autores, em relação aos avanços e contribuições
políticas referentes à sexualidade, recebe destaque, os documentos
decorrentes das conferências realizadas no Cairo e Pequim, na década de
1990, que incorporaram discussões e reflexões sobre temas como direitos
humanos, liberdade sexual, saúde e educação.

471
Em decorrência deste contexto, segundo Furlanetto et al. (2018,
apud GAVA, VILELA, 2016; GESSER, OLIRAMARI; PANISSON,
2015), a educação de crianças e adolescentes foram impactadas de
maneira decisiva. A sexualidade passou a ser compreendida como
constitutiva dos sujeitos desde a mais tenra idade, sendo portanto, a
escola, o ambiente considerado ideal para as políticas e projetos que
assegurem os direitos reprodutivos e sexuais de seus alunos no ambiente
da educação.
Avaliamos, em consonância com a literatura citada, que a
instituição escolar, pelo caráter intencional e instrumental que possui, é
o espaço da democratização e universalização dos direitos adquiridos por
todos os cidadãos. Na escolarização, universalizada como direito
inalienável, os saberes, incluindo aqueles relacionados à sexualidade, são
fundamentados em conhecimentos acerca dos processos de
aprendizagem, que estão inseridos nos processos de desenvolvimento
humano.
Como fruto deste processo de avanços, no ano de 1996, ocorreu
a aprovação da terceira e mais recente Lei das Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), que subsidiou a origem dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN). Considerando a importância de abordar o
tema sexualidade no ambiente escolar, dentre os 10 cadernos que
organizam o PCN, um é referente à orientação sexual. O documento
aborda a educação sexual como elemento fundamental para o exercício
da sexualidade, considerando-se as esferas mais amplas de ser e
conviver, com prazer, saúde e responsabilidade. Nesta orientação
político-pedagógica, a ação educativa deve ser pautada na proposta da
transversalidade do tema, sendo abordada em todas as disciplinas,
fundamentada em visão ampla de sexualidade, incluindo seu caráter
cultural social e histórico. (FURNANETTO et al., 2018).
Na publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), a
proposta transversalização da temática sexualidade na escola, esbarrou
na falta de preparo e capacitação dos atores envolvidos na cena
educacional. Assim, em relação ao tema e à abordagem transversal, essa

472
proposta não se efetivou. Campos, (2015) pontua a falta de consenso nos
meios acadêmicos e no cotidiano escolar, tanto em relação à maneira de
abordar o tema, o que abordar e quem abordar.
Nessa lacuna, entre o discurso que embasou os PCNs e as
dificuldades de internalizar aspectos éticos, políticos e filosóficos, a
prática da educação sexual no espaço da escolarização não avança. Nesse
cenário, observa-se a perpetuação de práticas reacionárias, que
reafirmam condutas e conceitos historicamente construído. A ênfase
reside em aspectos biológicos da sexualidade e métodos contraceptivos.
O que se constata é a manutenção de um “currículo sexual oculto” que
atua em relação à valorização da normalização das expressões de gênero,
excluindo orientações sexuais diferentes, mantendo a lógica de exclusão
e preconceito. (CAMPOS, 2015).
A construção pessoal e social da sexualidade, se constitui ao
longo da vida, sendo um processo contínuo e complexo, articulando
aspectos biológicos, fisiológicos, psicológicos, sociais, culturais e
históricos. Nas visões de homem e de sociedade que desconsideram os
aspectos pontuados, o indivíduo é desconsiderado, e sua identidade
sexual se aproximará ou se afastará dos padrões dogmáticos e
predominantes na ideologia hegemônica. Ao se restringir a sexualidade
humana, o único horizonte possível são as a abordagens reducionistas,
focalizadas apenas ao aspecto do corpo, “que possibilita reprodução, que
engravida, que adoece que se previne”. (CAMPOS, 2015, p. 2). Como
mencionado por Maia et al. (2012), o processo de educação sexual,
devendo ser compreendido com um processo sistemático e contínuo no
qual, não as informações cientificas sobre sexualidade, seriam
convertidas em pontos de partida para possibilitar espaços de reflexão e
diálogo e que levem a superação de práticas anacrônicas e prejudiciais.
Ao fazer a crítica dos processos de implementação e dos percalços
enfrentados, muitos autores, defendem a iniciativa de educação sexual
que ultrapasse a esfera meramente informativa-descritiva-profilática,
que mire em atividades de ampla educação para compreender a

473
sexualidade e a saúde sexual como uma questão inerente da vida social
e política.
Maia e Ribeiro (2011) partem do princípio de que a educação
sexual na escola deve ser um processo propositado, planejado e
organizado. Nessa proposta, os caminhos pedagógicos e didáticos
deveriam possibilitar uma formação que envolva o indivíduo na sua
totalidade. O conhecimento, a reflexão e o questionamento, deve visar
mudança de atitudes, por meio da flexibilização das concepções e dos
valores; Somente encarando a sexualidade como uma das dimensões da
vida humana e que o processo educacional conseguirá promover o
desenvolvimento da cidadania ativa, em que todos possam ser
respeitados. Dessa maneira; a educação sexual representa um importante
caminho para a e instrumentalização da sociedade para o combate à
homofobia e à discriminação de gênero.
Atualmente, no campo político, com o surgimento do
movimento “Escola sem partido”, torna-se bastante nítido, muitos
retrocessos em relação à orientação sexual, sendo solicitado em projetos
de lei que tramitaram e tramitam no Congresso Nacional e casas
legislativas, a exclusão dos termos orientação sexual e gênero dos Planos
Nacionais de Educação (PNE) e Bases Nacionais Comum Curriculares
(BNCC). Furlanetto et al. (2018, apud por BRASIL, 2017). Esse
posicionamento tem gerado debates acalorados. A sociedade parece
conviver com posições antagônicas, que ora denunciam o obscurantismo
e dogmatismo, que ignoram a lógica e as evidências científicas, como é
o caso dos defensores dos Direitos Humanos e por outras vezes,
endossam de maneira efetiva ou fervorosa os discursos reacionários.
Para Maia et al. (2012, p. 3)

[...] uma educação sexual ética e comprometida


com a emancipação dos indivíduos deve
questionar e debater os padrões de normalidade
transmitidos entre as gerações e que contribuem
para a naturalização de comportamentos sexuais. É
preciso ressaltar que a sexualidade é uma

474
construção social e, como tal, impõe certos padrões
de como devemos nos comportar.

Nesse sentido, segundo os referidos autores, a educação sexual,


deve ser abordada em todos os níveis do ensino, de forma
contextualizada historicamente e socialmente, sendo esclarecedora, para
que assim possa contribuir para o desenvolvimento sexual saudável dos
sujeitos. Combatendo, por meio da capacitação em educação sexual e do
estudo das questões de gênero, preconceitos, possibilitando alcançar a
superação de desigualdades, de relações de poder e de submissão em
relação ao sexo masculino sobre o feminino, homofobia entre outras
situações de exclusão presentes em nossa sociedade.
Partindo da compreensão de educação sexual como instrumento
de transformação social, considerando a importância de reflexões sobre
o momento político atual, e os desafios associados à implantação dos
PCN, analisar o impacto desse momento e a forma como a educação
sexual esta sendo trabalhada nas escolas, se faz oportuno e relevante.
(FURLANETTO, et. al., 2018).

Método
Neste trabalho buscou-se investigar, por meio da revisão da
literatura recente as temáticas que estão sendo estudadas em relação à
sexualidade, educação sexual no ensino médio e formação de
professores. Foram analisados artigos científicos publicados nos últimos
dois anos. A estratégia metodológica utilizada foi à busca sistemática na
base de dados Scielo, com a utilização das palavras-chave: sexualidade,
educação sexual, ensino médio e formação de professores. Inicialmente
foi realizada à leitura dos resumos, analisando o conteúdo e sua
relação com as palavras-chave pesquisadas. Em seguida, foram
selecionados cinco artigos completos para serem analisados de
maneira sistemática. Observou-se a predominância de estudos que
abordam o debate público atual sobre a educação sexual, referentes à

475
inclusão dos conteúdos que envolvem a questão de gênero e sexualidade
no Plano Nacional de Educação.

Resultados principais e discussões


O levantamento de publicações científicas no período entre
2017-2018, na base de dados Scielo, por meio do recorte “sexualidade,
educação sexual, ensino médio e formação de professores”, identificou
cinco artigos científicos que se referiam a temática pesquisada, os quais
serão apresentados.
Quadro 1 – Trabalhos encontrados por levantamento de publicações
científicas em na base de dados Scielo, publicados no período entre
2017-2018 na temática de Sexualidade, Educação Sexual, Ensino Médio
e Formação de Professores.

Nos trabalhos analisados, observou-se a predominância de


estudos que abordam o debate público atual sobre a educação sexual,
referentes à inclusão dos conteúdos que envolvem a questão de gênero e
sexualidade no Plano Nacional de Educação. Em um artigo, além de
abordar questões referentes ao momento político atual, investigou

476
também as ações desenvolvidas no espaço da escola em relação à
educação sexual no ensino fundamental e médio e os profissionais
responsáveis por estas ações. Outro artigo avaliou, exclusivamente, o
impacto do Programa Saúde nas Escolas, de quatro escolas na cidade do
Rio de Janeiro, destinado a alunos do ensino médio.
Segundo as reflexões apresentadas por Brandão e Lopes (2018),
nos últimos anos, houve ampla divulgação pela mídia, no Brasil, em
relação às polêmicas que envolvem a aprovação do Plano Nacional de
Educação (PNE) e dos planos estaduais e municipais. Posições contrarias
a sua aprovação, devido à inclusão de categorias sociais no art. 2, em que
se versa sobre a “superação das desigualdades educacionais”, com ênfase
na promoção da desigualdade racial, regional, de gênero e de orientação
sexual.
Em 2014, intensificam-se intensos debates na sociedade
brasileira, devido à menção das categorias “gênero” e “orientação
sexual” no texto do segundo PNE (projeto de lei nº 8.035/2010), o que
provocou o retorno do texto final à Câmara dos Deputados (BRANDÃO;
LOPES, 2018).
As referidas autoras, refletem sobre as conseqüências do atual
cenário de retrocesso político no Brasil. A inexistência de discussões no
espaço da escola à respeito de gênero e sexualidade, contribui para a
manutenção e persistência das desigualdades, discriminações sociais e
manifestações de violências, no espaço escolar e em outros ambientes
sociais. Refletir e discutir sobre esta temática, certamente, somará forças
para fortalecer a luta pela afirmação dos direitos humanos no Brasil.
Para Brandão e Lopes (2018, p. 102)

[...] o debate sobre gênero e sexualidade na escola


pode diminuir o machismo e a misoginia, conduzir
à promoção da igualdade de gênero e da
diversidade sexual, por meio do aprendizado do
convívio com diferenças socioculturais. Assim,
evitam-se situações de sofrimento, adoecimento e

477
abandono escolar por razões que não competem
somente a adolescentes.

Borges e Borges (2018), falam sobre as condições que levaram


a retirada de diretrizes sobre questões de gênero e sexualidade dos planos
de educação e refletem sobre alguns possíveis efeitos destas supressões.
O Plano Nacional de Educação (PNE), é utilizado como referencia para
a formulação ou adequação dos planos de educação dos estados e
municípios brasileiros. Estão reunidas no PNE metas e diretrizes para a
educação brasileira, esperando serem alcançadas de 2014 a 2024.
O eixo do PNE relacionado à “redução das desigualdades e
valorização da diversidade, sofreu alterações por meio de emendas, foi
incluído questões relacionadas a gênero e sexualidade. Estas mudanças
ocorreram após votações paradoxais no Congresso Nacional, entre os
anos de 2011 e 2014.
A mudança no eixo da redução das desigualdades levou, de
acordo com Borges e Borges (2018), ao início de uma polêmica. Neste
cenário, no final do primeiro semestre de 2015, ocorreu à exclusão de
questões relativas a gênero e sexualidade de diversos planos estaduais e
municipais de educação.
O resultado final do texto do PNE foi comprometido, recebeu
uma designação mais genérica, este fato se deu devido à frágil
representatividade política dos segmentos favoráveis ao debate sobre
sexualidade e gênero nas escolas. E do outro lado, grupos religiosos com
forte representatividade no Congresso Nacional, contrários a inclusão
destas categorias (BRANDÃO; LOPES, 2018).
Segundo as reflexões e discussões levantadas por Furlanetto et
al. (2018), de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PNC),
a orientação sexual na escola é compreendida como atividade
transversal, ou seja, perpassa por todos os níveis de ensino, disciplinas
ou atividades escolares. A sexualidade é inerente ao ser humano,
construída coletivamente e socialmente ao decorrer do seu
desenvolvimento, modificada e moldada nas relações.

478
No entanto, a pesquisa realizada, pelos autores, de modo geral,
identificou que as atividades desenvolvidas caracterizam intervenções
temporárias, realizadas, por profissionais que não pertencem ao quadro
escolar. Ações realizada, com apenas uma parcela da população escolar,
sendo 75% das ações no ensino fundamental (5º ao 9º ano) e 25% n
ensino médio. Voltadas apenas ao gênero masculino ou feminino.
Em relação as característica metodológicas e pedagógicas,
Furlanetto et al. (2018), identificam diversidade de modalidades de
intervenção. A modalidade de oficinas foi apontada em 50% das
estratégias. Também foram citadas: conversação com os alunos, leitura
de livros infantis, elaboração de peça teatral, dinâmicas de grupo,
atividades lúdicas, intervenções psicoeducativas, círculo de cultura e
grupos operativos.
Os predomínios das temáticas abordadas nas intervenções são
relativos a abordagens médico-informativa, relacionados à prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis e gestação. Foi pontuado ações
voltadas ao fornecimento de informações sobre biologia do sexo e
estudos que envolvem discussões relacionadas à normas e gênero,
identidade, preconceitos e aspectos culturais e familiares.
(FURLANETTO et al., 2018).
Segundo os referidos autores, existe distancia da forma como a
temática é abordada no âmbito escolar em relação ao preconizado pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Muitas intervenções
continuam a enfatizar temas relativos à área da saúde sexual e
reprodutiva e não abordam a sexualidade como construção social e
histórica.
A ausência de formação continuada e o despreparo dos docentes
para abordar e entrar em contato com os questões sobre gênero e
sexualidade, foi apontado em alguns estudos pesquisados. Em relação
aos profissionais que desenvolvem as ações na educação sexual nas
escolas, indicam ser realizadas pelos seguintes profissionais: professores
de ciências e biologia (16,6%); profissionais de enfermagem (37,5%).

479
Este último é responsável por intervenções externas, de caráter
temporário (FURLANETTO et al., 2018).
A escola é um espaço que cumpre uma função social, sendo
responsável pela evolução intelectual, física, social e cultural dos alunos.
A sexualidade, perpassa por todas as fases do desenvolvimento dos
indivíduos. A educação sexual, precisa ser trabalhada por profissionais
qualificados, com o objetivo de diminuir conflitos e visões pessoais. No
entanto, apesar de existirem estes documentos oficiais, que orientam e
abordam sobre gênero e sexualidade, os professores, muitas das vezes,
não tem acesso às estes documentos e também não tem recebido meios
de capacitação (FURLANETTO et al., 2018).
Os autores atentam para a importância da abordagem sócio-
histórica da sexualidade. Toda estratégia de educação sexual carrega uma
contribuição social, pois se existe comprometimento com a
transformação social, podem levar a desconstrução de padrões de
comportamento sexual excludentes. (FIGUEIRÓ, 2010; FURLANI,
2011; GOLDBERG, 1988; LOURO, 2008 apud FURLANETTO et al.,
2018). Portanto as estratégias em educação sexual, embasadas no resgate
histórico e cultura, apresentam caráter emancipatório, contextualizadas
com a realidade em que os sujeitos estão inseridos. Estas estratégias
devem ser abrangentes, comtemplar aspectos formativos e informativos,
prover o respeito à diversidade sexual e de gênero, possibilitar o alcance
de direitos sexuais e reprodutivos, reflexões e possibilidades de vivencia
da sexualidade com liberdade e responsabilidade. (FIGUEIRÓ, 2010
apud FURLANETTO et al., 2018).

Considerações finais
Em relação aos artigos analisados, identifica-se, que os trabalhos
realizados no âmbito da educação sexual na escola, distanciam-se do
preconizado nos PCN, em relação à transversalização do tema, nos
diversos níveis de ensino. (Furlanetto, et. al., 2018).
Conclui-se, portanto, por meio deste breve levantamento de
literatura, a necessidade de discussões e pesquisas sobre o impacto desse

480
momento político atual nas concepções e ações dos professores,
especificamente em relação à educação sexual e no ambiente escolar de
adolescentes do ensino médio. Nessa perspectiva, a ação investigada
nessa seara deverá desvelar os processos políticos que sustentam os
processos educacionais. A ação docente necessita de horizontes
balizados por reflexões científicas que levem a superação de práticas
discriminatórias.

Referências
BRANDÃO, E. R.; LOPES, R. F. F. (2018). “Não é competência do
professor ser sexólogo” O debate público sobre gênero e sexualidade no
Plano Nacional de Educação. Civitas - Revista de Ciências Sociais, 18
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571. https://dx.doi.org/10.1590/198053145084

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construção das masculinidades adolescentes. Cadernos Pagu, (52),
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ATALIBA, P., MOURÃO, L. (2018) Avaliação do impacto do


Programa Saúde nas Escolas. Psicologia Escolar e

481
Educacional , 22 (1), 27-35. https://dx.doi.org/10.1590/2175-
35392018011566

482
TÓPICOS SOBRE SEXUALIDADE NA
FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES DE BIOLOGIA:
(DES)CONSTRUINDO CONCEITOS

Leandro Afonso da Silva


Michely da Silva Bugança
Silmara Sartoreto de Oliveira
(Universidade Estadual de Londrina)

Entre os obstáculos para discutir sexualidade nas escolas destaca-se a


sensação de despreparo dos docentes sobre a temática o que culminou na
criação de componentes curriculares para esta formação em cursos do
ensino superior. Objetivou-se analisar os principais conceitos sobre o
tema elencados para o trabalho escolar na educação básica (EB) por
professores em formação continuada para o ensino de Biologia. Foram
analisadas 52 produções destes professores em uma disciplina sobre a
temática, onde a partir de vídeos eles deveriam elaborar propostas de
intervenções para sexualidades e gêneros descrevendo os conceitos que
pretendiam trabalhar com alunos da EB. Os vídeos relacionavam-se as
temáticas: 1. Ideais sociais de mulher e a sexualização infantil, 2.
Terapias de reversão sexual e repercussões (“cura gay”), 3. Abordagem
legislativa sobre questões de gênero na escola e 4. “Ideologia de gênero”
e questões de gênero nas escolas. 19 alunos optaram pelo vídeo 1, 17
pelo vídeo 2, 3 o vídeo 3, 7 o vídeo 4 e 6 alunos utilizaram outros vídeos.
Os alunos demonstraram necessidade de trabalhar conceitos não só
biológicos, mas também antropológicos e outros. Os conceitos elencados
revelaram a importância do uso de vídeos (mídias) na elaboração de
propostas didáticas sobre o tema sexualidade contribuindo para a quebra
do silêncio sobre o tema e para a instrumentação dos alunos quanto
reflexões acerca de si próprios e o mundo que os cerca levando a
formação de cidadãos críticos e conscientes.
Palavras-chave: Sexualidade; Formação Continuada de Professores;
Ensino de Biologia.

483
TOPICS ON SEXUALITY IN THE CONTINUING EDUCATION
OF BIOLOGY TEACHERS: (DE)CONSTRUCTING CONCEPTS

Among the obstacles to discuss sexuality in schools is the feeling of


unprepared teachers on the subject which culminated in the creation of
curricular components for this training in higher education courses. It
was aimed to analyze the main concepts on the theme listed for school
work in basic education (BE) by teachers in continuing education for the
teaching of Biology. Were analyzed 52 productions of those teachers in
a subject of the theme in which, using videos they should elaborate
proposals of interventions for sexualities and genders describing the
concepts intended to work with students of BE. The videos were related
to the themes: 1. Social ideals of women and child sexualization, 2.
Sexual reversal therapies and its repercussions ("gay cure"), 3.
Legislative approach on gender issues in school and 4. "Gender
ideology" and gender issues in schools. 19 students opted for video 1, 17
for video 2, 3 for video 3, 7 for video 4 and 6 students used other videos.
Students demonstrate the need to work not only on biological concepts,
but also anthropological and other. The concepts elencored by the
students revealed the importance of the use of videos on the elaboration
of teaching proposals contributing to the disruption of silence on the
theme and the instrumentation of the students reflection on them and the
world that surrounds them guiding to the formation of critical and
conscientious citizens.
Key words: Sexuality; Continuing education; Biology teaching.

Enquadramento teórico
A sexualidade é intrínseca aos animais e toma maiores
proporções nos seres humanos por suas características biopsicossociais.
Mesmo neste contexto, a sociedade adquiriu uma postura repressora à
temática tornando a prática do silêncio “civilizatória”, estigmatizando a
conversa sobre o corpo no ambiente social e escolar. O trabalho com a
temática na escola incorre na (des)construção de saberes acerca de si

484
próprio por parte dos alunos dando-os ferramentas para expressão de
suas essências e cuidados com seus corpos.
São diversos os obstáculos da conversa sobre sexualidade no
ambiente escolar e entre eles destaca-se nos discursos docentes a
ausência de formação para discuti-la, culminando em uma sensação de
insegurança para o tratamento do assunto pelos professores. Este cenário
culminou, nos últimos anos, na criação de componentes curriculares para
esta formação em graduações e pós-graduações, que agora contam com
recursos tecnológicos que permitem a superação de algumas barreiras
físicas pela Educação a Distância (EaD), possibilitando novos espaços
para o trabalho com esta temática e a formação destes docentes.
A consciência da necessidade de trabalhar estes conceitos na
educação básica é de suma importância para o ensino de biologia, uma
vez que a sexualidade é inerente aos seres humanos e relaciona-se, entre
outras vertentes, intimamente com a saúde. Sua abordagem no ambiente
escolar promove um espaço para a reflexão docente e discente, ao
primeiro, reflexões acerca de estratégias metodológicas para ensino de
sexualidade e saúde corroborando para a quebra da cultura do silêncio o
que constitui uma ajuda pedagógica empática baseada no respeito a
diversidade, e para os alunos, reflexões que corroborem para o
conhecimento de si próprios, seus corpos e cuidados para estes.
Este trabalho objetivou analisar os principais conceitos sobre o
tema elencados para o trabalho escolar na educação básica (EB) por
professores em formação continuada para o ensino de Biologia.

Sexualidade na contemporaneidade e o ambiente escolar


Mesmo que inerente aos indivíduos, falar sobre sexualidade
ainda é um tabu na sociedade contemporânea. Histórica e socialmente os
indivíduos foram condicionados a omitir ou restringir seus sentimentos,
emoções, expressões, desejos, corpos e sexualidade, seja no âmbito
familiar, escolar ou social (DIAS et al., 2015).
Há transferência de responsabilidades ou até mesmo uma fuga
de perguntas, um exemplo disso é o requerimento de médicos ou outros

485
profissionais da saúde para falaram “do assunto” nas escolas
(OLIVEIRA; FARIA, 2011). Verifica-se, portanto, que a abordagem do
tema na escola restringe-se muitas vezes aos cuidados a saúde física,
sendo pouco abrangidos aspectos sociais, psicológicos e legais. Mediante
essa realidade e comportamentos nota-se uma forte influência religiosa,
cultural, de crendices e valores socialmente construídos apoiados na
heterossexualidade, permeando as noções de sexualidade das pessoas e
seus grupos (OLIVEIRA; FARIA, 2011; SOUZA, 2010).
Para esta sociedade é inescusável a necessidade de corpos
enquadrados nas normas convencionais, estereotipados e com lugares
bem definidos para homens e mulheres, mais uma vez respaldados por
processos de doutrinação, civilizatórios e “educativos” (DIAS et al.,
2015). Nesta perspectiva convém resgatar as relações de poder,
dominação e desigualdade envolvidas que, atreladas aos demais fatores
influenciadores supracitados, atuam como silenciadores.
Segundo Oliveira e Batalha (2017) é crucial perceber e entender
que as imposições dos gêneros socialmente e culturalmente construídas
culminam na desigualdade de poderes, sendo assim, concedem
autoridade a determinadas pessoas, e essa é sempre determinada pelo
sexo biológico. Welter e Grossi (2018) corroboram com os autores,
afirmando ainda que essas divergências, muitas vezes, são meios de
viabilizar privilégios e camuflar preconceitos e discriminações. Ainda,
os autores reconhecem as diferenças de gênero como reprodutoras da
desigualdade e meio para sustentar a dominação masculina existente.
Nicolino e Paraíso (2017) mencionam a sexualidade como questão
política que deve ser analisada enquanto histórica e sociológica.
No trabalho de Almeida Neto (2003) intitulado como “Um olhar
sobre a violência contra homossexuais no Brasil”, o autor considerou os
avanços conseguidos a partir da década de 60, no que diz respeito a
cidadania e igualdade de direitos, bem como a elevação nas pesquisas e
estudos acadêmicos sobre a temática, concluindo que, atualmente a
“cultura heteronormativa” ainda se sobressai e, juntamente dela, o
preconceito, a violência e a discriminação. Apesar do referido avanço e

486
dos conhecimentos científicos por ele trazidos, muitas pessoas insistem
em utilizar a expressão “opção sexual”, por exemplo, insinuando, mesmo
que indiretamente, a decisão particular e intransferível do indivíduo
acerca de sua sexualidade, excluindo a influência social (CONSUL;
AMORIM; NETO, 2016).
Neste momento, cabe refletir sobre o papel da escola enquanto
instituição social, inserida no contexto social e cultural e que, produz e
reproduz conteúdos e identidades culturais (FERREIRA, 2006;
WELTER; GROSSI, 2018). Oliveira e Faria (2011) concordam,
afirmando o envolvimento da escola com a construção das identidades
de gênero. É inegável a importância do ambiente escolar na promoção
de debates sobre sexualidade, em especial no Ensino Fundamental, onde
os estudantes encaram as maiores mudanças em seus corpos e,
juntamente com essas, grandes dúvidas e inquietações (OLIVEIRA;
FARIA, 2011).
Estas ações promovidas pelas escolas, além das questões já
mencionadas, também contribuem para o desenvolvimento individual
(de autocuidado), bem como para o reconhecimento das diferenças,
questões de igualdade e consciência social e coletiva (DIAS et al., 2015).
São essas medidas que buscam modificar as imposições e
preconceitos sociais, culturais e historicamente enraigados, visando uma
mudança de olhares e percepções. Segundo Consul, Amorim e Neto
(2016), essas questões não podem ser esquecidas, visto que é no espaço
escolar que a diferença deve ser discutida e vivida.

Formação docente: inicial e continuada


A formação inicial de professores nas décadas de 1980 e 1990
pautava-se primordialmente no princípio do conhecimento técnico e
meramente racional, na qual o professor assumia o caráter de transmissor
e reprodutor de conceitos. Os cursos de formação eram divididos em
duas etapas: primeiramente, a obtenção de conhecimentos teóricos e
técnicos e, portanto, incontestáveis; em segundo, aplicação dos
conhecimentos teóricos, ou seja, a prática (OLIVEIRA; FARIA, 2011).

487
Em contrapartida, as novas propostas formativas se opõem ao
modelo supracitado e, baseiam-se em uma formação reflexiva. Esta
fornece subsídios teórico-metodológicos para que o professor a lide com
situações não corriqueiras e também auxilia seu potencial criativo, bem
como lhe prepara para questionamentos aos currículos e garantam,
apesar de tudo, sua liberdade docente dentro do sistema educacional.
Essa perspectiva é fomentada, entre outras situações, pelo estágio
curricular supervisionado que possibilita esse contato, reflexão inicial e,
também a prática docente, independentemente do conteúdo trabalho
(OLIVEIRA; FARIA, 2011).
Ainda que a formação inicial seja completa, trata-se apenas de
uma introdução ao meio docente, sendo necessária uma formação
continuada que agregue conhecimento nas diversas temáticas, em
especial a sexualidade. Para a formação continuada em sexualidade,
deve-se considerar os professores enquanto sujeitos em construção e que
podem ser influenciados por concepções religiosas e morais, podendo
embasar-se apenas em discursos biológicos (GESSER et al., 2012).
Gesser et al. (2012) aponta o quão necessário é o pensar no
processo de formação de professores enquanto espaço para refletir sobre
as políticas educacionais para sexualidade, visto que por meio deste, os
docentes reinterpretam o currículo e suas diretrizes sob um novo olhar,
desta vez reflexivo e incrementado. Os mesmos autores também
propõem uma formação pautada na perspectiva étnico-política da
sexualidade, ou seja, este trabalho deve viabilizar a construção de formas
intensificadas de agir, pensar e refletir acerca da sexualidade, não
permitindo que as determinações religiosas, políticas, culturais, morais,
sociais e educacionais se sobressaiam.
Pensando em formação docente, é importante analisar o contexto
em que os educadores estão inseridos, pois, é nítida a resistência ainda
enfrentada na atualidade, seja ela política, religiosa ou cultural. Oliveira
e Batalha (2017) relembram a tentativa de censura aos professores
através do projeto “Escola sem partido” (Projeto de Lei 193/2016) que
prevê a neutralidade dos professores quanto a problematização e

488
instigação da criticidade, encarregando-os somente de reproduzirem
conteúdos meramente conceituais, semelhante ao modelo inicial de
formação mencionado no início do texto. Por esse e outros fatos, o
caráter reflexivo e crítico das formações é enormemente relevante, uma
vez que perante situações como esta, cabe aos professores resistirem e
lutarem por uma educação emancipatória e de qualidade.
É, também, importante estar ciente dos documentos que visam a
manutenção da saúde bem como dos direitos humanos, estes respaldam
a atuação profissional no campo da sexualidade nas escolas, dentre eles
Gesser et al. (2012) cita, por exemplo, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), que é considerado um marco que legitimou a
discussão da sexualidade nas escolas a partir de 1998, sugerindo a
abordagem como tema transversal.

Método
O presente estudo foi desenvolvido seguindo os preceitos da
pesquisa qualitativa onde o foco é a interpretação do contexto observado,
tendo seu interesse voltado principalmente aos significados de um
processo investigativo, não meramente seus resultados (OLIVEIRA,
2008).
Os sujeitos deste estudo foram alunos do curso de pós-graduação
(lato sensu) em ensino de Biologia na modalidade de educação a
distância (EaD) ofertado por uma instituição de ensino superior do
interior do estado do Paraná.
O curso é gratuito, voltado a profissionais da licenciatura, com
ênfase em professores de Biologia e Ciências que buscam novas
formações capazes de contribuir para suas práticas educativas. Ele atende
8 polos no estado do Paraná, possuindo duração de 24 meses (450 horas).
A carga horária é dividida em 4 módulos, onde no último módulo há uma
disciplina intitulada “Tópicos Especiais para Ensino de Educação Sexual
para Educação Básica” com duração de 30 horas. Dentro desta disciplina
foram aplicadas 4 atividades avaliativas que utilizavam vídeos e filmes
para promover discussões e elaborações didático-pedagógicas pelos pós-

489
graduandos para a aplicação em situações escolares com o objetivo maior
de fomentar a discussão sobre o assunto neste ambiente.
Para a investigação acerca dos conceitos que os docentes
creditaram importância para a abordagem no ensino básico foram
analisadas as produções de 52 alunos matriculados em um dos polos do
curso de pós-graduação. A produção escolhida foi resultado de uma das
atividades avaliativas, na qual, a partir de uma lista de vídeos pré-
definidos pelo professor responsável pela disciplina, os alunos deveriam
elaborar uma intervenção em educação para as sexualidades e gêneros,
contendo: a) público alvo, b) objetivos, c) conceitos trabalhados, d)
contextos dos vídeos e e) situação problema. Assim, foi analisado apenas
o item “c” de cada produção individual.
Na atividade foram disponibilizados 4 vídeos, encontrados na
plataforma digital YouTube, os quais tratavam dos seguintes assuntos:

1. Ideais sociais de mulher e a sexualização infantil;


2. Terapias de reversão sexual e repercussões (“cura gay”);
3. Abordagem legislativa sobre questões de gênero na escola;
4. “Ideologia de gênero” e questões de gênero nas escolas.

Analisar os conceitos que estes docentes elencaram para o


trabalho escolar revela muito mais do que a preferência deles por um
documento audiovisual, mas sim a necessidade pela discussão de
determinados temas, entre todas as possibilidades, os quais eles
acreditam serem mais capacitantes para os alunos em termos de si
próprios e para com os outros.

Resultados principais e discussões


Nas 52 produções analisadas, o vídeo 1 foi escolhido por 19
alunos, o vídeo 2 por 17 alunos, o vídeo 3 por 3 alunos, o vídeo 4 por 7
alunos e 6 alunos optaram por utilizar outros vídeos acerca de temáticas
correlatas para promover suas intervenções nas salas de aula do ensino
básico (Gráfico 1).

490
Gráfico 1 – Relação das escolhas dos vídeos pelos pós-graduandos.

20 19
17
Número de escolhas

15

10
7
6
5 3

0
1 2 3 4 Outros
Vídeos

Fonte: o próprio autor.

Acerca do vídeo 1 sobre a temática “ideais sociais de mulher e a


sexualização infantil” foram elencados os conceitos de erotização
infantil, estereótipos de feminilidade, masculinidade e estéticos, e a
mediação da mídia neste processo. No que se refere a gênero, diversidade
e igualdade, conceituando preconceito e violência. Também foram
elencados princípios individuais, representatividade feminina e o sexo
biológico (focalizando em mudanças da adolescência).
Quando tratamos do ambiente escolar lidamos com uma imensa
diversidade humana e mesmo que, muitas vezes, esta instituição não
consiga atender esta demanda adequadamente, a escola ainda é um
excelente local para a discussão sobre a diversidade (SANTOS, 2008).
A incompreensão a diversidade na escola é apenas um reflexo de uma
sociedade que exibe este défice o que culmina em estereótipos, falas que
perduram ao tempo representando sensos e valores comuns
(LIPPMANN, 1992). Segundo Rodrigues e Costa (2007, p. 2) as
mulheres enquadram-se em destes públicos estereotipados, no caso, um
estereótipo inferiorizado:

491
[...] Como as mulheres, desde as sociedades mais
antigas, sempre foram marginalizadas e até mesmo
tratadas como aberração ou como um ser
incompleto, torna-se evidente e necessário ir além
de apenas nomear as grandes, mas sim a história de
muitas que permanecem invisíveis à história da
humanidade.

Neste tocante ressaltasse cada vez mais a força das mulheres na


luta por seus espaços/direitos sendo a escola um espaço onde também se
preza pela construção de uma sociedade (e cidadãos) mais justos e
igualitários, pela sua influência na construção de das identidades e
pensamento coletivo (CANDIDO; VASQUEZ, 2016).
Os estereótipos sejam eles sobre masculinidade, feminilidade,
etnia, orientação sexual, entre outras, são reforçados por recursos
midiáticos. Para a publicidade, por exemplo, criar vínculos com o
consumidor relaciona-se intimamente com a sensação de
compartilhamento de crenças e comportamentos sociais interiorizados,
explicitamente usando estereótipos para o alcance de seus objetivos
(FREITAS, 2014).
É preciso levar em consideração que esta mesma mídia objetifica
os indivíduos, o que é sentido principalmente pelas mulheres e que
também afeta as crianças, principalmente do sexo feminino que passam
a se preocupar de forma precoce com valores estéticos, não
compreendendo o processo que envolve o desaparecimento da infância,
a erotização precoce e até mesmo um processo de pedofilização
(RODRIGUES-JÚNIOR, 2013)
A escola como a instituição de maior convívio com estes jovens
e crianças sente o impacto dessa mídia e em contrapartida deve fomentar
a discussão sobre sexualidade de forma a desconstruir padrões
estabelecidos (LOURO, 2000; RODRIGUES-JÚNIOR, 2013).
A mídia então é meramente um instrumento hostil ao ambiente
escolar? A resposta é não! A mídia deve ser sim utilizada na escola,
porém de forma crítica e consciente evitando o controle social e servindo

492
como um instrumento de cunho pedagógico para discussões acerca de
condições sociais, políticas, econômicas e culturais (DORIGONI;
SILVA, 2007). Ensinar sobre o uso da mídia no cotidiano é também
muito importante, pois os alunos convivem com inúmeros meios de
comunicação nos mais diversos ambientes.
Agora dentro do ambiente escolar, especificamente tratando da
disciplina de biologia é crucial que os docentes superem o tratamento do
conteúdo em sua forma meramente anátomo-fisiológica, proporcionando
aos alunos a uma posição crítica e reflexiva acerca dos temas
relacionados a sexualidade que sim, tangenciam as bases biológicas,
porém não são restritos somente a estes (RODRIGUES-JÚNIOR, 2013).
Em suas propostas os alunos do curso de pós-graduação
analisados demonstraram intervenções sobre o tema sexualidade de
forma transdisciplinares, não se restringindo a conteúdos meramente
biológicos, embora estes estejam inseridos nas discussões como quando,
por exemplo, tratam de mudanças na adolescência e aspectos biológicos
do sexo.
Em relação ao vídeo 2 sobre a temática “Terapias de reversão
sexual e suas repercussões (“cura gay”)” foram escolhidos os conceitos
de legislações, decisões judiciais e suas implicações, homossexualidade
e outras sexualidades (distinguindo-as de IST’s e psicopatias
[patologias]). Conceitos de orientação sexual egodistônica, relações
homoafetivas, padrões sociais de gêneros e sexualidades, incluindo
machismo e preconceito, valorizando o respeito, valores, espiritualidade,
profissionalismo e empatia. Os conceitos de normalidade e
anormalidade, comunicação familiar e os impactos do tratamento
psicológico destas terapias também foram mencionados.
É importante elencar discussões na escola para que os alunos
conheçam mais uns aos outros buscando descontruir estereótipos que
muitas vezes são aceitos por serem discursos transmitidos e aceitos sem,
de fato, conhecer o outro e sua realidade.
Refletir com os alunos sobre orientações sexuais na escola e
ainda questões relacionadas a gêneros é de extrema importância, pois há

493
uma diversidade de essências neste ambiente. Souza (2010) ressalta que
um passo importante seria a discussão sobre a situação dos indivíduos
que não seguem os padrões sociais impostos, refletindo sobre políticas
públicas, sua aplicação e sua “real eficácia”, o que fica claro quando o
autor discorre sobre países com políticas públicas para a aceitação de
indivíduos homoafetivos: “A primeira consideração a ser feita é de que
políticas de aceitação e tolerância a homossexualidade não indicam
necessariamente que em tais países os homossexuais sejam tolerados e
aceitos.” (SOUZA, 2010, p. 37).
Neste contexto, os alunos de pós-graduação elencaram conceitos
para discussão no ambiente escolar capazes de proporcionar uma
aproximação e maior entendimento da situação em que o outro vive,
explorando a despatologização das sexualidades. Elas não são infecções
sexualmente transmissíveis ou psicopatias, as “terapias do armário”
(“cura gay”) são práticas da sociedade conservadora-binária-
heteronormativa e devem ser questionadas em relação a suas bases
ideológicas e os modelos de identidades impostos (LOURO, 2000;
SOUZA, 2010). Souza (2010, p. 44) afirma que: “[...] a desconstrução
da pedagogia heteronormativa possibilita o rearranjo dos discursos sobre
sexualidade, tornando-os plurais, flexíveis e menos normativos.”
Sobre a temática 3 foram elencados conceitos de gênero e
identidade, cultura, conduta, família, religião, política e questões acerca
do machismo.
Neste vídeo retomaram-se diversos conceitos trabalhados
anteriormente, retratando mais uma vez o desejo docente pela crítica ao
modelo educacional tradicional separatista em relação aos sexos, que
impõe atividades, ações e comportamentos historicamente transmitidos
pelas construções sociais históricas e culturais, naturalizando os “papeis
de gênero” culminando na ideia de imutabilidade desta situação devido
as raízes históricas e persistentes (SILVINO; HENRIQUE, 2017).
Ressalta-se a importância da política neste processo que é também
utilizada por segmentos sociais conservadoristas como porta de entrada

494
para o controle do sistema educacional visando perpassar seus ideais para
o mesmo.
Em relação a temática 4 foram elencados conceitos acerca de
comportamentos socialmente impostos e as reais, e diferentes formas de
expressão, conceitos e preconceitos, o gênero sob a ótica do que é
“normal” e “anormal”, a essência do indivíduo e o papel da família e
cultura. Novamente, a discussão destes conceitos é fundamental e pode
promover a desconstrução de ideologias nocivas e que tendem a exilar
determinados grupos (OLIVEIRA; BATALHA, 2017).
Para Ew e colaboradores (2017, p. 52):

[...] A escola pode possibilitar aos jovens construir


conceitos sobre o mundo, formalizando
conhecimentos e critérios para o processo decisório
das inúmeras questões referentes ao seu cotidiano.
Sendo, portanto, um lugar profícuo para as oficinas
servirem de instrumentos relevantes para promoção
de reflexão.

A escola pode ser compreendida como um local onde há a


construção de respeitos e empatia, e o professor deve buscar fomentar a
construção destas características em seus alunos.
Os pós-graduandos que optaram por outros vídeos declararam a
necessidade de trabalhar os conceitos de sexualidade em relação a suas
formas e preconceitos enfrentados, o sexo biológico, gênero e papeis de
gênero, o respeito a diversidade e a influência da mídia na construção de
(pré)conceitos, e também discutir sobre a pedofilia.
Em um panorama geral pode-se notar que os alunos do curso de
pós-graduação, mesmo que em um curso relacionado ao ensino de
biologia, foram muito mais a fundo em suas propostas de abordagens
para o tema sexualidade. Estas propostas demonstram que a
oportunização à formação docente, seja inicial ou continuada, estimula
as discussões que guiam nossa sociedade a um futuro melhor e a escola
a ser cada vez mais um espaço reflexivo que instrumentaliza os alunos

495
sobre as possibilidades de vivência da(s) sexualidade(s) e sobre o
respeito as diferenças, em relação aos outros e a si mesmos (EW et al.,
2017).

Considerações finais
Em contrapartida a sensação de despreparo dos docentes para a
discussão sobre sexualidade no ambiente escolar têm sido criados
componentes curriculares que previssem uma formação que capacitasse
os professores a entender e abordar esta temática e também os motivos
pelos quais a educação sexual e para sexualidades é imperativa na
formação de indivíduos críticos, conscientes e empáticos.
Os componentes curriculares que abordam este ensino ainda são
poucos, muitas instituições de ensino superior enfrentam inúmeros
obstáculos para que estes componentes entrem em vigência, muitos deles
relacionados ao preconceito e a postura silenciadora sobre “aquele
assunto”. Ainda que existam cursos na modalidade EaD, como o de pós-
graduação citado nesta pesquisa, que trabalham o exercício da docência
para sexualidades, estes encontram-se restritos a algumas regiões do
país, sendo necessário que cada vez mais os currículos sejam criados e
repensados visando à formação dos alunos para além dos conhecimentos
teóricos, mas para que eles sejam cada vez mais capacitados para
entender o mundo que os cerca e o seu próprio mundo (seus corpos).
A partir dos conceitos elencados pelos estudantes de pós-
graduação foi possível identificar a importância do uso de vídeos (e
mídias em geral) na elaboração de propostas didáticas sobre o tema
sexualidade e da capacitação de professores que atuam no ensino básico,
promovendo espaços reflexivos sobre a temática.
As reflexões incorporadas pelos docentes em suas propostas de
intervenções são cruciais para o ensino de sexualidade, contribuindo para
a quebra do silêncio civilizatório fornecendo aportes para que os alunos
da educação básica reflitam sobre a sociedade que vivem e sobre si
próprios de forma crítica, promovendo um entendimento, aceitação e

496
reflexão sobre questões acerca das diversas manifestações da
sexualidade em seus mais diversos âmbitos.
Conclui-se que espaços de formação e discussão para docentes e
discentes são necessários para capacitar ambos a discussão sobre
sexualidade.

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499
UM OLHAR SOBRE A SEXUALIDADE
INFANTIL: A CONCEPÇÃO DE DIRETORAS
ESCOLARES DO ENSINO FUNDAMENTAL I –
ANOS INICIAIS

Camila Campos Vizzotto Alduino


Marcia Cristina Argenti Perez
(Universidade Estadual Paulista/Araraquara)

Atualmente, a sexualidade infantil se mostra um tema polêmico e traz à


tona fragilidades afetivas, emocionais e comportamentais. Diante
observações cotidianas em ambientes escolares, o tema revela-se
confuso e controverso para os profissionais que ali atuam. Assim, este
estudo sinaliza algumas contribuições psicanalíticas, bem como
determinados dados históricos com o objetivo de elucidar uma pesquisa
empírica sobre a concepção de diretoras escolares sobre a sexualidade
infantil. Para isso, foram realizadas entrevistas individuais, semi-
estruturadas com as diretoras da Rede Municipal de Educação do Ensino
Fundamental I – Anos Iniciais de uma pequena cidade do interior
paulista.
Palavras chave: Sexualidade Infantil, Direção Escolar e Concepção

A LOOK AT CHILD SEXUALITY: THE CONCEPTION OF


SCHOOL PRINCIPALS IN ELEMENTARY SCHOOL

Currently, child sexuality is a controversial issue and brings out affective


and behavioral fragilities. Based on daily observations in school
environments, the theme is confusing and controversial for the
professionals who work there. Thus, this study aims to investigate the
conception of school principals on child sexuality. For this, individual
interviews were conducted, semi-structured with the directors of the
Municipal Network of Primary Elementary I, of a small city in the
interior of São Paulo.

500
Keywords: Child Sexuality, School Direction and Conception

Introdução
A Cultura Escolar, as relações que se estabelecem no que diz
respeito à sexualidade e ao gênero, bem como a necessidade de se pensar
em uma educação sexual, são algumas reflexões que se fazem
necessárias no cotidiano escolar. Não raro, estas são algumas queixas,
dentre muitas outras, do corpo docente da Rede Municipal de Educação
e Cultura em uma pequena cidade do interior paulista, em que são
realizadas as devidas orientações para que tais profissionais possam
assim repensar suas práticas, atuações e relações entre professor,
instituição e aluno no cotidiano da escola. Assim, os conteúdos
manifestos, os conteúdos latentes da instituição e da formação grupal que
nela se inserem são fontes de estudo e intervenção e, tal como preconizou
Bleger (1984) a exteriorização da subjetividade e a reflexão dos
processos, que muitas vezes encontram-se inconscientes, são ações
imperativas na tentativa de proporcionar a psicohigiene.
Certas de que as instituições escolares apresentam dificuldades
em abordar o tema da sexualidade, a necessidade de reflexões e
discussões se mostra evidente e cada vez mais urgente. É sabido que esse
tema é polêmico e que traz à tona uma fragilidade, além da instituição,
mas também dos próprios funcionários que ali trabalham – e aqui incluo
o professor, o diretor e também os funcionários em geral. É sabido
também que a figura da direção no contexto escolar representa uma
importante função que, dentre outras, a gestão do corpo docente, a
mediação de conflitos entre pais, alunos e professores, bem como a
integração da escola com a comunidade são os destaques que nos cabe
neste presente momento. Com isso, a concepção sobre a sexualidade
infantil apresentada por essas diretoras representam um aspecto de
extrema valia, uma vez que, na atribuição de suas funções diárias, tais
concepções são repassadas ao corpo docente, aos pais, aos alunos e aos
funcionários. É interessante lembrar que estas concepções são

501
transmitidas, além da fala expressa verbalmente, mas, igualmente e não
menos importante, através de comportamentos não verbais, tais como
gestos, atitudes, expressões faciais, entre outros.
Corroborando com esta ideia, Bleger (1984) coloca que os
grupos e as instituições são construídos à base das relações inter e
intrapessoais e que nestas relações encontram-se os conteúdos, tanto
manifestos, quanto os conteúdos latentes. Este mesmo autor postula que
a vida dos seres humanos transcorre em instituições e:

A instituição forma parte da organização


‘subjetiva’ da personalidade [...] o ser humano
encontra nas extintas instituições um suporte, um
apoio, um elemento de segurança de identidade e
de inserção social ou pertença (BLEGER, 1984, p.
55).

Para tanto, entendemos que tais temas merecem ser estudados,


uma vez que as instituições contribuem diretamente para a formação
integral do indivíduo. Assim, os objetivos do presente estudo são:
Objetivo geral:
• Investigar a concepção de sexualidade infantil apresentadas
pelas diretoras das escolas da Rede Municipal de Educação e
Cultura de uma pequena cidade do interior paulista.
Objetivos Específicos:
• Investigar a percepção e a compreensão das diretoras escolares
sobre o tema da sexualidade infantil.
• Identificar a conduta de diretoras escolares frente às
manifestações sexuais infantis no cotidiano escolar.

Fundamentação teórica
Para abordar sobre o tema da sexualidade infantil se faz
necessário discorrer brevemente sobre o conceito de criança e de infância
historicamente.

502
O tema infância é encontrado, nos achados históricos,
relativamente recente. Essas referências tardias tornam a infância quase
que invisível e, quando aparece “[...] é como memória infiel ou como
legatária de uma tradição, de um poder ou de bens a prosseguir como
herança familiar” (SARMENTO, 2007, pg. 27). Esses mesmos autores,
porém, descrevem uma menção à criança, encontrada nos registros
históricos, referindo-se à imagem sagrada de um menino-Deus. Contudo,
essa descrição contém características de uma pessoa adulta, isto é,
descrevem uma criança mais sábia que os sábios, com presença de barba
e uma cabeça relativamente grande quando comparado ao corpo. Assim,
a criança e a infância, propriamente dita, não encontram lugar na História
da Humanidade, já que são referidas sempre com algo relacionado à
incompletude ou um adulto em miniatura. Nesse sentido, Sarmento
(2007) usa a expressão ‘ser em devir’ referindo-se às crianças e isso
denota que as particularidades e características próprias desta fase não
eram reconhecidas.
A esse respeito, Ariès (1981) já havia afirmado a inexistência
do ‘sentimento da infância’, referindo-se à ideia e a imagem de infância
marginalizada durante a maior parte da História. Contudo, é preciso
deixar claro que a referência que este autor faz da inexistência do
sentimento da infância, não significa que as crianças eram
negligenciadas, abandonadas ou desprezadas.

O sentimento da infância não significa o mesmo


que afeição pelas crianças: corresponde à
consciência da particularidade infantil, essa
particularidade que distingue essencialmente a
criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência
não existia. Por essa razão, assim que a criança
tinha condições de viver sem a solicitude constante
de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na
sociedade dos adultos e não se distinguia mais
destes (ARIÈS, 1981, p. 99).

503
Essa afeição pode ser observada nos escritos do referido autor
ao mencionar uma expressão utilizada no século XVII, “A pequena não
contava porque podia desaparecer. ‘Perdi dois ou três filhos pequenos,
não sem tristeza, mas sem desespero’”. (ARIÈS, 1981, p. 99-100 grifo
nosso). O número da mortalidade infantil era muito grande e se fez um
grande vilão naquela época. Esse mesmo autor também descreve a
indiscriminação das crianças em relação aos adultos e que poderia ser
vista sob diversas atividades sociais: como por exemplo, os jogos e as
brincadeiras, os trajes, as profissões e também sob a sexualidade.
Mais especificamente sobre o aspecto da sexualidade, que é o
tema deste estudo, Ariès (1981, p. 77) descreve essa indiscriminação no
século XVI:

O respeito devido às crianças era então algo


totalmente ignorado. Os adultos se permitiam tudo
diante delas: linguagem grosseira, ações e situações
escabrosas, elas ouviam e viam de tudo.

Vale a pena destacar que, como reforça o próprio autor, que a


prática de associar as crianças com brincadeiras sexuais fazia parte do
costume da época. O desconhecimento das particularidades e
características da infância contribuía e reforçava essa prática.
Sobre a construção histórica e cultural da infância, mais
especificamente no contexto brasileiro, Minella (2006) é uma estudiosa
que descreve, de maneira rica e detalhada, os papéis sexuais e as
hierarquias de gênero. A obra contém inúmeras referências revelando as
desigualdades e as polarizações de meninas e meninos no Brasil no
período colonial e imperial.
A partir desse levantamento bibliográfico, a autora afirma, com
base nos documentos históricos, como os papéis sexuais reforçam as
desigualdades e as hierarquias, bem como os padrões de sociabilidade de
meninos e meninas em vários âmbitos: na família, na escola, no trabalho,
nas atividades das diferentes classes sociais e nos jogos e brincadeiras.

504
A autora cita que, embora tenham se intensificado e expandido os
estudos nessa área, são raros ainda os que relacionam o gênero e a
infância. E ela contribui, ao preencher, um pouco, esse vazio.
Já no século XIV, segundo Ariès (1981), uma tendência já
começa e ser expressa através da arte, na iconografia e na religião e assim
é possível verificar certas características e particularidades com um
sentido poético e familiar ao se referir às crianças. Isto denuncia um novo
sentimento que, como conseqüências, as mudanças na atitude, nos trajes
e nas ‘paparicações’ pôde ser perceptível.
Atualmente, a infância e a criança se apropriaram de um lugar
único, sendo compreendida com suas características e particularidades
próprias do desenvolvimento humano.

[...] mais do que ausência da consciência da


infância, na Idade Média e na pré-Modernidade
existiam concepções que foram profundamente
alteradas pela emergência do capitalismo, pela
criação da escola pública e pela vasta renovação das
ideias com a crise do pensamento teocêntrico e o
advento do racionalismo. Os séculos XVII e XVIII,
que assistem à essas mudanças profundas na
sociedade, constituem o período histórico em que a
ideia moderna de infância se cristaliza
definitivamente, assumindo um carácter definitivo
e construindo-se como referenciadora de um grupo
humano que não se caracteriza pela imperfeição,
incompletude ou miniaturização do adulto, mas por
uma fase própria do desenvolvimento humano
(SARMENTO, 2007, p. 28).

Desta forma, com vistas a uma fase própria do


desenvolvimento humano, os estudos avançaram, e muito, possibilitando
percepções e concepções sobre a criança e a infância; inclusive sobre a
sexualidade infantil. Sigmund Freud foi o primeiro teórico a falar de
sexualidade na infância em uma perspectiva psicológica em que, diante

505
tratamentos clínicos em seu consultório e observando transtornos
psicológicos de seus pacientes já adultos, postulou a existência de uma
sexualidade na infância.
Inicialmente, para o referido autor, a sexualidade infantil era
concebida, como um instinto e as manifestações sexuais eram advindas
de seduções do meio externo e os transtornos psíquicos eram decorrentes
deste episódio. Em 1897, Freud abandona essa Teoria da Sedução e
desenvolve o conceito de pulsão, afirmando a existência de zonas
erógenas nas crianças desde muito pequenas, independentemente de
estimulações externas e seduções. Já em 1905, “Os Três Ensaios sobre a
Teoria da Sexualidade” foi o título utilizado para expor sobre esse tema
e chocou a sociedade da época que possuía uma ideia de não existência
de uma sexualidade nesta faixa etária. Nesse sentido, de acordo com o
fundador da psicanálise, Freud (1905/2016, p. 77-78) descreve que a
sexualidade está presente em todos os seres humanos desde o nascimento
e que sua existência é de extrema importância na Constituição do
Psiquismo:

[...] enfatizei o significado dos anos da infância


para o surgimento de fenômenos ligados à vida
sexual, e desde então não cessei de colocar em
primeiro plano o fator infantil na sexualidade.

Neste momento, uma breve conceituação de zonas erógenas se


faz necessária e, Laplanche e Pontalis (2001, p. 533) as definem como:

Qualquer região do revestimento cutâneo-mucoso


suscetível de se tornar sede de uma excitação de
tipo sexual. De forma mais específica, certas
regiões são funcionalmente sedes dessa excitação:
zona oral, anal, uretro-genital, mamilo. [...] Assim,
no exemplo da atividade de sucção, a zona oral está
fisiologicamente determinada à sua função
erógena; na sucção do polegar, este participa na

506
excitação sexual como ‘uma segunda zona erógena,
ainda que de menor valor.

Desta forma, a sexualidade sendo concebida enquanto pulsão e


não como instinto muda totalmente o cenário e Freud (1905/2016) passa
a conceber a criança como um ser desejante e não passiva a uma sedução.
É preciso esclarecer aqui que a Teoria da Sedução foi abandonada como
fator desencadeante para as possíveis causas da sexualidade infantil e de
sintomas histéricos e neuróticos quando adultos; contudo, Freud
(1905/2016, p. 97) não descarta as causas externas e atribui “[...]
importância grande e duradora na infância”. Diante disso, é preciso
considerar obviamente as questões culturais e sociais que acabam por
interferir também no desenvolvimento da constituição psíquica,
contribuindo para a individualidade e singularidade no que se refere ao
campo da subjetividade.
A diferenciação entre sexualidade e genitalidade é fundamental
para o entendimento da teoria da sexualidade infantil proposta. Freud
(1905/2016) descreve a genitalidade como uma fase do desenvolvimento
psicossexual em que as pulsões se encontram sob o primado das zonas
genitais e que, anteriormente a este período há também outras fases. Com
isso, o autor designa que a sexualidade se desenvolve apoiada em fatores
biológicos e desenvolvimentistas, cada qual com suas características e
particularidades quanto as zonas erógenas, relacionando-as com as
idades cronológicas. A genitalidade propriamente dita para Freud (2016)
se institui na puberdade.
Ainda que acordada com as especificidades de cada fase do
desenvolvimento psicossexual propostas por Freud, Klein (1981) é uma
autora que concebe a sexualidade infantil de maneira muito mais
precoce. Demais autores psicanalíticos também imprimem suas marcas
ao se debruçarem nos estudos sobre a sexualidade e, a existência de uma
sexualidade intrínseca na infância é uma constatação, além de sua grande
importância para o desenvolvimento psíquico, sem nenhum
questionamento. Contudo, a sexualidade das crianças no ambiente

507
escolar parece amedrontar e assombrar todos aqueles que trabalham na
instituição, permeando assim toda uma concepção intrínseca de cada um,
bem como as fragilidades e processos inconscientes contidos na
instituição. Nesse sentido, a indagação de Freud (1907/1976, p. 74) é
pertinente para esta nossa reflexão:

Que propósito se visa atingir negando às crianças,


ou aos jovens, esclarecimento desse tipo sobre a
vida sexual dos seres humanos? Será por medo de
despertar prematuramente seu interesse por tais
assuntos, antes que o mesmo irrompa de forma
espontânea? Será na esperança de que o
ocultamento possa retardar o aparecimento do
instinto sexual por completo?.

Além disso, Freud (1926/2016) afirma que o descaso para com a


sexualidade termina por gerar sérias conseqüências, dentre elas as
inibições de diversas naturezas e, Klein (1970) ao se aprofundar sobre as
inibições, descreve a estreita relação entre as inibições intelectuais e a
sexualidade infantil.
Sendo assim, é imprescindível que as escolas possam reconhecer
que a sexualidade é um processo natural e constituinte de todos os seres
humanos e que suas manifestações sempre encontram lugares nos
espaços escolares. Assim, é necessário que o corpo docente, gestores e
funcionários em geral reconheçam a existência da sexualidade ainda na
infância e as devidas orientações se façam cada vez mais presentes no
cotidiano escolar.

Método
O presente estudo caracteriza-se por ser uma Pesquisa Descritiva
e Exploratória que, de acordo com Gil (1991), suas funções são
descritivas e exploratórias, o que nos permite familiarizar com o assunto,
aprimorar a ideia e, no final, levantar novas hipóteses e sugerir novas
investigações.

508
A forma de sistematização foi qualitativa, sendo que a
observação decorre da qualidade do fenômeno e não necessariamente da
quantidade em que ocorre. Assim, um estudo qualitativo explora aquilo
que é subjetivo e pessoal e, segundo Gephart (2004), esse tipo de estudo
fornece uma narrativa da percepção dos indivíduos investigados, além
de enfatizar detalhes institucionais, permitindo assim uma descrição dos
processos.

• PARTICIPANTES
Participaram deste estudo todas as diretoras da Rede Municipal

de Educação e Cultura do Ensino Fundamental I – Anos Iniciais de uma


pequena cidade do interior do norte paulista. A Rede Municipal conta,
no total, com 5 escolas, sendo portanto 5 diretoras participantes.Todas as
participantes eram do sexo feminino, cuja faixa etária ficou entre 31 e 62
anos.
O Ensino Fundamental I – Anos Iniciais contempla crianças
entre 6 à 10 anos, sendo portanto que tais diretoras responderam à
entrevista referindo-se à essa faixa etária.
Segue abaixo um quadro descritivo da amostra estudada.

Quadro I - Descrição dos sujeitos e suas respectivas Unidades Escolares

• INSTRUMENTO
Foram realizadas entrevistas seguindo-se um “Roteiro de
Temas”, elaborado especialmente para o presente estudo, contendo os
seguintes temas:
✓ Concepção de sexualidade infantil

509
✓ Abordagem em situações envolvendo a sexualidade
infantil
As entrevistas foram feitas individualmente e conforme
menciona Bleger (1980), a entrevista é uma técnica de investigação
científica e, seguindo a técnica de entrevistas semi-estruturada, OCampo
e Arzeno (1979) descrevem sobre a flexibilidade do entrevistador e a
possibilidade de intervenções, uma vez que permite assinalar possíveis
lacunas, bloqueios, paralisações, distorções, controvérsias e também
esclarecer alguns pontos obscuros.

• LOCAL / AMBIENTE
As entrevistas com as diretoras para coleta de dados foram
realizadas no ambiente escolar da Rede Municipal de Ensino, em salas
apropriadas, privativas, sem interferência de pessoas ou outras
estimulações que pudessem interferir na fala e raciocínio das
entrevistadas.

• PROCEDIMENTO
As diretoras foram contatadas e, de acordo com a disponibilidade
de cada uma, foi realizado o agendamento de horário. Já no contato
pessoal, foi explicado o propósito do referido trabalho acadêmico e
também sobre a legislação brasileira, suas garantias de respeito e
privacidade (conforme Resoluções 466 e 510). Além disso, o “Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE” foi assinado, conforme
legislação brasileira – Ministério da Saúde do Brasil (BRASIL, 2012)
Após a realização das entrevistas com as diretoras escolares e a
transcrição das mesmas, o procedimento de análise foi feito por análise
de conteúdo, e distribuído em categorias e subcategorias de análise,
conforme preconiza Bardin (2009).

Resultados e discussão

510
Após a realização das entrevistas realizadas com as diretoras das
cinco Unidades Escolares de Ensino Fundamental I – Anos Iniciais, o
conteúdo foi analisado e categorizado conforme os quadros abaixo:

Quadro II – Categoria: Concepção de Sexualidade Infantil

511
Quadro III – Categoria: Conduta frente as Manifestações Sexuais Infantis

A fragilidade institucional, bem como as concepções intrínsecas


de cada um são traduzidas e expressas ao abordar o tema da sexualidade
no contexto escolar, que traz à tona muitos tabus, valores e morais. Nas
entrevistas realizadas com as diretoras escolares, o desconforto e inibição
são fatores que puderam ser perceptíveis e se apresentaram no estatelar
dos olhos, no mexer constante das mãos e nos cabelos, nas pausas,
mudança de assunto e no ajeitar-se na cadeira.
Há uma diversidade de respostas quanto á compreensão e
abordagem sobre o tema deste estudo e a falta formação é um fato
descrito por todos os diretores. A participante 3, no entanto, cita “sobre
o desenvolvimento da criança” e “aquelas coisas do Freud” porém,
posteriormente diz não saber sobre o tema. As questões de gênero surge
nas falas da participante 1 e 4 como compreensão da sexualidade: “o
gênero mesmo, masculino e feminino”(participante 1), “[...]o gênero”
(participante 4), bem como também é entendido como uma manifestação
da sexualidade e a “opção sexual” e o homossexualismo “eu sou menina,
mas eu gosto de menino...”. (ambas falas da participante 1).

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O tema sobre gênero é uma temática que ganhou espaço nas
questões políticas e sociais e, neste momento, vale a pena uma breve
conceituação descrita por Louro (1997, p. 22):

[...] no gênero a prática se dirige aos corpos. O


conceito pretende se referir ao modo como as
características sexuais são compreendidas e
representadas ou como são trazidas à prática social
e tornadas parte do processo histórico.

Como podemos verificar gênero e sexualidade são aspectos


distintos. É certo que os desdobramentos desses aspectos, como por
exemplo, as hierarquias de gênero e os papéis sexuais acabam
contribuindo para as diversas manifestações sexuais existentes. Assim,
gênero e sexualidade são elementos que se inter-relacionam e se
influenciam mutuamente, mas não podemos agrupá-los em um mesmo
conjunto.
A criança também é pensada como assexuada e como parâmetro
há uma idade cronológica para o início de uma sexualidade, acreditando
que as crianças pequenas não devem ser “introduzidas” nesses assuntos.
“Criança até a idade de uns 7, 8 anos eu não acredito que tenha uma
sexualidade” (participante 4) e “mais eu acho que pra essa faixa etária
não” (participante 3). A palavra “inocente” também aparece nas
respostas fornecidas:“muito bonitinho, porque eles são muito inocentes”
(participante 1) e “uma minoria mais ingênua” (participante 4), bem
como a não naturalidade da sexualidade: “não tão natural” (participante
5). Em 1905, Sigmund Freud foi o primeiro teórico a falar de sexualidade
na infância em uma perspectiva psicológica. A sociedade da época ficou
cocada, já que possuía uma ideia de não existência de uma sexualidade
nesta faixa etária. De acordo com Freud (2006), a sexualidade está
presente em todos os seres humanos desde o nascimento e que sua
existência é de extrema importância na Constituição do Psiquismo.

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A palavra “natural” é citada pelas participantes, levando-nos a
pensar na definição da sexualidade posta por Laplanche e Pontalis (2001,
p. 476):
Na experiência e na teoria psicanalítica,
‘sexualidade’ não designa apenas as atividades e o
prazer que dependem do funcionamento do
aparelho genital, mas toda uma série de excitações
e de atividades presentes desde a infância que
proporciona um prazer irredutível à satisfação de
uma necessidade fisiológica fundamental
(respiração, fome, função de excreção, etc.), e que
se encontram a título de componentes na chamada
forma normal do amor sexual.

Contudo, embora a palavra “natural” nos remeta à esse conceito,


a sequência do discurso não nos permite afirmar isso.
Outra concepção tida refere-se a uma relação direta entre a
sexualidade e a baixa classe social e condições financeiras desfavoráveis
“cada vez mais a idade vem diminuindo... a classe social também
interfere” (participantes 2) e “a situação deles é muito precária”
(participante 5). A violência sexual parece ser um parâmetro para
justificar essa sexualidade precoce “são alguns casos de abuso”
(participante 4) e “agora se for de uma forma traumática, de um abuso,
alguma coisa assim, aí já gera algum problema pra ela” (participante
3). É sabido que o contexto cultural e social em que as crianças estão
inseridas também pode interferir, e muito, no desenvolvimento da
sexualidade, principalmente quando há violência sexual. Entretanto, as
respostas evidenciam o abuso sexual como o único vilão e responsável
por “aflorar” (participante 3) as manifestações sexuais. Vale destacar
que, embora a sexualidade esteja presente em todas as crianças, suas
manifestações são diversas, individuais e pessoais, isto é, cada indivíduo
a manifesta diferentemente, de acordo com sua história pessoal,
constitucional, contexto social e cultural.

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Além disso, é tido como patológico quando há uma manifestação
sexual nas crianças “a gente tira ela de brincar com os meninos...”
(participante 1) e “foi chamada a psicóloga” (participantes 2 e 3).
A concepção de uma sexualidade fruto do desenvolvimento
biológico e natural é também compreendida, referindo-se como uma
“curiosidade natural”, “descoberta da sexualidade” (ambas falas da
participante 1); “ela se despertando pra sexualidade” (participante 4). É
necessário, no entanto, considerar o papel do ambiente externo para o
desenvolvimento psicosexual e não conceber tais manifestações fruto de
um aspecto puro e exclusivamente biológico. Outro ponto interessante
descrito nesta concepção naturalista refere-se “que ela vai
amadurecendo” (participante 3) e “acho que eles não são maduros o
suficiente pra entender aquilo que você tá falando” (participante 4). Esta
concepção nos faz remeter à história social da criança e da infância
descrita por Ariès (1981) que, a partir de documentos históricos, chama
a atenção para a inexistência do “sentimento da infância” e sua
marginalização; podendo ser vista sobre diversas atividades sociais:
como por exemplo, os jogos e as brincadeiras, os trajes, as profissões e
também sob a sexualidade. Sarmento (2007) utiliza o termo
“invisibilidade”, referindo-se que a criança e a infância não encontram
lugar na História da Humanidade, já que são referidas sempre com algo
relacionado à incompletude.
Respostas que expressam algumas ideias como interacionistas –
concebendo a sexualidade como influência do meio externo e do
biológico conjuntamente – também são fornecidas. Contudo, pelo
discurso da entrevista em si, é possível perceber que a frase não
representa sua concepção a cerca desse tema. No entanto, continuamos a
chamar de visão interacionista diante de algumas palavras isoladas, como
por exemplo, ajuda a despertar e a maioria do meio (grifos nossos).
Já na categoria “Conduta Escolar”, todas as cinco diretoras citam
que há uma abordagem com as crianças, seja de maneira punitiva ou
orientadora e explicativa.“a gente tira ela de brincar com os
meninos”(participante 1), “foi passada algumas informações pra ela...”

515
(participante 2). No entanto, nem todas expressem essa conduta de forma
muito explícita e o discurso nos remete a pensar que as crianças são
ouvidas, ou pelo menos observadas e percebidas individualmente diante
de um contexto coletivo, neste caso, a escola.
Interessante observar que não há contradições nos discursos das
entrevistas. Ou seja, a concepção tida pelas diretoras – mesmo de
maneira distorcida ou até mesmo equivocada – é condizente com as
condutas adotadas no cotidiano escolar. Exemplificamos: as respostas da
participante 1, que atribui o desenvolvimento sexual com uma visão
naturalista, os pais são abordados no intuito de orientar os filhos. As
participantes 2 e 4 que atribui o desenvolvimento sexual com uma visão
ambientalista, os pais são chamados no intuito de questionar o que está
acontecendo em casa. Vale a pena pensar que suas condutas também são
terceirizadas para conduzir as situações escolares, neste caso, chamando
a psicóloga e/ou seguindo orientações especializadas. Já a participante 3,
a conduta se pauta na orientação aos alunos e os pais não são chamados
para esta finalidade. E por fim, a participante 5 diz inicialmente que não
há situações envolvendo a sexualidade no dia a dia da escola, mas ao
longo da entrevista assume, não de uma maneira explícita, que a
sexualidade não está presente nas crianças e, com intervenções, acredita
em uma visão ambientalista da sexualidade infantil. Esta última
participante não apresenta a conduta de chamar a família para abordar
sobre este tema.

Considerações finais
A partir do presente estudo, conclui-se que há uma variedade e
diversidade de respostas no que se refere à compreensão e abordagem
sobre a sexualidade infantil e alguns conceitos (o gênero, a opção sexual,
as manifestações sexuais e os sentimentos tidos pelas crianças) são
traduzidos como sinônimos, o que evidencia uma dificuldade de
compreensão e/ou compreensão distorcida acerca da sexualidade e
desenvolvimento sexual infantil. A falta de entendimento e formação

516
nesse tema é outro fator presente em todos os sujeitos participantes,
contribuindo diretamente para estas distorções.
As concepções são baseadas, em sua grande maioria, em uma
visão ambientalista a respeito da sexualidade infantil, o que significa que
o ambiente externo é inteiramente responsável pelo surgimento e
manifestações sexuais. Muito além disso, esta concepção apresentada
pelas diretoras, que permanecem presas nas questões puramente sociais
e culturais, excluindo os fatores biológicos e desenvolvimentistas, não as
permitem refletir sobre as necessárias orientações às crianças no
cotidiano da escola, culpabilizando somente os pais, a violência e a
sociedade como a única vilã para o desenvolvimento da sexualidade em
si. Desta forma, as condutas frente ao comportamento sexual das crianças
nas instituições são centradas principalmente na punição, o que não
contribui para a formação do indivíduo de maneira integral. No entanto,
o discurso nos remete a pensar que as crianças são ouvidas, ou pelo
menos observadas e percebidas individualmente diante de um contexto
coletivo, neste caso, a escola.
Assim, é importante conceber que a sexualidade está presente
em todos os seres humanos desde o nascimento. Para tal, a(in)formação
se faz necessária, visando a possibilidade de discussões sobre a
sexualidade infantil no ambiente escolar, tendo em vista que o tema traz
à tona dificuldades institucionais, pessoais, sociais e culturais. De fato,
falar de educação sexual perpassa por uma mudança de ideologia, valores
e crenças e a escola como instituição responsável pela formação do
indivíduo para o convívio em sociedade deve refletir e (re)conhecer as
dimensões que a sexualidade infantil perpassa.

Referências
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LTC, 1981

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BRASIL. Ministério da Saúde. Brasil. CNS Conselho Nacional de


Saúde. Ministério da Saúde. Resolução 510, de 7 de abril de 2016.
Brasília disponível em:
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“Grádiva” de Jensen e Outros Trabalhos 1906-1908 – vol IX. Edição
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FREUD, S. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Sigmund


Freud Obras Completas Volume 6 – Três Ensaios sobre a Teoria
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Dora”) e Outros Textos [1901 – 1905]. trad. Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2016

FREUD, S. Inibição, Sintoma e Angústia. In: Sigmund Freud Obras


Completas Volume 17 – Inibição, Sintoma e Angústia, O Futuro de
uma Ilusão e Outros Textos (1926-1929) trad. Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2016

518
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VASCONCELLOS, V.; SARMENTO,M. Infância (In)Visível.
Araraquara, SP: Junqueira&Marin, , 2007, p.23-49.

519
UM RECORTE DA CAMPANHA “FAÇA
BONITO 2018”: O PAPEL DO EDUCADOR NO
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL
INFANTO-JUVENIL

Lorena Christina de Anchieta Garcia Pola


(Prefeitura Municipal de Bauru)

Atualmente, as ocorrências de violência sexual infanto-juvenil têm


preocupado a sociedade e, o professor quando devidamente capacitado,
pode auxiliar na prevenção da mesma. A Prefeitura Municipal de Bauru/
SP disponibilizou uma série de eventos voltados ao tema, sendo este
direcionado aos professores atuantes do município e também a alunos de
cursos de pedagogia interessados. O evento, com duração de três horas,
foi realizado no dia 22 de maio de 2018, nas dependências do Teatro
Municipal de Bauru e teve como palestrantes dois pesquisadores da área,
que visaram mostrar aos participantes como ocorre a ação e o perfil de
quem pratica a violência, evidenciando as formas de aproximação no
intuito de conquistar a confiança da vítima e da família, e que os
principais violentadores fazem parte do seu seio familiar. A ação
desenvolvida apresentou esclarecimentos teóricos sobre o assunto bem
como a demonstração de atividades práticas. Utilizaram slides, livros
direcionados ao público infantil e bonecos pedagógicos, dando ênfase
aos caminhos e recursos que são empregados pelos abusadores sexuais
nas ações em relação às crianças, jovens e adolescentes. Os ouvintes
solicitaram que novas atividades fossem desenvolvidas, pois lacunas
ainda se fazem presentes, e que recursos pudessem ser obtidos junto aos
órgãos competentes, tanto na facilitação de novos encontros, quanto na
disponibilização de recursos financeiros para a aquisição de materiais
envolvidos com o tema abordado.
Palavras chave: Violência sexual. Formação de professores.

520
A CUT OF THE "MAKE BEAUTIFUL 2018" CAMPAIGN:
THE ROLE OF THE EDUCATOR IN COPING WITH SEXUAL
VIOLENCE AGAINST CHILDREN AND YOUTH.

Currently, the occurrences of sexual violence against children and


adolescents have worried society and the teacher, when properly
trained, can help prevent it. The City Hall of Bauru / SP has made
available a series of events focused on the theme, which is directed to
teachers who are active in the city and also interested students in
pedagogy courses. The event, which lasted three hours, was held on May
22, 2018, at the premises of the Municipal Theater of Bauru and had as
speakers two researchers from the area, who aimed to show participants
how the action and the profile of the practitioner occurs. violence,
showing the forms of rapprochement in order to gain the confidence of
the victim and the family, and that the main violators are part of the
family. The developed action presented theoretical clarifications on the
subject as well as the demonstration of practical activities. They used
slides, books aimed at children and pedagogical dolls, emphasizing the
ways and resources that are used by sexual abusers in actions in relation
to children, youth and adolescents. The listeners requested that new
activities be developed, since gaps are still present, and resources could
be obtained from the competent bodies, both in facilitating new meetings
and in making financial resources available for the acquisition of
materials involved with the subject matter.
Keywords: Sexual violence. Teacher training.

Introdução
Atualmente as ocorrências de violência sexual infanto-juvenil
têm preocupado não apenas os pais, mas também a comunidade escolar
e a sociedade de um modo geral. Constantemente a mídia noticia casos
de violência sexual, demonstrando que essa prática contra crianças e
adolescentes é uma realidade que não podemos nos abster.
Pensando no contexto educacional, o professor é apontado como
um profissional que pode auxiliar no diagnóstico e, sobretudo na

521
prevenção, sendo esta ação muito importante, porquanto visa atuar para
a não incidência desta violência.
A ocorrência desta agressão com mais veemência é devido a
desinformação de crianças e adolescentes acerca de seus corpos.
Conforme acenam Spaziani e Maia (2015), a ingenuidade e a
desinformação das crianças que alimentam a sua condição de
vulnerabilidade e a desproteção ante a violência sexual.
A informação sobre o corpo e a sexualidade torna a criança
menos vulnerável à violência sexual, porquanto desenvolve a
competência e habilidade para buscar auxílio caso esteja sofrendo este
tipo de agressão, ou encontre-se em situação de risco (MEYER, 2017).
Para Leão (2009) é preciso possibilitar que ela tenha acesso a
informações de sexualidade para que possa aprender a discriminar
incursões apropriadas ou não a seu corpo por outras pessoas,
compreendendo que tem direito sobre seu corpo e que apresenta, dentro
disso, o direito de negar as tentativas de explorações ou incursões a ele.
Landini (2011, p. 96) enfatiza “para falar sobre prevenção é necessário
falar justamente sobre este tema: sexualidade”.
A educação sexual é uma ferramenta de prevenção primária da
violência sexual, sendo a forma de desenvolver conceitos relevantes de
proteção, tornando a criança menos vulnerável ao abuso e a todas as
formas de exposição indevida de seu corpo (ABRAPIA, 2002).
Crianças e adolescentes que não tem acesso à educação sexual estão
sujeitos a receber informações incorretas, distorcidas e enviesadas por
parte dos meios de comunicação e de seus pares, enquanto que as que
têm acesso são menos suscetíveis à violência sexual e aprendem que seu
corpo lhes pertence, como cuidar dele e como solicitar ajuda quando
necessitam (SANTOS, 2011). Assim, a educação sexual é um fator de
proteção no que diz respeito à prevenção da violência sexual, sendo
preciso, para tanto, professores informados para saberem implementá-la.
A prevenção da violência sexual envolve educar para a sexualidade
ensinando a criança desde tenra idade a discernir um ato de violência,
bem como, se auto proteger, assegurando o seu direito de dizer não as

522
investidas sexuais do perpetuador da violência e a questionar as relações
sociais de poder (MEYER, 2017).
A aquisição de conhecimentos adequados sobre seu corpo contribui
para que crianças e adolescentes possam ter mais segurança para dizer
não às situações constrangedoras suspeitas ou que geram desconforto a
elas (SANTOS, 2011).
Cabe explicar que a educação sexual consiste no processo
intencional, sistemático, com tempo e objetivos traçados, assim como
devidamente planejado, visando a formação específica em sexualidade
(LEÃO, 2009). Todavia, esta educação acende várias manifestações
contrárias por vários setores da sociedade, e o mesmo pode ser dito
acerca do contexto educacional. Não se percebe a relevância da educação
sexual enquanto instrumento de prevenção à violência sexual.

Método
Pensando nisso, e tendo como base a Campanha Faça bonito
2018, a prefeitura municipal de Bauru, cidade localizada no interior do
estado de São Paulo, disponibilizou a comunidade uma série de eventos
voltados ao tema, no intuito de sensibilizar e informar a população. Neste
artigo, será relatada a palestra ocorrida no teatro municipal nomeada: “O
papel do educador no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil”.
Assim, esta ação social e pedagógica objetivou oferecer uma
atividade direcionada aos professores que atuam nas unidades escolares
públicas, tanto municipais quanto estaduais, particulares e também aos
alunos de cursos de Pedagogia, bem como as demais populações
interessadas.
Como ferramenta para o desenvolvimento dos assuntos do
encontro, foram utilizadas explanações e projeção de slides, além do uso
de materiais pedagógicos, fazendo com que os ouvintes se
conscientizassem em relação a prevenção da violência sexual infanto-
juvenil.

Discussões

523
A atividade foi iniciada com uma apresentação de slides de
forma individual de um dos oradores que, inicialmente, tratou da
importância de se abordar a temática da violência sexual infanto-juvenil,
apresentando notícias vinculadas pela mídia escrita, a respeito de casos
de violência registrados em diversas cidades e estados brasileiros.
Alguns dados chamaram a atenção dos presentes, como por
exemplo os dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), que indica
que os casos de abuso sexual envolvem todas as classes sociais, culturas,
etnias e religiões. Outro marcador importante mencionado refere-se que
é bem maior o número de casos de violência sexual do que o número de
casos notificados e que, infelizmente, em nosso país, a cada oito minutos
uma criança é violentada sexualmente.
Percebe-se, desta forma, que infelizmente tem-se muita
violência sexual infanto-juvenil em nosso país, permanecendo velada e
desconhecida do grande público nacional. Concluindo sua participação
no evento, o pesquisador evidenciou a definição de violência sexual,
afirmando que a mesma abrange todo ato, exploração, jogo ou
vitimização de crianças e adolescentes por um adulto, adolescente ou
uma criança mais velha, utilizando-se do poder, da diferença de idade e
de conhecimento sobre o comportamento sexual, visando o prazer e a
gratificação própria.
Expressou-se também sobre as diversas classificações de
violência sexual existentes atualmente. Segundo o palestrante, temos a
violência ocorrida fora do meio familiar, denominada extrafamiliar,
praticada por desconhecido, vizinho, médico ou mesmo algum
conhecido da família.
Já a violência sexual intrafamiliar envolve pessoas próximas
como pai, padrasto, mãe, madrasta, tios, avós, primos, ou seja, pessoas
que aparentam serem “ de total confiança”.
Destacou também a chamada violência institucional que pode
ser praticada por cuidadores das crianças, como por exemplo
professores. É considerada violência sexual institucional quando ela é

524
praticada por pessoas que deveriam cuidar das crianças e transmitir
alguma espécie de auxilio, cuidado ou formação.
O abuso sexual com contato físico envolve algumas ações,
podendo citar: atentado violento ao pudor, estupro (definido como
conjunção carnal ou prática de outro ato libidinoso com menor de 14
anos de idade), corrupção (ato libidinoso) além da exploração sexual que
tem por fim o comércio da pratica sexual com crianças e adolescentes.
Após as colocações iniciais, foi feita uma abordagem sobre a
anatomia e fisiologia do sistema reprodutor humano, dando-se ênfase aos
aspectos conceituais e pedagógicos envolvidos com o tema.
Descreveu-se a constituição anatômica do Sistema Reprodutor
Masculino, revelando seus órgãos formadores e sua fisiologia, dando
ênfase aos testículos que são as gônadas masculinas responsáveis pela
produção de gametas e testosterona. Relatou-se também a anatomia da
mulher e deu ênfase ao ciclo menstrual, abordando momentos como
menstruação, ovulação e período pós ovulatório. Ilustrou-se modelos
anatômicos de bonecos sexuados feitos de tecido, que serviram para
demonstrar de forma lúdica a ação pedagógica que pode ser efetuada com
crianças pequenas.
A análise e demonstração de modelos anatômicos visou atingir
o objetivo de demonstrar aos professores aspectos lúdicos que podem ser
usados na análise e discussão do tema junto ao corpo docente e discente
das unidades escolares, pois sabe-se que o estudo de conteúdos ligados à
Sexualidade Humana e a Educação Sexual podem trazer muitas
dificuldades para serem vivenciados e discutidos em sala de aula, uma
vez que existem muitos tabus, inverdades e medos para análise e
discussão em momentos de aprendizagem na sala de aula.
Dando prosseguimento, abordou-se o perfil de quem comete o
ato de violência sexual infanto-juvenil, destacando as seguintes
características:
-pessoas conhecidas pela criança e que de alguma maneira
podem a controlar;
-pessoas que a criança gosta e confia;

525
-sujeitos capazes de persuadir as crianças, convencendo-as a
participar de algum tipo de atividade de cunho sexual.
- pessoas que falam e expõem as crianças a momentos de
recompensas ou de ameaças em troca de seu silencio a segredos.
O tema aliciamento também foi abordado neste momento,
destacando-se sua definição, ou seja, o caminho empregado pelo
abusador sexual para entrar em contato com a criança a fim de prepará-
la para o ato do abuso sexual. Este ato tem forte sedução emocional,
objetivando como fim último alcançar o ato do abuso sexual.
Em sequência, foram expostas algumas consequências e
impactos que a violência ou abuso sexual causam na criança, tais como:
- manifestar comportamento agressivo e ataque de raiva;
- ter pesadelos ou problemas de sono;
- mudanças repentinas de personalidade;
- regressão de comportamentos (exemplo: volta a fazer xixi na
cama);
- demonstrar conhecimento sexual e usar linguagem sexual de
maneira explícita e não compatível com a idade.
- medos inexplicáveis e mudanças de hábitos alimentares.
Nomeou-se essas mudanças de comportamento apresentadas em
decorrência do abuso ou violência sexual infanto-juvenil como
indicadores e os dividiu em corporais e/ou comportamentais. Explicou-
se que essas mudanças nem sempre são ocasionadas por violência sexual,
mas também relaciona-se a outros tipos de traumas.
Para concluir a ação os oradores forneceram ao púbico os
procedimentos a serem seguidos pelos familiares, amigos e educadores
com relação à criança que sofreu violência e abuso sexual, ou até mesmo
quando existe a desconfiança de que possa haver algum tipo de abuso.
Pode-se citar como ação:
- ouvir o que a criança tem a dizer, permitindo com que ela possa
falar do ocorrido ao seu tempo, sem apressá-la ou interrompê-la.
- procurar não ampliar a angústia da criança, evitando
demonstrar espanto, surpresa ou revolta quando ela iniciar seu relato;

526
- Demonstrar que o fato ocorrido não foi causado pela criança,
retirando dela assim o fardo de se sentir culpada, ou até mesmo
responsável pelo abuso ocorrido.
Para finalizar, relatou-se as três formas de prevenção da
violência sexual que, segundo Gauderer (1993) são: Prevenção primária,
secundária e terciária.
A prevenção primária é realizada através da educação e
conscientização do que se trata o abuso sexual infanto-juvenil,
repertoriando a criança de conceitos que podem evitar um futuro abuso,
ou até mesmo dando suporte para identificar a tentativa do mesmo e
denunciá-lo para algum responsável, conforme corrobora o Guia
Escolar: rede de proteção à infância (2011):

A prevenção primária engloba várias ações, por


parte da comunidade escolar, com o objetivo de
eliminar, ou pelo menos reduzir, os fatores sociais,
culturais e ambientais que favorecem os maus-
tratos (p.17).

Já a prevenção secundária diz respeito a toda ação educativa ou


preventiva que tem como público alvo crianças ou adolescentes, que já
possuem algum tipo de vulnerabilidade social. Ou seja, tendo como
fundamento o que explana novamente o Guia Escolar: Rede de proteção
a infância (2011) acima citado:

A prevenção secundária direciona seu foco para a


violência sexual, visando identificar precocemente
crianças e adolescentes em situação de risco, e
dessa forma tentando evitar que atos de violência
aconteçam e/ou se repitam. As ações desenvolvidas
nessa fase incidem sobre as situações de maus-
tratos já existentes (p.18).

E, a prevenção terciária, pode ser definida como uma ação de


acompanhamento pós descoberta de alguma situação de abuso.

527
A prevenção terciária tem como meta o acompanha
mento integral de crianças e adolescentes em
situação de violência sexual e do autor de violência
sexual. Diante do fato consumado, deve-se
trabalhar para que o ato não se repita (GUIA
ESCOLAR: REDE DE PORTEÇÂO A
INFANCIA, 2011 , p.19 )

Para ocorrer esse acompanhamento terciário, a criança abusada


e a família é orientada a receber suporte de serviços educacional, médico,
psicológico e jurídico-social. - apuração (por parte da delegacia,
ministério público e poder judiciário).
Concluindo a ação, foi realizada uma análise sobre a importância
da Educação Sexual nas unidades escolares, como método de prevenção
ao abuso sexual infanto-juvenil. Espera-se que a Educação Sexual
Escolar seja um processo intencional, sistemático e com objetivos bem
definidos e planejados, visando uma formação específica em sexualidade
e que vise atuar como forma de se prevenir a violência ou abuso sexual
infanto-juvenil.
Para isso, esta atividade deverá ser desenvolvida na Unidade
Escolar e apresentar algumas importantes características:
- ser uma atividade formal e adequada ao nível cognitivo e faixa
etária dos alunos;
- trazer informações corretas e precisas sobre o corpo e a
sexualidade dos discentes;
- possibilitar conhecimento sobre a permissão ou não de ter seu
corpo manipulado por outras pessoas;
As crianças melhores informadas são menos suscetíveis à
violência sexual e aprendem a se defender melhor e a cuidar de forma
mais correta de seu corpo, garantindo assim, mais segurança para dizer
não as ocasiões suspeitas, que se caracterizam por serem momentos
geradores de constrangimento e desconfortos.

528
Após a apresentação e desenvolvimento deste último tema os
palestrantes se dirigiram aos participantes e momentos de perguntas
foram acontecendo.
Estes questionamentos proporcionaram importantes momentos
de esclarecimento das dúvidas por parte dos professores e participantes.
Inúmeros aspectos foram analisados e percebeu-se que o assunto
foi importante para esclarecer dúvidas quanto a presença da violência
sexual na vida dos discentes e como deve ser o tratamento do tema em
sala de aula.
Percebeu-se que os professores saíram motivados para tratar do
assunto em salas de aula de suas respectivas Unidades Escolares.

Considerações finais
Notou-se que os resultados obtidos foram satisfatórios, pois
tanto no desenvolvimento da palestra quanto no momento de abertura
para análise e discussão de perguntas e dúvidas, houve interesse e
participação da comunidade presente.
Questionamentos sobre o sistema reprodutor humano; a ação do
violador/abusador sobre a criança e adolescente; os traumas e
consequências nefastas geradas, e de que maneira ocorre a aproximação
do estuprador foram temas muito discutidos.
Os participantes solicitaram que novas atividades fossem
desenvolvidas, pois lacunas ainda se faziam presentes, tanto em seus
aspectos de conteúdo quanto no aspecto metodológico de como atuar
profissionalmente caso tratem deste tema na prática do dia a dia .
Por se tratar de um tema que envolve privacidade, compete
grande envolvimento por parte dos professores, aceitação pelos gestores
escolares e vontade de participar e envolver a comunidade extraescolar
e pais.
Sabe-se que o envolvimento de toda comunidade escolar poderá
facilitar o desenvolvimento do tema sem causar momentos de atrito e
tensão pedagógica.

529
Ressalta-se que alguns docentes presentes na platéia e que atuam
no ensino público municipal solicitaram que recursos pedagógicos
fossem obtidos junto à Prefeitura Municipal de Bauru, visando a
aquisição de materiais lúdico-pedagógicos expostos. Foi solicitado
ainda, e isso ficou bastante evidente na fala dos professores da Rede
Municipal de Ensino, que além da Secretaria do Bem Estar Social de
Bauru (SEBES), houvesse por parte da Secretaria de Educação de Bauru
outros momentos semelhantes ao ocorrido nesta noite. Os professores
foram bem explícitos ao dizerem que apresentam grandes lacunas, tanto
no conhecimento do tema quanto na forma de abordá-lo em sala de aula.
Espera-se assim que tais reivindicações sejam ouvidas pelos
órgãos competentes e postas em práticas para que futuras ações de
prevenção à violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes
possam ser realizadas.

Referências
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Proteção a Infância e Adolescência. Disponível em:
<www.abrapia.org.br>. Acesso em 28 fev. 2019.

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pedagogia da Unesp-Araraquara quanto a inserção das temáticas

530
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531
UMA ANÁLISE DE ARTIGOS SOBRE
SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO
INFANTIL

Wellington Soares de Lima


Camila Aparecida Aquino
Lourdes Aparecida Della Justina
(Universidade Estadual do Oeste do Paraná)

Embora estejamos presenciando momentos de conservadorismo e de


ideais contrários à discussão de sexualidade dentro do âmbito
educacional, Furlani (2009) enfatiza que ela está presente na construção
do ser social desde a sua tenra idade, não estando diretamente ligado ao
biológico e ao ato sexual, mas compreendendo a amplitude abarcada pela
temática, a qual consiste em todas as relações existentes entre o nosso
corpo e o social. Foucault (2017) nos relembra ainda que a escola
indiretamente provoca um disciplinamento de corpos no qual somos
induzidos as formas de nos expressar, relacionar, agir, enfim, a seguir
padrões pré-estabelecidos socialmente. A educação infantil é o primeiro
contato da criança no ambiente escolar e fonte de experiências com as
mais diversas singularidades, sendo um dos momentos essenciais na
construção de um indivíduo constituinte do processo educacional. Com
o objetivo de investigar como a sexualidade tem sido pesquisada no
âmbito da educação infantil, o presente artigo realiza uma análise dos
artigos A1 e A2 na área de educação sobre os respectivos temas. Assim,
a pesquisa é considerada de cunho qualitativo e caráter bibliográfico,
enquanto estado da arte (FLICK, 2009). Obtivemos uma amostra de 07
artigos, os quais foram analisados em sua íntegra, procurando em
especial estabelecer os objetivos centrais e as principais considerações
das pesquisas. Observamos, portanto, enfoques voltados à diversidade e
ao respeito às diferenças, à formação de professores dessa área, bem
como a importância da valorização da igualdade de gênero. Diante do
observado, embora as discussões sobre diversidade e igualdade sejam

532
apresentadas, recomendamos que são necessários maiores estudos sobre
estratégias e metodologias que possibilitem o trabalho da sexualidade
ainda na educação infantil, contemplando o cuidado com o corpo,
prevenção de violências e até mesmo para a formação inicial e
continuada docente.
Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Sexual;
Diversidade; Gênero

AN ANALYSIS OF ARTICLES ON SEXUALITY IN EARLY


CHILDHOOD EDUCATION

Although we are witnessing moments of conservatism and ideas against


the discussion of sexuality within the educational context, Furlani (2009)
emphasizes that the sexuality is present on the construction of the social
being since the tender age, not being directly connected to the biological
sense or the sexual act, but comprising the amplitude covered by the
thematic, which consists in all the existent relations between our body
and the social body. Foucault (2017) even remember us that the school
indirectly causes a disciplining of bodies in which we are induced to the
forms of express ourselves, to relate, to act, finally, to follow socially
pre-established patterns. Early childhood education is the first contact
of the child in the school environment and source of experiences with the
most diverse singularities, being one of the essential moments in the
construction of an individual constituent of the educational process. With
the objective of investigate how sexuality has been researched on the
early childhood education scope, the present article perform an analysis
of A1 and A2 articles on the educational area about the related themes.
Therefore, the research is considered qualitative character and
bibliographic character, as state of the art (FLICK, 2009). We obtained
a sample of 07 articles, which were analyzed in their entirety, aiming in
particular to establish the central objectives and the main considerations
of the researches. We observed, thus, approaches to diversity and respect
for differences, aspects related to teacher training in this area, as well
as highlighting the importance of valuing gender equality. Faced with
this, although discussions on diversity and equality were presented, we
mend that further studies are needed about strategies and methodologies

533
that allow the work of sexuality in early childhood education, in
approaches on body care, prevention of violence and even in relation to
initial and continuing training for teachers.
Key words: Teacher Training; Sexual Education; Diversity; Gender.

Introdução

A sexualidade tem sido debatida e visualizada cada vez mais


em diferentes setores sociais, em especial discutindo a temática se pode
ou não ser evidenciada nos ambientes escolares, sendo que muitos
remetem tal responsabilidade aos pais, enquanto outros culpabilizam a
escola. Fato é, que em um ambiente no qual existe o contato com
diferentes pessoas, ocorre mutuamente uma troca de vivências, se
fazendo necessária uma educação que priorize o respeito.
Paralelamente às discussões sociais que circundam o respeito,
se faz necessário também que sejam compartilhados saberes que
envolvam o autoconhecimento, psicológico e do corpo, o que pode
possibilitar um melhor desenvolvimento destes indivíduos em diferentes
aspectos, inclusive o da sexualidade, a qual, não é constituída apenas de
forma individual, mas também num campo político, social e ambiental
(LOURO, 1998).
Assim, em nosso mundo contemporâneo, grande parte das
crianças estão indo às instituições de ensino cada vez mais cedo,
iniciando seu processo educativo com menos de 3 anos geralmente
ofertada por Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e Centros
de Educação Infantil (CEIs). Todavia, esta é nesta fase que circunda a
maior polêmica de abordagem da temática, tendo em vista o
desconhecimento popular de que a sexualidade seria discutir o ato
sexual.
Reconhecemos tal concepção como um equívoco, pois a
sexualidade, abrange tudo o que qualquer indivíduo possui de desejos e
prazeres, que estão relacionados à cultura e a sociedade e, não apenas

534
voltado para o ato sexual e as características biológicas (LOURO 1998).
Nas escolhas do que é um esporte ou uma brincadeira de menino, e de
menina, ou ainda, como uma menina deve se portar, e como deve ser as
atitudes do menino, são construídas as concepções de feminilidades e
masculinidades que atravessam os ambientes escolares.
Compreendemos que a escola também tem o seu papel nas
discussões em torno da sexualidade, além do processo
educacional. Foucault (2017) nos relembra que no ambiente educacional
ocorre um disciplinamento de corpos, no qual condiciona formas de agir,
pensar, relacionar, em geral, na forma de sermos e exercermos nossas
sexualidades, nos apontando o que é “certo” e “errado”. Louro (1998)
reforça que o ambiente educacional é um ambiente sexualizado e
generificado, no qual existem padrões pré-estabelecidos construídos
culturalmente que são disseminados por todos os sujeitos sociais que
atuam no processo educativo, sejam os educandos e educandas ou os
educadores e educadoras, assim, a instituição se torna uma constituidora
ativa de sexualidades.
Trabalhar sexualidade na educação infantil sempre foi um
desafio, e diante do panorama social atual, as barreiras a serem
enfrentadas são ainda maiores. Grande parte desta dificuldade se
expressa pelo tabu criado em torno da temática, expresso por vezes por
discussões de polêmicos conceitos, por vezes, “dogmáticos,
especulativos, preconceituosos, limitados e conservadores” (SANTOS;
ARAUJO, 2009, p. 15). No entanto os discursos e as ações das meninas
e meninos nas salas de aula revelam as manifestações da sua sexualidade,
em momentos de descobertas corporal e afetiva (FURLANI, 2009).
Logo, em consonância com Furlani (2009), acreditamos que a
educação sexual deve ser integrante da grade curricular na infância, posto
que o conhecimento proporcionado é imprescindível para a formação da
criança. A sexualidade, assim como a etnia, a religião, e a origem, são
formadoras da identidade cultural de cada ser humano, se manifestando
desde a sua infância. A descoberta do corpo ocorre em todas as etapas da
vida, em cada uma delas conquistamos um novo conhecimento, na

535
educação infantil é normal que as crianças tenham curiosidade em
conhecer seu corpo e as sensações prazerosas que ele produz, “aprender
noções acerca de intimidade e privacidade pessoal, entendendo o
momento e o local apropriado para tais manifestações” (p. 46).
Considerando a Educação infantil enquanto a primeira etapa da
educação básica, a qual tem o intuito de proporcionar “o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da sociedade” (BRASIL, 1996, art. 29), compreendemos que
é dever social docente oferecer aos alunos e alunas uma educação que
vise o respeito e a valorização das diversidades, e a busca de uma prática
social, “considerando a intencionalidade e as relações de poder existente
na produção dos saberes” (SANTOS; ARAUJO, 2009, p. 15). Diante do
exposto, intencionamos reconhecer as produções que estão sendo
geradas no meio acadêmico sobre a temática sexualidade e a educação
infantil.

Metodologia
A opção pelo estado da arte (FLICK, 2009) se justifica por
possibilitar ao pesquisador, a noção do que está sendo produzido sobre o
tema, permitindo uma ampla visão do que os demais pesquisadores já
investigaram sobre a temática. Por meio dele observamos as
metodologias, temas, resultados e conclusões gerados nas publicações
estudadas.
Para o desenvolvimento deste trabalho e alcançarmos seu
respectivo objetivo de levantar indicativos de como a sexualidade é
abordada dentro da Educação Infantil, realizamos uma busca no portal
“Periódicos CAPES”, na qual utilizamos duas palavras-chave, sendo elas
‘sexualidade’ e ‘educação sexual’. Tal levantamento ocorreu em Agosto
de 2018.
Realizamos um recorte para apenas artigos de periódicos, sendo
que no resultado de buscas foi encontrado um total de 66 artigos. Além
disto, realizamos mais um recorte no qual os artigos analisados seriam

536
apenas os pertencentes a revistas de Qualis A1 e A2 (Quadriênio 2013-
2016) em educação, diminuindo nossa amostra para 21 artigos. Após tal
recorte, realizamos uma análise dos títulos e resumos nos quais, as duas
palavras-chave (sexualidade e educação sexual) deveriam se fazer
presentes ou de palavras intimamente associadas a elas, como, gênero e
educação de crianças.
Após tal leitura, obtivemos 7 artigos (Quadro 1). Estes foram
lidos e analisados na íntegra de forma a obter as principais considerações
trazidas pelas autoras e autores. Assim, consideramos tal trabalho, como
uma pesquisa qualitativa a qual possibilita analisar dados juntamente
com seus contextos e relações (FLICK, 2009). Assim, nesta pesquisa,
para facilitar as discussões, cada artigo é representado pela letra ‘A’
seguido pelo seu número correspondente.

Quadro 1 - Artigos analisados


Periódico Artigo Código Ano

Masculinidades e docência na
Estudos Feministas A1 2017
educação Infantil

Raça e Gênero na educação


Acta Scientiarum básica: pesquisando ‘com’ A2 2017
crianças

As roupas e os gêneros: as
Acta Scientiarum estampas de brinquedos e de A3 2015
brincadeiras

Educação Infantil: um balanço


Pro-Posições a partir do campo das A4 2017
diferenças

537
Gênero e Sexualidade: O que
Archivos Analíticos de dizem as professoras de
A5 2012
Políticas Educativas Educação Infantil de Canoas,
Brasil?

Crianças, Gênero e
Sexualidade: realidade e
Estudos Feministas A6 2011
fantasia possibilitando
problematizações

Revista A igualdade de gênero nas


Latinoamericana de instituições de educação
A7 2015
Ciencias Sociales, infantil brasileiras
Niñez y Juventud
Fonte: Dados da pesquisa (2018).

Após a delimitação da amostra, apresentamos considerações


gerais que são enfatizadas nos artigos analisados. Demonstrando a
diversidade de temas de pesquisa no âmbito da sexualidade na etapa da
Educação Infantil, poderemos tecer uma possível ideia dos assuntos mais
enfatizados e pesquisados nesta área.

Resultados e discussões
O artigo A1 nos traz uma reflexão sobre as e os profissionais
atuantes neste nível de ensino, no qual, em sua maioria, se trata do gênero
feminino, o que foi um obstáculo para a realização da pesquisa, devido a
dificuldade em encontrar sujeitos de pesquisa. O artigo relata uma série
de perspectivas que remetem tanto a preconização de mulheres nesta
etapa, como também o fato dos homens não optarem por tal ambiente de
trabalho (JAEGER; JACQUES, 2017).
Ainda segundo as autoras, existem estereótipos de “homem” que
tendem a ser seguidos e reproduzidos por este gênero, o que possibilita

538
ainda mais o afastamento destes da Educação infantil. Mas o estereótipo
feminino também se faz presente, como, o mito do amor materno, no
qual segundo Badinter (1985), as mulheres são influenciadas desde
crianças a realizarem atividades que possibilitam a maternidade. Louro
(2003) discorre que nas representações do magistério as professoras
sejam vistas enquanto mães espirituais, e associadas à ação docente a
doação e a entrega, e os professores homens são ligados ao conhecimento
e a autoridade.
Jaeger e Jacques (2017) nos enfatizam que devemos considerar
que existem diferentes masculinidades, e todas são legítimas em suas
particularidades, e que as discussões de gênero poderiam ser realizadas
ainda no campo do ensino superior, possibilitando aos e às docentes em
formação, a compreensão dos processos em que construímos nossas
identidades.
O segundo artigo analisado (A2), deveria possibilitar uma
reflexão sobre raça e gênero, todavia, o enfoque trazido no trabalho foi
para as questões de discriminação que acabaram por trazer, em sua
maioria, discussões de etnia. Todavia, alguns aspectos gerais foram
importantes no processo em que analisaram as construções históricas e
culturais que são internalizadas pelas crianças e acabam sendo
reproduzidas por elas, em especial, quando utilizam características
físicas dos e das colegas consideradas “fora do padrão”, para ofender,
apenas por serem diferentes (GUIZZO; ZUBARAN; BECK, 2017).
Diante disto, as autoras também reforçam a importância de se
analisar as concepções de socialização que são remetidas nos currículos
escolares, incluindo as relações de gênero, para que se possível, ocorra
uma desnaturalização de tais compreensões.
As autoras Símili e Franqui (2015), no artigo A3, nos
possibilitam uma reflexão que perpassa pela Educação Infantil, que são
as roupas das crianças, discutindo como os brinquedos e brincadeiras
estampados nas vestimentas infantis podem influenciar na construção de
gênero dos indivíduos em formação. Após um amplo histórico da moda
e as relações de gênero, as autoras realizam a análise de roupas de uma

539
determinada marca infantil, nos apresentando que até mesmo as cores
são estrategicamente pensadas de acordo com o gênero das crianças.
Em uma roupa considerada de gênero masculino, com cores azul
e amarelo, se trazia a frase “Dia de Sol é bom com amarelo” e abaixo a
palavra “aventura”, no qual a imagem como um todo se remete ao céu, a
uma amplitude, a uma liberdade de se correr, brincar e se alegrar. Já a
roupa considerada feminina trazia uma gangorra com duas meninas com
cores destaques para rosa e verde que remetem a natureza, a qual pode
ser vista como um símbolo de fertilidade. Ainda nesta última, a gangorra
representa uma brincadeira/brinquedo mais ameno, que possibilita a
menina se manter mais limpa, mais delicada, em um espaço menor
(SÍMILI; FRANQUI, 2015).
O artigo A4 traz uma reflexão sobre a importância da Educação
Infantil quanto a discutir as diferenças entre as crianças, todavia, o
enfoque também perpassa pelos contextos de desvalorização desta etapa
de ensino, no qual por vezes é visualizada com caráter assistencialista e
não educativo, além de não receber os devidos investimentos por parte
das autoridades políticas (ABRAMOWICZ; TEBET, 2017).
De acordo com as autoras, percebe-se também o crescimento de
um discurso da diversidade que na realidade não leva em conta as
diferenças, ou seja, as individualidades, como aparece na Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) que relata a existência de uma unidade na
multiplicidade (BRASIL, 2017). Este enfoque reforça o discurso de que
todos somos iguais, todavia, não aprofunda a discussão de que a equidade
não é equivalente a igualdade, omitindo que as pessoas possuem
necessidades individuais, corroborando para um discurso de padrões, de
normalidade.
As compreensões de gênero e sexualidade por parte de algumas
professoras de Educação Infantil foram trazidas por Silva, Sarmento e
Fossatti (2011) no artigo A5, e possibilita a quem circula por estes
ambientes, facilmente identificar algumas falas trazidas pelos sujeitos de
pesquisa. O artigo inicialmente aborda a necessidade e paralelamente a
resistência em trabalhar sexualidade e gênero na formação de

540
professores, reconhecendo a escola na construção de corpos e nas
relações de poder, conforme já apresentamos inicialmente algumas
reflexões de Foucault (2017).
Conforme percebemos também neste trabalho, o artigo A5 nos
apresenta a escassez de pesquisas sobre sexualidade e gênero no âmbito
da Educação Infantil, mas o foco central do mesmo, era em apresentar
uma série de imagens para professoras da referida modalidade de ensino
sendo elas: menina com carrinhos; menina brincando de cozinha; menino
com cozinha; menina com roupas masculinas; menino e menina
analisando os próprios genitais.
Claramente as duas últimas imagens foram alvo de maiores
discussões segundo o autor e autoras, o que para ele e elas, apenas
reforçou a importância do debate destes temas na formação dos
professores, em especial, que estão em atuação. Vale destacar que estes
também trouxeram as preocupações das professoras na questão familiar,
destacando que para que tais temáticas sejam discutidas em sala de aula,
os familiares responsáveis pelas crianças precisam estar cientes do que e
como os mesmos serão apresentados devido a toda complexidade que os
circunda nas questões sociais (SILVA; SARMENTO; FOSSATTI,
2011).
O artigo A6 (RIBEIRO, 2011) relata a análise da sexualidade de
crianças em de 3 filmes: “A ostra e o vento”, “A teta e a Lua” e “Hin
Helgu Vé”. A autora teceu uma análise dos filmes relacionando com
ações de crianças que participaram de um projeto de gincana, que
abordaria as temáticas gênero e sexualidade.
O primeiro possui muitas particularidades ao remeter a criança
como um ser assexuado e restrito de se descobrir, que é o que
visualizamos cotidianamente em nossa sociedade (FOUCAULT, 2017).
No segundo filme, segundo a autora, o personagem central do filme é um
homem em 3 etapas diferentes da vida (criança, adolescente e adultos)
que desperta diferentes ações e pensamentos sobre os seios43 femininos

43
Nomenclatura utilizada no artigo analisado.

541
que são diferentes a cada etapa. No último filme, é abordado como
diferentes mulheres (uma mãe, uma amiga de mesma idade, e uma amiga
adolescente/jovem) são visualizadas por um mesmo menino (7 anos)
dentro de seu círculo de vivências (RIBEIRO, 2011).
Importante ressaltar que Ribeiro (2011) enfatizou a importância
da participação da família durante as atividades infantis, para que possam
auxiliá-la em seus desejos e descobertas, e para isso, também se faz
necessárias atividades voltadas apenas para os familiares, dentro de um
enfoque informativo.
Um enfoque mais curricular é dado no artigo A7, o qual seria o
combate às desigualdades de gênero desde a Educação Infantil (FINCO,
2015). A autora também relata que as crianças aprendem desde cedo a
diferenciar atributos masculinos de femininos, o que implica na maioria
das vezes em estereotipar o que compete a cada gênero.
De acordo com Finco (2015), a escola deve ser um lugar de
respeito às diferenças, de não discriminação e de desconstrução de
estereótipos, todavia, existe uma carência (já trazida em outros artigos)
da temática sexualidade e gênero ainda na formação docente.
Apesar desta necessidade trazida, é refletido sobre a falta de
propostas educativas e também curriculares para o trabalho com os
temas, em especial que preconizam a igualdade de gênero na Educação
Infantil, sendo necessárias maiores visibilidades e formulações de
documentos legais e metodológicos que auxiliam no respaldo diretivo e
na formação inicial e continuada dos e das profissionais que trabalham
com esta etapa de ensino (FINCO, 2015).
Verificamos assim a pluralidade de assuntos abordados sobre
sexualidade e gênero na Educação Infantil. Temas que trataram de
aspectos formativos, educacionais, comportamentais e profissionais.
Diante de nossa temática não poderíamos deixar de levar em
consideração que dos 14 autores que escreveram os trabalhos analisados,
13 eram mulheres (nomes construídos socialmente como femininos) o
que nos implica refletir sobre os gêneros dos pesquisadores desta área.

542
Sobre estas reflexões gostaria de apontar duas delas, a primeira
pelo fato de mulheres predominarem nas pesquisas científicas (ao menos
desta área) o que é significante, uma vez que as mesmas precisam
perpassar por alguns obstáculos contemporâneos devido a sociedade
patriarcal. Todavia, a segunda reflexão é que especificamente nesta área,
o público masculino possui uma série de estereótipos que são propagados
e diminuem a participação dos mesmos nesta etapa de ensino.

Considerações finais
Em consonância os artigos analisados apresentam a preocupação
com a formação inicial e continuadas de professores das licenciaturas em
geral. Registrou-se nos estudos o relato da carência da temática
sexualidade nas graduações e formações docentes, ora, se não é ofertado
aos e às docentes o embasamento teórico para o desenvolvimento do
trabalho sobre sexualidade, estes e estas profissionais possivelmente
terão uma carência nas práticas educacionais, dada a complexidade de
construção desse conhecimento crítico sem a mediação de seus
formadores.
Apontamos, neste sentido ser de grande valia a inserção do
aprofundamento teórico-metodológico na formação do magistério,
proporcionando assim o desprendimento das práticas minimizadoras e
superficiais que relacionam a sexualidade a atividades pontuais,
fragmentadas e relacionadas à ideia biologista.
Imersos em uma sociedade em constante movimento, na qual
ideias e ideais são construídos e reconstruídos continuamente, nos vemos
ainda envoltos em tabus, medos e incógnitas quando o assunto está
relacionado à sexualidade e às crianças. A temática sexualidade não se
encontra na margem da sociedade e sim inserida em todas as ações dos
sujeitos, compreendemos que a sexualidade não se resume somente ao
biológico, sendo muito além disso, ela está em nossa maneira de agir,
falar, se portar, vestir, interagir, e ver o mundo a nossa volta, por
conseguinte, as instituições de ensino se apresentam enquanto lócus de
reflexão e criticidade para o rompimento de estereótipos.

543
Ao enfrentar o desafio docente de engendrar caminhos para
oferecer as diferentes personalidades, representadas nos olhares curiosos
de meninos e meninas, a problematização das práticas sociais, o
professor e a professora em alguns momentos precisa de uma dose de
ousadia e coragem, ou toma a decisão de ignorar a necessidade de
abordar o tema.
Atualmente os conservadores têm agido com intolerância aos
pensamentos e ideias contrárias às suas, ‘tachando’ os e as docentes
como doutrinadores. Uma temática importante como a sexualidade
ganha proporções avassaladoras e negativas quando compreendidas
erroneamente.
Ao defendermos que a educação infantil é lugar de trabalhar
sexualidade, não negamos aos pais e mães o direito e o dever de orientar
os seus filhos, e tampouco queremos impor nossos desejos individuais,
de outro modo, intuímos desconstruir os preconceitos em torno desta
temática, pois para nós a “sexualidade não pode ser separada dos
aspectos social, político, cultural e econômico, tampouco associada
apenas a determinadas fases da vida humana” (FERREIRA; LUZ, 2009,
p. 35).
Com o advento das chamadas fake news, abordar a presente
temática é resistência, neste panorama, até mesmo brincadeiras e
brinquedos são questionados dentro de sala de aula. No entanto,
acreditamos que é necessário educar meninos e meninas a respeitar as
diversidades sejam elas quais forem, precisamos quebrar o imaginário de
dois mundos, sendo um “azul” para os meninos e um “rosa” das meninas,
vivemos em um mundo colorido, no qual cada um tem o direito de
escolher a sua própria cor. Furlani (2009) reforça que o brinquedo e a
brincadeira proporcionam a interação social da criança, porém não
determinam gênero. Pensamos que as instituições educacionais devem
promover estratégias para reflexão das práticas sociais, e rompimento
dos padrões pré-estabelecidos pela sociedade, destacando as relações de
respeito e o direito de cada ser (FERREIRA; LUZ, 2009).

544
Uma das táticas de trabalho que compreendemos ser eficaz é o
aprimoramento da relação família escola. Há uma linha tênue entre as
instituições escolares e familiares, a participação da segunda nas
atividades de seus filhos e filhas nem sempre é cumprido, algumas vezes
o discurso destoa da prática, contudo, ao realizar esta aproximação, é
possível divulgar o teor das dinâmicas, das teorias, e paulatinamente
superar a resistência familiar.
Julgamos importante a sexualidade na educação infantil, e para
além da formação docente inicial e continuada, da atuação da família
junto a escola, da participação da comunidade escolar no processo
reflexivo, é necessário também que ocorram políticas educacionais que
sejam amparo aos professores e às professoras na atuação, intervenção e
promoção de mudanças nas práticas sociais.

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547
04
INVESTIGAÇÕES
EM
SEXUALIDADES,
GÊNEROS E
DIVERSIDADE

548
A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES DE
GÊNERO A PARTIR DO BRINCAR
Nathaly Cristina Fernandes
(Faculdade de Jandaia do Sul)

Objetivou-se de modo geral com este estudo compreender a construção


de identidades de gênero, sob a influência das brincadeiras infantis.
Tendo como objetivos específicos: compreender a relação existente entre
brincadeiras infantis e gênero e estudar a construção de masculinidades
e feminilidades a partir do brincar. Trata-se de uma revisão bibliográfica,
e teve como resultado conforme Bicalho (2013, p.46) que durante as
brincadeiras infantis as crianças expressam formas de agir que
transgridem e quebram essa lógica do pensamento binário
(masculino/feminino) e revelam a insensatez dessa associação arbitrária
e rígida, as crianças se apropriam da cultura, que é marcada por
construções desiguais em relação aos sexos, existindo a estereotipação
do brincar. Chegamos ao entendimento através desse estudo de que as
brincadeiras são importantes na infância, mas que meninos e meninas
são estimulados desde muito cedo a se separarem nas brincadeiras
infantis, reforçando e provocando a incompatibilidade entre o universo
feminino e o masculino, onde estereótipos de gênero influenciam o
brincar infantil.
Palavras-chave: Identidade de gênero; Brincar; Infância.

THE CONSTRUCTION OF GENDER IDENTITIES FROM


PLAYING

The objective of this study was to understand the construction of gender


identities under the influence of children's play. Its specific objectives
are: to understand the relationship between children's games and gender
and to study the construction of masculinities and femininities through
play. It is a bibliographical review, and it has as a result, according to

549
Bicalho (2013, p.46), that during children's play children express ways
of acting that transgress and break this logic of binary (male / female)
thinking and reveal folly of this arbitrary and rigid association, children
take over the culture, which is marked by unequal constructions in
relation to the sexes, and there is the stereotyping of play. We come to
the understanding through this study that play is important in childhood,
but that boys and girls are encouraged from a very early age to separate
themselves in children's play, reinforcing and provoking the
incompatibility between the female and male universe, where gender
stereotypes influence or playing children.
Key words: Gender identity; Play; Childhood.

Enquadramento teórico
Vivemos em uma sociedade marcada pelas diferenças, onde
estamos constantemente sendo vigiados e controlados, por mecanismos
que nos direcionam a ocupar um lugar “conveniente/adequado”. A forma
como estamos estabelecendo essas diferenças está fazendo com que
construamos ambientes preconceituosos, que determinam e reforçam
estereótipos de gênero além de limitarem as ações e especialmente o livre
brincar das crianças.
Objetivou-se de modo geral com este estudo compreender a
construção de identidades de gênero, sob a influência das brincadeiras
infantis. Tendo como objetivos específicos: compreender a relação
existente entre brincadeiras infantis e gênero e estudar a construção de
masculinidades e feminilidades a partir do brincar.

Método
Essa pesquisa trata-se de uma revisão bibliográfica.

Resultados principais e discussões


A sociedade está dividida entre masculino e feminino, duas
categorias de gênero, que determinam comportamentos diferenciados a

550
meninos e meninas. Essas diferenças de gênero são muito presentes em
nosso dia a dia:

Basta passear de olhos abertos para comprovar que


a humanidade se reparte em duas categorias de
indivíduos, cujas roupas, rostos, corpos, sorrisos,
atitudes, interesses, ocupações são manifestamente
diferentes: talvez essas diferenças sejam
superficiais, talvez se destinem a desaparecer. O
certo é que por enquanto elas existem com uma
evidência total. (BEAUVOIR, 1970, p.8)

A construção da identidade de gênero passa por inúmeras


transformações no decorrer da vida do indivíduo, influenciadas por
atores sociais a sua volta.

É perceptível que o indivíduo se forma a partir de


diversos aspectos que o rodeiam. O bebê, desde o
nascimento, recebe diversas informações que vão
sendo elaboradas com o passar do tempo,
introjetando comportamentos e pensamentos. Esse
movimento de desenvolvimento se dá durante toda
a vida, porém é inquestionável a importância que as
primeiras experiências possuem para um indivíduo.
(GREGOVISKI; SILVA; HLAVAC, 2017, p.92)

Dessa forma, a construção da identidade das crianças para


Bigalho (2013, p. 46) é um processo biopsicossocial, histórico e também
simbólico, proveniente de experiências individuais e coletivas que vão
construindo configurações de gênero diversas, como identidades
diferentes, únicas, múltiplas, contraditórias, instáveis e tampouco fixas.

No decorrer de suas vivências, meninos e meninas


associam esquemas classificatórios que compõem
o processo de construção de suas representações.
Nesse sentido, desde o nascimento, as crianças se
deparam com um mundo estruturado pelas

551
representações, e são estas que elas desenvolverão.
Confirmar a identidade significa dizer “o que
somos” e “o que não somos”, sempre manifestando
distinções. Os depoimentos sobre identidade e
diferença demonstram quem está incluído e quem
está excluído, quem pertence e quem não pertence,
marcando fronteiras e declarando relações de
poder. (SOUZA, 2008, p.154 apud JUNGES;
SCHWERTNER, 2017, p. 270)

É importante falar que não são propriamente as características


sexuais, que tornam homens e mulheres tão diferentes, mas é a forma
como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que
se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é
feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento
histórico (LOURO, 1997, p.21 apud JUNGES, 2014, p. 17), sendo assim
em conformidade com o mesmo autor, nós construímos e gênero e por
ele somos construídos.
A identificação de meninos e meninas por meio da
categoria gênero, como um dado natural e
biológico e como consequência da identificação da
genitália, permeou durante muito tempo a
compreensão dos estudos sobre essa temática.
Apenas recentemente, no campo sociológico, a
categoria gênero passou a ser compreendida como
socialmente construída e produto de relações e
ações sociais. (SIMÃO, 2013, p. 941)

Sendo assim os papéis e comportamentos de meninos e meninas


são pré-determinados, construídos socialmente, com base no que se
espera de meninos e meninas, portanto não são naturais.

Historicamente a desigualdade entre homens e


mulheres vem sendo naturalizada nas relações
sociais, encontrando forças para se reproduzir
cotidianamente na educação sexista. Nesse
contexto, os papeis sociais do que é ser mulher e
homem, são delineados a partir dos padrões

552
culturais, sociais e históricos. Assim, “podemos
perceber que é as representações do que é
“feminino” e “masculino”, não são determinados
biologicamente, mas sim, pelas relações sociais
(NASCIMENTO, 2014, p.260 apud ARAÚJO;
BEZERRA; FERREIRA, 2017 p. 584)

A criança assim que nasce já está rodeada de expectativas:

Ou seja, através da decoração do quarto, dos


brinquedos, das roupas e adornos/acessórios, uma
vez que, para uma bebê menina, os quartos
geralmente são pintados nas cores rosa, lilás, com
detalhes delicados e pomposos, com flores, topes,
bonecas, pois a sociedade espera que as meninas
sejam meigas, carinhosas. Já os quartos de meninos
geralmente recebem o azul, o verde como cores
predominantes; os brinquedos e presentes que
recebem trazem motivos esportivos, como bolas,
carrinhos, skate, pois a sociedade espera que os
meninos sejam ativos, fortes e corajosos. Sendo
assim, dificilmente um quarto de menina será
pintado de azul, e dificilmente os meninos terão
quarto rosa, com bonecas e artigos de cozinha –
tampouco uma composição de tudo isso para
ambos. (JUNGES; SCHWERTNER, 2017, p.264)

“As crianças já nascem imersas nesse meio dividido por


diferenças de gênero e desenvolvem seus conceitos de “certo” e “errado”
para cada gênero a partir das interações, vivências e situações que
presenciam.” (JUNGES; SCHWERTNER, 2017 p.264) Essas diferenças
entre meninos e meninas também são visíveis nas brincadeiras infantis,
onde determinadas brincadeiras são tidas como femininas ou masculinas,
por exemplo, futebol, que é visto como um esporte masculino, mesmo
que mulheres se destaquem nele, acredita-se que mulheres não podem
gostar de jogar futebol, assim como meninos não são estimulados a

553
brincar de casinha, bonecas, pois atividades como essas são tidas
enquanto femininas.

A brincadeira influencia decisivamente o


desenvolvimento global da criança. Ao brincar, ela
aprende a ser e agir diante das coisas e das pessoas,
pois é a partir das ações práticas realizadas que os
processos externos se estruturam, orientando outras
ações práticas, mais autônomas e complexas.
Portanto, as brincadeiras infantis destacam-se no
vasto campo social que circunscreve a vida da
criança e que representa a base do desenvolvimento
de todos os atributos e propriedades humanas.
(MARTINS, 2006, p. 39 apud BÍSCARO, 2009 p.
92)

Cordazzo; Vieira (2008 apud GREGOVISKI; SILVA;


HLAVAC, 2017, p.95) afirmam que o brincar é importante pela relação
com o prazer que dá ao indivíduo e também, porque desenvolve aspectos
físicos e simbólicos. Enquanto a criança vai crescendo e se
desenvolvendo o faz de conta passa a imitar, cada vez mais, o cotidiano
adulto e as regras sociais. Os estereótipos de gênero ficam, cada vez mais
marcantes, segregando brincadeiras de forma binária:

Essa forma de perceber o indivíduo restringe a


subjetividade das crianças e é estruturada nas
relações de poder. Entretanto, durante as
brincadeiras infantis as crianças expressam formas
de agir que transgridem e quebram essa lógica do
pensamento binário (masculino/feminino) e
revelam a insensatez dessa associação arbitrária e
rígida. (BICALHO, 2013, p.46)

Desde muito cedo crianças são controladas a tomarem atitudes


de acordo com o modelo de masculinidade e feminilidade idealizada,
onde devem emitir comportamentos que correspondam às expectativas
desses modelos impostos. Nesse sentido:

554
Muitas vezes, instituições como família, creches e
pré-escolas orientam e reforçam habilidades
específicas para cada sexo, transmitindo
expectativas quanto ao tipo de desempenho
intelectual considerado “mais adequado”,
manipulando recompensas e sanções sempre que
tais expectativas são ou não satisfeitas. Meninas e
meninos são educados de modos muito diferentes,
sejam irmãos de uma mesma família, sejam alunos
sentados na mesma sala, lendo os mesmos livros ou
ouvindo a mesma professora. A diferença está nas
formas aparentemente invisíveis com que
familiares, professoras e professores interagem
com as crianças. (VIANNA; FINCO, 2009, p. 273)

Junges; Schwertner (2017 p. 277), falam da importância de no


comportamento de “permitir que meninas explorem brinquedos ditos de
menino, pois eles desenvolvem habilidades necessárias aos seres
humanos independente de gênero, como coordenação motora, agilidade,
atenção e força.” Pode-se observar que meninas são estimuladas em
alguns casos, como carrinhos rosa, ou seja, brinquedos que tenham uma
caracterização mais feminina e delicada.
Nesse sentido Cruz; Silva; Souza (2013, p. 6-7) pesquisaram que
para que uma menina possa brincar ou gostar de carro, é necessário esse
campo de materialização do feminino, utilizaram os mesmos princípios
de análise discursiva, para ver se existe a masculinizarão de brinquedos
tidos como femininos, e constataram que isso não ocorre com frequência.
Os mesmos autores evidenciaram ainda uma visão mais
estereotipada dos brinquedos nas falas dos garotos do que das garotas.
Cechin; Silva (2012 p. 136) relata, que “as representações de
masculinidade manifestadas no cotidiano escolar têm evidenciado
disputas de forças baseadas em agressão, violência física e intimidação,
sendo reforçadas nas interações entre pares.”
O que nos leva a refletir o papel dos pais nessa construção:

555
Os pais de meninos devem prestar atenção, porque
brincar com bonecas ou cuidar de bebês trazem
muitos ganhos. Brincar de boneca e encenar os
papéis de pai e mãe reforça habilidades sociais e
emocionais: cuidar de outras pessoas, levar em
conta suas necessidades e atendê-las, bem como
perceber o que elas estão sentindo. (ELIOT, 2013,
p.155)

Sendo assim, as crianças constroem sua identidade de gênero em


conformidade ou em desacordo com os padrões apresentados por seu
grupo social (BICALHO, 2013 p. 45), grupo social esse que ensina que
menino não chora, não sente dor, que meninas são sensíveis e passivas,
“se, por um lado, é possível observar o controle da agressividade na
menina, o menino sofre processo semelhante, mas em outra direção: nele
são bloqueadas expressões de sentimentos como ternura, sensibilidade e
carinho” (VIANNA; FINCO, 2009, p. 273), crianças são ensinadas a se
distanciarem de comportamentos do gênero oposto desde muito cedo,
segundo Cravo (2006, p. 95-96) é possível perceber nas brincadeiras
infantis certa rivalidade entre meninos e meninas, rivalidade essa que
aceitamos como natural e próprio do desenvolvimento, normalizando
determinadas situações, impedindo que a relação entre as crianças evolua
na direção de maior equidade.

Percebemos que as escolhas estão atreladas ao


papel que homens e mulheres ocupam na
sociedade, em que o universo feminino cabe o
cuidado do lar, da família, como também a ênfase
a beleza, como por exemplo, brincar com a boneca,
o aparelho de jantar, o conjunto de xícaras,
produtos de beleza, enquanto aos homens cabe o
universo da rua, como dirigir o carro, jogar a bola,
atividades que envolvem a força física etc. (CRUZ;
SILVA; SOUZA, 2013 p. 7)

556
Existe, portanto a limitação de ações de crianças, a partir do
exposto acima podemos ver como meninas podem ter sua identidade de
gênero questionadas se preferem brincadeiras de “meninos”, assim como
meninos que gostam de brincar com as meninas ou de brincadeiras de
“meninas”. Os pais reagem diferentemente aos tipos de brinquedos que
as crianças parecem apreciar. “Os pais respondem mais positivamente
quando a criança escolhe um brinquedo adequado ao seu gênero, por
exemplo, quando o menino pega o martelo e a menina empurra um
carrinho de compras.” (ELIOT, 2013, p.134)

Muitas vezes quando a criança encontrar-se nos


seus momentos de brincadeira, de exploração, de
ludicidade, ela interpreta, cria não se importando se
a brincadeira que está desenvolvendo está certa ou
errada. Durante esse momento, a criança é livre
para viver aquele momento de todas as formas
plausíveis. Emoções, tristeza, angústia, alegria,
entusiasmo, encantamento, paixão, são alguns dos
sentimentos que as crianças podem vir a sentir
durante o ato do brincar livre. No entanto, muitas
vezes este brincar é mal interpretado por aqueles
que o veem de fora. (JUNGLES, 2014, p. 30-31)

Afirmações ou expressões heteronormativas devem ser


problematizadas, como “meninos brincam com meninos e meninas com
meninas”, “isso é coisa de mulher”. Por que o atravessamento das
fronteiras de gênero causa tanto desconforto?

Os brinquedos constituem-se como um modo de


governo e autogoverno das crianças. Suas formas,
seus estilos e sua estética produzem efeitos no jeito
de ser criança hoje, pois fabricam modos de
subjetivação que aprisionam as crianças em
verdades sobre como devem ser seus corpos, seu
comportamento, suas atitudes, seus valores
(DORNELLES, 2006, p.35 apud JUNGES, 2014,
p.26)

557
Ou seja, na criança que brinca com bonecos de superheróis são
estimuladas/desenvolvidas habilidades como coragem e força, e na
criança que brinca de boneca, desenvolve o cuidado. Nas brincadeiras
existe controle disciplinar de meninas e meninos, que estão
intrinsecamente relacionadas ao controle do corpo, dentro dos limites
entre feminino e masculino e ao reforço de características socialmente
esperadas para cada gênero.
“Meninas e meninos desenvolvam seus comportamentos e
potencialidades no sentido de corresponder às expectativas quanto às
características mais desejáveis para o masculino e para o feminino”
(VIANNA; FINCO, 2009, p. 275), sendo assim o brincar também
influencia nas construções de identidades de gênero.

Considerações finais
Chegamos ao entendimento através desse estudo de que as
brincadeiras são importantes na infância, mas que meninos e meninas
são estimulados desde muito cedo a se separarem nas brincadeiras
infantis, reforçando e provocando a incompatibilidade entre o universo
feminino e o masculino, onde estereótipos de gênero influenciam o
brincar infantil.
As crianças vêm sendo educadas a partir de uma educação
sexista, onde feminilidades e masculinidades são atribuídas de maneira
binária, calando a multiplicidade. Educação essa que transformam as
diferenças entre homens e mulheres em desigualdades, justificativas
ancoradas como se essas diferenças estivessem estabelecidas
biologicamente.
No que se refere aos brinquedos infantis, na nossa sociedade
eles estão relacionados aos papéis de gênero, em que as atividades
ligadas ao lar e maternidade são atribuídas como papeis femininos,
enquanto, as brincadeiras e brinquedos masculinos estão relacionados ao
espaço público, se distanciando da paternidade e atividades domésticas.

558
Frente a isso podemos afirmar que brinquedos e brincadeiras
refletem a lógica da ideologia patriarcal, o que contribui para a contínua
reprodução dessa lógica, que impõe papéis sociais, posições a serem
ocupadas de acordo com o sexo, exemplo disso é a divisão sexual do
trabalho, pois, essas brincadeiras e brinquedos associados ao cuidado,
incentivam as meninas a serem delicadas, boas esposas, submissas e
donas de casa. A educação de meninos é totalmente distinta, para eles
são reservadas atividades associadas à criatividade, aventura e ao
desenvolvimento de habilidades.
Vemos, portanto, como papel feminino e masculino é
construído socialmente, se iniciando na infância, pela divisão sexual dos
brinquedos e brincadeiras apresentados para as crianças, que dizem
muito sobre todos nós, produz aquilo que somos ou deveríamos ser,
contribui, portanto, para a construção da nossa identidade. Nesse
cenário, acreditamos que a estratégia para romper com a ideologia
patriarcal e sexista no processo educativo das crianças é a mudança
baseada em uma perspectiva igualitária, na qual todos (as) possam
brincar juntos, socializando, desconstruindo barreiras em suas vivências,
valorizando a diversidade e diferença.

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560
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561
A PESSOA TRANS NA UNIVERSIDADE: O
QUE PENSAM OS COLABORADORES DE UMA
INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR

Tatiane Siqueira Modesto Gonçalves


Sonia Maria Ferreira Koehler
Jéssica de Sousa Villela
(Centro Universitário Salesiano de São Paulo)

O presente trabalho aborda o tema da transexualidade no Ensino


Superior, sobre as diferentes formas de compreensão de colaboradores
de uma instituição privada no interior do estado de São Paulo. Trata-se
do recorte de uma pesquisa inédita realizada pelo Observatório de
Violências nas Escolas. O presente artigo objetiva: Compreender a
percepção de colaboradores de uma Instituição de Ensino Superior
Privada sobre a transexualidade; Levantar o tipo de atitude de aceitação
ou discriminação; Verificar se gostariam de ter mais informações sobre
o fenômeno. Até o presente momento, participaram deste estudo 60
colaboradores. O instrumento de pesquisa foi construído a partir da
leitura de artigos científicos, adaptado de pesquisas sobre transfobia e
dividido em quatro partes. Para alcançar os objetivos propostos para esse
artigo realizou-se um recorte de três (03) questões do instrumento: sobre
a percepção do fenômeno da transexualidade, sobre a postura da pessoa
transexual e sobre a abordagem da temática pelos meios de comunicação.
Acreditamos que os dados refletem que há ainda muita desinformação
que, por sua vez, pode promover preconceitos e violações de direitos.
Discutir e refletir sobre a sexualidade humana nas instituições de ensino
promove outra compreensão sobre o fenômeno, considerando também as
questões de violência de gênero e de homofobia, por exemplo.
Palavras-chave: Transexualidade; Educação; Transfobia; Ensino
Superior; Preconceito.

562
TRANS PERSON IN THE UNIVERSITY: WHAT DO
COLLABORATORS OF A HIGHER EDUCATION INSTITUTION
THINK

The present work approaches the subject of transsexuality in Higher


Education, about various forms of understanding from collaborators of a
private institution in a hinterland city in the state of São Paulo. It is a
view of a unique research carried out by Observatório de Violências nas
Escolas. The present article aims: to comprehend the perception of
collaborators from a private Higher Education institution about
transsexuality; to raise the kind of acceptation or discrimination
attitudes; to verify if they would like to obtain more information about
the phenomenon. Until the present moment, sixty (60) collaborators took
part in this research. The instrument was shaped from reading scientific
articles, adapted from researches about transphobia and divided into four
parts. To reach the proposed goals of this article, three (03) questions
were selected to be analyzed. The first question refers to the
understanding of the phenomenon; the second one is about the behavior
of the trans person and the third one is about transsexuality subject in the
media. We believe that data reflect that there’s still a lot of
disinformation that, on the other turn, can promote prejudice and rights
violation. To discuss and to think about human sexuality in education
institutions promotes another comprehension about the phenomenon,
considering also gender violence issues and homophobia, for example.
Key words: Transsexuality; Education; Transphobia; Higher
Education; Prejudice.

Enquadramento teórico
O presente artigo é um recorte de uma pesquisa inédita realizada
pelo Observatório de Violências nas Escolas que aborda a compreensão
sobre o tema da transexualidade no Ensino Superior, a partir da
compreensão de colaboradores de uma instituição privada no interior do
estado de São Paulo.

563
Historicamente, observa-se que a transexualidade é vista como um
fenômeno não natural, identificado e discriminado. Geralmente, no
ocidente, no âmbito familiar quando os pais percebem comportamentos
divergentes do padrão do gênero ao nascimento, a família sente-se
insegura e logo teme uma suposta homossexualidade, nem sempre
aceitam a criança e suas expressões ou procuram acompanhamento
psicoterapêutico, para a resolução do que consideram um grave
problema. A literatura nos mostra que diante da frustração pela
incompreensão do fenômeno, a família começa a reprimir os
comportamentos que não julga corretos, o que pode gerar marcas
profundas na personalidade da pessoa.
A pessoa transgênero, segundo Ávila e Grossi (2010), é aquela
que se identifica com o gênero oposto ao atribuído ao nascimento, ou
aquela que se identifica com ambos os gêneros ou a nenhum deles, no
qual se incluem as travestis, transexuais, intersexuais, Drag Queens e
Drag Kings. As pessoas transexuais anseiam poder viver de acordo com
a sua identificação, ou seja, identidade de gênero.
A sociedade brasileira, em parte significativa, demonstra
adversidade à população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Travestis e Intersexuais), entretanto, a população trans é a
parcela que tem essa hostilidade mais evidenciada. Dados do Grupo Gay
da Bahia (GGB) demonstram que a violência contra essa população
aumentou 30% do ano de 2017 em relação ao ano de 2016.

A cada 19 horas um LGBT é barbaramente


assassinado ou se suicida vítima da “LGBTfobia”,
o que faz do Brasil o campeão mundial de crimes
contra as minorias sexuais. Segundo agências
internacionais de direitos humanos, matam-se
muitíssimo mais homossexuais aqui do que nos 13
países do Oriente e África onde há pena de morte
contra os LGBT. E o mais preocupante é que tais
mortes crescem assustadoramente: de 130
homicídios em 2000, saltou para 260 em 2010 e 445
mortes em 2017. (GGB, 2017, p.1)

564
Pessoas transexuais, em sua grande maioria, começam a sofrer
desde a infância pela não realização de comportamentos tidos como
“normais” pela sociedade, a própria família, em geral, é responsável pela
perpetuação da violência, tanto física quanto psicológica, muitas vezes
expulsando as pessoas trans de casa. É comum no ambiente escolar,
alunos, professores e gestores também não respeitarem o nome social a
maneira de se expressar no mundo, o que incorre em mais humilhações
e sofrimento, até mesmo o abandono da escola. Sem moradia, estudo e
apoio da sociedade, a depressão e tentativa de suicídio entre a população
transexual cresce significativamente a cada ano que passa. Segundo
Bento (2014, p. 177):

A partir de 2008, no Brasil, observam-se


mobilizações dos Movimentos Sociais de Lésbicas,
Gays, Travestis e Transexuais (LGBT) pela
utilização do nome social pelas escolas públicas
estaduais nos registros escolares, considerando os
altos índices de evasão escolar dessa população,
que é impossibilitada de permanecer na escola
pública por ser vítima de preconceito e
discriminação.

Portanto, diante da complexidade e relevância do tema, o


presente artigo objetiva:
a) Demonstrar a percepção dos colaboradores da instituição sobre a
transexualidade;
b) Perceber a forma de compreensão sobre a atitude social da pessoa trans;
c) Verificar se os participantes gostariam de ter mais informações sobre o
fenômeno.

Histórico de Luta LGBT no Brasil e no mundo


O movimento LGBT teve seu início na Europa no fim do século
XX, se difundindo para os demais continentes ao decorrer dos anos
seguintes. Este surgiu, inicialmente, em defesa dos homossexuais, contra

565
a discriminação e o reconhecimento dos direitos civis dos mesmos. Silva,
Almeida e Ramos (2014) mostram que, na Alemanha nazista, tem-se
registros de que foi o primeiro país a segregar os homossexuais, sendo
tratada como uma condição absoluta de patologia, sujeitando os
indivíduos à crueldade. Em campos de concentração, diversos
homossexuais morreram devido a espancamentos e experimentos para a
localização do, até então, “Gene gay”.
O dia do orgulho LGBT se consolidou em decorrência aos
acontecimentos no bar conhecido como Stonewall Inn, nos Estados
Unidos da América (EUA), em 28 de junho de 1969. Este bar era,
predominantemente, frequentado por gays, lésbicas, travestis e drag
queens. Segundo Silva, Almeida e Ramos (2014):

[...] onde se lamentava a morte da atriz Judy


Garland (a Dorothy do filme Mágico de Oz), uma
ação truculenta por parte da polícia da cidade, que
invadiu o bar e provocou uma rebelião dos
frequentadores que durou quatro dias. Pessoas
foram feridas e presas, tomando uma proporção
alarmante que mobilizou todo o país. A partir desta
data, se convencionou o dia 28 de junho como o dia
do orgulho LGBT. (SILVA; ALMEIDA; RAMOS;
2014, p. 13)

No Brasil, o movimento teve seu início no fim dos anos de 1970,


num contexto de perda de força da ditadura militar. A homossexualidade
e o movimento LGBT surgiam com um potencial de revolução, estes têm
como marco a criação do Jornal Lampião, o maior meio de comunicação
e tratamento de assuntos como sexualidade e preconceitos contra a
população LGBT, e a criação do grupo Somos de Afirmação
Homossexual, o primeiro grupo de integrantes homossexuais de São
Paulo. (BEZERRA et al, 2013)
Muitas das reivindicações presentes naquela época são ainda pauta
nas reivindicações atuais. Em 1984, houve o encontro nacional de
ativistas pela causa homossexual na Bahia, entre as diversas pautas deste

566
encontro, há a luta pela despatologização da homossexualidade e a
inclusão da Educação Sexual nas matrizes curriculares das escolas.
(FACCHINI, 2011)

Em 1985, o Conselho Federal de Medicina retirou


o homossexualismo da classificação de doenças:
essa campanha nacional teve o apoio de mais de 16
mil signatários, incluindo destacados intelectuais,
políticos e artistas, antecipando, em cinco anos,
resolução semelhante da Organização Mundial de
Saúde (OMS). (MOTT, 2005, p.100)

Em 1997 a legalização desses procedimentos, para transexuais, foi


inicialmente aprovada no sistema privado de saúde através da Resolução
do Conselho Federal de Medicina nº 1.482. Somente em 2008 foi
regularizado e implantado no Sistema Único de Saúde (SUS) o Processo
Transexualizador através das Portarias nº 1.707 e 457 (BRASIL, 2008).
Em meio a tantas lutas e reivindicações, essa população continua
a sofrer pela falta de visibilidade ao movimento, o que, segundo Facchini
(2011) abriu caminho para o maior símbolo da fase atual do movimento
LGBT no Brasil e, reconhecida internacionalmente, a Parada do Orgulho
Gay em São Paulo/SP.

Transexualidade, Transgeneridade e Travestilidade


Os estudos sobre a sexualidade têm seu surgimento marcado no
século XIX, na Europa, no qual o primeiro grande “objeto” de estudo e
dúvidas era a homossexualidade e como esta categorizava o sujeito.
Em meados de 1973, John Money, Norman Fisk e Donald Laub
cunham o termo “Disforia de gênero”, sendo utilizado para a designação
da transexualidade como um distúrbio sexual. Athayde (2001, apud
Ávila e Grossi, 2010)
A terminologia foi incluída no Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders – DSM III (Manual Diagnóstico e estatístico das
Desordens Mentais) em 1987 denominada como transexualismo, no

567
diagnóstico, tinha-se como pressuposto básico que o indivíduo
permanecesse, por pelo menos dois anos, o interesse constante em
adequar seu corpo da maneira que este se sentisse por dentro. Na quarta
edição do Manual (DSM-IV) de 1994, troca-se o termo Transexualismo
por Transtorno de Identidade de Gênero.
Na quinta edição do Manual DSM-V, lançada em 2013, é possível
ver a adoção da expressão “Disforia de Gênero” para mencionar os
fenômenos da transexualidade, nesta edição, esta disforia possui os
seguintes critérios para o seu diagnóstico:

A. Incongruência acentuada entre o gênero


experimentado/expresso e o gênero designado de
uma pessoa, com duração de pelo menos seis
meses, manifestada por no mínimo dois dos
seguintes: 1. Incongruência acentuada entre o
gênero experimentado/expresso e as características
sexuais primárias e/ou secundárias (ou, em
adolescentes jovens, as características sexuais
secundárias previstas). 2. Forte desejo de livrar-se
das próprias características sexuais primárias e/ou
secundárias em razão de incongruência acentuada
com o gênero experimentado/expresso (ou, em
adolescentes jovens, desejo de impedir o
desenvolvimento das características sexuais
secundárias previstas). 3. Forte desejo pelas
características sexuais primárias e/ou secundárias
do outro gênero. 4. Forte desejo de pertencer ao
outro gênero (ou a algum gênero alternativo
diferente do designado). 5. Forte desejo de ser
tratado como o outro gênero (ou como algum
gênero alternativo diferente do designado). 6. Forte
convicção de ter os sentimentos e reações típicos do
outro gênero (ou de algum gênero alternativo
diferente do designado).
B. A condição está associada a sofrimento
clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social, profissional ou em outras
áreas importantes da vida do indivíduo.

568
(Associação Americana de Psiquiatria, 2014,
p.452-453)

A visão da transexualidade como transtorno mental, traz consigo


um conceito de estigmatização, o que contribui para o preconceito em
relação à maneira como as pessoas trans se expressam.
O termo transexual se refere a identidade de gênero diferente do
sexo designado no nascimento. A definição de Peres e Toledo (2011) diz
também que transexuais são pessoas que não se identificam com seus
genitais biológicos (e suas atribuições sócio-culturais designados durante
a vida), às vezes estes indivíduos possuem o desejo de realizar a cirurgia
de transgenitalização para a adequação de seu eu interior ao próprio
corpo, o que gera um bem-estar consigo mesmo.
Para Peres e Toledo (2011, p. 265), pode-se definir transgêneros
como pessoas que, temporariamente ou não, constroem suas aparências
físicas e expressões de gêneros contrárias ao que é socialmente
estabelecido como normal e “adequado” na convenção de seu sexo
biológico. Na visão de Diehl e Vieira (2017), o termo transgênero (ou
trans) pode ser considerado um:

Adjetivo guarda-chuva que abrange os indivíduos


cuja identidade de gênero é diferente do gênero
designado ao nascimento e inclui pessoas que
desejam expressar sua identidade de gênero de
maneiras diferentes do convencionado para seu
gênero designado ao nascimento. (DIEHL,
VIEIRA, 2017, p.190)

Conforme a definição de Diehl e Vieira (2017), a travestilidade é


considerada um fenômeno de maior complexidade, esta não se resume
somente na utilização de roupas do sexo oposto. O termo travesti é
utilizado para caracterizar pessoas biologicamente do sexo masculino,
mas que se expressam de acordo com o gênero feminino. Nem todas as

569
travestis sentem a necessidade de realizar uma modificação do próprio
corpo, tais quais como a cirurgia de redesignação sexual.

A Transexualidade e a Educação
A instituição educacional, a escola, é reconhecida como um
ambiente no qual se dá a formação e preparo para o convívio social e
acadêmico das pessoas. Esta não somente se limita no contexto
educacional e de trocas de conhecimentos, mas também no contexto
emocional, no qual há a relação e criação de laços afetivos externos à
família começam a ser formados.
Cada criança reage a este fenômeno de uma maneira distinta, para
alguns pode ser uma simples adaptação ao passo que para outras pode
ser um profundo marco traumatizante. Neste sentido, não somente os
professores, mas todos os envolvidos neste processo devem estar atentos
e aptos a identificar os sinais demonstrados pelos alunos com relação a
sua adaptação a, não somente o ambiente, mas também ao contato com
diversas outras maneiras de ser apresentadas pelos demais participantes
deste meio.
Diehl e Vieira (2017) mostram que estudos da ABGLT (2016)44,
Organização Reprolatina e o Ministério da Educação e Cultura (MEC)
apontam que escolas são ambientes hostis para jovens gays e trans, onde
professores demonstram dificuldades em trabalhar a diversidade sexual,
não tendo o preparo e educação necessária para o mesmo. Pela fala destes
professores, vê-se a existência de um preconceito velado ao dizerem que
apenas “toleram” a orientação sexual se não há a demonstração clara da
mesma.

44
Estudos da ABGLT. Parceria com o Ministério da Educação e Cultura e a
Organização Reprolatina, em 2016, com adolescentes e jovens lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) sobre as experiências que tiveram
nas instituições educacionais relacionadas a sua orientação sexual e/ou
identidade/expressão de gênero.

570
O bullying homofóbico realizado, tanto por professores quanto por
alunos, em instituições de ensino geram, na esmagadora maioria, decaída
na saúde mental e psicológica das vítimas do mesmo, tais como
depressão, ansiedade, isolamento social e diversos outros indícios. Estes
alunos que sofrem bullying devido a sua orientação sexual ou a sua forma
de expressar no mundo têm maior tendência a comportamentos
autodestrutivos e até mesmo ao suicídio.
Este mesmo bullying está diretamente ligado à evasão escolar,
pois a falta de conhecimento sobre sexualidade e afins destes professores
e, consequentemente, dos alunos, gera a hostilidade ao que é tido como
“diferente” do padrão. A evasão escolar pode se dar aos poucos, com
faltas excessivas a aulas, e também de maneira súbita. Esta, influencia
suas futuras possibilidades de emprego, devido à falta de qualificação
profissional e a não possibilidade de frequentar uma instituição de ensino
superior.
Faz-se necessário a conscientização e prevenção do bullying no
ambiente escolar, tanto para os professores quanto para os alunos.
Conforme a UNESCO (2013), é importante o treinamento da equipe
escolar que haja essa conscientização e para que saibam como agir e
intervir caso ocorram estes incidentes. É necessário também haver o
processo de suporte a vítima, para que esta possa se abrir e procurar
ajuda.

O currículo é somente uma pequena parte do que os


alunos aprendem na escola. Eles também aprendem
com o que observam e escutam à sua volta.
Ambientes escolares seguros, respeitadores e não
discriminatórios, onde diretores, professores e
outros funcionários dão exemplos positivos,
também são fundamentais. Diretores escolares
devem deixar claro que o bullying homofóbico e a
linguagem discriminatória dirigidos a alunos ou
funcionários são comportamentos tão inaceitáveis
quanto os comentários racistas ou o bullying contra
pessoas com deficiências. É também importante

571
que a comunidade escolar como um todo apoie a
mensagem de que o bullying homofóbico, tanto
quanto a violência e o assédio sexual, é inaceitável
no ambiente escolar. (UNESCO, 2013, p. 36)

Método
Para alcançarmos o objetivo proposto, foi realizado um estudo do
tipo exploratório-descritivo, survey de corte transversal. O método
adotado procurou obter e demonstrar os dados a partir de informações
sobre as características, ações ou opiniões de determinado grupo de
pessoas, por meio de um instrumento de pesquisa, como por exemplo um
questionário investigativo sobre um determinado fenômeno (FREITAS;
OLIVEIRA; SACCOL; MOSCAROLA, 2000).
Este método exploratório-descritivo, segundo Freitas et al. (2000),
tem como objetivo se familiarizar e conhecer mais sobre determinado
tópico, no qual busca descrever a distribuição de determinado fenômeno
entre a população ou uma parte da mesma. O corte transversal na
pesquisa survey qualifica a coleta de dados somente em um determinado
período de tempo, no qual descreve e analisa as variáveis somente em
um só certo momento.
O instrumento foi construído à partir da leitura de artigos
científicos, adaptado de pesquisas sobre transfobia e de uma pesquisa
com a população portuguesa (Oliveira, 2013). O instrumento final ficou
dividido em em quatro partes : 1) Caracterização do Participante, 2)
Compreensão do fenômeno, 3) Percepção da Transexualidade e 4)
Sentimentos e ações. Todas as questões são fechadas e organizadas em
escala Likert com as seguintes opções : (1) Discordo totalmente (2)
Discordo (3) Indeciso (4) Concordo (5) Concordo totalmente.
Após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa,
conforme orienta a Resolução 196/9645, iniciou-se a coleta de dados.

45
Resolução publicada pelo Conselho Nacional de Saúde que versa sobre as
exigências éticas e científicas para o desenvolvimento de pesquisas
envolvendo seres humanos.

572
Participaram deste primeiro momento do estudo 60 colaboradores de
diversos setores presentes na instituição.

Resultados principais e discussões


Para alcançar os objetivos propostos para esse artigo, realizou-se
um recorte de três questões do instrumento para análise.
1. “Quando pensa em transexualidade, pensa na situação como algo”
natural, compreensível, perturbador, ameaçador, não natural,
incompreensível, indiferente, inofensivo, estranho, comum,
aceitável, inaceitável, pecado, raro, ou outro com a opção do
participante assinalar até 3 alternativas. A primeira questão é
referente a compreensão do fenômeno e consta na 2ª parte do
instrumento de pesquisa.
2. “Pessoas transexuais devem esconder a sua situação para não
serem discriminadas”. Essa questão consta na 3ª parte do
instrumento, organizada em escala Likert, na qual o participante
indica o seu grau de concordância, selecionando uma das opções
correspondentes.
3. “A temática da transexualidade deve ser abordada mais
amplamente nos meios de comunicação para que mais pessoas
estejam informadas sobre esta realidade”. Essa questão consta na 3ª
parte do instrumento, organizada em escala Likert, na qual o
participante indica o seu grau de concordância, selecionando uma
das opções correspondentes.

Os resultados da análise da 1ª. questão demonstram que, na


perspectiva teórica sobre a temática, uma quantidade significativa de
participantes concorda em que a transexualidade é um assunto natural
(14,29%), aceitável (18,83%) e compreensível (22,08%), dois
participantes selecionaram a alternativa “Outro”, na qual alegaram que o
fenômeno é entendido por eles como “diferente” e também “um
mistério” (sic).

573
Segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT, 2015)46,
73% dos jovens estudantes LGBT relatam já terem sofrido algum tipo de
violência no ambiente escolar, sendo que, no Brasil, o número de evasão
escolar por pessoas trans é de 82%, resultado de falta de políticas
inclusivas e da hostilidade da comunidade para com essas pessoas,
inclusive pais, colegas e gestores.
A intolerância para com as pessoas trans está presente em todas
as esferas da sociedade, não se restringindo somente ao contexto escolar.
Conforme dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e
Transexuais) e IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação), foram
registradas e divulgadas pela mídia até o mês de setembro de 2018, 117
mortes de travestis e transexuais em todo o país.
Portanto, os dados da pesquisa, a princípio, indicam um
distanciamento entre o discurso dos participantes e as evidências
científicas e estatísticas de estudos que compuseram a revisão de
literatura, uma vez que apontam que a experiência educacional e
institucional das pessoas trans é carregada de preconceitos e estigmas.
Quanto à 2ª. questão selecionada, “Pessoas transexuais devem
esconder a sua situação para não serem discriminadas”, a análise sugere
demonstra que 60% dos participantes discordam totalmente da afirmação
de que pessoas trans devem esconder a situação para evitarem a
discriminação, 5% concorda totalmente e 6,67% indicou estar indeciso.
Esses resultados demonstram também uma divergência nos dados
divulgados pela mídia, no contexto atual do mercado de trabalho
referentes a pessoas trans. Conforme revela Giorgi, Barbosa e Borges
(2017), dados da Associação das Travestis e Transexuais do Triângulo
Mineiro (Triângulo Trans) indicam que 95% da população total de
transexuais estão na prostituição e apenas 5% estão no mercado formal

46
Cf. https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/11/1834166-73-dos-
jovens-lgbt-dizem-ter-sido-agredidos-na-escola-mostra-pesquisa.shtml

574
de trabalho, sendo este similar aos dados da ANTRA47, que demonstram
que 90% da população trans exerce a prostituição como única fonte de
renda. Essa situação agrava-se devido ao alto índice de evasão escolar
entre pessoas trans.
Os dados descartam a hipótese de que as pessoas trans busquem,
por uma escolha pessoal e/ou vocacional, a prostituição como atividade
profissional, e o alto índice de pessoas trans atuando nessa dimensão
evidencia a vulnerabilidade a que essa população está exposta.
Segundo Teixeira (2000 apud RONDAS, MACHADO, 2015, p.
195) “a falta de formação profissional reforça as barreiras existentes no
mercado de trabalho e aumenta as dificuldades para encontrar emprego
fora das esferas tradicionais de atividade profissional em que são
aceitas”. Cazerre (2015) traz um relato sobre a dificuldade da inserção
das pessoas trans no mercado de trabalho devido à transfobia:

Rafaela atribui a dificuldade em conquistar uma


vaga no mercado de trabalho à transfobia. “Temos
companheiras que têm curso superior, mestrado.
Você deixa seu currículo. Quando a pessoa vê que
é uma transexual – porque normalmente colocamos
o nome de registro – ela diz: muito bem, seu perfil
é maravilhoso. Mas coloca [o currículo] dentro da
gaveta e você pode saber que eles não te chamam,
infelizmente”, desabafa. (CAZERRE, 2015)

Na pesquisa realizada por Rondas e Machado (2015), foram


entrevistadas 12 travestis à respeito de suas vivências e sobre a inserção
no mercado de trabalho. Dentre as entrevistadas, somente 5 completaram
a escolarização básica e uma chegou ao ensino superior, porém não
completou sua formação. Segundo as autoras “apenas cinco eram

47
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) é uma rede
nacional que articula em todo o Brasil 127 instituições que desenvolvem
ações para promoção da cidadania da população de Travestis e Transexuais,
fundada no ano de 2000, na Cidade de Porto Alegre.

575
assalariadas, nesta condições, realizavam atividades pouco valorizadas
socialmente, pouco exigentes de qualificação profissional e que lhes
conferiam renda relativamente baixa.” (RONDAS, MACHADO, 2015,
p.196).
Os resultados da 3ª questão, “A temática da transexualidade
deve ser abordada mais amplamente nos meios de comunicação, para
que mais pessoas estejam informadas sobre esta realidade”, que compõe
a terceira parte do instrumento, demonstram que 41,67% dos
participantes concordam totalmente com a afirmação, 13,33% estão
indecisos e 3,33% discordam totalmente. Pode-se reconhecer através
destes dados o distanciamento com a realidade, na qual, uma parcela
significativa da população brasileira se posiciona contra48 a educação
sexual49 nas escolas e também pela falta de estatísticas oficiais de crimes
motivados pela transfobia, seguido por uma quantidade ainda menor de
ações punitivas e medidas preventivas, o que perpetua o histórico de
violência, marginalização e exclusão social da população trans. Segundo
Chagas e Nascimento (2017, p. 6):

Mas a população trans é invisível para quem? Para


o Estado que não oferece políticas públicas que
atendam suas gritantes demandas (por exemplo:
uma legislação que criminalize a LGBTfobia). Para

48
Cf. https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/projeto-contra-educacao-
sexual-para-criancas-alcanca-20-mil-apoiadores-no-site-do-senado-
8pvnj6qsiuci4uyrf4hs59444/
49
“[...] a educação sexual tem a ver com o direito de toda pessoa de receber
informações sobre o corpo, a sexualidade e o relacionamento sexual e, também,
com o direito de ter várias oportunidades para expressar sentimentos, rever seus
tabus, aprender, refletir e debater para formar sua própria opinião, seus próprios
valores sobre tudo que é ligado ao sexo. No entanto, ensinar sobre sexualidade
no espaço da escola não se limita a colocar em prática, estratégias de ensino.
Envolve ensinar, através da atitude do educador, que a sexualidade faz parte de
cada um de nós e pode ser vivida com alegria, liberdade e responsabilidade.
Educar sexualmente é, também, possibilitar ao indivíduo, o direito a vivenciar
o prazer.” (FIGUEIRÓ, 2009, p. 163)

576
grupos de religiosos que as tratam como seres
anormais, pecadores e doentes que precisam de
cura. Para o mercado de trabalho, que não as insere
no campo do trabalho formal, fazendo com que
90% dessas pessoas recorram à prostituição como
fonte de renda. Para a sociedade civil, em sua
grande maioria, que não as aceita e as excluí de uma
convivência social harmoniosa. Problematizamos
ainda o fato de que essas pessoas são visíveis para
quem as fetichiza, as tornam alvo de chacotas e de
preconceitos. (CHAGAS, NASCIMENTO, 2017,
p. 6)

A falta de visibilidade de pessoas trans na mídia ainda é muito


grande, mas aos poucos esse cenário tem passado por mudanças, tais
como a inserção de personagens trans em novelas de emissoras de grande
alcance social, um exemplo disto é o personagem Ivan da novela “A
força do querer” transmitida em agosto de 2017. Ivan se descobriu um
homem transexual e, ao longo da trama, realiza procedimentos
hormonais e de readequação de gênero, esta novela retrata também a
reação e rejeição da família, sob a tentativa da aproximação da realidade
vivenciada pela comunidade trans.
Porém, ainda nesses poucos momentos de aparição na mídia,
ocorrem falhas nos artigos de tratamento e na forma depreciativa que
travestis são retratadas, principalmente pela parcela significativa dessa
população que tem como modo de sustento a prostituição, o que gera
maior estigmatização sobre o assunto e pode acarretar no aumento da
marginalização e exclusão social. Assim, a análise preliminar dos dados
aponta que as instituições de ensino, que por princípio deveriam acolher
e incluir todas as pessoas, podem ser também um ambiente igualmente
excludente para a pessoa trans, que não é respeitada na sua diversidade.
O bullying acaba por tornar comum o abandono dos estudos das pessoas
trans; estima-se que a evasão escolar de travestis e transgêneros no Brasil
chegue a alarmantes índices de 82%. Assim, poucas pessoas transexuais
chegam às universidades e menos ainda ao mercado de trabalho formal,

577
que geralmente exige mão de obra qualificada. Existe discriminação e
violências praticadas tanto pela instituição quanto pelos próprios alunos
e professores.

Considerações finais
A invisibilidade da população trans pode estar relacionada à falta
de políticas públicas direcionadas às mesmas. Por outro lado, o aumento
significativo de ocorrências de crimes de ódio e discriminações
transfóbicas, aponta que o pouco espaço de trânsito e pertencimento da
população trans já a coloca como um grupo mais vulnerável. Nesse
sentido, vale ressaltar as orientações da UNESCO sobre o tema.
O documento Jogo Aberto (UNESCO, 2017) mostra que todas as
formas de discriminação e violência são um obstáculo para o direito
fundamental à educação de qualidade Respostas eficazes do setor de
educação à violência homofóbica e transfóbica requerem uma
abordagem abrangente e com uma abordagem que inclua todos os
seguintes elementos: políticas eficazes, currículos e materiais de
formação relevantes, formação e apoio para todas as pessoas envolvidas
com a instituição escolar, apoio a estudantes e suas famílias, informações
e parcerias estratégicas, bem como monitoramento e avaliação.

A violência em escolas e em outros setores da


educação é um problema mundial. Alunos que não
se encaixam nas normas consideradas comuns de
sexo e gênero, incluindo aqueles que são lésbicas,
gays, bissexuais ou transgênero (LGBT), são mais
vulneráveis. Violência baseada na orientação
sexual e na identidade/expressão de gênero,
também conhecida como violência homofóbica e
transfóbica, é uma forma de violência baseada em
gênero relacionada à escola. Ela inclui violência
física, sexual e psicológica, além do bullying e
outras formas de violência relacionadas à escola, e
pode ocorrer em salas de aula, parques e áreas de
lazer, banheiros, vestiários, no caminho de ida ou
volta da escola e também online.(UNESCO, 2017,

578
p. 8).

A UNESCO entende que o termo homofobia aplica-se a todas as


formas de violências, física, verbal ou velada a gays, lébicas e bissexuais;
já a transfobia é a violência voltada a travestis e transexuais, por isso
procura contribuir com pesquisas e sugerir propostas para assegurar o
direito de todos os estudantes a um ambiente de aprendizado seguro,
independentemente de quem sejam. Os estudos mostram que o bullying
homofóbico e transfóbico pode ter grande impacto sobre os jovens em
um momento crucial de suas vidas tendo como consequencia o abandono
escolar , pois os jovens são julgados como “fora das normas” do que
constituem comportamentos “femininos” e “masculinos”. Ocorre em
todos os níveis educacionais , inclusive no ensino fundamental, e
enfraquece os fundamentos de igualdade de gênero, do respeito por todos
e do direito a uma educação de qualidade em um ambiente seguro.
Ao decorrer da presente pesquisa, percebe-se a inexistência de
pessoas trans no corpo discente, no corpo docente e entre colaborades da
Instituição participante. Essa percepção vai de ao encontro das evidência
suprapresentadas à estudos que mostram a dificuldade do ingresso e da
permanência dessa população às instituições de ensino superior devido à
evasão já no ensino básico.
Assim, ressalta-se que a produção acadêmica sobre o tema é de
extrema importância, pois proporciona dados significativos que podem
indicar as dificuldades da população trans em instituições educacionais.
Mapear tais dificuldades é fundamental para o desenho e a elaboração de
estratégias para defender o ingresso e permanência de todas as pessoas
no Ensino Superior, como forma de combate às violências e
discriminações sem distinção por raça, gênero e orientação sexual,
defendendo, assim, o princípio da dignidade humana (Declaração
Universal dos Direitos Humanos, ONU, 1948). Para finalizar, espera-se
que os resultados da pesquisa contribuam para acirrar discussões que
possibilitem repensar os currículos e a formação de profissionais para
atuar frente aos desafios do século XXI.

579
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A POTÊNCIA DA FIGURAÇÃO DRAG
PARA SUBVERSÃO DAS POLÍTICAS
IDENTITÁRIAS
Gustavo Barrionuevo
Roberta Stubs
(Universidade Estadual de Maringá)

Devido a grande exposição que a performance drag vem ganhando na


mídia, nos perguntamos: como a proposição de uma figuração drag nos
auxilia na problematização e subversão das políticas identitárias?
Buscamos questionar o essencialismo do sujeito contido dentro da lógica
da identidade, tendo como ponto de problematização a figuração drag.
Aportados em teóricas feministas e queers, discorremos o que seria uma
figuração drag, uma figura de subjetividade que se entende enquanto
nômade e ciborgue, que se cria estéticamente e subjetivamente entre os
territórios do que consideramos masculino e feminino. Percebemos,
então, a urgência de se pensar em políticas identitárias não essencialistas,
que deem conta de discutir e entender as demandas de sujeitos que não
se encaixam e não buscam se enquadrar em normas e padrões.
Palavras-chave: Essencialismo do sujeito. Performance drag. Drag
Queen.

THE POWER OF DRAG FIGURATION FOR SUBVERSION OF


IDENTITY POLICIES

Due to the great exposure that drag performance has been gaining in the
media, we ask ourselves: how does the proposition of a drag figuration
aid us in the problematization and subversion of identity politics? We
seek to question the essentialism of the subject contained within the logic
of identity, having as a point of problematization the drag figuration.
Contributed in feminist theorists and queers, we discuss what would be

583
a drag figure, a figure of subjectivity that is understood as nomad and
cyborg, which is created aesthetically and subjectively between the
territories of what we consider masculine and feminine. We perceive,
then, the urgency of thinking about non-essentialist identity politics,
which account for discussing and understanding the demands of subjects
that do not fit and do not seek to fit norms and standards.
Key words: Essentialism of the subject. Performance drag. Drag
Queen.

Enquadramento teórico
Embora tenha uma grande evidência nos dias atuais, a
performance drag não é uma linguagem artística nova – essa prática, a
personificação da imagem feminina, sendo ela realista ou caricata, se
insere em diversos contextos e nos remete, a princípio, a prática cênica
grega (AMANAJÁS, 2014). Se o ato de personificar a imagem feminina
é tão antigo, quais os motivos dessa linguagem artística reaparecer no
contemporâneo? Drag Queens como Divine, nos Estados Unidos, Leigh
Bowery, em Londres, e o grupo Dzi Croquetes, no Brasil, já faziam e/ou
flertavam com o movimento drag que conhecemos hoje, entretanto, uma
das possíveis causas é o reality show americano chamado “RuPaul’s
Drag Race”, comandado pela drag queen RuPaul, que é cantora, modelo
e atriz, e fez sucesso da década de 1990 por aparecer em diversos
programas e filmes.
Desde 2009, devido à primeira temporada do reality show, a
performance drag está cada vez mais presente na mídia. As competidoras
do programa começaram a lançar músicas, aparecer em filmes – algumas
delas protagonizando seus próprios filmes – e esse movimento foi
abrindo caminho para que drag queens de outros lugares e países
começassem a se tornar visíveis. Nosso exemplo mais próximo é a Pabllo
Vittar, drag queen que começou lançando um clipe na internet e hoje em
dia é reconhecida mundialmente – lançando músicas com vários artistas

584
nacionais e internacionais e chegando a ser a Drag Queen mais seguida
na rede social Instagram, ultrapassando as competidoras do reality show.
A inserção de drag queens na mídia tem um efeito positivo para
a comunidade LGBT que é a representação, ter acesso a sujeitos e
sujeitas que participem e comunguem do lugar da abjeção ao longo de
sua vida é importantíssimo para a formação de crianças, adolescentes e
até adultos que um dia poderão se identificar como lésbicas, gays,
bissexuais e/ou transsexuais. Entretanto, a presença constante na mídia
tem seu lado negativo devido a necessidade de identificação e
catalogação que temos socialmente. Em vez de lidarmos com a
ambiguidade da drag, que brinca com os limites dos gêneros, temos a
necessidade de classifica-las e encaixa-las em modelos de
comportamento. Uma vez classificadas, as drag queens, kings e queers
entram na lógica das políticas identitárias essencialistas – e a partir disso,
nos perguntamos: como a proposição de uma figuração drag nos auxilia
na problematização e subversão das políticas identitárias? Assim,
objetivamos questionar o essencialismo do sujeito contido dentro da
lógica da identidade, tendo como ponto de problematização a figuração
drag.

Método
O presente texto é um recorte de uma pesquisa mais ampla,
apresentada como Trabalho de Conclusão do curso de licenciatura em
Artes Visuais, pela Universidade Estadual de Maringá, intitulada “A
Performance Drag como Estética da Existência: pensando em
subjetividades pós-identitárias”. A metodologia utilizada é a
A/r/t/ografia, metodologia que surge da necessidade de se pensar
maneiras da pesquisa científica dar vasão às problematizações das
pesquisas em Artes. A a/r/tografia coloca a criatividade à frente no
processo de pesquisa, ensino e aprendizagem, pois além de metodologia,
é também uma pedagogia que foca em como desenvolver relações entre
o fazer artístico e a compreensão do conhecimento (DIAS, 2013). Sua
elaboração veio da incorporação do método cartográfico, que trata de um

585
conhecimento situado e parcial, buscando criar novas formas e
circunstâncias para desenvolvimento de novos conhecimentos, sentidos
e, porque não, visualidades.
A/R/T é uma metáfora para: Artist (artista), Researcher
(pesquisador), Teacher (professor) e graph (grafia:
escrita/representação). Na a/r/t/ografia, fazer, saber e realizar se fundem
para pensar em uma nova forma de se apresentar o conhecimento,
priorizando tanto a imagem como o texto em suas diversas formas de
hibridização.

Resultados principais e discussões


Silva (2003) nos explica que um dos processos que faz com que
a identidade do sujeito seja criada e afirmada é por meio da repetição –
identificar e (re)afirmar a identidade sempre quando possível, faz com
que ela passe a existir, ou, passe a ser reconhecida como algo possível.
Mas esse processo não acontece sozinho, sempre quando
entramos nessa lógica de afirmação e criação de identidades estamos,
concomitantemente, produzindo suas diferenças. A identidade e a
diferença são sempre um binômio, pois, além de estarem sempre uma na
sombra da outra, a nossa sociedade acrescenta um valor simbólico que
superestima a identidade e subestima a diferença, colocando-a sempre
em um não lugar – na abjeção. Segundo Silva (2003), Butler apresenta a
possibilidade de instauração de novas identidades que não reproduzam
essas relações de poder baseada nessa mesma lógica. Se a repetição faz
com que identidades passem a existir, não podemos criar outras
identidades por meio da repetição? Ou melhor, podemos criar novas
identidades que não excluam automaticamente as diferenças?
Nesse processo de pesquisa, de cartografia, encontramos o
conceito de figurações, cunhado por Haraway (2013). Esse termo trata
do processo de criação de figuras de subjetividades outras, objetivando
formar uma imagem de sujeito que seja mais aberto a experiência, ao
múltiplo e as diferenças. Esse conceito nos permite renunciar ao
pensamento historicamente estabelecido que dita o que seria uma

586
subjetividade padrão – a do homem, branco, cisgênero, heterossexual –
para adentrarmos em um novo território subjetivo.
A figura de sujeito que iremos tratar aqui são as figurações
ciborgue e nômade, criadas, respectivamente, por Harraway (2013) e
Braidotti (2002). Ambas falam de uma visão descentralizada, multi-
dimensionada e entendem o sujeito enquanto ser dinâmico e mutante.
O ciborgue refere-se a uma nova subjetividade formada na
relação da mulher/homem com a máquina, com a natureza e com o
mundo, é um organismo híbrido formado pela realidade social e pela
ficção. Segundo Haraway (2013), o mundo contemporâneo está cheio de
ciborgues, criaturas que, ao mesmo tempo, são animais e máquinas. A
figura do ciborgue se apresentaria como uma figura pós-gênero, criando
uma quebra da noção binária de gênero, por se deslocar das limitações
de masculino/feminino, e consequentemente, uma quebra na sexualidade
“natural” humana.

Este “sujeito” híbrido, de certo modo


autoconhecedor de um eu-que-não-é
(HARAWAY, 2013, p. 55), se compõe mais por
movimentos de singularização, recorrendo menos a
modelos normativos pré-existentes. Ao invés de
"um sujeito" fechado à experiência do si, os
ciborgues anseiam por conexões, são simpáticos às
dissonâncias e possuidores das diferenças como
inerência existencial (STUBS, 2015, p. 109-110).

Entendemos aqui que a figuração nômade, diferentemente da


ciborgue, faz uma alusão mais a um ato ou comportamento de se deslocar
que implica tanto um deslocamento geográfico, propriamente dito,
quanto um deslocamento subjetivo, no sentido de abertura para outras
figuras de subjetividade. Segundo Braidotti (2002, p. 10) “o sujeito
nômade é um mito, ou ficção política, que me permite pensar sobre e
mover-me através de categorias estabelecidas e níveis de experiência”.
Ser nômade é ter uma consciência periférica, resistir à lógica da

587
homogeneização, renunciar e desconstruir a noção de uma identidade
fixa e estável, possuir uma consciência crítica que se nega a se ajustar
aos modos de pensamentos já estabelecidos. A autora ainda coloca que o
nômade tem a ver com transições, destinos não determinados, habilidade
de transitar por outros lugares, reterritorializar sua subjetividade,
conforme o trânsito no qual o sujeito se insere – por isso colocamos que
o nômade faz alusão a um ato, um ato de se entender e experimentar
enquanto devir, do que a uma representação figurativa “fixa”.
A pré-figura que antecede ambas figurações trata de
subjetividades conscientes do seu deslocamento e da sua habitação entre
as fronteiras de um sistema binário de identidade – de um sistema que
presa e pede para que o sujeito adentre em apenas uma camada e um
nível de experiência, um sistema que poda as inventividades de vida.
Quando nos referimos a sexualidades, o hibridismo do ciborgue e a
movimentação do nômade seriam uma figura “pós-identitária” que
desloca o sistema heteronormativo dos polos masculino e feminino e os
lançam em um campo mais apegado às experimentações do que às
representações de si (STUBS; TEIXEIRA FILHO; PERES, 2014),
utilizando imagens pré-fabricadas como figuras de autoidentificação.
Inspirados pela ideia de ser composto por outros fluxos, nos
perguntamos sobre a possibilidade de também criar outras figurações
para a subjetividade e para o sujeito. O objetivo que carregamos com
toda essa discussão é de se pensar uma nova forma de subjetividade, uma
hibridização da subjetividade nômade e ciborgue, por meio da
performance drag.
Nossa primeira concepção de drag é enquanto uma linguagem
artística, em que o artista incorpora um personagem, variando (ou não)
entre seu gênero, imitando ou não uma celebridade, atribuindo
comicidade, vieses políticos e até mesmo fantásticos à performance. Os
modos mais conhecidos de se fazer drag são as drag queens, quando um
homem incorpora um personagem feminino, e os drag kings, quando
uma mulher incorpora um personagem masculino. No entanto, achamos
que os modos mais conhecidos de se fazer drag são os únicos possíveis,

588
não lembramos que existem outros modos que são tão interessantes e tão
políticos quanto.
As tradicionais drag queens e drag kings possuem uma
infinidade de irmãs – como as que se denominam enquanto drag queers
e drags tranimals. Se pensarmos por níveis de experiência – já que
estamos falando em subjetividades – chegaremos a considerar que: a
drag queen seria uma aproximação a experiência feminina, a drag king
seria uma aproximação a experiência masculina, a drag queer seria a
atualização da experiência da artista estando em um entremeio entre os
gêneros, nem masculino, nem feminino, mas ambos – ou nenhum deles,
enquanto a drag tranimal aparece subvertendo toda essa lógica,
renunciando a sua subjetividade humana, a tranimal busca uma
experiência voltada aos outros seres – plantas, monstros não
humanoides, animais etc.
Louro (2016) salienta que a drag escancara a construtividade dos
gêneros perambulando e desestabilizando territórios muito bem
delimitados, como o masculino e o feminino, mas vemos que a
performance drag consegue desestabilizar até mesmo a fronteira do
humano e não-humano. Por isto, percebemos que “a drag é mais de um.
Mais de uma identidade, mais de um gênero, propositalmente ambígua
em sua sexualidade e em seus afetos” (LOURO, 2016, p. 21).
Inserimos a performance drag no enfoque da subjetividade por
pensar que esse ato performático pode, potencialmente, gerar um novo
tipo de figuração para a subjetividade, um hibridismo entre o nômade e
o ciborgue. Ao “se montar”, uma drag se movimenta entre os territórios
designados como masculino ou feminino, ela os atravessa,
permanecendo ou não na fronteira dos territórios de gênero. A
transitoriedade de territórios que a drag cria ao se montar remete a
complexidade e as multicamadas que Braidotti (2002, p. 10) destaca
quando faz referência ao sujeito nômade, “[...] a noção de nomadismo se
refere à ocorrência simultânea de muitos deles [lugares] de uma vez”. O
corpo de homem e o corpo de mulher, os lugares de práticas de
performances dissidentes, todas elas juntas e vividas por um mesmo

589
sujeito, camadas de experiências que se justapõem. Homem ou mulher,
quando montadas/os, possui a experiência de estar em outro lugar, de ser
outro do que se é.
Da mesma maneira, podemos pensar na subjetividade ciborgue.
A drag só se materializa por meio das maquiagens e indumentárias
usadas na “montação” – perucas, roupas, saltos, brincos, colares – e as
transformações não são somente visuais, mas físicas. Podemos
exemplificar isso com a drag king que precisa enfaixar os peitos para que
se esconda o volume do busto, mas, ao mesmo tempo, acrescentasse
volume no meio das pernas para imitar um falo. Drags queers e tranimals
utilizam uma infinidade de materiais como plásticos, plantas, pedaços de
metais, tudo colado, grudado e fixado ao corpo – uma bricolagem que
faz o sujeito adentrar outros níveis de experiência pela reconfiguração
que seu corpo vai ganhando, pela nova relação que esse corpo estabelece
com os outros sujeitos que o cercam. Podemos considerar tais acessórios
e práticas como acoplamentos, próteses, e processos de remodulação do
corpo, que caracteriza a subjetividade ciborgue apresentada por Haraway
(2013), uma forma de associação de homem-mulher-máquina, homem-
mulher-planta, ou somente, homem-mulher-tudo.
Como apresentado em trabalhos anteriores (BARRIONUEVO;
STUBS, 2017), forma-se assim, uma subjetividade drag, que permanece
na fronteira entre uma subjetividade masculina/feminina e até mesmo da
subjetividade humana, uma fusão da subjetividade nômade, encarando o
ato de se montar e se desmontar, com a subjetividade ciborgue,
encarando o acoplamento de materiais e a remodulação do corpo para se
criar a personagem. Delimita-se assim uma outra forma de sujeito, pós-
identitário, que se apoia na pré-figura existente atrás das figurações
nômades e ciborgues, a desterritorialização. Uma figuração drag, que se
forma juntamente na potência criativa de se imaginar um novo corpo e
uma nova imagem de si.
Essa lógica criada a partir de duas figurações pré-existentes – ou
melhor – as duas figurações que antecedem a conceitualização de uma
“figuração drag” já não cabem em uma lógica essencialista da

590
subjetividade e da identidade – portanto, com a figuração drag não é
diferente. Peres (2014, p. 144), nos coloca que uma visão essencialista é
aquela “[...] em que o corpo é observado, explicado, classificado e
disciplinado de acordo com a genitália [...]”. Afirma-se a partir dessa
visão uma relação que está em vigor desde o crescimento do
cristianismo, a consagrada conformidade sexo-gênero-sexualidade. Tal
lógica implica que determinado sexo designa seu gênero e o induz a uma
única forma de desejo – masculino-homem-hétero / feminino-mulher-
hétero.

A coerência e a continuidade suposta entre sexo-


gênero-sexualidade servem para sustentar a
normatização da vida dos indivíduos e das
sociedades. A forma 'normal' de viver os gêneros
aposta para a constituição da forma 'normal' de
família, a qual, por sua vez, se sustenta sobre a
reprodução e, consequentemente, sobre a
heterossexualidade (LOURO, 2016, p. 90).

Para se caracterizar como um corpo legítimo, um “corpo que


importa”50, o sujeito se submete involuntariamente às normas que se
estipulam de modo social na sua cultura, as reproduzindo e
performatizando acriticamente, pois se insere em um meio de
convencimento que os subjetiva. Uma lógica identitária essencialista se
segura em toda essa produção e reprodução de identidades, faz com que
a identidade passe a existir, passe a ser reconhecida como possível e esse
processo se estende ao ponto de chegarmos a considerar a “nova
identidade” como sendo a única existente para nós.
As políticas identitárias – essas que prezam pela criação e
cristalização de um único modo de se viver, experimentar e desejar a vida
– não convivem muito bem com a concepção de que podemos ser uma
coisa e outra, que a vida se desdobra e se desregula na medida em que

50
Referência ao livro Bodies Thas Matter (1993) de Judith Butler.

591
temos acesso a outros campos de experiência. As políticas identitárias,
de acordo com Fernando Seffner (2011, p. 74), preferem seguir a máxima
“[...] de uma coisa ou outra, e por vezes apenas uma coisa, com total
exclusão da outra”. Essas políticas tomam nossos corpos como algo
cristalizado, encarando-os como um produto finalizado que não pode ser
mexido e tocado. Esse processo é ilustrado quando Guacira Lopes Louro
(2016, p.15) coloca que:

A declaração “É uma menina!” ou “É um menino!”


também começa uma espécie de “viagem”, ou
melhor, instala um processo que, supostamente,
deve seguir um determinado rumo ou direção. A
afirmativa, mais do que uma descrição, pode ser
compreendida como uma definição ou decisão
sobre um corpo.

Assim como Peres (2014, p. 144), propomos que “[...] os corpos


não podem ser tomados como algo totalizado, mas como materialidades
provisórias, mutantes e mutáveis, vulneráveis às mais diversas formas de
intervenção [...]”, sejam elas científicas, artísticas e/ou tecnológicas.
Pensamos que a performance drag, colocada sob o viés da subjetividade,
adentre esse campo de discussões, onde o corpo é tratado como material
plástico e moldável, onde intervenções tecnológicas, científicas e,
principalmente, artísticas, são bem-vindas e dão passagem a todas as
outras formas de desejo.
Ao adentrar nesse campo plástico e moldável da subjetividade, a
figuração drag cai em um não-lugar identitário. Um lugar de
experimentação que não se restringe a fórmulas pré-determinadas, a uma
produção em massa – ela cria linhas de fuga de um território muito bem
delimitado e vigiado, os territórios de masculino e feminino, abrindo-se
a um campo que se justapõe sobre si mesmo na criação de experiências
outras. Enquanto não-lugar, podemos pensar que a figuração drag se
vincularia a possíveis e /im/possíveis figurações queer. Figurações que
se reformulam à medida que são capturadas, que falam sobre sujeitos

592
híbridos e pós-identitários, que se compõem por movimentos de
singularização, recorrendo menos a modelos normativos pré-existentes.
Afinal, para Milkolci (2011, p.39), “em termos políticos, a perspectiva
queer constitui uma proposta que se baseia na experiência subjetiva e
social da abjeção como meio privilegiado para a construção de uma ética
coletiva”.
A figuração drag funciona, nesse sentido, como uma linha de
fuga que auxilia o sujeito a não se deixar capturar pela regulação
biopolítica, que tende a fazer com que nossos corpos sejam agenciados a
se fixar e cristalizar em identidades prontas, fechadas, restritas, sexuais
e de gêneros totalizantes (PERES, 2014). As políticas identitárias
essencialistas auxiliam esse agenciamento, tomando normas sociais
como dadas e buscando uma assimilação conformista – além de acabar
tornando-se cúmplice de discriminações e desigualdades que essa
política tende a reforçar e não confrontar (MISKOLCI, 2011).

Considerações finais
Ao longo da pesquisa confirmamos a hipótese de que as políticas
identitárias que predominam a lógica de subjetivação atual não
comportam os dissidentes, as drag queens. Notamos que uma
subjetividade queer, nômade, ciborgue e, agora, drag não são
contempladas por uma política identitária que preza a fixação e a
territorialização definitiva da subjetividade. Na verdade, acreditamos
que essas políticas nunca se depararam com uma drag queen! Essa figura
caricata, e política, que na medida em que se cria, burla e quebra as
normas sociais de gênero, pode nos servir de exemplo de resistência à
uma lógica que tende a produzir identidades e subjetividades em massa,
padronizadas. Além do mais, como afirma Louro (2016, p.16), “mesmo
que existam regras, que se tracem planos e sejam criadas estratégias e
técnicas, haverá aqueles e aquelas que rompem as regras e transgridem
os arranjos”.
Percebemos a urgência, então, de se pensar em políticas
identitárias não essencialistas, que deem conta de discutir e entender sob

593
bases éticas, estéticas e políticas as demandas de sujeitos que não se
encaixam e não buscam se enquadrar em normas e padrões. De acordo
com Suely Rolnik (1993), uma prática ética-estética-política é assim
denominada, pois entendemos que: a prática é ética na relação que
estabelecemos em procurar as diferenças que se encontram em nós e nos
outros, uma relação de alteridade, afirmando o devir a partir dessas
diferenças; é estética, pois compreendemos que essa prática é do campo
da criação, criar uma estilística própria que se inscreve e se desenha no
nosso próprio corpo, como uma obra de arte; e é política, pois
concebemos que tal prática é um conjunto de ações que lutam contra as
forças que cessam o devir ao estratificar os sujeitos e subjetividades em
identidades fixas, essencialistas e fechadas ao que destoa à norma.
As fronteiras que territorializam nossa concepção de masculino
e feminino podem, e devem, ser ultrapassadas. Resistir a uma lógica de
homogeneização está no cerne das problematizações que uma drag
queen pode apresentar, pois, em sua “imitação” do feminino ou do
masculino, em sua negação da humanidade, essa linguagem artística
performática pode ser revolucionária. Apesar de tudo que foi colocado,
não queremos que todas e todos virem uma drag queen, um drag king,
queer ou tranimal.

Personagens que transgridem gênero e sexualidade


podem ser emblemáticas da pós-modernidade. Mas
elas não se colocam, aqui, como um novo ideal de
sujeito. Não se pretende instaurar novo projeto a ser
perseguido, não há intenção de produzir nova
referência. Nada seria mais antipós-moderno
(LOURO, 2016, p. 23).

O interessante, ainda de acordo com Louro (2016), é a


materialidade e a visualidade que essas sujeitas e sujeitos evidenciam, o
caráter inventado, cultural e instável de todas as identidades. Nossa
intenção não é abolir a identidade. Miskolci (2011) nos lembra que
Michel Foucault já havia se posicionado em relação ao uso das

594
identidades, antes mesmo de Gayatri Spivak falar sobre “essencialismo
estratégico. Para o filósofo, as identidades deviam ser usadas
politicamente, por um curto período de tempo, e que a longo prazo,
deveríamos pensar em estratégias políticas não pautadas na identidade,
questionar a imposição social que assume a sexualidade do indivíduo
como sua identidade. Nosso desejo é que cada um crie sua própria
trajetória, sua própria materialidade e visualidade – se existem políticas
que não tangenciam essas novas formas de vida, elas que se renovem,
que se coloquem em trânsito e que se redesenhem outras.

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596
EDUCAÇÃO SEXUAL E DE GÊNERO NA
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E
DA EMANCIPAÇÃO: ARTICULAÇÕES
POLÍTICAS E PEDAGÓGICAS PARA A
CIDADANIA

Suelen Soares Barcelo de Miranda


Eliane Rose Maio
(Universidade Estadual de Maringá)

Interessando-se por compreender questões que permeiam as Políticas


Públicas, apresenta-se como tema de pesquisa as Políticas Públicas
educacionais elaboradas para promoção da educação sexual e de gênero
em ambiente escolar. Sabendo que a educação escolar se efetua de
maneira ampla, entrelaçando saberes para formar cidadãos/ãs em
totalidade, torna-se necessário abranger contextos sociais e culturais.
Entre os objetivos da pesquisa busca-se examinar as Políticas Públicas
educacionais criadas para promoção da educação sexual e de gênero em
ambiente escolar, analisando por um viés social suas particularidades. A
metodologia apresentada refere-se a uma pesquisa com caráter de revisão
bibliográfica, tendo entre os resultados os estudos dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, a Lei Maria da Penha Nº 11.340/06 e a Lei
18.447/2015, abordando diversidade, gênero, sexualidade e educação
sexual. Pondera-se que as discussões sobre estas temáticas são
significativas, tratando de questões inerentes à vida humana e que
adentram o espaço escolar. Para respaldar esses debates e validar
direitos, tem-se a elaboração de políticas específicas, implementadas
dentro e fora do ambiente escolar. Isto posto, entre as implicações
causadas pela ausência destas temáticas no âmbito escolar, apontam-se
situações de retrocesso, predominando discursos patriarcais com
desigualdades de gênero. Como considerações busca-se refletir a
respeito da educação sexual e de gênero em ambiente escolar formal.

597
Palavras-chave: Educação Sexual; Gênero; Políticas Públicas;
Educação.

SEXUAL AND GENDER EDUCATION IN CONSTRUCTION OF


KNOWLEDGE AND EMANCIPATION: POLITICAL AND
PEDAGOGICAL ARTICULATIONS FOR CITIZENSHIP

Interested in understanding issues that permeate Public Policies, the


research topic is the Educational Public Policies created to promote
sexual and gender education in school environment. School education is
carried out in a wide way, intertwining knowledge to form citizens in
totality, therefore, it needs to encompass social and cultural contexts.
Among the objectives of the research is to examine the Public
Educational Policies created to promote sex and gender education in
school environment, analyzing for a social bias, its particularities. The
methodology presented here refers to a research with a bibliographic
review, having among the results the studies of the National Curricular
Parameters (PCNs), Law Maria da Penha Nº 11.340/06 and Law
18.447/2015, which deal with diversity, Gender, Sexuality and Sexual
Education. It is considered that the discussions on these themes are
fundamental, dealing with issues inherent to human life in the school
space. To support these debates and validate the rights, specific policies
must be created, implemented within and outside the school
environment. Among the implications of the absence of these themes in
the school context are regressive situations, predominantly patriarchal
discourses and gender inequalities. Considering this, we seek to reflect
on sexual and gender education in the formal school environment.
Key words: Sexual Education; Gender; Public policy; Education.

Introdução
Pensando que a escola se trata de um espaço de encontro e
efetivação de toda expressão social, os acontecimentos na organização
social tendem a influenciar na estruturação do ambiente escolar de
maneira direta, assim como feitos políticos, sociais e econômicos.

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Mediante a isso, é inválido pensar em educação e não pautar questões
políticas, logo, como objetivo de pesquisa, buscou-se examinar as
Políticas Públicas educacionais criadas para promoção da educação
sexual e de gênero em ambiente escolar na contemporaneidade,
analisando por um viés social suas particularidades.
Ante a isto, apresenta-se como compreensão inicial,
especificidades acerca de sexualidade e gênero, como aspectos sociais e
culturais, os quais são pertinentes para a articulação de reflexões em
torno da Educação Sexual e, de sua aplicabilidade como integrante do
currículo escolar. Refletindo em torno dos mecanismos envoltos pelas
temáticas, elencaram-se expressões políticas e normativas destinadas a
atender tais quesitos, discernindo sobre o ensino acerca das temáticas
sexuais, tomando como vista os Direitos Humanos e a relevância dos
mesmos.
A metodologia apresentada refere-se a uma pesquisa com caráter
de revisão bibliográfica, tendo entre os resultados análises de Leis
voltadas para o campo educacional e que repercutem na concepção de
educação sexual e de gênero. Dentre os referenciais abordados,
destacam-se os estudos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
(BRASIL, 1998), a Lei Maria da Penha Nº 11.340/06 (BRASIL, 2006) e
a Lei 18.447/2015 (BRASIL, 2015), efetivando a abordagem das
temáticas de diversidade, gênero, sexualidade e Educação Sexual. Para
além destes documentos, foram englobados: a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH) (1948) (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU,
1948), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) (BRASIL,
1985), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM) (BRASIL, 2004), a Política Nacional de Saúde Integral à
População LGBT (BRASIL, 2011) e o Programa Brasil sem Homofobia
(BRASIL, 2006). Para além, são contempladas concepções de
privilégios, os quais mantêm-se instaurados junto ao poder e utilizados
por determinadas classes.
Ao falarmos de cidadania e direitos humanos, iminentemente
pensamos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)

599
(ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948), a qual reconhece que todos
os indivíduos possuem os mesmos direitos. Refletir em torno deste
documento nos permite compreender direitos básicos inegáveis à
condição humana, os quais, costumam ser invalidados quando o
patriarcado se impõe frente a grupos vistos como minoritários. Essa
imposição de poder patriarcal e hierarquizante, oprime e cala diversos
públicos. Diante disso, criam-se ações governamentais para proteger e
amparar essas classes, tornando-se necessário ampliar as informações a
respeito das políticas criadas e dos motivos que levaram à criação das
mesmas.
A respeito dos informes em torno das leis citadas até o momento,
salienta-se a entrada destes discursos no ambiente escolar formal – o
qual, como já mencionado anteriormente, é o campo apropriado para a
fomentação de debates e elucidações – potencializa a compreensão
dos/as alunos/as sobre cidadania, política e igualdade de direitos. Assim,
pensando na educação como direito a todo ser humano, previsto na
Constituição Federal (BRASIL, 1988), a educação sexual enquadra-se
neste mesmo viés, amparada no Direito Internacional dos Direitos
Humanos como dignidade humana, se caracterizando um direito
inegável, conforme expõe Muñoz (2010). Almeja-se então, a partir do
diálogo e de respaldos teóricos adequados, resultar em debates que
contribuam para a conscientização dos/as estudantes quanto a igualdade
social e aos direitos civis, investindo assim, na construção individual do
sujeito e da sociedade.

Conceituando Gênero e Sexualidade


A temática gênero, bem como sua definição, apresenta-se
amplamente, empregando diferentes características socioculturais e
permeando as relações sociais na contemporaneidade. Por conseguinte,
situar o termo prediz dialogar a respeito de aspectos sociais, galgados ao
longo da construção social humana. Compreende-se com Martin (2017),
que o emprego do termo gênero tange a construção de categorias sociais,
ao passo que Cavasin (2017) aponta tratar-se de representações sociais,

600
entendido como classificação, utilizado para categorizar masculino e
feminino. Neste sentido, Scott (1995), expõe o termo gênero como
caracterização das relações sociais entre os sexos, definindo-os
socialmente.
A multiplicidade de sentidos do termo gênero em âmbito
sociocultural, tende a acomodar os sujeitos a incumbências sociais,
delimitadas de acordo com a identidade de gênero. Para Maio e Nezo
(2017) a identidade de gênero se trata de identidades sociais, logo,
compreendemos que ser mulher por exemplo é uma expressão da
construção social.
Gênero e sexualidade estão atrelados, posto que é imprescindível
ao falar de um, englobar o outro, pois, ambos tratam de construções nas
relações sociais. Partindo desse critério, destaca-se que a sexualidade é
vivida por todos os seres humanos, do nascimento até a morte, sendo
parte inerente de cada um/a, em que ao mesmo tempo que molda, é
moldada pela conjuntura social. Furlani (2009, p. 14) aponta que “a
sexualidade pode ser vista como constituída e constituinte das relações
sociais”. Isto posto, pode-se afirmar que as diversas conjunturas
históricas, em âmbito político, social e cultural, moldaram a sexualidade,
tal como a entendemos e conhecemos, reiterando com Furlani (2009) que
a compreensão em torno das vivências da sexualidade humana,
impactaram a sociedade, resultando em mudanças sociais.
Partindo do exposto que gênero e sexualidade são construções
históricas e sociais, fomentar o debate em torno destas contribui para a
construção dos sujeitos, educando-os subjetivamente e construindo
cidadania a partir do conhecimento de si próprio. Isto posto, evidencia-
se que a cidadania está atrelada à construção social e cultural dos
indivíduos membros da sociedade, exercitando a participação dos
mesmos, de maneira que o respeito e a igualdade são fundamentais. Em
consonância, integra-se com Maio (2011, apud CAVASIN, 2017) que a
abordagem da sexualidade no espaço escolar prediz a um assunto
urgente, necessitando estar vinculado aos aspectos culturais, sociais,
históricos e pedagógicos.

601
Articulando Políticas Públicas, Educação e diversidade
Para a discussão é necessário situar alguns aspectos referentes às
Políticas Públicas, as quais dizem respeito a “[..] tudo que um governo
faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas
omissões” (AZEVEDO, 2003 apud OLIVEIRA, 2010, p. 38). Em outras
palavras, para Aragusuku e Lopes (2014 apud CHAGAS, 2017), as
Políticas Públicas tangem as ações tomadas pelo Estado a fim de
gerenciar relações sociais e econômicas, postas no sistema de
organização capitalista. Mediante aos expostos, compreendendo que se
tratam de ações governamentais, ressalta-se que a importância das
políticas públicas criadas no viés da diversidade está voltada para a
garantia e cumprimento efetivo dos direitos, atendendo as necessidades
de um determinado público.
Atualmente, ao se pensar em políticas públicas que abarcam as
minorias, são envolvidos aspectos como raça, etnia, gênero e classe
social. Cavasin (2017), destaca que entre as categorias discriminadas
encontram-se negros/as, indígenas, idosos/as e homossexuais. Para além,
podemos citar o público LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais), mulheres e crianças entre outras categorias de
cruzamentos, às quais por sua extensão não caberiam ao longo deste
trabalho. Cabe especificar que as esferas classificadas como minoritárias,
independem da quantificação do grupo, referindo-se então as minorias
políticas (TIBURI, 2018).
Em conformidade, Chagas (2017) revela que o público LGBT
sobretudo travestis e transexuais, tem sido ao longo dos anos
marginalizados/as, sendo colocados/as em situação de vulnerabilidade e
exclusão, conjuntura posta diante da ausência de políticas públicas
brasileiras destinadas a essa população. Chagas (2017) pondera que as
políticas públicas pensadas para atender o público LGBT, visam efetivar
a garantia de direitos e de cidadania, de modo que a falta de legislações
reforça a violência estrutural naturalizada. Torna-se viável mencionar
que as decisões tomadas em âmbito político para as camadas
minoritárias, bem como a participação desses grupos nestes cenários,

602
atuam como modos de afirmação da identidade dos/as mesmos/as, como
expõe Tiburi (2018).
A partir destes expostos, ao pautar questões políticas, bem como
de direitos civis, torna-se viável abranger a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948),
devido a sua definição como um marco dos direitos civis e de cidadania,
motivo de empregar o documento na construção do trabalho em questão.
Na DUDH (1948), se reconhece que todos os indivíduos têm os mesmos
direitos, logo, a interpretação prediz que independente da identidade de
gênero, se tem a garantia dos direitos individuais, enxergando a todos/as
como pessoas de direitos.
A DUDH (1948) apresenta que todos/as somos iguais perante a
lei. Isto posto, cabe refletir que a sociedade patriarcal e opressora
invalida essa igualdade de direitos, sobrepondo seus privilégios às
minorias e tratando-as de maneira desigual, não respeitando a
individualidade humana. Para mais compreensão acerca do que são os
ditos privilégios, entende-se com Tiburi (2018) que são condições
vantajosas desiguais, de um grupo ou indivíduo sobre os/as outros/as.
Essa desigualdade como forma de violência se impõe como discurso
opressor, conforme exibem Maio e Nezo (2017), manifestando-se com
práticas de imposição de poder, atuando e controlando os sujeitos de
maneira hierárquica, impondo assim, padrões que evidenciam diferenças
e rejeitam a igualdade entre os indivíduos.
A partir dessas desigualdades instauradas, torna-se necessária a
criação de políticas públicas para legitimidade, validação e cumprimento
de direitos civis. Por conseguinte, com base em Tiburi (2018), reitera-se
que a busca por direitos civis parte da luta política, a qual requer postura
ética e democrática, livre de contradições sociais, violência de poder
opressor e o moralismo oriundo da burguesia.
É válido repensar que as posturas heteronormativas, machistas e
misóginas naturalizadas junto à sociedade, reproduzem complicações
para a efetivação de políticas públicas destinadas a atender a população
LGBT, como revela Chagas (2017). Diante das posturas citadas, Farah

603
(2004 apud MELLO; MAROJA; BRITO, 2010) afirma que as ações
governamentais pensadas para atender carências ditas universais,
reafirmam as desigualdades existentes, além de menosprezarem
necessidades de determinados segmentos, logo, estas políticas
universalistas tendem a compactuar com as opressões e discriminações.
Chagas (2017) complementa que a ausência de legislações que
garantam a segurança do público LGBT, atribui ao Brasil a colocação de
país com maior índice de mortes de pessoas trans. Diante deste contexto,
Mello, Maroja e Brito (2010) defendem que a criação de políticas
públicas visa a superação de opressões sexuais e de gênero.
Buscando a superação de tais violências, entende-se que a
educação torna-se um mecanismo para isso, logo, é válido inteirar que a
escola é o lugar capacitado para tirar dúvidas e construir saberes; a
educação das temáticas sexuais em ambiente escolar visa possibilitar
ao/à aprendiz conhecer-se, entender e respeitar seu corpo e, os corpos
dos/as outros/as, bem como a identidade de cada indivíduo. Para tanto,
Martin (2017) defende que a escola tem como incumbência proporcionar
a educação integral de qualidade, englobando diversos assuntos, a fim de
formar cidadãos/ãs de direito.
Em se tratando de ações governamentais destinadas a atender as
minorias políticas, Mello, Maroja e Brito (2010) apontam que isto se deu
em razão da transição democrática dos anos 1980, possibilitando a
implementação de políticas públicas sociais. Em complemento,
compreende-se com Chagas (2017) que a Política Nacional de Saúde
Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política
Nacional de Saúde Integral LGBT) do Sistema Único de Saúde – SUS,
Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011 (BRASIL, 2011), refere-se
a um marco histórico na elaboração de políticas públicas destinadas a
esta comunidade. Através da autora, entende-se que, como mecanismo
de combate à homofobia e transfobia, essa normativa concentra-se
direcionada às questões de saúde, abrangendo a utilização do nome
social, a hormonioterapia e a cirurgia de transgenitalização, desta

604
maneira, atuando em prol da cidadania e dos direitos humanos da
população LGBT.
A historicidade das pautas em torno de igualdade de gênero no
contexto brasileiro, bem como internacionalmente, voltadas para atender
preocupações com a educação intensificam-se na década de 1990, como
ressalta Cavasin (2017), visando o desenvolvimento mundial. Com estas
novas necessidades, a autora dialoga que as decisões normativas voltadas
para as instituições escolares, objetivaram adequar-se ao princípio
democrático de igualdade de condições, de acesso e de permanência,
firmando o trabalho pedagógico em atividades teórico-práticas com
abordagem pertinente ao contexto vigente.
A partir destas urgências, o decênio de 1990 compõe para a
educação os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), nesse
documento, é obrigatória a abordagem das discussões acerca da
educação sexual, por meio de profissionais capacitados/as e que
dominem o assunto.
O PCN (BRASIL, 1998) para a Educação Fundamental,
apresenta as temáticas sexuais como Temas Transversais, abrangendo no
volume 10 a Orientação Sexual, que recebe aqui o sentido de instruções,
“[..] a implantação de Orientação Sexual nas escolas contribui para o
bem-estar das crianças e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual
e futura” (BRASIL, 1998, p. 79). A formulação desse material,
desmistificado de tabus ou cargas pejorativas, tem a mesma importância
que os demais instrumentos normatizadores para a educação, almejando
entre os resultados, garantir a interação dos/as alunos/as com o meio e a
cultura.
Martin (2017) reitera que ao propor educação sexual, o PCN
(BRASIL, 1998) apresenta pautas acerca do trabalho de gênero. Isto
posto, de acordo com esse material “a discussão sobre relações de gênero
tem como objetivo combater relações autoritárias, questionar a rigidez
dos padrões de conduta estabelecidos para homens e mulheres e apontar
para sua transformação” (BRASIL, 1998, p. 99). Logo, compreende-se
que as questões de gênero presentes no material, ofertam subsídios para

605
a igualdade e a superação de violências e preconceitos presentes no
espaço educacional.
Com base no cenário político e social brasileiro delineado ao
longo dos anos, construído com base em posturas moralistas e
patriarcais, percebe-se a carência da criação de políticas públicas
educacionais voltadas para as questões da igualdade de gênero. Isto
posto, buscando atender essa demanda, destaca-se a Lei Nº 11.340/06
(BRASIL, 2006), que se propõe a refrear a violência doméstica e familiar
contra as mulheres, apresentando medidas integrais de prevenção para
assistência daquelas que se encontram em situações de risco. A Lei Maria
da Penha, em seu Artigo 8º, aborda questões pertinentes à educação,
como a interação com diferentes áreas, o fomento de estudos e pesquisas
voltados para gênero, bem como o estímulo de campanhas educativas e
programas educacionais. O presente artigo prediz ainda, que a Lei em
questão deve manter-se entre os currículos escolares, logo, é observável
a comunicação entre essa política e a educação.
Como respaldo, articula-se por meio de Cavasin (2017) que o
cotidiano escolar apresenta constantes desafios, dessa forma, entender a
igualdade de gênero no território escolar pode possibilitar compreender
a complexidade social vivida dentro e fora da escola.
Cabe expor que a urgência de abordagem das questões de gênero
em espaço educacional formal, sobretudo acerca das manifestações de
poder do homem sobre as minorias, fomentou a Lei Nº 18.447 (BRASIL,
2015), criada em 18 de março de 2015. Originária da Lei Nº 11.340/06
(BRASIL, 2006), o Estado do Paraná estabeleceu a Lei 18.447 (BRASIL,
2015), instituindo a realização da Semana Estadual Maria da Penha nas
escolas durante o mês de março, buscando proporcionar respeito,
igualdade e direitos humanos, sobretudo a reflexão e a conscientização
do combate a violência contra a mulher. A elaboração da Lei 18.447
(BRASIL, 2015), reforça a necessidade de reflexão e debate em torno
das desigualdades de gênero, sobretudo em âmbito educativo.
A ação do governo do estado do Paraná com relação à
abordagem da educação no viés de gênero, reitera o que Muñoz (2010)

606
expõe como competência dos Estados, pois, para o autor, tange aos
governos estaduais garantir que o acesso à informação não seja limitado,
bem como concerne à escola incitar o pensamento crítico dos/as
estudantes, as expressões acerca da sexualidade e as relações
interpessoais, pois, a educação sexual está amparada no Direito
Internacional dos Direitos Humanos como dignidade humana, assim, se
caracterizando como direito inegável. Para Cavasin (2017) a escola
prediz a um espaço de formação integral, que fomente uma instrução
crítica, em prol de diminuir violências. Posto isto, por meio das
articulações de Cavasin (2017), compreende-se que as ações educativas
reflexivas tendem a contribuir para a superação de divisões históricas.
Não obstante ao que se refere às políticas para a educação, com
amparo em Vieira, Matsukura e Vieira (2017), destaca-se o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990) e a Lei de Diretrizes
e Bases (LDB) (BRASIL, 1996). O ECA (BRASIL, 1990), Lei Nº 8.069,
de 13 de julho de 1990, como política pública voltada para atender
crianças e adolescentes, visa garantir os direitos destes/as sujeitos/as,
caracterizando-os/as como pessoas de direitos e responsabilidades.
Quanto à LDB (BRASIL, 1996), esta mantém-se voltada para a
educação, pautando disciplinas escolares, conteúdos e transversalidade.
Além das políticas voltadas para atender as necessidades
educacionais, bem como infanto-juvenis de maneira ampla, como as
anteriormente citadas, destaca-se que no território político foram
elaborados instrumentos específicos para introduzir as temáticas sobre
gênero e sexualidade no terreno escolar. As discussões em torno de
gênero, sexualidade e direitos humanos percorrem diferentes esferas,
repercutindo em tentativas de implementação de políticas. Como
resultado, Marcon, Prudêncio e Gesser (2016) apontam o surgimento do
Programa Brasil sem Homofobia (BRASIL, 2004), elaborado em 2004.
Esta ação visa introduzir no meio escolar a temática diversidade sexual,
possibilitando debater orientação sexual, igualdade e identidade de
gênero, como direitos inerentes aos seres humanos. Mello, Maroja e
Brito (2010) apontam a institucionalização do Programa Brasil sem

607
Homofobia articula-se às políticas públicas direcionadas à saúde da
população LGBT no Brasil, envolvendo saúde e educação.
Em continuidade, Marcon, Prudêncio e Gesser (2016)
descrevem que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM),
atuam como mecanismos para a promoção e garantia da diversidade
sexual em livros didáticos, pois, o PNLD e o PNLEM são incumbidos da
elaboração de materiais didáticos para o ensino público, como exibem
Rios e Santos (2008 apud VIEIRA; MATSUKURA; VIEIRA, 2017).
Mediante a isto, ao incluir as temáticas sexuais nos materiais didáticos,
busca-se contribuir para uma educação integral, com base na cidadania e
nos direitos humanos.
Pensando nisto, é válido questionar as barreiras postas diante da
educação sexual e de gênero, invalidando as tentativas e os avanços de
uma educação integral e emancipatória articulada a estas questões. Em
respaldo, compreende-se com Muñoz (2010) que a relutância frente às
temáticas sexuais advém das condições impostas pelo patriarcado,
ditando a supremacia de homens sobre as mulheres, pois, como
argumenta Martin (2017), ao longo dos tempos o poder se concentrou
exclusivamente junto ao homem ‘macho’. Historicamente o território
público era destinado apenas aos homens brancos, livres, de modo que,
mulheres e escravos se limitavam à participação privada, evidenciando
marcações de gênero e classe, desse modo, segregando espaços de
participação política ao longo da história (TIBURI, 2018).
Ao designar o território político e social como unicamente
masculino, concentra-se o poder nas mãos dos homens (a destacar que se
tratam da parcela hegemônica: homens brancos, heterossexuais e
cisgêneros), fomentando a desigualdade entre os gêneros. Para Tiburi
(2018), essa divisão desigual de poder, promove culturalmente a
manifestação da violência doméstica, pois, “a equação política continua
evidente: de um lado estão as mulheres e a violência doméstica, de outro,
estão os homens e o poder público” (TIBURI, 2018, p. 107). Postula-se
que a crítica em questão refere-se ao fato de que embora passaram-se

608
séculos, o mesmo grupo permanece atuando junto às causas políticas,
negociando maneiras de continuar concentrando o poder para si e
invisibilizando pautas políticas e sociais acerca de gênero e sexualidade,
pois, como reitera a referida autora, quanto maior o domínio de poder,
maiores são os privilégios de quem os detém.
Como dispositivo de superação, Tiburi (2018) alega que para
adentrar à esfera política, é necessário romper a blindagem de poder
instaurada, como mecanismo de transformação para a luta política. Essas
medidas e definições estão voltadas para o trabalho em prol da igualdade
de gênero e do respeito, pois, partindo da concepção social de gênero e
da sobreposição de poder imposta sobre as minorias, conceitua-se a
educação nesse viés, como um mecanismo de empoderamento, capaz de
destruir desigualdades.
Para que que a desconstrução de fatores hierárquicos e
hegemônicos no ambiente educacional de fato ocorra, são necessárias
conversas contextualizadas, que envolvam aspectos humanos subjetivos
e atendam aos princípios educacionais e pedagógicos basilares da
instituição escolar, articulados em saberes e atitudes para alcançar a
emancipação humana.
Isto posto, Junqueira (2010 apud CAVASIN, 2017) revela que
diferentes discursos inundam o território da escola, de modo que,
variados temas necessitam compor o currículo, pois, como completa Da
Silva (2013 apud CAVASIN, 2017) aprendizagens sociais e culturais
cotidianas na escola participam do currículo de forma oculta, mesmo
ausentes das formalidades dos planos pedagógicos. Dito isso, Muñoz
(2010) expõe que a oferta de educação sexual escolar, requer o exercício
de se habituar as diferenças culturais e etárias dos/as educandos/as, por
meio de estratégias educacionais.
Em suma, a escola é o local apto para subsidiar diferentes
conteúdos e fomentar a aprendizagem de alunos e alunas, com base em
uma formação humana integral e de qualidade, capaz de fomentar
igualdade, respeito, autonomia e cidadania. Para tanto, a instauração de
discussões acerca das temáticas sexuais necessita articular-se

609
teoricamente, sendo problematizadas de forma efetiva como integrante
curricular. Com isto, pondera-se a necessidade de repensar legislações
voltadas para o ambiente educacional, como forma de garantir a oferta
de educação sexual e de gênero, e assim, superar violências.

Considerações finais
Com base no objetivo de pesquisa, o estudo perpassou por
questões socioculturais como sexualidade e gênero, visando
compreender como estas discussões são repercutidas no espaço escolar e
consequentemente empregadas como mecanismos de superação de
desigualdades e violências, contribuindo para a emancipação humana e
o empoderamento.
Ante as análises realizadas, evidenciando que diferentes
discursos adentram ao território escolar, por vezes trazidos por alunos/as,
bem como agentes escolares, enfatiza-se a necessidade da completude do
currículo, possibilitando a abordagem integral de diferentes assuntos,
logo, apontou-se a necessidade de contextualizar gênero e sexualidade.
Mediante a isso, propõe-se que, para compreender a construção
da sexualidade humana, deve-se identificá-la como parte inerente do ser
humano, concomitantemente, se define gênero como uma composição
histórica, social e cultural. Diante disso, vinculam-se os discursos, sendo
inviável afastar um aspecto do outro, ou seja, ao falar de sexualidade se
discute gênero. Partindo dos debates acerca das influências advindas das
temáticas sexuais, possibilitou-se retratar parcialmente o campo da
educação sexual em ambiente escolar para a promoção de cidadania e
igualdade. A fim de promover elucidações acerca da temática sexual,
compreende-se a necessidade da formulação de políticas públicas
próprias, criadas com base na igualdade de direitos.
Para possibilitar a entrada dos discursos de gênero nos ambientes
educativos, validando e legitimando as falas, torna-se necessária a
elaboração de políticas que amparem o assunto. A partir disso, o trabalho
em questão englobou o PCN, a Lei Maria da Penha Nº 11.340/06 e a Lei
18.447/2015, que abordam diversidade, trabalhando gênero, sexualidade

610
e Educação Sexual. Com destino ao território escolar, evidenciou-se
também o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa
Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM),
responsáveis pela garantia da diversidade sexual em livros didáticos de
escolas públicos.
Como marco para a conquista de direitos universais, se
apresentou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). No
âmbito da educação, constam o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) (BRASIL, 1990) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (BRASIL,
1996). Como mecanismo de atuação em prol da cidadania e dos direitos
humanos da população LGBT, abordou-se a Política Nacional de Saúde
Integral à População LGBT, além do Programa Brasil sem Homofobia.
Em suma, estes mecanismos respaldados em lei, garantem o
acesso das temáticas gênero e sexualidade na escola, logo, fomenta-se a
crítica quanto à invalidação destes materiais e a tentativa de exclusão dos
temas defendidos, bem como a existência de discursos opressores
proferidos, pois, ao invalidar as falas sobre gênero e sexualidade, se
promove a segregação de grupos minoritários, calando-os.
Reconhecendo a necessidade de abordar gênero e sexualidade no
ambiente de ensino, orienta-se quanto as práticas pedagógicas, a
implantação de diálogos livres de preconceitos ou constrangimentos.

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa
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613
GÊNERO E DIVERSIDADES NO ENSINO
MÉDIO: EMBASAMENTOS CURRICULARES
PARA O ENSINO DE ARTES E DE SOCIOLOGIA

Ângela Maria de Sousa Lima


Angélica Lyra de Araújo
Marina Sousa Lima
(Universidade Estadual de Londrina)

O texto mostra que apesar das supressões dos conteúdos de sexualidade


e gênero na Lei nº13.005/14 e, no caso do Paraná, na Lei nº18.492/15,
assim como dos retrocessos com a Lei nº13.415/17, alguns professores
desconhecem os documentos curriculares referenciais que embasam
legalmente o trabalho com tais conteúdos. Estas bases encontram-se
fundamentalmente na CF/1988 e na Lei nº9.394/1996. No caso da
Educação Básica, além dos PCNs/1998 de Orientação Sexual e da
Resol.CNE nº04/2010, que exige o trabalho com as diversidades nas
escolas, tem-se a Resol.CNE nº01/2012 que estabelece Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Quando se trata
especificamente do Ensino Médio, percebe-se que há embasamentos
curriculares para a inserção das representações e dos saberes dos
diferentes sujeitos socioculturais, tanto nos pressupostos das DCNs/2012
quanto das OCNs/2008 de Sociologia e de Artes. Ainda com foco nessas
disciplinas, no caso do Paraná, persistem as concepções histórico-críticas
nas DCEs/2008, embasando práticas pedagógicas mais inclusivas. A
partir de 2015, mesmo no contexto dos ataques advindos de movimentos
conservadores que tentam suprimir o direito social de ensinar dos
professores, esse debate sobre as diversidades ganhou novo fôlego com
a publicação da Resolução CNE/CP nº02/2015 que define Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada. Diante
dessa conjuntura, após valer-se da análise documental como
procedimento metodológico, na perspectiva da metodologia qualitativa,
o texto se propõe a teorizar sociologicamente e sob o ponto de vista das
Artes Visuais, a relevância da inserção dos conteúdos de sexualidade,
gênero e diversidades, com foco na redução das desigualdades. No bojo

614
destas questões, defende-se entre os resultados, que ensinar no Ensino
Médio conteúdos sobre gênero, sexualidade e diversidades, nas suas
múltiplas dimensões, é um direito dos professores, assim como aprendê-
los, sob uma vertente crítica e focada na redução das diversas formas de
exclusão e de desigualdades, é um direito das juventudes.
Palavras-chave: Gênero. Diversidades. Políticas Curriculares.
Sociologia. Artes Visuais

GENDER AND DIVERSITIES IN MIDDLE SCHOOL:


CURRICULAR EMBASSIES FOR THE TEACHING OF ARTS
AND SOCIOLOGY

The text shows that, despite the suppression of sexuality and gender
content in Law nº13.005/14 and, in the case of Paraná, Law nº18.492/15,
as well as the regressions with Law nº13.415/17, some teachers are
unaware of reference curriculum documents, legal backing to work with
such content. These bases are found fundamentally in CF/1988 and Law
nº9.394/1996. In the case of Basic Education, in addition to the
PCNs/1998 of Sexual Orientation and Resol.CNE nº4/2010, demanding
the work with the diversities in the schools, Resol.CNE nº1/2012 that
establishes National Guidelines for the Education in Human rights.
When it comes specifically to secondary education, it can be seen that
there are curricular bases for the insertion of the representations and
knowledge of the different sociocultural subjects, both in the assumptions
of the National Curricular Guidelines (2012) and the OCNs/2008 of
Sociology and Arts. Still focusing on these disciplines, in the case of
Paraná, the historical-critical conceptions persist in the State Curricular
Guidelines (2008), supporting more inclusive pedagogical practices.
Beginning in 2015, in the context of attacks from neoconservative
movements that try to suppress the teachers' social right to teach, this
debate gained new impetus with the publication of Resolution CNE/CP
nº. 02/2015, which defines National Curricular Guidelines for initial and
continued. In this context, after using documentary analysis as a
methodological procedure, from a qualitative methodology perspective,
the text proposes to theorize sociologically and from the point of view of
the Visual Arts, the relevance of the insertion of the contents of sexuality,

615
gender and diversity, with a focus on the reduction of inequalities. In the
light of these issues, it is defended among the results, it is argued that
teaching in content in the multiple dimensions of gender, sexuality and
diversity in the high school is a right of teachers, as well as to learn them,
in a critical and focused way in reducing the various forms of exclusion
inequalities, it is a right of young people to.
Key-words: Genre. Diversities. Curricular Politics. Sociology. Visual
Arts.

Introdução
Dentro da proposta do “V Congresso Brasileiro de Educação
Sexual UNESP/UEL/UDESC”, intitulado “Interseccionalidade e
Transgressões em Educação Sexual”, que ocorreu no período de 01 a 03
de novembro de 2018 na UEL (Universidade Estadual de Londrina), de
mostrar a relevância da educação sexual como necessidade interventiva
na escola, decorrente de uma formação tanto curricular quanto
continuada, alicerçada na interdisciplinaridade, no questionamento, na
cidadania e no direito, este artigo “Gênero e diversidades no Ensino
Médio: embasamentos curriculares para o ensino de Artes e de
Sociologia”, apresentado como comunicação oral no Eixo Temático 05
“Sexualidade, gênero e diversidade”, tem a intenção de relembrar os
pressupostos de documentos educacionais referenciais em vigência,
conquistados com a participação política de professores e estudantes,
mostrando que estes podem embasar tanto o trabalho pedagógico
cotidiano quanto a defesa daqueles que estão sendo atualmente atacados
nos seus direitos de ensinar e de aprender os conteúdos relativos às
diversidades, às identidades, às diferenças e aos pertencimentos,
especialmente nas disciplinas de Artes Visuais e de Sociologia nas
escolas públicas de Ensino Médio do Paraná.
Para tanto, o artigo parte rapidamente das reflexões acerca das
supressões dos conteúdos de sexualidade e de gênero na Lei nº13.005/14
que trata do Plano Nacional de Educação (2014-2024) e na Lei
nº18.492/15 que se refere ao Plano Estadual de Educação do Paraná

616
(2015-2025), dialogando-as com os retrocessos decorrentes da
publicação da mais recente Reforma do Ensino Médio materializada na
Lei nº 13.415/17, especialmente no que tange à desvalorização das
disciplinas da área de Ciências Humanas, que se tornam “estudos e
práticas de...”.
Na sequência, apresenta os respaldos legais que os professores
ainda possuem para trabalhar com tais conteúdos, buscando-as
fundamentalmente na Constituição Federal de 1988 e na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9.394/1996). No caso da
Educação Básica, lembra os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Orientação Sexual (PCNs/1998) e a Resol.CNE nº 04/2010 que trata das
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, além do valioso
documento que estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos pela Resol.CNE nº 01/2012, onde os conteúdos
relacionados às sexualidades, às diversidades de gênero, às identidades,
às diferenças e a todos os pertencimentos socioculturais com foco na
redução de todas as formas de desigualdades ganham respaldo legal,
apoiando a relevância dos saberes e das representações de todos os
sujeitos históricos nos currículos escolares.
No que diz respeito especificamente às disciplinas de
Sociologia e de Artes no Ensino Médio, busca-se embasamentos
curriculares nos pressupostos das DCNs/2012, das Orientações
Curriculares Nacionais (OCNs/2008) e nas concepções histórico-críticas
das Diretrizes Curriculares Estaduais do Paraná (DCEs/2008). No caso
do respaldo desse trabalho pedagógico com as diversidades nos cursos
de licenciaturas de Artes Visuais e de Sociologia/Ciências Sociais, apoia-
se nas exigências da Resolução CNE/CP nº02/2015, que define as mais
novas diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e
continuada dos profissionais do magistério, trazendo em seu Artigo 13,
entre outras contribuições, a obrigatoriedade da inserção dos conteúdos
de diversidades sexuais e de gênero na formação desses profissionais.
O artigo vale-se da análise documental como procedimento
metodológico, na perspectiva da metodologia qualitativa e busca teorizar

617
sociologicamente e sob o ponto de vista das Artes Visuais, a importância
da inserção dos conteúdos de sexualidade, gênero e diversidades, com
foco na redução das desigualdades na formação dos estudantes do Ensino
Médio. Como destacado no resumo, defende que o ensino desses
conteúdos é um direito dos professores, assim como aprendê-los, sob
uma vertente crítica e focada na redução das diversas formas de exclusão
e de discriminação, é um direito das juventudes.

Retrocessos nas políticas curriculares


Sempre relembra-se o marco histórico da Nota Pública
encaminhada às Assembleias Legislativas, à Câmara Legislativa do
Distrital Federal, às Câmaras de Vereadores, aos Conselhos Estaduais,
Distrital e Municipais de Educação e à Sociedade Brasileira, em
01/09/2015, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), após tantos
ataques ao novo PNE (Lei nº 13.005/14), especialmente com a
veiculação estratégica da chamada “ideologia de gênero”, porque este
documento sintetiza, de forma muito significativa, que o ato de
universalizar direitos implica em identificar/nominar singularidades.

[...] o CNE manifesta sua surpresa – pelas normas


e orientações em vigor – e preocupação com planos
de educação que vem sendo elaborados por entes
federativos brasileiros e que têm omitido,
deliberadamente, fundamentos, metodologias e
procedimentos em relação ao trato das questões
relativas à diversidade cultural e de gênero. O ato
de universalizar direitos, mormente na educação,
implica identificar e nominar, em situações
concretas do cotidiano da existência humana, as
singularidades, especialmente em formações
sociais que, tradicionalmente as desconheceram,
seja por via da omissão, seja por via da
generalização que não lhe dá cobertura”. (BRASIL,
Nota Pública CNE, 01/09/2015, p. 2).

618
No caso das supressões dos conteúdos de gênero no PEE/PR,
por uma questão de recorte, resumimos tais retrocessos comparando o
documento elaborado pelas associações, sindicatos e demais entidades
representativas, encaminhado ao Legislativo51 do Paraná, com o texto
final publicado como Lei, sob o nº 18.492/15. Fazendo-se uma análise
documental mais apurada de comparação entre os dois documentos,
percebe-se que no lugar de “questões de gênero” ou de categorias sociais
correlatas, nas estratégias das metas do novo PEE/PR foi inserida a
expressão “respeito entre homens e mulheres”, desconsiderando o
sentido sociohistórico, político, científico e cultural do conteúdo, assim
como as representações dos saberes e das lutas desses sujeitos por uma
sociedade menos injusta, menos excludente e menos preconceituosa.
Destaca-se que esses retrocessos nos planos educacionais
ganham respaldo com a publicação da Lei nº 13.415/2017. O próprio
título longo da Lei registra bem os retrocessos e as perdas de direitos para
os professores e os estudantes do Ensino Médio, principalmente para os
filhos da classe trabalhadora: “Altera as Leis nº 9.394/1996, que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e nº 11.494/2007,
que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº
5.452, de 01/05/1943 e o Decreto-Lei nº 236/1967; revoga a Lei nº
11.161/2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral”.
Entre tantos outros problemas, destaca-se, sobretudo,
retrocessos para a área de Ciências Humanas e para outros avanços
democráticos que já estavam garantidos na LDB/1996, por exemplo, a
obrigatoriedade das disciplinas de Sociologia, de Artes, de Espanhol e

51
A versão encaminhada ao Legislativo encontra-se no site:
http://www.educacao.pr.gov.br/arquivos/File/PEE/PEEPR_ANEXO_UNICO.p
df. Acesso em 02/02/2018.

619
de outros saberes fundamentais para a formação das juventudes que
agora são tratados na Lei nº 13.415/2017 como “estudos e práticas de...”
ou simplesmente ignorados no texto da lei, como é o caso da Geografia.
Lembra-se o que a alteração no Fundeb (Lei nº 11.494/2007),
conquistado às duras lutas pelos movimentos de professores, de
estudantes e dos demais movimentos sociais, pode trazer significativas
consequências para a permanência dos estudantes do Ensino Médio nas
escolas da rede pública. Enfatiza-se, ainda, os prejuízos na alteração da
CLT no bojo de outras reformas, efetivadas ou em curso, que
materializam perdas substanciais de direitos trabalhistas dos professores
e das juventudes da classe trabalhadora: Reforma da Previdência em
curso (PEC nº 287/2016); Reforma da Terceirização (Lei nº
13.429/2017). Reforma Política em curso (PEC nº282/2016); Reforma
Trabalhista (Lei nº 13.467/2017).

Respaldos curriculares legais que resistem


Diante desse contexto de retrocessos e de perda de direitos,
demarca-se a importância de respaldar nosso trabalho pedagógico nas
bases legais da CF/1988, na Lei nº 9.394/1996 e, mais recentemente, na
Resolução CNE/CP nº 02/2015, que “Define as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de
segunda licenciatura) e para a formação continuada”.
Quando a Constituição Federal de 1988, em seu inciso IV, trata
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, destaca a
promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. Do mesmo modo, a
Lei nº 9.394/96, em seu Artigo 3º, prevê o respeito à liberdade e apreço
à tolerância. E, para os cursos de formação inicial e continuada de
professores de todo o país, a Resolução CNE/CP nº 02/2015 exige;

Os cursos de formação deverão garantir nos


currículos conteúdos específicos da respectiva área

620
de conhecimento ou interdisciplinares, seus
fundamentos e metodologias, bem como conteúdos
relacionados aos fundamentos da educação,
formação na área de políticas públicas e gestão da
educação, seus fundamentos e metodologias,
direitos humanos, diversidades étnico-racial, de
gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional,
Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação
especial e direitos educacionais de adolescentes e
jovens em cumprimento de medidas
socioeducativas. (BRASIL, Resolução CNE/CP nº
02/2015, Art.13, § 2º, p.11). (Grifo nosso).

A exigência de inserção obrigatória dessas cinco diversidades


(étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional), dentre
outros componentes curriculares relacionados aos direitos humanos e à
inclusão sociocultural, configura-se em um peso político-pedagógico
imprescindível no contexto em que o documento foi publicado, às
vésperas de um golpe jurídico-midiático-parlamentar e no âmbito de
muitos ataques ao direito social de ensinar dos professores, engendrados
por movimentos como “Escola sem Partido” e MBL (Movimento Brasil
Livre).
No caso da Educação Básica, além dos PCNs/1998 de
Orientação Sexual para Ensino Fundamental e da Resol.CNE nº04/2010,
que exige o trabalho com as diversidades nas escolas, tem-se ainda o
respaldo curricular da Resol.CNE nº01/2012, que estabelece “Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos para toda Educação
Básica”. Como mostra o Parecer da mesma Resolução,

Os direitos humanos têm se convertido em formas


de luta contra as situações de desigualdades de
acesso aos bens materiais e imateriais, as
discriminações praticadas sobre as diversidades
socioculturais, de identidade de gênero, de etnia, de
raça, de orientação sexual, de deficiências, dentre

621
outras [...]. (BRASIL, Resol.CNE nº01/2012,
p.516-517).

A referida Resolução diz que “as demandas por conhecimentos


na área dos direitos humanos requerem uma política de incentivo que
institua a realização de estudos e pesquisas”. Portanto, torna-se
importante “a criação de núcleos de estudos e pesquisas com atuação em
temáticas como violência, direitos humanos [...] relações de gênero,
identidade de gênero, diversidade de orientação sexual, diversidade
cultural, dentre outros”. (BRASIL, Resol.CNE nº01/2012, p.528). Neste
contexto, as “Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos para toda Educação Básica”, sugerem que no “currículo
escolar, sejam incluídos conteúdos sobre a realidade social, ambiental,
política e cultural, dialogando com as problemáticas que estão próximas
da realidade desses estudantes.” (Idem, p. 527).

Diversidades nos currículos de artes visuais e de sociologia


Embasam práticas pedagógicas mais inclusivas e mais
democráticas no ensino de Sociologia e de Artes no Ensino Médio os
pressupostos das DCNs/2012 da Educação Básica, das OCNs/2008 e, no
caso do Paraná, as concepções histórico-críticas das DCEs/2008.
Segundo o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica (2013), fundamentadas na indissociabilidade dos
conceitos referenciais de cuidar e educar;

Exige-se, pois, problematizar o desenho


organizacional da instituição escolar, que não tem
conseguido responder às singularidades dos
sujeitos que a compõem. Torna-se inadiável trazer
para o debate os princípios e as práticas de um
processo de inclusão social, que garanta o acesso e
considere a diversidade humana, social, cultural,
econômica dos grupos historicamente excluídos.
Trata-se das questões de classe, gênero, raça, etnia,
geração, constituídas por categorias que se

622
entrelaçam na vida social – pobres, mulheres,
afrodescentendes, indígenas, pessoas com
deficiência, as populações do campo, os de
diferentes orientações sexuais, os sujeitos
albergados, aqueles em situação de rua, em
privação de liberdade – todos que compõem a
diversidade que é a sociedade brasileira e que
começam a ser contemplados pelas políticas
públicas”. (BRASIL, PARECER DCNs-Ed.Básica,
2013, p.16).

Mesmo porque a educação é direito de múltiplos sujeitos,


devendo ser abordada sob múltiplas abordagens se se pretender ser
inclusiva, mesmo porque, “na Educação Básica, o respeito aos estudantes
e a seus tempos mentais, socioemocionais, culturais, identitários, é um
princípio orientador de toda a ação educativa”. (BRASIL, PARECER
DCNs-Ed.Básica, 2013, p.35).

A educação destina-se a múltiplos sujeitos e tem


como objetivo a troca de saberes, a socialização e o
confronto do conhecimento, segundo diferentes
abordagens, exercidas por pessoas de diferentes
condições físicas, sensoriais, intelectuais e
emocionais, classes sociais, crenças, etnias,
gêneros, origens, contextos socioculturais, e da
cidade, do campo e de aldeias. Por isso, é preciso
fazer da escola a instituição acolhedora, inclusiva,
pois essa é uma opção “transgressora”, porque
rompe com a ilusão da homogeneidade e provoca,
quase sempre, uma espécie de crise de identidade
institucional. (BRASIL, PARECER DCNs-
Ed.Básica, 2013, p.25).

As realidades dos estudantes do Ensino Médio são demarcadas


por múltiplas dimensões culturais, sociais, políticas, ideológicas e
econômicas, portanto o trabalho do profissional da educação de
Sociologia e de Artes Visuais precisa ser contextualizado para conseguir
valorizar também a multiplicidade das diferenças e das diversidades,

623
com foco na redução das diversas formas de desigualdades. (LIMA at al,
2018). Como já bem pontuado pelas Orientações Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”, a
“valorização da pluralidade e da diversidade cultural em todos os
âmbitos e manifestações da Arte contempla conceitos e princípios
básicos da disciplina Arte” (BRASIL, OCNs-Artes, 2006, p.203).

Esses conceitos sobre o caráter heterogêneo da


linguagem refletem, por sua vez, o mesmo caráter
com relação à cultura. Da mesma forma que cada
língua é constituída por um conjunto de variantes,
cada cultura também é constituída por um conjunto
de grupos (regionais, socioeconômicos, de gêneros,
religiosos, de imigrantes, urbanos, rurais, etc.); e
cada um desses grupos possui seus próprios
conjuntos de valores e crenças. É importante
lembrar que qualquer membro de “uma cultura”
pertence simultaneamente a diversos desses grupos
e, portanto, possui e usa simultaneamente diversos
conjuntos de valores e crenças. [...] (BRASIL,
OCNs-Artes, 2006, p.102).

Este mesmo documento enfatiza a exigência de “valores


estéticos mais democráticos, o que se chama de alfabetização cultural:
possibilitar que o aluno desenvolva competências em múltiplos sistemas
de percepção, avaliação e prática da Arte”, afirmando que “o ideário
sobre o Ensino da Arte contempla as diferenças de raça, etnia, religião,
classe social, gênero, opções [orientações] sexuais e um olhar mais
sistemático sobre outras culturas”. Desta maneira, “denuncia a ausência
das mulheres na história da Arte e nos seus circuitos de difusão,
circulação e prestígio”. (BRASIL, OCNs-Artes, 2006, p.177).
É importante também registrar quando as OCNs afirmam que
“a cultura de uma nação estrutura-se na interligação de inúmeras
microculturas relacionadas a diferenças regionais, sociais, econômicas,
dos papéis sociais (masculino, feminino, transgênero), das referências
étnicas, religiosas e também de idade”. (BRASIL, OCNs-Artes, 2006,

624
p.186). As Orientações são enfáticas ao dizer que “como no ensino de
Arte ainda vigora o padrão eurocêntrico, faz-se necessário questionar os
jogos de poder que legitimam as diferenças como verdades artísticas,
estéticas e culturais”. E ainda, “o direito à livre expressão afetivo-sexual
e à livre orientação de gênero amplia oportunidades de envolvimento e
superação do preconceito em relação às atividades artísticas”. (Idem,
p.203).

Mais que alunos e jovens, eles constroem suas


subjetividades e identidades a partir de condições
de pertencimento a determinado gênero, etnia,
classe social, prática religiosa, orientação sexual,
etc. Essas condições de pertencimento, por sua vez,
também ajudam na construção desses alunos como
sujeitos socioculturais, o que nos permite dizer que
não há juventude, mas sim juventudes. (BRASIL,
OCNs-Artes, 2006, p.220).

Destacamos, no caso dos referenciais curriculares do Paraná,


quando as DCEs/PR de Artes (2008) tratam da relação indissociável
entre homem, sociedade e cultura e falam da Arte como “fonte de
humanização”, mostrando, entre outros elementos, que esta disciplina
“ensina a desaprender os princípios das obviedades atribuídas aos
objetos e às coisas”. Em decorrência deste seu papel desafiador, o
“ensino da Arte deve interferir e expandir os sentidos, a visão de mundo,
aguçar o espírito crítico, para que o aluno possa situar-se como sujeito
de sua realidade histórica”. (PARANÁ, DCE/PR, 2008, p.56). Na
perspectiva das Diretrizes Curriculares de Arte do Paraná (2008, p.56), a
“Arte não é, nem poderia ser neutra em relação ao contexto sócio-
econômico-político e cultural em que é criada”.
No caso da Sociologia, a Lei nº 11.684/08, que altera o Artigo
36 da Lei nº 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, para inclui-la, assim como a Filosofia, como disciplina
obrigatória em todas as séries do Ensino Médio, é um marco histórico

625
muito importante. Mas, mesmo antes de sua obrigatoriedade como lei
nacional, suas contribuições na ampliação do pensamento crítico das
juventudes, junto com outras disciplinas do currículo do Ensino Médio,
já estavam demarcada nas OCNs-Sociologia.

[...] Entende-se que essa relação não é imediata,


nem é exclusiva da Sociologia a prerrogativa de
preparar o cidadão. [...] Talvez o que se tenha em
Sociologia é que essa expectativa – preparar para a
cidadania – ganhe contornos mais objetivos a partir
dos conteúdos clássicos ou contemporâneos –
temas e autores. (BRASIL, OCNs-Sociologia,
2006, p.104).

E, muito anterior aos documentos referenciais como PCNs,


DCNs e OCNs, temos inúmeros clássicos que demarcam a relevância do
papel e da concepção crítica da Sociologia na formação dos estudantes
da Educação Básica. Há de se destacar Florestan Fernandes e outros
marcos teóricos registrados por Antônio Cândido em “A Sociologia no
Brasil” (1964). O livro “A imaginação sociológica”, publicado em 1959
por Wright Mills, por exemplo, também continua sendo um referencial
clássico acerca da importância da Sociologia crítica. E, é por isso que,
como muito bem pontua Bernard Lahire no texto “Viver e interpretar o
mundo social: para que serve o ensino de Sociologia?, o “ensino de
Sociologia, que eu desejaria pessoalmente, o mais precoce possível,
desde a escola primária, tem, a meu ver, um papel crucial para a vida
coletiva e para a formação dos cidadãos nas sociedades democráticas”.
(2013, p. 20-21). De acordo com Lahire (2013, p. 30), “as Ciências
Sociais têm por objetivo ascender a realidades que permanecem
invisíveis frente à realidade social”.
Atualmente, as OCNs (Orientações Curriculares Nacionais) de
Sociologia, como um dos documentos nacionais mais referendados nos
currículos, resumem bem não só o sentido e relevância, mas também o
papel da disciplina no Ensino Médio, centrado principalmente nos

626
processos de desnaturalização e de estranhamento dos fenômenos
sociais. (LIMA, et al, 2018). Ou seja, “entende-se que esse duplo papel
da Sociologia como ciência – desnaturalização e estranhamento dos
fenômenos sociais – pode ser traduzido na escola básica por recortes, a
que se dá o nome de disciplina escolar”. (BRASIL, OCNs-Sociologia,
2006, p.107). Este duplo papel de desnaturalização e de estranhamento
dos fenômenos sociais respalda o trabalho dos professores desta
disciplina no estudo das diversidades e das desigualdades de gênero. No
caso do Paraná, as DCE/PR de Sociologia (2008), embasadas na
concepção histórico-crítica, dá suporte curricular legal aos professores
da área para desnaturalizarem e problematizarem tais relações de
desigualdades sexuais e de gênero, inclusive permitindo que se façam
correlações deste saber com os conteúdos estruturantes exigidos no
documento.
Depois das pesquisas científicas de tantos clássicos da
Sociologia/Ciências Sociais e das Artes Visuais, do trabalho crítico e
responsável respaldado pelos profissionais da educação das duas áreas
nas escolas e nos cursos de licenciatura, dos referenciais legais e
pedagógicos de tantos documentos curriculares avançados do ponto de
vista da construção coletiva, a exemplo das DCNs-Educação Básica
(2013), das OCNs (2006), das DCE/PR (2008) e da Resolução CNE/CP
nº 02/2015, demarcados por direitos já garantidos na CF/1988, na
LDB/1996 e no PNE (2014-2024), vive-se atualmente um contexto de
muitas incertezas e de muitas perdas das conquistas coletivas nos direitos
dos professores e das juventudes da classe trabalhadora com a Lei nº
13.415/17, com a Base Nacional Comum Curricular referente ao Ensino
Médio, com as reformas neoliberais aprovadas e em curso e com a
ascensão da extrema direita a partir dos resultados das eleições de
outubro de 2018.

Considerações finais
Na literatura há uma infinidade de autoras que respaldam esses
debates sobre a relevância dos conteúdos de gênero e de sexualidades

627
nas políticas curriculares. Respeitando as especificidades, as concepções
e os contextos de cada pesquisa, os professores de Sociologia/Ciências
Sociais e de Artes Visuais podem se embasar, por exemplo, nos estudos
de Louro (2001), de Butler (1998), de J.Scott (1990), em H. Saffiotti
(2013) que explica bem o nó entre classe, gênero e raça nas dinâmicas
de desigualdades da sociedade brasileira contemporânea, dentre outras.
No âmbito local, como expusemos mais detalhadamente na
apresentação oral do artigo no Congresso ocorrido no início de novembro
de 2018, há muitas pesquisas científicas que já refletiram sobre tais
problematizações acerca das diversidades, das identidades e das
desigualdades de gênero no Ensino Médio, por exemplo, as dissertações
defendidas no Mestrado em Ciências Sociais da UEL: Feminismos e
antifeminismos na política brasileira: “Ideologia de gênero” no
PNE/2014 (MORENO, 2016); As interseccionalidades entre gênero,
raça/etnia, classe e geração nos livros didáticos de Sociologia (PRADO,
2016); Nome Social como política pública nas IEES/PR: coalizões,
permanências e persistências (GOMES, 2017); Gênero nos currículos e
nas percepções dos estudantes do Ensino Médio: uma caracterização
sociológica (CRUZ, 2017). E, como foi o foco geral desse artigo, ainda
temos em vigência muitos documentos curriculares nacionais e estaduais
(no caso do Paraná) que respaldam nosso direito social de ensinar
cientificamente gênero como categoria social nas escolas.
É evidente que “a educação para todos não é viabilizada por
decreto, resolução, portaria ou similar, ou seja, não se efetiva tão somente
por meio de prescrição de atividades de ensino ou de estabelecimento de
parâmetros ou diretrizes curriculares”. Sabe-se que “a educação de
qualidade social é conquista e, como conquista da sociedade brasileira, é
manifestada pelos movimentos sociais, pois é direito de todos”.
(BRASIL, DCNs-Ed.Básica, 2013, p.14). Por isso, a importância de
documentos como a Resolução CNE/CP nº 02/2015, que amparam
práticas de ensino mais justas e mais inclusivas no processo de formação
inicial e continuada de professores,

628
A formação de profissionais do magistério deve
assegurar a base comum nacional, pautada pela
concepção de educação como processo
emancipatório e permanente, bem como pelo
reconhecimento da especificidade do trabalho
docente, que conduz à práxis como expressão da
articulação entre teoria e prática e à exigência de
que se leve em conta a realidade dos ambientes das
instituições educativas da educação básica e da
profissão, para que se possa conduzir o(a)
egresso(a): [...] VIII - à consolidação da educação
inclusiva através do respeito às diferenças,
reconhecendo e valorizando a diversidade étnico-
racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa
geracional, entre outras. (BRASIL, Resol. CNE/CP
nº 02/2015, Art. 5º).

Reitera-se, assim, que na construção coletiva e processual de


uma escola mais justa e mais democrática, há de se considerar as
diversidades e as identidades de gênero, assim como a valorização de
todos os demais pertencimentos socioculturais historicamente excluídos
nas políticas públicas e curriculares. O direito social de ensiná-las nas
disciplinas de Artes e de Sociologia no Ensino Médio precisa ser
garantido se queremos uma sociedade menos desigual. Por isso, neste
contexto de retrocessos no exercício dos direitos humanos e trabalhistas
dos professores e das juventudes, faz-se relevante relembrar os
pressupostos de documentos educacionais referenciais, conquistados
com a participação política desses sujeitos, mostrando que estes podem
embasar tanto o trabalho pedagógico cotidiano quanto a defesa daqueles
que estão sendo atualmente atacados nos seus direitos de ensinar e de
aprender, especialmente nas disciplinas de Artes Visuais e de Sociologia
nas escolas públicas de Ensino Médio do Paraná.

Referências
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Legislativas, à Câmara Legislativa do Distrital Federal, às Câmaras de

629
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2014.

630
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estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 11.494/2007,
que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei
nº 5.452, de 01/05/1943, e o Decreto-Lei nº 236/1967; revoga a Lei nº
11.161/2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Brasília/DF. MEC/CNE,
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633
GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO
SOCIAL: PERCEPÇÕES ESTABELECIDAS NO
PROJETO RENASCER DO MUNICÍPIO DE
IVAIPORÃ – PARANÁ

Marcos Antonio Nogueira


(Universidade Estadual de Maringá)
Cássia Cristina Furlan
(Universidade Federal da Grande Dourados)

A presente pesquisa está inserida no âmbito da Educação Social e


pretende desenvolver discussões relativas às questões de Gênero e
Sexualidade, refletindo sobre os modos como tais questões se inserem
especificamente no Projeto Renascer, desenvolvido na cidade de
Ivaiporã - Paraná. Este trabalho objetiva investigar a percepção das
crianças participantes do Projeto Renascer sobre as questões de gênero
e sexualidade, por meio de vivências em oficinas que propiciam a
contação de histórias problematizadoras de tais temas. Neste estudo de
cunho qualitativo, os caminhos metodológicos perpassaram
observações participantes e atividades com grupo focal. Para a análise
dos dados, fundamentamo-nos na análise de conteúdo (BARDIN,
1977). A partir das intervenções podemos observar que as crianças
reproduzem muitos aspectos normativos relacionados aos espaços
permitidos para o brincar de meninas e meninos. A violência é um fator
presente na vida das crianças que frequentam o projeto, nas diferentes
configurações familiares em que se inserem. Assim, discutir gênero e
sexualidade no âmbito do Projeto Renascer constitui uma estratégia
importante de efetivamente buscar a consolidação dos objetivos
resguardando o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Gênero; Sexualidade; Educação Social; Direitos.

634
GENDER, SEXUALITY AND SOCIAL EDUCATION:
PERCEPTIONS ESTABLISHED IN THE RENASCER PROJECT
OF THE MUNICIPALITY OF IVAIPORÃ – PARANÁ

This research is inserted in the scope of Social Education and intends to


develop discussions on the issues of Gender and Sexuality, reflecting on
the ways in which such issues are specifically inserted in the Renascer
Project, developed in the city of Ivaiporã - Paraná. This work aims to
investigate the perception of the children participating in the Renascer
Project on the issues of gender and sexuality, through experiences in
workshops that allow the account of stories problematizing such themes.
In this qualitative study, the methodological paths covered participant
observations and focal group activities. For the analysis of the data, we
are based on content analysis (BARDIN, 1979). From the interventions
we can observe that the children reproduce many normative aspects
related to the spaces allowed to play of girls and boys. Violence is a
factor present in the lives of the children who attend the project, in the
different family configurations in which they are inserted. Thus,
discussing gender and sexuality within the scope of the Renascer Project
is an important strategy to effectively seek to consolidate goals while
safeguarding the full development of children and adolescents.
Key words: Gender; Sexuality; Social Education; Rights.

Introdução
Essa pesquisa insere-se no âmbito da Educação Social e pretende
investigar de que modo as questões de Gênero e Sexualidade perpassam
as vivências de crianças inseridas no Projeto Renascer, desenvolvido na
cidade de Ivaiporã - Paraná52.

52 Esse recorte é resultado de discussões realizadas em trabalho de conclusão


de curso referenciado em: NOGUEIRA, Marcos Antonio. Questões de Gênero

635
O Projeto Renascer se enquadra no Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos (SCFV), ligado ao Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) visando trabalhar com meninas e meninos
que se encontram em situação de vulnerabilidade e/ou direitos
violados. Como tal, é vinculado à perspectiva da Educação Social
alicerçada na luta pela garantia de direitos das crianças e adolescentes,
no sentido de potencializar a participação social, indagando a
compreensão sobre o seu lugar na sociedade, buscando protagonismo
e autonomia (MULLER, RODRIGUES, 2002).
Para realizarmos este trabalho nos embasamos na pesquisa
qualitativa (TRIVIÑOS, 1987). O pesquisador estava inserido
diretamente na dinâmica do projeto como educador social,
investigando dois grupos com as quais eram desenvolvidas as
atividades educativas (matutino, 17 crianças – 8 meninas e 9 meninos
– e no período vespertino, 22 crianças – 8 meninas e 14 meninos). Para
tanto, foram realizadas inicialmente observações participantes e,
posteriormente, as intervenções com as crianças. Basearam-se na
técnica de pesquisa denominada como grupo focal, visando provocar
a reflexão expressada a partir da fala dos/as indivíduos/as acerca de
um tema específico. Para abertura de diálogo, foram usados diversos
livros infantis que trabalhavam temáticas variadas, como brincadeiras,
esporte e gênero, família, diferenças corporais entre meninas e
meninos, dentre outros. Para as análises desse recorte, abordaremos a
intervenção com dois livros: “Menina não entra”, de Telma Guimarães
Castro Andrade (2006), que problematiza o discurso dos meninos
sobre as meninas não poderem jogar futebol, e o “Livro da família”,
de Todd Parr (2003), que expõe diferentes configurações familiares,

e Sexualidade na Educação Social: percepções estabelecidas no Projeto


Renascer do município de Ivaiporã – Paraná. 57 f. Trabalho de Conclusão de
Curso (Licenciatura em Educação Física) – Departamento de Educação Física,
Universidade Estadual de Maringá. Orientador(a): Cássia Cristina Furlan.
Ivaiporã, 2017.

636
em uma linguagem lúdica e divertida, refletindo sobre a
impossibilidade de um enquadramento numa única perspectiva de
existência familiar. A análise das intervenções foi realizada a partir do
método da análise de conteúdo de Bardin (1977).

Educação Social e o Projeto Renascer


Quando falamos de Educação no Brasil, invariavelmente
tendemos a pensar em educação escolarizada. No entanto, o processo
educativo acontece em todos os âmbitos da vida dos indivíduos e vai
muito além dos muros da escola. A Educação Social, como uma das
possibilidades de se pensar a educação, tem sido debatida com maior
ênfase a partir dos anos de 1990, quando começa a crescer no Brasil o
número de instituições que trabalham com crianças e adolescentes
com direitos violados. Este atendimento a crianças e adolescentes já
era vigente desde os anos de 1970, mas só começou a ter maior
abrangência a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA (NATALI, 2016).
A Educação Social tem como objetivo potencializar a vida dos
sujeitos, para que assim os mesmos possam enfrentar desafios e
modificar todo o contexto onde estão inseridos, visando sempre a sua
formação social para o futuro. Nos dias atuais existem diversos lugares
onde pode haver a atuação da Educação Social como:

[...] em hospitais, presídios, centros esportivos,


movimentos sociais, entre outros. Entretanto, o
atendimento às crianças e aos adolescentes
acontece frequentemente no Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV,
e se caracteriza pelo desenvolvimento de atividades
artísticas, esportivas e/ou profissionalizantes, no
horário contrário à ida dos educandos à escola
(NATALI, 2016, p.21).

O SCFV tem caráter preventivo e proativo buscando a defesa

637
e afirmação dos direitos das populações a fim de que possam alcançar
alternativas emancipatórias para o enfrentamento das
vulnerabilidades. Portanto, o SCFV desenvolve um trabalho com
crianças, adolescentes e idosos oferecendo diferentes objetivos para
cada faixa etária (BRASIL, 2016).
Cotidianamente vivenciamos diversos tipos de exclusões,
desigualdades e injustiças em toda a sociedade, sendo assim, diversas
pessoas acabam vivendo em situações de risco, vulnerabilidade e com
seus direitos violados (MULLER et al, 2014). Como afirmam Souza
et. al. (2014), a sociedade brasileira é composta por uma grande
diversidade e, por isso mesmo, diversas populações encontram-se nas
mais variadas condições (pobreza, situação de rua, doenças,
peculiaridades étnicas, particularidades de lugar – florestas, urbanos,
rural, ribeirinhas, favelas) e milhares desses/as sujeitos/as estão sendo
atendidos/as por pessoas que exercem o papel de educadores/as
sociais.
Nessa perspectiva, o Projeto Renascer é caracterizado como
um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV)
possuindo um caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e
afirmação de direitos e no desenvolvimento de capacidades e
potencialidades dos/as usuários/as, com vistas ao alcance de
alternativas emancipatórias para o enfrentamento das vulnerabilidades
sociais. É ofertado de modo a garantir as seguranças de acolhida, de
convívio familiar e comunitário, além de estimular o desenvolvimento
da autonomia. Suas atividades têm como foco o atendimento à Criança
e ao Adolescente em situação de vulnerabilidade social, e funciona em
período complementar ao horário escolar. Atende também a
adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, encaminhados
pelo CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência
Social).
A instituição oferta diversas oficinas dentre elas, de jogos,
esportes, aula de violão, flauta, informática, bordados, crochê,
pinturas, dança entre outras atividades que são desenvolvidos no dia a

638
dia do Projeto. O Renascer tem como seu objetivo “[...] garantir a
integridade e autonomia das crianças e adolescentes, uma vez que as
oficinas buscam incluir nossos jovens adolescentes na sociedade
contemporânea” (DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2017).
A Educação Social no Brasil ainda está em processo de
construção e apresenta múltiplas facetas que devem ser evidenciadas
e valorizadas, como expõe Natali (2016). Não havendo ainda uma
formação específica para a atuação na Educação Social, nos apoiamos
em Paulo Freire (1996, p.120) ao expor alguns atributos para a atuação
de um/a educador/a:

É preciso que saibamos que, sem certas qualidades


ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros,
tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto
pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à
mudança, persistência na luta, recusa aos
fatalismos, identificação com a esperança, abertura
à justiça, não é possível a prática pedagógico-
progressista, que não se faz apenas com ciência e
técnica.

Segundo Souza e Müller (2009) o/a Educador/a é o/a


protagonista fundamental da educação social, é de suma importância
que ele/a seja a pessoa que irá fazer a diferença. O/a educador/a social
“é o profissional que encurta as distâncias entre as necessidades, os
direitos e o uso do aparato público, junto com o fortalecimento da
pessoa em sua capacidade de ver-se, ver o outro e o mundo”
(MÜLLER et al, 2014, p.633).
A partir disso, cabe ao/à educador/a social que “[...] seja hábil,
conhecedor de estratégias que possa interferir no desejo da menina e
do menino que se encontram sem esperanças, [...] O educador precisa
ter a fé inabalável nas crianças e adolescentes, na sua reação e
capacidade de reverter uma situação” (SOUZA; MULLER, 2009,

639
p.3209-3210). Entre as estratégias está a intervenção lúdico-político-
pedagógica (MULLER; RODRIGUES, 2002). Assim, enquanto
educadores/as valorizamos e oportunizamos experiências ricas para a
construção da autonomia dos/as educandos/as, primando por uma
proposta de Educação Social que erija-se sobre as bases de uma
educação plural, democrática e que busque a igualdade e o respeito às
diversidades.
Nesse sentido, ao problematizar a importância e atuação da
Educação Social na busca pela garantia de direitos e a potencialização
da formação humana, as instituições que advogam nessa causa – como
no caso do Projeto Renascer – estão imbuídas da função de
problematizar e questionar contextos que reproduzem desigualdades,
exclusões e preconceitos. Assim, discutir gênero e sexualidade no
âmbito do Projeto Renascer é fundamental para que possamos
efetivamente atender aos objetivos de consolidação resguardando o
desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes e promovendo a
cidadania como um direito fundamental.

As questões de gênero e sexualidade e suas intersecções na


educação social
A palavra gênero sempre foi muito utilizada por grupos de
feministas que atrelavam o seu conceito com as lutas em busca de
igualdade. Felipe (1999, p. 3) salienta que:

O conceito de gênero surgiu entre as estudiosas


feministas para se contrapor à idéia de essência,
recusando assim qualquer explicação pautada no
determinismo biológico, que pudesse explicar os
comportamentos de homens e mulheres,
empreendendo desta forma, uma visão
naturalizada, universal e imutável dos
comportamentos. Tal determinismo serviu muitas
vezes para justificar as desigualdades entre ambos,
a partir de suas diferenças físicas. O que importa,

640
na perspectiva das relações de gênero, é discutir os
processos de construção ou formação histórica,
linguística e social, instituídas na formação de
mulheres e homens, meninas e meninos.

Para muitos, gênero se constrói a partir de um corpo sexuado,


sendo assim implicado em uma relação naturalizada do indivíduo. De
acordo com Butler (2003, p. 24):

[...] para questionar a formulação de que a biologia


é o destino, a distinção entre sexo e gênero atende
à tese de que, por mais que o sexo pareça intratável
em termos biológicos, o gênero é culturalmente
construído: consequentemente, não é nem o
resultado causal do sexo, nem tampouco tão
aparente fixo quanto o sexo. Assim, a unidade do
sujeito já é potencialmente contestada pela
distinção que abre espaço ao gênero como
interpretação múltipla do sexo.

Dessa maneira a autora rompe com o binarismo gênero/sexo.


Ela circunscreve crítica ao modo como o gênero tem sido colado ao
sexo, ao corpo já pré-fabricado. Para a autora é fundamental a
compreensão de que, nessa lógica, não a biologia é o destino, mas o
gênero acaba por ser construído a partir de uma decorrência: sexo →
gênero → desejo, normatizando corpos e desejos em estruturas
binárias e heteronormativas.
Para Miskolci (2017), a heteronormatividade molda os
sujeitos e suas identidades, na medida em que expressa as
expectativas, as demandas e as obrigações sociais que derivam do
pressuposto da heterossexualidade como natural e, portanto,
fundamento da sociedade.
Nesse contexto, a decorrência sexo, gênero e desejo,
questionada por Butler (2003), é o fundamento das nossas arguições,

641
visto que naturalizam-se as construções identitárias baseadas no
pressuposto da biologia instituindo a cultura como um aparato
utilizado para legitimar as identidades. Gênero é uma construção
cultural e histórica que não serve para legitimar uma identidade como
vestimenta de um corpo sexuado.
É preciso o repensar da categoria gênero, vislumbrando outras
possibilidades que não se enquadrem necessariamente à decorrência
imediata baseada no sistema sexo/gênero. Desse modo, prioriza-se a
construção das subjetividades e dos desejos numa perspectiva de
liberdade e respeito.
Nesse sentido, ao refletirmos sobre as identidades,
consideramos que não há um processo de linearidade e fixidez, visto
que nós construímos sujeitos a partir das relações que vamos
estabelecendo com o mundo. Portanto, “não é possível fixar um
momento – seja esse o nascimento, a adolescência, ou maturidade. [...]
As identidades estão sempre se constituindo, elas são instáveis e,
portanto, passíveis de transformação” (LOURO, 1997, p. 27).
Assim, pensar sobre identidade e diferença é refletir como são
construídas as relações sociais entre homens e mulheres na sociedade,
visto que nos dias atuais as mulheres ainda sofrem diversas formas de
opressão oriundas do mundo machista que vivemos, tais efeitos que
podemos partir do seguinte fato, de que homens e mulheres vivem sob
dadas condições tanto objetivas quanto subjetivas que são originadas
das relações sociais que hoje são postas (SANTOS; OLIVEIRA, 2010)
e que atuam, em muitos aspectos, como legitimadores das opressões e
violências do mundo machista.

Gênero, sexualidade e identidades: as crianças e as histórias


Meninos brincam de carrinho e meninas brincam de boneca.
Azul é para meninos e rosa para meninas. Mas afinal quem determina
isso?
Louro (1997) nos afirma que papéis são padrões ou regras
arbitrárias que a própria sociedade determina para seus membros e são

642
elas que vão definir os comportamentos, as roupas, os modos de se
relacionar entre outras coisas, determinando assim o que é considerado
para homens e o que é considerado para mulheres.
Todos esses papéis que são determinados para homens e
mulheres que vivenciamos no dia a dia também são reproduzidos na
educação das crianças. As crianças produzem a sua própria cultura,
mas também são o espelho de seus pais e da sociedade em geral,
podendo reproduzir, por exemplo, diversos estereótipos de gênero
alicerçados na aprendizagem de papéis sociais. Um exemplo disso são
as brincadeiras onde meninos e meninas muitas vezes reproduzem a
relação binária de que brincadeiras ou brinquedos são para um e outro
gênero. O primeiro livro proposto para discussão com as crianças do
projeto foi “menina não entra”.
Entre as percepções das crianças, observamos como alguns
papéis sociais são generificados, como (ainda) no futebol. Para elas:

É coisa de menino (Daniel).


O tio é porque as meninas não conseguem carregar
peso, e qualquer chutinho elas choram, por isso
dai, e os meninos não choram tanto e as meninas
qualquer coisa chora [sic]. Mas porque você acha
que as meninas não têm força, que choram por
tudo? Porque é menina (Pedro).
Eu acho que meninas não podem jogar futebol
porque elas só querem brincar de outra coisa,
aquele dia lá na quadra elas só ficaram correndo
lá no meio da quadra, quase que elas levam uma
bolada (Vitor).

Sendo assim um dos campos que muitas vezes é prolífero a


reprodução do machismo e sexismo é o esporte, é nele que em função
das diferenças biológicas e fisiológicas entre os sexos, construiu-se
atributos usados para justificar a suavidade e delicadeza para as
meninas e a exigência máxima do esforço físico dos meninos durante
as práticas corporais realizadas (FREITAS, 2008).

643
No entanto, percebemos que os meninos reconhecem que as
meninas podem praticar as mesmas atividades que os meninos
realizam, mas muitas vezes preferem a exclusão das mesmas para não
as machucarem ou ocasionar algum transtorno por alegarem ser
melhor que elas.

Meninas e meninos podem jogar futebol juntos?


Alunos: SIMMM. Ahh mais ou menos (Alisson).
Porque mais ou menos? Porque as vezes as
meninas tem que jogar no time de meninas e os
meninos no time de meninos (Alisson).
Não, mais dai nois é muito apelão, porque elas não
sabem jogar bola (Matheus).

Podemos ver como os participantes reconhecem que meninos


e meninas podem jogar juntos, mas que em alguns momentos preferem
que façam times separados ao invés de mistos ou que nem participem
do jogo. Não podemos concluir que as meninas são excluídas do jogo
apenas por serem meninas, mas sim pelo fato de serem consideradas
mais fracas e com menos habilidades do que os meninos. Tal fato
decorre, pois, as representações do corpo feminino são designadas
como sendo imperativo do seu sexo, ou seja, sempre são remetidas a
ideia de serem femininas, belas e mães. Esses imperativos são
praticamente normas estabelecidas para que as mulheres introjetem
como natural o jeito de se comportar e ser na sociedade. Mas, isso não
significa que todas as mulheres assumam para si estas convenções nem
que deixem de esboçar diferentes formas de resistência. Pois, “as
mulheres são diversas entre si, portadoras de variados interesses,
necessidades, vontades, desejos, sentimentos e formas de ver ao
mundo e a si mesmas; são de diferentes raças, classes, religiões, idades
e grupos sociais. São plurais” (GOELLNER, 1999, p.40). Diante
disso, “por estarem profundamente entrelaçados, esses argumentos
acabam por reforçar alguns discursos direcionados para a privação da

644
participação das mulheres em alguns esportes tais como o futebol, o
rúgbi e as lutas” (GOELLNER, 2006, p.1).

Mas pode ser um time misto não pode? porque daí


um ajuda o outro não é?
É (Alisson)
Quando as meninas chega e só tem meninos, eles
já pensam assim, que a gente não pode brincar
porque só tem menino, i dai, que a gente não pode
mais entrar porque a gente é menos do que eles,
eles se acham superiores as meninas (Any).
Tem as minhas primas, as vezes elas jogam bola
comigo (Kaique).
E quanto mais as meninas jogarem elas também
vão ficar boas igual vocês não concordam, quanto
mais a gente faz aquela atividade que a gente está
fazendo melhor a gente fica naquilo não é
verdade, por exemplo, vamos supor que a menina
começa a jogar futebol, só que ela não sabe quase
nada de futebol, só que quanto mais ela for
jogando e tudo, se aperfeiçoando, ela vai ficar
boa, que nem a Fernanda do livro.
SIMMM (Alunos).
Aqui no renascer tinha uma menina no ano
passado que era ruim, mas depois ela começou a
jogar dai ela ficou boa (Kaique).

No âmbito onde foi realizado esse estudo podemos observar


que o espaço (quadra) onde é realizada atividades esportivas como o
futebol, são ocupados na maioria das vezes pelos meninos, e as
meninas nesse horário ficam brincando no parquinho, de casinha,
conversando entre elas, entre outras atividades, enquanto os meninos
estão jogando. O espaço em si não é dividido entre meninos e meninas,
há meninos que também brincam no parquinho, brincam com as
meninas, mas podemos observar que durante o jogo de futebol as
meninas não são bem-vindas na quadra, a quadra se torna posse deles.

645
Romero (1994) nos afirma que há uma diferenciação entre
meninos e meninas em suas experiências vividas. Os meninos são
incentivados a explorarem o ambiente e são permitidas brincadeiras
mais agressivas e livres como jogar bola nas ruas, soltar pipas, rolar
no chão em brigas, dentre outras atividades que envolvem desafios e
riscos. Já as meninas são desencorajadas e muitas vezes até proibidas
de executarem as mesmas atividades e brincadeiras que os meninos
executam.
Durante a discussão sobre a historinha perguntamos às
crianças o que é preconceito, visto que a história fala sobre essa
questão.

Na historinha Fernanda diz assim: coisas de


menino, coisas de menina, quanto preconceito.
Mas afinal o que é preconceito?
Preconceito é julgar as pessoas pelo o que elas são
e isso é errado porque nós somos tudo igual
(Paulo).
O tio, o meu irmãozinho vai fazer um aninho dia 30
de setembro, dai eu fui na casa da minha tia, dai a
minha tia ela tem uma menininha né, dai tinha um
ursinho rosa assim, ai ele foi pegando e isso
também não é preconceito (Pedro).
Professor, professor, também o meu irmão brinca
com as minhas bonecas e eu não tenho nenhuma
importância de eu brincar com os carrinhos dele
(Natalia).

A partir desse discurso das crianças podemos deixar


explicitado que elas têm o entendimento sobre o preconceito,
compreendem o seu significado, mas muitas vezes reproduzem o
discurso dos/as adultos/as, professores/as, mídia, televisão, entre
outras. Muitos valores baseados em pré-conceitos são ensinados às
crianças como verdades, reproduzindo tais aprendizados ao longo de
toda a vida.

646
Dessa maneira, valores são inculcados,
principalmente pelos adultos, na mente da criança
tais como preconceitos nas relações, funções
sociais impostas, atitudes próprias de um
determinado sexo, aspectos estes que determinam a
formação da criança para a vida adulta. E assim a
criança desenvolve-se naturalizando a
discriminação de gênero e sexualidade, com o
menino se construindo como homem opressor e a
menina como mulher subordinada (PEREIRA;
MÜLLER, 2008, p.6).

A família é o principal influenciador na vida da criança, desta


forma, também foi uma categoria analisada ao longo das intervenções.
Ao longo da história o conceito sobre família sempre esteve em
contínuas modificações. Muitas transformações sociais provocadas na
metade do século XX e início do século XXI deram outra direção à
organização e estruturação do conceito de família (OLIVEIRA, 2009).
Independente do conceito que é dado a família sabemos que:

Atualmente, existem diversos modelos de família.


Assim, a visão tradicional patriarcal ou nuclear de
família, constituída hierarquicamente por pai, mãe
e filho (s), com o pai no topo da pirâmide como
provedor financeiro, a mãe como responsável pelas
atividades domésticas (rainha do lar) e os filhos a
obedecer aos papéis sociais definidos por ambos,
não mais corresponde à realidade, embora se saiba
que o modelo de família nuclear, ainda, seja o
preferido quando o assunto é família. As mudanças
do padrão doméstico com a vasta participação das
mulheres no mercado de trabalho, no âmbito
público e/ou privado confirma do ponto de vista
analítico-sociológico, a emergente transitoriedade
desse modelo de família (BRAVO; PEREIRA,
2002 apud XAVIER; GOMES, 2011, p. 4).

Nos dias atuais não podemos determinar um conceito

647
definitivo sobre família. Assim, durante a discussão do “Livro da
família” questionamos as crianças sobre o que era família para elas.
“Amor, alegria, paz” (Ana). “União” (Paulo). “Uns que se arriscam
pelos outros” (Geovane). “Liberdade” (Alisson). “Salvação”
(Adryan) “Dar carinho” (Marcos). Logo após realizarmos a pergunta,
as crianças já responderam as características do que é família para
eles/as, podemos perceber que eles/as têm a percepção do que é família
e muitas vezes isso está formando pelo convívio estabelecido com seus
familiares e/ou pelas influências midiáticas.
Também durante a discussão procuramos saber como era
constituída/formada as famílias das crianças. “Minha mãe, meu pai e
eu” (Matheus). “Quem mora comigo é meu irmão, meu pai, minha
mãe” (Lucas). “Minha mãe, meu pai, eu e meu irmão” (Italo). “Na
minha tem eu, meu pai, minha mãe, meu cachorro, meu irmãozinho
pequeno” (Vitor). “Meu pai, minha mãe, minha irmã e meu irmão”
(Dani). “Meu pai, minha mãe, meus irmãos” (Isa). Podemos analisar
que várias crianças têm sua família constituída por pai, mãe e
irmãos/as. Algumas crianças falaram sobre a sua família não ser
constituída por pai ou mãe biológicos. “Meu padrastro, minha mãe, eu
e meu irmãozinho” (Natalia). “Minha vó, minha tia, meus três irmãos
e eu” (Yasmin). “Moro com meu padrasto, minha mãe, com meu
irmão” (Marcos). “Com a minha vó e dois primos” (Kaique).
A partir desse contexto podemos ver que várias crianças ainda
vivem em famílias nomeadas de famílias nucleares ou tradicionais, ou
seja, a família constituída por pai, mãe e filhos/as. Mas também
observamos entre as crianças, famílias que não são constituídas
segundo um modelo ou padrão. Podemos observar que existe uma
mudança na formação familiar, nas relações de parentesco e na
representação das relações na família. Segundo Ferrari e Kaloustian
(2002, p. 14)

648
A família, da forma como vem se modificando e
estruturando nos últimos tempos, impossibilita
identificá-la como um modelo único ou ideal. Pelo
contrário, ela se manifesta como um conjunto de
trajetórias individuais que se expressam em
arranjos diversificados e em espaços e
organizações domiciliares peculiares.

Tais modificações implicam em mudar-se o foco de que a


família nuclear é o modelo de organização familiar, para enxergar
outras formas de configuração familiar. Nesse contexto, um dos
pontos que nos chamou a atenção também foi a violência dentro da
família:

Eu tenho três pais, um o Geovane mora comigo iii,


o Leandro tá preso e o outro o Marcos mora lá em
furnas... E qual deles que você morava? Eu
morava com o Marcos, dai minha mãe enfiou uma
faca nele... Sua mãe enfiou uma faca nele??? Sim,
mas ele não morreu. E qual dos três é seu pai
biológico? O Marcos (Mari).

Essa violência que ocorre dentro da família é chamada de


violência doméstica ou intrafamiliar e é caracterizada assim por ser
“praticada dentro do lar, no âmbito familiar, entre indivíduos que
possuam parentesco civil (marido, mulher, sogra, padrastro) ou
parentesco natural (mãe, pai, irmão, filhos, etc.) (FIRMINO, 2010, p.
2). As crianças que presenciam esse tipo de violência têm grandes
chances de enfrentar variados problemas no decorrer da sua formação,
dentre eles, problemas psicológicos, emocionais, comportamentais,
sociais e acadêmicos (KITZMANN, 2007).
A constituição federal de 1988 explicita como prioridade a
garantia de direitos de crianças e adolescentes, em seu capitulo VII –
Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso artigo
227 nos estabelece que,

649
É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988,
art. 227).

Dessa maneira, cabe a família cumprir com todos os direitos


assegurados às crianças e adolescentes. E se porventura crianças e
adolescentes estiverem em situação de vulnerabilidade cabe ao estado
e a sociedade a construção de “estratégias de apoio ou de intervenção
no atendimento à família (...) [priorizando] ações que visem refazer os
vínculos originais ou estimular a formação deles (se não existem),
fortalecer esse núcleo” (NERY, 2010, p. 191).
Outra questão que implica como competência da família é a
questão da educação para o gênero e a sexualidade, é ela a peça chave
para a formação da identidade de crianças e adolescentes. Mesmo que
a família converse abertamente ou não sobre as questões da
sexualidade é ela que irá dar as primeiras noções sobre estas questões
(JARDIM; BRÊTAS, 2005).
Durante as intervenções do grupo focal surgiram debates
acerca do posicionamento das famílias quanto à orientação sexual,
remetendo a uma série de preconceitos explicitados pelos/as
adultos/as.

Minha mãe vendo essas coisas de homem gostar de


homem, mulher gostar de mulher, minha fala bem
assim: ó muleque, se um dia você virar gay eu te
arrebento e eu ainda mando você sumir dessa casa,
porque eu não te criei pra ser mulher (Alisson).
Ela fala assim?

650
Ela fala assim, eu não te criei pra ser mulher
(Alisson).
E o que que você fala?
Eu falo: ta bom, não vou ser viado não. Ela fala: é
bom mesmo porque se você ficar gay eu te jogo pra
fora de casa (Alisson).
Mas você não pergunta? Você não questiona, ela
assim: Mas mãe, se isso acontecesse qual
diferença ia fazer na nossa vida?
Um dia eu perguntei, ela falou bem assim: porque
eu não te criei pra ser mulher, eu te criei pra ser
homem, e se você fosse mulher você ia nascer
menina não muleque. E todo mundo da minha
família, nenhum é gay (Alisson).

A partir da análise deste diálogo podemos ver como a mãe


explicita uma carga negativa de preconceitos. Souza (1991) afirma que
a educação sexual deve ser explorada com atitudes positivas, deixando
de lado preconceitos, medos, tabus ou qualquer outra forma de
discriminação que possa negativar essa aprendizagem. Tal atitude
sugere que as pessoas tenham liberdade para assumir seu corpo e sua
sexualidade. Objetiva-se que crianças e adolescentes tenham uma
educação sexual sadia, tracejada em hábitos e valores que se
encontram em harmonia com os direitos humanos e a valorização da
vida.

Considerações finais
Este trabalho teve por objetivo investigar como se configura
as questões de gênero e sexualidade com crianças que frequentam uma
instituição que oferta o Serviço de Convivência e Fortalecimento De
Vínculos, o Projeto Renascer do Munícipio de Ivaiporã – PR. Dada a
dimensionalidade do texto, foram expostos apenas alguns diálogos
explicitados pelas crianças durante as intervenções com a contação de
histórias.
A partir das intervenções podemos observar que as crianças
reproduzem muitos aspectos normativos relacionados aos espaços

651
permitidos para o brincar de meninas e meninos. A violência é um fator
presente na vida das crianças que frequentam o projeto, nas diferentes
configurações familiares em que se inserem. As experiências com as
crianças da instituição nos levaram a algumas considerações. Estas
questões que perpassam a vida das crianças não são, muitas vezes,
debatidas no projeto e/ou mesmo em outras instituições frequentadas
pelas crianças. Nesse sentido, ao problematizar a importância e a
atuação da Educação Social na busca pela garantia de direitos e a
potencialização da formação humana, as instituições que advogam
nessa causa – como é o caso do Projeto Renascer – estão imbuídas da
função de problematizar e questionar contextos que reproduzem
desigualdades e preconceitos.
Assim, discutir gênero e sexualidade no âmbito do Projeto
Renascer constitui uma estratégia importante de efetivamente buscar a
consolidação dos objetivos resguardando o desenvolvimento pleno de
crianças e adolescentes. A educação social, como um campo de debates
acerca dos direitos, sobretudo de populações que sofrem com a falta
deles, precisa também pensar tais questões, promovendo a inserção das
minorias sociais e a promoção da cidadania como um direito
fundamental.

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656
HOMOFOBIA : O PRECONCEITO E A
VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE PESSOAS
LGBTI+S NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO

Victor Hugo Brandão Meireles


Norma da Luz Ferrarini
(Universidade Federal do Paraná)

A noção de homofobia tem permeado discussões pertinentes no campo


científico e acadêmico no que condiz à violação de direitos de pessoas
LGBTI+. A construção do preconceito social contra pessoas que
sinalizam suas sexualidades diferentes das tradicionais tem como
modelos normativos o da heterossexualidade, orientação sexual
dominante ao longo dos séculos, excluindo grande parcela de pessoas
que não se identificam com tal orientação. Por outro lado, esse desejo
afetivo/sexual por pessoas do mesmo gênero sempre existiu, o que nos
leva a questionar o estabelecimento de uma norma ou hierarquização das
sexualidades que se sustentam no campo do conservadorismo
tradicional. Essa normatização gera violações de direitos para essa
população, da exclusão ao preconceito institucional. O presente artigo
expõe o primeiro momento de uma pesquisa de mestrado já defendida e
tem por objetivo identificar expressões da homofobia em um espaço
universitário público e suas implicações nas produções de subjetividades
dos estudantes cis-gays. Aqui apresenta-se a fundamentação teórica ao
discorrer sobre o conceito de homofobia e dialogar com o conceito de
sofrimento ético-político no processo de exclusão-inclusão perversa
desenvolvido por Bader Sawaia. Traz a contribuição da Epistemologia
Qualitativa, da Teoria da Subjetividade e do Método Construtivo-
Interpretativo propostos por Fernando González Rey, bem como o
conceito de Subjetividade subjacente, para analisar a homofobia no
contexto universitário.
Palavras-chave: homofobia; ambiente universitário; violação de
direitos; inclusão perversa; Teoria da Subjetividade;

657
HOMOPHOBIA: THE PREJUDICE AND VIOLATION OF
LGBTI+ PEOPLE RIGHTS IN THE UNIVERSITARY CONTEXT

The notion of homofobia has permeated pertinent discussions in the


scientific and academic field regarding the violation of LGBTI+ people
rights. The construction of social prejudice against people that signalize
sexualities different from traditional ones has as normative model the
one of heterossexuality, the dominant sexual orientation throughout the
centuries, excluding a large number of people who do not identify with
such orientation. On the other hand, the sexual and affective desire
between people from the same gender has always existed, which leads us
to question the establishment of a norm or hierarchy of sexualities that
are based on traditional conservatism. This normalization leads to
violations of rights for this population, from exclusion to institutional
prejudice. This article exposes the first part of a master’s research
already defended that aims to identify homophobic expressions inside the
public university and its implications in the production of cis-gays
student’s subjectivities. Here we present the theoretical basis when
discussing the concept of homophobia and dialogue with the concept of
ethical-political suffering in the perverse exclusion-inclusion process
developed by Bader Sawaia. The article brings the contribution of
Qualitative Epistemology, Subjectivity Theory and Constructive-
Interpretive Method proposed by Fernando González Rey, as well as the
underlying Subjectivity concept, to analyze homophobia in the university
context.
Keywords: homophobia; university environment; violation of rights;
perverse inclusion; Theory of Subjectivity;

Enquadramento teórico
A urgência em se discutir e contextualizar questões sociais
sobre a diversidade sexual e de gênero se torna importante quando
muitos indivíduos de direitos reivindicam suas novas formas de “ser”.
Esses indivíduos não podem ser “representados” como categorias
universais, partindo da ideia de que os modelos tradicionais normativos
existem como reguladores da sexualidade dos indivíduos. Portanto, o

658
movimento LGBTI+53 tem mobilizado discussões em diferentes setores
da sociedade que se somam ao combate contra o preconceito e a
violação dos direitos humanos, ao se considerar a dialética de
exclusão/inclusão social que atravessa o conceito de homofobia.
O objetivo geral deste trabalho, de cunho qualitativo, está em
identificar expressões do preconceito contra diversidade sexual em um
espaço universitário público e suas implicações nas produções de
subjetividades dos estudantes cis-gays. Suas especificidades estão em
desenvolver aprofundamento teórico sobre o conceito de homofobia
articulado com o conceito de sofrimento ético-político desenvolvido
por Bader Sawaia (2012) e desenvolver reflexões sobre implicações de
discursos, práticas e ações discriminativas no processo de
configurações de subjetividades dos estudantes cis-gays que sofrem
homofobia.
Não há muitos estudos sobre o conceito de homofobia no
contexto universitário, mas demonstramos a importância em se discutir
dados decorrentes da violência que esse fenômeno suscita. De acordo
com o relatório elaborado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) em 2017,
ocorreram cerca de 45 casos de mortes na região sul de pessoas
LGBTI+ e cerca de 23 no Estado do Paraná. No Brasil, ocorreram cerca
de 445 assassinatos e suicídios de LGBTI+, aumentando 30% em
relação a 2016. Pauta-se a importância em não apenas se contentar com
esses números por conta de alguns casos não serem notificados e pelo
fato de o crime de homofobia não ser ainda previsto em lei. Também
leva-se em consideração que, além das mortes, ocorreram ações
discriminatórias com/para esses indivíduos nas formas de violência
verbal ou física.

53
Hoje o coletivo LGBTI+ conta com a diversidade de identidades de gênero
e sexual que, historicamente, a categorização e os movimentos vêm
aumentando ao longo dos anos. Dito isso, a importância de articular todos
os movimentos em um, traz uma visão fora de ações e posicionamentos
excludentes, sendo necessário a inclusão de todos ao coletivo.

659
A homofobia no âmbito escolar pode expressar crenças e
valores que influenciam os(as) jovens no que diz respeito ao convívio
e aceitação das diversas orientações sexuais e identidades de gênero.
No caso das pessoas travestis e transexuais, a evasão escolar acontece
por conta das dificuldades em se esconder em meio ao ambiente escolar.
Nesse sentido, acaba violando suas formas legítimas de expressão de
suas identidades de gênero.
Os autores Marretto, Filho e Bessa (2010), definem a escola
como um dos locais onde ocorrem a socialização secundária mais
relevante da atualidade, tendo como função fundamental, inserir os
sujeitos nos mais variados universos de valores culturais construídos
por meio de ideologias, normas e regras considerados o bem comum da
sociedade. Os autores demonstram a importância em se discutir a
homofobia nos espaços escolares na forma de projetos que abordem a
educação sexual como compromisso com a igualdade de direitos e com
a intenção de diminuir as desigualdades sociais que surgem a partir das
opressões de gênero, raça, classe social e de etnia, com a preocupação
do respeito e aceitação das diversidades sexuais.
Nessa perspectiva, podemos relacionar essas ideias com o
contexto universitário, visto que também são instituições que propagam
valores e culturas locais perpassados pelos sujeitos que nelas estão
inseridas, o que só reforça a importância em se discutir a homofobia
nesse contexto, pois esse fenômeno também ocorre nesses espaços.
A homofobia é um conceito atual que vem quebrando vários
paradigmas sociais e políticos e trata de temas como violência e
discriminação contra os sujeitos que apresentam orientação sexual
diferente da heterossexual. Trata-se de exclusão relacionada à
sexualidade. Visto pela historicidade desse conceito, alguns teóricos
trazem a homofobia como uma categoria de análise para explicar o
preconceito sofrido por pessoas cujas suas orientações sexuais e
identidades de gênero são diferentes da heterossexual.
Para os autores Marco Prado e Frederico Machado (2008), o
preconceito social produziu a invisibilidade de identidades sexuais e de

660
gênero ao longo dos tempos, legitimando práticas de inferiorizações
sociais, tais como o da homofobia. Neste caso, a homofobia para os
autores possui um funcionamento que se utiliza, na maioria das vezes,
de atribuições sociais negativas provindas da moral, da religião ou até
mesmo das ciências, para produzir o que podemos chamar de
hierarquização das sexualidades.
Para tanto, o preconceito, para Prado e Machado (2008), se
utiliza de suas próprias características do seu poder de preservação da
naturalidade das hierarquias entre grupos e indivíduos. Sua função não
permite que a discriminação e a inferiorização sejam interpretadas
como sistemas da injustiça entre diferentes posições identitárias, mas
acaba produzindo uma relação de opressão invisibilizada pelas relações
de subordinação social e as torna naturalizadas. Nesse sentindo, as
práticas sociais discriminatórias ganham intensidades no que condiz à
violação dos direitos de pessoas LGBTI+, excluindo-as de seus acessos
a direitos sociais, tais como a educação.
A homofobia passa a ter duas dimensões, descritas pelos
autores Prado e Machado (2008) como sendo a psicológica e a social.
A dimensão psicológica diz respeito a superar barreiras impostas pelo
conjunto de valores assumidos como corretos e verdadeiros. Esse
conjunto, muitas vezes, se impõe como uma impossibilidade de a
experiência homossexual ser vivenciada como legítima. Assumir a
legitimidade desta experiência, significa percorrer por um
reposicionamento da própria história individual e/ou coletiva, já que os
valores morais são construídos a partir das identidades e das culturas.
Do ponto de vista social, a homofobia impede que os indivíduos
consolidem uma identidade não subordinada, além desse fenômeno
legitimar formas violentas de expressão do ódio e do preconceito
(PRADO e MACHADO, 2008).
Para o autor Rogério Junqueira (2007), a homofobia é um
fenômeno plural que faz referências a conjuntos de emoções negativas
que vão desde aversão e desprezo até medo ou ódio em relação a
pessoas LGBTI+. A relação entre homofobia e as normas de gênero se

661
traduzem em formas de crenças, valores, expectativas e até mesmo em
atitudes, trazendo consequências para aqueles que não se identificam
com os modelos normativos postos pela sociedade (JUNQUEIRA,
2007). Nesse sentido, entendemos que os modelos normativos são
pautados por um sistema binário, disciplinar e normatizador, cuja a
heterossexualidade ganha um papel social naturalizado correspondente
a um determinado gênero.
A noção de homofobia comparece com frequência em
discursos reproduzidos nos cotidianos e instituições dos mais diversos
setores sociais, também podendo ser estendida a situações de
preconceito, discriminação e violência contra pessoas homossexuais ou
em expressões de gênero (gostos, estilos, comportamentos etc.) que não
se enquadram nos modelos hegemônicos impostos pela sociedade
(JUNQUEIRA, 2007). A homofobia “[...] passa a ser vista como fator
de restrição de direitos de cidadania, como impeditivo à educação, à
saúde, ao trabalho, à segurança, aos direitos humanos e, por isso, chega-
se a propor a criminalização da homofobia.” (JUNQUEIRA, 2007, p.
7.)
Para o autor Daniel Borrillo (2016) a homofobia é a hostilidade
geral, psicológica e social contra aqueles que sentem desejo, afeto ou
práticas sexuais com indivíduos do seu próprio sexo. O autor considera
a homofobia como uma categoria de análise de cunho epistemológico,
que não se trata apenas em conhecer ou compreender a gênese e o
funcionamento da homossexualidade, mas em analisar a hostilidade que
surge por essa forma específica de orientação sexual.
Borrillo (2016) classifica o fenômeno da homofobia em quatro
categorias especificas. Primeiro, a homofobia irracional, uma violência
correspondente a uma atitude irracional do próprio indivíduo que pode
gerar conflitos individuais ao próprio sujeito, negando a sua própria
orientação sexual. Já a homofobia cognitiva, que o autor também chama
de social, designa as diferenças entre a
heterossexualidade/homossexualidade, baseando-se em preconceitos
que são naturalizados. A homofobia geral consiste basicamente em que

662
o autor chama de “vigilância do gênero”, questionando a identidade do
sujeito. Neste caso, as discriminações passam a ser direcionadas,
independentemente de suas qualidades ou defeitos, baseadas em outro
gênero diferente do modelo padrão normativo, no caso a dominação
masculina, ocorrendo negação do feminino e rejeição das diversidades
sexuais. E a homofobia específica, sendo especialmente direcionada a
um tipo de pessoa que tenha sua orientação sexual diferente da
heterossexualidade.
Borrillo (2016) exemplifica o caso das lésbicas que, além de
sofrerem preconceito contra seu gênero e sua sexualidade, acabam
sendo silenciadas e invisíveis, reflexo de uma misoginia ao transformar
a sexualidade feminina como produto e instrumento do poder e desejo
do masculino cis54. Esses tipos de homofobia, são manifestações
afetivas “fóbicas” que reproduzem violências cotidianas para essa
minoria. Os discursos heteronormativos estão presentes nas linguagens
correntes, que acabam sendo naturalizadas por preconceitos e
discriminações muitas vezes velados nos discursos de nossa sociedade.
Com isso, podemos compreender a ideia de que pessoas
LGBTI+ passam por um processo de constituição e legitimidade de suas
orientações sexuais e identidade de gênero e que diariamente são
marcadas pelo preconceito e a discriminação, o que torna importante
aqui, conceituar um pouco sobre a identidade sexual e de gênero. Visto
como conceitos construídos socialmente, as identidades são marcadas
pelas culturas, contextos históricos e sociais que os próprios sujeitos
emergem como fazendo parte deles. A autora Guacira Lopes Louro
(1999) traduz as inscrições dos gêneros nos corpos dos sujeitos como
sempre atreladas ao contexto de uma determinada cultura. As
identidades de gênero e sexuais são compostas e definidas pelas
relações sociais, sendo moldadas pelas redes de poder de uma
determinada sociedade. É através da cultura e da história que são

54
Cis é o prefixo para abreviação do termo cisgênero que significa
reivindicar o mesmo gênero que lhe é atribuído ao nascimento.

663
definidas as identidades sociais (gênero, sexual, raça, classe etc.),
constituindo o sujeito na medida em que são inscritos em diferentes
situações, instituições ou grupos sociais.
Reconhecer-se numa identidade, é afirmar sua inscrição e
estabelecer um sentido de pertencimento a esse grupo social de
referência ao sujeito, não eliminando a possibilidade de descarta-la ou
rejeita-la. Afirmando isto, somos sujeitos de identidades transitórias e
contingentes, tendo um caráter fragmentado, instável, histórico e plural
(LOURO, 2016). Os grupos sociais que ocupam posições centrais, ou
consideradas “normais”, tem possibilidade de representar a si mesmo e
a outros sujeitos, o que nos evidencia a necessidade dos movimentos
sociais no sentido de questionamento e contraposição a essas
normativas. Louro (2016) afirma que as identidades sociais e culturais
são políticas, as formas como são representadas e os significados que
são atribuídos às experiências e práticas, são sempre atravessadas e
marcadas pelas relações de poder. A autoria afirma que “[...] a produção
da heterossexualidade é acompanhada pela rejeição da
homossexualidade. Uma rejeição que se expressa, muitas vezes, por
declarada homofobia.” (LOURO, 2016, p. 27).
Essa rejeição pode trazer muitas vivências para a vida de
pessoas LGBTI+ que as torna impossibilitadas de legitimar suas
experiências nos mais variados aparelhos sociais em que estão
inseridas. Portanto, é importante discorrermos sobre o conceito de
Sofrimento Ético-Político, proposto pela autora Bader Sawaia (2012),
pois entendemos que, o fenômeno da homofobia pode gerar formas
distintas de exclusão e de inclusão perversa, emergindo subjetividades
especificas que vão desde o sentir-se incluído até o sentir-se
discriminado ou revoltado. Mas antes é importante discorrer sobre o
conceito do sofrimento ético-político e do processo de exclusão-
inclusão perversa, na concepção de Sawaia (2012), que o fenômeno da
homofobia pode gerar.
O conceito de exclusão, para Sawaia (2012) é compreendido
como um fenômeno em construção que se configura nas relações dos

664
sujeitos em todas as esferas da vida social, vivenciado como
sentimentos, significados e ações que se desenham no cotidiano de cada
indivíduo. Sobre o conceito exclusão e inclusão perversa, Sawaia
(2012) destaca-o como um processo de transmutação da inclusão social.
Nesse sentido, a exclusão deve ser entendida a partir de sua
ambiguidade constitutiva, a inclusão, que opera de modo dialético. A
análise da inclusão e da exclusão deve considerar tal ambiguidade para
tentar compreender a coesão social sob a lógica da exclusão. Tal lógica
se apresenta de diferentes maneiras, na versão social, subjetiva, física e
mental, o que também se configura em dimensões objetivas da
desigualdade social, na dimensão ética da injustiça e na dimensão
subjetiva do sofrimento. Nas palavras da autora “[...] A qualidade de
conter em si a sua negação e não existir sem ela, isto é, ser idêntico a
inclusão (inserção social perversa).” (SAWAIA, 2012, p.8).
Segundo Sawaia (2012), a dinâmica exclusão/inclusão deve ser
compreendida do ponto de vista dialético, onde cada uma das
polaridades não constitui categorias em si. Sendo da mesma substância,
a exclusão e a inclusão formam um par indissociável, se constituindo
na própria relação e demonstrando uma capacidade de a sociedade
existir como um sistema. A exclusão passa a ser entendida como um
descompromisso ético-político com o sofrimento do outro.
Esse sistema irá excluir para poder incluir, e incluir para
excluir, o que irá ocasionar a condição da ordem social desigual,
implicando a ilusão da inclusão. Mesmo que todas as pessoas estejam
inseridas de alguma forma, nem sempre será de uma maneira decente e
digna, o que não diz respeito a sua própria liberdade e potência. Essa
lógica também implica o conceito de inclusão perversa com os sujeitos
gays aqui ressaltados, pois a sociedade, partindo do pressuposto de que
se ela exclui logo ela inclui, acaba violando os direitos dessa população
ocasionando a exclusão social que esses sujeitos sofrem diariamente,
por exemplo, no ambiente universitário público, lugar do interesse da
nossa pesquisa.

665
Esse movimento dialético gera subjetividades específicas não
podendo ser apenas explicadas pela determinação socioeconômica, mas
elas determinam e são determinadas por formas diferentes de
legitimação social e individual, que se manifestam no cotidiano como
identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e inconsciência
(SAWAIA, 2012, p.9). A exclusão é um processo complexo e
multifacetado, sutil e dialético, configurado nas dimensões políticas,
subjetivas e materiais. A exclusão é um processo que envolve o homem
por inteiro e suas relações com os outros, é produto do funcionamento
do sistema (SAWAIA, 2012 p.9).
O conceito de sofrimento ético-político é proposto por Sawaia
(2012) como uma categoria para analisar a dialética da
exclusão/inclusão. São justamente as relações intermediadas pelo
sistema – aqui compreendido como uma estrutura social composta por
indivíduos e suas relações de poder - que tornam a vida do sujeito
marginalizada, gerando sentimentos de exclusão e de não
pertencimento a sociedade.
O sofrimento ético-político, segundo a autora Sawaia (2012)
abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma que mutilam a vida
de diferentes formas desses sujeitos. É qualificado pela maneira como
sou tratado e trato o outro na intersubjetividade, face a face ou até
anônimo, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela
organização social.
Em síntese, o sofrimento ético-político retrata a vivência
cotidiana das questões sociais de como é ser tratado com inferior,
subalterno, sem valor etc. Ele revela a tonalidade ética da vivência
cotidiana da desigualdade social, da negação imposta socialmente da
maioria apropriar-se da produção material, cultural e social de seu
contexto histórico, de se movimentar no espaço público e de expressar o
desejo e o afeto.

Método

666
Para estudarmos sobre as implicações subjetivas do preconceito
contra a diversidade sexual, é necessário considerar aspectos afetivos,
cognitivos e simbólicos na vida do sujeito e nos contextos sociais,
culturais e instituições em que estão inseridos. Fernando González Rey
apresenta-se como um autor que, a partir da Epistemologia Qualitativa,
da Teoria da Subjetividade e do Método Construtivo-Interpretativo,
desenvolve aporte teórico-metodológico próprio para abordar a
problemática da presente pesquisa.
A Epistemologia Qualitativa busca compreender a pesquisa
como processo mediada pela comunicação e o diálogo, legitimando o
conhecimento por meio da construção sempre contínua de modelos de
inteligibilidades a respeito de um problema de pesquisa. Esses modelos
permitem sempre que a pesquisa esteja em constante desenvolvimento
e construção. (GONZÁLEZ REY, 2003).
A Teoria da Subjetividade aponta para a complexidade da
constituição psíquica do ser humano que considera as condições da
cultura e da vida social. É compreendida como um conjunto de
construções que são articuladas pela legitimidade das zonas de
inteligibilidade geradoras por questões produzidas continuamente em
uma área de conhecimento, com implicações de diferentes espaços e
práticas humanas (MARTÍNEZ, GONZÁLEZ REY, 2017). Pelo viés
da teoria, González Rey (2017) conceitua a subjetividade como uma
produção qualitativa que se expressa dentro das condições sociais,
culturais e históricas, situadas em espaços onde estamos inseridos. A
subjetividade não representa um sistema fechado, mas aberto e
contraditório, como um sistema configuracional que se organizará pelas
configurações subjetivas situadas em diferentes momentos e contextos
da experiência de vida do indivíduo (GONZÁLEZ REY, 2017). O
referido autor desenvolve alguns conceitos que geram visibilidade para
os processos e formas em que a subjetividade é organizada. Dois deles,
a configuração subjetiva e os sentidos subjetivos, fazem parte deste laço
configuracional que compõem a subjetividade.

667
Os sentidos subjetivos são uma unidade simbólico-emocional
gerada pelos indivíduos em sua experiência vivida, indo além de sua
intencionalidade e de sua consciência, tomando formas diversas no
curso de suas diferentes ações (MARTÍNEZ e GONZÁLEZ REY,
2017).
Para os autores Martínez e González Rey (2017), o simbólico
se refere a todos aqueles processos que substituem, transformam,
sintetizam os sistemas de realidade objetivas em realidades humanas
que só são explícitas nas culturas. O simbólico acaba sendo
naturalizado como parte da objetividade em que o mundo cultural
humano emerge em cada nova geração. O simbólico irá apontar o
caráter gerador da psique, onde o homem é criador e utilizador de
símbolos em que os espaços culturais se desenvolvem.
Já as configurações subjetivas são constituídas como núcleos
dinâmicos de organização em que os sentidos subjetivos estão
inseridos, sendo muitos diversos e procedentes de diferentes zonas da
experiência social e individual. Elas expressam os aspectos das
experiências vividas em seu valor subjetivo singular para as diferentes
pessoas, constituindo as articulações de sentidos subjetivos que
organizam tanto a subjetividade social quanto a individual
(GONZÁLEZ REY, 2003).
No método construtivo-interpretativo, González Rey (2017)
define a pesquisa como ação prática, teórica e dialógica, compreendida
como um processo que sempre envolverá os sujeitos da pesquisa,
inclusive o pesquisador, como agentes ativos em diálogo e
comprometidos com o desenvolvimento da mesma. O modelo teórico e
metodológico proposto por González Rey (2017) é desenvolvido no
próprio trabalho de campo conforme as construções pessoais que o
pesquisador vai produzindo a partir das expressões dos participantes da
pesquisa. Este modelo denomina-se construtivo-interpretativo porque
estará sempre articulado com as novas ideias, indicadores, hipóteses,
decisões, posicionamentos e novas construções que o pesquisador
produzirá ao longo do percurso de toda pesquisa. No método

668
construtivo-interpretativo de González Rey (2017), o problema de
pesquisa surge da representação inicial do que se pretende pesquisar,
mas é elaborado por um conjunto de ideias, interrogações e
questionamentos que o pesquisador desenvolve no percurso da própria
pesquisa. Conforme o problema vai se esclarecendo, trazendo
aprofundamentos e desdobramentos, irá gerar novos desafios que se
integram ao modelo teórico, o que faz com que o problema de pesquisa
avance como parte do processo de construção da informação.
Os indicadores são importantes para que o processo da pesquisa
gere hipóteses e o pesquisador possa construir novos modelos teóricos
sobre o problema de pesquisa. Os indicadores serão a primeira via de
abertura para que surjam hipóteses que avancem a construção teórica,
sendo fontes de outras ideias que superem e aumentem o seu valor
investigativo no decorrer da pesquisa, se apoiando em múltiplos
aspectos qualitativos da expressão dos participantes (GONZÁLEZ
REY, 2017).
O principal recurso metodológico adotado na pesquisa,
proposto por González Rey (2017), foi a dinâmica conversacional.
Trata de promover um espaço onde os participantes possam se
expressar, se posicionar e opinar sem serem interrompidos, de forma
que a expressão manifeste sua historicidade e contradições. As
perguntas e os posicionamentos do pesquisador surgem da própria
expressão dos participantes, cuja ação dialógica irá sendo construída no
decorrer do processo da pesquisa, progredindo, ao mesmo tempo, em
duas vertentes diferentes: “o que outro vai construindo como
importante para si mesmo, sobre experiências que podem não ter sido
nunca alvo de suas elaborações” e “o que o pesquisador vai construindo
sobre o que quer conhecer”. Essas duas vertentes não são separadas uma
da outra, o que é essencial para a ética que esse tipo de pesquisa exige
(GONZÁLEZ REY, 2017, p. 96).
A conversação na proposta do referido autor tem o propósito de
conduzir a campos significativos de sua experiência pessoal ao lembrar
e relatar suas necessidades, seus conflitos, suas reflexões, permitindo o

669
surgimento de novos processos simbólicos e de novas emoções, ou seja,
de novos recursos e sentidos subjetivos. Serão esses os elementos
cruciais para identificar expressões da homofobia sofridas no espaço
universitário e suas implicações nas subjetividades desses estudantes.
Na ocasião da apresentação deste artigo, a pesquisa ainda não
tinha sido finalizada. O primeiro instrumento adotado foi a dinâmica
conversacional. Foi promovido uma sequência de cinco espaços
conversacionais com a participação de cinco estudantes cis-gays, de
diferentes cursos e campi, de uma universidade pública. No primeiro
encontro, foram escolhidas em conjunto as temáticas a serem discutidas
naquele encontro e nos próximos encontros (segundo, terceiro e
quarto). As temáticas escolhidas foram: as relações dos participantes
com os espaços universitários; as relações homoafetivas no contexto
universitário e em outros espaços sociais; Identidade: estereótipos e
regras sociais; Identidade dos indivíduos dentro do movimento
LGBTI+; “Sair do armário”: estigmas e vivências; Identidade como ato
político e fechamento com discussões e estratégias na universidade no
combate à discriminação e ao preconceito contra estudantes cis-gays.
Ainda no primeiro encontro, os estudantes tiveram a
oportunidade de falarem de suas experiências e expressarem seus
sentimentos vivenciados em situações consideradas por eles de terem
sofrido preconceito, discriminação e homofobia e outros fatos
relevantes em relação a sua orientação sexual no espaço escolar e
universitário.
No último encontro houve um fechamento de tudo que foi
discutido e pensou-se em estratégias que possibilitem aos estudantes
cis-gays, espaços que promovam um ambiente mais igualitário e livre
da opressão causada pela discriminação e pelo preconceito. Também
foi utilizado o instrumento de elaboração de uma redação, cujo o tema
foi “Homofobia: Narrativas de vivências sofridas por estudantes
universitários gays no ensino básico”, com o objetivo de fazer com que
os participantes escrevessem sobre suas vivências no ensino
fundamental e médio. Essas narrativas ofereceram subsídios para

670
elencar as temáticas trabalhadas no percurso da pesquisa e preparar
cada encontro subsequente com o objetivo de fazer dele um espaço
conversacional.
O fato de o instrumento da dinâmica conversacional ser
utilizado em todos encontros deve-se à promoção da autonomia dos
participantes em interagir e expressar seus sentimentos e produzir
sentidos subjetivos a partir das temáticas permeadas pelo problema de
pesquisa.

Resultados principais e discussões


Nesse momento não serão apresentados resultados porque no
momento da produção deste artigo a pesquisa se encontrava em
andamento. Entretanto, como resultado principal espera-se fomentar o
debate sobre discursos e práticas relacionadas à homofobia
incentivando posicionamentos que possibilitem a discussão de novas
estratégias no combate à homofobia e uma análise das implicações
homofóbicas nas configurações subjetivas dos estudantes cis-gays
universitários, para assim contribuir por uma posição ético-política que
de fato promova uma inclusão não perversa. Por fim, pode-se afirmar
que o movimento LGBTI+, de diferentes maneiras, configura modos de
resistência às formas de discriminação e desigualdades existentes na
sociedade que são indicadoras do descompromisso com o sofrimento
humano, tanto por parte do sistema estatal, quanto da sociedade civil e
dos indivíduos. E o espaço universitário público, sem dúvida, deve
promover o debate e o combate a discursos e práticas homofóbicas,
demonstrando a importância do compromisso com as diversidades
sexuais e de gênero.

Considerações finais
A emergência em se discutir novos direitos sociais e políticos
para o público LGBTI+ denota a capacidade de enfrentamento do
preconceito, como autores Prado e Machado (2008) a chamam de
subalternização civil. Para isso, os autores enfatizam a necessidade de

671
um esforço grandioso de pesquisas, ações coletivas e práticas sociais
inovadoras, que possam ser capazes de combater a estrutura e a
dinâmica do preconceito sexual e suas consequências. Desta forma, os
movimentos sociais da Diversidade Sexual são fundamentais para que
consolidem um pensamento científico-crítico capaz de apontar as
consequências dos modelos normativos identitários e políticos que
estão presentes em nossa sociedade.
Naturalizar o preconceito social nos demonstra a capacidade de
nossa sociedade em excluir, discriminar e até mesmo violentar essas
pessoas. Por isso, é necessário promover debates que discutam o
preconceito e a discriminação que alimentam a violação de direitos em
espaços públicos, institucionais, escolares e universitários, para que de
fato se inclua a representatividade de pessoas LGBTI+, de forma a
poderem se expressar nesses espaços e não serem limitados ou
discriminados pelas suas formas de ser, e os espaços permitirem novas
formas de legitimar diversificadas vivências cotidianas.

Referências
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Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. 1 ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2016.

GONZÁLEZ REY, F. Sujeito e subjetividade: uma aproximação


histórico-cultural. São Paulo: Thomson, 2003.

GONZÁLEZ REY, F.; MARTÍNEZ, M. A. Subjetividade, teoria,


epistemologia e método. Campinas, SP: Editora Alínea, 2017.

GRUPO GAY DA BAHIA. Mortes violentas de LGBT no Brasil –


Relatório 2017. Salvador, 2018, vol. 8.

JUNQUEIRA, R. D. Homofobia: Limites e possibilidades de um


conceito em meio a disputas. Estudos Gays: Gêneros e Sexualidades.
Vol 1, nº 1, Rio Grande do Norte, 2007. p. 1-22.

672
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MARTÍNEZ, A. M.; GONZÁLEZ REY, F. A Dimensão Subjetiva da


aprendizagem escolar. Psicologia, Educação e Aprendizagem
Escolar: avançando na contribuição da leitura cultural–histórica.
São Paulo: Cortez Editora, 2017. 51-77p.

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Homossexualidades: a Hierarquia da Invisibilidade. São Paulo: Vozes,
2008, vol. 6. (Coletânea Preconceitos).

SAWAIA, B. (org). Exclusão ou Inclusão Perversa. In SAWAIA, B.


(org). As Artimanhas da Exclusão: Análise psicossocial e ética da
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SAWAIA, B. (org). O sofrimento ético-político como categoria de


análise da dialética exclusão/inclusão. In SAWAIA, B. (org). As
Artimanhas da Exclusão: Análise psicossocial e ética da
desigualdade social. 14 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. cap. 6, p. 99-
119.

673
IMPLICAÇÕES HISTÓRICAS A
RESPEITO DA EDUCAÇÃO SEXUAL:
CONSIDERAÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO
EMANCIPATÓRIA

Suelen Soares Barcelo de Miranda


Eliane Rose Maio
(Universidade Estadual de Maringá)

Disserta-se no presente trabalho a respeito da educação sexual por uma


perspectiva de educação emancipatória, contrastando assim os vieses
biológicos e higienistas postos historicamente ao falar de dessa temática.
Para tanto, adentra-se na concepção social de sexualidade, considerando
tratar-se de parte intrínseca da vida humana, havendo a necessidade de
trabalhar este assunto para a superação de adversidades instauradas
dentro e fora do ambiente escolar. A pesquisa tem como objetivo geral
compreender aspectos da educação sexual no contexto escolar,
observando os contornos históricos apresentados por este modelo de
educação. A metodologia empregada voltou-se para uma pesquisa com
caráter de revisão bibliográfica. Entre as possíveis implicações, destaca-
se que que historicamente a educação sexual tem sido alvo de constantes
discussões, acompanhadas de diferentes discursos, com isto, tem-se em
constância, avanços e retrocessos perante a temática, o que reflete
diretamente na prática educacional. Como considerações almeja-se
refletir a respeito dos pormenores que circundam a educação sexual,
gerando benefícios a longo prazo aos/às envolvidos/as, no que tange às
temáticas sexuais.
Palavras-chave: Educação Sexual; Sexualidade; História; Educação
Emancipatória.

HISTORICAL IMPLICATIONS CONCERNING SEX


EDUCATION: CONSIDERATIONS FOR EMANCIPATORY
EDUCATION

674
In the present work we discuss sexual education through a perspective
of emancipatory education, thus contrasting the biological and hygienic
biases historically placed when talking about sexual education.
Therefore, it enters into the social conception of Sexuality, considering
it to be an intrinsic part of human life, and there is a need to work on this
subject to overcome adversities established inside and outside the school
environment. This research has as general objective to understand
aspects of Sexual Education in the school context, observing the
historical contours presented by this model of education. The
methodology used turned to a bibliographic review. Among the possible
implications, it is worth noting that historically Sexual Education has
been the subject of constant discussions, accompanied by different
discourses, with this, one has in constancy, advances and setbacks before
the theme, which reflects directly in the educational practice. As a
consideration, we want to reflect on the details that surround sexual
education, generating long-term benefits for those involved, regarding
sexual themes.

Key words: Sexual Education; Sexuality; History; Emancipatory


Education.

Introdução
Ao inclinar-se para os quesitos educacionais como tema de
pesquisa, percebe-se a urgência de contextualizar os pormenores de cada
período vigente que circundam e caracterizam a educação brasileira,
como influências políticas, culturais e econômicas constituindo questões
amplas da sociedade. Sabendo que o objetivo geral proposto para esta
pesquisa se volta para compreender aspectos da educação sexual no
contexto escolar, observando os contornos históricos apresentados por
este modelo de educação, ao longo das décadas, inclui-se que, como
objetivo específico, visa-se articular a concepção de sexualidade e
gênero atrelados a estes momentos. Cabe evidenciar que esta pesquisa
perpassou por ciclos do século XX, se estendendo para o século XXI,

675
frisando sobretudo, no período da Ditadura Civil Militar.
Evidentemente, mediante as novas necessidades da sociedade,
tornou-se preciso rever aspectos estruturais. Assim, Saviani (2013)
expõe que ao longo do século XX, diferentes medidas educacionais
foram tomadas pelo governo central, a fim de instaurar o ideal de
educação nacional. Para o autor, o período de 1930 1945 é marcado como
pós-Revolução, caracterizando a reorganização educacional do país. De
semelhante modo, Carvalho (2009) explicita que o início do século XX
foi marcado por mudanças e incertezas.
Para Duarte (2014), o processo de modernização da sociedade
brasileira se intensificou entre as décadas de 1960 e 1980, acompanhado
de mudanças sociais como as lutas das mulheres junto aos movimentos
feministas, a entrada da mulher no mercado de trabalho e a aprovação da
Lei do Divórcio em 1977, questionando concepções de feminilidade e
masculinidade, bem como os domínios de poder exercidos pela
hegemonia. Para Saviani (2013), por volta de 1960, se deram os
processos de urbanização e industrialização em território brasileiro.
A educação brasileira perpassa por inúmeros enfrentamentos,
como a necessidade de políticas públicas educacionais, financiamento,
elaboração de materiais e iniciativas. Todos estes aspectos visam incitar
o pensamento crítico dos/as estudantes, dentro e fora do espaço da escola.
Conforme Saviani (2013) é incumbência da escola como agente de
transformação social, ofertar práticas pedagógicas que partam da
realidade objetiva, política e social em que alunos/as e professores/as
estejam inseridos/as, permitindo assim uma prática social comum,
voltada para a apropriação de conhecimento.
Historicamente a educação tem sido alvo de constantes debates,
com posições ideológicas distintas, as quais interferem na prática
educacional. Não obstante, sabe-se que a educação sexual perpassa por
inúmeras barreiras e impedimentos, postos em decorrência de posturas
moralizadoras e por vezes religiosas.
Mediante a necessidade de compreender o contexto histórico da
educação sexual brasileira, a metodologia empregada na elaboração

676
deste trabalho concentra-se em uma pesquisa com caráter de revisão
bibliográfica. Entre as possíveis implicações apresentadas, destaca-se
que historicamente a educação sexual tem sido alvo de constantes
discussões, marcadas de avanços e retrocessos na área educacional.
Como resultados organiza-se, de maneira linear, o movimento
histórico da educação sexual no Brasil, pautando acontecimentos que
marcaram a educação e a conjuntura política e social em diferentes
períodos, possibilitando diferentes discussões aos/as envolvidos/as.

Compreendendo gênero e sexualidade


Perante a necessidade de proporcionar conversas
contextualizadas a respeito de gênero e sexualidade em ambiente escolar
formal, como pautados na vertente de educação sexual, utiliza-se de
Scott (1995) para situar gênero, retratando-o como relações sociais de
definição entre os sexos.

Na gramática, o gênero é compreendido como uma


forma de classificar fenômenos, um sistema
socialmente consensual de distinções e não uma
descrição objetiva de traços inerentes. Além disso,
as classificações sugerem uma relação entre
categorias que torna possíveis distinções ou
agrupamentos separados (SCOTT, 1995, p. 72).

De acordo com a autora referida, gênero tange as classificações


empregadas na sociedade para categorizar grupos e sujeitos/as. Acerca
da sexualidade, Beauvoir (1970) define que esta exerce papel importante
na vida humana, refletindo em toda sua dimensão. Logo, assimila-se que
a sexualidade percorre aspectos que transcendem às funções biológicas,
envolvendo toda a amplitude humana, dessa maneira, defende-se que a
sexualidade é vivida por todos/as, do nascimento até a morte, sendo parte
inerente de cada um/a, em que ao mesmo tempo em que recebe
contornos, os exerce na conjuntura social. Mediante aos expostos,
compreende-se que gênero e sexualidade estão atrelados, referindo-se a

677
construções nas relações sociais e empregando diferentes características
socioculturais.
Acrescenta-se que, para Maio e Correa (2013), as pautas acerca
de gênero e sexualidade advieram das lutas feministas iniciadas com as
norte-americanas e ocorridas também no Brasil, conduzindo novos
debates e atenções.

A educação sexual que antecede a Ditadura Militar


Entre os momentos que marcaram a história da educação no país,
Aquino e Martelli (2012) informam que a partir da década de 1920,
organizam-se debates acerca da educação sexual por professores/as e
médicos/as, mantendo posturas higienistas e eugenistas em prol de
garantir aos/às alunos/as saúde e qualidade de vida. Aquino e Martelli
(2012) iteram que no ano de 1928 ocorreu o Congresso Nacional de
Educadores, que aprovou o Programa de Educação Sexual, destinado a
ser desenvolvido com infantes acima de onze anos de idade; ao passo
que Saviani (2013) indica a IV Conferência Nacional de Educação,
ocorrida em 1931 e que conduziu os rumos educacionais.
Em consonância com os intuitos da escola, surgem discursos a
fim de difundirem formas ‘civilizadas’ de educar, para tanto, abre-se
espaço para as práticas higienistas, promovendo as falas médico-
pedagógicas nos Planos para a Educação Nacional, como expresso no I
Congresso Nacional de Saúde Escolar (1941). Neste contexto, deve-se
pensar que a educação sexual sugerida para a época, necessita atender
aos princípios educacionais e pedagógicos de então, compartilhando dos
ideais de moralidade e nacionalidade do período.
Para Aquino e Martelli (2012), no início do século XX, já
existiam concepções acerca da educação sexual, possibilitadas pelos
estudos de Freud. Logo, fomentou-se questões em torno da sexualidade
e do comportamento humano, perpassando pelo terreno escolar. Aquino
e Martelli (2012), pontuam que por volta de 1922, o educador Fernando
Azevedo, importante nome para o movimento da Escola Nova, defendia
a necessidade da educação sexual como matéria de ensino, sendo para

678
ele, um componente para a abordagem de questões morais, eugenistas e
higienistas.
Logo, a escola formativa, disponibilizaria conteúdos que
valorizassem a formação moral e cívica, prezando pela disciplina dentro
do ambiente escolar, a fim de promover tais influências também no
ambiente familiar. A articulação da escola formativa, atuou em prol de
firmar indivíduos com sentimentos de nacionalidade capazes de servirem
a sociedade, providos de consciência e amor à pátria. Para suprir a estas
necessidades propostas, o contexto escolar requisitava a presença do/a
médico/a, das educadoras de saúde e das professoras, objetivando ofertar
saúde, sabedoria, aprendizagem, crescimento, civilidade e moralidade,
pois, para eles/as, os/as sujeitos/as educados/as não ficariam expostos/as
a doenças e vícios.
Com amparo nestes princípios, a instauração da educação sexual
posiciona-se inquieta quanto a disciplina, a moral e a responsabilidade
de crianças e jovens brasileiros/as, como dialoga Berreta (1941). O autor
aponta que a proposta de educação sexual daquele período, destina-se às
escolas secundárias, de modo que, a educação voltada para a moral
destinava-se à formação do homem e da mulher do período, buscando
construir o caráter destes/as cidadãos, prezando aspectos higiênicos para
obtenção da saúde.
Para além, ao refletir em torno da historicidade da educação
sexual no território brasileiro, Silva (2002) apresenta que dentre as
justificativas para implantação desta temática nos currículos escolares,
houve o predomínio da preocupação de médicos/as e pedagogos/as frente
ao chamado onanismo, em outras palavras a masturbação. De acordo
com a autora, esta prática foi condenada por profissionais da saúde e da
educação, com o discurso de que se tratava de um mal à saúde das
crianças. Silva (2002) revela que historicamente, as questões sexuais
humanas foram tratadas pela sociedade do país com proibições, negações
e ocultamentos.
Em suma, conforme Berreta (1941), a educação sexual visava a
garantia de higiene e saúde sexual, articuladas à formação do caráter. A

679
isto, Bassalo (2010) complementa que a discussão pelo viés eugênico
voltada à educação sexual, atua divulgando princípios higiênicos, mas
também sociais, a fim de consolidar o controle sobre o corpo da
população. No período em questão, como se destaca com Abreu Junior e
Carvalho (2012), esta concepção social inclina-se para o controle da
sexualidade, interferindo nas vivências dos/as cidadãos/ãs acerca da
sexualidade e ditando-lhes regras. Dito isto, com base nos autores
afirma-se que os discursos médico-higiênico dos/as intelectuais do
período em relação à sexualidade, caracterizavam-se como
conhecimentos científicos para um projeto educacional, articulados a
diversos campos do saber.

A Ditadura Militar e a educação sexual no Brasil


A história brasileira apresenta avanços e retrocessos, bem como
períodos de repressão social, cultural e sexual intensificados com a
ditadura civil militar, instaurada em 1964, ante a isso, o decênio de 1960
foi marcado por instabilidade política, de modo que a censura foi
intensificada a partir de 1968, como aponta Pinheiro (1997).
Apesar das vigilâncias e punições, Duarte (2014) aponta que
universitários/as revolucionaram os anos de 1960 ao criticarem os
costumes sociais da época, marcada pelo conservadorismo e por posições
sexistas hierárquicas. Entretanto, a autora exprime que durante a ditadura
civil militar, o governo apresentou características de guerra, buscando
combater inimigos internos, os quais, eram representados por todos/as
que subvertessem a ordem e a desestabilizasse, como: movimentos
sociais, grupos sindicalistas, intelectuais e movimentos estudantis. Isto
fez com que as articulações sociais sofressem severas represálias,
ficando diante de severas repreensões militares.
A década de 1960 acirrou a vigília militar a partir da instauração
do Ato Institucional Nº 5 (AI5). Pinheiro (1997) situa que até 1968, as
manifestações de grupos sindicais, estudantis e representativas
intercorreram, sendo interrompidas com o Ato Institucional Nº 5 (AI5)
no ano de 1969, o qual, proibiu movimentos de crítica e contestação

680
contra o governo. Dito isto, a autora aponta que a década de 1970 coibiu
movimentos sociais, divulgação de ideias e de informações acerca do
governo, havendo forte repressão e alienação política sob a população.
Para além da censura de informações, Barroso & Bruschini (1982 apud
PINHEIRO, 1997), denunciam que se instaurou no Brasil uma forte onda
de puritanismo, sobretudo no tangível à educação sexual.
Esta postura moralista e puritana da sociedade, conduzia a
repressão dos/as cidadãos/ãs, repercutindo o silêncio como entende
Foucault (2009); logo, por meio do poder reprimiam-se palavras e gestos
vistos como não autorizados, levando-os a serem emitidos como
discursos clandestinos.

Explicam-nos que, se a repressão foi, desde a época


clássica, o modo fundamental de ligação entre
poder, saber e sexualidade, só se pode liberar a um
preço considerável: seria necessário nada menos
que uma transgressão das leis, uma suspensão das
interdições, uma irrupção da palavra, uma
restituição do prazer ao real, e toda uma nova
economia dos mecanismos de poder; pois a menor
eclosão de verdade é condicionada politicamente
(FOUCAULT, 2009, p. 11).

Entende-se que a repressão como mecanismo de poder, como


expõe Foucault (2009), invisibiliza pautas pertinentes à sociedade,
impossibilitando a articulação de saber entre grupos não hegemônicos.
Mesmo em tempos de inibir discursos de cunho socioculturais e
oprimir a organização de grupos sociais, houve tentativas de
implementar discussões acerca da educação sexual no ambiente formal
de ensino. A este respeito, Aquino e Martelli (2012) citando Guimarães
(1995), revelam que anterior ao AI5, ocorreram iniciativas em prol de
implantar a educação sexual nos currículos escolares do estado de São
Paulo. De acordo com as autoras, a partir de 1964 na cidade do Rio de
Janeiro, o colégio Pedro Alcântara instaurou a disciplina de educação
sexual em todos os anos letivos.

681
Posteriormente a isto, outras instituições de ensino tomaram a
mesma iniciativa, como por exemplo, os colégios Infante Dom Henrique,
Orlando Rouças e André Maurois, em meados de 1968, como expõem
Aquino e Martelli (2012). Todavia, sabendo que este período enfrentou
severas repressões, as autoras apontam que consequentemente houveram
implicações a alguns estabelecimentos de ensino, como a expulsão de
alunos/as, a exoneração de membros/as da direção e a suspensão de
professores/as. É possível inferir com estes acontecimentos, as longas
tentativas de implementação da educação sexual e dos discursos acerca
da sexualidade dentro do território da escola, bem como as constantes
represálias e retrocessos proferidos em oposição.
O reflexo do conservadorismo da sociedade brasileira na
educação, chocando-se com a eminente modernização, buscava maneiras
de perpetuar os discursos patriarcais, logo, a educação sexual da década
de 1960 mantinha estes argumentos reverenciando o casamento, a
maternidade e a paternidade como expõem Nunes e Silva (2006). Para
ambos/as, este momento da educação, empregava o discurso médico e
patológico, assim como o decênio de 1970, que priorizou o modelo
médico-biologista, com viés higienista e foco nas funções biológicas,
como a reprodução humana.
Silva (2002) revela que as décadas de 1960 e 1970 apresentaram
um novo momento social-sexual para a sociedade, com isso,
compreende-se a preocupação com as temáticas sexuais e o advento da
instauração das mesmas nos currículos escolares. Logo, a educação
sexual foi de fato instituída na época com a Lei de Nº 5.692, datada de
11 de agosto de 1971, nomeada por Lei de Diretrizes e Bases (LDB) para
o Ensino de 1º e 2º graus no Brasil, sendo ofertada por meio da disciplina
Programas de Saúde, no viés de educação em saúde, como evidenciado
por Pinheiro (1997).
A Lei 5.692/71 (BRASIL, 1971) apresenta a obrigatoriedade da
orientação educacional por orientadores/as com formação superior, no
que tange às questões sexuais se tem a presença definitiva de
especialistas em educação e em saúde, como explicita Silva (2002). A

682
referida autora situa ainda o surgimento do Parecer Nº 2.264/74, do
Conselho Federal de Educação, aprovado em agosto de 1974, que
defende a educação sexual em programas de Educação da Saúde.
Durante 1970, compreende-se com base em Duarte (2014), que
categorias hegemônicas se posicionaram contrárias às manifestações da
sexualidade, declarando se tratar de imoralidade, sobretudo, diante do
golpe AI5 que vigorou até 1978. Assim, mediante às inúmeras normas
comportamentais do período, grupos de minorias sociais passaram a
questionar regras sociais postas quanto à sexualidade, ao namoro e ao
casamento, possibilitando controverter os valores políticos, como relata
Duarte (2014). De fato, a articulação dos grupos sociais minoritários com
o passar dos anos, contribuiu para o fim do regime militar, por meio de
denúncias, cobranças e manifestações como se pode inferir com a autora.
Dentre as expressões normativas do período, Cardoso e Leite
(2018) apontam que objetivando reforçar o lugar da mulher na sociedade,
os currículos escolares brasileiros nos anos de 1970 e 1980 mantinham a
disciplina Educação paras o Lar, com matrícula voltada exclusivamente
para o público feminino, sendo compostos por tarefas marcadas por
binarismos, como masculinas e femininas.
Reitera-se com embasamento em Pinheiro (1997), que apenas a
partir de 1979 se teve novamente a abertura concreta para tratar de
questões sobre o corpo e a sexualidade, posto que anteriormente, haviam
fortes traços de puritanismo, prevalecendo a ideia de moralidade e de
bons costumes. Conforme a autora, com o fim da década de 1970 houve
um abrandamento da censura, contribuindo para a fomentação da
chamada liberação sexual; com isso, filmes, revistas, lojas e programas
de televisão passaram a apresentar a temática do sexo. Ainda sobre esse
período, a autora contextualiza que Marta Suplicy discursava sobre sexo
em um programa de televisão nomeado TV Mulher.
Em concordância a Pinheiro (1997), Nunes e Silva (2006)
apresentam que a década de 1980 perpassou por intensas influências da
televisão, tanto em âmbito comportamental, quanto como agente
educativo. A influência do referido programa na educação sexual,

683
repercutia por meio de consultas sexuais, mediados de modo terapêutico
pela apresentadora e posteriormente empregados nas salas de aula, como
expõem Nunes e Silva (2006).
Além da instauração da educação sexual no currículo, outro
mecanismo encontrado para pautar estas discussões foram as palestras.
Aquino e Martelli (2012) descrevem que entre os anos de 1978 e 1979
respectivamente, organizaram-se em escolas privadas congressos sobre
a temática, evidenciando o interesse dos/as profissionais da educação
sobre o assunto.
As autoras contextualizam que a iniciativa privada foi
responsável pela movimentação e organização de encontros a respeito
das questões sexuais ao longo do período ditatorial. Em continuidade,
observa-se que no final da década de 1970, foram criadas entidades a fim
de exercer o controle populacional, com destaque, Aquino e Martelli
(2012) evidenciam a Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil –
BEMFAM, a qual foi responsável pela organização do 1º Seminário
Técnico de Educação Sexual. Posteriormente, em 1983 ocorreu o 1º
Encontro Nacional de Sexologia, sob a organização da Federação
Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. Barroso & Bruschini (1990 apud
PINHEIRO, 1997) defendem que a educação sexual se tornou pauta no
decênio de 1980 devido ao aparecimento da AIDS.
Aquino e Martelli (2012), assim como demais autores/as que
dialogam acerca das concepções de sexualidade e das particularidades
que permearam a educação sexual ao longo dos tempos, exibem que a
abordagem mantida priorizava saúde reprodutiva, a prevenção de
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), gravidez e a contracepção,
mantendo aspectos biológicos e patológicos acerca das temáticas
sexuais, como observou-se com educação higienista e eugenistas de
meados dos anos 1940.
Foucault (2009) revela que desde o século XVIII a instituição
pedagógica concentra formas diferentes de discursos e conteúdos acerca
do sexo, vinculando-os e multiplicando-os. Todavia, com base no
referido autor, compreende-se que havia um mecanismo coercivo em

684
torno dos discursos sobre o sexo, que devido a isso, era apontado de
modo limitado e cuidadosos. Para Foucault (2014), com o passar dos
tempos, houve uma acessibilidade ao conhecimento, incluindo o saber a
respeito do sexo. A tentativa de invalidar estes discursos têm
repercussões ao longo de cada período histórico, acompanhada de
interdições e incitações acerca dos discursos sexuais.
Foucault (2014) define que o sexo como saber refere-se a
scientia sexualis, predizendo a ciência sexual, especificamente como a
superabundância de saber sobre sexo. Logo, entende-se que houve uma
superprodução de saber sobre a sexualidade, sobretudo a nível
sociocultural.

Pensando em práticas educacionais emancipatórias


Após o período ditatorial, já na década de 1990 como aponta
Pinheiro (1997), foram apresentadas iniciativas educacionais pelo
Ministério da Educação e do Desporto, para a efetivação de uma Política
Educacional em Sexualidade. Isto posto, a autora apresenta que em 1991,
o então Ministro da Educação, Carlos Chiarelli, evidencia a necessidade
da educação sexual para a sociedade, fato ocorrido durante o I Congresso
Nacional sobre a Saúde do Adolescente, no Rio de Janeiro. O foco desta
proposta de educação voltava-se para a educação em saúde, tencionando
a prevenção de DST, com amparo da portaria nº 678 de 14 de maio de
1971, assegurando a introdução da temática nos currículos escolares.
Ademais, a autora apresenta que foram criados pelo Ministério
da Educação e do Desporto: o Programa Nacional de Atenção Integral à
Criança e ao Adolescente – PRONAICA, pela lei nº 8.642 de 31 de
março de 1993; bem como o Comitê Nacional de Educação Preventiva
Integral – CONEPI, pela Portaria Nº 122 de 01 de março de 1993, de
modo que a educação sexual almejada, se volta para a qualidade de vida
dos/as sujeitos/as, utilizando conceitos da Educação Preventiva Integral
para prevenir a gravidez indesejada e combater DST e a AIDS.
Posteriormente, Pinheiro (1997) complementa que organizações não-
governamentais em parceria a entidades oficiais lançaram em 1995 no

685
Brasil o Guia de Orientação Sexual, adaptado do material americano de
1991, Guideline for Comprehensive Sexuality Education Kindergarten –
12th grade e destinado aos níveis primário e secundário.
Com relação à década de 1990, Nunes e Silva (2006) revelam
que as temáticas sexuais passaram a ser exploradas de diferentes
maneiras, acompanhadas pela erotização e pelo consumo de sexo pela
sociedade por meio das influências midiáticas, contrastando-se com a
necessidade contemporânea de uma educação emancipatória. Para
ambos, este momento histórico recobrava dos/as educadores/as
capacitação envolvendo criticidade, para formação plena e
emancipatória.
A década de 1990 fomentou ainda os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), conforme aponta Silva (2002), os quais representaram
um marco educacional. De acordo com a autora, o material propõe a
inserção da educação sexual escolar de modo transversal, atuando como
diretrizes destinadas ao ensino fundamental. Para Correa (2013) o PCN
(BRASIL, 1998) atribui novos modos de falar sobre as temáticas sexuais
no âmbito escolar, envolvendo amplos assuntos e podendo englobar toda
a dimensão da sexualidade.

As modificações no modo de pensar a sexualidade


refletem-se em diversas áreas da sociedade. Na
educação, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) (BRASIL, 1998) passam a admitir a
responsabilidade da escola para discussões que
envolvem a orientação sexual, o gênero e outros
tópicos que abordam, de forma geral, a constituição
de uma identidade nas pessoas (CORREA, 2013, p.
47).

Compreendendo que as temáticas sexuais englobam aspectos


humanos subjetivos, os quais se mantêm articulados em conjuntos de
saberes e atitudes, a fim de alcançar a emancipação humana, identifica-
se que o PCN busca promover estes debates em espaço escolar por meio
do eixo transversal, desse modo, defende-se a urgência de educadores/as

686
aptos/as para desenvolverem tais discussões. Mediante a isto, Maio e
Correa (2013) expressam que os/as professores/as necessitam de
programas e formações profissionais efetivas na área de gênero e
sexualidade.
Ao inserir as temáticas sexuais no contexto educacional busca-
se fomentar igualdade, respeito e autonomia superando o sexismo, o
preconceito, as marcas de gênero e as violências diversas. Para Martin
(2017), as discussões sobre as questões de gênero são fundamentais para
a escola, a fim de garantir cidadania e formação humana integral, bem
como de qualidade, logo, “[...] a escola pode deixar de ser um espaço de
opressão e repressão na questão da sexualidade, para se tornar um
ambiente efetivamente seguro, livre e educativo para todas as pessoas”
(MAIO, 2012 apud MARTIN, 2017, p. 205). Deste modo,
compreendendo que o ambiente escolar formal, está apto para subsidiar
inúmeros assuntos e fomentar a aprendizagem, reitera-se que ao
incorporar a educação sexual, atua-se em prol de minimizar violências
nestes espaços.
Além disso, Correa (2013) define que a escola é um espaço
privilegiado do saber, necessitando a ela subsidiar ações educativas sobre
diversas questões. Logo, a educação sexual como integrante curricular,
necessita articular-se teoricamente, distanciando-se de achismos, pois,
como apontam Cardoso e Leite (2018), comumente as argumentações
sobre gênero e sexualidade são feitas de maneira superficial, podendo ser
equivocadas ou até mesmo difamatórias, assim, cabe à escola
problematizá-las de forma efetiva, questionando desigualdades e o
poder.
Sabendo que se trata de uma ampla temática, a ideia de
emancipação buscada articula-se à compreensão de aspectos
socioculturais e históricos que envolvem dimensões humanas de maneira
integral. Logo, o trabalho acerca da educação sexual no território escolar,
conforme Nunes e Silva (2006), prediz a forma de socializar atitudes
educativas emancipatórias, por meio de abordagens humanizadas, que se
distanciem de autoritarismos.

687
Considerações finais
A educação sexual no território brasileiro perpassou por
inúmeros percalços, exibindo um cenário de avanços e retrocessos.
Dentre os recuos e adiantamentos, constataram-se influências
moralizadoras, as quais interferiram nos encaminhamentos educacionais
referentes à temática sexual.
A busca por pontuar a historicidade da educação sexual
brasileira, permitiu atentar para a participação e luta social de grupos
minoritários em favor da população. Estes movimentos questionaram a
organização social vigente, bem como os costumes e as regras
comportamentais, sobretudo no que se refere à sexualidade, ao corpo e à
participação da mulher no meio social, como se viu com as lutas
feministas.
Compreende-se que a oferta de educação sexual, busca articular
aspectos socioculturais, envolvendo questões múltiplas das vivências
humanas, como saúde, cultura e sexualidade desvinculando-se da
abordagem higienista e eugenista estabelecida no passado. Logo, afasta-
se dos vieses biológico e fisiológico e busca-se atrelar as discussões ás
diversas questões humanas. Mediante a isto, entende-se que a proposta
de educação sexual para a emancipação, embora aparente de certa forma
utópica, está debruçada sobre o ensino integral, com conteúdo vinculado
de modo interdisciplinar.
Por fim, entendendo a complexidade e amplitude destes debates,
espera-se fomentar novas reflexões, apresentando respaldos teóricos
pertinentes.

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Formação de Professores, Direitos Humanos e diversidades Culturais. Teresina:
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690
MULHER NA SOCIEDADE CAPITALISTA
E PATRIARCAL: DESIGUALDADES DE
CLASSE E GÊNERO

Clara Hanke Ercoles


Patrícia Barbosa da Silva Eliane Rose Maio
(Universidade Estadual de Maringá)

Este trabalho objetiva refletir sobre as duplas desigualdades que


mulheres sofrem em uma sociedade capitalista e patriarcal, sendo essas
de classe e gênero, propondo a superação dessa sociedade através da
emancipação feminina por meio de uma educação crítica. Abarcaremos
a discussão sobre a origem da educação pública no Brasil, a desigualdade
de classe, a desigualdade de gênero, um histórico a partir da sociedade
matriarcal à patriarcal e a educação para a emancipação frente à
sociedade patriarcal, analisando a partir da visão histórico-crítica.
Percebemos que é urgente a educação crítica e emancipadora sobre os
assuntos de classe e gênero.
Palavras-chave: patriarcado; gênero; classe

WOMEN IN THE CAPITALIST AND PATRIACHAL SOCIETY:


CLASS AND GENDER INEQUALITIES

This paper aims to reflect about the double inequalities that women
suffer in a capitalist and patriarchal society, these being class and
gender, proposing the overcoming of this society through the feminine
emancipation through a critical education. We will discuss about the
origin of public education in Brazil, class inequality, gender inequality,
a history from matriarchal to patriarchal society and education for
emancipation against patriarchal society, analyzing from the historical-
critical view. We verify that it is urgent a critical and emancipatory
education about class and gender.
Key words: patriarchy; gender; class

691
Enquadramento teórico
A educação permite que sujeitas/os possam alcançar a
emancipação nessa sociedade capitalista que os e as subjugam por meio
do trabalho. A referida emancipação envolve o processo educativo,
crítico que possibilite a consciência, de classes e gênero, necessárias à
organização da classe trabalhadora e das ditas “minorias” sociais contra
a burguesia (LENIN, 2008).
A consciência de gênero se faz necessária neste processo
revolucionário, visto que explicita as desigualdades entre homens e
mulheres originadas pela propriedade privada e mantidas pelas
reproduções culturais. Atualmente as reproduções culturais levam
mulheres a serem subjugadas por ocuparem um espaço aquém que os
homens quando o Capital cresce às custas de uma sociedade patriarcal,
cuja mulher é duplamente rebaixada (LENIN, 2008). Assim, este
trabalho visa entender o contexto patriarcal a fim de refletir sobre a
possibilidade de emancipação das mulheres por meio da educação
escolar.

A origem da escola pública no Brasil


Para compreendermos a dinâmica da nossa sociedade é
importante atentarmos para qual a formação oferecida para a população.
Para isso, discutiremos brevemente o contexto da origem da escola
pública no Brasil, focando nos seus objetivos, ideais inspiradores e seu
público alvo. Para tal retomada histórica, utilizaremos a leitura de Galuch
(2013).
A partir de quando a sociedade moderna atingiu sua soberania,
passou a debater sobre a educação democrática, como uma solução para
as relações sociais individualistas, fruto da época. Outro objetivo,
podemos também apontar para o desejo ideológico por parte da
burguesia de conter o espírito revolucionário que inflamava em
proletárias/os e que precisava ser contido. A escola, então, era o espaço
que faria dessas expectativas de controle e formação da ideologia
necessária para manter a ordem necessária para que o Capitalismo

692
imperasse. As ideais positivistas de “liberdade, igualdade e fraternidade”
da França inspiraram a origem da educação pública e influenciaram o
Brasil nessa concepção.
A ideia da liberdade nutria nas pessoas a busca pelos mesmos
ideais, fazendo com que suas posturas fossem distantes de conflitos e
violências, assim como também das lutas, reivindicações e greves,
moldando cidadãs/ãos dóceis para o trabalho e sociedade. A igualdade
propõe que a condição social é dada através da conquista, todas/os tem
as mesmas condições para alcançar o que deseja ou não, depende apenas
da dedicação do indivíduo. Por fim, a fraternidade, o ápice para a
formação da harmonia social que a crise do capital abalara.
Para tal formação, era necessária uma escola pública, gratuita,
obrigatória e laica para filhas/os das pessoas que se colocavam contra a
ordem, ação denominada por Marx (2010), como uma estratégia
reformista. Neste aspecto a escola gratuita e pública, todas/os teriam
acesso a essa formação e envolveria o máximo de crianças. A
obrigatoriedade exige que meninas/os passem a frequentar este espaço.
A laicidade substitui a educação religiosa pela educação moral, que
objetivava a coesão social por meio do sentimento de fraternidade.
Entretanto, como conquistar a coesão em uma sociedade baseada
em desigualdades? Desde as contradições sociais às de gênero, como
cumprir tal exigência que se encontra presente nos documentos
educacionais em uma sociedade que se molda na individualidade,
competitividade e desigualdade?
Analisando um trecho no relatório “Educação: um tesouro a
descobrir”, o conceito de atualização da educação é dado da seguinte
forma: “[…] no âmbito desse relatório, fomos levados a retomar e
atualizar o conceito de educação ao longo de toda a vida, de modo a
conciliar a competição que estimula, a cooperação que reforça e a
solidariedade que une.” (DELORS, 1998, p. 09). Por meio de tais
conceitos, a educação forma indivíduos que sobrevivem ao Capital,
imersos em contradições, pois, ao mesmo tempo que formam sujeitas/os

693
competitivas/os, também formam sujeitas/os cooperadoras/es e
solidárias/os.
A contradição que permeia toda a nossa educação acaba que
fazendo que cada indivíduo assuma uma escolha para exercer sua
cidadania. E se ela/e tem por opção sobreviver nessa sociedade
capitalista, que exige competitividade e individualidade, é mais certo que
aspire falsamente os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,
enquanto seu interesse passará longe de buscar uma sociedade justa,
igual e solidária.
Não somos sujeitas/os livres, fraternas/os nem iguais no
capitalismo patriarcal. Sendo assim, é bem improvável que neste formato
de educação seja possível alcançar a coesão social.

Desigualdade de classes
Como esclarecemos no item anterior, a sociedade é formada a
partir das contradições na formação escolar para atender a demanda do
Capitalismo como para uma falsa proposta de coesão social, atuando em
sua essência como uma instituição alienante, que visa desenvolver
pessoas competitivas e produtivas, formando sujeitas/os com
pensamentos individuais para atender as necessidades capitalistas.
Para Saviani (2012) a igualdade de classes que acontece na
sociedade burguesa é formal e decorre do fundamento da liberdade, tanto
para quem possui os meios de produção, que se dá na aceitação ou não
da oferta da mão de obra, tanto para aquelas/es que possuem a força de
trabalho, na venda dela.
Desta forma os e as sujeitos/as vivenciam uma falsa liberdade,
conforme Alves (2011). A mesma pode ser classificada como uma
ideologia, que defende a resiliência e mudança constante em prol do
capital. Contudo, a verdadeira liberdade os indivíduos encontrariam se
demonstrassem como livres economicamente no mercado de trabalho,
segundo Marcuse (1967), ficariam, assim, livres para exercer autonomia,
iniciando uma possibilidade da superação da desigualdade de classes.

694
Entendemos que olhar a sociedade apenas através da
desigualdade de classes não seria suficiente. Uma mulher em uma classe
alta não estaria no mesmo patamar que um homem também de mesma
classe. É preciso pontuar que nossa sociedade é patriarcal e que traz
como consequências as desigualdades de gênero, o que discutiremos no
próximo item.

Desigualdade de gênero
A partir de tais constatações, iniciamos as nossas reflexões sobre
gênero, por meio de alguns questionamentos relevantes à compreensão
da temática, como: o que é gênero? Por que as apropriações entre os
gêneros são distintas? E, o que podemos fazer para mudar essa realidade?
Em referência à primeira indagação, o conceito de gênero possui
diversas interpretações, tanto no senso comum, quanto nas abordagens
teóricas presentes na academia. Neste trabalho, optamos por utilizar a
definição de gênero da socióloga marxista Saffioti (1987; 2013; 2015).
Ela, inicialmente, expõe que no senso comum, o gênero é
sinônimo de sexo biológico, sendo esta a aparência do fenômeno, que
demonstra a biologização da temática. No entanto, quando nos referimos
teoricamente a gênero, e dentro da concepção materialista histórica e
dialética, trabalhamos com o concreto pensado, ou seja, a essência.
Saffioti (1987, 2013, 2015) define gênero como um processo
amplo que envolve múltiplas relações e não se limita a diferença entre os
sexos. Trata-se da dimensão cultural na qual o sexo biológico se
manifesta. O termo gênero é compreendido pela autora, como a-histórico
e ideológico. Em suas palavras, “O conceito de gênero, ao contrário do
que afirmam muitas (os) é mais ideológico que o de patriarcado. Neutro,
não existe nada em sociedade” (SAFFIOTI, 2015, p. 141).
Nesse aspecto, a autora considera que “gênero” é a-histórico
devido ao termo representar a possibilidade de relações iguais ou
desiguais. E em si, não explicar a desigualdade presente na sociedade
entre homens e mulheres. A referida autora ressalta que o conceito de
gênero, precisa ser utilizado em conjunto com o patriarcado, pois este,

695
explica historicamente e na materialidade a desigualdade entre os
gêneros. O patriarcado exerce também influência ideológica na
compreensão do tema, sendo esta mais uma razão para a utilização de
ambos os conceitos na compreensão e explicação da temática.
De acordo com Saffioti (2013) a ideologia expressa pelo
patriarcado ocorre em duas esferas: material e abstrata. A partir da
materialidade, consiste em pensar como a sociedade constrói o feminino,
e como suas regras recaem sobre o corpo da mulher. Essa face da
ideologia é o que possibilita a educação do corpo feminino voltado para
a submissão.
Adorno (1993) coloca que a sociedade patriarcal está tão
fortemente estabelecida que as mulheres, enquanto vítimas, já não têm
capacidade de questionar essa configuração, atitude esta que leva, de
acordo com Saffioti (2015), que as próprias mulheres pratiquem
violências de gênero com suas companheiras que tentam fugir à regra
patriarcal.
Tais características, que se voltam para a submissão, são
apropriadas em diversos momentos da vida e da constituição da
personalidade feminina, visto que, para a autora a educação da mulher
em diversos momentos da vida, perpetua a ideologia do patriarcado.
Desta forma, por meio da compreensão de que se atribuem
características sociais a cada sexo biológico, Saffioti (2013) refere-se ao
gênero como uma categoria indissociável do sexo. Em suas
considerações ressalta a necessidade de considerar ambos, em unidade,
pois não é possível analisar a sexualidade desprendida da realidade
material, na qual é vivenciada. Neste momento, a autora enfatiza a
necessidade de compreensão histórica da unidade gênero e sexo
biológico.

Um histórico a partir da sociedade matriarcal à patriarcal


Em referência a necessidade de compreensão histórica das
relações desiguais entre homens e mulheres e da construção social da
ideologia do patriarcado, destacamos os estudos Engels (1997) e de

696
Saffioti (1987; 2013; 2015). Estes recorrem a arquivos históricos
referentes às constituições familiares, em busca da essência do fenômeno
acima mencionado.
Engels (1997) analisa as diferentes formas de família, que nos
permite analisar as variações históricas em relação da constituição do
feminino e masculino, existentes desde o estado selvagem até a
civilização. O referido autor argumenta, a partir de estudos
antropológicos que a família se modifica ao longo da história,
respondendo as necessidades sociais presentes em cada período. Tal
afirmação nos permite pensar a família como construção histórica e, por
essa razão, passível de transformação.
Dentre as famílias das quais se tem registro, destacam-se a
consanguínea, a punaluana, a sindiásmica, o patriarcado e a
monogâmica. Para a compreensão das modificações sociais relevantes a
desigualdade de gênero, destaca-se o percurso histórico a partir da
família sindiásmica.
Na família consanguínea, de acordo com Engels (1997) e
Toffanelli (2016) as interdições morais, hoje estabelecidas, como o
incesto não estavam presentes. Nestas famílias, as relações ocorriam sem
exclusividade de parceiros/as, e entre parentes próximos/as.
Posteriormente se estabelece a interdição das relações entre irmãos/ãs
(na família punaluana), o que leva ao estabelecimento de relações fixas
com determinados parceiros/as, mas mantendo inicialmente, o critério de
não exclusividade (família sindiásmica). Dessa forma, Engels (1997),
desmistifica a concepção de que a família está historicamente ligada à
noção de amor sensual e a monogamia.
Engels (1997) ressalta que todas essas configurações familiares,
têm em comum a incerteza quanto à paternidade das crianças. Enquanto
a maternidade é reconhecida, existindo dessa forma apenas a linhagem
por meio do útero (matriarcado). É importante ressaltar, contudo, que nos
grupos os/as filhos/as eram comuns, sendo de responsabilidade de
todos/as os/as integrantes da família (ENGELS, 1997).

697
Nessas sociedades, as mulheres possuíam liberdade sexual, e
direitos semelhantes aos homens. A divisão do trabalho entre os gêneros,
de acordo com o referido autor, não estava relacionado à posição na
sociedade, era uma divisão sem fim exploratório, na qual a mulher
cuidava dos afazeres domésticos e o homem da caça e coleta.
Em relação a esse tema, Saffioti (2013) argumenta que a principal
razão pelo qual as mulheres eram afastadas das tarefas de caça estava
relacionada à sobrevivência do grupo. A autora argumenta, que o
conhecimento sobre a origem da maternidade ainda era desconhecida
pela humanidade, motivo esse pelo qual se preservava as mulheres de
atividades que proporcionassem risco à vida, devido a sua possibilidade
reprodutiva.
Ambos os/as autores/as, prosseguem alegando que ao longo do
tempo, essa configuração se modifica e perde a característica
comunitária, de diversidade de parceiros/as sexuais e de divisão de
trabalho sem fins de exploração. Modificações estas que possibilitaram
o desenvolvimento da família monogâmica a partir da restrição da
liberdade sexual feminina.
A primeira modificação social que restringe a liberdade sexual
feminina e inicia a construção da ideologia do patriarcado é o
estabelecimento da fidelidade da mulher no casamento (ENGELS,
1997). A família sindiásmica era composta por relações mais ou menos
duradouras, nas quais o homem tinha uma mulher principal e várias
outras. Em tal modelo, a traição era legitimada, mesmo que ocasional,
para os homens, enquanto as mulheres eram severamente punidas
(ENGELS, 1997).
Notamos, no entanto que ao mesmo tempo em que se iniciam as
restrições voltadas ao corpo da mulher, esta ainda é vista e considerada
socialmente igual ao homem. A mulher possuía o direito de separação e
permanecia com os/as filhos/as.
Engels (1997) e Saffioti (2013) ressaltam que tanto o direito aos/às
filhos/as como a elevada valoração social feminina estava atreladas ao
desconhecimento da paternidade. Engels (1997), ao expor a situação da

698
mulher no casamento sindiásmico, revela que ela tinha autonomia em
sua casa, em seus afazeres, liberdade de expressar opinião e de ser
ouvida.
Na organização em gens, de acordo com Engels (1997), a herança
deveria permanecer dentro da gens à qual cada um/a pertencia (fosse o/a
dono/a do patrimônio homem ou mulher). A divisão da herança ocorria
por meio de linha materna, para os/as filhos e filhas que moravam na
gens. Na prática, essa divisão acabava deserdando os/as filhos/as, que
devido ao casamento, se transferiam para outras gens. Ponto esse
importante para entender as razões que levaram a modificação da
transmissão de bens e da propriedade privada, mencionados a seguir.
Historicamente alguns fatores como a de ordem social auxiliaram
a transição de uma família a outra. Desses fatores, Engels (1997) destaca
à existência cada vez mais comum de famílias compostas por sua unidade
mínima, um homem e uma mulher. Além da domesticação de animais e
a criação de gado, que geraram novas relações sociais, que anteriormente
não eram possíveis, tais como a acumulação de riquezas devido ao
cuidado com os animais e com a terra.
Engels (1997), também elenca como pontos relevantes a
modificação da ordem social, a dominação do “homem pelo homem” 55
por meio de excedentes. Neste período, surge a escravidão com o
objetivo de cuidar dos bens de outro. O homem passa, conforme a divisão
de trabalho, a ser dono das ferramentas, dos escravos e do gado, enquanto
a mulher dos utensílios domésticos. Nesse modelo sindiásmico acontece
o conhecimento da paternidade.
Por meio de tais modificações sociais, o homem, devido aos bens
conquistados, como escravos e o gado, passa a acumular riquezas,

55A exploração do “homem pelo homem” deve ser entendida de forma


ampla, por meio do qual neste trabalho consideramos se tratar da
exploração do homem branco, heterossexual e dono dos meios de
produção sobre as demais pessoas que não se encaixam na “norma”
estabelecida. Envolve também uma hierarquia social, evolvendo classe
a qual os membros pertencem, a cor da pele e gênero.

699
adquirindo maior reconhecimento social com relação às mulheres. Desta
forma com o novo status social, aliado ao conhecimento da paternidade,
permitem aos homens contestarem o sistema de heranças do matriarcado,
transferindo os bens, por meio do patriarcado. Materialmente, a
modificação ocorreu por meio da transferência dos/as filhos e filhas para
a gens de origem do pai e não mais da mãe, instituindo assim o direito
hereditário paterno.
No patriarcado, a mulher perde o direito à casa e seus utensílios, e
assume socialmente o papel de “escrava da luxúria do homem, em
simples instrumento de reprodução” (ENGELS, 1997, p. 61). Dando
origem também a palavra família, originaria de “famulus”, que significa
escravo doméstico.
A palavra “família”, dessa maneira, possui como significado
conjunto de escravos/as que pertencem a um mesmo homem. Toffanelli
(2016) argumenta que resumidamente o patriarcado se refere
especificamente à relação de dominação e exploração do homem branco,
rico, heterossexual ao restante da população.
Aliado ao patriarcado está a monogamia, caracterizada pelo
predomínio do homem, exigindo-se da mulher a fidelidade e que gere
filhos/as cuja paternidade seja indiscutível. Ao homem a fidelidade não
é uma regra, sendo aceita abertamente, enquanto para a mulher, a traição
pode significar a morte. A dissolução dos laços conjugais difere da
família sindiásmica, pois só o homem possui inicialmente o direito de
rompimento dos laços.
Marx (2006) descreve que na configuração atual de casamento, o
homem se posiciona como um proprietário privado em relação a sua
esposa, sendo o ciúme um sentimento burguês, aceito socialmente
apenas a este gênero, legitimado devido ao direito de posse. Em suas
palavras: “[...] o ciumento pode amar, mas o amor é para ele apenas um
sentimento extravagante; o ciumento é antes de tudo um proprietário
privado” (MARX, 2006, p. 41).
As características acima citadas passam a compor a vida feminina,
a constituição de sua personalidade e limitação da expressão da

700
sexualidade, assim como aponta Marx (2006). O referido autor
argumenta que o fator gênero e as apropriações que expressam a
ideologia do patriarcado estão envolvidos em inúmeros casos de suicídio
feminino.
O autor, perante a realidade material a qual o gênero feminino se
encontra, aponta a necessidade de considerar a vida privada como esfera
política e expressão de uma sociedade burguesa que limita o
desenvolvimento da personalidade humana, em especial das mulheres
(MARX, 2006).
Marx (2006), assim como Engels (1997), ressalta que a
monogamia e o patriarcado são as primeiras organizações familiares que
se desenvolvem devido a fatores econômicos, sustentados pela
propriedade privada. Engels (1997) destaca ainda que a monogamia se
constituiu em dominação de um sexo pelo outro, iniciando um conflito
até então inexistente na pré-história.
Toffanelli (2016), considerando as características históricas as
quais o casamento está atrelado, argumenta que o casamento
monogâmico só pode existir historicamente na burguesia. Isso ocorre por
que ele envolve a acumulação de bens e a sua transferência, por meio do
patriarcado. No proletariado, não existem bens a serem divididos,
tornando o casamento proletário monogâmico, etimologicamente, e no
qual o amor sensual pode estar presente.
Engels (1997) argumenta que a dominação feminina esta pautada
na existência da propriedade privada. Em relação a tal tema, Saffioti
(2013) argumenta que apesar de a propriedade ser um fator importante
na dominação e exploração do sexo feminino, este não é o único
elemento responsável por sua manutenção. Tal relação de dominação e
exploração ocorre também entre os/as filhos/as e gerações mais velhas
por meio do ensinamento da cultura. Nessa relação, os/as mais novos/as
apropriam-se também dos valores sociais referentes à sua classe.
Nesse aspecto, Saffioti (2013) e Toffanelli (2016) argumentam
que é necessário olhar a dominação e exploração feminina para além das
relações econômicas, considerando também fatores presentes na

701
reprodução social de estereótipos. Em outras palavras, significa
compreender como ocorrem as apropriações culturais, desiguais, entre o
gênero feminino e masculino, na qual o fator econômico é um elemento
relevante.

Educação para a emancipação frente à sociedade patriarcal


As relações desiguais de gênero estão presentes na educação e
devemos conhecê-las para tornar a escola um espaço de reflexão e
apropriações diferenciadas de gênero. As apropriações desiguais, de
acordo com Saffioti (1987), têm sua origem nas transmissões culturais,
por meio da educação (informal e que acaba sendo reproduzida na
educação formal) dos papéis, diferenciados e destinados homens e
mulheres.
Ao homem, nesta relação, cabe o papel de macho. Ele, na relação
homem e mulher, assume o papel de caçador, no qual considera a mulher
como uma presa e sua “captura”, independente da vontade da mesma
(SAFFIOTI, 1987). Este “macho” também é responsável pelo sustento
da família. Na qual, para obter status na sociedade capitalista, deve se
apropriar do estereótipo de competitividade. Como consequência,
também a agressividade, características estas que excluem outras
possibilidades de se constituir enquanto homem. Segundo a autora, tais
comportamentos causam limitações da personalidade masculina.
Neste aspecto, Saffioti (1987) considera que a consequência
indireta da dominação da mulher se encontra nos estereótipos
socialmente definidos como masculinos. Pois a posição de poder do
homem exige desse um papel estereotipado no qual se presume o sucesso
e êxito financeiro, independente das condições materiais nas quais está
inserido.
Saffioti (1987; 2013; 2015) argumenta que, embora a limitação
da personalidade masculina exista, as mulheres são as maiores
prejudicadas dentro do patriarcado. A elas, são destinadas características
opostas às masculinas, tais como a passividade e a docilidade (Saffioti,
1987). Nas palavras da autora, “elas são socializadas para desenvolver

702
comportamentos dóceis, cordatos, apaziguadores. Os homens, ao
contrário, são estimulados a desenvolver condutas agressivas, perigosas,
que revelam força e coragem” (SAFFIOTI, 2015, p. 37).
Perante as afirmações de Saffioti (1987) podemos inferir que a
transmissão cultural das relações desiguais entre homens e mulheres,
assim como os estereótipos destinados socialmente a cada gênero, é
transmitida por ambos/as os/as genitoras/es ou cuidadoras/es, durante o
processo de educação, informal (no convívio familiar) e prosseguem
durante o ensino formal (nas escolas, durante as relações sociais da
criança).
Com relação aos estereótipos, Saffioti (1987) demonstra que
socialmente os definimos como norma a ser seguida e o seu oposto é, na
maioria das vezes, desaprovado socialmente. Devemos considerar os
estereótipos ainda, como classificações que definem algum objeto,
atribuindo características que delimitam tudo aquilo que pode ou não ser.
No caso do ser humano, enquadrado em atributos de cada gênero
utilizando como critério sexo biológico. Tal realidade resulta na perda da
individualidade e na limitação do desenvolvimento da personalidade
humana (SAFFIOTI, 1987).
A realidade material gera a necessidade de planejamento de
ações que modifiquem a situação atual de alienação da situação feminina,
possíveis por meio do desenvolvimento do pensamento conceitual de
gênero. Em outras palavras, devemos pensar nas relações de gênero tal
como significado da palavra mutável pelas relações diferentes das
existentes comumente.
Em nossa sociedade, a escola destaca-se como a instituição
responsável para desenvolver conceitos científicos a partir dos conceitos
espontâneos (MARTINS, L., 2011). No que se refere a esta pesquisa,
consideramos que a modificação da realidade atual de preconceitos e
estereótipos de gênero, pode ser modificada por meio da resignificação
do conceito de gênero, ou seja, por meio da modificação do significado
da palavra.

703
A referida modificação envolve a relação entre pensamento e
linguagem. Ambos, de acordo com Martins (2011), citando Vigotski
(2001), inicialmente não possuem vinculo direto. O mesmo se constrói
durante a história de vida da pessoa. Da mesma forma, o vínculo entre
pensamento e palavra é inicialmente inexistente. Martins (2011) ressalta
que a unidade entre pensamento e linguagem concentra-se no significado
da palavra. Este é uma generalização e um conceito que expressa tanto
um fenômeno intelectual quanto verbal.
Quando reconhecemos que a mulher ocupa espaço de
marginalidade em uma sociedade patriarcal, refletimos sobre as teorias
não-críticas que Saviani (2012) aponta como teorias que não são efetivas
nas resoluções quanto à questão de marginalidade, mas ingênuas na
tentativa de resolvê-las, porque acabam por reproduzir a dominação e
exploração na escola dentro do capital, resultando em segregação e
marginalização. Ou seja, por meio de teorias não-críticas é inviável
pensar na inserção da mulher em uma sociedade igualitária, quanto
menos superar uma sociedade patriarcal.
A escola, para Saviani (2012), tem sua base no modo de
produção capitalista e atende aos interesses da classe dominante. Quando
propomos uma transformação histórica, ou seja, romper com as
desigualdades de classe e de gênero, gera conflito com a classe
dominante, cujo interesse é permanecer com tal estrutura de dominação.
Entretanto, é possível considerarmos o ponto de vista dos interesses
dos/as dominados/as e comprometermos com uma teoria crítica, não
reprodutivista.
É objetivo da teoria crítica romper com o pensamento ilusório
advindos das teorias não-críticas, ou com impotência das teorias crítico-
reprodutivistas e lutar.

Do ponto de vista prático, trata-se retomar


vigorosamente a luta contra a seletividade, a
discriminação e o rebaixamento do ensino das
camadas populares. Lutar contra a marginalidade
por meio da escola significa engajar-se o esforço

704
para garantir aos trabalhadores um ensino da
melhor qualidade possível nas condições históricas
atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é
dar substância concreta a essa bandeira de luta de
modo a evitar que ela seja apropriada e articulada
com os interesses dominantes. (SAVIANI, 2012, p.
31)

Como Acácia Zenaida Kuenzer (2005) sintetiza, necessitamos


uma educação emancipadora que supere a contradição entre o capital e o
trabalho. Que emancipe mulheres por meio de uma educação crítica.

Considerações finais
Podemos refletir que as desigualdades de classes e de gênero são
atraentes e necessárias para o capitalismo. A mudança da sociedade
matriarcal para a patriarcal favoreceu esse modelo de sociedade e por
isso é preciso mantê-la, de modo que homens ricos continuem o domínio.
Neste aspecto, a escola destaca-se como a infraestrutura que
expressa a superestrutura, composta pela cultura ideologia dominante,
dentre elas a ideologia do patriarcado. Esta instituição, em outras
palavras, nasce historicamente com o objetivo de atender o pensamento
dominante, que explora a mão de obra trabalhadora, dando uma enganosa
ideia de liberdade, tanto a quem contrata, quanto a quem oferece sua
força de trabalho.
Assim, inferimos que precisamos lutar por uma educação crítica,
que se posicione a favor da classe proletária. Conforme Saviani (2011) o
mesmo ocorreria por meio da seleção de conteúdos críticos e de maior
elaboração pela humanidade, ministrados sobre um método
intencionalmente voltado ao desenvolvimento do senso critico e de
conscientização da exploração de classe e de gênero. Ou seja, uma
educação que efetivamente ressignifique o conceito de gênero e que seja
emancipadora, tanto das pessoas proletárias exploradas pelo Capital,
tanto das mulheres, que sofrem duplamente essas desigualdades.

705
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707
O CORPO TRANSGÊNERO:
MARGINALIZAÇÃO FORA DA NORMA

Clara Hanke Ercoles


Suelen Soares Barcelo de Miranda
Eliane Rose Maio
(Universidade Estadual de Maringá)

Transgeneridade é o termo que categoriza identidades de pessoas que não


se identificam parcial ou totalmente com o sexo biológico designado no
nascimento. A sociedade desafia esses corpos através da norma binária e
padrão hegemônicos. As instituições sociais, como a escola, família,
religião etc, não contemplam e expulsam esses corpos “monstros”.
Assim, além de invisibilizá-los, são expulsos da sociedade e hostilizados,
corroborando em sua marginalização. Tendo como referência esse
contexto de invisibilidade e rejeição de pessoas trans, o trabalho tem por
objetivo discutir sobre a relação da sociedade com os corpos trans e
compreender como ela os invalidam no meio social. Pretendemos
argumentar por meio das produções acadêmicas, valorizando as que
tenham autorias de pessoas trans. A partir de tais leituras,
compreendemos que a sociedade é cisheteronormativa, perpetuando por
meio das instituições essas normas, o que resulta em um ciclo de
invalidação da identidade trans e, consequentemente, rejeição e
exclusão, ou até mesmo a morte.
Palavras-chave: Transgeneridade; Corpo; Sociedade
cisheteronormativa.

TRANSGENDER BODY: MARGINALIZATION OUTSIDE THE


NORM

Transgeneracy is the term that categorizes identities of people who do


not identify partially or totally with the designated biological sex at birth.
Society challenges these bodies through the binary regulation and
hegemonic standard. Social institutions, such as school, family, religion,

708
etc., do not contemplate them and expel these “monsters” bodies. In
addition to invisibilizing them, they are expelled from society and
harassed, corroborating in their marginalization. Based on this context
of invisibility and rejection of trans people, the work aims to discuss the
relationship between society and trans bodies and to understand how
people invalidate them in the social environment. We intend to argue
through the academic productions, valuing those that have trans people
as author. From such readings, we understand that society is
cisheteronormative, perpetuating through these institutions the norms,
which results in a cycle of invalidation of trans identity and,
consequently, rejection and exclusion, or even death.
Key words:trangeneracy; body; cisheteronormative society.

Enquadramento teórico
Tratar de corpo transgênero academicamente é algo que deve
ser pensado e calculado. Afinal, quantas produções acadêmicas são
produzidas sobre o corpo cisgênero (evocando o termo cis como
adjetivo)? Quais produções acadêmicas sobre corpos contemplam o
corpo cis e trans de maneira que ambos existam e ocupem o mesmo
interesse epistemológico? São questões que nos tem inquietado enquanto
pesquisadoras. Por isso, convidamos a refletir sobre a transgeneridade56
por meio de produções transacadêmicas.
Embora evocamos o termo “trans” no título de nossa pesquisa,
o objetivo desta é estudar as cisgeneridades. Logo, este trabalho objetiva
a discussão sobre a nossa sociedade cisheteronormativa que invisibiliza
e rejeita o corpo trans, para isso exploraremos os termos cis e trans.
Conforme discute Amara Moira Rodovalho (2017), o prefixo
trans significa aquilo-que-cruza. Um prefixo adicionado para demarcar
um gênero que não corresponde ao padrão, criado por cisgêneros. Mas e

56
Termo que abarca todas as identidades trans, como travestis, transhomens
(homens transexuais), transmulheres (mulheres transexuais), não-binárias/os
etc.

709
o prefixo cis? Surge setenta anos depois e expressa aquilo-que deixa-de-
cruzar. Ela problematiza porque apenas necessitam explicações sobre
aquelas e aqueles que desejam cruzar a linha e não deixam de cruzar,
ignorando o porquê não o fazem.
Assim, partimos agora para discutir o que é a transexualidade
que, segundo Guilherme Almeida (2012), é impossível definir em termos
universais. Ele coloca em seu texto a insatisfação com a definição
médico-psiquiátrica que categoriza transexualidade com o estigma de
doença mental. Embora na época, 2012, ainda era considerada como
doença através da Classificação Internacional de Doenças (CID),
contudo, foi retirada o ano passado, em 2018, como distúrbio mental,
constando ainda na de saúde sexual. Mas problematizamos aqui, quem é
que patologizou? Responderemos com facilidade e deboche que foi a
medicina cis.
Partimos do transfeminismo de Paul Preciado (2015), por isso
justificamos nosso tom ácido, porque estamos cansadas do padrão dessa
sociedade e nos identificamos com a definição dele de transfeminismo:

“Transfeminismo” é o nome dessa revolução. Se


você está cheio do seu gênero, cansado de binários
(menino-menina, hetero-homo, branco-não branco,
animal- humano, norte-sul), além do modelo “casal
romântico”, perdendo as esperanças no capitalismo
e vive verdadeiramente a utopia de se tornar outra
pessoa, você é transfeminista. Transfeminismo não
é pós-feminismo. Transfeminismo é o feminismo
do século XXI reloaded (PRECIADO, 2015, p. 6).

Pontuamos, também, que, para além do binarismo de gênero


“transhomem” e “transmulher”, há diversas manifestações de gênero que
estão entre essas duas possibilidades, sendo representadas ou não pelo
“feminino” ou “masculino”, como não- bináries ou agênero57,

57
Identidade que não corresponde a nenhum dos dois gêneros binários.

710
demiboy58, demigirl59, gênero fluido60, etc. Ou até talvez não estejam
“entre” as expressões binárias, se pensarmos para além da
horizontalidade, mas para além, para aquém, em cima, em baixo,
diagonais e lugares múltiplos.
Lemos em muitos trabalhos, inclusive é bem capaz que
tenhamos feito também em produções anteriores, a metáfora de corpo
trans como “trans-gressor” à norma de gênero ou a qualquer outra coisa.
Corpos trans transgridem ou transgrediram o corpo trans? Parece um
pouco estranho culpar ou admitir a ação de transgredir aos corpos trans
apenas pelo fato de não se encaixarem em normas que a sociedade
cisgênera enraizaram como forma de se viver. Ainda que sejam
resistências de luta contra o sistema, temos que lembrar que,
anteriormente a isso, são existências. E antes que fossem consideradas e
considerados como transgressão, eram corpos que expressavam suas
identidades não com o objetivo principal de afrontar e transgredir, mas
para existir conforme sua expressão. Então, retomamos, como afirmar
que são corpos que transgridem? Não seria mais adequado (ou justo)
afirmar que a sociedade cis transgride o corpo trans? Para isso,
discutiremos adiante sobre as instituições de nossa sociedade e como é a
relação dela com o corpo trans.

Método
Pontuaremos algumas produções que discutam não apenas com
óculos acadêmicos de discussões trans, mas de vivências e propostas de
teorizar o empirismo do dia a dia. Ou seja, abriremos discussões de
pessoas trans sobre seus corpos e suas existências em uma sociedade
cisnormativa.

58
Identidade que se identifica parcialmente com a expressão de gênero
masculina.
59
Identidade que se identifica parcialmente com a expressão de gênero
feminina.
60
Identidade que se identifica com ambos gêneros binários e pode expressá-lo
os dois ao mesmo tempo, ou fluir entre um e outro ou apenas não expressá-los.

711
Encontramos na academia muitos e muitas transexistências
produzindo, embora nem sempre isso é lembrado. Citaremos Guilherme
Almeida (2012), Luma Nogueira de Andrade (2012) Lua Lamberti
(2018), Megg Rayara Gomes de Oliveira (2017; 2018), Paul Preciado
(2015), Amara Moira Rodovalho (2017), o grupo Transgender Europe
(2016) e a Associação Nacional de Travestis e transexuais (2017; 2018a;
2018b). Traremos para que discutam sobre seus corpos com as lentes do
“telescópio de Arendt” de modo não tão distantes de sua epistemologia
e empirismo.
Também discutiremos a partir de produções cisgêneras, como
Simone de Beauvoir (1967), Berenice Bento (2012), Crishna Mirella de
Andrade Correa (2013), Eliane Rose Maio (2013), Michel Foucault
(2001; 2009) e Guacira Lopes Louro (2003).
Destacamos e priorizamos as produções trans porque
acreditamos que essas pessoas, e tantas outras para além das referências
citadas neste texto, devem ser mais visibilizadas e convidadas a
ocuparem discussões em produções e eventos acadêmicos. Afinal, como
Megg Rayara Gomes de Oliveira (2018) propõe que, se queremos
romper com as posturas normatizantes cuja branquitude e a
cisgeneridade são reafirmadas, é preciso evidenciar travestis e mulheres
trans negras. Aqui, então, evidenciaremos travestis e transmulheres
negras e brancas e transhomens negros e brancos.

Resultados principais e discussões


As instituições que passamos (ou não) durante nossas vidas
objetivam nos formar e moldar. Escola, família, instituições religiosas, e
tantos outros espaços. Então lembramos que vivemos em uma sociedade
cisheteronormativa, cristã e eletista e compreendemos que boa parte
delas atende a demanda de nos encaixar nessa sociedade (com raras – e
de sorte!- exceções) independente de que nossos corpos desejam e
pulsam por expressar.
Precisamos, inicialmente, focar nossas lentes epistêmicas
nessas instituições para compreender essa sociedade transfóbica.

712
Iniciamos, então pela primeira instituição que podemos vivenciar após o
nascimento em uma sociedade ocidental, a família. Louro (2003),
Foucault (2009) e Bento (2012) discutem sobre a formação familiar nos
moldes da heteronormatividade por meio da figura verdadeira e “natural”
de um casal legítimo e procriador. Assim, a família hegemônica é o
modelo são, enquanto qualquer outro arranjo familiar é considerado
anormal, não-natural e desviante, necessitando de disciplina para que
torne seus corpos dóceis e submissos.
A família projeta expectativas sobre a criança. Bento (2012)
esclarece três situações que as expectativas que se tratam de gênero são
claras. A primeira é desde o nascimento, ou até mesmo antes, desde a
descoberta do sexo do feto. E, desde então, é planejado para que o novo
corpo performe a cisgeneridade e heterossexualidade logo que chegue ao
mundo, através de enxovais e roupas azuis e rosas, com imagens que
deixem explicitamente revelado a que sexo pertence o bebê. A segunda
dá-se por meio dos brinquedos, que são as “próteses identitárias” que
precisam reforçar o sexo anunciado. É por meio deles que a criança
aprenderá a performar seu gênero e inteirar sua performance masculina
ou feminina.
E a terceira, que acontece não só na família mas também na
escola, os discursos como “menino não chora!”, “comporte-se como uma
menina!”, “isso é coisa de bicha!”. Isso faz com que a criança conheça
seus limites de gênero e reproduza o comportamento adequado a ele,
pois, caso contrário são censuradas. Mas, independente de uma criança
ser cis ou trans, nem sempre passam desses limites com o intuito de
afrontar ou transgredir, mas querem explorar o mundo e se conhecer,
porém, passam a ser mal interpretadas quanto a sua sexualidade ou
identidade de gênero. Esse comportamento por parte da família e da
escola não só controla os corpos dessas meninas e meninos como reduz
suas expressões apenas ao “feminino” ou “masculino”, limitando a
construções de suas identidades. Simone de Beauvoir (1967) acredita que
homens e mulheres deveriam ter acesso ao que é entendido por feminino
e masculino, só assim alcançaríamos indivíduos completos.

713
A instituição escolar, conforme Crishna Mirella de Andrade
Correa e Eliane Rose Maio (2013), prediz a um ambiente permeado por
discursos de teor heteronormativo, desse modo perpetuando
discriminação. Mediante a isto, entendemos que o espaço escolar produz
marcas de gênero através de suas posturas, as quais, tendem a culminar
na evasão escolar e marginalização de corpos não-hegemônicos. Cabe
destacar que, para Lua Lamberti e Eliane Rose Maio (2018), não se trata
de evasão, mas sim da expulsão deste público, posta tanto simbólica,
quanto tangível. Estas violências são compreendidas com Correa (2013),
como resultantes do sistema patriarcal, o qual efetua sexismos e demais
preconceitos advindos de estereótipos, a fim de atingir a todos/as.
Então, vamos focar a instituição escolar, que, segundo Guacira
Lopes Louro (2003), não só reproduz como produz diferenças e
desigualdades, inclusive de gênero. A escola separa meninas de meninos
e dita o que deve ou não ser feito. Acontece que as normas não dão conta
de contemplar todas as crianças e adolescentes, como a criança
afeminada, negros e negras, a garota masculina, etc, ou o “diabo em
forma de gente” conforme Megg Rayara Gomes de Oliveira (2017),
primeira doutora travesti negra do Brasil, tratando-se da infância negra e
viada.
A autora denuncia que “Dos negros e dos homossexuais,
espera-se que tomem a referência de normalização a heterossexualidade
e a branquitude hegemônica.” (OLIVEIRA, 2017, p. 71). Ou seja, não é
a escola que deve adequar-se para contemplar tais identidades, mas elas
e eles que se adequem ao sistema. E adequar-se torna o processo ainda
mais difícil quando há mais marcadores que a hegemonia não contempla,
como a negritude, classe social, gênero, sexualidade etc. O problema é
que muitas e muitos desistem de estudar pelas violências diárias que
vivem e acabam evadindo, ou melhor, sendo expulsas e expulsos da
escola. Para Berenice Bento (2012), a escola deseja eliminar e excluir
esses corpos que a contaminam, então não se trata de evasão, mas
expulsão.

714
A instituição religiosa hegemônica brasileira é a cristã. Embora
nosso Estado seja laico, a influência dessa religião é muito forte nas
decisões políticas. Ela detém o poder através de seu discurso de verdade
absoluta e, por isso, é capaz de disciplinar as pessoas, segundo Foucault
(2001). Entendemos que desse modo, a instituição religiosa regula a
sociedade por meio do adestramento do corpo e controles do prazer, o
que também é interesse político para a formação de corpos dóceis.
Em continuidade, identificando que os corpos não-normativos
sofrem repressões e preconceitos devido a normas sociais postas
(CORREA, 2013), criticamos a fomentação de legislações universalistas,
voltadas para atender às necessidades de grupos privilegiados,
invizibilizando as minorias e não atendendo às suas necessidades.
Enfrentamos no nosso país, neste ano de 2019, um retrocesso nas lutas
LGBT, entre outras, que desestabilizaram nossos direitos, como o direito
de existir. Logo, há um clamor conservador e neofascista, cuja família
hegemônica nos moldes que citamos é ultra valorizada e a perseguição a
qualquer identidade que a norma não contemple sofre violência (física,
simbólica ou psicológica).
Esse apagamento do público LGBT, sobretudo das pessoas
trans, bem como de nossas reivindicações e lutas, é resultante do fato de
que o protagonismo é controlado pelos padrões hegemônicos, sob
domínio heterossexual, cisgênero, branco e elitista (Lamberti; Maio,
2018).
Ponderando sobre essas instituições que influenciam o
pensamento e a formação da nossa sociedade, mas não esquecendo que
há outras aqui não citadas, é possível visualizar quão hostil elas são para
pessoas trans. Mesmo que algumas instituições acolham a elas e eles, é
pertinente lembrar que nossa sociedade é transfóbica e a resistência trans
é fato, tendo o contexto de o Brasil ser o país que mais assassina
transgêneras/os no mundo, segundo pesquisa do grupo Transgender
Europe (2016). Então retomamos a pergunta: quem é que está
transgredindo, o corpo à sociedade ou a sociedade ao corpo? Quem é que
está desafiando, a norma binária ao corpo ou o corpo à norma binária?

715
Sabemos que devemos obedecer às normas binárias de gênero
e quando insistimos em manifestar nossa própria identidade, somos
consideradas como transgressoras ou transgressores. O desvio. E quanto
maior a marcação desse desvio, maior a hostilidade. O corpo trans rompe
com a lógica dessa sociedade, então, é condenado ao desprezo e repulsão
eterna, ou pelo menos até ter alguma passabilidade61.
Guilherme Almeida (2012) ainda destaca que pessoas
transmasculinas possuem mais sucesso na obtenção da passabilidade que
as transmulheres. E então, como transhomem que convive com outros,
percebe que eles em geral unem-se em prol de obterem o corpo passável
e depois abandonam a militância e camuflam-se, prejudicando a causa, o
que é um pouco mais difícil de acontecer com as transmulheres, que
costumam militar politicamente muito mais em favor da causa trans.
Entretanto, acentuamos que é muito positivo que se sintam satisfeitos em
expressar suas identidades.
O objetivo principal dos corpos trans (e por que não cis?) é a
expressão de suas identidades antes de serem a “transgressão” dos
moldes dessa sociedade, como já falamos, porém, o objetivo principal da
sociedade binária é controlar esses corpos e punir aos que desviam. Por
conseguinte, podemos afirmar que a norma binária da sociedade é que
transgride esses corpos e que os violenta. Não satisfeita, ainda os pune e
culpabilizam.
A partir da compreensão da sociedade e a repulsão de corpos
marcados como trans, problematizamos: que corpos são esses? Nas
mídias e no estereótipo social, são corpos invisíveis, corpos expulsos,
corpos marginais, corpos hostilizados. Esses termos são marcas que a
comunidade trans tem lutado para romper, não só o estigma, mas o

61
Termo utilizado por pessoas trans para qualificar pessoas que tiveram
resultado na transição de gênero de modo que seja interpretada/o como uma
pessoa cis.

716
(cis)tema62. Luma Nogueira de Andrade (2014, s/p), primeira doutora
trans do Brasil, situa-nos sobre o contexto de violência que a sociedade
marca a travesti como um monstro.

A travesti sendo identificada como anormal, um


monstro, passa a ser indesejada, uma ameaça à
ordem, à moral e aos bons costumes, sendo vítima
de violência de diversas formas, física, verbal e/ou
psicológica. Tal violência é justificada como uma
forma correta e justa de tentar corrigir esta
anormalidade, pois para seu bem é melhor assumir
sua identidade sexual genética (natural). A pressão
é tão grande que muitas acabam, forçadamente,
entrando neste jogo, outras se matam e algumas
resistem na luta como Bela mesmo que sua vida
esteja em jogo, afinal não existe vida quando não
se deixa existir.

Ela traz a história de Bela, que resiste travesti em uma


sociedade transfóbica, passando por diversas violências, sendo expulsa
de diversas instituições e espaços como a família, a escola, a rua e a
delegacia e termina sua história sendo morta, como tantas outras histórias
de travestis, transmulheres e transhomens, conforme as estatísticas da
Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA (2017;
2018a), que denuncia em seu mapa 179 assassinatos em 2017 e 163 em
2018. Assim a sociedade vê pessoas trans. Quanto mais distante sua
imagem da hegemonia, mais hostilidade, custando, por vezes, suas vidas.
A hipocrisia social é tamanha que, ao mesmo tempo em que
hostilizam esses corpos, as estatísticas também denunciam a procura
deles. O Brasil é o país que mais acessa a busca de pornografia trans no
site RedTube, segundo a estatística do próprio site, em seu blog (Blog
RedTube, 2016). E neste mesmo país transfóbico há 90% da população

62
Neologismo da militância trans que faz elisão entre o sufixo cis da palavra
cisgênero e a palavra sistema, cujo sonoramente não se altera, mas contém o
significado de sistema que tem a cirgeneridade como padrão.

717
travesti e transexual (ANTRA, 2018b) prostituindo-se. Não colocamos
aqui a prostituição como extremamente negativo, afinal, Oliveira (2018)
já nos alertou para não tratá-las como “carne que se vende na esquina”
(OLIVEIRA, 2018, p. 70). Mas repensarmos que essas esquinas são
espaços onde suas vozes ecoam, oferecem-nas autonomia e tornam-nas
agentes da ação.
Assim, levantamos a urgência de pensarmos em nossos
trabalhos acadêmicos sobre a hostilidade transfóbica da nossa sociedade.
Temos ainda um contexto muito hostil para todas as identidades
transgêneras, além de perigoso, e que precisa ser superado através de
esclarecimentos acadêmicos e lutas militantes.

Considerações finais
A sociedade cisheteronormativa impõe, em diversas
instituições sociais, padrões sociais e culturais hegemônicos aos/às
sujeitos/as, os quais são manifestos como normas a serem cumpridas.
Como o terreno escolar não está isento dos ocorridos exteriores a ele,
estas atitudes descritas não se distanciam da instituição escolar, logo,
esse espaço tende a atuar de modo disciplinar e normatizador,
marginalizando corpos que performem para além da dita normatividade
cisheteronormativa, reafirmando preconceitos e estereótipos.
Compreendemos que se tratam de estratégias de coerção social da escola,
na sociedade contemporânea, para disciplinar os/as sujeitos/as que
adentram a este território.
Posto isto, reiteramos que a sociedade tem marginalizado
pessoas trans e colocado à margem da sociedade, inclusive em espaços
educativos, os quais predizem a extensões de formação humana e que,
entretanto, exibem traços das violências estruturais, com posturas
universalistas e que viabilizam posturas hegemônicas.
Sentimos a falta e sugerimos que haja mais produção sobre (e
de) pessoas não-bináries. É necessário refletirmos e produzirmos mais
conhecimento sobre, para que possamos elaborar políticas de
enfrentamento, assim clamamos como Guilherme Almeida (2012).

718
Em suma, é possível apontar que a sociedade cisgênera e
cisheteronormativa, marginaliza e afasta grupos não-hegemônicos lidos
como minorias, sobretudo os corpos trans, impondo fatores hierárquicos
que evidenciam discursos de poder segregacionistas e desiguais.

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721
PORNOGRAFIA, MÍDIA E EDUCAÇÃO: O
DESEJO E O CONSUMO DOS ARTEFATOS
CULTURAIS PARA HOMENS GAYS63

Samilo Takara
(Universidade Federal de Rondônia)

Este texto problematiza a relação entre a mídia e a educação enviesada


pela análise da pornografia como um sistema de dimensão simbólica que
inscreve, organiza e sistematiza modos de relacionamento com os
corpos, o erotismo e as possibilidades da homossexualidade na
contemporaneidade. Desse modo, a questão que aflige esta discussão é:
de que modo o sexo entre homens representado pela pornografia gay
constitui pedagogias culturais que incidem e regulam os corpos de
homens homossexuais com base em um sistema desejo-consumo? No
intuito de contribuir com esta discussão, o objetivo geral deste estudo é
investigar as pedagogias culturais que inscrevem as dinâmicas de desejo
que produzem um consumo dos corpos na pornografia gay. A
sustentação teórico-política desta problematização são os Estudos
Culturais, os estudos queers e as problematizações desenvolvidas nas
teorizações foucaultianas. Este estudo é de abordagem qualitativa, de
característica exploratória e tem por interesse circunscrever a relação
entre consumo e desejo organizada pela indústria pornográfica que
estabelece padrões e dissemina lógicas de consumo por meio dos
discursos presentes nestes artefatos culturais. Consideramos neste estudo
que a plasticidade contemporânea oferece padrões específicos de corpos
para o consumo e uma lógica da sexualidade gay como algo a ser
consumido em um sistema machista, heterocentrado, branco e sustentado
por uma lógica de mercantilização das práticas sexuais.

63
Este texto é fruto das discussões realizadas no Estágio de Pós-Doutorado em
Comunicação realizado sob a supervisão do Prof. Dr. Rodolfo Rorato Londero
(UEL/PR) que está em diálogo com o relatório final apresentado sob o título “O
prazer diante dos Outros: pornografia e a erotização dos corpos masculinos
gays”.

722
Palavras-chave: Educação. Sexualidade. Pornografia. Estudos
culturais. Teorizações Foucaultianas.

PORNOGRAPHY, MEDIA AND EDUCATION: THE DESIRE AND


CONSUMPTION OF CULTURAL ARTS FOR GAY MEN

This text problematizes the relation between the media and the education
skewed by the analysis of the pornography as a system of symbolic
dimension that inscribes, organizes and systematizes modes of
relationship with the bodies, the eroticism and the possibilities of the
homosexuality in the contemporaneity. Thus, the question that plagues
this discussion is: how does sex between men presented by gay
pornography constitute cultural pedagogies that influence and regulate
the bodies of homosexual men based on a desire-consumption system?
In order to contribute to this discussion, the general objective of this
study is to investigate cultural pedagogies that inscribe the dynamics of
desire that produce a consumption of bodies in gay pornography. The
theoretical-political support of this problematization occurs through
Cultural Studies, Queer Studies and the problematizations offered by
Foucaultian theorizations. This study has a qualitative and exploratory
character and is interested in circumscribing the relationship between
consumption and desire organized by the pornographic industry that
establishes patterns and disseminates consumer logic through the
discourses present in these cultural artifacts. We consider in this study
that contemporary plasticity offers specific patterns of bodies for
consumption and a logic of gay sexuality as something to be consumed
in a macho, heterocentered, white system and sustained by a logic of
commercialization of sexual practices.
Keywords: Education. Sexuality. Pornography. Cultural studies.
Foucaultian theorizations.

Excêntrico, Exótico e outros modos de dizer sobre o que escapa ao


olhar

723
A mídia ter interferido em nossas representações. Os jogos de
sentidos e significados que são realizados pelas produções midiáticas
alteram a produção dos relacionamentos por meio de um jogo entre a
visualidade e a discursividade e geram estereotipias dos relacionamentos
(DELEUZE, 2005; ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011). Assim, a
compreensão de diferentes ações, a produção, a difusão e o consumo
inscrevem lógicas que desde as imagens midiáticas e os discursos
organizam modos de ser e de agir nas sociedades contemporâneas.
Patzdorf (2018, p. 178, grifo do autor) explica que a mídia
começa a fazer parte de nossas práticas sexuais, porque “[...] estamos
transando na internet”. Essa interação com as possibilidades de produção
e recepção de conteúdos que a rede nos permite desenvolver em larga
escala e em uma velocidade ímpar, faz com que a ideia de sexo seja
ampliada para o autor a um ponto que as relações sexuais também
ocorrem ao “alisar superfícies luminosas e adimensionais”
(PATZDORF, 2018, p. 180).
As imagens pornográficas têm participado de nossas interações
com o sexo como ato e com a sexualidade como expressão dos nossos
desejos e realização em prazeres. A diferença no acesso, na produção, na
difusão e no consumo de imagens sensuais, eróticas e pornográficas que
ocorre com a internet é participação na produção de imagens e conteúdos
e a velocidade com que este artefato pode ser disponibilizado e
consumido.
Entretanto, é necessário que problematizemos como a mídia, e
seus diferentes produtores e produtoras de conteúdo erótico, sexual e
pornográfico interferem na construção de uma visualidade do ato e
inscrevem suas representações nas dinâmicas das sexualidades. Patzdorf
(2018, p. 181) argumenta que “[...] o consumo do obsceno se emancipa
das narrativas das grandes empresas produtoras de pornografia com o
surgimento da tecnologia digital, pois são seus potentes consumidores
que passam a produzir o seu próprio conteúdo [...]”. Esta percepção
conduz a uma problematização.

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Compreendendo a capacidade das indústrias midiáticas de massa
que constituíram seus grandes processos discursivos no decorrer do
século XX e pluralizaram representações que foram constituidoras e
produzidas nas dinâmicas de acesso aos elementos tecnológicos,
compreendemos que a mídia, principalmente, o rádio, o cinema e a
televisão são resultados de sistemas industriais de produção de conteúdo
no século XX e modificaram a relação com a informação que era
produzida para veículos impressos como o jornal, a revista e o livro.
Assim, as mídias constituíram um público e, por meio de
tentativas de mercado, estratégias comerciais e lógicas de produção e
disseminação, formularam o que é chamado pelos estudiosos da
Comunicação e da Educação de meios de comunicação de massa. Mesmo
que se possa produzir conteúdo, tal como argumenta Patzdorf (2018),
estes produtores de conteúdo erótico e pornográfico também foram
educados por narrativas midiáticas industriais.

[...] a capacidade de criação é sistematicamente


capturada pelos tentáculos do mercado, que atiçam
como nunca essas forças vitais e, ao mesmo tempo,
não cessam de transformá-las em mercadorias.
Assim, o seu potencial de invenção costuma ser
desativado, pois a criatividade tem se convertido no
combustível de luxo do capitalismo contemporâneo
(SIBILIA, 2008, p. 10).

Tratar dessa criação como um resultado de um grupo de


procedimentos mercadológicos e inscrito em sistemas de consumo que
orientam fazer a pergunta: de que modo o sexo entre homens
representado pela pornografia gay constitui pedagogias culturais que
incidem e regulam os corpos de homens homossexuais com base em um
sistema desejo-consumo? Essa questão alinha-se a problematização de
como as narrativas que são produzidas em diferentes contextos – como
uma foto que expõe a nudez de seu objeto/fotógrafo, vídeos de
masturbação que podem ser gravados ou mesmo a ideia de webcam

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aberta para a exposição de jogos sexuais mediados ou mesmo a prática
de transar com pessoas assistindo seu ato sexual em tempo real – não são
descoladas do sistema discursivo das indústrias da pornografia.

O corpo autopornográfico emergiu


inesperadamente como uma nova força da
economia mundial. O recente acesso de populações
relativamente empobrecidas aos meios técnicos de
produção de ciberpornografia sabotou, pela
primeira vez, um monopólio até então controlado
pelas grandes multinacionais pornô. Depois da
queda do muro de Berlim, os primeiros a usar este
mercado foram os trabalhadores do sexo do antigo
bloco soviético; então vieram as estratégias
autônomas dos trabalhares do sexo, as
multinacionais pornô se aliaram progressivamente
a companhias publicitárias, esperando atrair
cibervisitantes ao oferecer acesso gratuito as suas
páginas (PRECIADO, 2018, p. 41).

Compreendo que a motivação nessa autopornografia é parte da


lógica de desejo que produz consumo e sugere possibilidades de acesso.
Logo, é pela imaginação de uma possível realização do ato sexual, por
meio do voyeurismo, que a autopornografia oferece uma narrativa sobre
o sexo como ato que pode ser captado pela câmera. Mas, este também
não é o discurso da grande indústria pornográfica? Existem filmes da
indústria pornográfica que se inscrevem nessa brecha fantasiosa de
participar da produção de uma cena de sexo pornografada. Desse modo,
nossa sexualidade – como processo de desenvolvimento de desejos e
possibilidades de realização de prazeres – não está colonizada pelo
discurso farmacopornopolítico (PRECIADO, 2018)? As duas questões,
em minha leitura, podem ser respondidas afirmativamente.
Nossa sexualidade está inscrita no discurso pornográfico que se
desenvolveu pela indústria de entretenimento adulto e, desse modo,
estamos consumindo o desejo que a pornografia nos oferece como
produto central de sua indústria. Os corpos que são capturados pela

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câmera e expostos – com ou sem o consentimento das subjetividades
produzidas e constituidoras das expressões corporais que estão
visualizadas nas imagens pornográficas – foram também resultados dos
sistemas de consumo e das práticas de significação e objetificados para
servirem ao mercado pornográfico.
Pornografados, os corpos seguem as lógicas do sistema de
consumo que perpassa as academias de ginástica, as dietas nutricionais,
as indústrias de moda, beleza e estilo que configuram os corpos, suas
expressões e impressões na lógica de uma vitrine do corpo que o
espectador deve ter, o desempenho sexual que deve buscar e orientar
quem são os parceiros possíveis para as empreitadas gravadas que
ocupam o lugar de uma experiência do fenômeno que o ato sexual é.
Corpos que servem a um sistema de produção, como nos explicam
Haraway (2009) e Preciado (2018).
Indústrias que formam verdadeiros conglomerados que oferecem
a realização de uma vida de propaganda ou de novela: a pornografia é a
cena que não cabe nos produtos popularizados na televisão e que não
cabem nas propagandas, mas também compartilha do papel pedagógico
da mídia de ensinar modos de ser e de agir. Pornografados, os corpos
devem funcionar como máquinas e satisfazer mais aos olhos do que a
pele ou outras zonas erógenas. Somos corpos construídos e consumidos
na cultura (HARAWAY, 2009; PRECIADO, 2018).
Vinculados aos sistemas de representações que interferem em
nossas subjetividades e constituem maneiras de ser e de agir, a
pornografia é o obsceno que – mesmo em diferentes contextos – gera
outra dimensão da visualidade. Assim, a ideia de uma experiência de
visualidade ocupa o centro da lógica sexual contemporânea. Nosso órgão
sexual central na sociedade ocidental capitalista contemporânea é o olho.

A indústria pornográfica traz uma visão limitada do


sexo, geralmente focado apenas no ato sexual
repetitivo, no show genital, filmado para o consumo
e excitação sexual. Nela, o sexo se reduz ao ato e o

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corpo se reduz ao sexo, não há diluição do desejo
para além desta limitação. (GERACE, 2015, p. 15-
16).

A visão torna-se o acesso central a uma lógica de consumo.


Engana-se aquele que acredita que o consumo começa no ato da compra.
Antes disso, as empresas, as marcas, os fornecedores iniciam o processo
de expor faltas e provocar o desejo. Este, entendo, é o primeiro
movimento do processo de consumo. A falta que vira necessidade e gera
uma possibilidade de preencher o vazio que o efeito do consumo gera em
nós. A sexualidade como expressão de seus desejos e possibilidade de
realização dos seus prazeres é constituída na lógica da falta também.

[...] os dispositivos de poder não se contentam em


ser normalizantes, mas tendem a ser constituintes
(da sexualidade). Eles não se contentam em formar
saberes, mas são constitutivos da verdade (verdade
do poder). Já não mais se referem a “categorias”,
apesar de negativas (loucura, delinquência como
objeto de confinamento), mas a uma categoria dita
positiva (sexualidade) (DELEUZE, 1994, p. 2).

Assim, a produtiva posição do poder cria modos de explicar as


dinâmicas até que a narrativa – entremeada ao sistema de produção das
indústrias midiáticas – inscrever no sentido uma aparente naturalidade
que, a partir da lógica do mercado, favorece a sensação de vazio e
valoriza o consumo. Essa ficção do poder, tal como explica Mombaça
(2017) constitui efeitos como a ideia de naturalidade. Assim, a
experiência de consumo permite que exista espaço para uma lógica de
conteúdos para a pornografia.
A experiência gay da imagem pornográfica participa de uma
representação de como funciona o mercado na lógica assimilacionista.
Existe espaço para consumir a homossexualidade e o sexo gay. Casas
noturnas, bares, saunas e uma infinidade de espaços são construídos e
gerenciados para gerar lucro e promover uma lógica de atendimento a

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um grupo que não necessariamente é alguém a ser respeitado: a
pornografia é um espaço capitalista democrático em primazia. Ao invés
da discriminação, as imagens de homens nus praticando atos sexuais de
diferentes modos e constituindo uma representação da heteronorma em
relações gays tem uma aba nos principais sites de conteúdo profissional
e amador pornográfico.
Problematizar os espaços que a pornografia oferece e indicar
sentidos possíveis para a construção das representações gays pela
indústria é um modo de reconhecer os impactos desses artefatos culturais
na construção das subjetividades e corpos que experimentam a relação
com a câmera e as possibilidades do sexo e da mídia. As pedagogias
pornográficas inscrevem ordens de urgência nesses sujeitos que assistem
e (re)produzem a lógica sexual que tem como objetivo o prazer daquele
que olha, ou seja, “[...] o importante é parecer” (SIBILIA, 2008, p. 84,
grifo da autora). Desse modo, ao invés de sentir, o importante é mostrar.

O novo sujeito hegemônico é um corpo


(frequentemente codificado como masculino,
branco e heterossexual) farmacopornograficamente
suplementado (pelo Viagra, pela cocaína, pela
pornografia etc.) e consumidor de serviços sexuais
pauperizados (frequentemente exercidos por
corpos codificados como femininos, infantis ou
racializados) (PRECIADO, 2018, p. 51).

Esse sujeito que implora o olhar, tal como explica Zago (2013)
é produto de uma lógica de consumo e exploração dos corpos que
fragiliza outras possibilidades de experimentação. As cenas estão prontas
e o usuário deve escolher um papel a ocupar. As sexualidades inscritas
pelas pornografias são visuais e insensíveis, transparentes como ensina
Han (2017). Assim, problematizar a sexualidade é entender que existem
modos de movimentação que estão dados prontos. O corpo é insensível
às repetições das imagens. Ou seriam as imagens a única forma de
expressão que a pornografia nos permite?

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Gerace (2015, p. 18) argumenta que “[...] a pornografia é só
mais uma das representações visuais possíveis sobre o sexo, uma
estratégia de construção e organização imagética que ordena e embaralha
os níveis de obscenidade”. Em contraponto, Despentes (2016, p. 77) diz
que “[...] a gente fica molhada ou tem uma ereção, depois pode se
perguntar o porquê. A imagem pornográfica não nos deixa escolha: é isto
que te faz reagir. Ela sabe onde apertar para que funcionemos”
(DESPENTES, 2016, p. 77).
Assim, o pornográfico não seria apenas uma representação e,
ao mesmo tempo, não só um apertar de botões. Han (2017, p. 33) explica
que a “[...] coação expositiva leva à alienação do próprio corpo,
coisificado e transformado em objeto expositivo, que deve ser
otimizado” (HAN, 2017, p. 33). Entre o que representa e o que sentimos,
fica explícita nossa condição de consumidor e produto na dimensão da
indústria pornográfica.

[...] o corpo é o filtro pelo qual o homem se apropria


de substância do mundo e a faz sua por intermédio
dos sistemas simbólicos que partilha com os
membros de sua comunidade (LE BRETON, 1990,
2004). O corpo é a condição humana do mundo,
este lugar onde o fluxo incessante das coisas se
detém em significações precisas ou em ambiências,
metamorfoseia-se em imagens, em sons, em
odores, em texturas, em cores, em paisagem etc.
(LE BRETON, 2016, p. 13).

Se o corpo é a medida do mundo tal como explicam Le Breton


(2016) e Merleau-Ponty (1999), a cultura e os sentidos são inscritos em
lógicas que estão vinculadas a ficção que o poder move em sentidos e
expressões que são naturalizados como modos de explicar as dinâmicas
cultural e economicamente disponíveis nas narrativas que formulam uma
explicação das dinâmicas sociais e que inscrevem a noção de sexo por
meio dos sentidos registrados na pornografia. Esse corpo medida é
educado por modos de ser e agir e inscrito em sistemas de representação

730
e usos de mercado capitalista, misógino, machista e homofóbico que
reproduzem sistemas farmacopornopolíticos (HARAWAY, 2009;
PRECIADO, 2018).
Uma das inscrições que a lógica pornográfica nos oferece é a
dimensão da sexualidade inscrita em uma lógica heteronormativa acerca
dos corpos e das representações. Assim, em uma busca rápida pelos sites
de hospedagens de vídeos pornográficos amadores e profissionais, há
materiais que estão disponíveis para o público gay e representam o sexo
entre dois homens e a palavra heterossexual ou hétero ou as referências
a uma masculinidade tóxica como macho, brother, mano e outras
derivações dessa representação figuram como ativos e são fetichizados
pelas narrativas pornográficas.
Do mesmo modo, a noção de desejo de consumo cria lógicas
como quadros que são disponíveis como o gay for pay, em tradução
literal, gay por dinheiro, em que rapazes pretensamente heterossexuais
aparecem em cenas e fazem sexo com homens gays – que estereotipados
são delicados, ou menores, ou menos viris ou, ainda, em uma posição de
submissão perante a visão de masculinidade do heterossexual – que
aparentam realizar uma fantasia da sexualidade gay de fazer sexo com
alguém que não tem interesse e está obrigado por algum tipo de valor
comercial.
Miskolci (2017, p. 155) explicita que essa masculinização e a
visão depreciativa da feminilidade masculina tem sido denominada de
“efeminofobia e transfobia”. Ao mesmo tempo, explica que “é
necessário ponderar que a valorização da masculinidade e o afastamento
da feminilidade por muitos sujeitos constituíram estratégias para driblar
a identificação como homossexual em contextos em que isso envolveria
o risco de sofrer sanções sociais” (MISKOLCI, 2017, p. 155).
Ao mesmo tempo, Mombaça (2017) explica que a
masculinidade tóxica é um “projeto de poder que deve ser abordada em
qualquer discussão sobre a distribuição social da violência”. Desse
modo, ponderar sobre as possibilidades de contexto e vivência e/ou
sobrevivência também é reconhecer os privilégios que instituem os

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modos de pensar e de ser e suas recompensas nas culturas machistas,
misóginas e homofóbicas. É imprescindível marcar que “essa
distribuição desigual da violência – que constrói corpos cis-masculinos
como intrinsecamente viris – é responsável, numa escala micropolítica,
pela manutenção do medo com base das experiências trans, dissidente
sexual e feminina para com o mundo” (MOMBAÇA, 2017, p. 303).
Assim, a fetichização e valorização da masculinidade viril e
tóxica que sustenta lógicas no sistema pornográfico é, ao mesmo tempo,
um privilégio na compreensão social que vivemos, porque a homofobia,
a misoginia e o machismo modelam formas de agir e de ser que permitem
as masculinidades tóxicas ataques e violências diretas aos corpos e as
subjetividades afeminadas e/ou distantes da masculinidade oferecida
nesse sistema de consumo. Assim, a ideia de uma possível proteção e/ou
os riscos que fazem a escolha por uma “passar por” heterossexual, tal
como explica Miskolci (2017, p. 158) também é uma condição
privilegiada para gays afeminados e pessoas trans que não tem condições
afetivas, sociais, culturais e/ou subjetivas de “passar por”.

Da minha própria perspectiva, como uma bicha


racializada, gorda e não binária, oriunda da
periferia do Nordeste brasileiro, é impossível negar
o impacto dessa distribuição da violência como
ameaça na minha vida diária. Simplesmente andar
pelas ruas pode ser um evento difícil quando suas
roupas são consideradas “inapropriadas” e sua
presença mesma é lida como ofensiva apenas pelo
modo como você age e aparenta. O risco de tornar-
se parte das horríveis estatísticas de violência
antibicha (e antitrans, antinordestina, antipreta etc.)
é uma constante e não é justo que somente nós –
que assumimos como ética da existência a
desobediência à normalidade social ou que
simplesmente estamos mal posicionadas no ranking
dos “direitos humanos dos humanos direitos” –
tenhamos que lidar com esse risco. Redistribuição
da violência é uma demanda prática quando

732
estamos morrendo sozinhas e sem nenhum tipo de
reparação seja do estado, seja da sociedade
organizada. Redistribuição da violência é um
projeto de justiça social em pleno estado de
emergência e deve ser performada por aquelas para
quem a paz nunca foi uma opção (MOMBAÇA,
2017, p. 305).

As imagens pornográficas interferem e constituem nossas


sexualidades e, ao mesmo tempo, os discursos acerca do sexo, do corpo
e da sexualidade são organizados por meio de uma dimensão do consumo
não apenas das imagens, mas de processos de representação e de sentidos
que localizam a pornografia e sua indústria como um modo de capturar
os corpos e as subjetividades. O sexo é uma ação inscrita no consumo.
Propaganda de corpos e gestos que devem motivar a criarmos vazios e
empreender desejos pela heterossexualidade. O homem heterossexual
precisa ser desejado por todos.

O que diz a pornografia gay


Desse modo, a construção de um consumo pornográfico gay
está vinculada a um grupo de representações que ficam disponíveis em
um sistema de consumo. Miskolci (2017), em sua análise acerca dos usos
das tecnologias por homens que tem interesse sexual e/ou afetivo em
outros homens, identifica que os usos de aparelhos celulares alteraram as
práticas sociais e os modos como nos envolvemos na
contemporaneidade.
Por mais que aparente que “[...] a indústria pornográfica parece
ter perdido terreno para a troca de pornografia amadora pela internet e
até pelos celulares”, como afirma Miskolci (2017, p. 216), é
problemático o entendimento de que a pornografia industrial não fez seu
estrago nas subjetividades e ainda não coloniza nossos sentidos e
representações quando percebemos que “[...] malhados, sarados ou
musculosos formam um segmento que prioriza o corpo modelar como
sinônimo de masculinidade, o que é adotado midiaticamente como

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representação hegemônica nos segmentos homossexuais” (MISKOLCI,
2017, p. 235-236).
Assim, a projeção midiática mudou os focos e, neste momento
dos usos das tecnologias, cada vez é mais possível à interferência dos
aparatos midiáticos e dos modos de usá-lo na sexualidade
contemporânea. Entretanto, a pornografia enreda e promete usos e
acessos a estas tecnologias. Exemplo disso é a assimilação dos usos dos
aplicativos de relacionamento que pulverizaram na vida gay
contemporânea e que estruturam as narrativas pornográficas e as
imagens que são usadas para verificar que corpo é o que importa neste
momento (ZAGO, 2013).

As práticas eróticas são empreendimentos de risco:


podem colocar em perigo as normas e convenções
vigentes de gênero e de sexualidade e, desse modo,
ampliar o escopo de experiências com prazeres e
corpos. Mas não existem garantias de que consigam
evitar os abusos e a violência. Essa fronteira é de
tal modo tênue e faz com que diversas alternativas
dos erotismos atuais sejam acionadas em meio a um
conjunto de controles e de ansiedades. A
explicitação de consentimento para afastar a
vulnerabilidade, a invenção de aparatos e técnicas
relacionadas ao cuidado mental e corporal, e o
apreço às liturgias têm centralidade nas expressões
sadomasoquistas, em suas modalidades BDSM e
fetichistas, mas também cria efeitos sobre a
produção de materiais pornográficos (desde os
considerados mainstream até os alternativos e o
pornô bizarro), o consumo de objetos eróticos, o
suingue e variantes homoeróticas que envolvem
desde masculinidades viris até relações eróticas
intergeracionais (GREGORI, 2016, p. 181).

Desse modo, a pornografia não é apenas um produto fílmico ou


mesmo um sistema industrial que organiza, seleciona e distribui cenas de
sensualidade, corpos e práticas sexuais de diferentes acessos em vídeos

734
bem produzidos e editados. A pornografia é uma forma de inscrição das
narrativas e dos discursos de regulação sobre os corpos que interferem
nas posições objetivas e subjetivas que estamos inscritos.
Esquadrinhados por um sistema de representações e esculpidos
por uma estética editável, os corpos nas imagens pornográficas são
possíveis em diferentes espaços e acessados nas telas de diferentes
aplicativos. O corpo pornográfico é o corpo-que-importa da
contemporaneidade. Esbelto, atlético, disponível e inscrito em uma
lógica sexual que promete acesso fácil a dinâmicas de prazer por meio
da visualidade.

A pornografia gay teve um efeito muito além do


puramente sexual, pois concedeu reconhecimento
ao desejo por pessoas do mesmo sexo mostrando de
forma atraente sujeitos de desejos que até pouco
antes eram considerados ilegítimos e desviantes.
Ao mesmo tempo, disseminou modelos corporais e
ensinou formas de se relacionar intimamente que –
compreensivelmente – não abrangiam todas as
corporalidades e desejos. Teve um efeito colateral,
digamos assim, de dirigir a recém-adquirida
visibilidade do desejo homossexual em direção a
corporalidade aceitáveis, sobretudo as que
expressam uma linearidade entre sexo e gênero
masculinos, muitas vezes, inclusive, sublinhando a
masculinidade ao nível da hipérbole (MISKOLCI,
2017, p. 264).

Desse modo, o desejo foi colonizado como experiência de


consumo e as possibilidades de relação com a visualidade foram inscritas
em uma dimensão que é ao mesmo tempo publicitária e pornográfica. A
subjetividade gay está vinculada a lógicas imagéticas de consumo e
formulam propostas performativas em que existe acesso apenas para
determinados corpos e subjetividades. O desejo também participa da
lógica heternormativa e estrutura a regra de que a heterossexualidade é
desejável e, desse modo, consumível.

735
Se a pornografia como discurso não tivesse tornado nossas
subjetividades e moldado nossos corpos para uma forma de experiência
sexual que está vinculada a uma heternorma, talvez não estivéssemos
vinculados a uma lógica corporal que está nas relações de consumo.
Próximos ao funcionamento de vitrines e cardápios, os “[...] aplicativos
atuais podem ser compreendidos como tecnologias subjetivo-corporais
de gênero, contextos de socialização que ‘ensinam’ a ser ou parecer
hétero e a desejar os mais bem-sucedidos nesse exercício” (MISKOLCI,
2017, p. 277).
Não apresentar trejeitos, não expor sua sexualidade, ter máscaras
objetivas, subjetivas e/ou tecnológicas, ao mesmo tempo, ser um corpo
admirável, desejável e disponível. As regras para a vivência
homossexual participam de uma lógica egocentrada e que esvazie a
dimensão política de nossas representações. As subjetividades gays bem-
sucedidas nas lógica de exposição não precisam de uma postura política
e não assumem o lugar na luta contra o sistema de opressão. Vulneráveis
ao sistema de consumo e a manutenção de privilégios, ignoram pautas
de homens trans, mulheres cis e trans, lésbicas, bissexuais e demandas
vinculadas às questões de raça, etnia e posições políticas.

O que fizemos de nós?


A construção de uma lógica corporal e de um sistema de
modelos e representações fez com que a homossexualidade gay estivesse
diretamente vinculada a uma lógica de reprodução dos sistemas de
opressão e de simplificação das políticqas de problematização. Desse
modo, a pornografia realiza uma lógica de premiação subjetiva e conta a
vitória daqueles que escapam do feminino e protegem a norma
heterossexual. O desejo gay está representado midiaticamente a partir de
corpos brancos ou embranquecidos, jovens, atléticos e que não se
relacionam com outras corporalidades que não as que endeusam o
sistema de representação heteronormativo.
Todos os corpos que são possíveis em outra lógica funcionam
como fetichização e, como funciona em sistemas de opressão como o

736
machismo, a misoginia, a homofobia, o racismo, a transfobia e outros
discursos, no intuito de servir de exemplo do que foge da norma. Os
corpos musculosos e jovens imploram por serem vistos, diz Zago (2013).
O resto de nós é apenas massa de consumo para desejar esses corpos.
Nossas sexualidades estão adoecidas, bem como nossas formas
de alcançar prazer e cuidar de si para ressoar as dinâmicas
heternormativas. Nossas subjetividades estão tentando acompanhar uma
maratona para dar conta do sistema de consumo e, desse modo,
desarticulados as demandas de lésbicas, bissexuais e mulheres e homens
trans, nossos corpos e subjetividades são fetichizados não apenas com
nosso consentimento, como também com a nossa vontade de não sermos
diferentes.
O elogio da heteronorma diz para os gays que não parecem
homossexuais que eles estão indo bem. O resto de nós ou corre atrás
dessa estética-escudo-cabresto que não protege, mas faz parecer que por
não olharmos para outras demandas e bandeiras que os heterossexuais
nos aceitam porque a masculinidade é protegida e com ela seus
privilégios e, em outro sentido, nos faz entender que desejo é o foco da
vida gay contemporânea. Como quem corre atrás da cenoura, ou bate na
barra para ter água, fomos comportamentalizados. Corpo inscrito nas
fotografias, bebidas e risadas nos fins de semana, uso inconsequente de
entorpecentes, carreiras estimuladas por meritocracia e uma comunidade
inteira que é esquecida pelo desejo de seguidores em redes sociais.

Considerações finais
Desde a inscrição de grupos gays no sistema pornográfico,
fomos estimulados ao consumo de representações que expresse como a
pornografia está inscrita em nós como sistema específico de estética-
escudo-cabresto. O desejo gay contemporâneo chegou à era do biscoito.
Esse termo é usado agora para fotos expostas em redes sociais com o
intuito de, por meio de número de curtidas, expressar ao emissor da
imagem que ele é merecedor de um reconhecimento. Assim como feito
com cães que executaram a manobra pedida corretamente, o gay que tem

737
seu corpo e sua subjetividade adequadas e corresponde aos ideais
midiático-pornográfico ofertados ganha um gostei. Biscoitos não são
desperdiçados, eles educam uma lógica e comportamentalizam as
subjetividades.
Reconhecer esse aspecto educativo que inscreve a pornografia
como um evento e expõe maneiras de ser e de agir, também é visibilizar
como a mídia sugere sentidos e educa as subjetividades e os corpos.
Mesmo o sistema pornográfico não tenha o mesmo impacto sobre a
sexualidade hoje como ocorreu em outros momentos, percebemos que
essas imagens não perdem seus efeitos, mas se especializam. O modelo
estético-escudo-cabresto da masculinidade jovem e atlética protege um
sistema e não o indivíduo.
Problematizar os aspectos de captura dos nossos desejos e
corpos e, desse modo, como estruturamos maneiras de ser e de agir
também auxiliam uma forma de crítica e interpretação da realidade
contemporânea acerca dos outros e de nós. Se a masculinidade é louvada
e protegida nas redes e nas vivências urbanas, o potencial dessa figura na
dinâmica de consumo da pornografia é pedagógico e também formador
de uma dimensão de valor. As sexualidades deviam buscar o prazer, tal
como disse Foucault a Deleuze (1994). Ao invés disso, o desejo do que
falta nos faz esquecer que estamos sendo mortos todos, inclusive os que
parecem menos gays. As nossas vidas só servem se não são vividas, mas
sobrevividas neste sistema.

Referências
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do
nordeste e outras artes. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

DELEUZE, Gilles. Desejo e prazer. Magazine Littéraire, 1994.


Disponível em: <http://www.filoesco.unb.br/foucault>. Acesso em:
22/11/2016.

738
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740
REPRESENTAÇÃO SOCIAL,
HOMOFOBIA E HOMOSSEXUALIDADE:
UM ESTUDO CORRELACIONAL DOS ANOS
2006 E 2016

Georgiano Joaquim Pereira Antonio dos Santo


Sonia Maria Ferreira Koehler
Jéssica de Sousa Vilella
(Centro Universitário Salesiano de São Paulo)

Este estudo trata-se de um recorte de uma pesquisa de opinião,


longitudinal, com abordagem de transeuntes em uma cidade do interior
do Estado de São Paulo. Apresentamos a análise da amostra de seiscentos
e vinte e três participantes (623) nos anos de 2006 e 2016 objetivando:
1) comparar os dados sobre a compreensão dos termos homofobia e
homossexualidade entre a população e 2) analisar o processo de
mudanças na compreensão dos termos. Foram analisadas duas questões
fechadas (Sim/Não) nas quais os participantes respondem se sabem ou
não o significado dos termos homofobia e homossexualidade. Sobre o
termo “homofobia”, 25,16% dos participantes de 2006 afirmam conhecer
o termo, enquanto 74,67% dos participantes de 2016, responderam sim,
a questão, o que indica uma diferença significativa entre 2006 e 2016.
No que se refere ao termo “homossexualidade”, 96,64%, no ano de 2006
e 94,31% relatam conhecer o termo. A análise desses dados
proporcionou a compreensão das representações sociais da homofobia e
da homossexualidade e suas transformações no espaço de 10 anos da
aplicação da pesquisa, mas ainda indicam a necessidade de
implementação de políticas públicas e incorporação nos currículos de
Educação em Sexualidade tanto no Ensino Básico quanto no Ensino
Superior, principalmente, nos cursos para formação de professores, no
sentido de implementar práticas formativas de respeito a pessoa e a
diversidade de gênero, embasadas nos preceitos dos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Homofobia e homossexualidade; Homofobia e
Representação Social; Homossexualidade e Representação Social.

741
SOCIAL REPRESENTATION, HOMOPHOBIA AND
HOMOSEXUALITY: A CORRELATIONAL STUDY OF THE
YEARS 2006 AND 2016

This study is a view of a longitudinal study characterized as an annual


survey research, approaching passers-by on the streets of a hinterland
city in the state of São Paulo. For this study, we will present the analysis
of a sample composed by 623 participants corresponding to the years of
2006 and 2016 aiming 1) the comparison of data about the terms
homophobia and homosexuality in the population and 2) to analyze the
transformation process related to the dissemination of the terms
“homophobia” and “homosexuality”. Two closed questions were
analyzed: “Do you know what homophobia means?” and; “Do you know
what homosexuality means?” When it comes to the concept of
homophobia, 25.16% of the participants from 2006 agreed on having
knowledge about it, while 74.67% of the participants from 2016
answered ‘Yes’, which indicates a significant difference between the
initial and last years of this study. About “homosexuality”, 96.64%
reported having knowledge about it in 2006, while in 2016, 94.31%
agreed on knowing the meaning of it. This data analysis provided a brief
understanding about social representations of homophobia and
homosexuality and their transformations through the years of research,
but they still indicate the need to implement public policies and to
incorporate them in the curriculum of Sexuality Education on Primary
Education and also on Higher Education where there are teacher training
courses striving for teaching practices based on the precepts of Human
Rights.
Key words: Homophobia and Homosexuality; Homophobia and Social
Representation; Homosexuality and Social Representation.

742
Introdução
Neste artigo apresentamos um estudo correlacional entre os anos
2006 e 2016, um recorte de uma pesquisa longitudinal, realizada ao longo
dos anos de 2006 até 2016 intitulada: “A Representação Social da
Homofobia: análise de uma década de estudos sobre o preconceito em
uma população”. O trabalho é caracterizado como uma pesquisa de
levantamento, anual, com abordagem direta aos transeuntes nas ruas de
uma cidade do interior do Estado de São Paulo, o que possibilita o
conhecimento da realidade, na medida em que as próprias pessoas
informam acerca de suas crenças e opiniões.
Observamos ao longo dos anos, principalmente a partir da virada
do século XXI que a compreensão sobre os fenômenos da
homossexualidade e da homofobia sofreram modificações com as novas
políticas de afirmação e garantia de direitos da pessoa homossexual, bem
como a maior visibilidade na mídia brasileira e, além disso, a realização
e disseminação de estudos acadêmicos sobre esse público (BORRILO,
2009). Apesar da popularização dos termos da diversidade sexual, a
noção de anormalidade e exclusão de pessoas homossexuais ainda se
encontra presente na sociedade via manifestações arbitrárias que
abrangem atitudes discriminatórias à pessoa homossexual, como se ela
fosse uma pessoa anormal e inferior em relação às pessoas
heterossexuais (RODRIGUES, LIMA, MENDONÇA, 2010).
Nesse sentido, a teoria das “Representações Sociais”, de
Moscovici, desponta como uma ferramenta eficaz na compreensão
dessas ‘visões’ sobre a homossexualidade e homofobia. De acordo com
Moscovici (2007), as representações sociais se mostram presentes no
cotidiano, pois elas sustentam simbolicamente as nossas ações e relações
ao mesmo tempo em que as ações e relações cotidianas fornecem
elementos simbólicos para os comportamentos humanos.
Sobre isso, Torres (2010) aponta que sujeito e sociedade sempre
“andam de mãos dadas”, sendo impossível pensa-los como categorias
separadas nas análises piscossociais, pois sempre se encontram em inter-
relação. A sociedade pode ser entendida como pensante, na medida em

743
que os “indivíduos pensam juntos sobre os mesmos assuntos, recebem
informações e ideias de fora e as processam para transformá-las em
julgamentos, opiniões” (ANDRADE, KOELHER, MAIA, 2015, p. 38901)
ou mesmo em ações, assim, este estudo buscou comparar os dados sobre
a compreensão dos termos homofobia e homossexualidade entre a
população e o processo de mudanças nas representações sociais do
fenômeno da homofobia e da homossexualidade em uma dada população
a partir de uma análise correlacional dos anos 2006 e 2016.

Homossexualidade: transformações e conquistas sociais

Na história da humanidade, a relação entre pessoas do mesmo


sexo, direta ou indiretamente, sempre foi reconhecida entre os pares, ou
seja, encontra-se presente desde sempre, existindo “nas mais diferentes
sociedade e culturas e nem sempre foi considerada algo indesejável ou
doentio” (TONIETTE, 2006, p. 44). Foucault (1984) contribui com essa
visão ao nos mostrar que na Antiguidade “o uso dos prazeres nas relações
com rapazes” (FOUCAULT, 1984, p. 167), o que atualmente
conceituaríamos como homossexualidade, era prática difundida na
Grécia, pois os gregos “não se opunham, como duas escolhas
excludentes, os dois tipos de comportamento radicalmente diferentes, o
amor ao seu próprio sexo ao amor pelo sexo oposto” (ibidem). Ademais,
é imprescindível compreender que o escopo teórico por trás desse modo
de vivência da sexualidade humana, e sua respectiva criminalização e
patologização, só passa existir e se estruturar a partir do século XVIII.
Com o advento da reforma puritanista, em torno dos anos de 1700,
ocorreu “a introdução das noções de bem e de mal absolutos, os homens
que mantinham relação com outros homens passaram a ser vistos como
criminosos” (TONIETTE, 2006, p. 45). Nessa época a sexualidade
assume completamente o caráter de sacralidade e a heterossexualidade é
estabelecida como “ideal” (ibidem).
O termo homossexualismo foi criado ao final do século XIX,
com a sua utilização na literatura medica como categoria específica

744
(DIEHL, VIEIRA, 2017) sendo definida como “uma doença fisiológica
causada por distúrbios genéticos ou biológicos” (LACERDA,
PEREIRA, CAMINO, 2002, p. 167). Porém, ao longo do século XX,
com a influência dos estudos em psicanálise, os escritos de Foucault e os
estudos empíricos sobre o comportamento sexual da população
masculina e feminina estadunidense realizados por Kinsey (LOYOLA,
2003) inicia-se a transformação do cenário de patologização das
expressões sexuais discrepantes da hetetonormatividade. Nos anos
sessenta, vemos aparecer os primeiros movimentos homossexuais
seguido, na década de setenta, do início da desvinculação da
homossexualidade do conceito de doença através do posicionamento da
Associação Psiquiatria Americana (APA, 1975). Somente na década de
noventa a homossexualidade deixa de ser considerada como doença e é
retirada da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
No Brasil, segundo Irineu (2014), ao longo da história das lutas
LGBTQIA+, verifica-se ao final dos anos 1980 o surgimento de algumas
ações governamentais destinadas a esse público “geralmente voltadas
para o âmbito da saúde, e outras no âmbito da segurança pública”
(IRINEU, 2014, p. 196), como por exemplo as políticas brasileiras de
combate à epidemia de HIV/Aidis (ibidem).
Em 28 de julho de 1997 surge, em São Paulo, outro marco na
história do movimento homossexual no Brasil: a primeira Parada do
Orgulho GLT, conhecida popularmente como Parada Gay. Da década de
1990 até os dias de hoje a Parada Gay sofreu muitas transformações, a
começar pela sua dimensão, na primeira edição participaram cerca de
2000 pessoas, enquanto que, em 2018, a 22ª edição do evento contou
com cerca de 3 milhões de pessoas, tornando-se a maior parada LGBT+
do mundo.
Além do mais, é interessante notar que o evento se encontra
“longe de reafirmar unicamente os poderes de uma política identitária
fronteiriça e coerente” (TRINDADE, 2011, p. 94) entre as diversidades
sexuais, como se torna claro pela inexistência de alas representativas de
cada segmento LGBT+, o que revela, paralelamente, “as muitas

745
conexões e alianças estabelecidas em nome do respeito à diversidade”
(ibidem). Segundo Facchini (2009), os homossexuais só começam a ser
reconhecidos no campo da promoção dos direitos humanos a partir de
1996 com a criação do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH,
1996). A partir dos anos 2000 inicia-se ações mais abrangentes, com a
criação Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), em
2001, a elaboração do Plano Nacional de Direitos Humanos-II (PNDH),
em 2002, e a aprovação do PNDH-III, em 2009. Para Mello, Avelar e
Brito (2014):

A necessidade de estabelecer políticas públicas de


segurança se fundamentaria em tais documentos, a
partir de noções como desrespeito, intolerância,
impunidade e violência contra a população LGBT,
e uma das formas pelas quais o movimento social
tem buscado legitimar as demandas por segurança
pública refere-se à ausência ou ao alcance limitado
de uma legislação que garanta os direitos civis
dessa população e que possibilite o exercício pleno
da cidadania, bem como à difusão de um ideário de
intolerância sexual, que se manifesta nos discursos
de representantes de instituições diversas, como
igrejas, parlamentos, partidos políticos e meios de
comunicação de massa. (p. 303)

Entretanto, apenas a partir de 2002 podemos visualizar ações


governamentais direcionas especificamente à população LGBTQIA+,
como por exemplo o Programa Brasil Sem Homofobia (2004), que tem
como objetivo “promover a cidadania de gays, lésbicas, travestis,
transgêneros e bissexuais, a partir da equiparação de direitos e do
combate à violência e à discriminação homofóbicas, respeitando a
especificidade de cada um desses grupos populacionais” (BRASIL,
2004, p. 11).

Homofobia: definições e representações

746
O termo homofobia é designado como preconceito, aversão,
repulsa e ódio contra os homossexuais. Segundo Junqueira (2009), o
psicólogo estadunidense George Weinberg, em 197264, publicou estudos
sobre a “personalidade homofóbica”. Entretanto, apenas ao final da
década de 1990 o termo começou a fazer parte dos dicionários europeus
(BORRILO, 2009).

Foi somente no final dos anos 1990 que se registrou


pela primeira vez nos dicionários o termo
“homofobia”, cujo uso original parece remontar a
K. T. Smith. A palavra “homofobia” designa dois
aspectos de uma mesma realidade: uma dimensão
pessoal de natureza afetiva, que se manifesta pela
rejeição aos homossexuais, e uma dimensão
cultural de natureza cognitiva, na qual o objeto da
rejeição não é o indivíduo homossexual, mas a
homossexualidade como fenômeno psicológico e
social. Essa distinção permite melhor compreender
uma situação bastante corriqueira nas sociedades
modernas – a de tolerar ou até mesmo simpatizar
com o grupo estigmatizado, considerando, no
entanto, inaceitável qualquer política de igualdade
que o beneficie (como, por exemplo, o direito ao
casamento ou à adoção) (BORRILO, 2009, p. 19).

Numa perspectiva psicossocial, a homofobia é um fenômeno que


abrange aspectos sociais, políticos, ideológicos e afetivos, que incide em
todas as dimensões sociais, inclusive na escola e na família. Assim, a
homofobia é um fenômeno complexo e variado (BORRILLO, 2009,
p.18). Ainda segundo o autor,

64
Foi na pesquisa do psicólogo estadunidense George Weinberg, procurando
identificar os traços da “personalidade homofóbica”, realizada nos primeiros
anos de 1970, que o termo ganhou foros acadêmicos, correspondendo a uma
condensação da expressão “homosexualphobia”.

747
[...] os homossexuais não são mais as únicas
vítimas da violência homofóbica, que se dirige
também a todos os que não aderem à ordem clássica
dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais,
mulheres heterossexuais que têm personalidade
forte, homens heterossexuais delicados ou que
manifestam grande sensibilidade (ibidem, p. 18).

Assim, a violência homofóbica não é direcionada apenas às


pessoas homossexuais. Considerando as terminologias homofobia,
lesbofobia, travestifobia, transfobia, Diehl, Vieira (2017, p.155) apontam
que são tantas fobias que talvez fosse mais apropriado o termo
“diversofobia”; em outras palavras, intolerância ao diferente. Podemos
verificar a pluralidade de conceitos, termos e expressões, porém, no
presente estudo utilizaremos o termo homofobia, como forma de
representação que sustenta as diversas formas de intolerância e
discriminação.
Em 2004, o Programa “Brasil Sem Homofobia”, teve por
objetivo promover um conjunto de ações destinadas à promoção do
respeito à diversidade sexual e ao combate as várias formas de violação
dos direitos humanos de pessoas LGBTQIA+. Um dos princípios básicos
é a inclusão da perspectiva da não-discriminação por orientação sexual e
de promoção dos direitos humanos de gays, lésbicas, transgêneros e
bissexuais, nas políticas públicas e estratégias do Governo Federal.
(BRASIL, 2004). O Programa Brasil Sem Homofobia destaca:

Um dos principais ganhos paralelos do Programa


Brasil sem Homofobia é a definição de indicadores
que possibilitem avaliar sistemática e oficialmente
a situação dos homossexuais brasileiros, vítimas da
homofobia em todos os seus ambientes. Com base
de tais indicadores cuja definição será feita a
posteriori, as ações previstas no Programa serão
sistematicamente monitoradas e avaliadas
(BRASIL,2004, p.28)

748
A democratização do acesso à internet e consequente aumento
da produção de informação tem ampliado a visibilidade de crimes
homofóbicos. (BRASIL, 2016). De acordo com o Relatório sobre
violência homofóbica no brasil:

Desde o início da década de 1980, movimentos


sociais LGBT no Brasil (em iniciativa pioneira do
Grupo Gay da Bahia) realizam o levantamento de
notícias relacionadas a homicídios cometidos
contra a população LGBT no sentido de embasar
estatísticas não oficiais sobre homofobia no Brasil.
Estabeleceu‐se, pois uma série histórica de dados
que permite comparar, se não o número real de
homicídios de caráter homofóbico no Brasil, pelo
menos o volume de notícias relacionadas a este tipo
de crime na mídia brasileira (BRASIL, 2016, p. 29).

Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB, 2016, p.1) tais mortes


crescem assustadoramente: de 130 homicídios em 2000, saltou para 260
em 2010 e para 343 em 2016. Destes 173 eram gays (50%), 144 (42%)
trans (travestis e transexuais), 10 lésbicas (3%), 4 bissexuais (1%),
incluindo 12 heterossexuais, como os “amantes de transexuais” ou “T-
lovers”. (GGB, 2016). Podemos observar que 445 (quatrocentos e
quarenta e cinco) LGBTQIA+ morreram no Brasil, (incluindo-se três
nacionais mortos no exterior) em 2017 vítimas da homotransfobia: 387
assassinatos e 58 suicídios. Nos 38 anos que o Grupo Gay da Bahia
(GGB) coleta e divulga tais estatísticas, nunca se registrou tantas mortes.
Um aumento de 30% em relação a 2016, quando registraram-se 343
mortes. (GGB, 2017, p.1)

Desde o relatório de 2016, além dos homicídios,


incluímos também os suicídios de LGBT+ no rol
das mortes causadas pela homotransfobia.
Justifica-se tal inclusão pelo fato de pesquisas
internacionais revelarem que a taxa de suicídios
dentro do segmento LGBT, sobretudo entre jovens,

749
é significativamente mais alta do que entre
heterossexuais: “jovens rejeitados por sua família
por serem LGBT têm 8,4 vezes mais chances de
tentarem suicídio” e “lésbicas, gays e bissexuais
adolescentes têm até cinco vezes mais chances de
se matarem do que seus colegas heterossexuais”.
(p.16)

Devemos elucidar ainda a questão da homofobia internalizada e


negada. Conforme aponta Nascimento (2010) a homofobia internalizada
pode ser vista como um mecanismo pelo qual “a ordem social nos
contém e nos mantém sob o próprio aprisionamento, fazendo com que
homossexuais se escondam e mantenham-se invisíveis, a fim de não
serem identificados como pertencentes àquela categoria estigmatizada”
(p. 235). Encontramos também o sentimento de culpa devido ao não
enquadramento aos padrões heterossexuais idealizados e a possível
incorporação “do desprezo que outros sujeitos dirigem aos
homossexuais” (ibidem) que poderá ser expressado por meio da não
vivência de sua orientação sexual, como também na projeção do ódio de
si mesmo no outro (ibidem), isto é, atitudes discriminatórias contra o
outro, nesse caso, a homofobia.

Representações sociais: como são construídas?


Apresentada por Moscovici (1978) as representações sociais são
compreendidas como teorias do senso comum criadas a partir de opiniões
carregadas de valores, não sendo redutíveis a uma simples resposta
mental a um estímulo social, mas sim “uma construção do significado do
meio social, onde estímulo e resposta se formam ao mesmo tempo, sendo
o estímulo determinado pela resposta” (LACERDA, PEREIRA,
CAMINO, 2002, p.168).

[...] as representações sociais são conjuntos


dinâmicos, seu status é o de uma produção de
comportamentos e de relações com o meio
ambiente, de uma ação de modifica aqueles e estas,

750
e não de um reprodução desses comportamentos ou
dessas relações, de uma reação a um dado estímulo
exterior. Em suma, vemos aí sistemas que têm uma
lógica e uma linguagem particulares, uma estrutura
de implicações que assenta em valores e em
conceitos. Um estilo de discurso que lhes é próprio.
Não os consideramos como “opiniões sobre” ou
“imagens de”, mas como “teorias”, “ciências
coletivas” [...] destinadas à interpretação e
elaboração do real (MOSCOVICI, 1978, p.50).

Esses processos nos trazem maior clareza de como são


estruturadas as representações sociais da homossexualidade e da
homofobia. De acordo com Rodrigues, Lima e Mendonça (2010), por
meio do mecanismo da ancoragem, as representações e associações da
homossexualidade à doença, ao pecado, ao desvio da norma, passam a
justificar as práticas de exclusão e violência contra esse grupo, ou seja, a
homofobia. Segundo Lacerda, Pereira e Camino (2002, p. 168) as
representações sociais “constituem-se em uma preparação para a ação”,
pois além de guiarem o comportamento, também são responsáveis por
construir e remodelar o ambiente no qual o comportamento será posto
em prática.

Método
Como já anunciado, o estudo apresentado neste artigo é um
recorte de uma pesquisa survey, longitudinal que vem sendo aplicada
anualmente, desde 2006, caracterizada como um estudo descritivo, de
abordagem quantitativa e qualitativa. Conforme sinaliza Gil (1996) as
pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou, então, o
estabelecimento de relações entre variáveis.
Apresentaremos a análise da amostra de seiscentos e vinte e três
participantes (623) correspondentes aos anos de 2006 e 2016, entre
jovens, adultos e idosos, transeuntes de um município do estado de São

751
Paulo, com idade a partir de 1665 a 92 anos. Todos os participantes foram
convidados a participar por adesão espontânea após explicação dos
objetivos da pesquisa, constituindo, assim, estatisticamente, uma
amostra de conveniência.
O instrumento utilizado foi um questionário semiestruturado
dividido em duas partes. A primeira corresponde à caracterização do
participante com os seguintes dados: sexo; idade; profissão; cor e
religião. A segunda, conta com questões abertas e fechadas, nas quais os
participantes respondem se sabem ou não o significado dos termos
homofobia e homossexualidade e qual sua opinião sobre os termos.
Foram analisadas duas questões fechadas (Sim/Não): “Você sabe o que
é homofobia?” e; “Você sabe o que é homossexualidade?”.

Resultados principais e discussões


Sobre o termo “homofobia”, a análise dos anos de 2006 e 2016
nos mostrou que 50,96% dos participantes totais responderam
desconhecer este termo. Desse modo, em dados gerais, a promoção do
termo “homofobia” entre a população não sofreu modificações.
Entretanto, a análise individual do ano inicial e final desse estudo mostra
que essa configuração se transforma de forma significativa. Em 2006,
25,16% dos participantes afirmaram ter conhecimento sobre o termo,
enquanto 74,67% dos participantes de 2016, responderam sim, a questão.
Desse modo, apesar dos dados totais nos mostrarem que o conceito
“homofobia” é conhecido por apenas 50,96 de população pesquisada, é
possível visualizar, no intervalo de dez anos, a maior inserção desse
termo entre a população, com uma diferença significativa de 49,51%
entre 2006 e 2016.

65
A escolha dessa idade tem como base o Estatuto da Juventude, o qual
considera como jovem pessoas com idade entre 15 e 29 anos de idade e
discorre, entre seus pontos, sobre direito destes à participação social e política
e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude. Cf.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm.

752
Um aspecto importante são as ações no âmbito das políticas
públicas. No contexto brasileiro, desde a década de 1980 pode se
observar iniciativas governamentais destinadas ao público LGBTQIA+,
inicialmente voltadas apenas para o âmbito da saúde (IRINEU, 2014) e,
nos anos subsequentes à promoção dos direitos humanos da pessoa
homossexual, como por exemplo a criação do Plano Nacional de Direitos
Humanos I, II e III (PNHD, 1996; PHNDII, 2002; PHNDIII, 2009) e o
Programa Brasil Sem Homofobia (2004) (FACCHINI, 2009). Outro
ponto que devemos citar é a maior representatividade da comunidade
LGBTQIA+ na sociedade e na mídia brasileira atualmente. Inicialmente
representada na mídia nacional de forma estereotipada, como, por
exemplo, na figura do homem gay afeminado, escandaloso e engraçado,
estereótipo muito utilizado pelo humor brasileiro, passa, a partir de 2011,
ainda de forma tímida, a ser representada nas novelas nacionais num
escopo diferente do humorístico, como por exemplo na novela “Amor e
Revolução” (SBT, 2011), “Amor à Vida” (Rede Globo, 2014) e
“Liberdade, Liberdade” (Rede Globo, 2016). O relacionamento de casais
homossexuais passa a ser explorado e o preconceito contra este grupo
começa a fazer parte da trama desses personagens.
Além disso, não podemos deixar de citar as inúmeras ações e
cartilhas66 realizadas pela UNESCO que possuem o intuito de fornecer
aos Estados subsídios para a implementação de políticas públicas de
promoção de direitos à comunidade LGBTQIA+ (UNESCO, 2010).

66
Podemos citar como exemplo os documentos “Respostas do Setor de
Educação ao bullying homofóbico” (UNESCO, 2013), as Orientação Técnica
Internacional sobre Educação em Sexualidade” (UNESCO, 2010), as
“Orientações técnicas de educação em sexualidade para o cenário brasileiro:
tópicos e objetivos de aprendizagem” (UNESCO, 2014), a cartilha “Jogo
aberto: respostas do setor de educação à violência com base na orientação
sexual e na identidade/expressão de gênero” (UNESCO, 2017) dentre outras.

753
Corroborando com os dados aqui apresentados, Koehler (2009)67
nos mostra que no ano de 2006 apenas 2,21% da população relaciona a
‘homofobia’ a rejeição/preconceito contra o homossexual ou a conceitos
próximos, como por exemplo “fobia a homossexuais”, “aversão a
homossexuais” ou “pessoa que tem raiva de homossexual”, enquanto
6,36% ligam o termo a expressão da homossexualidade, considerando-o
um sinônimo para essa forma de orientação sexual ou mesmo a própria
orientação em si.
Sobre o conceito ‘homossexualidade’, a análise dos anos de 2006
e 2016 mostrou que 95,53% dos participantes totais responderam
conhecer este conceito. Essa mesma configuração é visualizada em
ambos os anos desse estudo. Em 2006, 96,64% dos participantes
afirmam ter conhecimento sobre o termo e, da mesma forma, em 2016,
94,31% dos participantes responderam sim, a essa questão
A predominância de emissões “sim” pode estar ligada a difusão
do termo ‘homossexualidade’ ou ‘homossexualismo’68 entre a
população. Além disso, é indiscutível a existência de um saber popular
sobre o fenômeno da homossexualidade, pois a relação entre pessoas do
mesmo sexo, direta ou indiretamente, sempre foi reconhecida entre os
pares, ou seja, encontra-se presente na história da humanidade desde
sempre, existindo em diversas sociedades e culturas (TONIETTE, 2006),
sendo considerada em algumas sociedades algo natural, como por
exemplo na Grécia Antiga (FOUCAULT, 1984).
De acordo com Koehler (2009), no ano de 2006, 36,97% das
pessoas entrevistadas dizem compreender a homossexualidade como
forma de se relacionar com pessoas do mesmo sexo, enquanto em 2016,

67
Este estudo também corresponde a um recorte da pesquisa longitudinal,
realizada ao longo dos anos de 2006 até 2016 intitulada: “A Representação
Social da Homofobia: análise de uma década de estudos sobre o preconceito
em uma população”.
68
O termo ‘homossexualismo’, por sua conotação patológica, não é mais
utilizado desde os as 1990, ano que a Organização Mundial de Saúde o retirou
da Classificação Internacional de Doença (CID).

754
54,46% consideram-na como uma orientação sexual como qualquer
outra, a qual deve ser compreendida em sua totalidade (CORRÊA,
VILLELA, SANTOS, 2017)69. A comparação dos dados do presente
estudo com os que são apresentados por Koehler (2009) e Corrêa, Villela
e Santos (2017) apontam a discrepância entre conhecer o termo e saber
conceitua-lo de forma correta ou aproximada.
Um levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB,
2017) de 2002 a 2017, constatou-se que o ano de 2017 foi o de maior
incidência de mortes de pessoas LGBTQIA+, alcançando a marca de 445
mortes (387 assassinatos e 58 suicídios), um aumento de 30% em relação
ao ano anterior, no qual se registou 343 mortes.
Ao relacionar os dados do GGB com os do presente estudo nota-
se que, apesar do maior conhecimento e compreensão dos termos
homossexualidade e homofobia, a violência que tem como foco a
população LGBTQIA+ vêm aumentando ao longo dos anos.
Para maior compreensão desse quadro podemos citar como
exemplo a existência de movimentos heteronomartivos contrários a
organização e representatividade da comunidade LGBTQIA+ que
tentam manter a homossexualidade como uma vivência desviante da
sexualidade humana, através da difusão de discursos religiosos e
políticos, da ideia de “doutrinação para a homossexualidade”
representada pelo conceito “Ideologia de Gênero”, bem como a
existência de ações mais concretas a exemplo da criação do Projeto de
Lei (PL) 4931/2016 que dispõe sobre “o direito à modificação da
orientação sexual em atenção à Dignidade Humana”, popularmente
conhecida como “cura gay”.
O mesmo autor nos fala da importância de se enfatizar a função
de uma representação social, isto é, a finalidade a qual ela se destina,

69
Este estudo também corresponde a um recorte da pesquisa longitudinal,
realizada ao longo dos anos de 2006 até 2016 intitulada: “A Representação
Social da Homofobia: análise de uma década de estudos sobre o preconceito
em uma população”.

755
assim, o termo ‘homossexualismo’ foi criado justamente para categorizar
pessoas que possuem “uma orientação sexual desviante”. Tal construção
se relaciona com a representação social da heterossexualidade,
fundamentada pela -heteronormatividade ou heterossexismo que,
segundo Welzer-Lang (2001, p. 467-468) indica:

[...] a discriminação e opressão baseadas em uma


distinção feita a propósito da orientação sexual. O
heterossexismo é a promoção incessante, pelas
instituições e/ou indivíduos, da superioridade da
heterossexualidade e da subordinação simulada da
homossexualidade. O heterossexismo toma como
dado que todo mundo é heterossexual.

Por outro lado, a criação do conceito ‘homofobia’ parte da


necessidade de possibilitar a representação do preconceito e da exclusão
sofrida pelos homossexuais, porém, não a partir da lógica
heteronormativa, mas sim da premissa de diversidade sexual. Desse
modo, tendo em mente o processo de ancoragem citado por Moscovici
(1978), a assimilação do termo ‘homofobia’ encontra dificuldades, pois
fica condicionado à noção de um desvio que deve ser normatizado, não
configurando, por essa lógica, preconceito ou discriminação.

Considerações finais
A análise desses dados proporcionou uma breve compreensão
das representações sociais da homofobia e da homossexualidade e suas
transformações em um intervalo de dez anos, mas ainda indicam a
necessidade de implementação de políticas públicas e incorporação nos
currículos de Educação em Sexualidade tanto no Ensino Básico quanto
no Ensino Superior, principalmente, nos cursos para formação de
professores, no sentido de implementar práticas formativas de respeito a
pessoa e a diversidade de gênero, embasadas nos preceitos dos Direitos
Humanos. Ressalta-se que ao pesquisar sobre as representações da
homossexualidade e da homofobia numa dada população não se pretende

756
descobrir se tal representação “corresponde” ou não ao “real”, mas sim
como as “representações produzem sentido, quais seus efeitos sobre os
sujeitos” e como “elas constroem o ‘real’” (LOURO, 2014, p. 103).
A importância da utilização da teoria das Representações Sociais
é enfatizada por Ens, Villas Bôas e Behrens (2013), pois esta possibilita
estudo de questões de inúmeras áreas do conhecimento a partir de uma
perspectiva psicossocial. Tal perspectiva compreende que determinados
fenômenos tem constituição tanto social quanto pessoal. Segundo
Moscovici (1978), não devemos esquecer que as representações sociais
não são estáticas e suas transformações decorrem de um lento processo
de descarte e apreensão de novas informações, crenças, atitudes etc., as
quais irão se relacionar de forma direta com os contextos sócio-histórico-
cultural das sociedades.
Esse lento processo se evidencia no forte preconceito ainda
direcionado às pessoas homossexuais, bem como a toda comunidade
LGBTQIA+, não só em nível de exclusão, como também de violência
física e psicológica. A importância de estudos como este se dá através da
contribuição para a ampliação do conhecimento acerca das
representações sociais do fenômeno da homossexualidade e da
homofobia e, consequentemente, do fornecimento de subsídios para a
formulação e reestruturação de políticas públicas de proteção, inserção e
de promoção da comunidade LGBTQIA+.

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761
UM RECORTE DA CAMPANHA “FAÇA
BONITO 2018”: A PRÁTICA DOS ÓRGÃOS DE
REPRESSÃO FRENTE AO COMBATE DO
ABUSO SEXUAL INFANTO-JUVENIL

Lorena Christina de Anchieta Garcia Pola


(Prefeitura Municipal de Bauru)
Daniel Dos Santos Pola
(Universidade Estadual Paulista/Araraquara)
Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa
(Universidade Estadual Paulista/Araraquara)

Pensando na importância do combate ao abuso sexual infantil, a


prefeitura municipal de Bauru-SP, em parceria com a O.A.B. (ordem dos
advogados do Brasil) oportunizou à comunidade uma serie de eventos
relativos ao tema, dentre esses eventos ofereceu aos profissionais
atuantes nas instancias de repressão e combate ao abuso sexual infantil,
sendo: as policias militar, civil e federal; agendes do CREAS; Conselho
Tutelar; e também para estudantes do curso de Direito uma ação
educativa e reflexiva através de uma mesa redonda formada por
delegados da policia civil e federal, um representante do Conselho
Tutelar, uma representante do CREAS e o promotor da vara da infância
e juventude da cidade. O encontro ocorreu no dia 21 de Maio de 2018 no
teatro da O.A.B. do município no período noturno, com grande público
presente. Percebeu-se a necessidade desta ação, pois por atuarem em
diferentes instancias no que se diz respeito ao tema, cada órgão acabava
agindo de uma forma isolada, conforme acreditava ser correto. Durante
o desenrolar das explanações evidenciou-se que as partes convidadas
interagiram muito bem e que as informações foram complementadas
umas com as outras. Os delegados deixaram bem explicitado quais são
as ações cabíveis as policias militar, civil e federal e como devem agir
em conjunto. Já a promotoria veio enriquecer explicando de forma bem
assertiva como deve ser as ações junto as famílias em caso de suspeita
e/ou confirmação do abuso sexual em crianças ou adolescentes.

762
Palavras-chave: Abuso sexual. Violência sexual. Direito.

A CUT OF THE "MAKE BEAUTIFUL 2018" CAMPAIGN:THE


PRACTICE OF AGENCIES IN THE FIGHT AGAINST CHILD
AND ADOLESCENT SEXUAL ABUSE

Thinking about the importance of combating child sexual abuse, the


municipal government of Bauru -SP, in partnership with O.A.B.
(Brazilian lawyers' order) gave the community a series of events related
to the topic, among these events offered professionals working in the
instances of repression and combat child sexual abuse, including:
military, civil and federal police; CREAS schedules; Tutelary Council;
as well as for law students an educational and reflexive action through
a round table formed by delegates of the civil and federal police, a
representative of the Guardianship Council, a representative of CREAS
and the promoter of the city's youth and youth council. The meeting took
place on May 21, 2018 at the O.A.B. of the municipality in the nocturnal
period, with great public present. It was perceived the necessity of this
action, because by acting in different instances regarding the subject,
each body ended up acting in an isolated way, as it believed to be correct.
During the course of the explanations it was evidenced that the invited
parties interacted very well and that the information was complemented
with each other. The delegates have made it very clear what actions are
appropriate for the military, civil and federal police and how they should
act together. The prosecution came to enrich explaining in a very
assertive way how should be the actions with families in case of suspicion
and / or confirmation of sexual abuse in children or adolescents.
Keywords: Sexual abuse. Sexual violence. Right.

Introdução
Sendo o dia 18 de maio, instituído como o dia “D” da
campanha de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e
adolescentes em todas as unidades federativas do Brasil, este artigo trata
do relato de uma das ações realizadas na campanha “Faça Bonito: Proteja

763
nossas crianças e adolescentes” do ano de 2018. Nesta campanha, foram
reunidos representantes de instituições que atuam diretamente na
repressão ao abuso e violência sexual infanto-juvenil.
Pensando na importância do tema, a prefeitura municipal da
cidade de Bauru, localizada do interior do estado de São Paulo, em
parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (O.A.B) oportunizou à
comunidade uma série de eventos relativos ao tema da campanha já
citada. Dentre esses eventos ofereceu uma mesa redonda composta por
profissionais atuantes nas instâncias de repressão e combate ao abuso e
exploração sexual infanto-juvenil direcionada à profissionais voltados ao
combate e exploração ao abuso sexual infantil e estudantes dos cursos
de Direito e Serviço Social.
A literatura classifica de várias formas os tipos de violência
praticados contra crianças e adolescentes, nos meios extrafamiliar e
intrafamiliar, podendo ser física, sexual, por negligência, psicológica
e/ou institucional. Quanto à violência sexual, está dividida entre dois
tipos: Abuso Sexual e Exploração Sexual.
Os dois tipos de violência sexual se desenvolvem utilizando a
vulnerabilidade da criança e do adolescente, porém o abuso confere a
algo pessoal, normalmente de forma intrafamiliar, enquanto a exploração
sexual comumente está no meio extrafamiliar, podendo estar associada
ao tráfico de crianças. (RIBEIRO, FERRIANI & REIS, 2004).
FALEIROS & OLIVEIRA (2000) indica que:

Em geral, é um conhecido da vítima o que exerce a


agressão no processo de violência intrafamiliar. Os
maus-tratos físicos, como se sabe, e como é
demonstrado em várias pesquisas, são muito mais
exercidos pela mãe, e a violência sexual mais
presente por parte do pai, do padrasto e mesmo de
irmãos ou outros parentes como avós e tios. (p. 71)

Ainda segundo FALEIROS & OLIVEIRA (2000), a violência


sexual raramente é praticada por estranhos, mas por aqueles que integram

764
o seio familiar. Também envolve uma questão de gênero, pois ela é muito
mais recorrente em meninas do que em meninos.
Portanto, podemos afirmar que a violência sexual é mais
recorrente no meio familiar, praticada por alguém do seio familiar
predominantemente do sexo masculino. O abusado encontra-se em
situação de vulnerabilidade e, na maioria das vezes, do sexo feminino.
Para coibir este tipo de ação a legislação assegura direitos
imprescindíveis para as crianças e adolescentes, como a própria
constituição de 1988 em seu artigo 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

E essa concepção de proteção à criança vem a ser reforçada em


1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
lei 8.069/90, conforme observa-se no artigo 3º:

“A criança e o adolescente gozam de todos os


direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim
de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade..”

Em 2009, uma nova legislação passa a vigorar para mais um


avanço na proteção da criança: a lei 12.015/09. Segundo SILVA &
FERREIRA (2018, p.2), “A lei 12.015/09 trouxe para o ordenamento
jurídico a tipificação de crimes sexuais contra vulneráveis.” Indicam

765
também, que segundo a lei, são considerados vulneráveis menores de 14
anos, pessoas com enfermidade ou doença mental e em casos onde a
vítima não possa oferecer resistência ao ato sexual, como em casos de
embriaguez.
Faleiros & Oliveira (2000) afirmam que o combate e a
repressão da violência sexual está dividido em dois circuitos, e a cada
um compete funções diferentes. Temos o circuito do atendimento, o qual
compete a execução de serviços sociais como “saúde, educação,
assistência, trabalho, cultura, lazer, profissionalização, serviços e
programas de proteção especial...”(p. 76). As instituições que fazem
parte desse circuito são as do serviço social, como secretarias do serviço
social e seus aparatos: Conselho tutelar, CREAS, CRAS, etc. O intuito
desse circuito é de acolher e proteger a vítima de violência, seja por
intenção ou por negligência.
Já no outro circuito, denominado “circuito da
responsabilização”, “temos as Delegacias, o Instituto Médico Legal, as
Varas da Justiça e o Ministério Público, órgãos responsáveis pela
investigação, pela prisão, julgamento, controle, execução e sanção do
abusador.” (Faleiros & Oliveira, 2000, p. 77).
Ainda segundo os autores é indicado que os dois circuitos
incoerentemente não se desenvolvem em sintonia, o que seria o ideal,
pois somente em sincronismo, conseguiríamos efetivamente construir
uma rede de proteção à criança e ao adolescente.
Ainda como fundamentação pode-se citar o documento
elaborado pelo Ministério da Educação (MEC) denominado “Guia
Escolar: rede de proteção à infância” (2011) que divide as etapas de
proteção e combate ao abuso sexual infantil em três etapas diferentes,
sendo elas: prevenção primária, envolvendo instituições que tem como
foco “eliminar, ou pelo menos reduzir, os fatores sociais, culturais e
ambientais que favorecem os maus-tratos” (p.17) em ações preventivas;
prevenção secundária, visando “identificar precocemente crianças e
adolescentes em situação de risco, e dessa forma tentando evitar que atos

766
de violência aconteçam e/ou se repitam.” (p.18); Já como prevenção
terciária pode-se definir como “acompanhamento integral de crianças e
adolescentes em situação de violência sexual e do autor de violência
sexual. Diante do fato consumado, deve-se trabalhar para que o ato não
se repita.” (p.19).
As denúncias contra violência sexual podem ser executadas de
várias formas: Através da ligação telefônica para o número 190 (Polícia
Militar), caso seja necessária uma ação imediata de socorro; Se a
denúncia for por suspeitas ou não for realizada no momento do ato de
violência, pode-se ligar diretamente ao conselho tutelar; Há também o
disque 100, que desde 2006 é responsável por receber qualquer tipo de
denúncia de violência, tendo que em até 24h, à partir do momento da
denúncia, deve averiguar e tomar as providências que proteja a vítima.
É notório que os casos de abuso e violência sexual são
acentuados no Brasil, quando nos deparamos com amostragens
municipais ou estaduais. Contudo, não foi possível encontrar dados mais
abrangentes, a nível Federal, somente suposições analíticas. A BBC
Brasil, através do jornalista Mori (2018) publicou uma reportagem em
sua página da web informando o caos no controle de denúncias de
violência sexual contra crianças. Segundo o texto, houveram 15.707
denúncias realizadas no ano de 2016 pelo disque 100, porém, não foi
possível coletar dados de outros elementos importantes para o estudo do
caso, como os casos averiguados, a situação da vítima pós-denúncia e a
pena dos agressores.
O “Guia Escolar: Rede de Proteção à Criança” (2011) indica
alguns dados do disque denúncia (disque 100) entre os anos 2003 e 2010.
Houve, nesse período, um crescimento de 683% no número de
denúncias. Dentro da macrocategoria violência, a subcategoria violência
sexual estava em primeiro lugar em quantidade de denúncias, empatada
com as violências física e psicológica (36%). Dentro desses 36% das
denúncias categorizadas como violência sexual, 65,08% eram sobre
abuso sexual, 34,02% exploração sexual, 0,6% Pornografia e 0,3%
trafico de crianças e adolescentes.

767
A partir da lei federal nº 9.970/2000, o dia 18 de maio passa a
ser instituído como o “Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes”, em virtude do ocorrido nessa data
do ano de 1973, quando uma menina de oito anos foi seqüestrada,
violentada e cruelmente assassinada no estado do Espírito Santo. Este
acontecimento ficou conhecido como “Caso Araceli” e os agressores e
assassinos, jovens de classe média alta, ficaram impunes.

Desenvolvimento da Mesa Redonda


A ação que será descrita foi uma ação educativa e reflexiva
através de uma mesa redonda formada por representantes das instâncias
de combate e repressão à crimes de violência sexual contra crianças e
adolescentes, sendo eles: um delegado da Policia Civil; uma delegada da
Polícia Federal; um representante do Conselho Tutelar; uma
representante do CREAS e o promotor da vara da infância e juventude
da cidade de Bauru.
Essa mesa redonda ocorreu no dia 21 de Maio de 2018,
direcionada às pessoas que atuam na área de repressão e combate a
violência contra jovens e crianças. Dentre os ouvintes, estavam
presentes: integrantes das polícias militar, civil e federal; Agentes do
Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS);
integrantes do conselho tutelar; Estudantes do curso de Direito e Serviço
Social; Público em geral.
Para a realização do evento contou-se com a parceira da O.A.B.
de Bauru, que cedeu seu teatro próprio no período noturno e com isso
possibilitou que houvesse um total preenchimento das vagas oferecidas
ao público, fazendo com que mais de 250 ouvintes estivessem presentes
naquela ocasião.
O objetivo principal das falas realizadas pelos convidados foi
a tentativa de sanar dúvidas a respeito das ações desenvolvidas pelos
órgãos de repressão e proteção, bem como apontar quais são os limites
jurídicos e competências legais da atuação de cada órgão ali presente.

768
Após a cerimônia de abertura oficial do evento, cada convidado
possuiu a palavra por 20 minutos, tempo em que foi esclarecido ao
publico participante. Os representantes apontaram quais eram as suas
atuações no que tange a prevenção e o combate ao abuso e a exploração
sexual de crianças e adolescentes.
Os convidados que atuam com as redes de proteção, sendo eles
o conselheiro tutelar e a representante do CREAS, elencaram que o maior
problema que enfrentam é a grande demanda de casos para poucos
agentes, que tem a função de averiguar denúncias, tomar medidas
preventivas de proteção prontamente e levar os casos para o ministério
público. Eles indicaram que, não cabe à rede de proteção a investigação,
mas sim o apoio e proteção para a vítima e a família, quando a violência
é executada por um dos integrantes.
O representante do Conselho Tutelar apresentou os
procedimentos tomados quando recebida uma denúncia de abuso sexual
ou qualquer tipo de violência contra criança ou adolescente. Informou
que à princípio tentam averiguar o caso, pois existe também a
possibilidade de falsa denúncia. Ele relatou que nesse ponto não cabe
uma investigação profunda, mas sim uma questão de “tato” para que não
ocorra uma mobilização desnecessária das instâncias de repressão à
violência sexual infantil.
Nas palavras do delegado da polícia civil, foi explanada a
legislação de investigação criminal para crimes dessa natureza, com
ênfase na “oitiva única” (lei 13.431/2017) que, segundo ele, respeita a
vítima para que ela não permaneça em sofrimento por um grande período
de tempo após as ações preliminares de proteção e investigação.
O delegado informou que o procedimento deverá ser adotado
para vítimas de violência até os 18 anos de idade, e que é utilizada para
todos os tipos de violência: Física; psicológica; institucional e sexual.
Colocou também que, quando a vítima tem menos de 7 anos de idade ou
então por decorrência de violência sexual, ocorre um procedimento
cautelar de antecipação de prova, ou seja, mesmo antes da confirmação

769
da violência, o suposto agressor é retirado do convívio com a vítima, que
deverá ser atendida pelos órgãos de proteção.
Quanto à oitiva única, informou que deverá ser realizada por
escuta especializada e depoimento especial. Durante o processo, a vítima
estará livre de qualquer tipo de contato com o suposto abusador. A escuta
especializada deverá ser feita por um profissional da área de proteção,
enquanto o depoimento especial por autoridade policial ou judiciária.
Sendo assim, essa nova legislação garante à vítima o direito de prestar
depoimento uma única vez.
Em relação às ações no campo da Policia Federal, ficou
evidente que cabe a esta a responsabilidade sobre a investigação de
crimes à nível internacional e nacional que ultrapassam os limites
estaduais.
É de responsabilidade da Policia Federal também a
averiguação de crimes ocorridos através do uso da internet, como
pornografia infantil. Discorreu-se sobre a enorme dificuldade em
diagnosticar crimes via internet, mas também foi colocado que a
instituição conta com profissionais extremamente qualificados para lidar
com esse tipo de crime, conseguindo investigar as mais variadas formas
de distribuição de conteúdos que contemplem a nudez, a relação sexual
ou mesmo a sensualização de crianças, tráficos de pessoas entre outros
crimes.
Foi informado que existem outros tipos de rede além da
internet comum, como a “dark web” e a “deep web”, que causam mais
dificuldades na investigação, por serem redes mais profundas e
clandestinas, mas que mesmo assim deixam rastros que podem ser
usados de base para a investigação pelos agentes. Forneceu-se a
informação de que, em 2017, foram presos em flagrante 27 pessoas
através de investigação via rede de computadores, totalizando em 81
prisões por crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes por todo o
país.
Ocorreu uma diferenciação entre as categorias de pedófilo e
abusador, sendo o crime de pedofilia embasado na repetição do perfil do

770
abusado, ou seja, todo crime de pedofilia é praticado por um abusador,
porém nem todo abusador pode ser classificado como um criminoso
pedófilo.
Para encerrar a promotoria veio enriquecer discorrendo sobre a
necessidade de agilidade na resolução dos casos para que o abusado
possa ser acolhido em segurança e num lar afetivo sem que viva por
longos períodos a angústia que traz esse processo. Se esse indivíduo não
puder se manter em seu lar original, que o processo de adoção seja
decorrido rapidamente.

Resultados principais e discussões


Durante o desenrolar das falas ficou evidente que as partes
convidadas, além de explanarem muito bem sobre as ações institucionais
dos órgãos que representavam, interagiram muito bem e as informações
foram complementadas umas com as outras.
Foi reconhecido pelos ouvintes que a ação foi de uma grande
valia para o âmbito judicial, policial e do serviço social, pois conseguiu
que os muitos participantes ali presentes se ambientassem sobre o
assunto e esclarecessem suas dúvidas, para que os processos sobre abuso
sexual infanto-juvenil possam ser melhor desenvolvidos em nossa
cidade.
Enquanto a atividade era realizada pode-se notar através das
perguntas da platéia que há certa divergência entre a atuação correta dos
órgãos competentes e a atuação prática no cotidiano das delegacias,
talvez por falta de informações e/ou formação dos agentes policiais que
estão frente a frente com a comunidade, além de muito preconceito
envolvendo inversões de valores e a culpabilidade da vítima do abuso ou
violência.
É comum encontrarmos casos em que a vítima de violência
sexual, de forma consciente ou inconsciente, é travestida de culpa,
gerando prejuízos psicológicos que a adoecem ao longo do tempo e
acarretam vários traumas e prejuízos no decorrer dos anos . Isso se dá
quando os crimes são justificados pelo aceite de um presente, pelas

771
roupas usadas pela vítima ou pelo simples fato de um corpo
precocemente adulto.
Essa falha foi reconhecida pelos órgãos ali representados,
admitindo-se que há a necessidade de pessoas preparadas para a atuação
direta com esse tipo de crime, que se abstenha de pré-julgamentos, que
ampare e trate a situação da forma mais delicada possível, prevenindo os
traumas que podem ser gerados.
Conclui-se, portanto, que ações deste tipo deveriam ser mais
freqüentes, pois há necessidade de parcerias entre essas instituições para
um bom atendimento ao cidadão e a efetiva repressão e combate ao abuso
sexual infanto-juvenil, agindo assim como unidades parceiras e não
somente restritas as suas obrigações funcionais e/ou de ação, formando
uma efetiva rede de proteção às crianças e adolescentes.

Considerações finais
Foi possível notar que as Polícias Civil e Federal, o CREAS e
o conselho tutelar se ambientaram nas competências de cada órgão,
podendo assim se articularem da melhor forma, afim de que seja formada
efetivamente um rede de proteção à criança e adolescente. É evidente que
a harmonização entre os órgãos não pode ser efetivada de forma
instantânea, mas são propostas como essa que aproximam da
transformação do sistema que visa a garantia dos direitos previstos no
Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição de 1988.
Embora os representantes dos órgãos de repressão estivessem
presentes, houve grande dificuldade em conseguir representantes. É
notável que os delegados e outros representantes não participem com
freqüência desse tipo de atividade, focando somente em suas atribuições
legais e treinamentos práticos. A polícia militar não disponibilizou
nenhum representante para a ação, sendo este o órgão do primeiro
contato com crimes de emergência. Faz-se fundamental que, em futuros
encontros, estejam presentes todos os órgãos, para que esta ação se
efetive com maior amplitude.

772
É importante que esse encontro ocorra com regularidade, para
que não seja esvaída esta iniciativa, e que ela se complemente e se amplie
gradativamente a cada ano, fazendo com que os profissionais da rede de
proteção e repressão à crimes de violência sexual contra crianças e
adolescentes se comprometam ainda mais nesta nobre tarefa.

Referências
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Federativa do Brasil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
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Adolescentes. Secretaria de Educação Fundamental. Brasilia:
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https://acervodigital.ssp.go.gov.br/pmgo/bitstream/123456789/1271/
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773
1882_Renato_Pereira_Da_Silva_Depósito_Final_13447_222494308.pd
f (acesso em 30/11/2018).

774
UMA ANÁLISE CONCEITUAL SOBRE O
CADERNO DO PROJETO ESCOLA SEM
HOMOFOBIA E SUAS IMPLICAÇÕES
Vanessa Chagas de Almeida
Maria Luiza Abreu de Jesus
Silmara Sartoreto de Oliveira
(Universidade Estadual de Londrina)

O Projeto Escola Sem Homofobia culminou em um caderno e um kit de


ferramentas educacionais, elaborados em 2009 por uma equipe de
trabalho promovida pelo MEC, que propõem ações voltadas ao âmbito
escolar no que se refere à conteúdos disciplinares e situações que possam
ser vivenciadas sobre o tema na escola. Entretanto, tal projeto foi vetado
logo após finalizado, por movimentos conservadores do Congresso
Nacional. Diante do atual contexto político e social presente no Brasil,
este trabalho objetivou apresentar como o Caderno do Projeto Escola
Sem Homofobia fora elaborado e organizado para assim ser distribuído
pelas Secretaria de Ensino de cada estado. Buscou analisar os requisitos
legais que embasaram a elaboração deste material e sua distribuição nas
escolas, além de fazer uma análise sobre os conteúdos do Caderno.
Conforme as análises realizadas, o caderno aborda uma ampla discussão
sobre o conceito de gênero, diversidade sexual e de homofobia, de forma
mais científica e conceitual, no intuito de desconstruir conceitos comuns
equivocados a respeito de identidade de gênero e orientação sexual,
demonstrando a importância de falar do assunto como forma de enfrentar
o preconceito e a discriminação contra a mulher e as/os LGBTIs. Assim,
conclui-se que o Caderno pontua informações relevantes sobre imagens
estereotipadas sobre a comunidade LGBTI, promovendo a convivência
e o respeito em relação às diferenças, sendo, portanto, uma ferramenta
que pode ser utilizada pelo professor no contexto escolar, devendo
urgentemente ser revisto seu veto e distribuição.
Palavras-chave: Projeto Escola sem Homofobia; LGBTI; Diversidade
Sexual; Educação Sexual.

775
A CONCEPTUAL ANALYSIS OF THE SCHOOL PROJECT
DESIGN WITHOUT HOMOPHOBIA AND ITS IMPLICATIONS

The School Project Without Homophobia culminated in a notebook and


an educational toolkit, prepared in 2009 by a work team promoted by
the Ministry of Education and Culture (MEC), which proposes actions
aimed at the school environment regarding the subject contents and
situations that can be experienced on the theme at school. However, this
project was vetoed shortly after finalized, by conservative movements of
the National Congress. In view of the present political and social context
in Brazil, this paper aimed to present how the Project Notebook Without
Homophobia was elaborated and organized to be distributed by the
Teaching Department of each state. It sought to analyze the legal
requirements that supported the preparation of this material and its
distribution in schools, as well as an analysis of the contents of the
Notebook. According to the analyzes carried out, the book addresses a
broad discussion about the concept of gender, sexual diversity and
homophobia, in a more scientific and conceptual way, in order to
deconstruct common misconceptions about gender identity and sexual
orientation, demonstrating the importance to talk about the subject as a
way to deal with prejudice and discrimination against women and
LGBTIs. Thus, it is concluded that the Notebook compiles relevant
information about stereotyped images about the LGBTI community,
promoting coexistence and respect for differences, and is therefore a tool
that can be used by the teacher in the school context, and should be
urgently reviewed its veto and distribution.
Key words: School Project without Homophobia; LGBTI; Sexual
Diversity; Sexual Education

Enquadramento teórico
A ideia de pluralidade nos mais variados sistemas sociais,
possibilitou às sociedades ocidentais a emancipação de grupos
considerados minoritários, excluídos e marginalizados, uma quebra com
as estruturas tradicionais sociais, que preservam a hierarquia e a
intolerância. Segundo Piovesan (2009, p. 295-296),

776
[...] ao longo da história as mais graves violações
aos direitos humanos tiveram como fundamento a
dicotomia do “eu” versus o “outro”, em que a
diversidade era captada como elemento para
aniquilar direitos. Vale dizer, a diferença era
visibilizada para conceber o “outro” como um ser
menor em dignidade e direitos, ou, em situações-
limite, um ser esvaziado mesmo de qualquer
dignidade, um ser descartável [...]. Nesta direção
merecem destaque as violações da escravidão, do
nazismo, do sexismo, do racismo, da homofobia, da
xenofobia e de outras práticas de intolerância.

Desde 2004 têm se criado programas anti-homofobia no Brasil,


com intuito de demonstrar como a comunidade LGBTI esforça-se na
dinamização dos direitos sociais que envolvem a diversidade sexual.
Projetos como Brasil Sem Homofobia foram criados a fim de “promover
a cidadania GLBTI, a partir da equiparação de direitos e do combate à
violência e à discriminação homofóbicas [...]” (CONSELHO, 2004, p.
11). Neste programa inclui-se o “Kit Escola Sem Homofobia”, que foi
criado a fim de compor um leque de políticas públicas que incluíam
equidade de direitos e legitimidade das questões LGBTI que deveria ser
entregue aos professores da Rede Estadual de Ensino (ROCHA et al,
2017).
O Brasil contém um dos mais altos índices de assassinatos com
motivação homofóbica no mundo, sem que isso levante algum clamor
público, tendo recentemente começado a receber alguma atenção por
parte das políticas públicas relacionadas à saúde. Não sem razão, o
campo da educação tem sido apontado como um dos mais estratégicos e
frutíferos para se trabalhar tais conceitos (JUNQUEIRA, 2007).
Levando em conta os Parâmetros Nacionais Curriculares
(PCNs) (BRASIL, 2001) a Educação Sexual deve ser tratada nas escolas
como um processo de intervenção pedagógica, possibilitando reflexões
e problematização de questões relacionadas à sexualidade, abrangendo

777
posturas, crenças, tabus e valores, possibilitando discussões de vários
pontos de vista, sem imposição de valores. Enquanto tema transversal, o
documento vislumbra a sexualidade como assunto importante e
contínuo, que deve ser exposto, esclarecido, questionado, socializado e
contextualizado social e culturalmente (SILVA, 2015).
No Brasil, os PCNs propõem, além dos conteúdos das
disciplinas, a abordagem dos temas transversais. Entre eles, encontra-se
a proposta de abordagem da sexualidade nas escolas. O intuito dessa
inserção se dá, segundo o documento oficial, pela oportunidade de os
estudantes retirarem suas dúvidas, problematizar questões relacionadas
à sexualidade que incluem mitos, tabus, crenças, preconceitos e os
valores sociais a ela atribuídos. O trabalho de Orientação Sexual na
escola visa “proporcionar aos estudantes a possibilidade do exercício de
sua sexualidade de forma responsável e prazerosa” (BRASIL, 1998).
Sendo assim, os Temas Transversais enfatizam a proposta de que,
sexualidade, assim como as demais questões sociais e atuais, devem estar
presentes nas discussões realizadas na escola, pois as mesmas fazem
parte do cotidiano dos educandos que vivenciam tais situações (SF de
Brasil, 1997a, p. 26).
Segundo Jane Felipe (2009), quando as discussões acerca de
sexualidade são realizadas nas escolas de acordo com os PCN, muitas
vezes as discussões acabam tendo um viés biológico no sentido médico,
com isso, a educação para a sexualidade geralmente é realizada “de
forma assistemática e descontínua, com uma abordagem estritamente
biológica, ignorando assim os aspectos históricos, sociais e culturais
envolvidos nesse processo em torno da construção de significados”, ou
então, é discutida a partir da ameaça e medo, fazendo parecer que o tema
sexualidade vem sempre ligado à doença, morte e violência (LOURO,
1998, p. 94).
Mesmo não sendo obrigatório nas escolas e que a abordagem
transversal para o tema de sexualidade não é o mais perfeito
entendimento da questão, o documento é um marco histórico e grande
avanço na conquista pela oficialização da Educação Sexual nas escolas,

778
sendo base para diversos projetos sobre esse tema nas escolas brasileiras
(SILVA, 2015).
O Projeto Escola Sem Homofobia (Financiado pelo MEC) foi
uma ação colaborativa de âmbito nacional idealizada e implementada por
organizações da sociedade civil, contando com a orientação técnica da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECAD) do Ministério da Educação. Tal projeto constitui de um
caderno e um kit de ferramentas educacionais voltadas aos professores
que propõem ações voltadas ao âmbito escolar com objetivo de promover
ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos
e da respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no
que se refere à conteúdos disciplinares e situações que possam ser
vivenciadas neste contexto e em interações cotidianas e que se estendem
à sociedade e ao ambiente doméstico (ECO, 2018).
Entretanto, em 2011, quando o material estava pronto para ser
impresso e distribuído, setores conservadores da sociedade e do
Congresso Nacional iniciaram um movimento contrário à sua
distribuição, e denominaram o material como um “kit gay”, responsável
por "estimular o homossexualismo e a promiscuidade no ambiente
escolar”. Neste sentido, o governo, cedendo à pressão, vetou e engavetou
o projeto (SILVA, 2015).
Visto como um avanço necessário para consolidar os direitos
políticos, sociais e legais do movimento LGBTI, este material (proposto
em 2009) volta a ser alvo de discussões políticas, sociais e religiosas, de
forma depreciativa, leiga e carregada de discussões de cunho
preconceituoso e excludente. Diante do atual contexto político e social
do Brasil, este trabalho objetivou apresentar como o Caderno do Projeto
Escola Sem Homofobia fora elaborado e organizado para sua
distribuição no âmbito escolar.

Método
O trabalho buscou analisar os requisitos legais que embasaram
a elaboração deste material e sua distribuição nas escolas, além de fazer

779
uma análise sobre o conteúdo do Caderno. Alguns itens foram
considerados para a análise deste material, tais como: Conceitos de
Sexualidade; Atividades práticas sugeridas; Público alvo; Formas de
Divulgação; Conteúdo em interface com o Currículo. Os dados obtidos,
foram elencados e categorizados.

Resultado e Discussão
O kit do Projeto Escola Sem Homofobia é composto por um
Caderno, o qual foi o alvo das análises feitas no presente trabalho, e além
dele há uma série de seis boletins (Boleshs), três audiovisuais com seus
respectivos guias, um cartaz, e uma carta de apresentação. Os Boletins
Escola sem Homofobia (Boleshs) e os três audiovisuais apoiam os
trabalhos propostos no Caderno, contribuindo para estimular o debate e
fundamentar o tema central do Projeto Escola sem Homofobia (ECO,
2018).
Tal material é indicado para gestoras/es, professoras/es e
demais profissionais da educação partindo de instrumentos pedagógicos
que possibilitem refletir, compreender, confrontar e abolir a homofobia
no ambiente escolar (VIANNA, 2012).
O Caderno é organizado em subtemas/capítulos, e cada
capítulo apresenta uma situação disparadora, a qual estimula o debate
proposto para o capítulo; um texto, se assemelhando a um referencial
teórico, que traz o desenvolvimento do eixo temático a ser discutido,
apresentando conceitos, considerações críticas e subsídios de pesquisas
e estudos, incluindo situações que podem ocorrer no cotidiano da escola
e que nos desafiam a enfrentar a homofobia. Também conta com
atividades dinâmicas que apresentam ações, passos ou procedimentos
necessários para a organização de atividades práticas sugeridas, tendo
como objetivo exercitar a capacidade reflexiva das/dos participantes. Ao
final do capítulo há comentários finais, elencando alguns pontos de
reflexão que visam sistematizar o conteúdo discutido (MELLO et al.,
2012).

780
As atividades sugeridas ao final de cada capítulo/subtema,
possuem variadas sugestões metodológicas que levam os participantes a
refletirem e debaterem. Os debates possivelmente suscitados por essas
dinâmicas estão impregnados das relações afetivas e de convivência que
de forma alguma podem ser desconsiderados pela escola como
conteúdos importantes de serem trabalhados, entre eles a cooperação, a
solidariedade, o trabalho em grupo, o respeito e a ética (SILVA, 2015).
Dentro dos textos pertencentes a cada subtema, o caderno
aborda uma ampla discussão do conceito de gênero, demonstrando como
os conteúdos das diversas disciplinas escolares categorizam modos de
pensar, sentir e agir apropriados ao sexo masculino ou feminino. O
mesmo apresenta também conceitos relacionados a diversidade sexual
levando ao esclarecimento de dúvidas do senso comum, além de
desconstruir conceitos equivocados a respeito de identidade de gênero e
orientação sexual (ECO, 2018).
Para Silva (2015), esse é um dos objetivos principais do
material. Ele esclarece dúvidas do senso comum e traz referenciais da
Ciência para introduzir a questão de gênero, muito importante para
desfazer equívocos dos próprios professores e embasar sua prática.
Entretanto, a questão central e que se entrelaça extrinsecamente
a todos os outros é a homofobia, demonstrando a necessidade de
averiguar atentamente informações e conhecimentos adquiridos no
cotidiano escolar e nos livros didáticos, e a importância de falar do
assunto como forma de enfrentar o preconceito e a discriminação contra
a mulher e as/os LGBTIs (ECO, 2018). Segundo Silva (2015, p. 10), “[...]
o caderno é um material importante para servir de subsídio ao trabalho,
mas o professor tem que ter consciência de que a discussão de uma escola
sem homofobia não é só importante, mas necessária”.
É fundamental hoje que se ampliem, criem e estabeleçam
políticas públicas voltadas para profissionais de educação que trabalhem
para deslocar as discussões sobre homo/trans/travestilidade do senso
comum. É imprescindível aproximar o universo das travestis e
transexuais da maioria dos educadores e sociedade que o desconhecem

781
completamente. É importante ampliar o debate sobre sexualidade,
gênero, sexismo, enfim, uma série de questões mais amplas e que são
fundamentais para a superação de um ambiente homofóbico social e
escolar (BORTOLINI, 2008).
Políticas públicas que ampliem essas discussões no âmbito da
sexualidade, como o Caderno do Projeto Escola sem Homofobia se
propõe a fazer, são de extrema importância no cotidiano escolar, e há
preceitos legais que o embasam. A Resolução/CD/FNDE Nº 16 DE 8 DE
ABRIL DE 2009, estabelece diretrizes para realização de cursos de
formação continuada de professores a fim de produzir materiais didático-
pedagógicos promovendo a educação acerca da diversidade sexual,
combatendo o preconceito e a homofobia no âmbito escolar (MEC,
2018).
Além da Resolução/CD/FNDE Nº 16, há diversos outros
marcos legais que embasam o Programa Brasil Escola sem Homofobia,
dentre eles há a Portaria Nº 4.032, de 24 de novembro de 2005, criada
pelo Professor Fernando Haddad, ministro da educação na época. Tal
portaria instituía a criação de um grupo de trabalho para implementação
do Programa Escola sem Homofobia no Ministério de Educação
constituído

[...] por um coordenador e por representantes dos


programas, projetos e ações envolvendo a temática
de direitos humanos desenvolvidos pelas
Secretarias e entidades vinculadas do Ministério da
Educação, juntamente com representantes do
movimento GLTTB brasileiro e especialistas de
notório saber sobre o tema.

A Portaria Nº 4.032, de 24 de novembro de 2005, p. 21,


apresenta as finalidades desse grupo de trabalho como “propor a
elaboração de estudos, pesquisas e avaliações relacionadas ao tema de
educação e direitos humanos da população GLTTB e contribuir para sua
divulgação” ou “subsidiar a formulação de ações que garantam o direito

782
a educação da população GLTTB e que promovam o respeito a
diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero nos sistemas
educacionais” (DIA A DIA EDUCAÇÃO, 2019).
Na escola, a homofobia deseduca e afeta a formação de todas
as pessoas. O prejuízo é geral, porém para as pessoas constituintes desses
grupos, o preço a pagar é bem mais alto (JUNQUEIRA, 2012).
Sem a discussão de conceitos relacionados a gênero e
sexualidade no âmbito escolar, há uma grande probabilidade de
agravamento das desigualdades e discriminações sociais, além de
expressões de violência, no espaço escolar ou em outros ambientes
sociais. Tais discussões podem levar a igualdade de gênero e respeito a
diversidade sexual, reduzindo o machismo e a misoginia, promovendo
um aprendizado significativo a partir do convívio das diferenças sócio
culturais. Com isso, evita-se situações de sofrimento, adoecimento e
abandono escolar por razões que não competem somente aos
adolescentes (BRANDÃO; LOPES, 2018).
É necessário estabelecer uma educação democrática, pública e
inclusiva, reconhecendo que a diversidade é legitima. A diversidade
segundo o próprio Programa Brasil Sem Homofobia e a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação é um recurso social para a transformação e precisa
ser encarada como tal, um instrumento essencial para o desenvolvimento
humano (BORTOLINI, 2008).

Considerações Finais
Assim, considera-se que o caderno pertencente ao kit do
projeto Escola Sem Homofobia fora elaborado com o intuito de
contribuir para a desconstrução de imagens estereotipadas sobre a
comunidade LGBTI, além da formação de uma cidadania que inclua de
fato os seus direitos, promovendo a convivência e o respeito em relação
às diferenças, sendo, portanto, uma ferramenta de extrema importância
para a abordagem do tema no contexto escolar. Neste sentido, a escola
se torna o principal contribuinte no movimento de emancipação e no
tornar a educação sexual algo discutido, conversado, a fim de que seja

783
possível as pessoas se relacionarem melhor consigo e com os outros,
pois, viver em sociedade requer respeito com os diferentes grupos e
culturas que a constitui, devendo urgentemente ser revisto seu veto de
distribuição.
A implementação do Projeto Escola Sem Homofobia,
implicaria na promoção de ambientes políticos e sociais favoráveis à
garantia dos direitos humanos fundamentais e respeitabilidade das
orientações sexuais e identidades de gênero dentro das escolas
brasileiras.

Referências
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BRANDÃO, E. R.; LOPES, R. F. F. “Não é competência do professor


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Ricardo Desidério
Pedagogo. Doutor e Pós-doutor em
Educação Escolar
(Unesp/Araraquara). Docente do
Curso de Pedagogia da Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR,
Campus de Apucarana) e do
Programa de Mestrado em Educação
Sexual da Unesp/Araraquara-SP.

Vinícius Colussi Bastos


Licenciado em Ciências Biológicas
(UEM), mestre e doutor em Ensino
de Ciências (UEL). Docente no
Departamento de Biologia Geral da
Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Desenvolve projetos no
campo dos Estudos Culturais e
Filosofia da Diferença, com interesse
em temáticas que envolvem as
ciências da natureza, saúde, gêneros e
sexualidades.

Virgínia Iara de Andrade Maístro


Licenciada em Ciências Biológicas
(UEL), mestre e doutora em Ensino
de Ciências e Educação Matemática
(PECEM/UEL). Docente Associada
da Universidade Estadual de
Londrina (UEL) e coordenadora da
área de ensino do curso de Ciências
Biológicas (UEL). Desenvolve
pesquisas e projetos na formação de
professores inicial e continuada e
sexualidade e saúde no ensino.

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