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Introdução à Bíblia I

I. Introdução Geral

1.1. A Bíblia, Palavra de Deus e palavra humana


«Posto que Deus fala na Sagrada Escritura por intermédio de homens e em linguagem humana, o
intérprete da Escritura, para conhecer o que Deus nos quis comunicar, deve estudar com atenção o que os
autores queriam dizer e Deus queria dar a conhecer com as suas palavras» (DV 12a). Desta afirmação
conciliar se pode concluir que a Escritura é toda ela palavra humana e toda ela palavra de Deus. Daqui se
segue que toda a hermenêutica bíblica válida para o crente tem de conservar estas duas qualidades
inseparáveis da Escritura. Este princípio é aquele que justifica a necessidade de uma interpretação do texto
bíblico pois só chegaremos a conhecer o que Deus nos quis comunicar se tivermos em conta a linguagem
humana com que nos fala.
Do ponto de vista do intérprete católico, portanto, não há lugar para uma abstracção absoluta entre
interpretação da Bíblia como livro humano e reconhecimento da palavra que nele Deus comunica. O
exegeta católico aproxima-se da Bíblia sempre com a convicção de que é Sagrada Escritura, livro
plenamente humano e plenamente divino. Esta é a consequência básica do princípio da inspiração. Toda a
interpretação católica da Bíblia supõe já uma atitude crente.
Esta atitude deve levar o exegeta a tomar a sério a dimensão da linguagem humana inseparável da
Bíblia e justifica que empreguemos todos os instrumentos da crítica para conseguir uma interpretação
adequada do texto. No fundo estamos ante uma das consequências da encarnação, visto que, «A Palavra
de Deus, expressa em línguas humanas, faz-se semelhante à linguagem humana, como o Verbo do eterno
Pai, assumindo a nossa débil condição humana, se fez semelhante aos homens» (DV 13).
Consequentemente, não há possibilidade ordinária de acesso à palavra de Deus senão através do
conhecimento da palavra humana dos autores bíblicos, sedimentada na Escritura.
Quanto acabámos de dizer pode ser formulado sinteticamente em três princípios de interpretação,
derivados da natureza humano-divina da sagrada Escritura:

 Primeiro princípio: Não se deve fazer uma separação absoluta entre a interpretação da Bíblia como
livro meramente humano e a interpretação como livro que contém e é a Palavra de Deus. Esta é a
precompreensão básica do exegeta católico.

 Segundo princípio: Tomar a sério a natureza humano-divina da Escritura, derivada do feito


dogmático da sua inspiração divina, leva a tomar a sério a humanidade da Bíblia. E isto porque não
há possibilidade ordinária de acesso à palavra de Deus que não seja pelo conhecimento da palavra
humana da Bíblia.

 Terceiro princípio: Para conhecer o que Deus quer dizer e diz na Sagrada Escritura é necessário
conhecer tanto os condicionamentos e intenção do seu autor ou autores humanos, como os da sua
linguagem, que nem sempre dependem da intenção dos autores humanos.

1.2. As Línguas da Bíblia

A Bíblia, originariamente, foi escrita em três línguas: o hebraico, o aramaico e o grego. A maior
parte do texto do Antigo Testamento foi escrita em hebraico. Pequenas porções que podem ser
encontradas em Gênesis 31,47b; Esdras 4,8— 6,18; 7,12—16; Jeremias 10,11b e Daniel 2,4b—7,28, foram
escritas em aramaico. Foram escritos em grego alguns livros do Antigo Testamento, os chamados
deuterocanónicos, e todo o Novo Testamento.
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O hebraico era a língua falada na Palestina antes do cativeiro na Babilónia (586 a 538 a.C.). Depois
do cativeiro, o povo, de lá, começou a falar o aramaico. Tanto o hebraico quanto o aramaico são línguas
semíticas que pertencem à mesma família do acádio (língua que era falada pelos Sírios, Assírios e pelos
Babilônios), do amorita, do fenício, do ugarítico, do amonita, do moabita e do árabe.
O grego era a nova língua do comércio que invadiu o mundo daquele tempo, depois das conquistas
de Alexandre Magno, no século IV antes de Cristo.
Embora depois do exílio o povo tenha deixado de falar o hebraico, a Bíblia continuou a ser escrita,
copiada e lida nesta língua. Por isso, para que o povo pudesse ter acesso à Bíblia, devia aprender o hebraico
em alguma escola. Assim, no tempo de Jesus, o povo da Palestina falava o aramaico em casa, usava o
hebraico na leitura da Bíblia, e o grego no comércio e na política.

1.3. A transmissão do texto bíblico: Como a Bíblia chegou até nós?

Graças ao trabalho de inúmeros indivíduos fiéis ao longo de muitos séculos nós podemos ler a
Bíblia hoje. Estes indivíduos são tecnicamente chamados de escribas. Estes homens copiaram, à mão, a
Palavra de Deus, tomando grande cuidado para manter a exatidão daquilo que copiavam.
Os escribas tiveram um papel essencial no mundo antigo. A transmissão fiel de informações
precisas era um dos aspectos mais importante das sociedades da Antiguidade. Os reis contavam com os
escribas para registrar os editos reais. Oficiais administrativos precisavam dos escribas para registrar
transações importantes. Os erros podiam ter implicações políticas, econômicas ou de outra natureza de
grande seriedade.
Os escribas da antiguidade, que copiavam os textos bíblicos, criam que estavam copiando as
palavras do próprio Deus. Consequentemente, tomavam grande cuidado no intuito de preservar as cópias
que haviam recebido. Um dos mais importantes grupos de escribas foi o dos Massoretas.
Os Massoretas (500—1000 d.C.) trabalharam para preservar os textos do Antigo Testamento que
haviam recebido. Eles queriam assegurar um entendimento correto dos textos, bem como sua transmissão
com fidelidade, para as gerações futuras. Eles foram chamados de Massoretas por causa da massora, isto é,
tradição textual, desenvolvida por estes homens, e que era um complexo sistema de símbolos que eles
haviam desenvolvido para ajudá-los a alcançar seus objetivos.
Os Massoretas seguiram três passos para garantir a precisão textual:

a). Primeiro desenvolveram um sistema para escrever as vogais, já que as línguas hebraica e
aramaica são línguas consonânticas, i.e., não possuem vogais e todas as letras de seus alfabetos são
consoantes. Mesmo sendo línguas consonânticas, no entanto, tanto o hebraico como o aramaico possuíam
certas consoantes que soavam como vogais. O que os Massoretas fizeram foi desenvolver um sistema
complexo de vogais - a, e, i, o, u e vogais com sons mais abertos ou mais fechados - visando preservar, na
escrita, as tradições orais que haviam recebido das gerações anteriores.

b). Em segundo lugar, os Massoretas desenvolveram um sistema de acentuação para o texto


hebraico. Estes acentos ajudavam o leitor a pronunciar o texto corretamente, mas, além disso, mostravam
a relação entre várias palavras e frases de uma mesma sentença. Dessa maneira eles ajudaram a esclarecer
diversas passagens difíceis.

c). Em terceiro lugar, os Massoretas desenvolveram um sistema de anotações detalhadas do texto.


Estas anotações ofereciam um meio pelo qual era possível verificar a precisão do texto copiado. Nos dias de
hoje podemos produzir cópias de documentos idênticas usando um computador ou uma máquina
copiadora. Os Massoretas tinham que fazer tudo à mão.

1.3.1 A transmissão do AT nas línguas originais

Várias cópias em hebraico, do Antigo Testamento, chegaram até nossos dias. Três destas cópias são
de maior importância para os nossos estudos. São elas: O Texto Massorético (TM), o Pentateuco
Samaritano, e os Manuscritos do Mar Morto. A este grupo de três manuscritos podem ser acrescentados
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os Fragmentos da Guenizá do Cairo. Importante também é fazer referência ao texto que os precedeu ao
Texto Massorético, designadamente o Texto Protomassorético.

a). O Texto Protomassorético


O Texto Protomassorético é o texto consonantal, não contendo ainda a vocalização, a acentuação
e o aparato massorético, que serviu de base e origem do Texto Massorético desenvolvido pelos massoretas
na época medieval. Este texto é um dos tipos textuais da Bíblia Hebraica utilizados pelos judeus, durante o
período do Segundo Templo (c. 450 a.C. a 70 d.C.), ao lado de outras formas textuais transmitidas naquela
mesma época.
Os outros tipos textuais hebraicos existentes, ao lado do Protomassorético, eram o tipo que deu
origem ao Pentateuco Samaritano e o tipo que deu origem à Septuaginta, os quais discordam do texto
Protomassorético, em vários detalhes relativos ao texto, à ortografia e à morfologia. Todos eles eram de
uso comum entre os judeus e nenhum deles tinha mais autoridade do que o outro no período pré-cristão.

b). O Texto Massorético


A expressão “Texto Massorético” (TM) refere-se a um grupo de manuscritos hebraicos do Antigo
Testamento, datados desde os primeiros séculos da Idade Média, e que são todos concordes entre si. Estes
manuscritos possuem um padrão elevado de uniformidade textual, devido ao trabalho coerente e
meticuloso dos escribas judeus do período medieval, conhecidos como Massoretas, que, como vimos,
adotaram um rígido sistema para preservar o texto da Bíblia Hebraica, sem corrupções e sem alterações
significativas. Hoje em dia, todas as edições impressas da Bíblia Hebraica, bem como todas as traduções
modernas, são baseadas no TM. A estrutura consonantal do TM remonta ao período do Segundo Templo —
c. 450 a.C. a 70 d.C.1.

c). O Pentateuco Samaritano.


O Pentateuco Samaritano, como o próprio nome revela, tem sua origem relacionada aos judeus
samaritanos, que contém somente os cinco primeiros livros do Antigo Testamento - Gênesis, Êxodo,
Levítico, Números e Deuteronómio. Estes judeus surgiram de casamentos mistos entre judeus e
estrangeiros trazidos pelo imperador da Assíria, após destruir o reino do norte - reino de Israel em 722 a.C.
As cópias manuscritas mais antigas do Pentateuco Samaritano são aproximadamente do ano 1100
a.C. Os estudiosos acreditam que estes manuscritos refletem, de maneira apropriada, textos antigos,
produzidos originalmente entre 200 e 100 a.C.
Os judeus de Jerusalém viam os samaritanos como mestiços, raça não pura, e que faziam inúmeras
concessões culturais, entre as quais, a mais grave, era a de se casarem com estrangeiros. Os samaritanos,
por sua vez, consideravam que preservavam uma forma mais antiga e mais pura da fé do que os judeus que
haviam retornado da Babilônia2.

1
Após a destruição do segundo Templo e da cidade de Jerusalém, os judeus se reuniram na cidade de Jâmnia para
resolver a situação canônica de certos livros do Antigo Testamento que ainda tinham sua autoridade disputada. Deste
concílio surgiu um texto que foi recebido pelos judeus como oficial. Este concílio, em Jâmnia, aconteceu perto do final
do primeiro século e, desde 100 d.C., todas as comunidade judaicas adotaram-no como a forma textual definitiva e
oficial das Escrituras Sagradas para os judeus. O texto bíblico do Antigo Testamento, tanto de judeus quanto de
cristãos, baseia-se no TM estabelecido há muitos séculos pelos escribas na época antiga e, mais tarde, pelos
Massoretas, durante o período medieval.
2
Aqui, cabe lembrar as palavras da mulher samaritana a Jesus quando disse: “Nossos pais adoravam neste monte;
vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar” (João 4,20). Em suas palavras podemos
notar que havia diferenças teológicas entre judeus e samaritanos. O Pentateuco Samaritano possui características que
refletem estas diferenças. O texto do Pentateuco Samaritano oferece um testemunho, muito antigo, de como os
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Os estudos constataram cerca de 6.000 variantes do Pentateuco Samaritano, em relação ao Texto


Massorético. A maioria das variantes é de ordem ortográfica (grafia correta e pontuação), linguística (língua
e gramática), fonológica (sistemas sonoros da língua) e de vocabulário (conjunto de palavras). As diferenças
que mais chamaram a atenção dos estudiosos, todavia, foram as de cunho ideológico, que foram inseridas
no texto em defesa de pontos de vista dos próprios Samaritanos. Entre estas diferenças podemos citar:
 Diferenças relacionadas às cronologias do período patriarcal no livro de Gênesis e da importância
de Siquém quanto ao status religioso, quando comparada com Jerusalém (Gênesis 12:6 e 33:18 a
34:2). Os samaritanos achavam que a cidade de Siquém já existia nos dias de Abrão (c. 2100 a.C.)
conforme Gênesis 12:6. Isto era importante para eles porque a cidade de Siquém ficava bem no
centro da terra de Canaã onde estava localizado o centro do reino de Israel — após a divisão entre
os reinos de Judá e Israel — com sua capital em Samaria3.

 Diferenças com relação a mandamentos adicionais ordenando a construção de um templo no


monte Gerizim como, por exemplo, em Deuteronômio 11,29.

 De acordo com os estudos paleográficos, textuais, históricos e, principalmente, dos Manuscritos de


Qumram, o tipo textual do Pentateuco Samaritano pertence ao período do Segundo Templo e não
é anterior ao século II a.C. Este dado coloca o surgimento do Pentateuco Samaritano, solidamente,
no período da história de Israel, conhecido como época dos Hasmoneus4.

d). Os Manuscritos do Mar Morto.


São manuscritos descobertos na região do Mar Morto a partir de 1947, nas localidades de Hirbet
Qumran, Wadi Murabba’at, Nahal Hever, Massada, Hirbet Feshkha, Hirbet Mid e Ein Guedi. Estes
manuscritos estavam grafados em hebraico, aramaico e também em grego.
Todos estes documentos estavam escritos em papiros, e foram produzidos entre os anos 200 a 100
a.C., e nos mesmos, nós podemos encontrar manuscritos de todos os livros do Antigo Testamento, com
exceção do livro de Ester.
Os manuscritos oferecem também, muitas informações acerca da comunidade de Qumram e
discutem as práticas religiosas e as atividades diárias daquela comunidade. Todos estes manuscritos
revelam vários tipos textuais da Bíblia Hebraica existentes no período do Segundo Templo.
Neles estão representados o texto hebraico que deu origem à LXX, o tipo textual hebraico do
Pentateuco Samaritano, assim como o tipo textual do Texto Massorético.
Segundo a estimativa de alguns estudiosos, o total de manuscritos encontrados gira em varia entre
823 e 668 manuscritos. O total de textos bíblicos achados em Qumram é de aproximadamente 190.
Além dos textos bíblicos, foram encontrados livros apócrifos/deuterocanónicos, tais como os livros
do Eclesiástico e Tobias, pseudoepígrafos, tais como o Livro dos Jubileus e o Testamento dos XII Patriarcas,
targumim do livro de Jó e de Levítico e um grande número de escritos produzidos pela própria comunidade
de Qumram, tais como: o Apócrifo do Gênesis, a Regra da Comunidade, o Rolo do Templo, a Regra da

samaritanos interpretavam o Pentateuco. Os samaritanos como que ajustaram o texto do Pentateuco para refletir
suas próprias conveniências.
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Mas na realidade esta cidade de Siquém foi assim chamada por causa do filho de um príncipe heveu homônimo, que
existiu nos dias de Jacó — pelo menos 200 anos depois de Abrão ter passado por lá. Então o que aconteceu? Nós
precisamos entender que quem escreveu o livro de Gênesis foi Moisés por volta do ano 1440—1400 a. C. Portanto,
quando Moisés escreveu o livro de Gênesis aquela localidade já se chamava Siquém. Assim sendo, quando Moisés a
chama de Siquém nos dias de Abrão, ele o faz em sentido de antecipação e não querendo indicar que aquela
localidade já era conhecida por Siquém nos dias de Abrão.
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Guerra, o Documento de Damasco, Cânticos de Louvor ou Hodayot, os Pesher de Habacuque e de Naum, e


o Rolo de Cobre, entre outros.

e). Os Fragmentos da Guenizá do Cairo.


Trata-se de uma quantidade enorme de fragmentos de manuscritos do Antigo Testamento
encontrada, “oficialmente”, em 1896, na guenizá (espaço especialmente separado existente em todas as
sinagogas judaicas para guardar todo o material5 que não esteja mais em uso pela comunidade) da
Sinagoga Ben Ezra em Fustat, na parte antiga da cidade do Cairo, no Egito.
O número total do material da guenizá, segundo estimativas, gira em torno de 200.000 fragmentos,
e encontram-se hoje espalhados por diversas coleções entre as cidades de Oxford, Londres, Nova York, São
Petersburgo outras. A coleção mais importante, devido à quantidade de manuscritos e a importância do
material contida neles, é a Coleção Taylor-Schechter, pertencente à Biblioteca da Universidade de
Cambridge.
Estes manuscritos apresentam sistemas diversos de notas massoréticas, vocalização e acentuação e
também apresentam uma escrita hebraica cuidadosa enquanto outros fragmentos foram escritos de
maneira descuidada.

1.3.2. A Transmissão do Texto em Outras Línguas: grego e aramaico

Nas outras línguas, o texto bíblico do Antigo Testamento chegou até nós na forma de várias versões.
As primeiras e mais importantes são a versão grega, chamada Septuaginta, e os Targuns Aramaicos.

a) A Septuaginta ou Setenta (LXX).

 O que é a Septuaginta?
O nome Setenta (ἑβδομήκοντα – ebdomékonta em grego; Septuaginta em latim e, em hebraico,
~ybvh ~grt – tergum ha-siveym - tradução dos Setenta), vem da carta apócrifa conhecida como Carta de
Aristéias, escrita por volta de 130 a.C., e designa a versão grega do texto bíblico do Antigo Testamento.
Trata-se de um dos maiores testemunhos da transmissão do texto bíblico, a primeira tradução completa do
texto bíblico hebraico para outro idioma.

 Importância

A importância dessa tradução é enorme pois, além de ser um reflexo do judaísmo helenístico,
também foi fonte de inspiração para os escritores do Novo Testamento e para os escritos teológicos dos
Padres da Igreja. Vários conceitos cristãos foram diretamente tomados da tradução da Septuaginta.
A LXX é considerada, por muitos estudiosos, uma das mais importantes versões da Bíblia Hebraica e
seu texto serviu, e serve até hoje, para estudos, pesquisas e reflexões sobre a tradição textual existente nos
últimos três séculos anteriores à Era cristã. Além disso, o seu texto é uma das principais referências para os
estudos de crítica textual do texto em hebraico.
As comunidades cristãs espalhadas pelo Império Romano, que não falavam grego ou latim, mas que
tinham sua própria língua nacional, conheceram o texto da Bíblia através de traduções feitas a partir da
Septuaginta e isso basta para demonstrar a sua influência e importância dentro da história do cristianismo
primitivo.

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Este material é geralmente composto de cópias dos livros do Antigo Testamento e de livros litúrgicos e outros
materiais usados na liturgia. Este cuidado era necessário pela convicção que os Judeus têm de que todo o material que
contenha o nome inefável de Deus ‫ – יהוה‬YHVH – o eterno, precisa ser sempre guardado com a maior reverência.
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Os judeus também usaram a Septuaginta até o início do segundo século da Era cristã, altura em que
o judaísmo sentiu a necessidade de novas traduções, feitas a partir do texto hebraico, mas refletindo os
conceitos do judaísmo rabínico de então.
Com o passar do tempo, a LXX tornou-se a Bíblia por excelência da Igreja Cristã e seu impacto no
cristianismo, nos seus primeiros séculos, foi definitivo pois, nessa tradução bíblica, os cristãos encontraram
fundamentos para as suas afirmações e para suas doutrinas. Quando os apóstolos saíram da Palestina para
pregar o Evangelho à outros povos, eles adotaram esta tradução grega do Antigo Testamento.

 Origens da LXX?

Segundo a Carta de Aristeias

Segundo a Carta de Aristeias, a tradução da LXX foi feita por volta do século III a.C. em Alexandria,
no Egito. A mesma carta informa-nos que o rei do Egito, Ptolomeu II Filadelfo (285— 247 a.C.), desejando
ter um cópia da ‫ּתֹורה‬
ָ (toráh = instrução ou ensino, composta dos 5 primeiros livros do Antigo Testamento
que é também chamada de Pentateuco) traduzida para o grego, enviou uma delegação, incluindo o próprio
Aristeias, para Jerusalém, requisitando a Eleazar, o sumo sacerdote naqueles dias, uma cópia da toráh e um
grupo de sábios para traduzi-la em Alexandria. O seleto grupo de sábios era composto de 72 judeus
versados em hebraico e grego (seis de cada uma das tribos de Israel). Ao chegar a Alexandria, o grupo se
apresentou perante o rei Ptolomeu e expôs a sua sabedoria e conhecimento e, com isso, impressionou
tanto ao rei como à sua corte. Logo após esses acontecimentos, os tradutores iniciaram o trabalho na ilha
de Faros, defronte a Alexandria. Cada um trabalhava em uma cela separada com uma cópia da toráh. A
obra de tradução foi concluída em 72 dias e constatou-se que todas as traduções eram absolutamente
idênticas.
O objetivo do relato da carta de Aristéias era elevar e legitimar o valor da LXX perante os judeus
que viviam em Alexandria e na diáspora, que falavam o grego como língua do cotidiano. Com o passar do
tempo, outros autores, tanto judeus como cristãos, acrescentaram dados à história de sua origem.
Aristóbulo, Fílon de Alexandria, Flávio Josefo, fontes rabínicas e cristãs, colaboraram para que a imagem e a
autoridade da LXX fossem reconhecidas por aqueles que desejavam conhecer e usar a versão da Bíblia
Hebraica na sua versão grega.
Dos vários autores que escreveram sobre a origem da LXX, dois forneceram duas concepções
importantes que seriam seguidas principalmente pelos cristãos. Eles são:
 Fílon de Alexandria (25 a.C.— 40 d.C), para quem a LXX era uma tradução inspirada.
 Flávio Josefo (c. 37/38— 100 d.C.) que, por sua vez, argumentou que essa versão possuía uma
fidelidade literal ao hebraico, portanto, era de boa qualidade.
Os Padres da Igreja normalmente aceitavam as opiniões tanto de Fílon como de Josefo; entre esses
estavam Justino Mártir, Clemente de Alexandria, Irineu de Lião, Cirilo de Jerusalém, Ambrósio de Milão,
Hipólito de Roma, Agostinho de Hipona, e outros.
Outro dado da carta de Aristéias é que ela só se refere à tradução da toráh não mencionando os
outros livros bíblicos. Em sentido lato, a lenda da origem da LXX foi aplicada também aos demais escritos
bíblicos, traduzidos posteriormente, e sob seu nome, estão englobados todos os livros do cânone hebraico,
juntamente com os livros típicos do cânone grego.

Segundo os estudiosos modernos

Da narrativa da Carta de Aristéias os estudiosos tiram as seguintes duas conclusões que se


aproximam da verdade:
 Por volta do século III a.C. apareceu uma tradução grega da toráh.
 Essa versão foi feita em Alexandria, no Egito.

De acordo com as pesquisas dos mesmos estudiosos, acredita-se que a tradução da LXX não foi um
único projeto de algum grupo específico, mas um trabalho realizado por diversos tradutores em épocas
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distintas, com estilos e métodos diferentes e, além disso, cada um possuía um conhecimento relativo da
língua hebraica. A LXX demorou a ser concluída. Assim, provavelmente: a toráh apareceu em 250 a.C.; os
Profetas por volta de 75 a.C. e, por último, os Hagiógrafos teriam surgido somente em 90 d.C. Desse modo,
a versão apresenta-se muito irregular e reflete diversas concepções e métodos distintos de tradução.
O empenho de se traduzir as Escrituras hebraicas para o grego, foi fruto da própria comunidade
judaica de Alexandria, que não falando mais o hebraico no dia-a-dia, desejava ler e compreender a Bíblia
Hebraica em sua língua cotidiana, o grego. Os motivos da tradução, possivelmente, foram de ordem
litúrgica, devocional e para estudos. Outro motivo foi fazer da Bíblia Hebraica uma obra conhecida pelos
não judeus, para que estes pudessem lê-la e estudá-la, como em Atos 8,26—33.
Assim, quando havia a necessidade de se traduzir determinado livro bíblico, um grupo ou pessoa
fazia a versão para a comunidade. Muitos livros foram traduzidos por mais de um tradutor. Em relação ao
Pentateuco, cada um de seus livros foi traduzido por uma única pessoa. Os estudiosos argumentam que a
LXX foi, na verdade, uma coleção de traduções gregas feitas de maneira independente por várias pessoas e
grupos da comunidade judaica do Egito, refletindo o espírito e as concepções do judaísmo helenístico e
obedecendo a métodos diversos e técnicas de tradução variadas.
Em muitas passagens, a LXX, em vez de simplesmente traduzir o texto hebraico, faz uma
interpretação e, assim, nem sempre é fiel à sua fonte hebraica. Várias expressões hebraicas foram
adaptadas a um ambiente judaico helenizado. Por exemplo:

Texto Massorético - TM Septuaginta - LXX


Mão do Eterno Poder do Senhor
O Eterno é a rocha de Israel O Senhor é o auxílio de Israel
O manto do Eterno A glória do Senhor
O rosto do Eterno A presença do Senhor
O braço do Eterno A força do Senhor

Alguns termos hebraicos, também sofreram interpretação quando foram traduzidos na LXX. Entre
estes encontramos:

Texto Massorético - TM Septuaginta - LXX


‫ – ֶחסֶד‬hessed - bondade ἔλεος - éleos - misericórdia
‫ – ְקהַל‬qehal – reunião ἐκκλησία - ekklesía – assembleia
‫ — ָמשִׁי ַַח‬Mashiyah – ungido - Messias ὸς - Christós - Cristo
‫ּתֹורה‬
ָ — toráh — instrução ou ensino - nómos - lei
‫ – ַמלַאך‬mal’ak - mensageiro ἄγγελος - ággelos - anjo
‫ – יהוה‬YHVH — o Eterno - kuríos - Senhor

Além de interpretar determinados vocábulos hebraicos, a LXX também modificou os títulos


hebraicos de alguns dos livros do Antigo Testamento como, por exemplo, os do Pentateuco:

Texto Massorético - TM Septuaginta - LXX


‫ — ב ְֵראשִׁית‬bereshiyt — No princípio — Genesis — Gênesis
‫ — שְ מֹות‬shemot — Nomes — Exodos — Êxodo

‫ִׁקְר א‬
ָ ‫ — ַוי‬wayyiqera` — E chamou — Leuítikon — Levítico

‫ — ַוי ְדַ בֵר‬vayedabber — Em um deserto — Arithimói — Números

‫ — דְ ב ִָׁרים‬devaryim — palavras/coisas  Deuteronomíon —


Deuteronômio
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b). Os Targuns Aramaicos.

Com a ascensão do império Babilônico, o aramaico tornou-se a língua comum em todo o Oriente
Médio e Mesopotâmia. Os judeus, conquistados no século VI a.C., bem como todos os outros povos
subjugados pelos babilônios e persas, passaram a usar o aramaico como o idioma do dia a dia, do comércio
e posteriormente, também do serviço da sinagoga.
Com o passar do tempo o aramaico adquiriu uma importância crescente no meio do povo judeu,
que passou a utilizá-lo cada vez mais. O aramaico se tornou, por excelência, língua dos judeus, suplantando
o hebraico que se viu reduzido à língua sagrada da Bíblia Hebraica, dos serviços religiosos do templo em
Jerusalém, dos estudos e das discussões rabínicas e era falado no dia a dia, quase que exclusivamente, na
cidade de Jerusalém. Nos serviços religiosos, nas sinagogas, o hebraico era utilizado mas existia uma
tradução para o aramaico após a leitura hebraica de cada versículo, capítulo, porção ou seção do
Pentateuco; e, logo após a leitura de cada dois ou três versículos da conclusão feita com a leitura de algum
dos profetas.
Este trabalho era efetuado por um tradutor profissional chamado de meturgman, que fazia a
tradução livre ou espontaneamente, e sem o uso de nenhum material escrito. Destas traduções nasceram
os targuns, ou seja, uma coleções de escritos baseados no texto do Antigo Testamento. Estes escritos, em
aramaico, são do início da Era Cristã e algumas partes são até mais antigas.
Os targuns não são considerados uma testemunha fiel do Antigo Testamento, apesar de nos
auxiliarem a compreender as primeiras interpretações judaicas, porque, se em certas partes refletem uma
tradução relativamente culta do Antigo Testamento, juntamente com a tradução encontramos comentários
e histórias que reforçam o significado do texto.

1.4. Os Livros: como está dividida a Bíblia? Quais livros a compõem?

1.4.1. A Bíblia Judaica


Para os judeus a Bíblia é composta apenas pelos livros do Antigo Testamento e está dividida em
três partes: a Lei, os Profetas e os Outros Escritos (ver Eclo. 1,1).

a) A Lei ou TORAH - para os hebreus esta palavra (Lei) é mais abrangente do que para nós, pois
para eles, a Lei inclui a história. Através da Torah Deus dá a direção, traça a trajetória para a história do seu
povo. A Lei, portanto, não é letra morta, mas tem sentido dinâmico. A Torah é formada pelos cinco
primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Esse conjunto de livros é
também chamado de Pentateuco (de Penta = cinco e Teukos = vasos de barro onde eram guardados os
rolos da lei). A Lei é o núcleo fundamental da bíblia para os hebreus.

b) Os Profetas ou NEBYIM - São livros complementares à Lei. Os profetas são pessoas que orientam
o povo nos caminhos da Lei. Dos que deixaram livro escrito, conhece-se 6 grandes profetas e 12 profetas
menores, porém muitos mais devem ter sido os profetas em Israel, os chamados profetas não escritores.

c) Os Escritos ou KETUBYIM - são os demais livros, dentre os quais se incluem alguns dos que hoje
chamamos Históricos e Sapienciais.

1.4.2. A Bíblia Católica


Para os católicos a Bíblia completa possui 73 livros e está dividida em duas grandes partes: o
ANTIGO TESTAMENTO e o NOVO TESTAMENTO.
1. Antigo Testamento: Que são todos os livros escritos a partir do séc. XV a.C. até o nascimento de
Cristo. Contém a Lei de Deus dada a Moisés, a história do povo de Israel e suas reflexões, bem
como a previsão da vinda do Messias, que os cristãos veem realizada com a vinda de Jesus Cristo.
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2. Novo Testamento: Que são todos os livros escritos após a vinda de Jesus até o final do séc. I d.C..
Traz a vida e as obras de Jesus, a criação e a expansão da Igreja, além de documentos de formação
do povo cristão.

Essas duas grandes divisões estão ainda subdivididas de acordo com o conteúdo dos livros. Temos
assim, para o Antigo Testamento:

1. Pentateuco (5): O Pentateuco (5 livros), que corresponde à Lei ou Torah dos judeus, é formado
pelos mesmos cinco livros que abrem a Bíblia, e falam da Criação de Deus e da formação de seu
Povo Eleito, Israel. São eles: GÊNESIS, ÊXODO, LEVÍTICO, NÚMEROS, DEUTERONÓMIO.

2. Livros Históricos (16): são os livros que descrevem as guerras de Israel, bem como a história de
seus reinos. São eles: JOSUÉ, JUÍZES, RUTH, I e II SAMUEL, I e II REIS, I e II
CRÔNICAS, ESDRAS, NEEMIAS, TOBIAS, JUDITE, ESTER, I e II MACABEUS.

3. Livros Sapienciais/Poéticos (7): apresentam a sabedoria e poesia dos hebreus. São eles: JÓ,
SALMOS, PROVÉRBIOS, ECLESIASTES (ou COÉLET), CÂNTICO DOS CÂNTICOS,
SABEDORIA e ECLESIÁSTICO (ou SIRAC).

4. Livros Proféticos (18): foram escritos por profetas que pregavam o arrependimento e preparavam
o povo eleito para a chegada do Messias Salvador: ISAÍAS, JEREMIAS (+ LAMENTAÇÕES e
BARUC), EZEQUIEL,*DANIEL (os chamados profetas maiores), OSEIAS, JOEL, AMÓS,
ABDIAS, JONAS, MIQUEIAS, NAUM, HABACUC, SOFONIAS, AGEU, ZACARIAS e
MALAQUIAS.

Enquanto que, para o Novo Testamento, temos:

1. Os Evangelhos (4): narram a vida, os ensinamentos, os milagres e a obras do Messias Jesus Cristo.
São eles:
2. Os Actos dos Apóstolos: apresenta a instituição e expansão da Igreja Cristã, primeiro na Palestina
e, a seguir, no mundo até então conhecido.
3. As Epístolas: são as doutrinas e exortações escritas por alguns Apóstolos de Cristo e encaminhadas
a comunidades ou fiéis cristãos. Normalmente se subdividem em:
a) Epístolas Paulinas (13): Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I
e II Tessalonicenses, I e II Timóteo, A Tito, A Filemon.

b) A Epístola aos Hebreus (1).

c) Epístolas Católicas (7): Epístola de São Tiago, I e II Epístola de São Pedro, I, II e III Epístola I
de São João, Epístola de São Judas Tadeu.

4. Apocalipse de S. João: traz a vitória de Cristo e sua Igreja sobre as forças do mal e o juízo final.

1.4.3. A Bíblia Protestante


Introdução à Bíblia I

Para os protestantes a Bíblia também está dividida em duas grandes partes, AT e NT, mas conta
com apenas 66 livros, isto é com 7 livros a menos que a Bíblia católica que são: Tobias, Judite, Baruc,
Eclesiástico, Sabedoria, I Macabeus, II Macabeus, além de algumas partes de Daniel e de Ester.
Como vimos, ao falarmos da transmissão da Bíblia nas outras línguas, no século III a.C., um grupo
de sábios judeus resolveu traduzir o Antigo Testamento do hebraico para o grego. Esta foi a primeira
tradução da Bíblia, chamada de SEPTUAGINTA ou SETENTA. A partir de então, passou a existir duas versões
da Bíblia, uma em hebraico, usada pelos judeus que moravam na Palestina e outra em grego, usada pelos
judeus que viviam no Egito. Ocorre que na época em que foi feita a tradução grega dos Setenta, a lista (ou
cânon) dos livros sagrados ainda não estava definida e os judeus da diáspora foram acrescentando mais
livros à sua bíblia (em grego). Com isso, a lista dos livros da versão grega ficou maior que a lista dos livros da
Bíblia hebraica em 7 livros.
Pelo facto do grego ser a língua falada em quase todo o mundo conhecido da época, a tradução
grega da bíblia sempre teve maior difusão do que a hebraica. Assim, mais tarde, quando os Apóstolos
saíram a pregar o Evangelho aos povos que falavam o grego, eles adotaram a tradução grega dos Setenta e
a espalharam pelo mundo. Quanto aos judeus, permaneceram com a sua bíblia em hebraico, sendo que no
ano 97 d.C. declararam oficialmente como texto inspirado apenas os livros constantes da versão hebraica.
Os cristãos continuaram a utilizar a versão grega até que, por volta do século IV d.C., grande parte
dos povos do Império Romano já não falava mais o grego e sim o latim, a nova língua oficial do Império. Foi
então que o Papa Dâmaso pediu a São Jerônimo, grande estudioso e biblista da época, que traduzisse a
bíblia para o latim. Jerônimo traduziu toda a bíblia considerando as duas versões, mas estabeleceu a
distinção entre os livros "protocanónicos" (da primeira lista ou cânon) e os "deuterocanónicos" (da
Segunda lista, ou cânon). Essa tradução da Bíblia para o latim, feita por São Jerônimo em 350 d.C., chamou-
se "Vulgata", (isto é, a Divulgada).
Com a tradução de São Jerônimo, reacende-se a polêmica entre os defensores da lista menor
(protocanónicos) e os da lista maior (deuterocanónicos). Essa questão arrastou-se até o Concílio de
Florença, em 1430, quando os bispos pronunciando-se sobre o assunto, afirmaram que os católicos
reconhecem como palavra de Deus inspirada todos os livros da lista maior (ou seja, da versão grega), e
estabeleceram assim, uma trégua nas discussões.
O assunto voltou à tona no século XVI com a reforma protestante quando Lutero, resolvendo
traduzir a bíblia do latim para o alemão (sua língua materna), traduziu apenas os livros da versão hebraica
(ou do primeiro cânon). Novamente o assunto foi discutido pelos bispos católicos e, no Concílio de Trento,
foi reafirmada como inspirada por Deus toda a Bíblia, incluindo os livros da versão grega. Desse modo, os
católicos, seguindo o exemplo dos apóstolos, ficaram com a bíblia da versão grega e os protestantes
ficaram com a bíblia hebraica, o que perdura até os dias de hoje.

II. A GEOGRAFIA DO CRESCENTE FÉRTIL


2.1. Significado
A expressão Crescente Fértil foi criada pelo arqueólogo James Henry Breasted, na sua obra “Ancient
Records of Egypt”, em 1906, por perceber o formato de uma lua crescente desta região e também por
causa da presença de grandes rios, Nilo, Jordao, Tigre e Eufrates, que deixam o solo fértil.

2.2. Delimitação
Entende-se a região localizada entre o Oriente Médio (vales dos rios Tigre e Eufrates) e nordeste da
África (vale do rio Nilo). Abrange áreas da Mesopotâmia e do Levante (os territórios ou partes dos
territórios da Palestina, Israel, Jordánia, Líbano, Síria e Chipre), sendo delimitado a Sul pelo deserto da Síria
e a Norte pelo planalto da Anatólia.
Introdução à Bíblia I

2.3. Principais características do Crescente Fértil

 Solo fértil, ou seja, excelente para a prática agrícola. Os vales ficavam mais férteis quando os
rios transbordavam, pois este processo depositava nos solos materiais orgânicos.
 Presença de sistemas de irrigação voltados para a agricultura.
 A agricultura colaborou para a sedentarização;
 A sedentarização contribuiu para o surgimento das primeiras organizações sociais e cidades.
 A extensão territorial é de, aproximadamente, 450 km².
 A região começou a ser habitada há, aproximadamente, 11 mil anos. Povos nômades
começaram a fixar moradia no Crescente Fértil, fundando as primeiras vilas agrárias.
 Atualmente, a região do Crescente Fértil é ocupada pelos territórios dos seguintes países:
Egito, Líbano, Jordânia, Israel, Síria, Turquia, Irão e Iraque. A região continua hoje sendo
muito povoada. Moram nesta área cerca de 50 milhões de habitantes.

2.4. Berço das primeiras civilizações


A região do Crescente Fértil é frequentemente denominada o “berço da civilização”, por ser ali o
local de nascimento e desenvolvimento de vários povos, que atestadamente, antes de quaisquer
outros em outras regiões do planeta, iniciaram o processo de desenvolvimento civilizatório como
até hoje o reconhecemos, como por exemplo, através do sedentarismo em detrimento do
nomadismo, o desenvolvimento de cidades, da agricultura, da roda, da escrita, de diversas
ferramentas, além do desenvolvimento do comércio, isso tudo já existente por volta de 8000 anos
atrás naquela mesma área:
 Nas margens do Rio Nilo desenvolveu-se a civilização egípcia;
 Entre os Rios Tigre e Eufrates, região conhecida como Mesopotâmia (Terra entre Rios)
surgem vários povos como os Sumérios, Acádios, Caldeus, dentre outros;
 Próximo ao Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, surgem os povos Hebreus e Fenícios.
Introdução à Bíblia I

2.4.1. A civilização egípcia


Uma das civilizações mais importantes da história Antiga. Desenvolveu-se na região do Crescente
Fértil, mais exatamente no nordeste da África, uma região caracterizada pela existência de desertos e pela
vasta planície do rio Nilo. A parte fértil do Egito é praticamente um oásis muito alongado, proveniente das
aluviões depositadas pelo rio. Nas montanhas centrais africanas, onde o Nilo nasce, caem abundantes
chuvas nos meses de junho a setembro provocando inundações frequentes nas áreas mais baixas (O “Baixo
Nilo”). Com a baixa do Nilo o solo liberta o humo, fertilizante natural que possibilita o incremento da
agricultura. Para controlar as enchentes e aproveitar as áreas fertilizadas, os egípcios tiveram de realizar
grandes obras de drenagem e de irrigação, com a construção de canais, o que permitiu a obtenção de
várias colheitas anuais.
O Egito, inicialmente, estava dividido num grande número de pequenas comunidades
independentes: os nomos que por sua vez eram liderados pelos nomarcas. Essas comunidades uniram-se e
formaram dois reinos: o Alto e o Baixo Egito. Por volta de 3200 a.C., o rei do Alto Egito, Menés, unificou os
dois reinos. Com ele nasceu o Estado egípcio unificado, que se fortaleceu durante seu governo com a
construção de grandes obras hidráulicas, em atendimento aos interesses agrícolas da população. Menés
tornou-se o primeiro faraó e criou a primeira dinastia.

2.4.2. Civilização Mesopotâmica


A palavra “mesopotâmia” significa “terra entre rios”. Essa era uma das características da região,
delimitada entre os vales dos rios Tigre e Eufrates e ocupada atualmente pelo território do Iraque. A
Mesopotâmia estava inserida numa região de solo bastante produtivo, denominada “Crescente Fértil”, uma
referência ao formato da região que parecia uma Lua crescente.
Foi na Mesopotâmia, que por volta do VI milênio a.C, surgiram as primeiras civilizações. As primeiras
cidades foram Lagash, Uma, Kish, Ur, Uruk e Gatium. Vale ressaltar que a civilização mesopotâmica não
apresentava uma unidade política. Na verdade, haviam cidades-estados dotadas de total autonomia
política e econômica.
A economia desses povos era baseada principalmente na agricultura. Cultivavam trigo, cevada, linho,
gergelim, etc. Havia também uma atividade comercial realizada através de trocas, uma vez que a moeda
ainda não era utilizada. Outra atividade que realizavam era a criação de animais, bastante desenvolvida.
Os mesopotâmicos eram povos politeístas. Sua organização política era baseada na centralização do
poder. Todos os meios de produção estavam sob o controle do déspota, a personificação do Estado. Os
principais legados deixados pela civilização mesopotâmica foram a escrita cuneiforme, criada a partir da
necessidade de contabilização dos templos; e o Código de Hamurabi, considerado o primeiro código de leis
da atualidade.
Vários povos habitaram a região da Mesopotâmia. Podemos destacar os principais:

a). Sumérios
Habitantes do sul da Mesopotâmia, esses povos construíram grandes complexos de irrigação e
drenagem de água, além de desenvolverem a escrita cuneiforme e ter construído as primeiras
cidades da história da humanidade.

b). Babilônios
Foram os responsáveis pela elaboração do primeiro código de leis da atualidade, o Código de
Hamurabi. O Código foi feito baseado na Lei de Talião (olho por olho, dente por dente). Os
babilônicos também construíram os Jardins Suspensos da Babilônia, considerado uma das sete
maravilhas do mundo antigo.
Introdução à Bíblia I

c). Assírios
Povos extremamente militares, os assírios eram cruéis com seus inimigos e consideravam a guerra
a principal forma de conquistar poder e desenvolver a sociedade.

III. A HISTÓRIA BÍBLICA

Para se poder compreender o Antigo Testamento é importante que se conheça a história do povo
hebreu, pois sabemos que é através deste povo que Deus se manifestou à humanidade, e preparou-a para
receber o seu Filho amado.

3.1. A era dos Patriarcas (séc. XVIII– XIII)

É chamada “Era dos Patriarcas” a primeira fase da presença do povo hebraico na região da
Palestina (Canaã). Tal era se inicia com a migração de Abraão e seu grupo da cidade de Ur (atual Iraque) por
volta do sec. XVIII tem a sua conclusão aproximadamente no sec. XIII a.C., com o episódio referido como
“Êxodo”, onde Moisés lidera a volta de seu povo do Egito, onde se encontrava submetido à escravidão.
A Era dos Patriarcas recebe tal nome pelo fato da organização dos hebreus estar fundada em torno
de patriarcas, isto é, líderes de grandes famílias, que reuniam funções diversas, como a de chefe militar,
sacerdote e líder político.
Não há nenhum indício arqueológico que indique com exatidão a existência de Abraão, Isaac e Jacó,
e por isso muito do que se conhece deste período é encontrado em textos religiosos como os da Bíblia.
Sabe-se, porém, duma grande expansão das tribos nómadas que, vindas do norte a partir da idade do
Bronze médio (2100 a 1550 a.C.), em sucessivas vagas migratórias, chegaram até à Palestina, e a
arqueologia confirma a vida seminómada, os nomes e os costumes de Génesis como correspondentes ao
modelo sociológico do Oriente no início do II milénio.
A data de 1850, aproximadamente, para a emigração de Abraão a Canaã é uma data razoável pois
parece permitir uma melhor correlação entre os acontecimentos bíblicos e os seculares. Esta data igualaria
a entrada de Jacó e José no Egito com o período dos hicsos.
Os mais importantes patriarcas foram Abraão, Isaac e Jacó. É nesta fase que se forma e consolidam
as principais características do povo hebreu. Porém, não podemos ainda falar de um povo, muito menos de
uma nação. Eram grupos seminômades que começaram a povoar a Palestina, mas somente alguns desses
grupos se tornaram sedentários, sobretudo os que se estabeleceram ao norte, às margens do lago da
Galileia. Os do centro e do sul tinham uma vida mais móvel e nas épocas de fome, eles desciam ao Egito.
A história dos patriarcas nos é narrada na segunda parte do livro do Gênesis e, sobre a base dos
personagens importantes da narrativa da idade patriarcal, pode convenientemente ser dividida como
segue: Abraão, Gn 12,1-25,18; Isaque e Jacó, Gn 25,19-36,43; José, Gn 37,1-50,26. Nela, a formação do
povo de Israel tem início quando Deus aparece a Abrão (que terá seu nome mudado para Abraão) e lhe
ordena que deixe sua terra e parta para outra posteriormente indicada (Canaã). Em troca, recebe a
promessa de formar uma grande nação, que irá ganhar todas as terras, do rio Nilo ao Eufrates. Abraão,
segundo o livro do Gênesis, obedece a ordem divina e sua família posteriormente dará origem a todas as
nações da região. Após Abraão, a liderança passou para Isaque, seu filho, e depois para Jacó, que acabaria
por ter seu nome mudado para Israel, e cujos doze filhos dariam origem às doze tribos de Israel, a saber:
Ruben, Simeão, Levi, Judá, Issacar, zebulon, Dan, Neftali, Gad, Aser e José. Este último é o elemento de
ligação com o acontecimento sucessivo da história de Israel.
Introdução à Bíblia I

3.2. O tempo do êxodo: Saída do Egito e travessia do deserto (meados do século XIII)
Por causa de uma seca intensa, os hebreus foram parar no Egipto (≈ 1700 a.C.) e estabeleceram-se na
terra de Goshen (Delta do Nilo), também chamada “Terra de Ramsés”. Inicialmente, eles achavam-se bem
pois o Egipto era governado pelos Hicsos (reis pastores), de cuja proteção a casa de Israel se beneficiava.
Por lá vivem e se desenvolvem durante cerca de 400 anos.

Com a expulsão dos Hicsos pelos príncipes de Tebas, a presença dos hebreus torna-se cada vez mais
incómoda. Por isso, os egípcios tomam, mesmo, medidas repressivas contra eles que, em certo momento,
atingem dimensões de perseguição. Os grupos que se estabeleceram no Egito, de facto, com o passar do
tempo, foram obrigados pelos faraós aos trabalhos forçados. Neste momento de opressão surge um
personagem fundamental, Moisés, a quem Deus confia a missão de libertar seu povo e de fazê-lo retornar à
Palestina, no acontecimento que ficou conhecido como Êxodo. No livro da Bíblia com o mesmo nome
temos o relato deste grande acontecimento.
Estudiosos modernos entendem que, com toda a probabilidade, o Êxodo não foi uma experiência
uniforme. Possivelmente outros grupos empreenderam o seu “Êxodo” noutras circunstâncias diferentes
das da fuga. Os mesmos estudiosos distinguem o Êxodo “expulsão” (Ex 6,1ss) do Êxodo “fuga”. Os grupos
que partiram com a expulsão teriam entrado, primeiramente, na terra prometida. O grupo de Moisés, terá
fugido, e depois de vaguear pelo deserto, introduziu-se, sob a guia de Josué, pela Transjordânia. Este último
Êxodo terá prevalecido sobre o outro, provavelmente, porque foi uma experiência mais intensa, e, por isso
mesmo, tenha sido fixado na tradição religiosa.
Depois de muitas discussões é hoje quase unânime colocar o Êxodo no sec. XIII a.C., entre 1250 e 1220
a.C.. A Bíblia menciona dois faraós: Ramsés II (1301-1235) e seu filho Merneptah (1235 – 1223). O primeiro
seria o faraó opressor e o segundo o faraó do Êxodo.

3.3. A Conquista: Assentamento na Palestina (final do séc. XIII)


Introdução à Bíblia I

Depois da travessia do deserto, onde o acontecimento capital é a aliança do Sinai , chega-se à estepe de
Moab, diante da terra prometida. Após a morte de Moisés, Josué assume o comando, cruza o Jordão,
conquista Jericó e aos poucos vai-se apoderando da Palestina (Jos 1,24).

Normalmente descrita como guerra-relâmpago, a penetração na terra de Canaã foi, na prática, muito
mais lenta, difícil e distribuída em fases e zonas distintas, do que o relato do livro de Josué indicau ff6.
Como vimos, muito provavelmente, as tribos tinham viajado separadamente para a Palestina e ocupado a
terra também separadamente.

Geograficamente, as tribos se dividiram em três grupos:


 Grupo meridional, com as tribos de Judá, Simeão e Dan (esta só metade, pois a outra metade
encontrava-se totalmente ao norte). Tinham como centro as cidades de Hebron e de Belém, e
talvez tenham ingressado na Palestina pelo sul, antes das outras tribos, e não pela Transjordânia
nem com Moisés.
Introdução à Bíblia I

 Grupo Central, que poderia ser considerado como o grupo de Josué, formado pelas tribos de
Benjamim, Efraim e Manassés (esta última só parcialmente), e tinham com centro Silo e Siquém.
 O grupo setentrional, na Galileia, que estava composto pelas tribos de Issacar, Zabulão, Asser,
Neftali e Dan (a outra metade). Há quem afirme que estas tribos do norte não teriam emigrado
para o Egipto, e, portanto, não teriam participado do Êxodo.

Poderosa linha de cidades-estado fortificadas, dos cananeus, separavam os grupos meridional e


central: Jericó, Jerusalém (habitada pelos Jebuseus até ser tomada por David), Gibeon, Beerot, Kephirath,
Qiryat-Jearim e Guezer. Por sua vez, o grupo central estava separado do setentrional por outra linha de
cidades cananeias: Meguido, Taanak, Bet-Sam, etc. Na Transjordânia instalaram-se as tribos de Rubem, Gad
e Manassés (uma só parte).
Através do livro dos Juízes, constata-se que, continuamente, as tribos lutam entre si, e, é-nos
apresentado o caso da tribo de Benjamim que, em dado momento, é quase exterminada totalmente por se
ter negado a cumprir um castigo imposto à cidade de Guilbeá. Pode por isso dizer-se que as tribos eram
independentes umas das outras e que só a necessidade de terem de lutar para se defenderem dos fiisteus
ou dos cananeus as levavam a colaborarem ou a unirem-se esporadicamente, nestes casos sob motivações
sociais e religiosas.

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