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I
Olhem, eu poderia dizer que tinha uma vida normal antigamente... isso tirando um
pequeno e curioso fato, que é enxergar espíritos. Eu sempre tive isso, não lembro quando
comecei a vê-los de verdade, mas sempre consegui ver coisas que podiam se chamar de...
sobrenaturais. Tal coisa não era divertida, muito menos assustadora... era bem chata.
Quando pequeno, as outras crianças de minha turma sempre tiravam sarro de mim,
isso já me fez sair de várias escolas, mas nada mudava, então eu tive que aguentar tais
coisas.
Elas sempre me chamavam de maluco, talvez por conta de eu dizer que havia uma
mulher — que ninguém mais via — ao lado do nosso professor de matemática. Seu nome
era Jonas. Ele tinha perdido a esposa depois de dois anos de casado, e ora ou outra eu
escutava do resto dos professores de suas inúmeras tentativas de suicídio.
Posso dizer que isso parou por um tempo, praticamente depois de eu começar a
comentar sobre essa tal mulher. Parecia que ele ficava animado quando eu falava sobre
ela. Mas como eu era novo, eu não entendia muito bem se aqueles sorrisos que ele dava
eram de felicidade, ou se ele estava apenas como os meus colegas de turma, tirando sarro
de minha cara. Mas um certo dia ele veio até mim, se aproximou em um horário vago e me
perguntou como a tal mulher se parecia. Eu mesmo achei estranho ele ter se interessado
por isso, então o respondi, sem me importar muito.
A mulher que eu via tinha cabelos cacheados, eles eram longos, loiros e sedosos,
tinha olhos esverdeados e sempre estava vestida em um lindo e brilhoso vestido vinho. Por
alguma razão ela sempre estava descalça, e na maior parte do tempo ela ficava lá, sentava
sobre a mesa do professor, o encarando durante toda a aula.
Naquele mesmo dia em que o professor me perguntou sobre a tal mulher, ele passou
um teste surpresa. E como já era de se esperar, eu não sabia de nada daquele assunto,
tendo certeza de que tiraria um zero. Ele corrigiu as provas no mesmo dia e me deu um
A+. Aquele tinha sido o segundo da minha vida toda e minhas notas não eram tão boas,
mas ganhar a nota máxima mesmo sabendo que eu tinha errado todas as questões me
deixou com uma dúvida em mente...
E logo mais tarde, depois de alguns anos, eu descobri uma coisa que de certeza
responderia o fato dele ter me dado a nota máxima. Eu acabei descobrindo que aquela
mulher que sempre o observava, era nada mais nada menos que a falecida esposa dele.
Posso até dizer que esses anos se passaram bem rápido e logo eu completei meus doze
anos.
Claro que isso não teria sido um grande marco em minha vida, mas uma grande
coisa aconteceu. Eu fui levado para longe, e a partir daí minha vida mudou por completo.
... ... ... ... ...
— Vamos mamãe! —, disse puxando-a pelo braço. — Se demorarmos demais, o
ônibus irá sair sem nós! —, exclamei em meio àquela multidão toda.
— Tenha calma Toya... não precisa se apressar tanto. — Disse minha mãe em uma
voz suave e serena. — O ônibus não sairá tão rápido assim, temos tempo de sobra para
chegarmos lá.
De certa forma era verdade, aquele ônibus não iria sair dali agora, pois, ele
realmente nem iria sair. Mas nós não sabíamos disso, é claro.
Ao entramos nele, nós esperamos, esperamos e esperamos... eu posso até dizer que
se eu fosse um pouco mais velho aquela demora toda teria feito uma barba crescer em
meu rosto. Mas avistar o motorista do ônibus se aproximando, fez um sorriso abrir-se em
meu rosto. Mas pelo que me lembro, ele durou apenas três segundos. Tudo por conta de
uma explosão que acontecer exatamente quando o motorista pisou no primeiro degrau do
veículo.
A explosão tinha sido de um veículo ao lado, tudo, exatamente tudo saiu voando
enquanto os estilhaços estavam em chamas, para variar. Digo que estava parecendo mais
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
um filme do Michael Bay do que um dia normal em minha cidade natal. Mas, o que me
surpreendeu naquela hora nem foi o fato de um carro ter explodido e sim ele ter sido
atacado por um... demônio? Eu não sabia o que era aquilo na hora... bom, continuando...
O carro foi atacado pela criatura, ela era enorme, totalmente peluda e tinha dois
chifres extremamente pontiagudos em sua cabeça. Já falei que ele era enorme? Sério, ele
passava os dois metros fácil, fácil. Tinha uma força descomunal, já que ele conseguiu
levantar um carro depois de ter atingido o primeiro — feito que provocou explosão.
Todos dentro do ônibus gritaram no momento da explosão e se abaixaram,
escondendo-se em seus bancos — com medo. Já eu estava apavorado, nem mesmo sei
como não tinha desmaiado naquela hora. Minha mãe que estava do meu lado direito
apenas tinha ficado paralisada, ela não era do tipo que gritava, apenas ficava
completamente imóvel, sem ação alguma, coisa que poderia ter sido útil ali, isso se nós
fossemos os únicos naquele ônibus. Pois com o silêncio, aquela criatura não teria percebido
que estávamos ali.
Num embalo ligeiro, ele acertou a lataria do ônibus com seus chifres e posso dizer
que foi a primeira vez que eu vi sangue de outra pessoa ao vivo. Também tinha sido a
primeira vez que eu vi alguém morrer, mas eu já estava estagnado por conta daquela
imensidão vermelha que escorria das quatro pessoas que foram acertadas por aqueles
chifres enormes, logo que acabei não percebendo que as pessoas haviam... morrido.
Retirando os chifres da lataria, aquela coisa deu uns míseros passos para trás e
novamente voltou a acertar o ônibus, só que dessa vez com seu ombro, até que ele o fez
capotar. Com suas mãos que podiam amassar facilmente a lataria daquele ônibus, o
monstro arrancou o teto do veículo na força bruta e ao fazer isso, ele pegou três pessoas,
esmagando-as como se fossem formigas.
Com o ônibus tombado e o teto arrancado, as pessoas correram para fora em
tentativa de fuga, mas não foi uma boa coisa, digo, não foi uma boa coisa para os mais
lentos da “turma” de desesperados. Pois em um salto descomunal por cima do ônibus já
destroçado, a criatura pegou mais três pessoas, exatamente as que estavam atrás do resto
do grupo que continuavam a correr de forma mais que desengonçada. Ele havia pego duas
com suas enormes mãos e uma com a boca, logo jogando-as para cima e as empalando
com seus chifres e devorando a última.
Para vocês pessoas de estomago fraco, eu admito que tal cena presenciada por mim
não foi uma das melhores coisas que já vi na minha vida. E olhem que as piores só estavam
por vir... com o caos implantado no local. Os que conseguiram se esconder apenas
esperavam o inevitável. Já que a criatura não estava caçando com os seus olhos, mas sim
com seu faro. Realmente era uma besta incontrolável. Destruía tudo que estava pela sua
frente, sem dificuldade alguma e sem sequelas. Mas quando menos esperávamos, a nossa
salvação chegou.
Pessoas estranhas que nunca tinha visto pessoalmente, mas já tinha ouvido falar
sobre, elas vestiam roupas pretas e seguravam armas que eu mesmo pensava que já
tinham entrado em desuso pelo exército. Dentre elas: espadas, lanças, bastões e muito
mais coisas que eu mesmo não lembro agora. Eles partiram para cima daquele monstro e
assim como nos filmes de ação, eles esquivavam de cada golpe desferido pela criatura e
revidavam em dois ou três golpes. Até que um deles pulou. Pulou mais alto que qualquer
atleta olímpico já havia feito até aquele momento na história, pousando sobre a nuca
peluda da besta assim cravando sua espada nela, matando-o.
A criatura caiu de joelhos agonizando, e logo depois do homem retirar sua espada e
erguê-la para o alto comemorando sua vitória, o monstro começou a desaparecer como se
fosse uma projeção holográfica ou coisa do tipo. Ele virou areia, não, melhor... eu posso
dizer que ele virou uma densa poeira que logo foi levada pelo vento. Imediatamente o grupo
começou a tratar dos feridos, física/mentalmente, e não demorou muito para que eles
chegassem perto de mim. Eu continuava imóvel, apenas olhando apenas para frente, mas
tudo passou num piscar de olhos, quando um deles me tocou no ombro.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Garoto... você está bem? —, um deles perguntou, mas logo saiu, por conta de ser
chamado por outro do seu grupo.
Eles tentaram falar baixo, mas deu para ouvir a conversa toda, coisa que —
sinceramente — eu me arrependo de ter feito.
— Essa mulher está... morta. A criatura atravessou a lataria do ônibus algumas
vezes e os destroços do ônibus voaram contra ela... presumo.
— Onde ela estava?
— Ali — ele apontou — perto do garoto... ela deve ter protegido ele dos destroços.
Não duvido que ela seja a mãe do garoto.
Ao terminar de ouvir aquilo, eu corri. Mesmo sem força alguma nas pernas, eu
corri... me aproximei do corpo de minha mãe e caí de joelhos abraçando-a. Até que gritei,
não conseguindo mais segurar o choro.
— MAMÃE!!!
Os homens ali presentes tentaram me reconfortar, mas nada disso traria minha
mãe de volta.
Alguns minutos se passaram, eu estava sentado fora do ônibus, mas logo uma coisa
me deixou em paz. Antes de retirarem o corpo de minha mãe de dentro do ônibus eu vi o
seu espírito lá. Eu me levantei, fui até ela, mas não a toquei, pois de alguma forma eu
sabia que não conseguiria.
— Garoto...? —, falou um dos homens que estavam levando o corpo de minha mãe.
— Ah, entendo... veio se despedir, certo? Você é um garoto bem forte.
Eu não tinha ido me despedir do corpo físico dela, como a maioria estava achando
que eu estava fazendo, mal eles sabiam que eu estava me despedindo dela de verdade,
mesmo que eu não conseguisse ouvir a sua voz eu entendia o que seus lábios queriam
dizer...
Seja bom... eles cuidaram de você... boa sorte, filho. Essas foram as palavras dela.
— Certo, mamãe. — Eu falei e ela então desapareceu.
O grupo me levou para a base deles, junto dos outros feridos. Lá eles trataram de
minhas feridas com mais calma e me vigiaram até que um homem apareceu, era um amigo
de infância da minha mãe — seu nome é Tito. Ele então me pegou no colo e me colocou
dentro de seu carro, logo dirigindo até chegarmos na autoestrada...
— O que aconteceu lá? Soube por aqueles homens que o ônibus foi atacado por uma
criatura... como ela era?
Eu demorei para responder. Não tinha entendido o que Tito havia perguntado, mas
também não estava confortável de tocar naquele assunto.
— Era enorme... —, comecei e a cada palavra imagens do momento apareciam em
flashes na minha cabeça. — Peludo e tinha dois chifres enormes.
— Você foi caçado por um mino... não, melhor não. Você foi caçado por um homem-
touro? Você realmente é algo especial. — Ele disse entre uma risada.
— Homem-touro? —, indaguei. — E o que quis dizer com mino...?
— Pare. — Disse ele enquanto tampava minha boca com a palma da sua mão direita.
— Nomes tem poder, não os invoque assim do nada.
Ele pegou um papel e escreveu o nome da criatura: Minotauro.
— Você disse que eu estava sendo caçado... o que quis dizer?
— Aquilo estava atrás de você, Toya. Você tem uma certa energia espiritual, é isso
que te permite ver espíritos e outras coisas mais, você mesmo falou isso para nós, mas
ninguém acreditava, a não ser sua mãe e eu. — Ele suspirou — Ela me pediu um favor,
para caso ela viesse a... falecer. Eu apenas estou cumprindo esse favor.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
II
Lembro de ter dormido bem. Mas logo meu sono logo foi interrompido por conta de
Tito me balançar até que eu acordasse.
— Ei, Toya, acorde. — Disse Tito.
Sua mão direita estava em meu ombro.
— Ãn...? —, balbuciei. — O que aconteceu?
— Nós chegamos.
Esfreguei os olhos e olhei para frente, logo percebendo que estávamos em um tipo
de estacionamento. Ao fundo, podia-se ver um grande campus sendo ele de 45 hectares
de extensão composto por alguns chalés e um enorme prédio, eles estavam em formato de
U — isso da posição que eu olhava.
Nós andamos em direção do prédio. Notei que ele era cercado por um imenso muro,
que chegava facilmente aos três metros de altura, notei também que Tito andava
preocupado, olhando para os lados com frequência. Parecendo que estava esperando que
algo ou alguém nos abordasse a qualquer momento.
Ele estava assustado com algo, certamente, e eu não sabia o que era a princípio.
Mas ignorei e continuei seguindo ele até chegarmos no portão de entrada do campus. Mas
nós dois fomos barrados por um homem que o guardava. Ele era parrudo, moreno e tinha
uma tatuagem tribal no pescoço. Vestia um traje militar, mas não tinha um corte parecido
com o deles, pois ele era careca.
— Identifiquem-se. — Sua voz era como o trovão. Ele havia falado de forma mais
que firme.
— Sou Tito, vim a pedido do senhor Kyehll.
— Tito, certo? —, indagou. — Espere só um momento.
Mesmo com a sua aparência completamente assustadora, ele não mostrava uma
postura ameaçadora e rude. Mas pelo contrário. Ele me parecia gentil e cortês, até demais.
Vi ele pegar um celular, não um moderno, mas um daqueles antigos, que abrem e fecham
a tampa da tela. Ele fez uma chamada, e falou algumas coisas que não consegui entender.
Logo voltando, ainda com o celular em sua mão.
— Qual o seu objetivo em entrar nessa academia? —, ele perguntou.
— Eu vim trazer o sobrinho do senhor Kyehll. Seu nome é Toya Vincent.
— Certo — ele então colocou o celular de volta ao ouvido — Senhor, o rapaz chamado
Tito disse que veio para trazer um sobrinho seu. — Seu nome?
— Ele disse que é Toya Vincent. Tem cabelos alaranjados, olhos azuis, pele
esbranquiçada e aparenta ter seus doze anos de idade.
Eu fiquei surpreso na forma que ele me descrevia, e acertar minha idade? Isso
realmente me deixou impressionado.
— Certo. Informarei a eles como chegarem em sua sala. — Disse abrindo o portão.
— Desligando.
— E então? —, indaguei.
— Meu superior liberou vocês. — Ele me encarou. — Olhem, eu não posso sair deste
posto, portanto, vocês terão que ir para a sala do diretor sozinhos. Ela fica no último andar.
Tenham cuidado e não causem nenhum tipo de confusão, as pessoas daquele prédio
odeiam estranhos. — Ah! Se alguma pessoa lá dentro pararem vocês dois, apenas digam
que Heimdall os liberou. Eles devem entender o recado.
— Obrigado, nós já vamos indo. — Disse Tito. — Vamos, Toya.
Nós seguimos em direção daquele prédio azulado, não foi uma caminhada tão longa,
pelo menos para mim não foi. E também nós não formos parados por ninguém — coisa
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
que foi um alivio — mas nós fomos fitados pelos que passavam no local, a todo momento.
Seus olhares me gelaram minha espinha, no momento eu apenas tinha me lembrado do
que Tito tinha me dito no carro: A escola que seu tio dirige é uma academia para pessoas
especiais como você. Lá existem muitos seres completamente diferentes, que trabalham em
troca de abrigo e segurança.
Nós passamos pelo hall principal, e entramos no elevador. E seguimos para o
trigésimo andar. Chegando lá, avistamos uma porta com o nome diretoria entalhado na
madeira. Tito bateu na porta e a abriu devagar. Ao entramos, eu vi meu tio com seus óculos
de grau, cabelos pretos emaranhados e a pele branca. Ele trabalhava numa imensa
papelada.
— Está entregue. — Disse Tito.
— Ótimo. — Meu tio retirou os seus óculos e se ajeitou em sua poltrona de couro
vermelha — Você cresceu bastante nesse tempo. Só nos vimos algumas poucas vezes, não
é mesmo?
— Sim. — Eu falei timidamente.
— Você irá morar aqui a partir de agora, acho que Tito te explicou o que sua mãe
desejava para você, isso é, quando ela sofresse algum tipo de acidente, ou acabasse... —
ele suspirou. — Eu realmente prefiro não dizer essa palavra.
— Sim, ele me disse. Mas... ele também me disse que essa escola não é para pessoas
comuns e sim para “criaturas especiais”. — Eu fiz as aspas com os dedos.
— Exato. Essa academia é composta por inúmeros tipos de criaturas “especiais”,
coisa que é melhor você se acostumar a não dizer de agora em diante. Eles odeiam esse
termo. Entende?
— Mas tio... como eu me encaixarei numa escola dessas? Eu sou um humano, eles
não ficariam confortáveis comigo. Eu não ficarei confortável com eles.
— Você vê espíritos, certo? Isso é uma capacidade sobrenatural raríssima em
humanos normais. Por conta disso, você possui alguma energia espiritual. E essa energia
está atraindo monstros por onde você passa, causando desastres. — Ele entrelaçou os
dedos. — Se você ficar aqui, nossos instrutores te ensinaram a como controlar essa sua
energia. E se você der sorte, você até pode se tornar suscetível a aprender técnicas
especiais, assim como nos filmes de ficção. Não é o máximo!?
Eu realmente não estava animado para isso. Estar no meio de criaturas que podem
ou não ser pacificas... isso me dava mais calafrios na espinha.
— Se você fala. — Falei.
— Acredite em mim. Você vai odiar por não ter vindo para cá mais cedo. — Disse
ele em um sorriso forçado. — Agora... espere um momento.
Ele pegou seu celular e ligou para um aluno — pelo que ouvi —, pedindo para que
o mesmo viesse para cá. Lembro de ter contado dois minutos exatos e o aluno — com sua
pele pálida, cabelos pretos como a noite, olhos acinzentados e de corpo esguio — chegou.
— Estou aqui, diretor Kyehll. — Sua voz trazia uma sensação de conforto, seu olhar
não me dava medo, diferentemente dos outros que eu já havia recebido ao entrar nesse
prédio.
— Esse é o meu sobrinho, Toya Vincent. — Ele vai ficar no dormitório 3, quarto 15.
Leve-o até lá, certo? Se não for pedir muito, explique como a academia funciona. Locais
essenciais, horários das aulas, etc.
— Com toda certeza, diretor Kyehll. — Ele se curvou e me puxou pelo braço, parecia
minha mãe quando me tirava da diretoria. Isso quando eu fazia alguma besteira nas
minhas antigas escolas.
Foi um pouco constrangedor, eu admito.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Não fique envergonhado por me ter segurando sua mão enquanto andamos. Fique
à vontade, ok? —, ele sorriu. — Isso é apenas um método de “espanto de mal olhado”, pois
aposto que você passou por um pequeno sufoco ao entrar nesse prédio com aquele homem,
estou errado?
— “Espanto de mau olhado” —, repeti — Todos os alunos recebem esse tipo de
tratamento dos seniores?
— Sinceramente falando? Essa é a primeira vez dentre alguns bons anos que vejo
isso. Você é um humano, pelo que sei. Seu cheiro atrai alguns, incomoda outros... você é
uma presa aqui dentro, por isso precisa de proteção. Não pelo fato de você ser fraco, mas
por conta de você ter uma grande energia, mesmo sendo um humano.
— O que quer dizer...?
— Quer dizer que você, sendo uma presa fácil para qualquer um, viraria um ponto
de extração de energia e talvez, poder. Eu mesmo acho que estaria sendo hipócrita se eu
não dissesse que me vem um certo receio de andar com você. — Ele desviou o olhar. —
Mas eu consigo me controlar bem.
— É... obrigado?
Ele riu.
— Não se preocupe pequeno, mesmo eu sendo um vampiro, eu não tenho intenção
ou vontade alguma de machucar ou fazer qualquer tipo de mal a você. Além de que, o
senhor Kyehll me mataria. — Disse ele entre uma risada forçada. — Bom, como o diretor
me pediu, eu devo explica-lo como funciona a academia. Vai ser algo bem longo e talvez
cansativo, já que não sou bom em resumos.
Admito que ele falou a verdade. Ele era horrível em resumir qualquer coisa e eu,
mesmo com alguma dúvida, me segurei. Pois sabia que ele iniciaria uma longa explicação
a cada vez que eu perguntasse algo a ele.
Ele me explicou os horários, que seguiriam por três aulas distintas sendo elas;
Treino físico, treino mental e treino espiritual.
No treino físico, eu aumentaria minha força e minha resistência, no mental, eu
apenas aprenderia a não ficar com medo dos “monstros” que enfrentaria no futuro, e a
resistir a ataques contra minha mente frágil de um garoto de doze anos. E por último, mas
nem um pouco desimportante, o treino espiritual, aulas onde se focariam em treinar minha
capacidade de controle da Mana, é eles chamam a nossa energia espiritual — coisa que
meu tio falou.
Terminando o tour com aquele vampiro veterano, eu fui deixado no meu quarto. E
eu posso dizer que foi um dia longo e cansativo. Tudo que eu queria era me deitar naquela
cama e tirar um belo cochilo até a hora do jantar. Mas eu ficava me perguntando, será que
dará certo eu ficar no meio de tantas criaturas? Será que ninguém me atacaria pelas costas
e causaria um bom tumulto? Minha mente trabalhava e trabalhava pensando em todas
aquelas coisas, que nem iriam acontecer na verdade... pensei tanto que eu me assustei ao
bateram na porta.
— Olááááá!? Alguém aí dentro!?
Era uma voz masculina jovial, provavelmente de outro aluno.
— Espere um pouco! Já irei abrir! —, gritei de volta.
Em uma sensação e preenchimento de coragem invadindo aquele pequeno corpo
que eu tinha, eu me levantei da cama e abri a porta do meu quarto. Não sabia o que poderia
acontecer, mas fui mesmo assim.
— Bem-vindo a academia, novato! —, exclamou um garoto da minha idade. — Eu
me chamo Robert d’ Tróia, sou o seu vizinho do quarto 14 e esses são: Kiros e Scott, dos
quartos 17 e 18 sucessivamente.
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O que disse ser Robert tinha castanhos escuros, num corte undercut. Tem a pele
branca. Kiros, o que estava à direita de Robert, tinha cabelos ralos e escuros e a sua pele
era parda. Scott por sua vez era moreno, cabelos cortados na máquina 2. Robert usava
uma camisa com as iniciais AG — significando: Academia Gaia —, Kiros e Scott por outro
lado, usavam apenas roupas de treino.
— O-olá. — Eu disse de forma tímida.
— Vão. Sejam educados pelo menos.
O da esquerda então estendeu sua mão e me cumprimentou.
— Olá, chamo-me Scott Lupim, como Robert disse antes. É um prazer conhece-lo,
humano.
Ao apertar sua mão, eu notei que ele possuía uma grande força. Fiquei assustado a
princípio, mas logo vi que não havia o que temer.
— Bom, nós estávamos indo para o ginásio. Eu estava com a ideia de te chamar,
mas pelo que estou vendo, Kiros não se acostumou com você ainda.
— Você quer levar o humano para o ginásio do campus e fazê-lo dele seu amigo?
Sátiros são bem amigáveis com os desconhecidos para o meu gosto... não que eu tenha
algo contra você humano, eu só não confio em nenhum estranho a princípio, apenas isso.
— Não, não... sem problemas. — Falei.
Seu olhar era mais que penetrante. Assustador, me dava um calafrio estranho na
espinha dorsal. Ele passava a ideia de ser um humano, mas eu tinha certeza de que ele
era algo mais.
— Então não tem problema chama-lo, certo? —, disse Robert a Kiros enquanto
cutucava o mesmo com seu cotovelo.
— Mantenha distância, sátiro. Não estou propenso a aturar suas gracinhas por
muito tempo.
— Tá bom, seu chato. Todos nós temos a mesma idade, mas você parece ser um
velho por conta dessa sua atitude mais que chata. — Robert então fechou a cara. — Venha
humano, vou te ensinar umas coisas básicas para se dar bem aqui.
— Eu não confiaria nele se fosse você. — Scott falou.
— Não manche minha imagem para o novato seu lobo de pequeno porte!
— Lobo...? —, indaguei confuso.
— Exato. Sou da classe dos licantropos. — Scott respondeu. — Lobisomens, se você
quiser entender pela linguagem usada por vocês, humanos.
— Não se preocupe com ele, essa beta não machucaria nem uma mosca.
— Esse beta está sendo treinado por mim e pela minha família, portanto, meça suas
palavras ao falar com ele. — Disse Kiros, que parecia zangado.
Seus olhos brilhavam em um vermelho claro, tinham passado do preto mais escuro
que a noite, para um tom escarlate. Bem bonito e impressionante se quer saber.
— Vamos embora, Scott. — Kiros então me fitou. — E humano, tenha muito cuidado
com esse sátiro. Não vá cair na lábia dele. É apenas um conselho.
— Ah, certo... obrigado por se preocupar.
Os dois saíram, e eu fiz mais uma ronda pelo campus com Robert. Ele me contou
inúmeras histórias sobre o que ele já tinha visto e o que não tinha visto nessa academia.
Realmente... do jeito que ele me contava aquelas histórias, eu sentia uma leve impressão
de que todas eram apenas mentiras. Vi que ele apenas estava tentando me impressionar,
coisa que eu admito que não é difícil. Mas daquele jeito? Estava ficando forçado. Parecia
que ele queria mesmo alguma coisa de mim. Mas eu não fazia ideia alguma do que poderia
ser. Então apenas especulava.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Bom, de qualquer forma, aquilo foi proveitoso. As histórias que ele contou — mesmo
que parecessem a mais grande mentira do mundo — estavam me divertindo. Não sei se é
por ele ser um sátiro, que por acaso... vocês sabem o que é um sátiro, certo? Criatura
metade humano... metade bode... sabem? Bom, se não sabiam — como eu também não
sabia até o próprio Robert me explicar —, agora vocês sabem.
Voltando. Não sei se é por ele ser um sátiro, mas a ênfase que ele coloca no jeito de
falar deixa tudo mais animado. Também podia ser o fato de naquela época eu só ter doze
anos — como a maioria dos alunos que vi até agora parece ter — e ser uma criança meio
mimada que gosta de rir.
Eu realmente já estava sentido como se aquele fosse mesmo o meu lugar. As pessoas
mesmo que fossem criaturas, eram acolhedoras, carismáticas, algumas sinistras, é claro,
mas nada de extrema maldade.
Pensava que se eu tivesse vindo para cá mais cedo minha mãe ainda estaria viva.
Todas aquelas pessoas estariam vivas... não, lamentar agora seria perda de tempo e falta
de respeito com os que morreram naquele incidente. Foi o que pensei na época. Será que
era um indicio de que eu estava amadurecendo? Talvez...
Robert me levou para a cafeteria, já era hora do jantar. Todos do campus se reuniam
naquele imenso salão, coloquem uma maior ênfase no imenso, onde garçons iam servindo
o jantar a todos. Forma que nunca tinha visto em outras escolas, mas se querem saber, é
realmente eficaz.
Nós estávamos sentados numa mesa feita de mármore com seu apoio feito de
carvalho, até que Scott, junto de Kiros e uma garota baixinha se aproximaram com suas
bandejas.
— Podemos sentar aqui? Humano. — Perguntou Scott. — Ah, qual o seu nome
mesmo? Chamar você de humano é cansativo, além de eu achar uma falta de respeito.
— Toya. E sim, podem se sentar aqui. — Falei olhando para Robert que devorava
seu sanduiche sem se importar com a presença dos que haviam chegado. — Aposto que
ele não se importará tanto.
O meu jantar era algo que minha mãe me mataria se soubesse que estaria comendo.
Um hambúrguer, um suco — de uma fruta que não conhecia — e um pudim? Acho que
aquilo era para ser um pudim.
— E então? Como foi o seu passei com o sátiro aí? —, Scott perguntou, em um tom
provocativo à Robert.
— Foi interessante. — Falei.
— Só interessante? —, deixando o seu sanduíche cair de volta na bandeja, Robert
perguntou. — Pensei que você tinha adorado as minhas histórias.
Coloquem uma maior ênfase nesse “adorado” dele. Eu peço.
— Suas estórias são interessantes. Mas não me parecem ser verdadeiras. Se você
continuar com esse ânimo todo quando for mais velho, você será um ótimo professor de
crianças do primário.
Scott e a garota riram. Kiros? Ele deu um breve sorriso de canto de boca, mas
mesmo tendo apenas doze anos, como eu, ele me parecia ser sério demais.
— Parem! Isso não teve graça! —, vociferou Robert em seu breve momento de fúria.
— Humano! Tenha mais respeito comigo, ou quebrarei sua cara da próxima vez...
— Não se preocupe Toya, ele não fará nenhum mal a você. — Disse Scott enquanto
comia a sua macarronada temperada e logo complementou. — Ah! Que falta de polidez da
minha parte... — Essa é Yue. É nossa companheira de equipe.
— Não me coloque como sua companheira. Eu apenas estou como ajudante
temporária, a pedido do sr. Ignus. — Disse Yue desviando o olhar. — Eu apenas aceitei
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
entrar nesse grupo por conta de me deixarem fazer uma breve pesquisa. Afinal, não é todo
dia que poderei ver um alfa em ação.
— Ai, ai... todos gamam nesse título de alfa do Kiros, sabe Toya? Isso mostra que
ele é forte? Sim, mostra. Mas é como o pai dele diz: As pessoas dependem e avaliam
erroneamente as pessoas pelos seus status, títulos honoráveis e prestígios, mas não se
levam em conta que essas tais pessoas podem não ser o que aparentam ser. — Scott falou,
com um breve suspiro.
Naquela época eu não tinha muito conhecimento sobre as mitologias e outros
gêneros da cultura sobre espíritos e criaturas místicas. Era um leigo, completo amador no
assunto. Iria aprender bastante convivendo com tais pessoas, mas isso tudo era apenas
uma questão de tempo.
Nós continuamos a comer. Scott continuou conversando comigo, e aparentemente
ele era o único “descontraído” dentre todos que estavam sentados à mesa. Robert havia
perdido o interesse em mim, já que ele pensava que eu era apenas um novato bobo que
cairia em suas conversações, coisa que foi exatamente ao contrário. Kiros conversava com
Yue, outra garota fechada, como ele. Mas pelo que vi, eles eram amigos. Logo, só restando
Scott mesmo para puxar algum assunto comigo.
Ele me fez perguntas de como era conviver com humanos praticamente todo o
tempo, se nós tínhamos algum tipo de habilidade especial, perguntou o motivo de nós
sempre estarmos em conflito com outros países do mundo, dentre várias outras coisas.
Era um questionamento atrás do outro, ele realmente parecia estar curioso a meu respeito.
Eu realmente estava entretido com as tais perguntas, estava tudo tranquilo e divertido
para mim.
Isso até que alguém tentou me matar.
— Abaixe-se! —, exclamou Kiros me puxando para frente.
Eu bati a cabeça no mármore e logo — quando Kiros me soltou — eu vi que ele
possuía uma faca em sua mão esquerda. Iniciou-se um furdunço, algumas garotas
começaram a gritar por conta da ação rápida de Kiros e imediatamente um inspetor chegou
para avaliar a situação.
— SILÊNCIO!!! —, o homem exclamou com sua voz de trovão e o salão inteiro se
acalmou. — Conte-me pequeno, o que aconteceste aqui?
— Esta faca foi jogada contra o garoto humano. Sorte que eu vi tal coisa acontecer
e o tirei do caminho. — Disse Kiros, entregando a faca ao senhor.
— Quem jogaste a faca?
— Não vi ao certo. Mas calculando a trajetória dela, eu presumo que tenha sido um
daqueles três ali. — Kiros apontou. — Mesa 7.
O homem desapareceu em forma de uma fumaça preta densa e antes que qualquer
pessoa pudesse mover um musculo, eu o vi ao lado das pessoas que Kiros havia apontado.
— Alunos da mesa 7, algum dos três tem algo a dizer?
Seu olhar era mais que sinistro, mesmo que ele estivesse com uma feição normal.
Todos no salão estavam paralisados, temendo algo.
— Nada? —, o senhor voltou a questionar.
O silêncio do saguão era absurdo, dando a mim mesmo, a chance de ouvir meus
próprios batimentos cardíacos, logo mostrando que os mesmos estavam aceleradíssimos.
— Ajeite-se na cadeira, respire e relaxe. — Disse Kiros. — Entendo como você deve
estar. Mas não se preocupe, eles não saíram impunes.
— O-obrigado... por... me salvar. — Balbuciei.
— Por nada, humano.
- 10 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
Essa seria uma das poucas vezes que eu veria sua gentileza. De forma mais que
humilde, o mesmo não se gabava, ficando quieto, me observando.
— Foi por pouco, garoto. — Disse Yue a mim. — Você realmente tem sorte de Kiros
estar sentado perto de você nesse momento.
— Sim... posso dizer que sim.
Os três garotos foram levados pelo homem que vira fumaça para a diretoria e nós
nos dirigimos para os dormitórios.
— Até amanhã, Toya. Se mantenha vivo até lá. — Scott falou e logo entrou em seu
quarto.
Robert me ignorou. Passou olhando feio para mim. Mas de forma inesperada, Kiros
veio até mim, isso antes que eu fechasse a porta de meu quarto e então puxou uma breve
conversa.
— Toya, certo?
— Vejo que lembrou do meu nome. — Falei. — Olha, eu realmente estou agradecido
pelo que você fez lá na cafeteria... se tiver algo que eu possa fazer para retribuir o favor,
me fale. Certo?
— Humanos realmente tem essa prática de pensar que devem algo a alguém por
conta de alguns certos tipos de atos, não é? —, disse Kiros com olhos curiosos. —
Normalmente eu não pediria nada em troca, mas guardarei isso para o futuro, caso eu
precise de algo.
— Certo.
— Tome. — Ele me entregou um telefone. — É coisa da academia. Eu me encontrei
com o diretor por acaso e ele me pediu para te entregar isso. Está conectado à rede do
campus, por isso você receberá mensagens de avisos da diretoria hora ou outra. Scott fez
a você o favor de registrar o número de todos aí, ele disse que você pode mandar uma
mensagem de texto para ele, isso se precisar de algo.
— Ah, valeu.
— Até amanhã, humano.
— Até...
Eu entrei em meu quarto e fechei a porta. Deitei-me naquela cama completamente
bagunçada com minhas coisas — que haviam sido trazidas por Tito sem que eu mesmo
soubesse — e logo caí no sono. Amanhã seria um dia puxado, mas claro, eu já esperava
que fosse assim.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
III
— Ei, Toya! —, exclamou Scott. — Acorda cara!
— Ãnh... só mais cinco minutinhos... —, balbuciei me revirando na cama.
— Toya! —, exclamou novamente e voltou seu olhar para Kiros. — Ei Kiros! O que
eu faço? Não pensava que humanos dormiam tanto!
— Jogue água em seu rosto. Ele deve levantará assustado.
— Hehehe. Você é bem mal, sabe? —, disse Scott enchendo um copo d’água e logo
jogando contra meu rosto.
Só lembro de ter acordado assustado, com um grito.
— Por que fizeram isso!? —, exclamei.
— Você não iria acordar de outra forma. Vocês humanos dormem bastante, não é
mesmo? —, disse Scott.
Dei um suspiro.
— Oito horas por dia, é um tempo relativamente bom para fazer nossos corpos
crescerem. — Falei.
Scott deu de ombros.
— Bom, seu sono não foi interrompido por nada. Explique tudo a ele, Kiros — disse
Scott. — Eu não sou bom com resumos.
— Preste atenção, Toya. Nós, alunos dessa academia/acampamento de verão,
fazemos missões dadas pelo conselho de caçadores da região. É meio que um acordo que
a academia fez para que nós mitos, ficássemos a salvo. Mas em troca, nós teríamos que
cumprir algumas missões que fossem requisitadas ao longo do tempo.
— Entendo. Mas o que isso tudo tem haver? —, indaguei.
— Achei que fosse óbvio. — Disse Scott. — Você foi requisitado. A organização quer
testar você e o mandaram para uma missão em grupo.
— O diretor Kyehll, estando preocupado com você, escolheu Scott e a mim como
seus guarda-costas/membros de equipe. — Disse Kiros. — Como é sua primeira missão,
eu esperava que você fosse mandado para ir sozinho. Mas incrivelmente você foi
requisitado para uma missão de ranking B. O terceiro nível mais alto.
— Espera... eu acabei de chegar nessa academia e já irei fazer uma missão de alto
nível!? —, exclamei. — Isso deve ser um engano deles, não? Diga-me que é...
— Eles nunca se enganam. Tudo é extremamente calculado e com um propósito
aparente, que praticamente nunca é dito. Mas não se preocupe, a missão pode ser desse
nível, mas ela não parece ser difícil. — Kiros falou, tentando me acalmar. — É uma missão
de entrega, de forma bem resumida. Você pegará algo em algum lugar e entregará para
outra pessoa, em outro lugar.
— É, realmente parece simples. — Falei.
— Pode parecer simples. Mas só pelo fato do diretor ter nos mandados juntos é
porque ele teme algo — Scott falou — portanto, não devemos abaixar a guarda em nenhum
momento nessa missão. Por mais simples que ela pareça ser.
— Certo. Eu entendi.
— Bom, vamos passar nós iremos passar no arsenal da academia. Os equipamentos
necessários para essa missão serão dados lá. — Kiros falou.
Ao chegarmos no arsenal do campus, eu avistei aquela mesma garota baixinha de
ontem; Yue. Ela segurava algo em sua mão direita, era um item bem pequeno, por isso
não consegui ver o que era.
— Yue? — Kiros parecia surpreso — O que faz aqui?
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Sabia que vocês viriam para cá. — Disse Yue. — Vim desejar boa sorte.
— Que gentileza de sua parte. — Disse Scott num tom irônico.
— Não para você, idiota. Eu vim desejar sorte para o Kiros e trazer um item para o
humano.
— Um item? —, Kiros indagou curioso.
— Uma kuda-gitsune. Significa: Raposa no tubo, em japonês. Minha mãe me deu
isso, mas eu nunca tive chance de usa-la. Acho que será mais útil em sua mão, humano.
Espero que lhe sirva de algo. — Ela estendeu a mão, entregando um colar com um pequeno
tubo de bambu preso nele. — Deixe-o amarrado ao seu pescoço a todo o momento, não o
tire para nada até você voltar para a academia. Entendeu?
Assenti.
— Obrigado.
Sem ao menos eu ou Scott percebermos, Kiros pegara os itens necessários para
aquela missão. E ele vestia agora uma luva com partes de metal, na parte das juntas dos
dedos, como se fosse um soco inglês embutido a sua luva.
— Scott, você levará isso. — Kiros entregou uma mochila a ele. — Toya, já que você
não sabe usar nenhum tipo de arma, eu não tenho nada para lhe entregar. Mas você tem
o item que Yue te deu, então não terá problema algum você ficar de mãos vazias.
— O que tem aqui dentro Kiros? —, indagou Scott.
— Ervas medicinais, bandagens, entre outras coisas que nos ajudaram e muito. —
Disse Kiros. — Bom, isso é tudo. Partiremos agora mesmo.
Nós saímos, seguindo para o portão principal que continuava sendo guardado por
Heimdall. Ao me ver, ele imediatamente lançou uma pergunta:
— Só se passou um dia e já está sendo mandado para uma missão? Qual é o ranking
dela?
— É uma missão nível B. — Kiros respondeu por mim. — E sim, Heimdall, nós
teremos cuidado.
Ele deu uma enorme gargalhada.
— Prevendo minhas perguntas como sempre, não é, pequeno Kiros? —, ele deu um
breve suspiro e complementou. — Tome conta do humano. Certo?
— É o meu trabalho aqui.
— Ei! Esse também é o meu trabalho, não me exclua dessa. — Disse Scott.
Heimdall abriu o portão e deu sua costumeira saudação de boa sorte para nós, e
logo saímos seguindo em direção do sul.
A academia em si, é localizada ao norte do continente, o único caminho para se
chegar lá é por uma autoestrada. Coisa de duas ou mais horas de viagem, isso se a pessoa
for de carro. Bom, eu acho que a única maneira — viável é claro — de se chegar lá é de
carro. Isso por conta que não existem pontos de ônibus pelo local. O outro método é por
avião, a academia em si possuí dois aeroportos, bom, possuí só a pista de pouso para falar
a verdade.
Nós andamos — a pé — até chegarmos em uma pequena cidade. Lá existia um
centro de caçadores, local que seria nossa primeira parada. Era onde iríamos receber o tal
item a ser entregue.
— Enfim chegamos... —, suspirou Scott. — Essa é a quinta vez que venho para cá
e esse cheiro nunca muda.
— Cheiro? —, indaguei. — Eu não estou sentindo nada.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Foi mal. Esqueci que você é um humano e seu olfato não é como o nosso.
— É... Eu esqueci que vocês são lobisomens.
— Licantropos. — Disse Kiros me corrigindo. — Esse termo “lobisomem” é chulo.
Não tem honra. Tente não o usar mais.
— Ah... foi mal. Tentarei me lembrar disso.
Eu me sentei num sofá que tinha ali naquela recepção. Scott, por algum motivo,
olhava os quadros que tinham na parede pintada com uma cor que eu mesmo não sabia
distinguir direito. Aquilo era vinho ou bordô? Não faço a mínima ideia. Kiros chamou por
alguém, eu não ouvi o nome da pessoa que ele chamara, pois não estava prestando tanta
atenção ne tal coisa, mas logo um homem vestindo um terno risca giz preto, veio atende-
lo.
— Ora, ora. Se não é um dos Lucian. — Disse o homem.
O homem tinha a barba por fazer, pele branca, olhos acinzentados e uma aura
indiscernível. Não pude descobrir se o mesmo era do mal ou não.
— Chame-me pelo nome, Udra. Mostre respeito.
— Que irônico, um moleque de doze anos pedindo respeito.
Seu olhar era sinistro, coisa que já estava começando a se tornar comum em meu
dia a dia. Mas admito, aquele olhar mesmo sendo assustador, não passava uma sensação
ruim. Muito pelo contrário. Mostrava confiança, um pouco de desrespeito e por fim,
imponência, bastante imponência. Não no modo arrogante da palavra, mas de modo
marcante.
— Bom, o que os três jovens procuram ou desejam? —, disse Udra.
— Onde está Ruvia? —, indagou Kiros a Udra. — Eu gostaria de falar com ela.
— Saiu agora a pouco. — Disse em um falso sorriso. — Vocês podem esperar aqui
até ela chegar, mas eu já deixo meu aviso. Ela vai demorar.
Essa última sentença veio com um pouco mais assustadora que o jeito normal de
falar daquele homem. Parecendo até o sibilar de uma serpente.
— Vá se acostumando com isso Toya. Esse ser é realmente mordaz. — Kiros
suspirou tentando manter a calma.
— Mor... o quê? —, perguntei a Kiros, confuso.
— Mordaz. — Repetiu Kiros. — Por acaso não sabe o que significa isso?
— Significa irritante, sarcástico, irônico. Eu realmente acho que ele faz a colocação
dessa palavra de modo que me chame de insuportável, algo que eu aprecio de todo o meu
coração. — Disse Udra em outro de seus falsos sorrisos.
Eu realmente não sabia se aquele cara era uma pessoa completamente imune a
insultos e os usa como sua própria arma.
— Voltando ao assunto principal. — Kiros parecia sério. — Se ela saiu eu irei
resolver com você mesmo.
— Fale. — Disse Udra.
Kiros mostrou um papel amassado para Udra, que depois de lê-lo virou-se e foi até
uma sala que ficava aos fundos. Minutos depois ele retornou com um saco bege amarrado
com uma corda preta. Estava tão empoeirado que ao deixa-lo cair na bancada, ele soltou
bastante pó.
— É isso? —, disse Scott, indignado.
— Isso...? —, indaguei. — Ah... isso é o que iremos entregar, certo?
— Correto —, respondeu Kiros. — Localização? —, ele fitou Udra.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Curtindo o show? —, perguntou Scott a mim. — É bem raro ver ele usando sua
arte marcial, isso contra um humano.
— Arte marcial? —, perguntei.
— Muay Thai, para ser mais especifico. Arte das oito armas. Sendo elas; Punhos,
cotovelos, joelhos e pernas.
— Mas você só disse quatro.
— Nós temos dois de cada, esqueceu? —, disse Scott. — Bem, isso deve acabar em
um instante. Kiros deve estar analisando o garoto, tentando descobrir que tipo de criatura
ele é.
— Você não tinha dito agora a pouco que ele é um humano?
— Eu ainda suspeito que ele seja uma criatura. Humanos não tem super-força,
tem? —, antes mesmo que eu pudesse responder ele complementou. — Kiros não perderia
seu tempo lutando com um humano. Isso eu posso afirmar.
— Aham.
Os dois continuavam trocando socos, um com técnica e classe enquanto o outro o
fazia de forma desesperada. Posso dizer que o garoto parecia um animal brigando, sempre
agindo por instinto, sem temer pela perda de sua própria vida.
— De agora em diante sempre será assim, certo? —, indaguei.
— Assim como? —, Scott retrucou a pergunta.
— Lutas, monstros, eu dependendo dos outros...
— Você sempre poderá aprender a se defender naquela academia, como a maioria
das pessoas lá passam o dia inteiro no ginásio treinando, você acharia facilmente alguém
que o treinasse. Mas eu não acho que você fosse parar de depender dos outros, só porque
aprendeu a lutar.
— Por que não?
— Eu posso considerar você como um amigo, um parceiro talvez, já que nós nos
conhecemos a pouco tempo. Mas amigos ou até mesmo parceiros dependem uns dos
outros, certo? Eu mesmo admito que dependo muito do Kiros, e eu aposto que ele dependa
de mim também. Portanto, não se acanhe. Dependa de nós humano, aceite que alguém
será mais forte que você em algum momento e então se utilize de algo que eu realmente
não costumava ter até conhecer o Kiros.
— E o que é? —, indaguei de forma curiosa.
— Amizade. Eu não tinha amigos, nascer como um beta é triste se ninguém te aceita
como seguidor. Minha vida era dura até eu conhecer a família de Kiros, ela me acolheu
como um filho adotado e Kiros virou meu guardião e eu o seu protegido.
Aquelas palavras realmente tinham me tocado naquele momento, tanto que eu tinha
esquecido que Kiros havia entrado numa batalha. Eu voltei meu olhar para os dois que
estavam brigando, e o garoto — mais que ofegante — tinha se afastado de Kiros e com os
braços apontando para o chão, o mesmo começou a gritar. Kiros se pôs em guarda,
esperando por algo. Mas tudo parou. Tudo foi interrompido ao vemos uma sombra saindo
daquela pequena casa...
Era o tal mestre ancião.
— Que barulheira toda é essa? —, sua voz era serena, mas bastante rouca por conta
da idade.
Ele tinha uma barba branca, era careca. Estava usando um pijama listrado e coçava
os olhos como qualquer um que acabara de acordar de seu sono.
O garoto se curvou e começou a explicar.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Certo, certo... não se preocupe. — Disse o mestre ancião. — Certo, jovens. O que
os trazem aqui em minha montanha?
— Viemos aqui por conta de uma entrega. — Disse Scott. — Você pediu por isso
aqui, certo?
— Vejo que o serviço de entrega de vocês é realmente bom. Mas não sabia que
existiam jovens garotos naquela academia.
— Muitas coisas mudaram. — Disse Kiros. — Mas aí está o que o senhor pediu.
Scott entregou o saco bege para o mestre ancião, que logo o abriu para checar o que
tinha dentro. Ele enfiou a mão e logo retirou uma... jujuba.
— Essas são realmente boas. — Disse o mestre ancião comendo uma em seguida
da outra.
— Espera... nós viemos até uma montanha para entregar JUJUBAS para você!? —,
exclamou Scott. — Mas que falta do que fazer... que falta do que fazer!
— Acalme-se Scott. Trabalho é trabalho. — Coisa que eu não entendo é o motivo
dessa missão ser classificada como uma de rank B. — Disse Kiros.
— Ah, isso? —, disse o mestre ancião depois de comer mais uma jujuba. — Dois
breves motivos. O primeiro é por conta de meu aprendiz aqui. Se ele tivesse terminado sua
transformação, vocês teriam sido seriamente machucados. Mas por sorte eu acordei ao
ouvi-lo gritar.
— E a segunda coisa? —, indaguei.
— A segunda missão de vocês. Isso claro, se vocês quiserem a recompensa final. E
antes que perguntem o que ela é, eu já digo que é segredo.
— Qual seria essa segunda missão? —, indagou Scott. — Entregar balas de menta!?
— Não. — O olhar do mestre ancião ficou sério. — Quero que me tragam a cabeça
de alguém.
— Como!? —, exclamei assustado com o pedido. — Nós... nós podemos fazer esse
tipo de coisa!? —, eu fitei Kiros.
— Se foi confirmado pela academia, sim, nós podemos. — Kiros parecia surpreso
com o pedido. — De quem, exatamente?
— Uma das três górgonas. Medusa, é a que me refiro. — O mestre ancião voltou seu
olhar para o chão e continuou. — Ela matou o meu filho, transformando-o em pedra, como
sempre faz. Teria sido eu, mas ele entrou em minha frente, dando-me a chance de correr.
Eu a mataria se não fosse tão velho.
— Por que não manda seu aprendiz no seu lugar? —, disse Scott ao mestre ancião.
— Eu não a venceria. Minha arte se resume em atacar sem me importar com a
defesa, e ao me transformar eu perco toda minha capacidade de raciocínio, coisa que me
levaria a olhar para ela, me levando a derrota. — Disse o garoto. — E me desculpem pela
grosseria antes mostrada por mim. É que quase ninguém vem para cá nessa montanha.
Pensei que fossem invasores.
— Não se preocupe em dar explicações, já tinha notado que tinha seus próprios
motivos. — Disse Kiros. — Bom, em questão da missão. Nós devemos aceita-la.
— Eu agradeço. — Disse o mestre ancião. — A gruta dela não fica tão distante daqui,
mostrarei ao seu líder como chegar lá. Vocês precisam atravessar um bosque para
chegarem lá, o fim dele dá em direção a uma montanha, onde fica a gruta de Medusa.
Nós então partimos, descendo novamente aquela montanha e por algum motivo,
nenhum monstro nos atacou.
O bosque possuía árvores enormes, tendo três metros a menor delas. Esquilos,
coelhos e outros inúmeros animais fofinhos brincavam ao redor de uma pedra rodeada de
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
flores, coisa que parecia um monumento, mas por conta de estar num bosque eu resumi
que tinha sido apenas coincidência aquilo estar tão arrumado.
Mas não foi só aquilo que me chamou atenção. Além das arvores enormes e daquela
pedra toda ornamentada, algumas árvores tinha seus frutos de cores engraçadas.
— Ei! O que são aquelas árvores ali? —, comentei.
— O que tem elas? —, perguntou Scott, tentando entender meu ponto.
— Como assim: o que tem elas? —, falei. — Ela possui frutos de cores diferentes,
ora! Que tipo de árvore possui frutos azuis e amarelos no mesmo galho!? Na verdade... que
árvore possuí frutos azuis!?
— É só uma macieira, como qualquer outra. — Disse Kiros. — Aquela árvore possui
seus frutos de tais colorações por conta das ninfas que habitam esse bosque. Eu já visitei
esse bosque antes, com meu tio. Ele me ensinou a respeito das tais ninfas.
— É... — Antes que eu falasse algo, Scott me interrompeu.
— Mas para você, um completo desinformado sobre a nobre história da mitologia
grega. Eu explicarei o que são ninfas.
Senti-me obrigado de dizer: Obrigado cara, como você é gentil. Mas a vontade de
fazer isso passou rapidamente.
— As ninfas são espíritos naturais femininos. Sempre estão ligadas a um local ou
objeto pertencente a natureza. — Disse Scott. — Elas são frequentemente alvo da luxúria
dos sátiros. E simplificando suas respectivas aparências: Elas são fadas sem asas, leves e
delicadas. São a personificação da natureza, tendo várias classes.
— Entendo. Mas elas têm tanto poder assim? Digo, elas conseguem modificar
geneticamente as macieiras... é uma coisa inacreditável para qualquer cientista renomado!
—, eu disse com um brilho nos olhos.
— Cientistas são inimigos da natureza. — Disse uma voz feminina doce e suave. —
Só fazem o mal para o que protegemos. Mas nem em um milhão de anos eles conseguiriam
fazer o que nós podemos fazer.
Eu olhei para cima. Vi uma linda garota que vestia um manto completamente
branco, feito de cetim. Ela tinha longos cabelos cacheados de cor dourada que batiam em
sua cintura. Olhos de cor azul-esverdeada, que lembravam bem o mar por conta da
profundidade que os mesmos apresentavam.
— Olá novamente, pequeno Lucian. — Disse ela. — Quem são esses? Companheiros
de equipe, talvez?
— Scott e Toya. — Kiros nos apresentou. — Sim, são meus companheiros de equipe.
Ela pulou da árvore e caiu de forma triunfal em minha frente. Andou ao meu redor,
me analisando e logo deduziu:
— Um humano?
— Bons olhos como sempre, Alexis. — Disse Kiros.
— Amiga sua? —, Scott perguntou a Kiros.
— Ele não me considera muito, mas sim, somos amigos. — Disse Alexis entre
pequenas trocas de olhares com Kiros.
— Nós nos conhecemos quando pequenos, meu pai simpatizava com a deusa que
treinava ela, por isso, eu virei uma pessoa que fazia companhia a ela nas horas vagas.
Somente isso.
— Seu chato. — Ela se aproximou de mim e então fofocou. — Ele me tratava como
irmã mais velha, sabe? Mesmo que nós só tenhamos um ano de diferença, e mesmo ele
sendo um licantropo e eu uma ninfa, nós nos considerávamos tanto quanto irmãos de
sangue.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Que meloso. Não é mesmo Toya? —, Scott falou olhando para Kiros, isso
enquanto segurava o riso.
— Achei bem bonitinho. — Falei. — Mas... Kiros disse que você era treinada por
uma deusa? Como assim?
— É verdade... vocês humanos não devem entender muito essa parte. Mas eu
explico. — Disse Kiros. — Existem vários deuses por aí fora. Sendo eles da mitologia Grega,
romana, xintoísta, nórdica etc. Aqui na América do Norte, quem comandam são os deuses
do Olimpo, da mitologia Grega. E a deusa que treinou Alexis faz parte disso.
Kiros então foi interrompido, e Alexis falou:
— Minha querida e adorável, Ártemis. Deusa da caça, da lua e da vida selvagem...
tudo a ver com uma ninfa como eu. Entende? —, disse ela com os olhos cheios de paixão.
— Ela era realmente adorável. Cuidava de mim como se eu fosse uma filha, tenho certeza
de que ela daria uma excelente mãe.
— Tenho certeza de que Yue estaria vomitando agora. — Comentou Scott. — Kiros
nós devemos prosseguir com nossa missão, lembra?
— Tem razão. — Kiros suspirou. — Olhe Alexis, foi realmente bom te reencontrar.
Admito que tivemos ótimos momentos juntos, mas agora eu tenho que continuar seguindo
por essa floresta.
— Vocês sabem que essa floresta dá direto para uma montanha, é um beco sem fim,
não sabem? —, indagou Alexis. — Todos que entram aqui, ou procuram minhas frutas
personalizadas, ou estão perdidos, ou...
— Estão atrás da górgona mortal. — Disse Kiros.
— Mortal? —, indaguei. — Todas são monstros, certo?
— Na história, as três górgonas eram irmãs, seres imortais. Mas alguns contam que
a terceira, a senhorita Medusa, era filha de outra pessoa, um ser mortal. — Disse Scott.
— Resumindo, as outras duas são seres imortais, mas ela é mortal, somente ela.
— Por isso que mandaram a gente vir para cá. Pois temos chance contra ela. —
Disse Kiros. — Ela é a mais fraca, porém a mais sagaz. Devemos ir com calma.
O colar dado por Yue tremeu. Ele tremeu todas as vezes que a palavra Medusa era
citada na conversa... eu realmente acho que o Tito disse é verdade. Nomes têm poder, e
muito dele.
Nós cessamos a conversa e logo estávamos passeando por aquele bosque, indo em
direção a maior catástrofe que poderia acontecer naquele dia. É, vocês não entenderam
errado. Atravessamos um arco feito de vinhas e muitos, mas muitos espinhos. Quase
prendi meu cabelo lá, mas por sorte, meus mínimos reflexos me ajudaram. Bom, era isso
o que eu gostaria de dizer, mas a verdade é que o Kiros me puxou antes que eu pudesse
me bater contra uma parede de espinhos que eu mesmo não tinha notado. Acho que
preciso de óculos, sabem?
— Ei olhem! —, exclamou Scott enquanto apontava para o lago que tinha ali perto.
É, esqueci de mencionar, ela veio com a gente.
— O que foi Scott!? —, Alexis gritou surpresa.
— Náiades. Três delas para ser exato.
— Alguém irá me explicar essa parte? —, e eu sendo um leigo, ataco novamente.
— Você precisa estudar mais, humano. Não conhecer minhas parentes é um pouco
desrespeitoso. — Disse Alexis.
— Caramba! Eu não sei absolutamente nada sobre mitologia ou sobre qualquer coisa
que vocês estejam falando. Eu já disse, humanos não precisam saber sobre esse tipo de
coisa, eles também não acreditam em todos esses deuses que vocês citam hora ou outra.
— Eu então suspirei. — Olhem... eu não conheço absolutamente nada, pois não convivia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
com esse tipo de coisa até então. Tenham paciência comigo. E com minhas perguntas
também.
— Hehehe. Toya ficou barriado. — Scott apenas riu, coisa que atraiu a atenção das
náiades.
Suas aparências eram bem semelhantes umas com as outras, todas de pele branca
como a neve e olhos azuis como aquela água em que descansavam. Mas, a da esquerda
possuía cabelos lisos e de cor castanho claro. A do meio tinha cabelos cacheados, como
Alexis, mas estes eram ruivos, não como os meus, mas sim vermelhos. E por último a da
direita, que tinha um cabelo preto bem curto.
— O que é tão engraçado? —, perguntou a náiade que estava no meio.
— Não é nada, Myra. — Disse Alexis.
— Quem são? —, indagou Kiros a Alexis.
— Tina, Myra e Nina. As três náiades do bosque de Ártemis. — Disse Alexis. — Não
se misturem com elas, continuemos nosso caminho. Certo?
Por um momento eu ouvi sua voz ficar muito assustadora. E já dizia minha mãe:
Você pode muito bem lidar com homens irritados. Mas mulheres irritadas? Apenas desculpe-
se e corra. Ok?
— Olhem, eu gostaria muito de ficar aqui e conversar. Mas nós estamos em uma
missão muito, mas muito importante. E temos um prazo para terminarmos ela... por isso
nós estamos indo agora. — Falei, puxando Alexis pela mão. — Desculpem-me por isso!
— Ei! Me solta! —, gritou Alexis.
Mas eu olhei para trás e cochichei.
— Só estou evitando um bate-boca mais que idiota que você não quer se meter,
certo?
Ela se acalmou, e nós seguimos caminho. Logo ao perceber que estávamos longe
daquelas três náiades, eu parei e me virei, perguntando.
— Que tipo de ódio você tem por elas? Mesmo você dizendo que elas são parentes
suas?
— Não é ódio pelas três, mas pela Myra. — Disse Alexis com a cabeça baixa.
— A ruiva? —, indagou Scott a Alexis. — Ela realmente parecia arrogante.
— Sim, essa mesma. — Alexis então olhou para mim. — É... pode soltar minha mão
agora? Eu não vou voltar lá para brigar com elas, eu juro.
Eu olhei para baixo, e vi que ainda estava segurando a mão dela, por todo esse
tempo de caminhada. Soltei imediatamente, e meu rosto ficou mais vermelho que um
tomate.
— Ah... é... me desculpe! Eu realmente não percebi que ainda estava segurando sua
mão... e aquilo tudo lá... foi só impulso...
Ela tocou meu ombro e deu uma breve risada.
— Gosto da inocência dos humanos. — Disse ela. — Não precisa ficar envergonhado,
eu entendi sua intenção, Toya.
Eu me acalmei um pouco e minha pele começou a voltar com sua coloração normal
aos poucos. Logo voltamos a caminhar e Scott, em sua posição normal de um palhaço
falou.
— Bom, agora que temos esse garanhão no grupo eu tenho que tomar cuidado.
Dessa forma se eu quiser ficar com alguma garota eu terei que deixar ele bem longe.
— Não fala isso! —, voltei a ficar vermelho. — E-eu não sou garanhão nenhum!
— Eu discordaria disso. — Disse Kiros.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Até você!?
Todos riram. Foi um ótimo quebra clima... eu admito.
... ... ... ... ...
Enfim chegamos na gruta de Medusa. O cheiro que saída de lá de dentro não fedia,
mas pelo contrário, cheirava muito bem. Cheirava a lírios do campo, lavanda e rosas, tudo
misturado, mas de uma forma que não ficasse um cheiro enjoativo. Nós adentramos a
gruta dela, com o máximo de cautela que poderíamos ter. Kiros havia dito para Scott
verificar a mochila antes de entrarmos e então usar os itens que estavam dentro dela só
se acontecesse uma tragédia muito grande.
Nós andamos até que chegamos ao final da gruta. Tinha uma “casa” extremamente
arrumada e cheirosa. O cheiro se intensificava ali dentro, coisa que pelo que Scott disse,
estava deixando o nariz de lobo dele agitado e confuso.
— É uma bela artimanha. — Disse Kiros.
— O quê? —, indaguei.
— Encobrir a gruta com todo esse cheiro. Minhas narinas estão mais que confusas...
isso é um método de proteção dela.
— Na verdade, eu apenas gosto do cheiro. Rapazinho. — Eu queria olhar para trás,
mas Kiros nos tinha avisado para não fazer isso de jeito nenhum. A voz era feminina, doce
e com um sentimento triste ao fundo. Isso tudo com alguns chiados de cobras ao fundo.
— O que quatro crianças fazem aqui em minha casa? Vieram provar de meus doces?
—, indagou Medusa. — Eu não fiz nenhuma remessa dessa vez. Vocês deram um pouco
de azar...
Ela parecia ser gentil, mas eu continuava esperando Kiros fazer algo, e não ousei
me virar hora alguma.
— Scott... — Kiros deu o sinal.
Scott lançou uma bomba de fumaça contra a Medusa, fazendo-a gritar por conta de
a fumaça ter uma substancia lacrimejante. Kiros e ele partiram para cima dela, e a
atacaram em meio àquela fumaça toda. Nem eu, nem Alexis conseguíamos ver nada. Só
vagas silhuetas em meio àquela confusão generalizada.
— E-ela... — Scott deu um gemido de dor — me pegou...
Pela silhueta, eu só vi que ela o tinha levantado. Mas deu para entender o que ela
fazia. Estava estrangulando ele com suas próprias mãos.
— Pensei que seriam tolos e que cairiam em minha armadilha. Terei que mudar
meus métodos ao término dessa batalha insignificante.
A fumaça se foi e a única coisa que vi foi Kiros chutando ela na dobra do joelho
direito, fazendo-a cair no chão, jogando Scott para longe.
— ARRRRGH! —, sibilou Medusa junto de suas cobras que fizeram um coro.
Nós não olhávamos diretamente para ela, mas usávamos um grande espelho que
tinha ali perto para nos mantermos ligados na luta. E uma coisa me surpreendeu. Kiros,
que além de lutar sozinho, estava fazendo tal coisa de olhos fechados.
— Está vendo o mesmo que eu? —, indaguei a Alexis.
— Ele sempre mostra um jeito de me surpreender. Mas dessa vez ele se superou. —
Disse ela. — Olhos fechados? Isso é demais.
— Não sei como ele faz isso, pois eu mesmo não estava conseguindo me guiar pelo
cheiro. — Scott então cuspiu um pouco de sangue. E imediatamente Alexis colocou suas
mãos sobre o peito dele, emanando uma aura esverdeada. — O-obrigado Alexis.
— De nada.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
IV
Disparamos para fora daquela gruta. Não havia nada que pudesse ser feito naquele
momento a não ser correr de volta para a montanha do mestre ancião. A pele de Kiros
queimava, dava para sentir a sua dor por conta de cada grito que ele soltava. Era
agonizante, e para piorar, eu tinha feito aquilo.
Mesmo que Kiros tivesse me ordenado para fazer tal coisa, eu continuava com o
sentimento de culpa agarrado a minha mente. Admito que não havia ideia do que tinha
acontecido. Pois, um frasco quebrou, um liquido saiu e Kiros começou a queimar junto da
Medusa, que desapareceu mais que rapidamente. Lembro de ter escutado Alexis comentar
sobre água-alguma coisa, mas não ouvi direito o que ela disse.
Nós atravessamos todo o bosque de novo. Passamos pelo rio das náiades, pelas
macieiras de frutos de cores estranhas e então chegamos na entrada dele. Scott logo falou:
— Alexis! Você pode sair desse bosque?
— Poder eu posso. Mas isso significa que eu nunca mais poderei vir para cá
novamente. — Alexis respondeu.
— Então fique aqui. Não precisa fazer tanto por nós... —, Scott suspirou. — Kiros?
Ainda está consciente?
Kiros apenas gemeu de dor.
— Ótimo? —, suspirou Scott. — Ruja, por favor... levarei você e Toya com mais
rapidez se transformado em lobo. Sei que é contra as regras da academia se transformar,
mas isso é uma emergência. Por isso, ruja...
Kiros abriu os olhos e forçando-se para não gritar de dor, ele deu um grunhido junto
de um uivado. E finalmente rugiu. Scott entrou imediatamente em uma metamorfose
branca, quebrando uma barreira mágica e logo mostrando sua verdadeira forma.
Ele em sua forma de lobo, media praticamente dois metros de altura, isso se ele se
pusesse em suas duas patas traseiras. Sua pelagem era branca como a neve, diferente de
sua coloração de pele. Seus olhos tinham mudado de castanho escuro para dourado e
agora exalavam determinação e força.
— ROAR! —, Scott rugiu e eu caí no chão assustado.
— Ele disse para você ajudar Kiros a subir em suas costas. E para você subir
também. — Disse Alexis.
— Como entende ele? —, indaguei.
— Qualquer espírito ligado a natureza é capaz de compreender os licantropos
quando estão em sua forma de lobo. Mas essa explicação fica para mais tarde, apresse-se
e coloque Kiros nas costas de Scott, eu irei ajuda-lo.
Nós levantamos Kiros e ele agarrou a pelagem de Scott que rugiu. Eu estava receoso,
mas não tinha tempo para fazer escolhas. Subi nas costas dele e agarrei firme em sua
pelagem, que por sinal, era macia e sedosa. Todo lobo seria assim? Lembro de ter batido
essa curiosidade na hora.
Nós corremos a sei lá quantos quilômetros por hora, só sei que foi bastante rápido.
Subimos a montanha em alguns longos pulos que Scott deu, e ao chegarmos lá, vimos o
mestre ancião sentado num toco de madeira junto do garoto.
— ROAR! —, Scott rugiu e o garoto ficou em guarda, mas logo relaxou, pela ordem
de seu instrutor.
— Vejo que conseguiram fazer o que pedi... sinto o cheiro o odor dela em vocês. E
sinto também o cheiro de seu sangue nesse rapaz. — Disse o mestre ancião. — Ah, e bela
transformação, filho.
Eu desci das costas de Scott e o garoto me ajudou a descer Kiros de lá.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Cara...
Kiros deu um longo suspiro.
— O que foi Kiros? —, indaguei.
— Isso foi incrível para sua primeira missão, humano. Lutar contra a Medusa não
foi algo fácil, mas foi gratificante. Mesmo que eu tenha saído nesse estado.
— Foi por minha culpa que isso aconteceu... —, eu abaixei a cabeça.
— Errado!
Assustei-me.
— Se você não tivesse jogado aquilo contra nós dois, eu poderia estar morto agora.
Você, Toya, você salvou todos nós. Você matou a Medusa. Mesmo nós tendo falhado a
missão, você matou ela. Isso é bom para sua reputação.
— Para a nossa. — Corrigi. — Não quero levar o mérito sozinho. Não suporto em
acreditar nessa coisa de que eu fiz isso sozinho, pois se você não tivesse brigado com ela
de olhos fechados, para variar, ela poderia ter matado todos nós.
Ele ficou boquiaberto. Eu também deveria ter ficado. Aquela tinha sido a primeira
vez que eu tinha ficado completamente sério...
— Nós iremos voltar para a academia agora, certo? —, indaguei.
— Sim, iremos. Mas antes passaremos na base dos caçadores, confirmar a
realização da missão.
— Certo.
— Mas antes... — Kiros puxou ar para seus pulmões e logo rugiu.
— Enfim... —, disse Scott. — Pensei que me deixaria assim até chegarmos na
academia.
— Nós infligimos uma das regras da academia. Mas eu não seria mal o suficiente a
ponto de deixar você transformado para então levar uma bronca dos nossos instrutores.
Bom, vamos indo. Nós temos um bom caminho de volta para percorremos.
... ... ... ... ...
Nós então voltamos para a sede dos caçadores e confirmamos o término da missão.
Ganhamos alguns pontos de reputação por termos matado a Medusa e logo começamos a
andar de volta para a academia. Mas algo nos parou no meio do caminho.
— EIIIII! —, gritou uma voz familiar.
— Alexis? —, indagou Kiros. — O que você está fazendo aqui!?
— Decidi vir com vocês.
— Mas você não disse que não podia sair daquele bosque? —, indaguei.
— Eu pedi permissão Ártemis. Ela entendeu meu ponto e me deixou vir com vocês.
— Caramba... — meus olhos arregalaram — você falou com uma deusa!
Alexis sorriu.
— Ela disse que adoraria conhecer você, Toya. Mas o resto eu não posso dizer aqui
agora, pois ela não me deu permissão para isso.
Eu fiquei muito curioso. Uma deusa com vontade de me conhecer? Eu nunca
esperava que uma coisa desse nível fosse acontecer. Não comigo.
Nós voltamos a andar. Os campos estavam mais verdes do que eu lembrava que
eram, grama havia crescido enquanto estávamos fora. Sei lá por quantos dias... o tempo
passa mais depressa em locais com um índice de energia espiritual alto, disse Kiros. Mas
como eu nunca havia sentido a diferença, eu não sabia calcular esse intervalo de tempo
ainda. Logo chegamos de volta para a academia e como era de se esperar, Heimdall ainda
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
guardava o portão da academia. Ele nos avistou de longe e deu uma saudação com um
belo grito de guerra.
— Congratulações! —, ele exclamou. — Bem-vindos de volta!
— Nós agradecemos pelos parabéns, Heimdall. — Disse Kiros.
— Vejo que a batalha foi árdua. Suas roupas estão em belos farrapos. Tirando você
Toya, e você também, garota que não conheço.
— É que eu não participei da luta. Não diretamente. — Disse a Heimdall.
— Nós matamos Medusa, isso é o que importa. — Disse Scott.
— Então a missão de vocês foi isso? —, Heimdall indagou a Kiros.
— Sim. — Disse Kiros. — Foi uma batalha difícil. Mas nós conseguimos.
— Bom, é melhor vocês entrarem. Quanto mais cedo falarem com o diretor, mas
cedo irão poder descansar.
Nós fomos diretamente para o prédio e subimos os cinquenta andares. Chegamos
na sala do meu tio e entramos.
— Diretor Kyehll? —, Kiros o chamou. — Viemos afirmar o término da missão.
— Como foram? —, indagou meu tio, enquanto retirava seus óculos.
— Eu e Scott sofremos alguns machucados. Mas nossa regeneração cuidou de tal
coisa.
— Cara... quebrar duas costelas não é para qualquer um! —, disse Scott. — Não
desejo isso nem para o meu pior inimigo.
— Uma hora vai passar. — Disse meu tio a Scott. — Agora... falem-me sobre a
missão. Kiros, você pode passar o relatório.
— Certo... por onde começo? —, disse Kiros. — A missão foi dividida em duas partes,
sendo a segunda parte, opcional. A parte número um foi concluída com êxito, a entrega do
saco de jujubas ao mestre ancião foi feita com rapidez e sem atrasos.
— Jujubas? —, indagou meu tio, interrompendo Kiros.
— Uma sacola dada pelo centro de caçadores dessa região. O conteúdo dela eram
jujubas sortidas.
— Ah, entendo. Continue, continue! —, disse meu tio. — Prometo que não
interromperei você novamente.
— Como eu ia dizendo... essa foi a primeira parte. Logo, o mestre ancião disse sobre
a segunda parte dela. Sendo uma missão de caça. A condição para término perfeito era
trazer a cabeça da criatura para ele, em forma de vingança pelo seu filho morto. Mas
infelizmente falhamos. Eu fiquei injuriado e Scott me levou de volta para o mestre ancião
rapidamente em sua forma de lobo.
— Foi preciso! —, exclamou Scott. — Se não fossemos naquela velocidade, Kiros
estaria muito mais machucado agora, até mesmo morto.
— Já basta, Scott. O que foi feito, foi feito. — Disse meu tio com uma feição séria.
— Conclua, Kiros.
— Era para termos levado a cabeça da criatura, que era a Medusa, desculpe-me por
esquecer de falar o nome dela, para o mestre ancião. Mas, por conta de temos usado água
benta, a cabeça dela não ficou como um espólio de guerra.
— Como assim, não ficou como um espólio? —, indaguei.
— Toya, quando vencemos uma batalha contra alguma criatura, ela deixa para trás
um item raro, ou parte de si. Como prova de que alguém a derrotou. Questão de honra
tanto para a própria criatura, tanto para o guerreiro ou guerreira que a derrotou. — Disse
meu tio. — Agora... eu acho estranho Medusa não ter deixado sua cabeça para trás.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Será porquê Toya ter derrotado ela? —, disse Scott. — Talvez a Medusa não
quisesse ser relembrada por ter sido derrotada por um “mero humano” como o Toya.
— Não acho que isso seja o caso. — Disse Kiros. — Existiram muitos humanos
comuns que derrotaram monstros na história antiga. E sempre houveram os espólios.
— Posso falar? —, disse Alexis, chamando atenção de todos.
— Claro, minha pequena ninfa. — Disse meu tio.
Fiquei surpreso por meu tio saber que ela era uma ninfa.
— Intrometer-me na conversa de vocês seria um grande desrespeito, mas eu preciso
falar antes que tudo fique confuso demais. — Disse Alexis. — Quando eles foram embora,
eu voltei para a gruta de Medusa. Lá estava a cabeça dela, por sorte não fui transformada
em pedra.
— Ela estava lá? —, indagou Scott. — O que você fez com ela?
— Entreguei-a para o mestre ancião. Depois de ter decidido vir para esta academia,
claro. Envolvi a cabeça dela entre algumas folhas de uma palmeira que tinha ali perto da
gruta e amarrei firmemente com cipó. Ele agradeceu e disse que reportaria para a agência
de caçadores, ou coisa do tipo.
— Ótimo. — Disse Kiros.
— Aproveitando o tempo, qual o seu nome senhorita? Presumo que eu já tenha visto
você em algum lugar, mas não me recordo onde. — Meu tio perguntou a Alexis.
— Sou Alexis Agni, tenho treze anos e sou uma ninfa da floresta. Caçadora a serviço
de Ártemis, acho que devo informa-lo.
— Que interessante! —, meu tio esbanjou um sorriso — realmente precisávamos de
uma arqueira experiente para os futuros torneiros.
— Participarei com deles com prazer. — Alexis então retribuiu o sorriso.
— Bom... vocês estão dispensados e Toya, meus parabéns. Todos estão de parabéns,
mas você merece uma atenção especial por não ter hesitado em jogar a água benta. —
Disse meu tio.
— Sim, isso é verdade. — Disse Kiros. — Não guardo ódio de você ou coisa do tipo,
antes que você ache que é esse o caso. Eu realmente admiro você por ter feito aquilo sem
hesitar.
Eu fiquei corei. Mas logo, Scott me empurrou pelas costas e me levou para a
cafeteria. Nós jantamos. Realmente tínhamos chegado na hora em que todos estavam
comendo, e meu estomago estava urrando. A refeição era a escolha do aluno, era tipo uma
tradição aos que voltavam vivos de uma missão, não importando seu grau de dificuldade.
Scott me ajudou a escolher e foi uma boa mistura, admito. Ele amava a macarronada da
cantina e eu entendi o porquê disso.
Depois de temos enchido nossos estômagos, nós fomos para os dormitórios, para
nossa hora honrada de sono. Amanhã seria um dia vago de aulas, não sabia ainda o
porquê, mas Kiros disse que me acordaria para um treino especial. Eu, como de costume,
já havia ficado nervoso antes mesmo de chegar o dia seguinte e quase não consegui dormir.
Não lembro quando cai no sono, mas lembro do meu perfeitamente do meu sonho.
Eu estava num barco velho. Era um veleiro feito de madeira, e somente disso. Não
parecia novo, mas era conservado. Eu estava dentro da cabine do capitão sentado em uma
cadeira de balanço, que se mexia sozinha por conta do mar. Eu estava sonolento, meus
olhos estavam pesados, mas consegui juntar forças para então me levantar daquela
cadeira. Saí pelo poço do barco, estava chovendo fortemente, as ondas inquietas batiam
no casco do navio e faziam ele sacudir bruscamente. Olhando adiante, percebi que na
parte da frente daquele veleiro havia um ser. Era uma garota.
Seus cabelos balançavam com o vento, eles eram pretos, como aquela noite
estrelada. Vestia um longo vestido branco de cetim, que não sei como, não estava molhado
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
com toda aquela chuva. Estava com um chapéu da mesma cor que o vestido, a única coisa
que parecia estar molhada, mas era só impressão mesmo.
Eu gritei. Mas se por acaso ela me ouviu, então me ignorou.
Com o braço na frente do rosto, eu avancei contra a chuva e o vento, indo em direção
a proa daquele barco. Eu a chamava, mas ela continuava em pé. Seca e imóvel. Até que
eu topei em seu ombro, fazendo ela se virar, assustada.
Enfim tinha percebido minha presença.
— Desculpe-me. Não percebi que você estava me chamando.
Fiquei encantado. Seus olhos eram azuis escuros, como aquele mar à noite. Sua
pele devia ser branca, mas ela tinha um breve bronzeado. Parecia ser um pouquinho mais
velha que eu. Emanava uma sensação de angustia, como o mar daquela noite, parecia
inquieta.
— O que se passa? Por que está aqui? —, indaguei.
Ela trocando o peso do corpo entre seus pés, pensou em como me responder. O
silêncio foi constrangedor, mas logo ela me respondeu.
— Desculpe! —, ela se curvou — me distraí novamente. Mil perdões!
Seu jeito de falar era bem polido. Não parecia jeito de uma criança da minha idade
falar.
— Não tem problema... só... eu só queria saber o porquê de uma garota estar no
meio do nada, num barco como esse.
Em um momento eu até me esqueci de que também estava lá.
— Estou esperando o anúncio de meu pai... ele, está inquieto, vê? —, ela apontou
para a água.
De início eu não entendi. Mas minha curiosidade superou minha timidez e eu fiz-
lhe uma pergunta.
— Seu pai? Ele é um mergulhador?
— Não, seu bobo. — Ela riu.
— Então... por que ele está na água? —, indaguei, franzindo o cenho.
— O Deus dos Mares deveria estar em outro local?
Aquilo me deixou mais intrigado do que quando ouvi uma das histórias do Robert.
Quando ele disse que derrotou um leão de dois metros e meio só utilizando uma flauta de
bambu mágica.
— Desculpe-me pela minha rusticidade, mas, quem é o Deus dos Mares?
Admito que eu acabei me odiando depois disso. E anotando em minha própria mente
para eu estudar um pouco de mitologia quando voltasse para a academia.
— Você... realmente não sabe quem é ele? —, ela pareceu meio triste.
— Eu peço desculpas novamente, mas eu sou um leigo nesse assunto. Um humano
como eu não saberia de muita coisa também. — Lembro de não saber o porquê ter dito
aquilo, mas admito que me ajudou bastante.
— Humano? Você não tem um cheiro de um humano. — Disse ela pensativa. —
Você não exala um cheiro como uma criatura, mas também não exala um cheiro de um
humano.
— Cheiro? —, indaguei. — Desculpe-me novamente, mas meu nariz não é lá tão
bom para sentir esses cheiros que você e até meus colegas falam.
— Um humano comum também não poderia ter vindo para cá do nada... — ela
falava consigo mesma, e tinha me ignorado. — Já sei! Você é igual a mim!
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Como?
— Ah, desculpe. Esqueci que você não sabe muita coisa, mas não se preocupe, isso
é muito normal com os semideuses. Que tipo de poder você tem? Sabe quem é o seu pai
ou sua mãe!? —, os olhos dela brilhavam de curiosidade.
— Espera aí! —, exclamei. — Como assim semideus? Eu não sou um semideus...
semideuses são fortes, tem poderes e tudo mais, certo? Eu não tenho nada disso!
— Você pode apenas não ter aprendido a usa-los ainda. — Disse ela com um tom
meio empolgado. — Caramba... existem poucos semideuses ultimamente. É muito legal
encontrar um assim... do nada!
— Pode ter um pouco de calma!? —, implorei. — Eu realmente sinto que você está
equivocada em questão de eu ser um semideus. Eu realmente não tenho nada de especial,
a não ser a habilidade de ver espíritos...
— Você então é um sensitivo! Humanos normais não poderiam enxergar nenhum
tipo de criatura, ou até mesmo espíritos! — Ela então abriu um sorriso. — Você é um
semideus ou um sensitivo, eu chuto semideus. Mas acredite no que quiser.
Eu suspirei.
Ela não iria mais me escutar mesmo e sua polida forma de falar havia indo embora
também. Eu estava começando a me sentir sonolento novamente, sentia que poderia
desmaiar a qualquer momento. Mas a euforia daquela garota estava me mantendo
acordado.
— Olhe. Eu vejo que você irá embora logo, logo. Por isso serei a mais breve que
conseguir. — Ela voltou a ficar séria. — Eu aposto que você esteja em uma academia nesse
momento, estou certa? Digo, sua alma está aqui comigo, mas o seu corpo estava numa
academia especial antes de apagar ou ter ido dormir, não sei seu caso.
— Sim. Isso mesmo. — Falei a ela. — Como sabe disso?
— Ótimo! —, disse ela. — Preste bem atenção. Você deve avisar o diretor dessa
academia de que eu, *****, filha de Poseidon, o Deus dos Mares. Estou prestes a chegar por
aí.
Eu estava ficando completamente sonolento e não consegui ouvir o que ela tinha
dito de forma clara. Então eu comecei a desmaterializar, como um holograma.
— O que está acontecendo comigo!? —, exclamei assustado.
— Você está voltando! Lembre-se do que eu disse. Avise o diretor para ele estar
preparado para minha chegada! —, ela gritou, parecendo que sabia que eu estava com
dificuldades para escutar o que ela dizia. — Até logo!
Eu não me lembro de mais nada a não ser ter desmaiado naquele momento.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
V
Pode ser coincidência, mas eu acordei nauseado. Azar meu que as malas que Tito
tinha organizado e trazido para mim não tinham remédio de enjoo. Tive que ir cambaleando
para a enfermaria.
Ao chegar lá, percebi que tinham duas pessoas lá. A enfermeira e uma aluna, que
estava deitada na cama. A tal enfermeira tinha longos cabelos pretos, que estavam
amarrados em um rabo de cavalo. Vestia um jaleco branco e uma calça jeans escura.
Estava tratando dos ferimentos da garota, que provavelmente tinha se ferido em alguma
missão, ou coisa do tipo.
Eu pedi licença. A enfermeira se virou, mostrando seus olhos azuis e disse para eu
sentar na cama ao lado, e que logo era iria me examinar. Estando perto da garota, vi que
ela tinha uns belos hematomas espalhados pelo corpo, estava enfaixada com gaze e alguns
outros panos. Seus cabelos castanhos escuros estavam bem bagunçados, eu não vi a cor
de seus olhos, já que ela os mantinha fechados o tempo todo.
— Olhe, eu terei que sair para pegar mais antibióticos, tente não fazer tanto esforço.
Ok? —, disse a enfermeira. — Ah, e você meu pequeno? O que sente?
— Acordei tonto. Estou com náuseas, como se eu tivesse acabado de sair de um
barco. — Falei a ela.
— Hm... —, ela andou um pouco, mexeu na prateleira e logo voltou, me dando um
comprimido. — Ali tem um bebedouro, tome isso e descanse aí por um tempinho até eu
voltar.
Então ela saiu.
A garota estava agora sentada na cama, com um travesseiro em suas costas. Ela
olhou para mim, deu um sorrisinho e falou.
— Você é um novato? Nunca te vi por aqui.
Eu assenti.
— Cheguei na academia faz alguns dias.
Realmente eu tinha chegado faz alguns dias. Passei a maior parte do tempo em
minha primeira missão, então nem tive chance de socializar com outras pessoas.
— Deve ser difícil ser o único humano daqui. —, disse ela. — Bom, todos nós ficamos
sobre uma falsa aparência humana, então não deve ser tão estranho assim para falar a
verdade. — Ela se corrigiu.
— É... que tipo de ser é você? —, tá bom, eu realmente não sabia do que chamar ela
naquele momento.
Ela riu.
— Nós usamos o termo “mito” nessa academia. — Ela me fitou com os olhos. — Mas
não se preocupe, seu termo não me ofendeu. — Ela sorriu. — E respondendo sua pergunta,
sou uma Banshee.
— Poderia explicar? —, indaguei. — Ainda não tive tempo de estudar sobre
mitologia. Não sei muita coisa.
— Uma Banshee é um ente fantástico, assim colocado pelos humanos, da mitologia
celta. Os Irlandeses sempre disseram que nós só existíamos por lá, mas é mentira. Bom,
digo isso para você não aprender de forma errônea sobre minha raça. — Ela suspirou. —
Sempre somos retratadas como velhas de cabelos brancos e que vestem farrapos ou jovens
loiras ou de cabelos pretos. Mas como você pode ver, eu não tenho cabelos brancos, muito
menos pretos ou loiros, como ditam os livros.
— Então a maioria das coisas que eu encontrarei nos livros estão erradas? —,
indaguei.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— A maioria sim. Mas nós rescrevemos a maioria dos livros que existem aqui nessa
academia, por isso, eu acho que é muito improvável que você aprenda algo errado com os
livros que você encontrará na biblioteca daqui.
— Sinto-me aliviado. Pelo menos poderei estudar um pouco.
— Recomendo dois livros para você: A Coletânea de Argos e o Bestiário de Ragnarök.
Pode procurar na biblioteca que você encontrará esses dois facilmente. São os mais
requisitados.
Nós ouvimos a porta da enfermaria bater. A enfermeira voltara e ela estava com um
aluno apoiado em seus ombros, bem ferido, com as roupas em farrapos.
— Sua feição de preocupação realmente entrega que você é um humano. — Disse a
garota de cabelos castanhos e logo, voltando-se para a enfermeira ela indagou. — Senhora
Clair? Eu terei que ficar aqui por mais tempo? Eu realmente gostaria de ir para o meu
quarto.
— Pode ir. Mas qualquer coisa, não importando o que seja, volte para cá
imediatamente. Suas feridas devem cicatrizar logo, mas tente não fazer esforço algum. —
Disse a enfermeira Clair. — E você rapazinho? Como se sente? —, ela me fitou.
— Sinto-me bem melhor. O que a senhora me deu para tomar? —, indaguei.
— Isso? É segredo. — Ela riu. — Digamos que é como a famosa panaceia, que cura
tudo.
Naquele momento eu anotei mentalmente para procurar um livro sobre itens
mágicos também, mas isso não vem ao caso agora.
— Bom, se quiser você pode ir também. Mas... antes diga seu nome. É a primeira
que te vejo aqui.
— Toya. Toya Vincent é o meu nome.
Ela fez umas anotações em seu caderno e acenou com a mão, se despedindo
enquanto eu saia.
mais, nada menos que um feitiço colocado nos alunos da academia afim esconder suas
reais formas e trancar seus poderes, iludindo os humanos e deixando os monstros
confusos, assim evitando ataques dos mesmos. Virei o olhar para a esquerda, e avistei um
lago onde alguns alunos praticavam canoagem. Eu me senti tentado a ir até lá e perguntar
se eu poderia tentar navegar de canoa também, mas lembrei de minhas náuseas e ignorei
a ideia.
Lembro-me de ter sonhado acordado depois de ter olhado para os alunos praticando
canoagem. Tinha voltado para o mesmo barco de ontem à noite, mas dessa vez não estava
chovendo. O sol estava forte e iluminava por completo a cabine do capitão deixando-a
quentinha.
Mas eu não iria ficar ali sentado naquela cadeira de balaço para sempre, portanto,
eu esfreguei os olhos e me levantei, indo em direção a proa do barco. Vi a mesma garota
de ontem à noite, parada com os cabelos pretos balançando ao vento. Mas dessa vez, ela
que se virou e falou.
— Olá novamente! —, disse com um belo sorriso, enquanto segurava seu chapéu.
— Parece que meu controle com a conexão sensorial está melhorando, pois você apareceu
assim que pensei em te chamar.
— Conexão sensorial?
— Isso! É uma habilidade que qualquer ser, que tenha controle de sua energia
espiritual, pode usar. Eu aprendi a fazer isso depois de observar meu pai fazer muitas e
muitas vezes... —, ela se interrompeu. — Bom, vamos direto ao ponto. Você já avisou ao
diretor da academia que eu estou por chegar?
— Não... —, eu cocei a cabeça. — Eu acordei enjoado por conta de ter vindo para cá
noite passada, e passei o dia na enfermaria.
— Sério!? Mil perdões! —, ela se curvou. — Então eu preciso fazer alguns ajustes
na conexão. Bem... hoje eu queria dar-lhe mais um aviso. Esse, diretamente de meu pai.
— Seu pai? Ah! O Deus dos Mares.
Ela assentiu.
— Qual é a mensagem? Aposto que ela seja de extrema importância.
— Preste atenção, pois a conexão irá terminar assim que a mensagem for dada,
certo?
Eu assenti.
— O Cristal de Gaia, o coração do planeta está sofrendo por conta de um veneno
estranho. Alguns demônios conseguiram quebrar a barreira e injetaram o veneno lá e logo
o cristal perderá toda a sua força vital. Podendo morrer.
— Você disse que é o coração do planeta, certo? —, indaguei.
— Sim.
— Então quer dizer que o planeta está morrendo? Isso é, se o cristal morrer, o
planeta também morre? —, minha voz era de preocupação.
— Vejo que entendeu. Por isso eu imploro, entregue esse recado junto do anterior
para o diretor da academia o mais rápido possível. Por mim, e por meu pai.
— Eu farei. Não se preocupe.
— Sinto-me aliviada. — Ela suspirou. — Em breve nos encontraremos
pessoalmente. Mas antes de você voltar, poderia me dizer seu nome? Você não conseguiu
se apresentar da última vez.
— Toya Vincent. — Eu disse. — E o seu? Eu também não consegui ouvir da última
vez.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Ao chegarmos lá, ele abriu um armário e tirou algumas coisas de dentro dele.
Aparadores, luvas, protetores e outras coisas mais. Eu já tinha visto um treinamento
desses antes. Eu era fissurado em um programa de Boxe quando tinha dez anos, e sabia
que não seria nada fácil. Muito menos pelo fato de ser uma criatura mitológica que estaria
a me treinar.
— Vista esse colete e o capacete. Eu irei reduzir minha força para que você possa
aguentar, mas mesmo assim eu quero precaver que você não venha a quebrar alguma
costela. Acho que você me entende. — Disse Kiros enquanto enrolava uma faixa entre seus
punhos.
Eu coloquei aquele colete e me senti bem mais lento. O capacete e o colete eram de
um tamanho duas vezes maior que o meu, estava preso, mas eu não tinha certeza de que
me protegeria cem por cento.
— Aqui —, ele me entregou algo parecido com aqueles dentes de vampiro de plástico
que toda criança já usou alguma vez na vida. Era um protetor bucal, era novo, e tinha
escrito: caution! O que significa cuidado em inglês. — Ponha isto em sua boca e morda.
Isso protegerá seus dentes dos meus socos.
Eu até que estava aliviado pelo fato de Kiros estar tendo todas aquelas precauções.
Mas... será que me treinar numa arte marcial seria a melhor coisa para me ensinar a me
proteger? Bom, aquilo não iria durar muito de qualquer forma.
— Pronto? —, disse ele com luvas enormes em suas mãos e eu assenti. — Certo.
Você tem essa proteção toda, eu reduzirei minha força e ainda estou usando luvas de 18
onças. Você provavelmente não sentirá tanta dor, mas sim impacto, por tanto, seu objetivo
é não sentir medo de meus golpes, pois assim poderemos treinar para algo mais sério.
Ele estralou o pescoço e partiu para cima de mim numa investida. Eu levantei as
mãos, protegendo o meu rosto, como havia aprendido na televisão, mas aquilo era
cansativo demais. As luvas eram pesadas, lembro de ter escutado de Kiros que elas
serviriam para aumentar minha velocidade mais tarde, mas por ora elas só estavam
atrapalhando. Eu fiquei contra as cordas. Eu era socado em locais que nem mesmo
pensava que iria ser atingido. Costelas, cabeça, estômago e as vezes, no córtex. Estava
conseguindo defender praticamente todos os golpes, e senti que ele tinha diminuído o
intervalo entre eles, dificultando as coisas.
Até que minha guarda cedeu. Meus braços cansaram e meu rosto ficou livre, e eu
só lembro de cair no chão, tonto, depois de tal coisa.
... ... ... ... ...
Eu acordei na enfermaria. Meus braços estavam completamente doloridos e a
senhorita Clair estava sentada ao meu lado, me examinando.
— Acordou dorminhoco? —, disse ela.
Tentei movimentar meus braços e ficar sentado na cama, mas não tinha força
alguma. Meus braços doíam e estavam dormentes.
— Pode... me ajudar a ficar sentado? —, pedi.
Ela me ajeitou na cama e me mostrando um sorriso, ela perguntou.
— O que aconteceu? Você foi trazido para cá pelo Kiros e depois ele saiu, dizendo
para eu avisa-lo quando você acordasse. Se passaram duas horas desde então.
— Duas horas... —, repeti impressionado. — Ah. Eu estava treinando com ele. Meu
tio, o diretor Kyehll, disse para ele me treinar, para caso algo venha acontecer, sabe?
— Você defendeu os socos dele por muito tempo, não foi? —, disse ela. — Já imagino
por que você ficou com os braços desse jeito.
— É realmente impressionante como você sabe disso só de me examinar.
Ela riu.
- 34 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Estou nesse ramo da medicina faz um bom tempo. Meus olhos já estão
acostumados com isso. — Ela se levantou e mexeu em sua gaveta, procurando por algo.
— Tome, você se sentira um pouco melhor.
— Seu remédio secreto? —, adivinhei.
Ela apenas sorriu.
— Eu já mandei uma mensagem para Kiros também. Disse que você acordou. Ele
deve chegar em breve.
Realmente não demorou muito para ele chegar. Ele estava acompanhado de Scott,
que me olhou de canto a canto.
— Nenhuma sequela ou cicatriz? —, ele então olhou para Kiros. — Você pegou leve
demais com o humano.
Scott parecia chateado.
— Só diminui minha força para não o matar, Scott. A mesma coisa que fiz quando
treinei você. Ele só teve um pouco mais de proteção. — Disse Kiros.
Scott voltou a me encarar e logo disse.
— Você é feito de quê? Aço? —, ele realmente parecia indignado com algo. — Kiros
me disse que você conseguiu defender os seus socos por um minuto. Isso é mais que
impressionante para um humano comum, mesmo com ele diminuindo sua força.
— Meus braços estão completamente dormentes, isso serve? Não consigo colocar
força neles. — Falei.
— Continuo surpreso por você aguentado tanto tempo na defesa. Mas deixemos isso
para lá.
— Clair, ele ficará bom até amanhã? Devo continuar com o treinamento assim que
possível. —, disse Kiros.
— Se ele não fizer nenhum esforço até amanhã de manhã, ele deve estar novinho
em folha. — Disse a senhorita Clair.
— Certo. Monitorarei ele para que ele não faça nenhum esforço, até outra hora.
Eu me levantei e nós fomos para o refeitório. Jantamos e logo depois fomos para os
dormitórios. Ficamos batendo papo no meu quarto por um bom tempo, e antes mesmo de
eu perceber, Scott dormia encostado em minha cama.
— É melhor eu levar ele para o quarto. Até amanhã, Toya. Durma bem, ok? Amanhã
continuaremos com seu treinamento. — Disse Kiros em um tom amigável.
— Claro. Obrigado por me ajudar com isso. —, Kiros sorriu e saiu com Scott nos
ombros. Aproveitando, eu me joguei em minha cama e fiquei encarando o teto do quarto.
E antes mesmo que eu percebesse, eu já estava dormindo.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
VI
Dois meses se passaram. Meu treinamento foi uma maravilha, como diria meu tio.
Apanhei bastante de Kiros e Scott, ganhei vários hematomas em todo o corpo e agora os
meus ossos estão mais que calejados. Resumindo, doeu bastante, muito na verdade. Mas
valeu a pena.
Um dia desses, um grupinho baderneiro de goblins resolveu me atacar enquanto eu
estava em meu horário de folga. Ah! Acho que você deve ter notado que eu aprendi algumas
coisas mais do que apenas me defender, eu andei estudando com o livro sobre mitos: O
Bestiário de Ragnarök. E acho que devo explicar para os leigos, o que são goblins.
Eles são criaturas de coloração verde-escura. Tem narizes e orelhas extremamente
grandes e pontudas. Na maioria das vezes eles usam clavas como arma e as pessoas
costumam confundir eles com os duendes. Não são mitos de classe alta, mas na maioria
das vezes — sim, existe uma porcentagem contrária a isso — eles costumam vir em grupo
de três ou mais.
Bom, voltando ao ponto que eles resolveram me atacar. Os três, ainda em sua forma
humanoide — utilizando-se da Penumbra — me abordaram no meu corriqueiro ponto de
descanso — que é embaixo daquele carvalho, com vista para todo o resto do campo — e
me disseram para passar o dinheiro que eu usaria para comprar meu almoço. Eu recusei,
pensei que fosse apenas uma brincadeira de mal gosto, mas era pior. O primeiro se
transformou, não houve uma quebra da barreira mágica, eu mesmo achei estranho isso
mas ignorei e me levantei, ficando em guarda rapidamente. Os outros dois se
transformaram e eu não esperei para ver o que poderia acontecer, peguei o do meio pela
gola da camisa e o joguei em direção do que estava à direita, os dois caíram no chão.
O que restara em pé veio para cima de mim deferindo uma ombreada e eu apenas
me esquivei, colocando meu pé, fazendo-o cair de cara contra o velho carvalho. Esse não
me incomodaria por um tempo, havia batido com força suficiente para ter quebrado o
nariz. Virei-me em direção dos outros dois, um deles já levantou agressivo logo me
atacando com socos — que eram bem lentos comparados aos de Kiros — e eu apenas os
espalmava para os lados. Fiquei encurralado no carvalho, e o segundo goblin desferiu um
soco na direção do meu nariz, por sorte, meus reflexos me fizeram abaixar, coisa que levou
ao jovem delinquente a socar o tronco da árvore.
Enquanto ele praguejava por conta da dor em seu punho, eu o alavanquei com uma
torção em seu braço e o joguei para longe. Restando apenas um goblin. Ele me olhava
apreensivo, aposto que deve ter se perguntado: Por que diabos esse humano está dando
uma surra em nós três!? Ah! Que se dane! Irei ataca-lo mesmo assim! Sim, por incrível que
pareça, ele veio e me atacou e eu digo que fui bem bonzinho com ele. Desviando de seu
soco mais que desleixado com uma queda de ombro — que aprendi com Kiros — e em
seguida deferi um gancho no queixo.
Os três estavam caídos. Eu ainda estava com meu dinheiro intacto e estava cansado
e com fome, por tanto, eu saí e fui para a lanchonete. Que foi? Você quer saber o que
aconteceu com os três? Nem eu mesmo sei. Eles apenas ficaram no chão, com medo, mas
ainda me lançavam insultos, xingamentos e pragas em uma língua que eu não faço a
menor ideia de qual seja.
Bom, hoje dia 30 de maio, é o dia em que os três diretores disseram que fariam um
discurso sobre o tão aguardado assunto ultrassecreto, que é nada mais que a informação
que a filha do Deus dos Mares me passou. Todos se reuniriam na quadra de atividades as
16:20 e o aviso seria passado. Mas até lá, algumas coisas mais aconteceram. Eu, depois
de ter dado uma lição naqueles três goblins, decidi ir até o refeitório. Tomei meu café da
manhã e depois fui para o ginásio. Fiquei treinando o resto do tempo.
Dado 16:15, as pessoas já se amontoavam na quadra de atividades. Todos os alunos
— exceto os que estavam em missões, é claro — estavam lá. Por sorte, eu consegui me
encontrar com Kiros e Scott, que estavam no meio daquela multidão toda.
— Olha só. Olá Toya. — Disse Scott. — Por onde andou essa manhã toda?
- 36 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Estive no meu local de sossego, mas tive que me retirar por questões práticas. —
Falei. — Um grupinho de goblins me abordou e eles tentaram roubar o dinheiro do meu
café da manhã. E digo, eles não são tão bons assim em combate sem armas.
— Enfrentou três sozinho? —, indagou Scott. — O treinamento está valendo a pena.
Eu assenti.
— Daqui a mais dois meses você já vai estar no nível de um lutador experiente aqui
na academia. Os ensinamentos de Kiros são realmente melhores do que os outros alunos
recebem. Mas ele não ensina todo mundo, só os de seu grupo. Muitos ficam realmente
chateados por conta dessa atitude de Kiros, mas fazer o quê. — Scott deu de ombros.
— São regras da minha família. — Disse Kiros. — Eu só posso ensinar aqueles que
são da alcateia, a não ser que uma exceção seja aberta como foi no seu caso, Toya.
— A exceção foi meu tio ter pedido a você diretamente, certo? —, indaguei.
— Meia parte sim. A outra foi por conta de você ser um humano. Se fosse qualquer
outro, eu não aceitaria.
— Resumindo, por você ser um humano, você ganhou um bônus. — Scott riu.
Naquele momento nós três ouvimos uma batida no microfone, alguém estava
testando ele e logo três pessoas subiram ao palco da quadra. Era meu tio junto de outros
dois homens. Um deles com um grande porte físico, usava um terno azul-marinho e tinha
longos cabelos brancos combinando com sua barba. Já o outro tinha um porte físico bem
definido, não tão grande quanto o anterior, mas com seu mérito. Seus cabelos cor de âmbar
e olhos azuis faziam um contraste em seu terno risca de giz cinza, sua pele era parda.
Scott me cutucou, e disse: — Vê aquele ali? Com o terno cinza?
— O que têm ele? —, indaguei.
— É o pai de Kiros.
Eu fitei Kiros perplexo e ele apenas balançou a cabeça assentindo a informação.
— Quem é o outro? —, perguntei a Scott.
— É mais fácil eu apresentar todos. Eles são os que administram as maiores
academias do mundo inteiro. Seu tio, Mirai Kyehll, comanda a maior academia da América
do Norte, ou seja, aqui. O grandalhão ali comanda a maior academia da Ásia, ele se chama:
Yagami Kuroi, filho do deus das tormentas, Susano’o. E por último, e o mais importante
para a raça dos licantropos, Lawrence Lucian. Diretor da academia da América do Sul e
nas horas vagas, pai de Kiros.
Alguns alunos cochicharam e olharam de canto para Kiros, mas ele nem mesmo se
importou. Continuava com sua postura firme e séria na presença do pai, e
consequentemente, não tirava os olhos dele. Logo, o senhor Yagami Kuroi se levantou. Deu
umas três batidas no microfone e começou a falar.
— Queridos alunos da Academia Gaia! —, sua voz era realmente grave. Um tom de
imponência era facilmente visto, sendo que até os baderneiros e os conversadores
voltaram-se a ficar quietos e então escutarem ele falar. — Vocês já devem estar cansados
de saberem que ao nos reunirmos aqui, algo de ruim está por acontecer no mundo a fora.
— Ele então pigarreou. — Nós ouvimos de várias fontes que o Cristal de Gaia fora atacado.
Algumas entidades não classificadas conseguiram de alguma forma quebrar a barreira
sagrada do local e então envenenar o cristal.
Todos os alunos ficaram tensos. Um tumulto se alastrou por todo a quadra de
atividades e teria ficado pior se o senhor Lucian não tivesse estalado os dedos. No momento
em que ele fez isso, um vento percorreu por todo o salão e de imediato, os alunos se
acalmaram.
— Obrigado, Lawrence. — Disse Kuroi. — Bom, como eu estava por dizer, isso está
realmente acontecendo. As outras academias foram alertadas e elas estão reunindo suas
tropas para prevenir que algo mais sério possa vir a acontecer. Nós, isso eu incluo o diretor
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Depois de todos terem se acalmado e então terem ido para o refeitório jantar. Kiros
e Scott ficaram no meu quarto, e como de costume, nós jogamos conversa fiada fora.
— Ei, Toya. — Disse Scott.
— O que foi Scott? Você já vai para o seu quarto? —, indaguei.
— Não, não é isso. É que... —, ele desviou o olhar, apreensivo.
— Scott? —, disse em um tom preocupado. — O que foi? Está passando mal, coisa
do tipo?
— Ele está nervoso. — Disse Kiros. — Scott, você está preocupado com o que o
diretor Kuroi e o diretor Kyehll disseram? —, indagou ele a Scott.
Scott apenas assentiu.
— Isso é realmente ruim, não é mesmo? —, indaguei. — Hm... como eu posso dizer...
isso nunca aconteceu antes, certo? Vocês estão apreensivos do que pode acontecer, já que
não experimentaram isso antes.
Scott assentiu novamente e eu me aproximei dele dizendo:
— Não se preocupe, Scott. — Ele me olhou confuso. — Você sabe que pode confiar
em nós. Pois... amigos servem para isso, não é? Dependa de nós. Não se sobrecarregue
com isso, apenas deixe acontecer. Se tivermos que lutar, nós lutaremos, se nós não
pudermos fazer nada, apenas ficará por assim mesmo, não acha? Isso é o destino, algo
que só saberemos no momento em que realmente acontecer. — Eu dei umas tapinhas em
seu ombro. — Anime-se! Se você continuar assim, nada irá mudar.
Ele sorriu. Mas não foi só ele. Kiros também o fez, depois que os dois foram para
seus quartos, ele me mandou uma mensagem. Dizia que havia ficado impressionado com
minhas palavras, perguntando se aquilo era coisa de nós humanos, ou se era apenas coisa
minha. Eu não soube responder ele. Na verdade, eu apenas aprendi a ser assim com minha
mãe. Ela era uma pessoa muito boa, a melhor mãe que eu poderia ter tido. Lembro de uma
frase que ela costumava me dizer quando algo de ruim tinha acontecido, é algo que
combina exatamente com a situação que estamos passando. Se algo está predestinado a
acontecer, isso irá acontecer. Nada pode mudar essa linha do destino. Você pode até mudar
o que acontecerá depois disso, e talvez, você consiga reverter tudo que aconteceu. Mas é
preciso paciência e determinação. É o que ela sempre me dizia. Sempre com suas sábias
palavras, esse era o jeito dela... Bom, eu adormeci rapidamente e acabei tendo um sonho
estranho.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eu queria alguém para passar o tempo. Eu poderia ter chamado qualquer um,
mas... você é diferente. Você não se vangloria por ter uma conexão sensorial com uma
semideusa, você ao descobrir que sou filha de Poseidon, você acreditou e não pediu algo
como provação...
— Eu só sou um humano comum. Não tenho nada demais.
— Não... humanos são egoístas, só pensam neles mesmos. Gostam de passar por
cima dos outros para conseguirem o que querem, eles matam os da própria raça, acusam
inocentes e fazem muitas outras coisas imperdoáveis... você... —, ela suspirou. — Eu não
sei o que você é, mas se você for mesmo apenas um humano comum, você deve ser de uma
raça especial.
Eu corei, fiquei da cor de um tomate e quando menos esperava, eu vi que estava
começando a desmaterializar.
— Alguém deve estar tentando te acordar... você deve voltar, mas em breve nos
falaremos pessoal e fisicamente, por isso, continue assim até eu chegar nessa academia.
Ok? —, disse Ceres.
— Eu farei.
Ela sorriu e eu apaguei.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
VII
Após ter tido uma ótima noite de sono, eu acabei acordando pela faixa das oito
horas. Meu celular estava com a tela piscando, enquanto ele vibrava em cima da mesa.
Havia 103 mensagens não lidas. Sério, para que isso tudo? Não podem pelo menos
esperarem eu simplesmente... acordar? Bom, é melhor eu resumir o tal. Ficaria cansativo
explicar e ditar todas as mensagens para vocês.
Várias delas eram repetidas como: Ainda está dormindo? Ou, caramba... se você
estiver me ignorando você vai ver! Realmente todas vinham nesse mesmo formato e todas
tinham sido mandadas por Scott. Logo, eliminando todas elas, sobraram apenas cinco
mensagens, sendo três de Kiros, uma de Robert e outra da direção. Kiros havia mandado
as mensagens ainda de noite, mas eu estava na conexão sensorial feita por Ceres, portanto
não consegui responder de qualquer forma. A de Robert, que era algo surpreendente já
que ele nunca mais tinha falado comigo sequer uma vez, dizia que ele gostaria de me
propor algo, mas não deu detalhes. E por último, e por consequência a mensagem de mais
importância, vem a mensagem mandada por meu tio. A mensagem explicava o motivo de
Scott e Kiros estarem com pressa para me acordarem. E o grande fato é. Nós estávamos
sendo convocados para uma missão. E era uma de rank B-A. O que significa que pode ser
tanto B quanto A, depende apenas de nossa sorte. Nós teríamos que ir para o estado de
Los Angeles, lá, nos encontraríamos com um certo alguém que informaria os próximos
passos de nossa missão.
Nós nos encontramos no portão da academia, de lá partimos para a cidade mais
próxima da academia — que sério... por que ela fica no meio do nada?! —, para pegarmos
um trem até a metrópole — que no caso era Ottawa — onde iriamos pegar o avião que nos
levaria até Los Angeles. Seriam algumas horas de viagem, por isso decidimos ir o mais
rápido possível.
... ... ... ... ...
Já dentro do trem, nós ficamos alojados em um dos quartos do último vagão. Era
um trem de carga, mas ele nos levaria até Ottawa sem problemas por uma quantia
minúscula de dinheiro. Lá dentro Kiros explicou que devíamos manter nossa Mana o mais
condensado possível, pois isso diminuiria a taxa de monstros que poderiam ou não
aparecer.
— Ei, Kiros. — Falou Scott, chamando sua atenção. — Ao chegarmos na cidade de
Ottawa... nós...
— Nós? —, indagou Kiros.
— Nós teremos algum tempo livre até a hora de pegarmos o avião?
— Bom, se a pessoa que nos guiará até o aeroporto disser que irá demorar, então
sim, caso contrário, não. Por que?
— Nada não... esquece. — Scott se virou e ficou olhando pela janela do trem.
Eu apenas estava sentado na cama daquele quarto, tinha levado um fone de ouvido
e aproveitando o momento, eu estava escutando uma coletânea de minhas músicas
favoritas.
— O que escutas, Toya? —, indagou Kiros.
— Agora? One – Metallica. — Respondi.
— Rock? —, indagou Scott. — Você tem bom gosto, humano.
— Obrigado. — Eu ri. — Você também escuta?
— Sim.
Scott parecia que não estava tão afim de continuar a conversa, mesmo que aquilo
tivesse puxado sua atenção pelo menos um pouco. Ele estava preocupado com algo, mas
eu não estava afim de tocar no assunto e pelo visto, Kiros também não.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Uma hora se passou, Scott dormia na cadeira, Kiros anotava algumas coisas em um
caderno e minhas músicas tinham acabado de entrar no modo looping e então voltado para
a primeira da lista que é da banda Guns N’ Roses.
— Está acordado, Toya? —, indagou Kiros.
— Sim. Precisa de algo?
— Não conte ao Scott que eu te disse isso, mas, ele não vai ficar bem sabendo que
não poderemos procurar por sua mãe ao chegar em Ottawa. Nossa missão deve ser
completada o mais rápido possível, e fazer os desejos dele tomaria muito tempo...
— O que aconteceu com a mãe dele? Bem... eu sei que ele foi adotado por sua
família, mas... o que realmente aconteceu?
— Ouve uma grande guerra entre os Vampiros e os Lobisomens e houve um empate.
Muitos licantropos morreram, inclusive o pai de Scott, mas sua mãe, ela fugiu e ninguém
mais soube dela. Relatos disseram que ela foi vista em Ottawa, mas nós nunca tivemos
tempo de investigar o local... prioridades nas missões, espero que você entenda onde quero
chegar. Bem, resumindo. A mãe dele pode estar em Ottawa, tendo uma vida nova ou pode
estar morta, mas eu não tenho tempo para ajudar o Scott nessa busca, ele também sabe
disso...
— Onde quer chegar, Kiros? —, indaguei.
— Certo. Eu quero que você não o pressione me quesito algum, não até terminarmos
essa missão e então ficarmos livres de tudo. Acha que pode fazer isso?
— Sim. Não se preocupe.
Ele suspirou aliviado e então voltou a escrever em seu caderno.
— O que você tanto escreve nesse caderno? —, indaguei.
— Relatórios para o meu pai. Todo mês eu mando um caderno cheio de informações
e outras coisas para ele por correio, isso por conta de eu não poder ir constantemente para
a América do Sul.
— Você já foi alguma vez para lá?
— Algumas poucas vezes.
— É bem diferente daqui como as pessoas dizem?
— É bastante quente comparado aqui. As pessoas são bem mais acolhedoras
também. Olhe, a América do Sul é um local ótimo para se passar o tempo. Mas no país do
Brasil você deve tomar bastante cuidado.
— Cuidado? —, eu indaguei assustado.
— O índice de roubos e assassinatos lá é muito maior que aqui. Os monstros são
mais agressivos lá também... eles costumam ser mais propensos a enxergar através da
penumbra e nos localizar facilmente. É o que meu pai costumava me dizer, não sei se
continuam a mesma coisa, mas é bom você saber disso.
— Caramba... existe outro local perigoso em relação dos monstros?
— Hm... deixe-me ver. Eu nunca ouvi falarem mal da Ásia, mas da Europa... eu
aconselho você nunca ir lá. Nós muito raramente somos mandados para lá, isso por conta
de uma rivalidade entre a Academia que existe lá com a nossa. Não... rivalidade não é a
palavra certa a se usar. Nós apenas não nos damos bem com a academia de lá. É isso.
— Rivalidade? —, indaguei curioso.
— Nossa academia serve aos deuses do olimpo, eles controlam a América do Norte,
lembra que Scott falou isso a você?
— Sim, eu lembro. Mas qual o motivo de nossa academia não se dar bem com a da
Europa?
- 43 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eles servem aos deuses nórdicos. O senhor Odin, Thor, entre outros. E eles são
mais... briguentos, posso colocar assim. Sempre tentando mostrar que são melhores e
nisso gera competições imbecis ao meu ver, onde nossas academias viram alvo de seus
joguinhos. Bom, espero que isso explique tudo.
— Aham. É bem interessante aprender cosias desse tipo. — Eu ri e então voltei para
a cama e me deitei um pouco. — Kiros?
— Sim?
— Pode me acordar quando chegarmos?
— Claro, Toya. É bom você descansar um pouco, essa viagem está sendo cansativa
até para mim.
Eu então logo fechei meus olhos e depois de contar alguns sátiros esbarrando em
ninfas que acabaram de virar arvores, eu adormeci.
Não posso dizer quantas horas se passaram para chegarmos a Ottawa. Mas Kiros
cumpriu com o que disse, ele me acordou assim que o trem chegou na estação. Nós
descemos dele e com uma mala para cada, seguimos caminho até o centro daquela cidade,
lá nós nos encontraríamos com o nosso guia até o aeroporto.
— Como é esse tal guia? —, indagou Scott.
— Hm... ele é moreno, tem o cabelo cortado a máquina 1 e tem uma característica
bem especial. — Disse Kiros.
— Tipo?
— Ele é um centauro. Você já sentiu o cheiro de um antes, então saberá quem ele é
quando estivermos perto dele.
— Centauros... a informação de que eles podem correr grandes distancias
rapidamente como se tivessem encurtando o caminho? —, indaguei.
— Já ouvi falar nessa habilidade de salto dimensional deles, mas não sei como isso
funciona. — Disse Kiros.
— Salto dimensional, Kiros? —, indagou Scott. — Como assim?
— Sabe como a teoria do teletransporte funciona, certo? Ensinaram isso nas aulas.
— Sim, eu sei. Mas o que teletransporte tem haver?
— Teletransporte e saltos dimensionais usam o mesmo princípio. Deslocar-se de
um local para outro, só que, ao se teletransportar você desaparece e reaparece em outro
ponto. Nos saltos dimensionais é como se você corresse em uma velocidade acima da do
som, indo de um canto para outro. Isso na visão de uma pessoa que observa de longe,
pode parecer como um salto à distância.
Scott suspirou e disse: — Isso é bastante complicado para mim. Por isso eu odeio
física, ela pode ser mais fácil que matemática em si, mas continua sendo coisa de doidos!
— Ei, eu gosto de matemática. Calcular trajetórias, ângulos, distância de algo... —
Falei. — Ela pode ser difícil as vezes e na maioria das vezes inútil para uma vida comum,
mas para pessoas especificas ela é essencial. Nada nesse mundo foi criado apenas por ser
criado, tudo teve um breve motivo, causa ou razão. Goste você dessa coisa, ou não.
— Tá bom senhor filosofo. Pode parar, ok? —, disse Scott.
Eu e Kiros rimos e então continuamos caminho. Logo estávamos no centro da
cidade, dezenas de milhares de pessoas andavam de um lado para o outro seguindo para
seus afazeres ou saindo dos mesmos. Eu, naquele momento não sabia como iriamos
encontrar uma única pessoa no meio de tantas. Mas Kiros disse que sentiria o seu cheiro
mesmo no meio de tanta gente. Coisa que sinceramente eu admiro nos licantropos. Com
o seu faro mais aguçado do que um cão, eles podem sentir o cheiro de qualquer coisa ou
criatura que eles queiram. E aqui eu abro uma questão. Como seria brincar de esconde-
esconde com esse tipo de pessoa? Bem difícil, eu suponho.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Nós então ficamos sentados no banco de uma praça que tinha ali perto. Passou-se
alguns minutos, e Scott ficou inquieto.
— Kiros? —, chamou-o Scott.
— Diga. — Kiros mexia em seu celular.
— Irá demorar mais? Isso está chato. Aqui está chato.
Kiros suspirou.
— Ele virá. Tenha calma, ok?
— Mas quando?! —¸exclamou Scott. — Está demorando demais cara!
Scott então grunhiu, se levantou e saiu do local.
— Ei Scott! —, gritei.
— Deixe-o ir. — Kiros me parou. — Ele precisa de tempo, apenas isso. Quando o
nosso guia chegar eu mandarei uma mensagem para ele voltar.
— Certo... —, eu voltei a me sentar.
Adiantarei esse tempo de espera para vocês, deixar vocês esperando junto comigo
não seria legal, muito menos interessante. Portanto, até daqui a pouco.
Uma hora se passou e o guia enfim chegou. Ele usava uma camisa havaiana florida
azul e um short cáqui, era moreno e tinha o corte em máquina 1 e ele não parecia nada
com um cavalo, mas sim um garoto, bom acho que isso era por conta da penumbra.
— Kiros Lucian? —, indagou o guia.
— Esse sou eu, e você?
— Chamo-me Marco, serei o guia de vocês. — Ele olhou para nossas malas e disse.
— Onde está o terceiro de vocês?
— Ele teve um breve problema. — Falei lendo uma mensagem no celular. — Ele está
escondido na rua East 770.
— Problema...? —, indagou Marco.
— O que são Lestrigões? —, indaguei a Kiros. — Isso é mal?
— Bastante. — Ele me respondeu. — Scott disse quantos eram?
— Não disse um número exato, mas disse que eram muitos.
— Então temos que correr. — Kiros fitou o guia. — Marco, certo? Você deve ficar e
vigiar nossas malas. Nós voltaremos em instantes.
Ele assentiu e nós começamos a correr em direção da rua East 770.
Eu posso dar uma breve explicação sobre os lestrigões, mas isso seria apenas o que
Kiros havia me passado. Claro que eu leria sobre eles mais tarde. Bom, eles são gigantes
antropófagos. E você se pergunta, por que “antropófagos”, e eu respondo. Pois eles comem
humanos.
Scott pode ser uma criatura mística, mas ele não pode se transformar à vontade. Só
com a devida permissão de seu guardião que no caso é Kiros. E por isso, ele vira alvo fácil
para esses grandalhões devoradores de humanos.
— Toya! —, gritou Kiros. — Você deve atento a todo o momento. Esses inimigos são
extremamente agressivos quando avistam um humano puro como você.
— Não se preocupe Kiros, o treinamento que você me deu deve ajudar a me proteger.
— Está errado. Você pode se proteger de pessoas normais, ou até mesmo de
criaturas fracas como aqueles goblins que você disse que derrotou... mas os lestrigões são
consideradas criaturas de rank C-B, portanto, você não conseguiria derrotar um, muito
menos vários.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Os dois atacaram o gigante que estava fascinado com aquela raposa gigante e nem
viu quando foi atacado. Logo o lestrigão que estava sendo pressionado pela kuda-gitsune
atacou-a, errando miseravelmente.
Ela pulou para o lado desviando do soco do gigante com delicadeza, e logo revidou
com suas garras atingindo e cortando profundamente o rosto do lestrigão, que gemeu de
dor.
— Isso... queima! —, ele praguejou alguns nomes feios e caiu de joelhos ainda
gemendo de dor. — Maldito seja... maldito seja!
Eu me levantei e a raposa voltou de forma alegre para mim. Ela se sentou na minha
frente e esperava por algo...
— Ela quer que você a parabenize. — Disse Kiros. — Acaricie o focinho dela. Raposas
amam isso.
Eu o fiz e logo ela se jogou aos meus pés de barriga para cima.
— Boa menina. — Disse eu, enquanto acariciava a barriga da kuda-gitsune. — Você
realmente me salvou.
Ela regougou novamente.
— Diga para ela voltar. Nós devemos voltar para onde Marco está, nós
provavelmente estamos atrasados para o voo. — Disse Kiros.
— Garota, bom... qual o nome dela? —, indaguei a Kiros.
— Ela disse que se chama Nitsume. É um acrônimo para Garras do Sol.
— Certo, Nitsume. Poderia voltar agora? Se as pessoas da rua te vissem, isso
causaria um belo furdunço. Nós não queremos isso, certo?
Ela logo transmutou-se de volta para a sua forma de cobra-raposa e voltou para
dentro do tubo de bambu.
— Vamos indo. Marco deve estar cansado de esperar. — Falei.
Nós chegamos em dez minutos, fomos andando calmamente para não causar
nenhuma confusão. E ao chegarmos lá, Marco estava sentado polindo um arco de madeira.
— Enfim chegaram. — Disse ele.
— Nós tivemos alguns problemas... tivemos que deixar todos apagados. — Disse
Scott. — Mas... prazer em conhece-lo, eu sou Scott. — Ele estendeu sua mão em um
cumprimento.
— Marco. O prazer é meu. — Ele olhou para o relógio e disse. — Vocês estão um
pouco atrasados, o voo já saiu. Nós teremos que ficar alojados em um hotel aqui perto, eu
levarei vocês até um que eu recomendo a todos os turistas.
Nós o seguimos e enquanto andávamos pela cidade ele ia mostrando os melhores
pontos turísticos dela, como um guia comum. Restaurantes, lojas de souvenires, etc.
Não demorou muito para chegarmos no hotel que ele mesmo disse que iria nos levar.
Era um hotel três estrelas, tudo lá dentro parecia caro e eu nem mesmo sei como ele estaria
pagando tudo aquilo.
— Um quarto para quatro pessoas, por favor. — Disse Marco para a recepcionista.
— Bruce, leve-os para o quarto 421, por favor. — Disse a recepcionista a um dos
homens que serviam para levar nossas malas.
Ele pegou as três sozinho e disse para seguirmos ele. Nós fomos pelo o elevador, ele
seguiu pela escada. Espero eu que ele seja totalmente acostumado a fazer esse tipo de
coisa e espero também que nossas coisas cheguem intactas...
Nós subimos alguns andares. Ao abrir a porta do elevador, Bruce estava lá nos
esperando com uma de nossas malas nas costas e as outras no chão, uma em cada mão.
- 47 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
Ele disse: Venham comigo, em uma voz áspera e nós o seguimos até então chegarmos no
quarto 421. A porta tinha o seu número entalhado na própria madeira, fazendo-me
lembrar da porta da sala de meu tio. Marco abriu o quarto com a chave que a recepcionista
lhe havia dado e Bruce deixou nossas coisas lá dentro e antes de desaparecer de nossas
vistas, Marco lhe deu uma boa gorjeta.
— Obrigado, senhor. — Sua voz havia dado uma breve melhorada. Vejo que ele
estava feliz por receber uma boa quantia de dinheiro. E então ele sumiu pelas escadarias.
— Sintam-se à vontade. — Disse Marco. — São quatro camas separadas, com
colchões de melhor qualidade possível. Há uma hidromassagem na varanda e uma
banheira com água quente no banheiro. — Ele riu. — O jantar fica pronto as 19 horas, por
isso, desçam para o térreo quando der esse horário. Eu estarei lá esperando.
— Caramba! Como você conseguiu pagar tudo isso?! —, indagou Scott com seus
olhos brilhando uma pura ganancia.
— Isso é por conta de meu salário como guia. Não posso dizer quanto ganho
literalmente, mas é bastante para pagar isso aqui. — Ele riu. — Bom, até a hora do jantar.
Eu digo que só dele falar em jantar, eu fiquei faminto. Mal podia pensar no que
iriamos comer aquela noite, mas uma coisa estava certa, isso cheirava mal.
— Kiros... —, chamei-o.
— Eu já até sei o que você vai falar. — Disse ele. — Você está desconfiado de ele
estar tratando tão bem a gente, certo? Acha que pode ser algum tipo de armadilha.
— Sim... você não acha o mesmo? —, indaguei.
— Eu sinto o cheiro de um centauro vindo dele. Então não há nada por que se
preocupar. — Ele sorriu, coisa que me deixou um pouco mais aliviado. — Siga o exemplo
de Scott, ele já correu para a banheira de hidromassagem.
— Acho que apenas tomarei um banho. Meu corpo está me matando.
— Avise-me quando terminar, quero conversar com você sobre uma coisa que acho
importante.
Eu então peguei minhas roupas limpas dentro de minha mala e fui para o banheiro.
Tranquei a porta, retirei o meu colar de bambu e notei que a kuda-gitsune Nitsume saiu
para tomar um ar.
— Olá Nitsume, está cansada da última batalha? —, indaguei a ela.
Ela apenas regougou.
— Vou tomar isso como um sim. — Disse entrando na banheira.
Os músculos de meu corpo estavam ficando relaxados por conta daquela água
quente. A água estava numa temperatura muito boa, não a ponto de escaldar meu corpo,
mas também não estava como um rio do ártico.
Digo que fiquei ali por uns dez minutos contados e quando saí de dentro da banheira
eu notei que meus dedos estavam completamente enrugados. Vesti rapidamente minhas
roupas limpas e deixei a trouxa de roupas sujas dentro de uma sacola plástica. Eu havia
aprendido a fazer isso com minha mãe. Separar as roupas limpas das sujas ajudaria a
manter todas lavadas no final da semana.
— Nesse meio tempo, Scott saiu da hidromassagem, vestiu seu pijama e adormeceu.
Não acho que ele irá levantar tão cedo. — Disse Kiros.
— São que horas agora? —, indaguei.
— 17:38. Falta um bom tempo até o jantar.
— Hmm... bom... sobre o que você queria conversar?
— Sente-se. Você vendo esses desenhos você deve entender melhor.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Ela nos deu uns cardápios, e nós, seres famintos, apenas escolhemos o que já estávamos
acostumados a comer.
Nós nos enchemos de comida até dizemos chega e jogamos um bom papo fora.
Conhecemos um pouco mais sobre o nosso guia Marco. Ele já havia estudado por um
tempo em uma das academias da América do Sul e ele disse que lá era realmente quente
comparada à aqui. Logo, todos nós subimos trocamos nossas roupas para os nossos
pijamas e continuamos a jogar conversa fora. Scott foi o primeiro a cair no sono, Marco foi
o segundo. Eu e Kiros ficamos conversando sobre os meus próximos treinos e antes mesmo
que eu pudesse perceber, eu já estava dormindo.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
VIII
Nós acordamos bem cedo, umas 4:30 da manhã. Marco já havia marcado outro voo
para Los Angeles pela internet e ele seria as 5 horas. Como o aeroporto não era tão longe
de onde estávamos — O hotel Vida e Glamour — nós precisaríamos apenas de uns dez
minutos de viagem de carro para chegarmos lá.
Não sei como não nos pararam nessa ida até o aeroporto, já que Marco, com sua
aparência de um jovem de doze anos de idade não poderia dirigir, certo? Bom, não foi esse
o caso. Com o carro alugado dele, nós chegamos no aeroporto apenas para embarcamos
no avião. Nossos assentos eram próximos, sendo eu e Kiros em dois juntos e Scott e Marco
nos assentos logo à frente de nós.
— Hehehe. Isso aqui é demais cara! —, exclamou Scott. — Sério... quanto você
ganha sendo um guia?!
— Antes que pense errado, não fui eu quem pagou esse voo, e sim sua academia. —
Disse Marco. — Eles sempre gostam de “economizar” sabem? —, ele riu.
— Aham. — Falei. — Nós estamos em que classe?
— Primeira. — Disse Kiros. — Nós temos essa parte do avião praticamente para nós.
— Sério? —, indaguei surpreso. — Bom, a academia deve ter bastante dinheiro na
verdade... com tantas missões que todos da academia são mandados... digo.
— A academia realmente acumula muitos bens com as tais missões. Mas o que
ganhamos não é nada comparado a academia da Europa. Eles têm uma taxa de missões
muito alta, os alunos de lá não tem sossego algum.
— Sorte nossa que seu pai nos mandou para a Academia Gaia, não é Kiros? Hehehe
—, disse Scott. — Bom, quanto tempo até chegarmos ao nosso destino?
— Algumas horas. — Disse Marco. — Aproveite para dormir o quanto precisa, pois
quando chegarem lá eu não acho que vocês tenham mais sossego algum.
— Kiros? —, Scott o chamou. — Quando chegarmos lá, nós iremos encontrar quem,
exatamente?
— Nós, junto de outro grupo de nossa academia, iremos falar com o Oráculo de
Delfos. Só daí então nós saberemos o que iremos ter que fazer.
— O oráculo... faz tempo que recebemos uma missão dele. — Disse Scott. — Ei!
Essa será a primeira vez de Toya, certo? Hehehe.
— O que tem? —, indaguei.
— Todas as primeiras vezes com o oráculo são um pouco mais interessantes. —
Disse Marco.
— Hmm... Ah! Marco, pode me responder uma coisa?
— Pode dizer.
— Você só fará o trabalho de nos levar até onde devemos ir, ou você faz parte do
nosso grupo agora? Tipo... irá conosco para essa tal missão que o oráculo nos der.
— Infelizmente eu não posso participar de grupos, não sendo um guia. Não que eu
não gostaria de trabalhar com vocês, mas, eu tenho que ajudar outros grupos a virem para
cá, como vocês. Todas as academias estão se movimentando, e provavelmente uma grande
guerra irá acontecer. Eu não soube de muita coisa sobre a missão de vocês, mas eu não
posso parar os rumores, não é mesmo? A única coisa que sei é que o cristal foi atacado...
isso é realmente triste... bastante triste ver que mesmo depois dessa última grande guerra,
ainda exista seres com tanto ódio no coração.
— O ódio nunca se extinguirá. É uma pena, mas é a realidade. — Disse Kiros. —
Mas por conta disso, nós continuaremos fazendo justiça. Punindo e exterminando o mal
que tentam de todas as formas acabar com a paz nesse mundo.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Como eu gosto desses discursos. — Disse Scott. — Kiros, não é que eu não
acredite no que você diz, mas... um dia eu sei que isso acontecerá. Um dia todo o mal
acabará, mesmo que ele volte depois de sei lá quantos anos, mas... uma época de paz deve
vir.
— Ela virá quando acabarmos com essas missões, não? —, falei. — Ao combatermos
os responsáveis por envenenar o cristal de gaia, nós faremos um momento de paz, certo?
— Não é que você esteja errado, é realmente essa a ideia... mas quem pratica o mal
nunca deixará de fazer isso. Os monstros renascem, mesmo que nós matemos eles.
Dependendo da forma que isso seja feito, eles podem demorar para fazer isso, mas em
algum momento eles serão trazidos de volta. — Marco então suspirou. — É realmente
chato essa parte. É um ciclo quase que infinito de mortes e ressureições... mas nós
continuamos a batalhar e batalhar, pois não podemos mudar esse fato.
— Por que eles renascem? —, indaguei. — Existiram alguma forma de mantê-los
mortos?
— Essa eu posso responder. — Disse Scott. — Eles renascem por conta de alguém
que os trazem de volta. Existem outras formas além de alguém chamando por eles? Sim,
existe. Mas elas são bem mais raras e incomuns de acontecer, como o fato deles burlarem
a própria morte e fugirem dela.
Eu suspirei.
— Então... onde se encontra esse tal oráculo de delfos? —, perguntei.
— Costuma ficar em uma base organizada pelos caçadores, em Los Angeles. — Disse
Kiros. — Lembra que nós fomos pegar o pacote de jujubas com um cara chamado Udra?
Lá era uma base pequenas dos caçadores, diferente da que estamos a caminho.
— Hmm.
— Olhe, vai ser uma longa viagem e depois que recebermos nossa missão lá, nós
não teremos sossego, como Marco disse, portanto, é melhor você descansar até chegarmos
lá, ok?
— Certo.
Eu me ajeitei naquele — mais que confortável — banco reclinável e em menos de
meia hora eu estava dormindo tranquilamente, isso enquanto ouvia minha coletânea de
músicas para momentos “calmos e tranquilos”.
... ... ... ... ...
Ali estava eu. Novamente em uma conexão sensorial com a filha do Deus dos Mares.
E como eu sabia disso? É bem simples, na verdade... a resposta é: costume. A sensação
não é tão diferente de estar no mundo real, já que você realmente é transportado para o
local onde a pessoa que criou a conexão está. Mas se você já aprendeu a sentir energias
espirituais e analisa-las, como eu aprendi, você saberá que é uma conexão sensorial, já
que a energia daquele que a fez fica completamente exposta para você.
Bom, falemos sobre o local da vez. Continuava a ser uma caverna, mas não de cristal
como da última vez. Estava extremamente frio, e a energia espiritual de Ceres estava
extremamente condensada, ela tentava se esconder de algo e eu precisaria ficar atento
para não ser pego pela mesma coisa que a caçava.
Imediatamente comecei a ir em direção dela. Fui me esgueirando pelas paredes
gélidas daquela caverna até chegar em um tipo de câmara, e lá vi Ceres, aos farrapos.
— Alto! —, exclamou ela enquanto apontava seu dedo indicador para mim.
— Sou eu! —, gritei. — Toya!
Ela abaixou a mão, ficando um pouco mais relaxada.
— O que faz aqui?! —, indagou ela. — Eles não te viram, certo?!
- 52 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eles quem Ceres? Eu não vi ninguém em direção daqui, mas eu já imaginava que
alguém estivesse te caçando...
— Telquines... —, ela me interrompeu. — Vim até essa caverna a pedido de meu pai,
ele queria uma joia que só poderia ser encontrada aqui. Eu achei essa tal joia, mas acabei
acordando uns inimigos. Achei que poderia enfrenta-los sozinha, mas eles eram muitos.
— Telquines? —, indaguei e puxei meu livro. Por sorte estava com ele. — Criaturas
marítimas que tem cabeça de cachorro, tronco humano, com garras nas mãos e a parte
inferior do corpo sendo hora uma nadadeira e hora pernas?
— Exato! —, disse ela admirada. — Vejo que conseguiu um livro impressionante.
Ele tem informações sobre qualquer criatura?
— Sim. Bom, foi o que me disse o recepcionista da biblioteca da academia.
Repentinamente ela puxou sua espada que estava na bainha e a ergueu na altura
de meu rosto. Eu ouvi o barulho de um metal esbarrando na espada e logo notei que uma
faca tinha sido atirada contra mim e agora estava fincada no chão.
— Pegue-a! Eles nos encontraram.
Eu peguei a faca e senti um misterioso poder fluindo dela. Era incrivelmente leve,
sua lâmina estava gasta, mas não parecia estar sem corte.
— Quantos são?! —, perguntei rapidamente.
— Eu sinto a presença de cinco deles. Já que só existem entradas ou saídas pela
nossa frente, nós não precisamos cuidar de nossa retaguarda... mas em todo caso, fique
em alerta, ok?
— Certo.
Dois dos telquines avançaram contra nós. Eles tinham uma coloração da cor do mar
e carregavam lanças que faiscavam uma corrente elétrica. E novamente eu senti uma
grande energia vindo delas.
— Não seja acertado! Um simples golpe pode ser fatal para você, que se diz humano.
Novamente eu estava em situação de risco extremo. Nós éramos dois, e mesmo Ceres
sendo uma semideusa, eu não poderia fazer nada além de correr e contra-atacar em
momentos críticos.
— Grrrrgh! —, o telquine da direita começou a rosnar e então apontou sua lança
para Ceres.
— Isso não é um bom sinal, certo? —, minha pergunta era retórica, esperava que
ela tivesse entendido isso e apenas desviasse do golpe que ela desviou, mas não, ela me
respondeu.
— Para mim? Um pouco. — Ela pulou, desviando do golpe que eu disse que ela
desviaria, e logo juntando as palmas das mãos de forma mais que barulhenta. Logo gritou.
— Estilo de água: Revólver d’água
Apontando seu dedo indicador para um dos telquines que estavam logo à frente dos
outros três, uma pequena e concentrada partícula de água se formou e em um grito, Ceres
disparou-a contra a testa do telquine que caiu, morto. Ela disparou mais três vezes contra
o telquine que estava mais à esquerda, ela errou um dos tiros, mas os outros dois foram
certeiros. Um no ombro direito e outro na boca do estomago.
— Belo tiro! —, exclamei.
Os outros telquines avançaram e começaram a atacar de forma sincronizada. Eu e
Ceres apenas desviávamos de cara um daqueles golpes, nos distanciando o máximo que
podíamos daquelas lanças elétricas.
— Essa faca afetará eles? —, indaguei.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Ela está revestida de Mana do elemento água, eles são criaturas aquáticas, acho
que você entendeu.
Suspirei, chateado.
— Ótimo... —, disse. — Podem pegar ela de volta então!
Eu a joguei e por sorte acertei a mão de um dos telquines, que soltou sua lança no
susto. Ceres atirou mais dois tiros nesse mesmo telquine e o derrubou. Uma curiosidade,
monstros marítimos não sangram da mesma coloração que nós, o sangue deles é bem mais
escuro, parecendo uma gosma esverdeada. Bom, é isso.
— Eu tenho mais um tiro. — Disse Ceres.
— Não pode “recarregar” não? —, indaguei.
— Só depois de todos os tiros serem dados e demoraria um tempo para fazer isso.
— Eu gostaria de poder dizer: Vai lá, eu te dou cobertura. Mas é melhor não, certo?
—, eu cocei a minha cabeça.
Os dois telquines restantes avançaram, provavelmente eles entendiam nossa língua,
já que vinham com sorrisos nos focinhos, para não dizer rostos.
— Já sei! —, exclamei. — Distrai-a eles por um minuto, ok?
Ela olhou ao redor procurando algo e logo respondeu.
— Tá! Você terá alguns segundos!
— Isso não foi encorajador, sabe? Mas pelo menos é alguma coisa.
Ela atirou para cima. Uma estalactite caiu contra os telquines deixando-os
atordoados por um tempo. Mas foi tempo suficiente para eu conseguir me aproximar de
um dos caídos e então roubar uma daquelas lanças elétricas.
— É realmente uma pena vocês serem do elemento água. — Eu dei uma risada, que
momentaneamente me deixou mais maneiro, mas só momentaneamente.
— Então você estava atrás disso. Boa Toya! —, exclamou Ceres.
Investi contra os dois telquines e defendi os seus golpes. Ceres foi rápida em seu
suporte, dando um tiro certeiro na nuca do telquine que estava minha esquerda, me
deixando no mano a mano contra o último. Eu segurava aquela lança — mais que pesada
— de forma esdrúxula. Até agora eu só tinha recebido treinamento com espadas e arcos,
mas não com lanças, mas mesmo assim eu não poderia bobear ali.
Ceres bateu a palma de suas mãos novamente conjurando novamente a sua técnica
e o telquine me atacou acertando meu ombro direito. A dor era intensa... centenas de
milhares de vezes pior que um corte de papel ganho ao fazer um trabalho escolar e olhe
que eu sei do que estou falando.
— ARGH! Seu... —, eu suspirei sem completar meu xingamento e ataquei a criatura.
— Apenas morra.
O telquine fritou, e um estranho cheiro de peixe assado adentrou minhas narinas,
me deixando nauseado. Eu realmente não gostava de peixes em questão de me alimentar.
Logo eu caí no chão, deixando a lança escapar de minhas mãos. Minha mão esquerda
estava pressionando o ferimento de forma inconsciente e Ceres correu para me ajudar.
— Você deu sorte... —, ela então rasgou uma parte de sua camisa o que deixou ela
ainda mais esfarrapada e então fez um torniquete no meu ombro para fazer o sangramento
parar.
— Valeu...
— Eu que agradeço... se você não tivesse vindo para cá eu poderia estar morta.
— Espera... você não me chamou aqui? —, indaguei.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Dessa vez não. Pensei que você tivesse sentido que eu estava em apuros e então
apareceu aqui por conta de nossa ligação sensorial.
— Deve ter sido isso... mas eu não fiz por querer.
— Mesmo assim obrigada. — Ceres sorriu. — Bom, eu sairei dessa caverna o mais
rápido que eu puder, mas antes eu te mandarei de volta, ok?
— Claro. Até outra hora.
Eu fui desmaterializado, já estava acostumado com a sensação de virar um
holograma, portanto, apenas acordei no assento do avião.
Kiros fazia umas anotações em seu caderno como sempre. Scott dormia e Marco
também, já que o mesmo estava roncando. Logo, Kiros virou-se para mim e falou.
— Já acordou? Bom, pelo menos me poupou o trabalho de fazer isso... — Ele olhou
pela janela do avião. — Nós estamos em Los Angeles, só estamos esperando o avião pousar.
— Foi rápido.
— Se passaram três horas. Seu sono deve ter sido muito bom para você ter perdido
a noção do tempo. — Kiros então fitou meu ombro. — Você não tinha isso antes de ter ido
dormir. Ou eu que estou ficando com a percepção meio ruim?
— Ah, isso? Eu estive em uma conexão sensorial agora a pouco... ganhei isso contra
um telquine.
— Telquine? Interessante. — Ele olhou para o torniquete mais uma vez. — Eles
estavam usando alguma arma? Digo... para um telquine ter te acertado ele devia estar
segurando alguma arma de longo alcance.
— Eles usavam uma lança esquisita. Ela tinha a ponta feita de bronze e ela conduzia
eletricidade.
— Bronze... então eles não perderam os antigos costumes. — Kiros riu. — Parece
que a guerra que está por vir será interessante.
— O que vai ser interessante, Kiros? —, indagou Scott, que havia acabado de
acordar.
— Essa guerra que está por vir... ela será difícil. Tão difícil quanto qualquer missão
que nós já tenhamos feito. Com telquines voltando aos antigos costumes de usarem bronze
nas lâminas de suas armas, eu tenho certeza de que eles já estão se preparando para
algum movimento grande que nós iremos fazer.
Scott apenas ficou em silêncio.
— O avião pousou. — Disse Marco. — Vamos indo?
— Claro. — Falei.
— Certamente. — Disse Kiros.
— É. — Scott não parecia estar tão animado quanto antes de ter ido dormir. —
Tanto faz...
Nós descemos do avião e passamos pelo aeroporto. Marco ligou para uma empresa
de aluguel de carros e pediu um para nós. E já era de se esperar, era um carro de luxo.
— Sério... quanto você ganha? —, indagou Scott a Marco.
Marco apenas riu, ignorando a questão abordada por Scott.
— Como você é chato, viu? —, Scott suspirou. — Bom, nós iremos ver o oráculo
agora mesmo?
— É o objetivo. — Disse Marco. — Vamos, entrem. E lembrem-se de colocar o cinto
de segurança... não quero ser multado por nada.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Nós tivemos mais uma hora de viagem de carro até chegarmos na tal base dos
caçadores da cidade de Los Angeles. Ela era realmente maior — comparando a outra que
já tínhamos visitado ao fazermos minha primeira missão —, ela tinha um muro cercando
o território e alguns guardas vigiando a entrada do local.
Logo Marco estacionou o carro e nos guiou até dentro daquela enorme base.
— Chamo-me Marco. — Ele tirou um distintivo do bolso esquerdo de sua calça e
mostrou a um dos guardas, que logo abriu aquele imenso portão de ferro. — Sigam-me.
Deixarei vocês em seu destino e partirei.
Nós o seguimos pela imensa entrada daquela base — que mais parecia uma mansão
projetada por um bilionário. Eu realmente fiquei impressionado com aquele local. Não tão
longe daquele caminho feito por azulejos — que dava em direção a entrada da mansão —
existia um campo de cultivação de diversos tipos flores. Ao outro lado, um campo de tênis
e um local de cultivação de algumas videiras.
— Esse local pertence a quem mesmo? —, indaguei. Digo... tem alguém em
especifico que cuida das despesas do local?
— Está aqui é a maior cede dos caçadores entre toda a américa, portanto, todos os
caçadores que usufruem dessa mansão, devem cumprir com certos requisitos e despesas.
— Disse Marco. — Bom, vamos adiantar nosso passo. Imagino que vocês não devem ter
tempo algum para perder.
Nós adentramos aquela mansão e... nossa. As paredes eram pintadas na cor bordo,
os móveis brilhavam cintilantes de tão bem polidos que estavam, tinham três lustres no
teto daquela sala de entrada e todos, exatamente todos eram feitos de puro ouro. Em nossa
frente, uma grande escada levava ao segundo andar daquela mansão. A esquerda tinha
uma porta que levaria até a cozinha, de onde poderia se sentir um cheiro maravilhoso —
ponto a se ressaltar: nós tínhamos acabado de chegar e era umas 11:50, bem perto do
horário de almoço. Por fim, a direita. Local de reuniões. Onde todos os membros da liga
dos caçadores ou mesmo os membros das diversas academias espalhadas pela América do
Norte ou do Sul.
Marco nos deixou no local de reuniões e logo saiu. Nós esperamos por um bom
tempo, mas logo dois membros dos caçadores chegaram. Um deles tinha a pele branca,
olhos acinzentados e cabelos ruivos alaranjados que nem eu. O outro tinha a pele parda
como Kiros, olhos vermelhos e uma cicatriz notável em seu rosto — partindo de seu olho
esquerdo e indo até a bochecha direita.
Kiros levantou-se e se curvou. Scott fez o mesmo e por instinto eu também fiz.
— Ora, ora... que surpresa temos aqui. — Disse o ruivo. — Seu irmãozinho cresceu,
Garou.
— Kiros? —, disse Garou com sua voz grave. — Vistes nosso pai?
— Sim, eu vi. Ele deu uma breve palestra em nossa academia, estava junto de
Yagami Kuroi, diretor da academia da Ásia. — Disse Kiros.
— Então todos já estão sabendo de nossa situação atual... —, disse o ruivo. — Era
de se esperar. He... he... he.
— Irmão. Nós viemos até aqui para falar com o oráculo. — Disse Kiros. — Mirai, o
diretor de nossa academia disse que ele terá uma missão para nós.
— Como todos os outros. — Disse Garou.
— Outros? —, indagou Scott.
— Vários outros alunos chegaram aqui antes de vocês. Eles estavam esperando
vocês chegarem para então ouvirem o que o oráculo tem a dizer.
No mesmo instante, a porta bateu e uma garota gritou irritada.
— Quanto tempo mais teremos que esperar?!
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Vejo que os nove escolhidos são bem distintos. — Comentou a oraculo. — Bom...
que venha o próximo.
Aquele que deu o passo à frente tinha a pele pálida. Cabelos pretos quase
desbotados e olhos avermelhados.
— Chamo-me Uriol Hogan, tenho doze anos e sou um vampiro de classe nobre. Líder
do grupo C, da academia do Norte.
— Vampiros... sempre com esse olhar esnobe. — Scott sussurrou ao meu ouvido.
— Realmente eu odeio todos eles...
— Meu nome é Erik Cross. Tenho doze anos e sou um Metamorfo.
— Me chamo Andy Guran. Tenho treze anos e sou um dos minotauros.
Por um momento, o meu olhar se cruzou com o dele... e eu senti raiva. Mas isso foi
anulado por conta de Kiros dando um soco de leve em meu ombro direito.
— Certo... agora que todos vocês se apresentaram, eu devo contar a vocês a profecia.
— Ela então respirou fundo.
O silêncio era assustador. Dava para ouvir a respiração de todos ali presentes
naquela sala... eu também escutava meus próprios batimentos cardíacos, afinal, eu estava
um pouco nervoso. Logo, os olhos do oráculo brilharam em um tom esverdeado e uma
fumaça da mesma cor tomou conta do local, dando espaço para a aguardada profecia.
— Ao leste, sete buscarão o filho perdido do deus da morte, outros três muito menos
terão sorte. Na terra dos mortos eles se encontrarão, para então um deles cair sobre
tentação. Depois da espada de vidro um deles encontrar, logo se decidirá quem o traidor irá
ceifar. Após o momento de glória acontecer, um dos nove escolhidos então irá morrer.
O silêncio continuou por alguns minutos. Todos estavam em choque por conta de
tudo que aconteceu: a voz do oráculo que havia mudado para algo extremamente mais
assustador, o brilho nos olhos dela e a fumaça/névoa que tomou conta do lugar.
Mas logo um deles gritou. Completamente indignado.
— Mas... o quê?! —, exclamou Erik. — Como assim um de nós irá morrer?! Hein?!
— Acalme-se, Erik. — Disse Uriol. — Isso é só uma profecia, nem sempre ela está
correta.
— Lamento lhe informar tal coisa, mas... todas as vezes que eu acabei descobrindo
uma das profecias do oráculo, elas se cumpriram exatamente como deviam. Mesmo que
sejam confusas de se entender a princípio, elas se cumpriram. — Disse Alice.
— Tanto faz. — Uriol bufou. — Erik, Andy, me sigam. Eu vi um campo de treino no
campo lá fora... eu quero me desestressar um pouco lá.
Os três então saíram da sala.
— Que bando de idiotas. — Disse Yue. — Bom... só sobrou a gente.
— Somos seis ao todo. Precisamos de mais uma pessoa para cumprir com a profecia.
— Disse Alexis.
— Errado. Nós somos sete. — Disse um garoto que estava encostado na porta.
Ele tinha cabelos ruivos-avermelhados, olhos azuis e a pele branca. Vestia um
casaco de couro preto aberto mostrando uma camisa que tinha a estampa da Dona Morte.
Sua calça também era de cor preta e ele usava um cinto que tinha uma caveira na fivela.
— E você é? —, indagou Alexis.
— Chamo-me Kyrie. Aquele que será o sétimo neste grupinho.
— E quem disse que iremos te aceitar no grupo?! Convencido de merda. —,
exclamou Scott.
— Vocês têm outra opção por acaso? Lobinho.
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— Tome seu tempo para digerir a comida. Nossos estômagos são diferentes, afinal.
— Disse Kiros.
Eu fiquei sentado junto de Yue em um banco de pedra que tinha ali no local. Apenas
observando o treino de Scott e Kiros. Os dois trocavam socos com destreza e rapidez. Tanta
que eu mal podia acompanhar direito o treino deles.
Ao fundo, eu vi os três do outro grupo vindo em nossa direção, mal sabia o que
aconteceria.
— Eu desafio você Kiros Lucian! —, exclamou Uriol.
— Ei! Você está atrapalhando nosso treino. Otário. — Disse Scott.
— Não estou nem aí para o seu treino. Apenas quero que o tal Lucian honre meu
desafio.
— Vampiros sendo vampiros. E se o Kiros não quiser aceitar o seu desafio, hein?
— Eu então o forçarei a fazer tal coisa. — Disse Uriol com um tom sério.
— Eu não tenho interesse algum em lutar com você. — Disse Kiros.
— Isso vai ser interessante. — Disse Yue ao meu lado. — O vampiro contra o
lobisomem. Umas das brigas entre raças mais antigas que existe.
Uriol então atacou Scott que foi jogado contra a parede.
— Mas que babaca... —, disse Scott se levantando. — Queira você ou não, agora
essa luta é minha também. — Ele estralou o pescoço junto dos punhos.
Uriol apenas se pôs em uma base de luta. E Scott partiu para cima dele em uma
investida. Ao trombar com seu ombro em Uriol o mesmo desferiu um soco contra o rosto
de Scott.
— Dessa vez eu não irei ser acertado tão facilmente. — Disse Scott, que havia
defendido o soco com perfeição. — Se vacilar, irá cair. E se cair, você já era.
Scott desferiu uma sequência de socos e chutes contra Uriol que defendia alguns e
esquivava de outros. Apenas ganhando espaço Uriol se afastava de Scott, enquanto o
mesmo apenas ia atrás dele.
— Ele está fazendo Scott ficar cansado... —, falei.
— E por que você não grita isso para ele? —, indagou Yue.
— Por que ele sabe muito bem disse. — Disse Kiros. — Scott não é um novato em
brigas ou lutas, mas seu estilo é bem mais agressivo que o normal. Coisa que esse Uriol
está aproveitando e muito.
Scott conseguiu então encurralar Uriol contra uma das paredes do local. E
rapidamente começou a o socar. Vários socos, um atrás do outro. Uriol apenas se defendia
como podia, sem chance de escapar daquele canto que estava.
Até que ele errou milimetricamente o seu soco, acertando a parede.
— Já era. — Disse Uriol que puxou o braço de Scott invertendo as suas posições.
Ele desferiu uma joelhada na boca do estomago de Scott, que se curvou de dor.
Agarrando a nuca dele, Uriol desferiu mais uma ligeira joelhada contra o rosto de Scott
que caiu no chão.
— Seu olhar não é bom. — Kiros começou a correr em direção dos dois. — Pare!
Desgraçado!
— Por tentar me desafiar e ser apenas isso, irá morrer. — Disse Uriol.
Ele estava em cima de Scott e tinha preparado uma técnica que estava fazendo sua
mão pegar fogo sem queimar sua própria pele. Os colegas de Uriol tentaram impedir Kiros,
mas tudo foi em vão, Kiros os derrubou com apenas um golpe.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Bom, nós iremos agora. Nos chame se precisar de alguma coisa. — Disse a
enfermeira. — Você deve ser Kiros, certo? Não deixe ele sair dessa cama até voltarmos. Ele
quebrou duas costelas e precisa repousar para que nossa magia funcione.
— Certo. Eu vigiarei ele. — Disse Kiros.
As enfermeiras sorriram e então saíram da sala. Eu e Kiros então sentamos uns
bancos que tinham ali na sala e ficamos conversando com Scott.
— Cara... eu levei uma surra e tanto. — Disse Scott chateado. — Por sorte não morri
também. E esse tal de Kyrie... que tipo de técnica ele usou? Você sabe Kiros?
— Não faço ideia. Só sei que foi algum tipo de técnica de aprisionamento.
— Ele disse que Uriol estava paralisado, não? —, falei. — Deve ser alguma coisa que
imobilize o corpo? Talvez?
— Existem milhares de técnicas de aprisionamento que usem o método de paralisia
corporal, por isso é muito difícil de saber qual técnica ele usou. — Disse Kiros. — A não
ser que ele mesmo diga qual foi.
— Falando em técnicas... que tipo de técnica seu irmão irá te ensinar? —, indaguei
curioso.
— Não sei ao certo qual será, mas tenho uma mínima noção de qual seja. — Ele
fitou Scott. — A técnica do estilo trovão: Mil pássaros.
— Essa técnica é muito daora! —, disse Scott. — Eu só vi o irmão de Kiros usando
ela uma vez, mas com ela ele atravessou a lataria de um carro com a mão.
Kiros assentiu.
— É uma técnica de rank B-A, usada para assassinatos. — Disse Kiros.
— Cara... eu queria ter o estilo trovão só para aprender essa técnica. Mas eu não
sou compatível com o elemento trovão. — Disse Scott.
— Como assim compatível? —, indaguei.
— Cada pessoa tem um tipo de energia espiritual, isso faz com que certas pessoas
sejam compatíveis a certas energias elementais, mas claro, isso também faz com que ela
seja não compatível com certos tipos de elementos. Eu por exemplo sou compatível com o
elemento fogo, que é o meu elemento base. Mas eu não sou compatível com o elemento
trovão. Então eu não poderia ter ele como elemento secundário.
— Já eu sou compatível com o elemento trovão. Que é o meu elemento base, como
todos de minha família. Mas eu não sou compatível com nenhum outro elemento a não ser
água, por isso eu só posso ter ele como elemento secundário me impossibilitando de ter
um terceiro elemento se eu quisesse. — Disse Kiros.
— Ei Kiros... mas você não disse que uma pessoa só pode ter dois elementos no
máximo? —, indaguei.
— É verdade, eu disse. Mas não expliquei o porquê disso, então eu farei agora. Todos
nós temos energia espiritual e nossa energia sempre tem dois compartimentos para
energias elementais. Algumas pessoas então aprendem dois elementos distintos, outras
focam em um elemento apenas. Mas existem pessoas que tem três ou mais
compartimentos para energias elementais, eu posso dizer o meu irmão por exemplo. Ele
possui três elementos sendo eles: Fogo, Trovão e Água.
— Interessante. Então quer dizer que somente poucas pessoas tem esse quesito de
ter três compartimentos para energias elementais, certo? Resumindo, uma coisa rara de
se ter.
— Exatamente. — Disse Alexis. — Ah! Me desculpem por me intrometer, é que eu
não pude me segurar. Esse assunto é realmente interessante.
— A quanto tempo você está aí? —, indagou Kiros.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Não faz muito tempo, talvez uns dois minutos. — Ela riu.
— Onde estão as outras duas?
—Alice e Yue foram dar uma volta. Eu decidi procurar por vocês. — Alexis suspirou.
— Ouvi de seu irmão sobre o que aconteceu... maldito seja aquele garoto.
— Kyrie o parou. Isso que importa.
— Bom, você sabe quando Scott poderá sair dessa cama?
— As enfermeiras me disseram para ficar aqui descansando até elas voltarem... isso
é um saco. — Disse Scott. — Espero que elas não demorem muito.
— Ei Alexis. Posso te perguntar uma coisa? —, indaguei.
— Claro Toya. — Disse Alexis.
— Você controla qual elemento?
— Eu tenho um elemento não tão comum, digo... não é um dos cinco normais e sim
um que fica fora dessa classe. O elemento das plantas.
— Plantas? —, indagou Scott.
— Ela usa conjura plantas para atacar os inimigos. — Disse Kiros. — É algo útil
para quem saber usar. Um elemento bom para se ter na equipe já que tem seus poderes
aumentados ao toque da água e pode ser incendiado com técnicas do elemento fogo, claro
que isso pode ser uma fraqueza do elemento também, mas não vem ao caso agora.
— Se Scott é do elemento fogo, Kiros do elemento Trovão, Alexis usa plantas... que
elemento eu devo escolher? Digo... se eu tiver como escolher entre mais de um.
— Para a equipe, você diz? —, indagou Kiros.
— Sim.
— Terra ou Vento. Um desses dois.
— Realmente... você tem cara de alguém que usaria técnicas do elemento vento. —
Disse Alexis.
— Se você puder escolher o elemento vento será bem legal. — Disse Scott. — Já que
o vento aumenta a força do elemento fogo, nós dois poderíamos combinar técnicas.
Hehehe.
— Verdade. — Disse Alexis.
— Bom, eu falarei a respeito disso com meu irmão. Ele pode te ajudar a dominar
um elemento melhor que eu. — Disse Kiros.
— Eu realmente agradeço, Kiros. — Falei.
Nós continuamos conversando e conversando e nem notamos que o tempo passou
mais depressa do que esperávamos. Deu o horário do jantar, e as enfermeiras voltaram
para então liberar Scott. Então nós jantamos. Não vi Kyrie em lugar algum, mas os idiotas
que atacaram Scott estavam ali, numa mesa afastada da nossa.
— Os seus quartos continuam os mesmos garotos, mas Garou sugeriu que
ficássemos em um quarto separado. — Disse Alice.
— Sem problemas. — Disse Kiros. — Eu até tenho que ver se aquele grupo terá um
quarto separado para eles... não quero nenhum risco deles nos atacarem enquanto
dormimos.
— Isso é uma boa ideia. — Disse Scott.
Scott e eu então fomos para o nosso quarto e Kiros foi atrás do irmão para então ter
o seu treinamento. Mal podia esperar para fazer o meu treinamento também, mas como
Kiros tinha dito: Tudo tem seu tempo. Por isso, eu fiquei conversando com Scott até que
um de nós pegasse no sono. Que por acaso, esse foi eu.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
IX
Já dentro daquele avião — que por vez não era de primeira classe — todos nós
sentávamos em duplas: Eu e Kiros, Scott e Alexis e Yue e Alice. Kyrie por outro lado pegou
dois assentos só para ele, isso por nós sermos sete e ele não ter uma dupla. “Eu gosto de
ficar sozinho”, disse ele, e realmente, ele não demonstrava estar se sentindo sozinho.
Eu, claramente não sabendo para onde estávamos indo, decidi perguntar a Kiros o
nosso destino. Isso já esperando que ele soubesse a resposta.
— Kiros... —, chamei sua atenção cutucando-o no ombro. — Você sabe o destino
desse voo?
— Egito. — Ele me respondeu.
— Sério?! —, indaguei surpreso.
Sim. Estar indo para o Egito era mais surpreendente do que ter enfrentado monstros
até então, já que... eu realmente nunca tinha viajado para fora do país antes.
— Lá também existe monstros como em qualquer local, certo?
— Por que não teria? —, ele riu. — Ah, é bom avisar logo isso a você. Já que estamos
indo para outro continente, as regras de conduta lá são bem diferentes. Outros deuses,
monstros, criaturas, etc, etc. Por isso, é bom ter cuidado com suas ações, ou tentativa de
invocação de deuses de nosso continente.
— Mitologia egípcia domina lá, eu suponho. — Falei. — E sem preocupações, eu não
costumo fazer esse tipo de coisa.
— Então não preciso mesmo me preocupar. — Kiros suspirou aliviado. — É bem
duro as consequências de tais atos, acho que você entende. E, sobre a “mitologia” que você
citou antes, sim, é mesmo a egípcia, algo obvio na verdade.
Scott, que estava em nossa frente apareceu levantando-se na cadeira reclinável e
chamou a atenção de nós dois.
— Essas regras de conduta são realmente chatas. Mas é realmente uma sorte você
ser um humano que não acreditava em nada, antes de tudo isso. Você não precisará se
preocupar com tanta coisa como algumas pessoas de nossa academia. — Disse Scott. —
Eu posso citar o Robert, por exemplo. Aquele sátiro é realmente muito apegado ao seu
deus Pã.
— Pã quem? —, indaguei. — Meu livro está na mala, não posso checar quem ele é.
— É o deus dos bosques, campos, rebanhos e dos pastores. — Disse Kiros. — Todos
os sátiros o adoram, mesmo que existam boatos que Pã esteja morto.
— Boatos?
— Sim. A muito tempo, Pã saiu em uma jornada atrás de um meio de mudar o
pensamento da humanidade enquanto a natureza. Vocês humanos, sem ofensas,
começaram a poluir muito o planeta e Pã abominava tal ato... bom acho que a maioria dos
deuses abomina tal ato, mas é algo a se ressaltar. Bom, continuando, Pã nessa sua jornada
desapareceu, nunca mais mostrando sua face para os seus adoradores sendo eles os
sátiros e as ninfas. Desde então, todos as outras criaturas, incluindo alguma boa parte
das ninfas, declararam Pã como morto.
— Entendo. Deve ser bem difícil aturar tal coisa, não?
— Aturar o que exatamente? —, Scott indagou.
— Ter que adorar alguém que você não sabe se ainda vive, ou se realmente está
morto.
— Para aqueles que ainda o adoram, ele não morreu, Toya. — Disse Kiros. — E
dizem que os deuses não desaparecem por acaso, já que são imortais, eles não podem
morrer assim do nada.
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deveria ficar com esse cargo, mas se você quiser contestar nós podemos ver outra forma
de escolher tal coisa.
— Se você quer ser a líder, então seja. Claro que, nós não precisamos de uma ou
um líder para trabalharmos em grupo. — Disse Kiros.
— O que quer dizer com isso? —, indagou Alice. — Está insinuando que eu não sirvo
para comandar esse grupo?
— Na verdade, é o contrário. — Disse Kiros. — Eu acredito que você tenha potencial
para comandar uma equipe, já que foi escolhida para ser a líder do esquadrão A da
academia.
— Mas então? O que você...
— Deixe-o terminar! — Kyrie a interrompeu. — Que saco.
— Nós não precisamos de um líder em si, já que podemos fazer nossas escolhas a
partir da ideia de todos os membros desse grupo. Isso diminuiria a taxa de alguém não
concordar com algo e então fazer alguma atividade, que possa ser colocada no futuro, de
mal gosto. — Disse Kiros. — Entende?
— Eu concordo com você, Kiros. Mas só em uma parte. — Disse Alexis. — É
realmente um ponto vital nós concordarmos com as coisas que iremos fazer, afinal,
ninguém aqui gosta de receber ordens. Mas, sim, é realmente preciso ter um líder no grupo.
Alguém que pense adiante da situação e saiba como e o que fazer em um momento crítico.
— Você teria alguma sugestão então?
— Você e Alice são os líderes dos grupos até então. Eu como conheço os dois poderia
indicar quem trabalharia melhor nesse cargo.
— Por mim tudo bem.
— Mas por mim não. — Disse Alice.
— Apenas deixem a garota comandar... —, disse Kyrie. — Não é o que ela quer?
Deixe-a ter isso. Afinal... mulheres na maioria das vezes tem um raciocínio muito melhor
do que nós homens, isso é algo de extrema importância.
— Bom, vocês três não tem nada a falar? —, disse Kiros. — Scott? Yue? Toya?
— Tanto faz quem seja o líder do grupo. Mas que esse faça um trabalho bem feito.
— Disse Yue. — Eu já sei como Alice trabalha, então será melhor para mim que ela seja a
líder mesmo.
— Então estamos no mesmo barco. — Disse Scott. — Só que no meu caso, eu só
conheço a liderança de Kiros, então acho que para mim a melhor opção é ele ser o líder.
— Bom, falta você, Toya. — Alice e Kiros disseram em tom uníssono.
— É... vejo que a escolha será minha, não é? —, falei. — Eu já “trabalhei” com Kiros,
então sei como ele age, você por outro lado, senhorita Strife.
— Chame-me de Alice. — Disse ela, me interrompendo.
— Continuando. Você, Alice, por outro lado eu acabei de conhecer, não sei como
você age em meio a uma situação difícil, ou até mesmo em uma coisa básica. Então meu
voto seria para o Kiros claramente. Mas até isso seria injusto de minha parte, já que eu
não estaria te dando uma chance de mostrar o que sabe fazer... por isso, por que não
escutam minha proposta? Por que vocês dois não ficam como líderes do grupo? Os dois
trabalharam ao mesmo tempo nesse cargo e nós, o restante do grupo avaliaremos como
vocês se saem. Ao final de tudo, quem for melhor nesse cargo, ficará com ele.
— Não é uma ideia ruim. — Disse Alice que logo encarou Kiros. — E então? O que
acha?
— Estou de acordo com isso. — Disse Kiros.
Kyrie me cutucou, e logo disse: — Pensamento rápido, garoto.
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— Bom, serve para várias coisas na verdade, mas antes você precisa de um elemento
consigo. — Disse Kiros. — Mas primeiro pegue o capacitor com seu dedo indicador e médio,
como se se estivesse juntando os dois dedos.
— Certo, e agora? —, indaguei.
— Você deve transferir sua Mana para esses dois dedos e o capacitor fará o resto.
Se você for do elemento trovão, o papel ficará enrugado. Se for do elemento fogo, ele
queimará. Se for do elemento água, ele ficará encharcado. Se for do elemento terra, ele
virará poeira, mas se for do elemento vento, o papel se cortará ao meio.
Eu concentrei energia me minha mão, a princípio, logo passando energia para os
dedos que por sequencia passaram para aquele papel amarelado. Ele brilhou em azul e
logo se partiu em dois.
— Vento. — Disse Alice. — Você tem o elemento vento.
— E realmente foi o elemento vento. — Disse Kiros. — Quando pararmos na sede
dos caçadores eu irei te apresentar o próximo passo para você começar a dominar seu
elemento.
— Sem problemas. — Falei.
— Hehehe. Quanto mais cedo você conseguir dominar seu elemento, mais cedo nós
poderemos criar uma técnica em dupla. — Disse Scott. — Estou ansioso para isso.
De repente o carro deu uma freada brusca. Nosso grupo se bateu uns nos outros,
mas logo recuperamos o equilíbrio, nisso Kyrie que havia acordado gritou:
— Mas que merda foi essa?! —, indagou ele. — Precisava disso?!
— O que aconteceu? —, Alice indagou a Estela.
— Tem uma criatura na ponte. Não podemos atravessa-la sem derrotar ela. — Disse
Estela. — Nós iremos cuidar da criatura e isso pode demorar um pouco, então... podem
sair da Kombi se vocês sentirem tédio ou algo do tipo.
Todos descemos da Kombi, o sol rachava em nossas cabeças e realmente tinha uma
criatura na ponte. Ela liga dois pedaços de terra, único e possível local de passagem para
o outro lado e é claro que nós não iriamos descer um desfiladeiro inteiro para depois subir,
enfrentar uma criatura é bem mais fácil.
Estela e Logan foram de imediato cuidar daquela criatura, que eu até estranhei ela
estar no deserto. Veja a situação, um monstro-planta gigante — diga-se de passagem que
ele tem dois metros de diâmetro e vários chicotes de vinha balançando contra o ar de forma
brusca. E que ele é medonho, simples assim. Mas... nesse meio tempo, nós ficamos
parados. Várias daquelas hienas com o pelo flamejante vieram em nossa direção — nos
seguiram de forma mais que provável — e claro, nós teríamos que lutar.
— Hmm... Acho que essa é uma boa para a senhorita controladora de água fazer
algo, não acham? —, disse Scott de forma irônica.
— É melhor você não começar a me irritar! Pois senão, você que será meu alvo, não
elas. — Exclamou Alice já com as palmas de suas mãos juntas. — Alexis! Pegue minha
bolsa!
— Agora?! —, disse Alexis enquanto chutava uma hiena para longe.
— Sim! Agora!
Alexis driblando aquelas criaturas de intelecto inferior conseguiu chegar na mala da
Kombi, a abriu e retirou a bolsa de Alice — isso tudo em alguns segundos — e a jogou para
Alice que apenas recuava de duas hienas que estavam em sua frente.
— Bom, isso vai servir. — Alice agora tinha uma garrafa d’água em mãos e logo
jogou sua bolsa de lado.
Ela abriu a tampa daquele recipiente e jogou a água para cima, e logo de imediato
estendeu sua mão controlando a água no ar.
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— Isso é legal. — Disse Kyrie. — Cai fora seu cãozinho selvagem inútil! — Então ele
chutou a cabeça da criatura, que saiu correndo.
— Estilo de água: Dragão Tornado! —, exclamou Alice enquanto fechava sua mão
em um punho cerrado.
Aquela água que flutuava magicamente no ar começou a girar como um tornado,
mas ao mesmo tempo tomou forma de um dragão-serpente. Alice agora com suas duas
mãos controlava sua criação, em movimentos ligeiramente graciosos ela movia aquele
dragão-serpente contra as criaturas, que ao toque do mesmo, viravam pó.
— Alice! Atrás de você! —, exclamei.
Uma das hienas pulou contra ela e os dois caíram na areia, ela segurava o pescoço
da criatura com força, já que a mesma estava tentando matá-la. E o pior nem é a técnica
de Alice ter sido desfeita e sim todos nós ainda estarmos ocupados com as hienas restantes
e não conseguiríamos ir ajuda-la.
— Argh! Saia de cima de mim sua miserável! —, praguejou Alice.
Kiros chutou a criatura que estava perto dele e estendeu sua mão mirando a hiena
que estava em cima de Alice e logo gritou:
— Estilo do trovão: Espada dos Mil Pássaros!
Uma linha de energia branca empalou o corpo da hiena e Alice conseguiu retirar ela
de cima de seu corpo.
Nisso eu pude ver e entender duas coisas: A primeira é que Kiros realmente
aprendeu uma nova técnica com seu irmão e a segunda é exatamente o porquê de o nome
da técnica ser esse. E isso se dá por conta de o som emitido dessa “quantidade exorbitante
de energia” ser igual a muitos pássaros cantando juntos e de forma quase uníssona. Bom,
voltemos a luta.
— Morra! —, disse Kiros aumentando a energia de sua técnica e então
transformando aquela criatura em pó, como Alice fez com várias outras.
Distraído, Kyrie foi acertado no estomago por uma das criaturas e o mesmo a
chutou, bufando de raiva.
— ARGH! VOCÊS... AGORA VOCÊS ME DEIXARAM IRRITADO! —, exclamou Kyrie
enquanto juntou a palma de suas mãos e entrelaçou os seus dedos. — Estilo da sombra:
Estrangulamento das sombras!
Ao conjurar sua técnica, eu notei que sua sombra começou a crescer, isso é,
tomando a forma de um grande círculo que chegou a encostar em todas as hienas.
— Morram suas pestes irritantes!
Em um sorriso bem assustador, mãos negras começaram a sair das sombras e
começaram a envolver as hienas que tentavam escapar a todo custo, mas sem sucesso
algum. Elas chiaram por alguns minutos, mas depois pararam, virando pó que escaparam
pelas brechas daquelas mãos escuras.
— Pronto. Agora eu quero ver alguma de vocês vir me acertar no estomago de novo!
— Seu babaca! —, exclamou Scott ultrajando Kyrie. — Se você tinha uma técnica
dessas, por que não a usou logo?! Queria que alguém morresse?!
— Primeiro... me chame de babaca de novo e você que vai sentir essa técnica. — A
expressão de Kyrie era séria. — Segundo, essa minha técnica tem um alcance para
funcionar com perfeição, mesmo nesse sol de rachar. Por isso eu estava esperando todas
essas criaturas chatas estarem ocupadas com alguns de vocês, para que quando eu usasse
a técnica, nenhuma conseguisse fugir.
— Mesmo assim! Alice poderia ter morrido se Kiros não tivesse a ajudado!
— Calma Scott... o que ele disse não é mentira. — Disse Kiros. — Toda técnica tem
seu defeito, ou seja, se ele usasse ela fora de hora, as criaturas não morreriam todas de
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uma vez ou até pior, elas já teriam visto essa técnica uma vez e então estariam preparadas
para quando Kyrie a usasse de novo.
— Hmpf... eu quero ver até quando você vai defender esse estranho, Kiros. Ele não
é um dos nossos, e quem sabe se ele não vai ser o traidor da profecia?!
— Scott... —, eu o toquei no ombro.
— Não me toque Toya! Eu estou realmente irritado com isso e não quero que você
saia machucado.
— Que ótimo! —, Kyrie falou em um tom sarcástico. — Um lobinho ficando
estressado e ainda querendo falar com razão para cima de mim. Realmente uma maravilha!
— Cala essa boca! —, Scott bufava de raiva. — Pois se você não ficar calado eu vou
aí te dar uma surra!
— Então vem lobinho. Caí dentro. — Disse Kyrie com um sorriso malicioso
estampado no rosto. — Agora não vá se arrepender depois. Hahahahaha!
— Ora seu!
Ao ver Scott indo para cima de Kyrie eu corri para segurá-lo, logo pegando um de
seus braços e o puxando para trás, disso passando para uma imobilização, que consiste
em passar os meus dois braços por dentro dos dele até chegar ao pescoço e então
pressiona-lo para baixo.
A sua cara estava literalmente vermelha de raiva e eu tinha medo do que poderia
vir a seguir. Kyrie realmente tinha uma técnica assustadora, mas ele precisaria de tempo
para usa-la contra alguém extremamente agressivo como Scott.
— Me solta Toya! Me solta! —, disse Scott de forma impaciente.
— Não até você se acalmar... —, falei enquanto reforçava a minha imobilização. —
Não vê que só você que está saindo prejudicado? Ele está calmo, você não. Ele te vencerá
se você for.
— As palavras que Kiros te ensinou podem ser verdade para você que ainda é um
novato nas lutas, mas para mim não. Eu luto com a raiva e eu irei quebrar a cara dele!
Por isso, me solte!
— Deixe-o ir. — Disse Kiros. — A escolha é dele mesmo. As consequências que
podem vir não interessam a ninguém a não ser ele mesmo.
— Enfim está do meu lado! —, disse Scott. — Vamos, me solte Toya!
Eu o soltei e ele correu para cima de Kyrie que o esperava de braços cruzados. Scott
chegou desferindo um soco contra o rosto de Kyrie, mas ele se desviou facilmente, logo
mandando um insulto:
— Vamos lá profissional das lutas! Quero ver você acertar um soco em meu rosto.
— Ele então colocou as mãos dentro dos bolsos de sua calça. — Se você o fizer eu deixo
você continuar me batendo.
— Ah... eu farei! Com toda certeza desse mundo eu farei!
Scott desferia socos contra o vento. Nenhum deles acertava Kyrie que apenas
andava para trás e movia a sua cabeça quando o soco estava prestes a atingi-lo.
— Nós estamos voltando para dentro da Kombi. — Disse Alice — Vocês vão ficar
aqui fora mesmo? Eu já não aguento mais esse sol.
— Sim. Eu irei ficar para que nenhum dos dois se matem. — Disse Kiros. — Vocês
podem ir, não se preocupem com nada.
— Eu também irei ficar. — Eu falei.
— Se você diz. — Disse Alice. — Só tenha certeza de que isso acabe antes de Estela
e Logan voltarem, eu não quero ficar esperando o dia todo.
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— Claro. — Kiros falou enquanto observava a briga dos dois sem ao menos piscar.
— Quem está na vantagem? —, indaguei a Kiros. — Quero dizer... não que eu queira
que alguém esteja.
— Kyrie.
— Parece que ele sabe onde o soco de Scott vai parar e então desvia no último
segundo. É impressionante, mesmo que isso só faça Scott ficar mais e mais irritado.
— Isso que ele está fazendo não é habilidade física, mas sim uma técnica.
— Sério?!
— Eu agora estou tentando entender como ela funciona.
Scott então lançou uma finta. Um soco falso em cima e rapidamente partiu para
pegar as pernas de Kyrie, em uma técnica chamada double-leg. Mas ao tocar nas pernas
de Kyrie, ele apenas caiu no chão, passando direto por elas.
— Acho que não foi dessa vez. — Kyrie riu. — Achou mesmo que eu não estava
esperando por uma dessas?
— Babaca... —, disse Scott enquanto tirava a areia de sua roupa e de seu cabelo. —
Eu não sei o que você está fazendo, mas é muito estranho eu não conseguir te tocar.
— Quando você estiver cansado eu te conto. Mas por ora, apenas tente me tocar,
lobinho.
E o ciclo reiniciou. Inúmeros socos foram desferidos contra o rosto de Kyrie, mas
nenhum o acertava, nem mesmo os golpes de contato que Scott fazia ao tentar agarrar a
camiseta de Kyrie ou até mesmo chutes contra as costelas do mesmo.
Scott já se vendo sem opções e também ficando completamente exausto juntou os
dedos indicador e médio na altura de sua boca e então gritou com seu último estoque de
fôlego.
— Estilo do fogo: Sopro do Dragão!
Depois de conjurar sua técnica, ele começou a assoprar fortemente fazendo uma
grande chama sair de sua boca, indo contra Kyrie.
— Mas o quê?! —, exclamou Kyrie surpreso.
A chama continua que Scott assoprava tinha um metro e meio de diâmetro, ela ao
entrar em contato com a areia daquele deserto a transformou em vidro no mesmo instante
e isso durou por mais ou menos um minuto até Kiros chegar perto de Scott tocando em
seu ombro.
— Ãn? —, disse Scott assustado o que fez a técnica parar.
— Já é o suficiente, não acha? —, disse Kiros apontando para o chão que agora era
vidro. — Você nem chegou a acerta-lo também, apenas ficou gastando Mana.
Scott olhou ao redor e não viu nada, nem mesmo eu consegui ver o que Kyrie tinha
feito.
— Aqui em baixo. — Disse Kyrie em uma voz metálica enquanto saía de dentro da
sombra de Scott.
— Como você?! —, disse Scott completamente confuso.
— Está calmo agora?
— Um pouco.
— Ótimo. Bom, você quer saber como eu escapei de seu golpe a queima roupa,
certo?
— Sim. Eu também gostaria de saber como você fez isso. — Falei.
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— Fique com seu estilo atual lobinho. Aprender isso demoraria muito tempo e eu
acho que você nunca conseguiria usar em uma batalha. — Disse Kyrie. — Eu mesmo
demorei uns três anos para dominar tal técnica.
— Com quem aprendeu? Algum livro ou coisa do tipo?
— Eu aprendi apenas observando meu irmão fazer. Ele que treinou esse tipo de
conjuração desde pequeno. — Disse Kyrie. — Mas sim, existem livros que ensinam tal
coisa.
— Você tem um irmão? —, indaguei.
— Sim, um irmão um ano mais novo que eu.
— Onde ele está agora? Por que ele não está com você?
— Tivemos que nos separar, isso a pedido de nosso pai. Mas como dizia na profecia,
ao leste sete pessoas estarão na terra dos mortos e o Egito é conhecido como a terra dos
mortos. Por isso decidi vir com vocês, já que meu irmão está aqui, no Egito.
— Então era esse o motivo de você ter se oferecido para “ajudar” a gente. — Disse
Alice. — Só para achar o seu irmão.
— Talvez.
— Bom, isso tanto faz, na verdade. Contanto que você nos ajude não importa quem
esteja em nosso grupo.
— Exato.
A Kombi freou e nós nos batemos uns nos outros novamente, mas logo Estela pediu
desculpas por tal coisa e disse:
— E nós chegamos. Sejam bem-vindos à cede dos caçadores dessa região, sintam-
se em casa. — Estela então desceu do carro e lá de fora gritou. — Vamos indo! Eu irei
mostrar a vocês o quarto das visitas!
Nós descemos do veículo, pegamos nossas malas e a seguimos. Não era uma mansão
como a outra base que estivemos, mas era bem grande. Parecia uma cede militar, todos
fardados com roupas de cor caqui e chapéus para se protegerem do sol.
— Estou vendo que vocês estão atarefados. — Disse Kyrie.
— Uma possível guerra está a caminho, todos estão malucos com tanta cosia para
fazer, isso talvez por tentarem resolver as coisas o mais rápido possível. — Disse Estela —
É por isso também que vocês, alunos das academias, estão sendo mandados para
inúmeras missões. Ninguém está tendo sossego algum ultimamente.
— É realmente um problema sério. — Disse Alice. — Nós devemos nos apressar
também. — Alice então fitou Estela. — Depois de nós nos arrumarmos como você disse
que deveríamos fazer, tem alguém com quem temos que falar? Ou estamos livres para
começarmos nossa vagueação pelo deserto?
— Sim, um dos anciões deseja falar com vocês. — Disse Estela. — Bom, vamos
andando.
Estela nos deixou no quarto dos visitantes, mostrou onde ficavam as roupas e
explicou como chegar na sala onde o ancião estaria. De imediato nós fomos nos trocar. Eu
pensava que as roupas que iriamos ter que vestir eram como as dos caçadores daqui, mas
eu estava enganado. Na realidade era um conjunto tático do exército, feito sobre medida
para os alunos das academias. Uma camisa camuflada — no estilo do deserto, claro — de
manga longa e uma calça também camuflada. Nos deram algumas mochilas para levarmos
o que iriamos precisar, sem ter que usarmos nossas malas — que claro, não era algo
interessante a se levar para tudo que é canto. Duas mochilas foram o suficiente, e Scott
se ofereceu para carregar uma das duas, logo eu me ofereci para ficar com a segunda.
... ... ... ... ...
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Como um chicote, Alexis atingiu o verme com duas longas vinhas cobertas de
espinhos, em tentativa de prendê-lo, mas sem sucesso. O verme gigante então chiou de
forma aguda, ferindo os meus ouvidos e provavelmente o do resto do grupo também, logo
voltando para debaixo da areia numa saída evasiva.
Todos suspiravam cansados, até que Alexis falou:
— Droga. Eu não consegui prendê-lo com minha técnica.
— Não faz mal... —, disse Kyrie entre suspiros. — Nenhuma de minhas técnicas
seria útil aqui, já que essa coisa é enorme. E Kiros e Alice também não conseguiram fazer
grandes coisas, portanto, não se culpe por um ataque não ter funcionado.
— Não abaixem a guarda! Ela irá voltar quando menos esperamos! —, exclamou
Kiros.
Dessa vez, eu senti o tremor na terra e tenho certeza de que todos também
sentiram. Aquela minhoca gigante voltaria naquele exato instante e seria ali mesmo onde
teríamos que a derrotar.
BOOM!
Ela saiu por completo dessa vez, levantando uma baita poeira ao tocar no chão do
deserto.
— Pronta? —, Kiros indagou a Alice.
— Vamos tentar.
Alice e Kiros conjuraram em uníssono, enquanto Alice jogava um pouco de água do
seu cantil para cima: — Técnica conjunta: Dragão Relâmpago!
Pode-se dizer que a técnica em si era exatamente como o Dragão Tornado de Alice,
só que ao dessa vez, o dragão tinha uma cor esverdeada e soltava faíscas por conta da
grande energia condensada.
— AHHH! —, Alice e Kiros gritaram controlando aquele dragão contra a minhoca
gigante.
A minhoca começou a virar poeira aos poucos, todos comemoraram, mas foi como
Kyrie disse. O pior nem tinha vindo ainda. Antes mesmo de desaparecer, a minhoca bateu
sua “cauda” contra o solo abrindo um enorme buraco no chão que nos puxou para dentro
do subsolo.
E sim, em um momento cena dramática hollywoodiana, todos nós começamos a cair
naquele infinito buraco que a criatura havia feito, até que em alguma hora, nós enfim
chegamos no fundo do mesmo.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
X
Eu já não tinha dúvida alguma a respeito de tal coisa, mas... sim, cair de uma altura
de 10 metros — praticamente — e aterrissar numa pilha de pedras não é tão legal assim
para a sua coluna.
Todos nós acabamos desmaiando ainda durante a queda, algo que é completamente
normal, mas o que eu acho incrível é o fato de eu ter sobrevivido a essa tal queda. Meus
colegas são criaturas sobrenaturais, eu por outro lado, sou apenas um humano. Mas
imagino que essa ainda não era a minha hora.
Bom, o que posso falar dessa caverna “extremamente agradável”? Acho que não
muita coisa... mas, aí estão alguns pontos a se ressaltar: Ela é extremamente escura, tanto
que eu não consigo enxergar a um palmo a minha frente. Ela é gelada, o seu chão é feito
de rochas e outros materiais como o cascalho. Suas paredes são escorregadias, portanto,
eu presumo que estejam cobertas de musgo e por fim, eu não tenho a menor ideia de onde
estão os outros.
— Kiros!? —, gritei. — Scott?! — Alice!?
Ninguém me respondeu.
— Alguém?! —, voltei a gritar.
— Cale essa boca, humano irritante.
— Kyrie! Graças aos céus. Onde você está?! —, indaguei.
— Eu tenho pena de você que não consegue enxergar nada nesse escuro. — Disse
Kyrie. — Bom, eu estou a sete passos de você. A noroeste.
— E os outros?
— Não estão aqui. Eu acordei faz um bom tempo, mas não tinha nenhum deles
aqui, só você. — Ele suspirou. — Vamos. — Ele tocou em meu ombro e por aquele momento
eu consegui enxergar todo o local.
— Como você fez isso?
— Aquele que controla as sombras pode enxergar através delas também. Eu apenas
estou passando minha mana para você. Assim poderá enxergar enquanto estiver em
contato comigo.
— Mas para onde vamos agora?
Ele suspirou. — Você faz perguntas demais... apenas fica quieto aí, continue com
sua mão em meu ombro e me siga. Ok?
Eu apenas assenti, peguei minhas coisas que estavam caídas no chão e logo, nós
andamos pela única passagem que aquele local nos provia. Pouco a pouco o local ia ficando
estreito, mas como esse era o único caminho, nós continuamos seguindo em frente.
Minhas costas já estavam raspando contra as paredes da caverna. Não digo que
estava preocupado com minhas costas, já que as roupas que vestíamos tinham uma
camada grossa de pano.
— Toya, certo? —, indagou Kyrie.
Eu assenti.
— Depois que passarmos daqui nós estaremos em outra parte dessa tal caverna.
— Por que acha isso?
— Pois estou vendo um pouco de luz. E mesmo que isso signifique algo ruim,
continua sendo luz. Eu mesmo acho que isso é melhor que nada, entende?
Ele não estava errado. Ficar naquela escuridão total não era algo interessante. Eu
imagino os outros como devem estar, digo, sem alguém como Kyrie que pode fazer os outros
enxergarem nessa penumbra por conta de sua energia.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
seu animalzinho de estimação. — Aegurr, você irá pelo caminho da direita. Vasculhe o local
e se você encontrar algum licantropo, entregue isso a ele. Certo?
Aegurr então latiu, e depois saiu correndo até sumir como se tivesse se
transformado em uma fumaça negra.
— Vamos indo? —, indagou Kyrie. — Seguiremos pelo caminho do meio, como já
tínhamos decidido antes.
— É... seu cão ficará bem sozinho? Digo, e se alguma criatura o atacar?
— Invocações possuem a mesma força de seus mestres, portanto, se alguma
criatura forte o bastante para derrotar Aegurr aparecer, isso quer dizer que eu também
morreria ao tentar enfrentar ela. — Disse Kyrie. — Mas não fique tenso quanto a isso. Se
algo desse nível acontecer, Aegurr voltará para cá imediatamente. — Ah! Uma outra coisa
que acho interessante você saber. Invocações não morrem, não até que seus donos
morram, ou até que eles deixem de ser seus mestres.
— Como assim deixem de ser seus mestres? —, falei tentando imitar a voz de Kyrie.
— Farei uma explicação rápida. Para você ter uma criatura invocável, você deve
fazer um contrato com ela antes. Algo que ela queira, no caso de você estiver pedindo pela
sua ajuda, ou algo que você queira, caso ela que venha até você pedindo para ser sua
subordinada. — Ao ter esse contrato feito, você pode quebrar ele a qualquer momento, mas
isso terá consequências dependendo de como ele foi feito, mas isso significa que tal
criatura não está mais sobre os cuidados de sua alma, assim por dizer.
— Entendo. — Bom, qualquer criatura pode virar uma invocação?
— Sim. Mas por que essa dúvida assim de repente? —, indagou Kyrie.
— Não, nada... foi apenas um pensamento do momento.
— Bom, é bom deixar claro algumas coisas. Você só pode ter uma invocação por
vez, isso por conta que elas se alojam em seu portão elemental.
— Portão o quê?
— O compartimento da Mana para seu elemento. Nós chamamos de portão
elemental, portão da alma, essas coisas.
— Certo, acho que entendi. Mas eu lembro de Kiros dizer que uma pessoa pode ter
até dois elementos consigo, então não seria possível uma pessoa ter até duas invocações?
— Em tese, até que sim. Mas as invocações só podem ficar alojadas em seu portão
principal. Seu elemento base, em si. Algumas pessoas conseguem colocar uma invocação
em mais de um portão, mas, isso é bem raro de acontecer.
Depois disso, nós ficamos em um silencio até que perturbador, nós continuamos
andando, claro, mas esse assunto ainda tinha muitas coisas a serem explicadas, pois ter
uma criatura que fosse aliada sua é algo bem incrível afinal das contas.
... ... ... ... ...
Depois de quase desistir daquela caverna e minhas pernas desabarem por completo
no chão, nós encontramos um pequeno e estranho local naquela caverna. Um lago em
forma de círculo preenchia a maior parte do chão abrigava uma pequena ilha, que
incrivelmente não tinha seu solo feito por rochas, cascalho e cristais, mas sim grama e
terra.
Uma pequena e humilde casa feita de madeira podia ser vista bem ao centro daquela
ilha, um jardim com diversos tipos de flores e outras plantas a frente da própria casa e
cuidando do mesmo, havia um homem de mais ou menos um metro e setenta e dois, não
sei ao certo. Ele tinha uma barba grande e negra, usava roupas de jardineiro — uma
camisa amarela junta de um suspensório azul — e trabalhava com sua enxada no solo da
ilha, preparando o mesmo para uma nova plantação. Sua pele era esbranquiçada, acho
que por não ter muito contato com o sol, mas isso fazia um contraste com sua barba.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Nós nos aproximamos e ele notou nossa presença, logo parando seu trabalho.
— Ora, ora... o que temos aqui? — Disse o homem. — O que dois jovens fazem aqui
nessa caverna? —, indagou ele.
— Estamos perdidos. — Falei. — Nós acabamos caindo aqui por um incidente não
tão interessante, e estamos vagando por essa caverna desde então.
— Por acaso você não viu outras cinco pessoas? —, indagou Kyrie. — Mais ou menos
da nossa estatura, idade, etc.
— Cinco? Não, me desculpem. Eu apenas vi uma pessoa, uma garota.
— Pode descreve-la?
— É um pouco mais alta que você meu rapaz, ela também tem longos cabelos
cacheados e olhos azuis-esverdeados.
— É a Alexis! —, exclamei. — Para onde ela foi? Pode nos dizer?
— Calma meu jovem. Ela não foi a lugar algum.
— Uh?
— Ela está dentro de minha casa descansando. Ela se feriu seriamente no caminho
para cá, eu cuidei de suas feridas e vim trabalhar em minha horta.
— Se importa se eu entrar para vê-la? —, indaguei.
— Claro que não. Ela está no andar de cima, quarto do meio.
Eu entrei na casa daquele homem, e a visão que tive foi deslumbrante. Aquele local
era uma biblioteca completa, as paredes eram na verdade armários com inúmeros livros,
uma quantidade quase infinita de possibilidades. Acho que é algo normal para alguém que
supostamente vive sozinho no subterrâneo, eu mesmo ficaria mais que entediado se não
tivesse nada para fazer aqui em baixo e esse homem não precisa se preocupar com tal
coisa.
Então subi as escadas seguindo para o primeiro andar daquela casa, haviam quatro
quartos separados por uma sala e a cozinha.
“Quarto do meio, certo”? —, pensei. — “Essa casa não é tão grande, mas mesmo
assim me surpreendeu a quantidade de livros que ela possui. Nossa, a biblioteca da
academia Gaia era enorme, mas não me deixou tão fascinado como aqui”.
Eu abri a porta do quarto do meio suavemente, e ao entrar eu vi Alexis deitada em
uma cama com um livro desconhecido em mãos.
— Alexis! Você está bem!? O senhor, dono dessa casa disse que você estava ferida!
— Toya? Que bom ver você. — Disse ela. — Sim, eu estava bastante ferida, mas
olhe. — Ela levantou o braço e eu vi os curativos que aquele home havia feito.
— Ele é médico ou alguma coisa do tipo? Seu braço está muito bem enfaixado. —
Eu então deixei a mochila com as coisas no chão, perto da porta, puxei uma cadeira para
perto da cama onde estava Alexis e nós continuamos a nossa conversa.
— Não, eu não sei se ele é um médico, mas sei que suas habilidades de cura são
muito boas. Fui atacada sorrateiramente por algumas criaturas, eles me deixaram em mal
estado, mas eu consegui lidar com todos eles. — Mas... Toya?
— Sim?
— Você veio sozinho? Digo... todos nós nos separamos na queda, por um milagre
estamos vivos, mas desde então todos nós estivemos separados.
— Não. Eu estive com o Kyrie. — Ele ficou lá embaixo falando com o dono da casa.
— Você confia nele? —, indagou Alice. — Não precisa responder se não quiser.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Minha mãe sempre dizia que eu tinha um bom coração e que nunca desconfiava
das pessoas. Sei que isso pode ser algo ruim, a certo ponto, mas... sim, eu confio nele.
— Entendo.
— Mas por que pergunta? —, indaguei. — Você desconfia que ele possa trair a gente
em algum momento?
— Não, eu mesma não tenho nada contra ele. Mas Alice tem. Ela disse uma vez
quando nós estávamos sozinhas que não devemos confiar nele e que a profecia muito bem
dizia sobre um traidor.
— Isso não é mentira. Mas eu não acho que vá ser ele... bom, pelo menos é o que
minha intuição diz. — Isso só veremos com o tempo. Mas por ora, por que não confiamos
nele?
Alexis então se ajeitou na cama, ficando sentada.
— Poderia chamar o senhor para mim? Estou sentindo meu braço queimar um
pouco...
— Claro. Voltarei em alguns instantes.
Eu desci as escadas e fui para o lado de fora da casa. Kyrie estava sentado, seu cão
estava deitado em seu colo e o senhor, dono da casa continuava cuidando de suas plantas.
— Senhor?! —, chamei-o.
— Sim? Precisa de algo meu jovem?
— Minha amiga Alexis que ficou sobre seus cuidados, estava reclamando que seu
braço começou a queimar por algum motivo. Você poderia ir vê-la?
— Braço queimando? Espero que ela não esteja tendo uma reação alérgica ao
antidoto que eu usei... bom, vamos vê-la meu garoto. Venha comigo, eu posso precisar de
sua ajuda.
— Precisam que eu faça algo? —, indagou Kyrie.
— Se você puder cuidar para que nenhuma criatura chegue perto de minhas
plantas, eu ficaria bastante grato. — Disse o senhor com um grande sorriso no rosto.
— Claro. Farei o que estiver ao meu alcance.
Nós dois subimos até o quarto onde Alexis estava e a mesma apenas continuava
sentada.
— Bom, vamos ver do que se trata minha jovem. — O senhor sentou-se na cadeira
que eu tinha arrastado anteriormente e tirou as ataduras do braço de Alexis.
O braço dela estava com uma queimadura terrível, isso sem contar um corte que
estava em seu bíceps.
— Não. Isso não foi uma reação alérgica, muito pelo contrário. O antidoto não surtiu
efeito contra o veneno que foi posto em seu corpo. — Garoto, pode me ajudar aqui por
favor?
— Ah, claro! —, falei. — O que quer que eu faça?
— Apenas segure o braço dela, deixando-o estável, ok? Eu irei cuidar do resto. —
Estenda ele um pouco. — Assim está bom.
O senhor deixou suas mãos abertas em cima do braço de Alexis e elas começaram
a brilhar em um tom azul-esverdeados. O corte começou a desaparecer devagar, eu me
assustei a princípio, mas logo apenas fiquei impressionado com aquele tipo de habilidade.
— Suas habilidades de cura são impressionantes. Eu já nem mais sinto a
queimadura em meu braço. Você estuda tal arte a quanto tempo?
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Desde de pequeno, minha jovenzinha. Eu tenho quarenta anos, comecei aos oito.
Mas minhas capacidades são bem limitadas, minhas técnicas podem curar praticamente
tudo no limite do possível, mas eu fico bastante desgastado...
— Habilidades de cura estão dentro de alguma classificação elementar? —,
indaguei.
— Não. — Disse Alexis.
— Não exatamente. — Corrigiu o senhor. — Mas os usuários de água e vento podem
aprender técnicas de cura a partir de seus elementos.
— Isso é bom saber.
— Por acaso você possui algum desses elementos?
— Sim. O elemento vento.
— É um elemento bem raro de se ver hoje em dia... torço para que você vire alguém
importante, garoto.
— Sério que é um elemento raro?
— Sim. — Disse Alexis. — É um elemento pouco achado hoje em dia. Na verdade,
acho que só existem duas pessoas no mundo que são realmente conhecidas por serem
fortes com esse elemento.
— Quem são elas?
— Um deles é um dos Feiticeiros Andrômeda, o feiticeiro do vento, de forma
específica. O outro é um dos treze Cavaleiros Escarlate.
— Cavaleiros?
— Antes que você pense algo errado a respeito deles, não, eles não usam armaduras.
Eles são chamados de cavaleiros pois protegem o povo com suas extraordinárias
habilidades. Qualquer um pode se tornar um cavaleiro, mas para isso você deve vencer
um deles e tomar sua posição antes ou apenas ser reconhecido por alguns deles e então
ser nomeado um reserva, para quando um desses cavaleiros morrer, ele ser substituído
imediatamente.
— Entendi. Isso é algo realmente interessante. — Disse com um brilho nos olhos.
— Bom, isso é tudo por ora, minha jovem. — Disse o senhor. — Não hesite em me
chamar se algo acontecer, certo?
— Obrigada senhor. — Na verdade... que falta de polidez a minha, eu nem perguntei
o seu nome.
— Eu me chamo Melchior.
— Melchior? —, indaguei.
— Sim. Esse é o meu nome.
— Que ótimo! —, exclamei indo rapidamente para a minha mochila. Eu retirei o
pingente que Estela havia me dado e o entreguei para Melchior. — Uma mulher que nos
ajudou a chegar aqui me pediu para entregar isso a você, isso se nós acabássemos nos
encontrando. Seu nome é Estela.
— Nossa, que mundo pequeno. Eu realmente agradeço a você, meu rapaz. — Estela
é uma amiga de longa data, e ela disse que me mandaria isso com algumas pessoas
realmente interessantes.
— Interessantes você se refere a? —, indagou Alexis.
— Vocês estão presos a uma profecia, estou certo?
— Sim. Como você sabia?
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Faz bastante tempo que eu entrei nesse meio... sempre que algo grande está para
acontecer, eu e meus amigos somos chamados para auxiliar aqueles que são postos nas
profecias. Você disse que estava em um grupo maior, certo? Então eu acho que quando
vocês se reencontrarem, vocês deveram voltar para falar comigo e só então eu mostrarei a
vocês o seu caminho.
— Agora tudo faz sentido... Habilidades de cura extraordinárias, aparência não tão
velha mesmo o senhor dizendo que tinha quarenta anos, vive isolado do mundo exterior.
Você é realmente um dos três grandes magos!
— E a senhorita é uma garotinha bastante esperta. Eu tentei ao máximo esconder
tais coisas, pois vocês poderiam ser apenas pessoas comuns, mas agora não preciso me
preocupar com tais coisas. Bom, eu tenho que voltar a cuidar de minhas plantas, vocês
podem descansar aqui se quiserem, eu chamarei seu outro amigo também.
Então o senhor Melchior saiu do quarto e foi para o lado de fora da casa.
— O que você acha que devemos fazer? Sair para procurar os outros? Ou esperar
que eles cheguem até aqui? —, indaguei a Alexis.
— Ficar aqui esperando não adiantaria de muita coisa... Mas também tem a chance
de quando saímos daqui eles possam aparecer e isso iniciaria um ciclo. — Disse Alexis. —
Se ao menos nós tivéssemos um meio de nos comunicar... assim daria para um de nós
ficar aqui e caso o restante do grupo aparecesse-se, imediatamente aquele que ficou
avisaria ao restante que saiu a procura. Entende?
— Sim, sim. Entendi onde você quer chegar. — Mas como faríamos isso?
— Acho que você esqueceu de que estou aqui, não é mesmo? —, disse Kyrie. — Eu
posso fazer esse trabalho de comunicação com ajuda de minha invocação: Aegurr.
— Você possui uma invocação? Isso é incrível. — Disse Alexis. — Eu soube que para
ter uma você precisa ter uma grande força espiritual, além de poder cumprir com o
contrato imposto por ambos os lados.
— Isso não é mentira, você realmente precisa ter bastante poder, mas isso não
significa que ele precise ser seu.
— Explique.
— Aqui. — Kyrie então mostrou a nós um colar antigo. — Isso é um colar enfeitiçado,
ele aumenta os poderes de quem o utiliza, e para fazer isso o próprio colar precisa ter sua
fonte de energia que vem do tal feitiço.
— Sim, mas o que isso tem haver? —, indagou Alexis.
— Só pelo fato desse colar ter sua própria fonte de energia para repassar para mim,
usuário do mesmo, ele pode ser um recipiente para uma invocação. Como se fosse um
segundo portão da alma. Entendem?
— Kyrie... você aprendeu essas coisas com quem? Pois isso é incrível.
— Com minha mãe. — Ela que me deu esse colar... a invocação por sua vez foi
passada de meu pai para mim, como um presente de aniversário.
— Uau. — Falei boquiaberto. — Que presente de aniversário, hein? —, eu dei uma
risada.
— Bom... voltemos ao que importa agora. Aegurr, a minha invocação pode ficar aqui
enquanto nós saímos para procurar pelos outros. — Portanto, se algum deles aparecer por
aqui, ele levará a pessoa até nós.
— A sua ideia não é ruim. — Disse Alexis. — Mas por quanto tempo você pode deixar
sua invocação ativa?
— Ela não possui limite de tempo. Para ela desaparecer, ou eu preciso desativar a
invocação, ou alguém deve me matar, já que invocações não morrem. E com Aegurr ficando
por aqui, nada irá atacar ele, pelo menos é o que se espera.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Então o plano não é ruim. — Falei. — Mas... Alexis, você acha que conseguirá
sair para procurar pelos outros? Isso é a única coisa que me incomoda, o seu machucado
em si.
— Eu fui curada por Melchior, eu não preciso me preocupar mais com tal ferida. —
Mas claro. Como eu continuo fadigada, eu gostaria que vocês cuidassem da parte de
enfrentar monstros, okay? —, disse ela com um sorriso no rosto.
— Eu e Toya sozinhos podemos cuidar das coisas. — Disse Kyrie. — Você poderia
ficar e descansar um pouco, se quisesse.
— Não. Eu irei com vocês.
— Bom, então vamos. — Falei. — Estarei deixando as coisas aqui neste quarto, já
que teremos de voltar quando acharmos todos os outros.
Nós então pegamos algumas coisas úteis na mochila que eu carregava e então
saímos em busca dos outros.
... ... ... ... ...
— Scott? —, disse Kiros enquanto recolhia as garras. — Você está bem?
— Sim, sim. É só que ter de ficar carregando essa porcaria de mochila e não poder
lutar é um saco, cara.
— Proteger nossas coisas é o seu trabalho por ora. Eu posso facilmente eliminar as
criaturas que tentarem nos atacar, mas eu não posso fazer isso e proteger suas costas o
tempo todo, entende?
— Sim, mas isso continua sendo um saco. — Ah! Afinal, onde devem estar os outros?
Eu realmente não lembro o que aconteceu, tirando o fato de termos caído depois do ataque
do verme gigante.
— Alice usou uma técnica d’água que fez nós sermos carregados por uma bolha
gigante e não sofrermos dano da queda, que por sinal foi de dez metros. — Mas isso
acarretou em nossa separação. Nós dois ficamos separados do restante do grupo, eu acho
que Alice ficou junto de Yue, mas não sei de Kyrie, Toya e Alexis.
— Bom... se eles caíram em uma parte da caverna igual à que estávamos
inicialmente, eles devem estar completamente perdidos por conta daquela escuridão. Eu
por outro lado tenho sorte de você conseguir enxergar no escuro total.
— Isso é uma das capacidades dadas por você ser um alfa. Você poderá ser um
algum dia desses, é só ter muita força de vontade.
— Força de vontade? —, indagou Scott. — O que isso tem haver?
— Existem três formas que eu conheço de um lobisomem virar um alfa, Scott. — A
primeira é por você já nascer um, se seu pai e sua mãe forem alfas, você nascerá como
um. A segunda forma é por você matando um alfa, o lobisomem beta que matar um alfa,
virará o tal. E a terceira forma é pela sua própria força de vontade de ser um alfa, claro
que essa é a forma mais difícil, mas se o lobisomem conseguir tal feito, ele será mais forte
que qualquer um alfa.
— Por que ele será mais forte?
— Pois os que atingem tal nível pela sua força de vontade são considerados
verdadeiros alfas. E eles são a raça mais forte dos lobisomens, além dos alfas puros.
— Os alfas puros você diz aqueles que já nasceram como um, certo?
— Exatamente. — Se você se transformar em um pela sua força de vontade, você
poderá ser até mais forte que eu. Mas você precisa acreditar em si mesmo, caso contrário,
você continuará a ser um beta para sempre.
— Entendi. — Mas por ora, guarde essas explicações., ok? Nós ainda temos que
achar os outros e se ficarmos parados, nós não conseguiremos tal coisa.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
XI
— Acordada? —, indagou Kira.
— Uhm... onde... onde estou? —, indagou Alice.
— Por que não se levanta e dá uma olhada no local por si mesma?
Ela então o fez. Dando uma breve volta no local, ela viu que estava em um pequeno
prédio — que era de forma circular — com duas asas no lado com dormitório, banheiro e
um estoque com comida e água. Saindo para o lado de fora do pequeno prédio, a primeira
coisa que ela notou foram duas ampulhetas de mais ou menos três metros de altura.
— O que é esse local? —, indagou Alice.
— Eu já perguntei isso a ele. — Disse Kiros. — Mas até agora não ganhei uma
resposta.
— Este local é chamado de Fim dos Tempos. Vocês treinaram aqui, como parte de
meu teste. Se conseguirem fazê-lo, eu admitirei que vocês são realmente as pessoas da
profecia. — Disse Kira. — Mas antes eu devo explicar algumas coisas sobre este local, para
que vocês não acabem se matando antes mesmo de concluírem o meu teste, portanto, eu
peço que vocês prestem bastante atenção, eu posso ser bastante velho, mas eu ainda odeio
ter que explicar a mesma coisa mais de uma vez.
Alice e Kiros apenas assentiram.
— Bom, vocês já devem ter sentido que seus corpos estão um pouco mais pesados
do que o normal, estou errado?
— Sim, quando eu levantei eu notei que meu corpo estava mais pesado. E eu
também estava com dificuldades para respirar, parece que o ar daqui é mais denso. —
Disse Alice.
— Eu também notei isso, mas eu já me acostumei com o ar daqui. — Disse Kiros.
— Sim, você não está errada mocinha, o ar desta sala é um pouco mais denso do
que o normal, e quanto mais você se afasta desse prédio, mais o ar ficará denso e mais
seu corpo ficará pesado. Em um raio de quinze metros além deste prédio, o ar é só um
pouco mais denso, e a gravidade é duas vezes maior que a do planeta. Depois desses quinze
metros, o ar ficará mais e mais denso e a gravidade se multiplicará, dentre quatro vezes,
depois oito e depois até quanto você aguentar se distanciar.
— Você disse que iremos ter que fazer um teste dado por você, certo? Mas com essa
gravidade nós estaríamos em desvantagem, não conseguiríamos dar o máximo de nós. —
Disse Alice.
— Isso já é parte do teste, não é? —, indagou Kiros.
— Exatamente. Tudo aqui tem um proposito... mas continuemos, vocês treinaram
aqui dentro do limite de quinze metros, e para que vocês não saiam desse limite eu pus
uma barreira magica, você precisaria me derrotar para desativar ela.
— Eu já andei um pouco por aqui e sim, não tem como atravessar depois de um
certo ponto. — Disse Kiros.
— Vocês farão os testes de forma separada, já que eu só posso cuidar de um por
vez. E os tais testes estão separados em três partes, conclua as três e você passará no
teste.
— Quanto tempo nós temos para completar os testes? —, indagou Alice. — Cada
um, digo.
— Vocês têm dois meses no total. Façam bom uso de tal tempo.
— Se por acaso nós conseguirmos acabar com os testes antes mesmo desses dois
meses acabarem? —, indagou Kiros.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Vocês poderão ficar treinando pelo resto do tempo, a porta de saída desse local
só aparecerá depois que os dois meses se passarem. — Ah, uma coisa que acho que devo
informar a vocês dois. Os dois meses que eu falo serão contados apenas no lado de fora
dessa sala, aqui dentro se passará um ano inteiro.
— Ãn!? Como assim?! —, indagou Alice. — Isso é relativamente impossível!
— Um ano aqui dentro é igual a dois meses lá fora, mocinha, não há truque algum
nisso. Mas se você não quiser acreditar, não importa. O tempo se passará de qualquer
jeito. — Bom, quem dos dois irá primeiro? Iremos alternar a cada troca de fase.
— Quer ir primeiro? —, indagou Kiros. — Ou quer que eu vá?
— Não. Eu quero ir primeiro sim, obrigada. — Fitando Kira, ela disse: — Bom, vamos
começar?
— Kiros, você pode se afastar um pouco? Ficar nos limites do prédio pelo menos. —
Disse Kira.
— Sem problemas. — Disse Kiros.
Alice e Kira se afastaram do prédio e Kiros ficou lá sentado observando.
— E então? Como será esse teste? —, indagou Alice.
— O primeiro teste será o seguinte, você lutará com sigo mesma. Só que será uma
versão sua sem restrições nas suas habilidades e com um único objetivo, que é derrotar
você.
— Sem restrições das minhas próprias habilidades? Isso é bem injusto, mas claro
que você liga para isso.
— E você está começando a me entender. Bom, diga-me quando for começar, você
pode ter um tempinho para se aquecer se quiser.
— Não, pode começar agora mesmo.
— Certo.
Kira então colocou suas mãos no chão do salão, um círculo vermelho com letras e
números estranhos apareceu, logo dando forma a uma cópia exata de Alice.
— Uau, isso sim interessante. — Disse Kiros, enquanto apenas observava.
— Boa sorte. — Disse Kira em um tom irônico.
Alice respirou fundo, abriu os olhos e pôs-se em guarda.
— Isso é a primeira etapa? —, indagou Kiros a Kira. — Lutar com sigo mesmo?
— Sim. Só que a sua cópia não tem restrições das suas habilidades. — Respondeu
Kira. — Você deve entender melhor quando for sua vez.
— Bom, verei isso.
— Vamos lá. — Disse Alice.
Partindo em uma investida, Alice acerta sua cópia e a derruba no chão, mas não
conseguiu chegar mais perto, tomando um chute na barriga, ela recuou e sua cópia apenas
rolou para trás, tomando distância e se levantando.
— Minha vez. — Disse a cópia com um sorriso cínico no rosto.
Ela avançou contra Alice desferindo uma sequência de boxe — um, dois — e depois
a empurrando.
— Estilo d’água: Dragão de água! —, conjurou a cópia.
— Como você consegue conjurar sem ter uma fonte de água por perto?! —, exclamou
Alice enquanto rolava para o lado escapando da técnica lançada por sua cópia — Vejo que
o tal do “sem restrições” não era brincadeira. — Disse Alice já de pé.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Não dando sossego a Alice, sua cópia avançou numa investida novamente. Lançou
novamente algumas sequencias de um, dois e depois um chute com a perna direita
mirando a costela de Alice.
— Desde quando eu tenho um chute tão forte assim!? —, Alice então voltou a
exclamar. — “Caramba, se continuar assim eu não passarei do primeiro teste”.
— Ela está em apuros. — Disse Kira.
— Aquele chute não foi tão rápido assim, Alice conseguiu defender ele. — Kiros
então fitou Kira. — Eu posso dar dicas para ela? Parece que ela não sabe muito sobre
combate corpo a corpo.
— Você ajudar ela do jeito que quiser, você apenas não pode interferir na luta.
— Ótimo. — Alice! Preste atenção na minha voz a partir de agora! Tente se
concentrar na minha voz e na luta ao mesmo tempo, acha que consegue?!
— Acho que sim! —, disse Alice enquanto defendia os socos desferidos por sua cópia.
— Você não deve saber muito sobre combates físicos, então sua cópia também não
sabe! Preste atenção na sequência que ela está desferindo contra você e então contra-
ataque! Se ela te chutar, agarre a perna dela e a derrube, acho que você deve ter aprendido
isso na academia!
— Certo! — “Vamos lá... concentre-se e veja uma abertura...”.
A cópia de Alice então pulou para trás e juntou as mãos.
“Eu já estava esperando por isso!” —, pensou Alice.
— Estilo d’água: Dragão de Água! —, conjurou a cópia.
— Estilo de água: Controle d’água! —, conjurou Alice em sequência a sua cópia.
O dragão de água foi contra Alice, mas antes mesmo de chegar perto do rosto dela,
a mesma estendeu sua mão, parando a técnica.
— Esse dragão de água agora é meu. — Disse Alice. — Vá! —, exclamou Alice ao
apontar para sua cópia.
O dragão atingiu a cópia em cheio fazendo-a voar três metros de distância.
— Isso teria acabado comigo... espero que aconteça o mesmo com você.
— Garota! Devo lhe contar que a batalha ainda não acabou! —, disse Kira.
— Como?!
Depois que o vapor — causado pela técnica — desapareceu, apenas pôde se ver a
cópia de Alice em pé, intacta. Seus cabelos — que agora estavam bem bagunçados, de
forma mais selvagem — tinham uma coloração esbranquiçada, talvez como a cor da tal
sala onde estavam Kira, Alice e Kiros. Sua pele estava extremamente pálida e suas roupas
quase em farrapos por conta da técnica que a atingira.
— Banshee... —, murmurou Kira. — Então... essa é a forma verdadeira dela?
— Sim. — Disse Kiros. — É o que parece.
“Droga... acho que não passarei daqui” —, presumiu Alice. — Kiros! Alguma
instrução para agora!?
— Quais suas capacidades nessa forma!? —, indagou Kiros. — Eu não te conheço
tão bem para saber elas, e isso se encaixa para nós dois.
Os olhos da cópia de Alice brilhavam em um vermelho vivo, e a mesma apenas
esperava em pé, sem mover um musculo sequer.
“Pense... se ela sou eu, como eu devo me derrotar?” —, matutou Alice. — Já sei.
Alice então investiu contra sua cópia e a agarrou em um abraço de urso. A cópia
apenas chiou com um grito ensurdecedor e os tímpanos de Alice começaram a sangrar.
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— Isso foi uma provocação? —, indagou Kiros, mas sua cópia apenas deu de ombros.
— Ora... então venha! Vamos acabar logo com isso! —, disse enquanto mostrava suas
garras.
A cópia fez o mesmo e então partiu para cima de Kiros, numa investida de ombro.
Desviando da investida, Kiros agarrou as pernas da cópia levantou ela e a jogou no chão
lateralmente, logo subindo em cima dela voltando para a guarda montada. Mais uma
sequência de socos foi lançada, mas dessa vez, em alternância, arranhões com as garras
e cotoveladas também eram desferidas por Kiros contra sua cópia que apenas estava com
as costas contra o chão, indefesa desta vez.
— Acabarei com isso agora mesmo... se eu prolongar tal luta, provavelmente eu
perderei. — Disse Kiros enquanto desferia mais um soco contra o rosto da cópia.
Agarrando a gola da roupa da cópia, Kiros a levantou deixando os dois de pé
novamente, logo prendendo seu oponente em um Clinch, técnica do Muay Thai que
consiste em prender a nuca do oponente com suas duas mãos, trazendo-o para perto de
si para desferir tanto socos, como cotoveladas e joelhadas.
Com suas garras, Kiros se prendeu-a nuca de sua cópia e reforçou o Clinch, logo
desferindo uma sequência de joelhadas contra o rosto e estômago da cópia, que sem
reação, apenas se contorcia de dor a cada golpe recebido.
A cópia em uma tentativa falha, tentou agarrar as pernas de Kiros, que apenas as
jogou para trás, caindo com o rosto de sua cópia contra o chão em um movimento chamado
Sprawl — movimento que consiste em jogar suas pernas para trás, protegendo-as de um
agarre e então jogando o oponente para baixo, deixando-o instável. Em um movimento
extremamente ágil, Kiros passou para as costas de sua cópia logo prendendo sua cintura
com as pernas e lançando um Mata-leão — golpe de estrangulamento que consiste em
envolver o pescoço do oponente com um de seus braços e o prender com o bíceps do outro
braço, forçando-o a desistir da luta, ou em casos extremos, apagando-o por falta de ar,
como foi no caso exercido por Kiros. Cinco segundos depois de ter fechado o golpe, sua
cópia desmaiou.
— A luta acabou! —, exclamou Kira que ao estalar os dedos, fez a cópia de Kiros
sumir. — Parabéns, vocês dois conseguiram passar da primeira etapa do teste. Descansem
por ora, comam alguma coisa e bebam água, pois daqui a uma hora começaremos a
próxima etapa.
... ... ... ... ...
— Então você está dizendo que este vai ser o local que iremos fazer esse tal “teste”?
—, indagou Kyrie. — Olha, espero que isso valha mesmo a pena.
— Irá. — Disse Kira. — Mas, qual dos dois começará?
— Se importa se eu for primeiro? —, indagou Kyrie a Alexis.
— Não, pode ir. Eu quero me aquecer um pouco antes. — Respondeu Alexis.
— Ótimo. Então podemos começar, Kira.
— Vamos nos afastar do prédio, destruí-lo não é uma opção já que se isso
acontecesse, vocês não poderiam sair daqui. — Disse Kira.
— Hm, que ótima notícia. Tentarei ao máximo não chegar perto desse prédio
enquanto estiver lutando comigo mesmo, pois eu não posso dizer que irei me segurar a
ponto de não usar técnicas destrutivas.
Kira colocou suas mãos no chão e um círculo vermelho apareceu, logo trazendo uma
cópia exata de Kyrie.
— Olha só, um círculo de transmutação. Meu pai usa bastante desses para lutar. —
Disse Kyrie.
— Você é o primeiro a comentar sobre o círculo. E sim, seu pai é uma das únicas
pessoas que conseguiram me derrotar até hoje.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Você já lutou contra meu pai? Hahaha! Isso aqui ficou bem mais interessante.
“Quem deve ser o pai dele?” —, pensou Alexis. — “Eu não sinto a energia de Kira, e
ele mostrou ser extremamente poderoso ao fazer todos nós desmaiarmos com um simples
estalo de dedos... mas... quem seria mais forte que ele a ponto de o derrotar? Esse nível
está bem além de minha imaginação...”.
— Comecem! —, exclamou Kira.
De imediato, ambos — Kyrie e sua cópia — juntaram as mãos e entrelaçaram os
dedos, e então conjuraram a técnica ao mesmo tempo.
— Estilo da sombra: Clone das Sombras! —, exclamaram Kyrie e sua cópia em
uníssono e dois clones apareceram, um em cada lado.
— Ótimo, agora não temos só dois, mas quatro Kyries. — Disse Alexis. — Quem
diria que ele teria uma técnica de clonagem.
Os dois Kyries investiram contra as duas cópias e começaram a trocar socos e
chutes, isso durou um tempo, até que os clones — de ambos os lados — foram derrotados.
Os dois pularam para trás — recuando —, tanto Kyrie tanto sua cópia e novamente
juntaram as mãos preparando uma conjuração.
— Estilo da sombra: Clone das Sombras! —, conjurou a cópia.
— Técnica de invocação: Aegurr! —, invocou Kyrie ao colocar suas mãos no chão.
Novamente um clone estava do lado inimigo, mas dessa vez, Kyrie teria ajuda de
seu cão de um metro e meio de diâmetro para auxilia-lo.
— Está surpreso, cópia? Isso é algo que não consegue fazer, não é mesmo? —, Kyrie
então riu. — Aegurr, ataque-o sem piedade, eu cuidarei do outro.
Aegurr investiu contra o clone da cópia com uma mordida impetuosa, incinerando
o braço direito do clone ao encostar suas presas na carne. Kyrie por outro lado, com um
chute frontal contra o estomago da cópia, Kyrie fez a cópia se curvar logo puxando-o para
frente desferindo uma joelhada contra o rosto de seu alvo. A cópia gritou de dor, e se
afastou com uma das mãos contra o rosto, escondendo o sangue que escorria, logo Aegurr
— que já havia destruído por completo o clone — mordeu sua perna e ficou agarrada a ela.
— Adeus, impostor. — Disse Kyrie. — Estilo da sombra: Estrangulamento das
sombras!
Utilizando-se da sombra de seu alvo, um braço totalmente negro apareceu e
começou a envolver a cópia de Kyrie, logo chegado até o pescoço da mesma e por fim,
estrangulando-o até a morte. A cópia depois de cair no chão, já morta, desapareceu
magicamente.
— Parabéns, você passou da primeira etapa, pode ir descansar se quiser, isso
enquanto Alice termina a primeira etapa dela. — Disse Kira. — Depois que ela acabar, eu
contarei uma hora e então começaremos a segunda etapa.
— Por que teremos que esperar uma hora inteira? —, indagou Kyrie. — Eu nem suei
contra minha cópia, que por acaso... tem certeza de que você conseguiu fazer ela ficar com
“sem restrições” para minhas habilidades? Pois eu achei essa luta fácil demais.
— Nenhuma luta pode ser considerada fácil demais, apenas considere que: ou seu
oponente não era tão forte ou você era forte demais para ele.
— Você quer mesmo usar uma analogia dessas para quando eu acabei de derrotar
a mim mesmo? Você pode ser o mestre da guerra, ou sei lá o quê, mas não é o mestre das
filosofias. — Kyrie riu. — Mesmo se eu fosse fraco demais ou forte demais, a luta teria de
ser de igual para igual, já que era uma cópia minha. Mas claro, ao usar Aegurr, eu quebrei
a teoria de que a minha cópia teria todas as minhas habilidades, já que só pode existir um
Aegurr no mundo das invocações.
— Então foi isso que você quis dizer com: Isso é algo que não consegue fazer... —,
disse Alexis tentando imitar a voz de Kyrie.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Essa foi uma péssima imitação, primeiramente. Mas sim, era disso que eu falava.
— Entendo, eu agradeço por me mostrar isso. Agora eu posso derrotar minha cópia
facilmente.
— De nada. Estou curioso para saber do que se trata. — Kyrie riu.
— Bom, vamos se afastar do prédio. — Disse Kira a Alexis.
— Certo —, ela respondeu. — Vamos indo.
E tudo se repetiu, Alexis e Kira se afastaram do prédio e então a cópia de Alexis foi
invocada.
— Comecem! —, exclamou Kira.
A cópia de Alexis esperava, cautelosa, isso enquanto Alexis segurava com a sua mão
esquerda um pingente — de um cristal de cor azulada — que a mesma tinha pendurada
no pescoço como colar.
— Estilo de Artêmis: Tiro Paralisante do Caçador! —, exclamou Alexis enquanto
estendia o seu braço esquerdo na direção de sua cópia. Um arco feito de energia apareceu
em seu braço e a mesma rapidamente e de forma calculista, puxou com seu braço direito
a corda do arco, criando uma flecha prateada feita de energia. — Adeus, pena que você
não pode fazer isso, mas se pudesse eu estaria em perigo.
Ao soltar a flecha, a mesma com a velocidade de uma bala, atingiu o coração da
cópia, que apenas caiu de joelhos no chão.
— A luta acabou. — Disse Alexis.
Kira sem entender muito bem, se aproximou da cópia de Alexis e a observou de
perto.
— O que você acabou de fazer? Até mesmo eu não entendi —, indagou Kira. — Foi
um belo tiro, eu admito, mas...
— É uma flecha feita de energia condensada que paralisa a Mana do adversário, ou
seja, minha cópia ficará paralisada até alguém retire a flecha de seu peito e já que ninguém
pode interferir nessa luta, eu acabo vencendo por conta de minha oponente não poder
mais reagir. — Disse Alexis, interrompendo Kira.
— Você é uma caçadora de Artêmis... eu pensava que ela tinha parado de
transformar as pessoas em caçadores. — Disse Kyrie. — Digo, você é muito nova para ser
uma caçadora.
— Você não está errado, a senhorita Artêmis realmente parou de transformar as
pessoas em seus caçadores ou em suas caçadoras, mas eu sou uma exceção. Já que sou
a ninfa que guarda a árvore que a própria Ártemis cultivou.
— Uma ninfa e caçadora que serve a Artêmis... bom, isso só mostra o quão esse
grupo é forte.
— Bom, vocês dois passaram. Quando a segunda etapa for começar, eu avisarei,
mas por enquanto vocês podem fazer o que quiser. — Disse Kira.
— Sim, sim... nós já sabemos. — Disse Kyrie. — Apenas nos chame quando for a
hora.
... ... ... ... ...
— Espera um pouco... então quer dizer que teremos que fazer esse tal teste ou não
poderemos sair daqui? —, indagou Scott. — Mas que coisa irritante.
— Por que apenas não aceita e daí nós podemos começar esses testes? —, disse
Yue. — Como ele mesmo disse, nós teremos que lutar contra uma cópia nossa, então vai
ser um teste em cima de nossas próprias habilidades. Olha, se você não se importa eu
gostaria de começar fazendo esses testes.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Claro, venha comigo, você precisa estar um pouco afastada desse prédio para
começarmos. — Disse Kira. — Scott, por favor, não atrapalhe ela de forma alguma. Ou
vocês dois morreram, entende?
Scott, irritado apenas assentiu com a cabeça.
— Vamos lá. — Kira colocou suas duas mãos no chão, fazendo um círculo de
transmutação vermelho aparecer e logo invocando uma cópia exata de Yue. — Podem
começar. — Kira então se afastou das duas.
Yue parada apenas abriu os braços, transformando-se para sua forma de Kitsune.
Ela ganhou tanto orelhas como um rabo de raposa, que tinham a pelagem da mesma cor
que seu cabelo ruivo-alaranjado. Seus olhos continuaram da mesma cor, pretos como a
noite e sua aura emanava para fora do corpo, como um manto.
Ela então investiu contra a sua cópia de forma mais que veloz, logo desferindo um
soco contra o estomago de seu alvo e atacou em sequência — com ambas as mãos — contra
o rosto de sua cópia com suas garras.
Sua cópia recuou, com a cara ensanguentada por conta do ataque desferido por
Yue.
— Transforme-se. — Disse Yue. — Eu ainda estou pegando leve com você, mas
quero aproveitar dessa luta para melhorar minhas habilidades, portanto, se você não lutar
de igual para igual comigo, eu não terei uma melhora significativa.
A cópia de Yue rosnou de raiva e logo se transformou para a forme de Kitsune.
— Ótimo, agora sim eu poderei lutar seriamente contra você. — Disse Yue. — Estilo
do fogo: Dança Fúnebre do Fogo-Fátuo!
Sete labaredas apareceram em volta da cópia de Yue e começaram a rodeá-la,
enquanto a tocavam uma por vez, queimando-a aos poucos. Estando preocupada demais
em desviar dos ataques das labaredas, a cópia não percebeu a investida de Yue, que ao
chegar perto de seu alvo, desferiu um chute contra a costela direita de sua cópia que
acabou caindo no chão.
— Estilo do fogo: Sopro do Dragão! —, conjurou Yue, queimando por completo sua
cópia.
“É... essa é a minha técnica!” —, pensou Scott. — “Eu não lembro de ela ter me visto
usando tal movimento...”.
— A luta acabou! —, exclamou Kira. — Você passou pela primeira etapa, pode ir
descansar até que eu vá iniciar a segunda. Coma alguma coisa e beba água, pois você irá
precisar. — Scott, é a sua vez! Venha até aqui e nós começaremos.
“Aquela com certeza era minha técnica... mas... eu sinto que estava bem mais forte
do que ela deveria ser.” —, matutou Scott enquanto ia de encontro com Kira, se afastando
do prédio.
— Está pronto? —, indagou Kira. — Scott!
— Uh!? Sim! Eu estou pronto! — “Droga... tenho que me concentrar, tenho que me
concentrar!”.
Kira colocou suas duas mãos no chão fazendo o círculo de transmutação aparecer
mais uma vez, logo trazendo a cópia de Scott para o salão.
— Comecem! —, exclamou Kira enquanto se afastava.
A cópia de Scott avançou contra ele e o atingiu com uma jogada de ombro contra o
corpo dele. Atordoado, Scott recuou pondo-se em guarda, mas em vão, pois, sua cópia em
uma investida baixa, agarrou as pernas de Scott levantando-o em um Double-Leg, de
sequência, jogando-o lateralmente contra o chão.
— O que esse idiota está fazendo!? —, indagou Yue, confusa. — Ele não está nem
reagindo!
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— Exatamente.
— No que consiste tal teste?
— Ele será dividido em três partes, a primeira é uma luta. Você deve derrotar a si
mesmo, não importando o método utilizado.
— Lutarei com um clone?
— Um doppelganger. Sua cópia em si não tem sentimentos ou restrições das suas
próprias habilidades, devo avisa-lo disso também.
— Sim, entendo. Eu já li sobre eles antes.
— Bom, venha comigo. O teste se iniciará lá fora, para que não haja danos a este
prédio, já que, se este prédio for destruído, você não poderá mais sair dele e então passará
o resto da vida aqui dentro. Isso até seu corpo não aguentar mais.
— Isso seria um problema. — Disse Toya. — Mas vamos, quão mais cedo
começarmos tal teste, mais cedo eu poderei fazer os próximos.
— Certamente. Mas antes, gostaria de fazer alguma pergunta, gostaria de se aquecer
ou coisa do tipo? —, indagou Kira.
— Hm... na verdade eu tenho uma pergunta sim.
— Pode faze-la.
— Se será um doppelganger meu, então quer dizer que ele terá as mesmas
características minhas, certo? Altura, peso, força, velocidade, etc.
— Sim.
— Mas quando você disse sem sentimentos... você inclui que ele não sentirá dor?
— Não, sentir a sua cópia sentirá, mas não irá demonstrar tal coisa.
— Certo, é que eu pensei que tal coisa estaria de forma mal balanceada. Se o meu
outro eu não sentisse dor, ele estaria na plena vantagem, mas como não será o caso eu
fico um pouco mais aliviado. — Bom, isso é tudo que eu gostaria de saber e eu também
não precisarei de aquecimento, podemos começar quando você quiser.
Kira então colocou suas mãos no chão, invocando o doppelganger de Toya através
de um círculo de transmutação.
— Podem começar! —, exclamou Kira, logo dando um salto para trás, se afastando.
Toya avançou contra sua cópia e começou seu ataque. Jab, direto e um chute contra
a costela esquerda, logo voltando para sua guarda e reiniciando o ataque. Ele continuou
com o estilo um, dois por um tempo, logo trocando para o um, dois, três e quatro — sendo,
jab, direto, cruzado e cruzado —, coisa que fez sua cópia recuar, tentando tomar distância.
“Ele luta bem, está conseguindo pressionar com facilidade seu doppelganger” —,
pensou Kira. — Talvez ele vença sem dificuldades...
Alternando entre o um, dois e o um, dois, três e quatro, Toya adicionou ao seu ataque
mais uma sequência. A cada intervalo entre as duas últimas sequencias a nova entrava,
sendo ela um, dois, chute baixo, chute médio, três e quatro — sendo, jab, direto, chute, chute,
jab e upper.
Sua cópia tentou um double-leg, mas foi falha a tentativa, com Toya se defendendo
com um sprawl e logo partindo para uma joelhada no rosto. Atordoada, a cópia de Toya
recuou com uma das mãos no rosto e a outra estendida, em tentativa de parar alguma
investida, mas isso apenas foi um adiantamento para Toya, que agarrou o braço direito de
sua cópia e girando seu quadril, encostando na barriga do doppelganger, o mesmo aplicou
um Seoi nage — golpe de projeção do Judô — jogando sua cópia violentamente contra o
chão e logo partindo para uma guarda montada. Desferindo alguns socos contra o rosto
do doppelganger, o mesmo em tentativa de escapar da guarda montada, retirou uma das
pernas de baixo de Toya que em reflexo, puxou sua cópia para cima, ficando de costas no
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chão e logo jogando suas pernas contra as costas da cópia, prendendo-o na guarda
fechada.
Já na guarda fechada fixa, seu doppelganger tentando sair do aprisionamento de
Toya, segurou com seu braço direito na gola da roupa de Toya e logo tentou forçar a coxa
do mesmo, para abrir a guarda, mas Toya novamente revidou, agarrando o braço direito
de sua cópia e lançando suas pernas por cima do pescoço da mesma, fechando-o em um
triangulo. O doppelganger, já sem forças alguma, apenas resistiu o quanto pode até
desmaiar.
— A luta acabou! —, exclamou Kira.
Ofegante, Toya levantou o braço comemorando.
— Descanse, você irá precisar para a próxima etapa. Tem comida e água na
geladeira e daqui a uma hora a próxima etapa começará. Esteja pronto.
Toya apenas assentiu e foi descansar.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
XII
— A segunda parte dos testes começará agora. — Disse Kira. — Qual de vocês dois
irá primeiro?
Kiros e Alice entrelaçaram os olhares, mas logo Alice falou.
— Eu irei. — Isso se você não se importar, Kiros.
Kiros balançou a cabeça e disse: — Não há problema algum em você ir primeiro.
— E então... —, Alice fitou Kira. — Como será essa segunda etapa?
— Eu trarei alguém para cá. — E esse alguém tem uma grande ligação com você.
— Uma grande ligação...
— Essa pessoa deve lhe entregar algo e então decidir como será o teste. — Mas
vamos adiantando as coisas, venha comigo e então comecemos a segunda etapa do teste.
Kiros os seguiu, mas parou logo na entrada do prédio e Alice, junto de Kira,
seguiram se afastando do local para preserva-lo.
— Abrir portal. — Disse Kira com um estalo dos dedos e de imediato, um vórtice
roxo-escuro apareceu. — Saia.
— Claro, Kira. — Disse uma voz, que vinha do vórtice.
— Essa voz... —, balbuciou Alice.
A mesma foi interrompida por conta de um homem adulto sair do vórtice. Ele vestia
um manto roxo-escuro que ia de seus ombros até tocar o chão, isso por cima de um traje
preto — tanto a parte superior, tanto a inferior —, usava luvas de cor vinho e sapatos
pretos. Seu cabelo era preto, com alguns fios brancos bem espalhados por toda a cabeça,
sua barba era rala, por fazer, e ele segurava um cetro de aço com sua ponta em formato
de mola que segurava um cristal azul.
— Pai. — Disse Alice.
Ele estendeu a mão, pedindo que ela esperasse.
— Kira? —, disse o homem, dito cujo seria o pai de Alice. — Você continua com os
mesmos métodos de sempre...
— Não se pode ensinar truques novos para cães velhos. O que já foi usado uma vez
irá ser repetido, isso claro, se o mesmo deu certo. E esses meus testes sempre dão certo.
— Disse Kira. — Portanto, eu quero que me ajude, Klaus.
— Seu ego continua nas alturas. — Tua falta de respeito também. Meu nome é
Balthazar, chame-me por ele.
— Você não me acostumou a chama-lo disso, afinal, eu sei que odeia este nome.
— Espera aí! Para tudo! —, exclamou Alice. — O que está acontecendo? — Pai! Por
que está aqui? E... o senhor conhece este homem?
— Se eu conheço ele? Isso é uma pergunta um tanto retórica, não é? — Bom, eu
estou aqui para auxiliar Kira. Ele quer testar as capacidades de todos vocês, assim como
ele faz com todos que ele vê algum potencial.
— Não estrague a arte do mistério, Klaus. — Deveria ser segredo o fato de eu ver
algum potencial nestes garotos. — Kira riu. — Bem, eu deixarei sua filha em tuas mãos,
tente não demorar muito. O outro garoto que está pode ficar impaciente.
— Serei breve. Eu peço dez minutos, apenas. — Disse Klaus.
— Te darei quinze, não afobe sua pequenina. — Kira então foi em direção de Kiros.
— Não achava que sua hora chegaria tão cedo... —, disse Klaus a Alice.
— O que quer dizer com isso? —, indagou Alice.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Você tem apenas doze anos e já faz parte de uma grande profecia, portanto, eu
devo instrui-la o máximo que posso. — Mas antes de começarmos de verdade, coloque
isso.
Ele entregou um colar com um pequeno cristal de cor violeta para Alice.
— Um colar?
— Era de sua mãe. Ela me pediu para entregar isto a você quando algo de ruim
estivesse para acontecer, e olha... o mundo inteiro está agindo, o Cristal de Gaia está cada
vez mais fraco por conta do veneno e temo que a grande guerra não demore a vir. — Por
isso eu quero que você esteja preparada, acima de tudo. E sua mãe também já esperava
por algo do tipo, por isso ela deixou-lhe esse colar.
— É mágico ou algo assim? —, indagou Alice.
— Eu não sei. Eu não sinto nenhuma presença mágica no objeto, mas é algo
importante com toda certeza, caso contrário tua mãe não teria dito para eu entregar isso.
— Entendi. — Alice então colocou o colar no pescoço e o mesmo brilhou. — Isso é
alguma reação?! —, disse surpresa.
— Provavelmente. — Disse Klaus se afastando de Alice.
— Pai? O que está fazendo?
— Prepare-se. Aguente o quanto puder, certo? —, disse Klaus levantando seu cetro.
— Estilo avançado do fogo: Redenção dos Céus!
Um círculo de transmutação apareceu alguns centímetros acima do cetro —
levantado — de Klaus, e logo uma rajada de fogo começou a sair dele. Inúmeras bolas de
fogo começaram a ir contra Alice, que estava imóvel, perplexa.
— Alice mova-se! —, gritou Kiros.
Em um instante, Alice pulou para o lado direito se jogando no chão e a bola de fogo
não a atingiu por pouco.
— Preste atenção na luta! —, exclamou Kiros enraivado. — Mesmo que seja seu pai,
se ele te atacou, considere-o como uma ameaça!
— Ele não está errado, Alice. — Disse Klaus. — Agora, pelo resto desses dez minutos,
eu serei seu inimigo. Ataque-me sem dó e defenda-se de minhas magias, ou apenas fuja e
falhe no teste. A escolha está em suas mãos.
Desviando de outra pedra flamejante, Alice se pôs e posição de combate, logo
conjurando uma técnica.
— Estilo de água: Dragão Tornado!
O montante de água que girava velozmente em forma de um tornado, tinha a
aparência de um dragão-serpente. Alice, com suas duas mãos começou a controla-lo e
então o jogou contra Klaus.
— Estilo Astral: Barreira de Cristal! —, conjurou Klaus ao bater seu cetro no chão.
O dragão de Alice bateu contra a barreira invisível e então se desfez.
— Vai precisar de mais do que isso para me acertar! —, exclamou Klaus.
— Estilo d’água: Dragões gêmeos! —, conjurou Alice e dois dragões feitos d’água
apareceram, cada um saindo de uma das mãos dela.
— Seus ataques são diretos demais! Você precisa de algo melhor para me vencer. —
O cristal de seu cetro brilhou, e logo, Klaus levantando-o, conjurou mais uma técnica. —
Estilo avançado do vento: Turbilhão Espacial!
Alice mirou os seus dragões contra seu pai, mas a técnica dele impediu que os
mesmos se aproximassem. Uma massa de ar densa, de cor roxa e de extrema velocidade
- 102 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
girava em sentido anti-horário, servindo como um escudo que sugou os dragões feitos por
Alice, desfazendo a técnica.
— Estilo avançado da terra: Escala 8! —, batendo seu cetro no chão, Klaus
ocasionou um terremoto no local, derrubando Alice com facilidade. O terremoto fez uma
rachadura no chão e a mesma se aproximava do prédio onde Kiros e Kira estavam.
— Estilo dos Reis: Muralha Astral! —, conjurou Kira ao colocar suas duas mãos no
chão. Uma muralha de cor anil, que cercou o prédio protegendo-o do terremoto causado
por Klaus. — Tenha mais cuidado com essas suas técnicas! —, exclamou Kira.
— Desculpe-me! Eu me esqueci desse detalhe. — Klaus riu por um instante, mas
rapidamente mudou sua expressão facial, ficando sério. — O nosso tempo está acabando
e você ainda não mostrou o que eu quero ver... eu realmente peço desculpas por isso, mas,
você precisa de tal coisa. — Estilo do tempo e espaço: Trezentos quilos!
Alice que estava novamente de pé, já recuperada do terremoto, caiu de joelhos com
uma expressão de dor nas costas.
— AHHHH! —, gritou Alice.
— Mas... o que ele acabou de fazer!? —, indagou Kiros completamente confuso.
— Aquilo é um nível S+, nunca pensei que ele chegaria a esse ponto contra sua
própria filha. — Disse Kira. — Uma técnica que deixa o alvo trezentos quilos mais pesado...
— Então ele adicionou trezentos quilos contra ela... isso tem algum tipo de efeito
colateral nela? —, indagou Kiros.
— Seus ossos irão quebrar se ela continuar a resistir, claro que ela já deve ter
perdido toda e qualquer consciência sobre a luta. A dor daquela técnica é insuportável,
isso para pessoas que não estão preparadas para algo do nível. — E eu aposto que ela não
durará dois minutos ali, portanto, eu pararei a luta assim que ela estiver para morrer.
— Se ela não tem chance alguma de sair dali, então a tire de lá imediatamente. —
Kiros disse em um tom raivoso. — Não... você ainda tem esperanças nela, não é?
Kira deu um sorriso que apareceu mesmo por debaixo daquele capuz.
— Se vocês são mesmo os escolhidos pelo oráculo, eu devo confiar que vocês devem
ter capacidades a ponto de me impressionarem. E claro, se ela conseguir sair dali eu ficarei
impressionado de verdade.
Alice gritava e gemia por conta daquela dor extrema e Klaus apenas a observava,
quieto e imóvel.
— Por que você continua negando a sua verdadeira forma? A forma que sua mãe te
passou... —, disse Klaus decepcionado. — Você prefere morrer a usa-la? Eu não te
entendo.
Por um instante, o cristal que estava no colar de Alice brilhou.
— Hmpf... sua mãe te ajudou até o último momento e agora você apenas está
ignorando o poder que ela te passou. Você é uma vergonha. — Não... você é uma desgraça
para seu irmão mais novo. Ele sem entender o porquê de só você ter nascido com os
poderes de tua mãe, querendo tê-los e você ignorando a existência deles.
O cristal voltou a brilhar e Alice se mexeu.
— E-eu... eu apenas... —, aos poucos Alice ia se levantando. — Eu apenas não quero
ter o mesmo destino que o dela. Caçadores levaram a vida dela por conta dela se envolver
com você, pai. E é por isso que eu odeio essa forma.
O cristal cintilava um brilho constante e Alice já não era mais a mesma. Seus
cabelos passaram do castanho claro para um tom esbranquiçado. Sua pele que já era
branca, passou a ficar mais, como se ela estivesse completamente pálida. Uma aura da
mesma cor que o cristal emanava do seu corpo, até que a mesma aura que saia de Alice
começou a tomar forma do lado direito de seu corpo. A fonte de energia se condensou em
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
forma de um esqueleto gigante, mas só parte dele, sendo algumas costelas e um braço que
tinha um pouco mais da altura da própria Alice.
— Mas... como você?! —, antes mesmo que Klaus pudesse terminar sua sentença,
Alice o agarrou utilizando-se de seu braço esquelético de cor violeta, apertando-o com
força. — Argh! —, Klaus gemeu de dor, e cuspiu um pouco de sangue.
— Jamais volte a falar coisas das que não sabe... pai. — Disse Alice.
— Isso já está fora de controle. — Disse Kira que já não estava mais ao lado de Kiros,
mas sim em frente a Alice. — Estilo dos Reis: Prisão de Magia. — Kira apenas tocando Alice,
a apagou e logo o corpo dela voltou ao normal, o braço gigante de energia também se
despedaçou, soltando Klaus, que acabou caindo no chão.
Klaus tossiu, ainda incomodado pela constrição, mas logo se levantou e falou: —
Eu agradeço por isso, Kira. Ela teria me matado ali mesmo se você não tivesse parado a
luta.
Kiros correu de encontro aos outros três e disse: — O que você fez com ela?
— É uma técnica que anula toda e qualquer atividade e fluxo de Mana do corpo com
apenas um toque. Ela acabou desmaiando no processo, mas isso foi por conta de ela estar
usando muita energia. — Disse Kira. — Ela deve acordar em algumas horas, seu corpo se
desgastou muito.
— Bom, você já pode abrir o portal e me mandar de volta, não acha? —, disse Klaus.
— Ah, me desculpe, eu já tinha esquecido de você. — Abrir portal.
— Até mais, Kira. — Klaus por um momento fitou Kiros e disse: — Boa sorte garoto.
— E logo sumiu pelo vórtice roxo.
— Deixe eu apenas levar ela para dentro e então começaremos a sua segunda etapa.
— Disse Kira.
— Sem problemas.
Kira foi e voltou em um piscar de olhos e logo abriu outro portal/vórtice roxo.
— Se não for incômodo, pode sair. — Disse Kira.
Aquele que saiu do vórtice era Garou, irmão mais velho de Kiros. O mesmo vestia
um casaco de couro preto de zíper fechado, calças pretas e luvas de dedos cerrados,
vestimenta típica usada por aqueles que se tornam caçadores.
— Olá, Kiros. — Disse Garou. — Kira tem te tratado bem?
— Sim, não tenho nada do que reclamar. — Disse Kiros.
— Desculpe-me por chama-lo assim de repente, Garou, mas você sabe como as
coisas funcionam. Certo?
Garou assentiu com a cabeça.
— Ótimo. — Ele é todo seu então, eu estarei vigiando os dois de qualquer forma. —
Kira então se afastou, voltando para o prédio.
— Kiros. A sua segunda etapa é escolhida por mim, mas acho que você já tem ideia
do que eu irei propor, certo?
— Uma luta. — Disse Kiros. — Como estamos acostumados a fazer.
— Não haverá um limite de tempo. — Você vencerá se conseguir me incapacitar,
não importa o meio que use. Dito isso, mostre-me do que é capaz.
Os dois saltaram para trás e se puseram em suas bases de luta.
— Pronto? —, indagou Garou a Kiros.
— Claro.
— Então venha!
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Kiros investiu contra Garou e então começou a desferir inúmeros golpes. Socos,
chutes, cotoveladas. Todos em sequência e em ritmo marcado, uma coisa extraordinária
de se ver, mas não de se lutar contra. Movimentos perfeitos e praticamente sem nenhuma
abertura para contra-ataques, esses eram os golpes desferidos por Kiros.
— Estilo do fogo: Flor de Fênix! —, conjurou Garou.
Sua técnica elemental de fogo tinha o formato de várias flores juntas — por isso o
nome — e todas elas seguiram de encontro contra Kiros que desviou de duas, mas foi
acertado pela terceira. Sua pele chamuscou, mas logo seu fator de cura agiu, restaurando
a sua pele queimada.
“Droga... maldito seja esses golpes de fogo extremamente rápidos” —, praguejou
Kiros. “Eu não gostaria de usar minha forma de lobo, mas é o único jeito de derrotar meu
irmão sem ter risco dele me matar”.
Kiros então ativou sua transformação, ganhando garras extremamente afiadas,
pelos mais acentuados no rosto e ficando também com os seus caninos mais amostra.
— Já mostrando suas garras? —, disse Garou. — Seria bem mais efetivo se você
usasse sua transformação de lobo por completo. Trazer para fora apenas suas garras e
não virar um lobo realmente limita muito seu poder.
— Não irei usar minha forma de lobisomem contra você, já que você também não
usaria a sua. — Disse Kiros. — Mas deixe essa conversa sobre o que ou não fazer para
depois, concentre-se na luta ou vai acabar se machucando.
— Eu estou concentrado. — Disse Garou enquanto desviava e espalmava os golpes
de Kiros. — Você é quem parece não estar, já que não consegue acertar golpe algum em
mim.
Kiros então recuou, desviando de um chute desferido por Garou.
— Desviou bem.
— Cale-se. — Retrucou Kiros. — Estilo do homem-besta: Garras Retalhadoras de
Alma! —, em um movimento com as duas mãos como se estivesse rasgando o ar, Kiros
conjurou sua técnica.
Duas ondas de energia concentrada em formado de cinco garras foram em direção
de Garou, que apenas cruzou os braços defendendo o rosto, apenas esperando para
receber a técnica.
A técnica o atingiu, deixando os seus braços em carne viva, mas logo os mesmos
rapidamente começaram a cicatrizar como se nada tivesse acontecido.
“Acho que preciso de mais força... isso foi capaz de deixar sua pele com um grande
dano, mas sua regeneração é excelente e só isso não será capaz de incapacitar ele” —,
pensou Kiros.
— Foi um ótimo golpe. — Disse Garou. — Eu nunca imaginaria que você
conseguisse usar as técnicas do homem-besta sem estar em uma transformação completa.
— Nosso pai me ensinou bem tais coisas. E claro, eu aprimorei o uso de tais
técnicas. — Disse Kiros. — Mas claro, eu ainda preciso aprimorar muitas delas ainda. Tal
como essa aqui. — Estilo do Homem-Besta: Invocação da Besta Gêmea.
Colocando suas duas mãos no chão, Kiros invocou um clone seu.
— Estilo dos Homens-Besta: Presa sobre presa! —, Kiros e seu clone conjuraram em
uníssono e logo começaram a correr.
Os dois começaram a girar em extrema velocidade, parecendo peões com lâminas
afiadas, então atacando Garou por todos os lados e direções possíveis.
— Estilo da água: Capsula d’água! —, conjurou Garou.
A técnica usada por Garou, o prendeu em um círculo de água impenetrável, coisa
que parou por completo a investida de Kiros e seu clone.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Não esperava uma técnica dessa vinda de você, irmão. — Disse Kiros. — Mas eu
tenho algo que irá quebrar essa defesa impenetrável. — Transformação dos Homens-besta:
Lobo de Duas Cabeças! —, tal técnica fundiu Kiros e o seu clone, que logo aparentaram
ser um lobo de dois metros de diâmetro de pelagem preta e garras de cor cinza. — Estilo
dos Homens-besta: Retaliação da Presa sobre presa!
Girando de forma absurda e extremamente veloz, Kiros em forma do lobo de duas
cabeças partiu contra a técnica defensiva de Garou, o mesmo que apenas meditava para
manter sua técnica. A rotação ultraviolenta da técnica de Kiros, criou um vórtice de vácuo
em seu entorno, coisa que fez Kiros atingir a barreira de Garou sem ao menos toca-la.
A barreira rachou ao toque do vórtice gerado pela técnica de Kiros, e logo quebrou
ao ter o restante da força da mesma aplicada na barreira. Garou, já sem proteção, tentou
esquivar, mas isso foi falho. A técnica atingiu sua cintura direita, logo rasgando a pele e
então atingindo os ossos. Garou gritou de dor, logo não tendo nenhuma outra alternativa
a não ser se transformar para sua forma de lobo também, coisa que fez a sua regeneração
aumentar bastante.
A sua transformação de lobo era bípede, com uma pelagem marrom bem escura e
com garras pretas. A sua cicatriz ainda era visível, só que agora a mesma apenas
demarcava um local onde não havia pelos. Seus olhos estavam em um tom vermelho vivo
e por conta de ter aumentado de tamanho, sua jaqueta rasgou, mas por algum motivo sua
calça não.
— Olha só. Quem diria que o pequeno irmãozinho forçaria o décimo terceiro
Cavaleiro Escarlate a usar sua transformação de lobisomem. — Comentou Kira. — Mas eu
admito... aquela técnica é realmente impressionante. Seu poder destrutivo é absurdo e o
mesmo por ter um poder de clonagem, não precisa de outra pessoa para auxilia-lo com a
técnica. Realmente impressionante.
A transformação de lobo de duas cabeças de Kiros desapareceu, e o mesmo ficou
sentado no chão, exausto e ofegante.
— Essa foi uma técnica impressionante, irmãozinho. — Disse Garou enquanto se
aproximava de Kiros. Sua voz havia engrossado ainda mais por conta de sua
transformação, mas isso é ignorável por ora.
— Hmpf... isso ainda está em fase de melhoramento. — Disse Kiros, estando
extremamente ofegante. — Como pode ver... eu fico exausto depois de usar ela.
— Entendo. — Garou, já curado, desfez sua transformação e enfim ficou frente a
frente com Kiros que continuava no chão. — É uma pena. — Garou então levantou Kiros
pela camisa, utilizando-se de sua mão direita. — Você ficou bem forte, Kiros. Estou
surpreso por você ter me forçado a usar minha transformação, mas isso é tudo. Você está
exausto e eu estou praticamente curado. Você perdeu.
Em um milésimo de segundo, Kiros atacou Garou com sua mão direita, mirando o
ombro esquerdo de Garou. Ele havia conjurado a técnica: mil pássaros, por meio de selos
manuais. Mas foi em vão.
— Acha que eu abaixaria minha guarda assim? Eu sabia que você tentaria algo do
tipo, já que está bem próximo a mim. Mas como sempre, eu estou um passo à frente de
você, Kiros. — Disse Garou que segurava o punho de Kiros, com a mão ainda eletrificada,
milimetricamente afastado de seu ombro esquerdo. — Eu chuto que sua mão está a dois
ou três centímetros de distância de meu ombro, passou bem perto, mas eu estou a salvo.
— Eu não diria isso. — Disse Kiros. — Estilo do trovão: Espada Relâmpago!
Ainda se utilizando da energia gasta com a técnica mil pássaros, Kiros apenas
aumentou a lâmina da técnica de tamanho, atravessando e fazendo um buraco no ombro
de seu irmão Garou.
— Quem é que não abaixou a guarda? —, indagou Kiros. — Estilo do Homem-besta:
Garras Retalhadoras de Almas!
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Tais ondas rasgaram o peito de Garou que teve que recuar. Mas Kiros não perdeu a
sua chance, e o derrubou usando o double-leg — movimento do Jiu-Jitsu — e então
partindo para a guarda montada.
— Estilo do trovão: Mil pássaros. — Kiros apenas apontou a técnica para o rosto de
seu irmão e voltou a falar. — A eletricidade da minha técnica anterior desligou suas
capacidades de cura, tanto seu ombro quanto seu peito e abdômen estão feridos e eu estou
com uma técnica assassina contra seu rosto.
— Sim. Eu já entendi. — Disse Garou. — Você venceu.
— A luta está acabada! —, disse Kira que magicamente apareceu ao lado de Kiros e
Garou. — Parabéns Kiros, você passou na segunda etapa do teste. E Garou, se quiser, eu
posso fazer um curativo nisso aí, mas você terá de esperar sua regeneração voltar a
funcionar para curar seu corpo por completo.
— Eu agradeço, Kira.
... ... ... ... ...
— Está na hora da segunda etapa. — Disse Kira a Alexis e Kyrie.
— Já estava na hora. — Disse Kyrie.
— Quem irá primeiro? —, indagou Alexis.
— Eu fui primeiro da última vez e acabei demorando mais do que devia. Por isso,
por que você não vai primeiro dessa vez? Na primeira etapa você acabou com tudo
rapidamente, aposto que fará igual nessa segunda.
— Por mim tudo bem. Mas antes... —, Alexis fitou Kira. — Você não irá explicar
como será a segunda etapa não?
— Claro que sim, senhorita Alexis. — Disse Kira. — A segunda etapa será feita com
alguém que você tem uma forte ligação, a mesma pessoa decidirá que tipo de teste fará
com você.
— Uma grande ligação? —, indagou Kyrie. — Eu tenho duas pessoas desse nível,
mas... uma delas está sumida.
— Então desconsidere de ser ela. Para eu chamar essa pessoa, eu tenho que saber
onde ela está e a tal deve concordar em vir.
— Saquei.
— Bom, vamos ao centro Alexis.
Alexis apenas assentiu com a cabeça.
“Será que a pessoa que Kira irá chamar na minha vez é quem eu estou pensando?
Um teste vindo dele não será nada fácil...” —, pensou Kyrie. “Bom... terei de esperar para
ver... mas por ora, vamos observar a amazona em ação novamente. Espero que ela não
acabe tão rápido quanto da última vez.”.
— Abrir portal. — Disse Kira e o vórtice roxo apareceu. — Pode sair senhorita! Sua
pupila está a sua espera.
— Não diga que... —, balbuciou Alexis.
De dentro daquele vórtice/portal, saiu uma mulher jovem de longos cabelos ruivos
alaranjados. A mesma tinha a pele branca e olhos azuis. Vestia um traje todo branco
acinzentado, com uma capa cinza escuro por cima de sua roupa. Usava botas de couro
marrons e braceletes de prata que cobriam todo o pulso, um em cada braço. Ela carregava
consigo um arco de prata que estava em suas costas, mas nenhuma aljava ou flechas.
— A quanto tempo, Alexis. — Disse a jovem mulher.
— Ár... Ártemis!? O-o que faz aqui?! —, exclamou Alexis confusa.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eu sou aquela que possui uma ligação com você. — Disse Ártemis. — E sinto-me
honrada por poder decidir o teste que você irá fazer.
— Bom, eu deixarei as duas a vontade, mas tentem não demorar muito pois há
outra pessoa que também irá fazer esse teste. — Disse Kira.
— É aquele garoto ali? —, indagou Ártemis. — Eu sinto uma aura conhecida nele.
— Sim, é aquele garoto. Bom, estou indo. — Divirtam-se!
— Senhorita Ártemis... —, chamou-a Alexis.
— Você sabe que não precisa dessas formalidades, Alexis. — Mas pode dizer o que
você deseja.
— A senhora acabou de dizer que sentiu uma aura vinda do Kyrie... como isso? Eu
mesma não consigo sentir nada.
— Kyrie? É o nome daquele garoto que está ao lado de Kira?
— Sim, esse é o nome dele.
— Ele realmente me é familiar, só não me vem à cabeça de onde. — Disse Ártemis.
— E em questão da aura dele? Ele a esconde muito bem, mas nós deuses temos nossos
sentidos muito mais aguçados. Eu mesma treinei minha capacidade de sentir e analisar
energias, isso por conta de eu ser uma caçadora e precisar desse tipo de coisa.
— Entendi. — Mas, podemos começar com o teste?
— Certamente. — Mas antes eu devo dar-lhe algo, assim como Kira me instruiu a
fazer. E eu já sei muito bem o que eu farei. — Ártemis logo pôs seus dedos polegar e
indicador na boca e assoprou, assoviando em um tom alto.
Um vórtice apareceu ao lado de Ártemis e dois animais saíram dele, sendo um lobo
branco acinzentado de um metro e meio de altura medindo com ele nas quatro patas e um
falcão acinzentado de oitenta centímetros de comprimento.
— Esses serão meus presentes a você. — Disse Ártemis. — Seus nomes são Tatsuki
para o lobo e Raihoku para o falcão. Significam: Lobo da Lua Minguante e Falcão da Lua
Crescente, respectivamente. Eles ficaram guardados a seu pingente, portanto, não o perca.
— Eu nunca o perderia... —, disse Alexis. — Já que esse foi um presente que a
senhorita me deu.
Tanto o lobo quanto o falcão então desapareceram em forma de uma energia
azulada, então sendo absorvidos pelo pingente de Alexis.
— Bom, vamos começar o seu teste. Não é uma coisa difícil, mas também não é algo
que qualquer um pode fazer. Aqui, pegue esse arco. — Ártemis então entregou o arco de
prata que estava em suas costas.
— Senhorita Ártemis, para que esse arco? —, indagou Alexis. — A senhorita
esqueceu de que já me ensinou a soltar flechas de energia sem precisar de um?
— A memória de deuses não falha, Alexis. Eu sei muito bem de que você domina a
arte das flechas espirituais, isso como ninguém, mas você só pode soltar uma flecha por
vez e a mesma só vai em linha reta, mesmo que quase nunca erre o alvo. — Olhe... o que
eu quero dizer é que esse arco te ajudará bastante. Ele te possibilitará que você atire tantas
flechas que sua Mana aguente, tanto faz que seja uma por vez ou múltiplas flechas de uma
vez e elas sempre acertaram seu alvo.
— Senhorita Ártemis, isso não seria contra o que Kira disse? Assim você estaria me
dando dois presentes e não apenas um.
— Ele nunca disse que eu não poderia dar mais de uma coisa a você, portanto,
aceite esse segundo presente e faça o meu teste com perfeição.
— Sim, eu irei. — Disse Alexis já segurando o arco de prata.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Bom, antes que possamos começar o teste, eu devo mudar esse cenário. —
Ártemis então estalou os dedos — médio e polegar — e num piscar de olhos, todo aquele
espaço branco e vazio se transformou em uma floresta com o chão coberto de neve e com
uma nevasca não tão forte que caia sem parar. — Acho que assim está melhor.
— Deuses são realmente incríveis, não acha? —, disse Kira a Kyrie.
— Hmpf, eu aposto que meu pai vai odiar este cenário. — Mas eu estou grato por
Ártemis não ter esquecido de nós e ter mudado nossas roupas também.
Realmente tal fato tinha acontecido, ambos, Kyrie e Alexis tinham tido suas roupas
— mantos com capuz — para agasalhos pesados para ambientes com neve.
— O que será esse teste exatamente, senhorita Ártemis? —, indagou Alexis.
— Eu só quero testar seus poderes, não será algo difícil de se fazer. Algumas
criaturas apareceram no horizonte, apenas ataque-as com suas flechas. Faça tal coisa com
uma flecha para cada criatura e então você passará. — Ah, eu devo avisa-la para tomar
cuidado. O arco aumenta o poder das flechas, portanto, se você não dosar o seu poder
você irá gasta-lo rapidamente e ficará esgotada.
— Certo. — Alexis disse enquanto puxava a corda do arco de prata, formando uma
flecha de prata feita de energia. De forma calculista ela atirou contra o horizonte e um
barulho — de algo sendo atingido — foi escutado. — É incrível o fato de eu não ter que
conjurar uma técnica para atirar a flecha.
— Ótimo tiro. — Disse Ártemis.
Alexis puxou uma flecha por vez, atirando cinco ao total, uma a cada minuto.
Sempre depois de lançar suas flechas, o mesmo barulho dava para ser ouvido, indicando
que o alvo tinha sido acertado.
— Estilo de Ártemis: Múltiplas Flechas da Amazona! —, mirando seu arco para o
céu, Alexis puxou a corda do mesmo, aparentemente, apenas uma flecha estava na mão
de Alexis, mas ela ao solta-la, mostrou que havia dez delas. Todas voaram para cima, e
logo se dispersaram seguindo caminhos diferentes e logo atingindo seus alvos.
— Flechas teleguiadas? —, indagou Kyrie. — Isso é novidade para mim.
— É o poder do arco. — Disse Kira. — Eu posso já lhe dizer isso, eu tenho quase
certeza de que Alexis será uma das poucas pessoas do grupo que terá um aumento
exorbitante de poder ao sair dessa sala depois de um ano.
— Uma das poucas? Então você sabe que há outras? —, indagou Kyrie.
— Bom, se eu dissesse quem são essas pessoas, perderia a graça. Mas eu posso
dizer que são três pessoas de vocês sete que terão um aumento muito grande comparado
a todos os outros. Mas eu não digo que os outros também não terão um aumento em suas
habilidades.
— Hmpf.
— Ah, acabou. — Disse Kira que logo desapareceu do lado de Kyrie e reapareceu ao
lado de Alexis e Ártemis. — Parabéns Alexis, você passou na segunda etapa. — Kyrie! É a
sua vez, venha para cá!
Kyrie se locomoveu até o centro, onde estavam Alexis, Kira e Ártemis.
— Aqui estou, vamos começar logo com isso. — Disse Kyrie.
— Certo, certo. Apenas deixe-me abrir o portal novamente para Ártemis poder voltar.
— Isso não é necessário. — Disse Ártemis. — Eu gostaria de continuar aqui, se não
se importa.
— Hm, por mim tudo bem. Mas vocês devem voltar para o prédio quando o teste de
Kyrie for começar. — Bom... abrir portal!
Novamente, o vórtice roxo apareceu diante dos quatro.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Ela só cortará o que achar que deve mesmo ser cortado, é uma espada mágica
com vontade própria. Hefesto dizia que se você a dominar, ela poderá conversar com você
e então, você poderá decidir o que ela vai cortar ou não. Seu trabalho é domina-la, ao fazer
isso, você passará no teste. Mas claro, você não vai conseguir fazer isso de uma hora para
outra, então é meio que como você tivesse falhado no teste. — Disse Hades com um sorriso
sarcástico.
— Você gosta dessas coisas, não é? —, indagou Kyrie.
— Se eu lhe entregasse tudo a mão beijada você não seria o que é hoje. Tudo que
eu faço tem uma razão, e isso não é diferente. — Domine essa espada até nós nos
encontrarmos novamente e eu te darei uma recompensa. Até mais, eu tenho muitas coisas
para fazer. — Disse Hades, voltando para dentro do vórtice/portal.
— Bom, eu não posso te julgar agora. — Disse Kira. — Mas eu lhe desejo boa sorte.
Eu sei muito bem como são os testes passados por Hades, e eles sempre tem algo a mais
do que o mesmo disse.
— Eu também sei disso. — Disse Kyrie, colocando a katana de volta na bainha. —
Eu sei disso melhor do que ninguém.
... ... ... ... ...
— Mas que coisa... Kira! Quanto tempo mais você vai fazer a gente esperar?! —,
exclamou Scott. — Já se passou uma hora como você havia dito para esperarmos!
— Não consegui contato algum com a pessoa que viria cuidar do teste de Yue, mas
eu já posso providenciar o seu, se é o que tanto quer. — Disse Kira. — Vamos para o
centro, nós começaremos imediatamente.
Scott e Kira então foram para o centro do local, se afastando do prédio e então o
vórtice/portal foi aberto.
— Pode sair. — Disse Kira.
— É incrível como esses portais funcionam. Eles usam qual princípio? —, indagou
Kiros ao sair do vórtice.
— É um buraco de minhoca atemporal. Ele pode levar alguém de um local para o
outro em instantes, mas não voltar ou avançar no tempo como as pessoas estão
acostumadas a pensar que buracos de minhoca fazem. — Bom, ele é todo seu. Você sabe
como funcionaram as coisas, já que você mesmo já fez seu teste.
— Espera aí! —, exclamou Scott. — Ele é quem irá fazer minha segunda etapa?
— É com ele que você possui uma ligação, então sim, é ele quem irá fazer sua
segunda etapa. — Disse Kira. — Como eu havia lhe dito, algo deve ser entregue e o teste
pode ser qualquer coisa que você queira, mas isso deve ser algo a nível de testar as
habilidades dele de verdade. — Bom, eu deixarei vocês dois a sós. Tentem não demorar
muito para começarem o teste. — Kira então desapareceu e reapareceu no prédio.
— Eu não tenho nada para entregar a você agora. Mas posso fazer-lhe uma
proposta. — Disse Kiros a Scott. — Atinja minhas expectativas em uma luta e eu lhe
ensinarei a usar sua transformação de lobisomem quando quiser.
— É... isso era para ser um presente. Não uma premiação. — Disse Scott.
— É só isso que tenho para lhe oferecer por agora. Eu também não posso te dar isso
sem você merecer.
— Ah, claro. Para um lobisomem aprender a se transformar ele deve merecer isso,
claro que é dessa forma. Acho que você apenas não quer que eu aprenda tal coisa, pois
tem medo do que posso me tornar. — Disse Scott.
— Medo de você? Você continuará um beta, mesmo sabendo se transformar. Você
não é uma ameaça nem para mim, nem para nenhum outro alfa.
— Me desconsiderando? O seu próprio beta? Ótimo líder que você é...
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eu não sou um líder, apenas sou seu guardião. — E não, eu não estou
desconsiderando você, apenas estou falando a verdade. Você deve aceita-la de vez em
quando.
— Tanto faz. — Scott deu de ombros. — Você é um péssimo “guardião”, se quer
saber. Nunca me ajudou no que eu precisava, nunca me auxiliou nas tarefas que seu pai
me dava. Você nunca fez nada por mim! Isso mesmo eu fazendo tantas coisas por você.
— Eu alguma vez pedi para você fazer algo para mim? —, indagou Kiros. — As
pessoas devem fazer suas tarefas sozinhas, ou nunca irão crescer. Se eu te ajudasse em
tudo que você precisasse, com certeza você se tornaria um inútil que não sabe fazer nada
sozinho.
— Então trabalhar em grupo é idiotice para você?
— Um grupo só funciona quando os dois lados trabalham igualmente, um membro
pode precisar do outro as vezes, mas os dois lados podem requisitar a ajuda, e os dois
lados devem poder auxiliar o necessitado. — No seu caso, eu não preciso de sua ajuda.
Mas você insiste pela minha e também não conseguiria me ajudar se eu precisasse.
Entende o ponto que quero chegar?
— Para mim isso é só uma desculpa esfarrapada. — Scott suspirou.
— Você ainda é ingênuo, Scott. Tem muito o que aprender... coisas que são
realmente importantes, e coisas que não são.
— Tipo o quê?! —, exclamou Scott.
— Uma hora você entenderá. Mas por ora, vamos começar o teste. — Atinja as
minhas expectativas e eu lhe ensinarei a como se transformar na hora que quiser, mas
caso contrário, você apenas continuará do jeito que está até evoluir por si só.
— De novo com isso? — Por que apenas não me ensina isso logo e vai embora?
Tanto faz o seu teste de qualquer forma.
— É por isso que eu digo que você não está pronto... mas vamos começar. Tente
atingir minhas expectativas se achar que pode.
— Expectativas... isso é tudo que você sabe falar?! — Isso está começando a parecer
forçado. Não... eu nem ao menos acho que você realmente se importe se eu atingirei ou
não essas suas “expectativas” idiotas. Já deu! Procura outra desculpinha que isso já deu!
— Ah! Mas uma hora você vai entender do que estou falando, e blá, blá, blá! Seria tão fácil
se você fosse direto nesse tipo de coisa, me pouparia mil anos tentando entender algo que
provavelmente é inútil.
— Se você pensa assim, eu não posso fazer nada.
— Isso é outra coisa que me irrita em você. Fala as coisas e depois fica nessa
baboseira de não poder fazer nada. Argh... isso é patético! Eu mesmo gostaria que meu
alfa fosse outra pessoa. Alguém mais útil para mim. Alguém que me ensinasse as coisas!
Mas não... eu acabei ficando com você! Um alfa que só pensa em si mesmo.
— Scott.
— O que é?!
— Eu retiro o que eu disse.
— Ãn...?
— Você nunca atingiria minhas expectativas. Você é um lobo fraco... não consegue
fazer nada sozinho, sempre dependendo dos outros a sua volta. É uma pessoa explosiva,
ingênua e incapaz de ao menos entender as minhas intenções para você. — Você diz que
seria melhor se você fosse de outro alfa? Então que por assim seja... você estará livre assim
que nossa luta acabar. Estará livre para tentar encontrar outro alfa ingênuo o bastante
para aceitar um lobisomem como você, eu lhe desejo boa sorte desde já. Mas uma coisa é
certa. Eu duvido que exista um alfa tão ingênuo como você pensa, ninguém te aceitaria
depois de saber que você foi excluído da alcateia de alguém.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Espera... você vai me deserdar?! Você apenas perderia força! — Eu conheço muito
bem a lenda dos alfas... vocês ganham mais poder dependendo da quantidade de betas
que possuem, não é mesmo? Você só possui um, que no caso sou eu, então se você me
deserdar você ficará mais fraco.
— Eu prefiro ficar fraco a ter de continuar com um beta covarde como você. — Mas
chega de conversa fiada, prepare-se para lutar. Se você conseguir me convencer que é
digno, talvez eu mude de ideia quanto deserdar você.
— Você... você me irrita.
— Cale-se e se prepare. Não repetirei isso novamente. — Os olhos de Kiros brilhavam
em um vermelho vivo. — Vamos começar.
Scott investiu contra Kiros, que apenas o esperou em sua posição de luta. Uma
sequência de socos, desferida por Scott mirava o rosto de Kiros, mas a mesma não surtiu
efeito. A guarda de Kiros era forte, sendo que nenhum soco o atingiu efetivamente.
Estando perto de sua linha de ataque, Kiros agarrou Scott com um Clinch — Um
movimento do Muay Thai — e desferiu algumas joelhadas contra o estomago de Scott, que
se contorcia de dor a cada pancada recebida. Logo, jogando-o para longe, Kiros desferiu
um chute contra a perna esquerda de Scott mirando a dobra do joelho. O mesmo, teve seu
equilíbrio quebrado, mas isso era só uma finta... logo com Kiros o levantando do chão por
um Double-leg, e o jogando brutamente no chão, ele partiu para uma guarda montada,
onde tomou controle da luta.
— Você continua irritado? —, indagou Kiros em um tom irônico. — Você sabe muito
bem que se continuar assim você não vai conseguir fazer nada contra mim... ah, me
desculpe... eu acho que você não conseguiria fazer nada contra mim mesmo que estivesse
em total consciência de suas ações nesta luta.
— Argh! Sai de cima de mim sua praga! —, Scott então utilizando-o de sua força,
jogou Kiros para frente, saindo da guarda montada. — E agora!? Quem é que não consegue
fazer na...
Sendo interrompido por um chute alto contra o rosto desferido por Kiros, Scott
acabou caindo novamente no chão.
— Levante. Eu ainda não terminei de brincar com você. — Disse Kiros dessa vez em
um tom sério.
— Claro... —, disse Scott enquanto terminava de chacoalhar a cabeça, recobrando
o foco de sua visão. — Vamos lutar seriamente agora...
— Por isso que você estava tão fraco... vamos, me mostre essa sua luta séria!
— Cale-se! —, exclamou Scott enquanto investia em uma ombreada contra Kiros.
Desviando do movimento de Scott, Kiros apenas o empurrou para frente, logo
voltando para sua guarda.
“Isso pode não dar certo, mas... o que está dando certo nessa luta?” —, pensou
Scott.
Correndo para cima de Kiros, Scott tentou um double-leg, mas o mesmo foi falho,
por conta de seu alvo se defender com um sprawl e logo em seguida, sem tempo para
pausas, desferir uma joelhada contra o rosto contra Scott.
Kiros se levantou e balançou a cabeça em negação, logo dizendo:
— Onde está o Scott que aprendeu a lutar comigo? — Ele ficou com tanto medo que
acabou mandando esse fracote no lugar? É isso?!
— Argh! Você pode calar essa sua boca!? Mas que coisa irritante! —, exclamou Scott.
— Estilo do fogo: Técnica dos Punhos Flamejantes! —, ao terminar de conjurar sua técnica,
ambas suas mãos começaram a pegar fogo. Cerrando-as, Scott investiu contra Kiros
novamente e começou seu ataque.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Certo. Mas como você vai injetar esse pedaço de papel em minha corrente
sanguínea?
— Assim. — Kira então encostou o selo na testa de Toya e o mesmo desapareceu
quase que instantaneamente. — Você já deve saber usar a técnica mais básica do elemento
vento, o Sopro Cortante.
— Hm... por que cortante?
— A técnica consiste em concentrar o ar, ainda deixando o ar fino o bastante para
ele ter poder de corte. É uma técnica muito básica, portanto não é usada em batalha. Mas
existe uma alteração dela, que foi feita para se utilizar em lutas de longo alcance.
— Entendi. — Eu devo tentar usa-la agora?
— Vamos lá para fora e então você estará livre para testar a técnica. — Disse Kira.
Os dois saíram da biblioteca que tinha no prédio e foram para o lado de fora, onde
Kira armou uma barreira feita de pedra, que serviria de alvo para Toya testar sua técnica.
— Bom, quando quiser.
Toya balançou a cabeça positivamente e logo conjurou sua técnica.
— Estilo do vento: Sopro Cortante!
Puxando bastante ar para seus pulmões, Toya logo começou a assoprar contra a
barreira de pedra e uma camada concentrada de vento saiu de sua boca, rapidamente
atingindo o alvo que rachou ao toque.
— Parabéns. — Disse Kira. — Você agora domina o elemento vento.
— Você disse que isso não é usado em batalha, mas... a barreira de pedra rachou.
Se isso atingisse alguém com certeza faria algum estrago, mesmo que não tão grande.
— Eu te ensinarei várias coisas ainda. — Pois como mesmo eu já disse, o vento é
minha especialidade. Você aprenderá técnicas muito melhores que esta que acabou de
usar.
— Estarei sobre seus cuidados.
— Bom, então vamos começar…
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
XIII
Enfim o meu treinamento acabou. E por fim, a visão retorna para mim novamente.
Espero que você não se importe com tal mudança da narrativa, mas isso foi preciso. Já
que eu não poderia estar em vários locais ao mesmo tempo como foi no caso de Kira que
também foi aquele que ficou com a narração durante todos esses testes. Mas voltando ao
que interessa, vamos para o enredo.
Um ano se passou dentro da cúpula — fim dos tempos — e dois meses se passaram
no mundo real, assim como Kira disse que iria acontecer. Eu não faço ideia de como foi o
treinamento de meus colegas, mas aposto que foi tão árduo quanto o meu.
Posso dizer que eu treinei com Kira praticamente todos os dias... alguns eu tirei
para estudar sobre algumas coisas utilizando os livros da biblioteca da cúpula. Estudei
sobre os monstros, criaturas e seres místicos que existem por aí, e também sobre outras
coisas importantes que eram de meu próprio interesse. Você já ouviu falar sobre a
Alquimia? Ela não é só uma arte de transmutação de objetos, mas sim um estilo muito
antigo da magia não-elemental, mas não para por aí... Kira mesmo me ensinou várias de
suas técnicas, tanto as que utilizam o padrão elemental do vento — que o próprio disse
que dominava —, como também outras não-elementais bem interessantes.
Kira foi bem generoso ao fazer roupas novas para todos nós — como o mesmo disse
que fez —, já que as nossas se desgastaram por completo ao longo desse árduo ano de
treinamento. A roupa que Kira me entregou era composta por um traje de camisa e calça
na cor preta, com um sobretudo vermelho escuro que ia até os meus pés — com umas
ombreiras de couro pretas — por cima. Ele também me entregou um par de botas de couro
também pretas e luvas da mesma cor que o sobretudo, só que elas tinham um desenho
em tribal estampado a cor preta, sendo um sol e uma lua entrelaçados.
— Toya? —, chamou Kira.
— Sim? —, eu respondi. — Já está na hora de sairmos da cúpula?
— Exato. Mas antes... você conseguiu dominar as luvas que te dei?
— Praticamente sim. Eu ainda tenho algum probleminha ou outro para usa-las,
mas está bem mais fácil de usar a alquimia assim.
— Eu mesmo fiquei surpreso quando te vi estudando aqueles velhos e empoeirados
livros sobre a alquimia. Depois que a nossa magia atual começou a ser espalhada pelos
três grandes Feiticeiros Andrômeda, a alquimia foi esquecida. Claro que ainda existem
alguns poucos usuários dela, mas isso se tornou raro hoje em dia.
— Eu por ser um humano achei que ela me serviria bem, e não estava enganado. A
alquimia é uma arte incrível se for usada direito, claro que eu não sou um expert no uso
dela, mas estou no caminho.
— Bom, vamos lá.
Nós então saímos pela porta — que sempre esteve selada — da cúpula e voltamos
para aquele mesmo santuário de cristal. Todos os outros acabaram saindo ao mesmo
tempo e eu pude ver as várias cópias de Kira junto deles. Todos haviam ganho roupas de
Kira e cada uma diferente da outra.
Kiros estava usando uma jaqueta preta com zíper aberto, por baixo dela uma camisa
azul escuro. Usava também uma calça preta junto de botas da mesma cor, no pescoço,
um pingente no formato de um lobo feito em prata, e por fim, luvas de cor azul escuro,
como sua camisa.
Scott vestia um colete preto com uma decoração vermelha ao longo do zíper e uma
decoração azul ao longo da parte de cima das mangas — partindo do ombro — e também
escrito a palavra badboy nas costas, isso tudo com uma camiseta sem mangas na cor preta
por baixo. Usava também um short jeans na altura dos joelhos com alguns detalhes feitos
a mão — rasgos perto do joelho esquerdo e uma caveira perto do bolso direito — também
estava com um par de luvas de dedos cerrados na cor preta com uma placa de metal na
junta de seus punhos.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Alice por sua vez vestia uma jaqueta branca por fora e marrom por dentro — onde
se mostrava a gola da jaqueta —, sem mangas e com uma decoração em preto com
vermelho na cintura. Usava também uma ombreira de couro no ombro esquerdo e luvas
de couro de dedos cerrados na cor azul celeste. A parte de baixo de sua vestimenta era
constituída por uma calça de couro marrom escuro e botas de couro pretas. Além de seu
colar com o cristal violeta pendurado no pescoço.
Yue vestia um traje simples preto com longas mangas e um short curto da mesma
cor. Usava também um par de luvas pretas feitas de pano e uma longa capa com capuz na
cor bege. Seu cabelo agora tinha uma coloração ruiva bem fraca — só podendo perceber a
cor mesmo, ao ter ela sendo refletida pelo sol — e o seu corte agora estava bem curto,
assim um pouco acima dos ombros.
Alexis estava a mais diferente de todas. Seu cabelo, que antes era dourado, agora
estava preto e preso em um rabo de cavalo. Ela vestia um traje completo totalmente cinza,
botas que vinham até os seus joelhos na cor marrom. Ela tinha o seu arco de prata nas
costas e usava luvas de couro longas, na mesma cor que suas botas.
E por fim, Kyrie, que usava um colete vermelho escuro com um desenho cruzado
alinhado em preto como uma cruz. Usava um casaco preto — com a cor vermelha na parte
de dentro do casaco, mostrado pela gola e por uma parte dobrada do casaco no pulso —
que ia até um pouco abaixo dos joelhos. As mangas do casaco também possuíam um
emblema estampado, parecido com a cruz de São Tiago. Kyrie usava uma calça preta e
longa, e um par de botas de couro da mesma cor. Finalizando, o mesmo usava também
um par de luvas da mesma cor que sua camisa e levava sua espada negra ao lado direito
da cintura.
— Bom... —, disse Kira enquanto seus múltiplos clones desapareceram e logo ele
reapareceu bem no centro do santuário, em seu trono feito de cristal. — Todos fizeram
treinamentos distintos comigo e com certeza ficaram muito mais fortes do que quando
pisaram neste chão pela primeira vez. Claro que alguns de vocês ficaram bem mais fortes
que os outros integrantes do grupo, por isso, eu gostaria de chamar três pessoas para
receberem um presente especial.
Todos cochicharam algumas coisas que não consegui ouvir, mas claro, a tensão
estava no ar. Quem seriam aqueles que superaram todos os restantes do grupo? É o que
eles deviam estar se perguntando. Como alguém ou como tais pessoas puderam aumentar
tanto suas habilidades em apenas um ano? Isso é uma dúvida que até eu tive no momento,
mas ela logo desapareceu quando escutei a voz de Kira.
— Antes de tudo, eu gostaria de dar algumas explicações. — Disse Kira. — Se você
não for chamado para vir até aqui receber o meu último presente junto de outras duas
pessoas, não fique triste, muito menos fique estressado por isso. As pessoas que eu
chamarei aqui a frente ficaram muito mais fortes do que qualquer outro participante do
grupo, mas isso não por terem tido um treinamento especial, eu nunca faria isso. Mas sim
por terei feito seus próprios treinamentos individuais entre os meus. Poucos não fizeram
isso, mas nem mesmo todos que fizeram, tiveram um aumento tão grande quanto esses
três que irei citar agora. — Kira suspirou. — Eu quero que venham até aqui: Alexis Agni,
Kiros Lucian... e por último... Toya Vincent.
— Mas... como?! —, exclamou Scott. — Espera um pouco aí!
— Qual o problema, Scott? —, indagou Alexis que se dirigia ao encontro de Kira.
— Vocês dois eu até entendo terem tido um aumento de poder que significou ficar
mais forte que nós, o restante do grupo. Mas... Toya é humano! É impossível dele ter ficado
mais forte do que qualquer um de nós!
— Essas foram as palavras de Kira, ele nos julgou. — Disse Kyrie. — Se ele disse
que o humano está mais forte que todos nós, então eu não discutirei. Ele faz parte de
nosso grupo, então é lucro para nós termos alguém mais forte que nós mesmos.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Não se afobe, lobinho. — Disse Kyrie. — Deixe Kira explicar tudo com calma.
— A sala só suporta duas pessoas no máximo, se uma terceira tentar entrar depois
que duas já estiverem lá dentro, uma barreira expulsará a terceira imediatamente. Vocês
também não podem passar mais que dois anos lá dentro, isso contando pelo tempo da
cúpula.
— O que acontece se passarmos mais de dois anos lá dentro? —, indagou Kiros.
— Suas energias vitais são sugadas pela sala aos poucos, e se você não perceber a
tempo, você pode ser sugado por completo, tendo sua existência apagada.
— Isso aí é interessante. — Disse Kyrie. — Bom, mais alguma coisa a relatar sobre
essa sala maluca?
— A sala memoriza a energia vital e espiritual de cada um que entra nela, e isso faz
com que uma pessoa não possa entrar na sala mais do que duas vezes na vida.
— Então quer dizer que nós só temos mais uma chance para utilizar a sala?
— Não. Cada um de vocês continua tendo duas “chances” assim por dizer... essa
primeira não contou por conta que eu os levei para lá. Eu como dono da sala posso fazer
isso.
— Então eu como novo dono da sala, posso usar ela a vontade? —, indagou Kyrie.
— Sim, você pode utilizar a sala a vontade. Mas ela tem uma restriçãozinha que não
deixa você usar ela a vontade como pensa que poderia usar... pois a cada uso, você deve
esperar um ano terrestre para poder usar a sala de novo.
— Saquei. Então, mesmo que eu quisesse eu não poderia usar ela de novo por agora,
certo? Só depois de um ano, a partir do dia de hoje. Que por acaso... que dia é hoje mesmo?
— Trinta de julho, e hoje é domingo. — E respondendo sua questão. Sim, é
exatamente como você disse. Você só poderá usar a sala novamente ano que vem, dia
trinta de julho.
— É bom saber. — Disse Kyrie enquanto guardava a chave no bolso.
— Bom, para terminar, não se preocupe em perder a chave Kyrie. Ela sempre
reaparecerá no seu bolso depois de um tempo longe de você, acho que são uns dois
minutos para ela reaparecer. Tirando isso, acho que é tudo por agora. — Vocês podem
seguir viagem.
— Antes eu devo perguntar uma coisa. — Disse Alice. — Melchior nos disse que
vindo para cá, nós encontraríamos uma relíquia chamada a Espada de Cristal. Mas
acabamos encontrando você ao invés dela. Você por acaso não saberia onde essa relíquia
está?
— Ela foi retirada daqui faz um bom tempo e aqui se tornou o meu santuário desde
então... mas eu lembro para onde levaram a relíquia. — Disse Kira. — Vocês saíram daqui
utilizando aquele caminho —, Kira apontou — e voltaram para a superfície. Sigam em
frente até acharem uma cidade abandonada, ela tem uma pequena colina com uma casa
no topo, lá vocês encontraram a espada fincada em um cristal azul. Não se preocupem de
a espada ter sido roubada por alguém, pois a cidade é assombrada e costuma espantar os
mal-intencionados.
— Obrigado por tudo, Kira. — Falei. — Até a próxima vez!
— Até mais pessoal, boa sorte lá fora. Ninguém sabe o que se pode acontecer.
... ... ... ... ...
Nós andamos por aquele deserto por uma hora mais ou menos, isso até finalmente
avistarmos uma pequena cidade. Ao nos aproximarmos, notamos que era a cidade que
Kira havia citado. Local onde a espada de vidro estaria.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Nem pensar, colega. — Disse Kyrie com sua katana em mãos. — Essa espada aí
não vai ficar com vocês, entregue-a e nós não precisaremos fazer nada com você.
— Você fazer algo contra mim? Que pia...
Kyrie então atacou Uriol, acertando-o no rosto.
— Dizia algo? —, indagou Kyrie. — Eu irei repetir apenas uma vez, entregue para
nós essa espada e vá embora junto de seus colegas e nenhum de nós fará nada com você
ou com alguém de seu grupo. Mas caso contrário, eu não terei pena em atacar você como
acabei de fazer.
— Parabéns, você conseguiu me irritar... e você irá se arrepender de ter feito isso.
— O que as duas princesas estão discutindo? —, indagou Kiros ao chegar perto dos
dois. — Kyrie, o que é que está rolando?
— Esse engraçadinho acha que pode sair com a nossa relíquia sem ter que pagar.
— Ôoo, espera aí irmão... acha que pode vir aqui, pegar o nosso frigobar e ir embora?
Passe logo isso para cá! — Kiros então tomou a espada da mão de Uriol.
— Mas o quê?! — Trate de me devolver essa espada ou você vai ver o que eu irei
fazer com você.
— Espera só um pouco, antes me responda uma coisa. — Você ganhou essa espada?
— Se eu ganhei ela? Eu apenas a peguei por ordens de meu superior, por isso, trate
de me devolve-la.
— Primeiro me diga se você ganhou ela.
— Kiros, pare de brincadeiras! —, exclamou Alice.
— Calma aí! Deixe ele me responder primeiro. — Vai, diz aí. Você ganhou essa
espada?
— Argh... tanto faz! Sim, eu ganhei ela daquele garoto ao chegar aqui.
— Não, errado. Você não ganhou ela, você perdeu. — Kyrie, pega! —, disse Kiros
enquanto jogava a espada para Kiros.
— Cuidado com isso seu imbecil! —, praguejou Kyrie. — Mas que coisa... esse
imbecil não ficou apenas engraçadinho depois que saímos da cúpula, ele ficou mais
irresponsável também.
— Vocês estão brincando com a sorte... —, disse Uriol. — Devolva a espada ou eu
terei de tomar uma ação drástica.
— O que você vai fazer espertalhão? Vai sentar e chorar? —, disse Kyrie. — Nós
somos sete e vocês são apenas quatro.
— Eu não estou com eles. — Disse o garoto de olhos vermelhos. — Eu fiquei quieto
todo esse tempo pois não queria interromper vocês, mas irmão, dizer que eu estou no
mesmo grupo que este vampiro? Isso é uma ofensa.
— Quem você está chamando de irmão?
— Se passou tanto tempo assim que você esqueceu como é a minha voz? —, indagou
o garoto que logo abaixou o seu capuz, mostrando seu cabelo de cor azul, como o céu.
— Yuki...
— Você o conhece Kyrie? —, indagou Kiros.
— Claro que ele me conhece. — Disse o garoto. — Eu sou Yuki Garou, o irmão mais
novo dele.
— Irmão mais novo?! —, todos exclamaram em uníssono.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eu falei a todos vocês que estava atrás de meu irmão. Eu disse que ele estaria
por aqui, mas não pensei que nós o encontraríamos tão facilmente assim... —, disse Kyrie
surpreso.
— Que lindo... uma reunião familiar idiota. — Disse Uriol. — Saiba que se vocês não
tivessem chegado a tempo, o seu irmãozinho imbecil teria nos entregado a espada de vidro
sem discursão alguma.
— Meu irmão nem sabe que espada é essa, muito menos que isso era uma relíquia,
por isso eu não o culparia por nada. — Mas é bom eu ressaltar uma coisinha aqui. —
Insulte novamente o meu irmão e você vai ter que pedir para os deuses te protegerem.
— Não precisa de tanto, irmão. — Disse Yuki. — Eles não são tão fortes assim, a
energia espiritual deles é fraca.
— Cale-se... você é irritante. — Disse Uriol enraivado. — E você! Devolva a espada,
essa é a última chance que lhe dou.
— Venha pegar. — Disse Kyrie. — Você não está dizendo que é tão bom? Então
porque não tenta tomar a espada de mim? Quero ver você tentar.
Em um piscar de olhos, Uriol estava face a face com Kyrie e segurava uma espada
personalizada — com uma lâmina feita de cobre e com a empunhadura com um formato
de dragão — contra o pescoço dele.
— Continue assim e irá morrer com a cabeça cortada fora. — Disse Uriol confiante
de si.
— Eu acho que não. — Disse Yuki com sua mão ao ombro de Uriol. — Você está
sentindo esse frio, não está? Faça qualquer movimento brusco e eu congelarei você por
completo.
— Uriol, que tal nós fazermos uma aposta? —, disse Kiros. — Nós estamos em
vantagem numérica aqui, vocês perderiam facilmente se nós começássemos uma luta.
— Que tipo de aposta? —, indagou Uriol.
— Um contra um. O seu melhor lutador, contra o nosso melhor lutador. O grupo
que vencer, fica com a espada de vidro e o grupo perdedor vai embora sem falar nada.
Assim você pode ter uma chance de ficar com a relíquia, entende?
— Chefe, vamos aceitar a proposta dele. Ele está certo sobre a vantagem numérica...
—, disse Erik. — E você que irá lutar, então não há como perdermos.
— É... você está certo. — Uriol abaixou sua espada. — Vamos fazer essa aposta. Eu
irei lutar, e se o lutador escolhido por vocês perder, eu levarei a espada sem mais nem
menos.
— Bom, vamos para fora desta casa. — Disse Kiros. — Lá escolheremos quem irá
lutar contra você.
Todos nós saímos daquela casa e descemos novamente a colina. Ficamos no centro
daquela cidade abandonada, onde o espaço era grande o bastante para um duelo.
Nós estávamos separados, de um lado da praça — ou centro daquela cidade —
estava o nosso grupo e do outro Uriol e seu grupo.
— E aí?! —, exclamou Uriol. — Quem será meu oponente?!
— Tenha calma cara! —, exclamou Kiros. — Parece que nasceu de sete meses...
— E então... quem irá lutar? —, indagou Kyrie.
— Ele é um espadachim, então poderia ser você, irmão. — Yuki falou ingenuamente.
— Ele estaria em plena vantagem... esta katana é bem teimosa e as vezes seu fio
não corta o alvo que eu acerto. — O nosso pai deu uma tarefa bem difícil para mim, Yuki.
Domar essa lâmina maldita é mais difícil do que eu pensava.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Bom, se o nosso espadachim não está confiante que pode vencer, então devemos
escolher outra pessoa. — Disse Kiros.
— Eu posso lutar. — Disse Scott.
— Você não está no mesmo nível dele, então esqueça. — Nós precisamos ganhar
Scott, isso não é uma brincadeira.
— Tá, tanto faz...
— Eu poderia ir. — Disse Yuki. — Meus poderes...
— Nem pensar. — Kyrie o interrompeu. — Você não é forte o bastante para enfrentar
ele, além de quê, você não tem quase nenhuma experiência em lutas.
Kiros coçou a cabeça. — Agora complicou um pouco...
— Por que você mesmo não vai, Kiros —, indagou Alice — Você é um dos três mais
fortes entre nós, então você o venceria facilmente, estou enganada?
— Vamos logo! —, gritou Uriol. — Ou vocês se arrependeram da escolha?!
— AHHH! Cale-se vampiro de merda! —, praguejou Kyrie. — Não sabe ficar quieto
por um misero instante?! Nós ainda estamos escolhendo quem irá lutar! Por isso apenas
espere aí, caramba... — Bom, onde estávamos?
— Alguém ficou estressadinho. — Disse Scott.
— Falou a pessoa que a cada cortada de Kiros fica com mais raiva que um touro
sendo atiçado por um pano vermelho numa tourada. — Respondeu Kyrie. — Vê se cresce
moleque. Aturar um bebê chorão como você é um porre.
— Quem aqui é um bebê chorão?! —, exclamou Scott.
— Calem-se os dois. — Disse Alexis. — Vocês estão começando a me deixar irritada.
Vamos focar em quem irá lutar, está bom para vocês?
— Claro. — Disse Kyrie.
— Tanto faz. — Disse Scott.
— Alice, você acha que conseguiria lutar contra ele? —, indaguei.
— Eu nunca lutei contra alguém armado antes... e o que Kiros me passou enquanto
estávamos na cúpula não deve ser o suficiente para derrotar alguém com isso já gravado
na mente. Alguém com experiência, é o que eu quero dizer.
— Então todos estão fora de questão. — Disse Kyrie. — Então eu mesmo terei de
lutar utilizando essa katana.
— Não. — Falei. — Eu irei.
— Você? —, indagou Scott. — Ele é um vampiro. E de classe nobre.
— E o que tem?
— Eles são realmente poderosos, Toya. — Disse Kiros. — E um armado com uma
lâmina, ainda mais.
— Não se preocupe com isso. — Sorri. — Eu pensarei em algo.
Eu então me aproximei do centro e todos se afastaram o máximo que puderam, logo
Uriol também se posicionou — com sua espada em mãos — e disse:
— Por que demoraram tanto para escolher o lutador? Não diga que todos ficaram
acovardados de lutar comigo. — Uriol então riu.
— Não é isso. É que nós achamos que você não deve ser grande coisa, então nós
escolhemos que eu iria lutar. — Um humano comum.
— Então vocês estão malucos. — Se pensam que eu irei perder para um humano,
então devem estar com algum problema.
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— A cada minuto ele surpreende mais e mais. — Disse Alexis. — Deve ser por isso
que Kira disse que ele é um dos mais fortes entre todos nós...
— Ah, mas você não vai fazer isso nem a pau! —, exclamou Uriol e novamente
utilizou-se da técnica de sua espada.
A rajada de energia veio rapidamente contra mim, e eu não tinha como conjurar
minha técnica Repulsão Divina, portanto, rapidamente eu pus as duas mãos no chão,
soltando a minha ferida por um instante e transmutei um muro utilizando o piso daquela
cidade.
— Ele é um usuário de terra também?! —, exclamou Uriol, mais que confuso. —
Não... aquilo não foi uma conjuração de uma técnica...
— Ei, Kiros... —, chamou Alice.
— Sim? —, Kiros respondeu.
— Você sabe o que foi aquilo?
— Eu tenho uma noção do que possa ter sido, mas... não tenho certeza.
— Alquimia. — Disse Alexis. — Você pensou em alquimia também, não foi?
— Sim. — Mas como aquele garoto aprendeu tal coisa...?
— Eu não sei. — Mas isso é bem interessante, não é?
— Alquimia? —, indagou Scott.
— Nós já aprendemos sobre ela na academia. — Disse Alice. — Mas você tem cara
de que não presta atenção nas aulas, por isso eu darei uma explicação bem rápida sobre
o que é e como a alquimia funciona.
— Senta que lá vem história. — Disse Kyrie. — Eu irei dormir, e nem pensem em
me acordar enquanto a luta daqueles dois não acabar. — E nem pensem sem fazer
nenhuma gracinha, ou eu mandarei vocês para o meu pai em um instante.
— Seu pai? —, indagou Scott.
— Hades. — Disse Yuki. — Nosso pai é Hades.
— Ah... entendi.
Voltando para a minha luta, eu consegui me recuperar por completo e agora estava
mais atento nos ataques dele. O seu balanço da espada era ruim, sendo que ele só podia
dar três ataques e então tinha que voltar para sua posição base, e isso o deixa vulnerável
por alguns segundos.
— Morra! —, gritou Uriol enquanto descia sua espada contra mim.
O ataque foi certeiro, mas ele passou direto pelo meu corpo.
— Mas o quê...
Ele me atacou uma, duas, três vezes. Mas sua lâmina não conseguia me acertar...
— Como...? —, indagou Alice.
— Intangibilidade... —, disse Kiros espantado. — Ele também tem esse poder...
— Você não conseguirá mais me acertar. — Falei. — Não adianta continuar essa
luta mais.
— Você... como você está fazendo isso?! —, exclamou Uriol. — FALA!
— Você quer mesmo saber? —, eu então me aproximei dele e o toquei na testa com
minha mão direita. — Eu irei lhe mostrar. — Estalando os dedos, Uriol foi preso por vários
fios de náilon em seus braços e pernas que enquanto o apertava, os fios também faziam
pequenos cortes em sua pele.
— Miserável... o que é tudo isso?! — Eu... AHHH... eu não posso perder para você.
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— A cada segundo que se passa, os fios cortam mais e mais a sua pele. Eu sugiro
que você desista, pois, a dor poderá se tornar tão insuportável que você morreria com ela.
— Eu nunca... AHHHH! — Miserável... eu nunca desistiria. — Andy! Erik! Me
ajudem, me tirem daqui!
— Desculpe-me Uriol, mas nós não estamos mais do seu lado. — Disse Erik. — Você
ficou egoísta demais... por isso nós estamos te deixando para morrer.
— Eu acho que ficarei com isso como recompensa de minha vitória breve. — Falei,
enquanto pegava a espada de Uriol que estava no chão.
— Ora seu... devolva-me isso! — Solte-me agora! —, Uriol então gritou de dor mais
uma vez.
— Você poderia desistir, entregar a espada de vidro para nós e então nos deixar ir.
Aí eu te soltaria.
— Está bom! Eu faço qualquer coisa para me livrar dessa dor!
— Enfim você entendeu... —, eu então estalei novamente os dedos.
... ... ... ... ...
— AHH! —, Uriol gritou — O que... o que aconteceu?!
— Você perdeu, Uriol. — Disse Erik. — Você começou a delirar no meio da luta, e
depois caiu no chão, desmaiado.
— Nós vencemos, Uriol. — Disse Kiros. — Nosso lutador foi melhor que você.
— Eu não estou entendendo... como eu pude perder para um humano! — Não... na
verdade... o que diabos foi aquilo?! Eu... eu não tenho nenhum machucado...
— Você foi pego em minha ilusão. — Falei. — Assim que começamos você já tinha
sido pego em minha técnica. — Eu controlei tudo até o final, tanto você me acertando,
tanto a parede de pedra feita com minha alquimia... e até os fios de náilon que te
prenderam, forçando você a desistir.
— Uma ilusão... tudo isso foi uma ilusão.
— Bom, trato é trato. — Disse Kiros. — Nós iremos embora agora.
— Esperem.
— O que foi agora?! —, exclamou Kyrie. — Você perdeu, isso é tudo. Deixe a gente
em paz!
— Eu quero explicações... apenas isso. — Disse Uriol. — Humano. Como você me
pegou nessa ilusão?
— Na verdade, eu também estou curiosa. — Disse Alice. — Uma hora vocês dois
estavam lutando, depois ele ficou maluco e começou a delirar... eu não entendi muito bem
o que aconteceu, e seria interessante que você nos explicasse.
— Eu não irei dizer como minha técnica funciona, pois senão vocês aprenderiam
como sair dela. Mas dizer como você foi pego? Não há problema nenhum nisso. — Falei.
— Bom, qualquer coisa serve... —, disse Uriol.
— É uma técnica ocular de contato imediato. Você olhou nos meus olhos no
momento exato em que eu ativei a minha técnica... e como você estava bem perto de mim,
você caiu nela sem perceber.
— Eu pensava que técnicas oculares mudavam o formato da íris do olho... mas eu
não vi isso acontecer no seu. — Disse Yuki.
— A minha não precisa disso. Mas claro, ela tem suas fraquezas, mas eu não preciso
dizer elas.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Entendo. — Disse Uriol. — Bom, na próxima vez você não vencerá tão facilmente
assim. — Andy, Erik, vamos embora!
— Certo! —, exclamaram Erik e Andy em uníssono.
Uriol pegou sua espada que estava largado no chão e a guardou em sua bainha,
logo os três andaram em direção a saída da cidade, logo desaparecendo de nossas vistas.
— Bom, é hora de voltar para a central. — Disse Kiros. — Mas... alguém sabe para
que lado fica a central?
— Não se preocupem com isso. — Disse Alice. — É só esperarem um pouco que eu
irei ligar para a senhorita Jynx e ela irá nos buscar aqui. Ela mesmo me disse para fazer
isso quando conseguíssemos completar nossa missão.
— Isso agilizaria as coisas... pois estamos completamente perdidos aqui. A única
solução seria voltar para o subterrâneo e perguntar o caminho para Kira ou para Melchior,
mas isso que você falou será bem mais rápido mesmo.
— Bom, eu irei ligar para ela rapidinho. Vocês podem ficar à vontade por enquanto.
— Alice então se afastou do grupo e foi fazer sua ligação.
Nós, por outro lado, ficamos sentados ali mesmo no chão.
— Kiros... —, chamei-o.
— Fale.
— Só eu que estou sentindo que algo não está certo?
— Como assim?
— Eu não sei muito bem... algo não parece estranho? Nós conseguimos completar
nossa missão facilmente, mas a profecia não foi cumprida por completo. Eu sinto que algo
está faltando...
— Poderia me recordar da profecia? Assim podemos ligar os pontos e ver o que está
faltando.
— Claro. — Falei. — Ao leste, sete buscarão o filho perdido do deus da morte, outros
três muito menos terão sorte. Na terra dos mortos eles se encontrarão, para então um deles
cair sobre tentação. Depois da espada de vidro um deles encontrar, logo então se decidirá
quem o traidor irá ceifar. Após o momento de glória acontecer, um dos nove escolhidos então
irá morrer. — É isso.
— Nós éramos sete, e então encontramos tanto o filho perdido do deus da morte, que
era o Yuki, irmão de Kyrie, como também encontramos a espada de vidro. — Então apenas
nos faltaria nós nos encontrarmos na terra dos mortos, que pode significar várias coisas, o
traidor “ceifar” alguém, algum momento de glória acontecer e então uma pessoa, de nove,
morrer.
— Traidor? —, indagou Kyrie. — E quem seria esse traidor?
— É isso o que eu estou pensando... —, falei. — Algo não está certo. Vocês não
sentem que algo está faltando?!
— Pronto, a senhorita Jynx chegará em uma hora, como ela disse que demoraria.
— Disse Alice. — É... o que aconteceu? Vocês estão estranhos...
— Eles estão dizendo que algo está faltando sobre a profecia... —, disse Alexis. — E
agora eu também tenho esse pressentimento.
— Como assim?
— Alice, acompanhe o pensamento. — Disse Kiros. — Nós viemos para o Egito, que
está no leste comparado de onde estávamos inicialmente quando recebemos a profecia,
achamos tanto Yuki que é o filho do deus da morte perdido, tanto achamos a espada de
vidro, que está com Kyrie.
— Exato. — Disse Kyrie.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Entendo. Vocês podem me passar seus dados depois para Estela e ela irá me
mandar, eu devo matricular vocês também.
— Não precisa disso. — Eu já estudo na academia Cronos, e eu posso conseguir
uma vaga facilmente para o meu irmão ao chegarmos lá.
— Isso é ótimo. Bom, eu terei de desligar. Boa sorte para vocês!
A vídeo-chamada então se desligou.
— Bom, eu devo leva-los para a central e de lá vocês provavelmente serão mandados
para Los Angeles de avião. — Disse Estela. — Subam todos, nós não devemos perder
tempo.
Todos nós entramos na Kombi e então Estela começou a dirigir.
— Aqui Toya, o seu sobretudo. — Disse Kiros.
— Obrigado por guardar ele. — Falei.
— Kyrie, é verdade que você estuda naquela academia de elite?! —, indagou Alice
admirada.
— Meu pai é esnobe até nisso... ele mesmo disse que se eu tivesse que ser
matriculado em uma academia, que teria de ser uma de elite. Mas eu acho isso besteira.
— Disse Kyrie. — Eu mesmo não me importo com essas coisas. Mas eu não posso negar
que o ensino mágico de lá é muito bom... eu aprendi muitas coisas interessantes com os
professores de lá, além dos próprios veteranos que ensinam os novatos algumas coisas.
— Eu sempre sonhei em estudar lá... mas meu pai nunca quis me colocar naquela
academia, eu não sei porquê. — Disse Alice. — Ele sempre faz o que eu quero, mas ele se
negou até a morte em me colocar lá.
— Bom, isso eu já não sei. Mas tentem não se empolgar tanto... lá é bem mais
puxado que qualquer outra academia. E a maioria dos alunos não é tão amigável com os
novatos... isso tirando os veteranos do ensino médio, como eu já falei antes. Eles sempre
foram muito amigáveis comigo, e não duvido que sejam com vocês também.
— Isso vai ser divertido... —, disse Kiros. — Mudar de academia de repente vai ser
uma experiência boa, eu acho.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
XIV
A nossa chegada ao Los Angeles foi bem tranquila. Lá, nós fomos dirigidos a uma
pequena sala de espera, onde logo fomos apresentados ao nosso guia, aquele que nos
levaria até a academia Cronos.
— Ora, ora... — disse o guia. — Parece que o destino quer que nós nos juntemos.
— Você... —, disse Kiros. — Marco, certo? Você foi o nosso guia da última vez.
— Exatamente. — Disse Marco. — Mas para os que não me conhecem ainda, eu me
chamo Marco Chains, sou um guia temporário da central de caçadores da cidade. — Bom,
eu os levarei para a academia Cronos quando vocês quiserem, portanto, me avisem quando
estiverem prontos.
— Nós gostaríamos de irmos agora mesmo. — Disse Alice, tomando a dianteira. —
Estamos todos fadigados da última missão, portanto, eu aposto que todos gostaríamos de
um pouco de descanso em nossos próprios quartos na academia.
— A garota está certa. — Disse Kyrie. — Ter de ficar andando naquele sol de rachar
dos desertos do Egito não é coisa para se fazer a todo momento, isso é mais que
desgastante.
— Bom, então me sigam, por favor. — Disse Marco. — Uma carona está no
estacionamento do aeroporto pronta para levar vocês.
Todos nós seguimos Marco, e fomos até o estacionamento do aeroporto. Lá estava
um micro-ônibus estacionado, com apenas o motorista dentro.
— Eu os trouxe. Nós vamos para a academia Cronos. — Disse Marco ao motorista.
— Podem entrar. — O transito está ótimo, apesar dessa chuva toda que começou a
poucos instantes. Mas eu acho que consigo deixar vocês naquela academia dentro de dez
a quinze minutos no máximo.
— Ótimo. — Marco então voltou-se para nós. — Vamos? Podem entrar, nós
chegaremos rapidamente na academia.
Todos nós entramos no micro-ônibus e nos acomodamos um em um banco. Logo o
motorista ligou o veículo e nós saímos. Todos nós fechamos as janelas e o ar-condicionado
foi ligado, fazia tempos que nenhum de nós sentia um frio tão bom, aquela viagem ao Egito
foi uma ótima experiência, mas eu tenho que concordar com o que Kyrie disse a um tempo
atrás, ir para lá não é uma coisa que se dá para fazer a todo momento, pois o calor é
insuportável.
Do lado de fora chovia incessantemente, a cidade estava nublada por conta daquela
chuva toda. Mas voltando meu olhar para dentro daquele micro-ônibus eu pude notar o
cansaço de todos do grupo. Kyrie e Kiros dormiam no banco do ônibus tranquilamente,
Scott estava mexendo em seu celular e Alice conversava com Alexis sobre a nossa ida até
a academia Cronos, especulando o que iria acontecer. E eu sem ter nada mais para fazer,
decidi dormir um pouco também...
... ... ... ... ...
— Toya? —, uma voz feminina familiar me chamou.
— ...
— Toya... acorde! —, exclamou a mesma voz familiar. — Faz tanto tempo que a gente
não se comunica e você nem ao menos acorda quando eu consigo contato!
— ...
— TOYA!
— AHH! —, gritei assustado.
— Enfim acordou. — A dona daquela voz era Ceres, a filha de Poseidon. — O que
aconteceu para você estar tão cansado?
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Aposto que sim. — Falei. — Mas eu mesmo acho que seria um pouco estranho
mudar de grupo assim do nada... bom, você deve saber do que eu estou falando.
— Sim, sim. — Mas isso são coisas da academia, é chato trocar de grupo pois você
já está acostumado com as pessoas do antigo, mas as vezes é preciso fazer isso. Para você
ter uma ideia, eu já trabalhei com sete grupos diferentes até então... quando você chegar
aqui, eu provavelmente trocarei de grupo de novo, e esse será o oitavo. — Mas isso tem
seu lado bom. Você conhece novas pessoas, acaba criando novas estratégias de batalha,
pois precisa trabalhar com os trejeitos de cada um participante do grupo, essas coisas...
— Bom, eu estou bem ansiosa com a sua chegada. Eu gostaria de ter um duelo com você
também... seus poderes aumentaram bastante e se você concordar, eu gostaria de senti-
los na pele.
— A academia deixa nós termos duelos quando quisermos? —, indaguei. — Que
interessante.
— Antigamente não era assim, mas com a entrada do novo diretor, várias regras
mudaram e acabaram incluindo os duelos no campus. Qualquer pessoa pode desafiar
qualquer pessoa, o nosso diretor disse que isso melhoraria nossas capacidades para lutas,
já que você poderia ser surpreendido com um duelo a qualquer momento do dia.
— Espera... se alguém me desafiar para um duelo, então quer dizer que eu não
posso recusar ele?
— Sim, você pode. — Mas isso não é recomendado.
— Não estou entendendo.
— Bom, eu posso lhe dar uma explicação básica. — O diretor implementou na
academia, junto dos duelos, um esquema de pontuação e rankings. Todos, ao entrarem
na academia, ganham o seu bracelete. Ela serve como um código de barras que faz a
contagem dos alunos, dando a eles um número. Olha. — Ceres então me mostrou o seu
bracelete. — Mas você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com os duelos. E é
algo bem simples. Quando um duelo é feito, a pessoa pode aceitar ele, ou não. Ao aceita-
lo, as duas pessoas participantes do duelo ganham automaticamente 100 pontos, isso
além dos pontos apostados, e quase sempre os duelos são com uma aposta por cima. O
vencedor fica com todos os pontos apostados naquele duelo, mas se aquele que foi
desafiado desistir, ele automaticamente precisa pagar 100 pontos.
— Então a academia inteira funciona com base nesses pontos? E uma coisa... o que
acontece com aquele que perder todos os seus pontos?
— Eu nunca soube de ninguém que perdeu todos os seus pontos, pois os duelos
não são as únicas coisas que dão pontos, existem algumas atividades dadas pelos
professores que dão pontos para os alunos. — Mas... se caso acontecer de você ficar sem
nenhum ponto, você é expulso da academia.
— O quê? Sério?! —, exclamei.
— Por isso que essa academia é considerada uma de elite. Somente os melhores
podem continuar nela... aqueles que fogem dos duelos vão perdendo pontos, e os seus
pontos contam para o seu rank geral da academia. Por isso, aqueles com um ranking
inferior ao estimado da academia, isso seria perder todos os seus pontos, são expulsos da
mesma.
— Entendo. Isso é uma coisa a mais para se preocupar...
— Não se preocupe com isso, Toya. — Disse Ceres. — Existem algumas regras para
desafiar alguém para um duelo, ou seja, você nunca estará em desvantagem em algum
que entrar. — Como eu falei, os pontos geram um ranking para a pessoa. E eles estão
separados em: D, C, B, A e S.
— Isso tinha em minha antiga academia... mas isso era só para sermos enviados
para missões sem termos risco de cairmos em uma difícil demais.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Então nós temos dez minutos para chegarmos lá. — Disse Kiros enquanto olhava
as horas em seu celular. — A tal assistente explicou como chegar nesse salão?
— Kyrie me disse que conhece bem a academia e que quando estivéssemos prontos
para irmos para algum lugar, era só falar com ele.
— Então é melhor irmos logo. Não seria bom chegarmos atrasados no nosso primeiro
dia na academia. — Falei.
Nós falamos com Kyrie e explicamos para onde teríamos que ir. Ele foi na frente,
mostrando o caminho e explicando alguns caminhos que levavam para outros cantos do
campus, como o refeitório, os dormitórios masculinos e femininos, a biblioteca, o centro
de treinamento — local onde Ceres estava — e por fim, o salão de conferencias, onde
deveríamos estar.
Ao entramos no local e apenas vimos outras treze pessoas espalhadas por aquela
quadra. Algumas pareciam já se conhecerem, isso por conta de conversarem entre si, mas
outras apenas estavam afastadas do restante das pessoas. Pude notar também duas
arquibancadas, uma ao lado direito e outra ao esquerdo, e presumo que cada uma poderia
suportar a presença de até cem e cinquenta pessoas. Logo a nossa frente tinha um palco
posicionado com cinco cadeiras e um suporte com um microfone. Mas logo um aviso feito
por um interfone tomou nossa atenção.
— Aviso a todos os alunos do campus para comparecerem ao salão B da academia
em seis minutos. Repito... todos os alunos do campus, compareçam ao salão B da
academia em seis minutos. Isso é tudo. — Disse uma voz masculina pelo interfone.
Passaram-se quatro minutos no máximo e o salão começou a encher... as usavam
roupas completamente diferentes umas das outras, isso por conta de a academia permitir
os alunos de usarem suas próprias roupas, sem restrições. Mas alguns alunos usavam
roupas padronizadas, sendo uma camisa branca com um colete preto por cima, calças
marrons ou verde-escuras e botas pretas. Esses seriam aqueles que fazem parte do comitê,
ou seriam os veteranos talvez... essa minha dúvida seria esclarecida mais tarde, mas por
ora, eu teria de prestar atenção no que iria acontecer.
— Espero que todos os alunos do campus estejam aqui, excluindo aqueles que
foram mandados para alguma missão recentemente, claro. — Disse um homem pelo
microfone preso no suporte. Ele vestia um terno preto com uma gravata azul, usava uns
óculos escuros e tinha uma barba cheia no rosto, mas isso não escondia o fato dele ser
careca, coisa que o deixava um pouco mais assustador. — Eu sou Damien Mustang, mas
peço aos novatos que se acostumem a me chamar de senhor Mustang. Eu sou o diretor
desta academia, e dou as boas-vindas para vocês, novatos.
Os alunos que estavam nas arquibancadas aplaudiram.
— Eu apresento-lhes também os novos professores deste ano. — O primeiro, Floyd
Winters.
O senhor Winter tinha uma aparência nada frágil. Ele era moreno, tinha a cabeça
raspada a máquina 1 e exibia seus músculos por baixo de sua camisa camuflada do
exército.
— Saudações a todos, eu sou Floyd Winters, e serei seu o professor de artes
marciais. — Disse ele em um sorriso. — Espero que todos nós possamos nos dar bem.
— A próxima é Nina Winters. Por favor, apresente-se. — Disse o diretor Mustang.
A senhorita Nina tinha a pele branca, cabelos loiros presos em um coque olhos de
cor violeta. Ela vestia um longo vestido azul, com botas longas até a altura do joelho.
— Boa tarde alunos. — Como o senhor Mustang disse, eu me chamo Nina Winters.
Eu serei a instrutora sobre técnicas elementais e não-elementais de vocês. Coisas em
relação a nossa Mana, ou como também é conhecida, energia espiritual. — A professora
Winters então passou o microfone de volta para o diretor.
— O próximo é o sargento Barret Meyer. — Por favor, apresente-se.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Feiticeiro Andrômeda: Klaus Balthazar. Os dias depois de hoje serão muito mais
interessantes. — Mustang deu uma gargalhada. — Bom... o próximo?
— Eu me chamo Toya Vincent, sou um humano comum e controlo o elemento vento,
além de dominar a arte da alquimia.
— Garoto, se você falou a verdade sobre dominar a alquimia, então você deve
procurar um dos nossos veteranos depois que sair daqui. O seu nome é Oliver Ramm.
— Certo. — Falei.
— Eu me chamo Marco Chains, tenho doze anos e sou um centauro que tem
controle sobre o elemento terra.
— Eu sou Scott Lupim, tenho treze anos e sou um lobisomem ômega. Eu controlo
o elemento fogo.
— Eu me chamo Alexis Agni, tenho quatorze anos e sou uma caçadora de Ártemis.
Eu tenho controle sobre a natureza, não sendo um elemento em especifico.
A próxima pessoa a se apresentar tinha a pele morena, os olhos castanhos e os
cabelos ralos e pretos. Usava uma camisa amarela com um raio vermelho no peito e uma
calça vermelha.
— Eu me chamo Wally Sparks, tenho treze anos e sou um humano. Eu tenho o
controle sobre o som e também sobre o elemento luz.
— Eu me chamo Robert d’ Tróia. Tenho treze anos e sou um sátiro. Tenho o controle
sobre o elemento madeira.
O próximo a se apresentar, era um garoto baixinho que estava usando uma roupa
verde escura. Tinha a pele morena e o cabelo preto bem ralo.
— Eu me chamo Yagami Kai, tenho treze anos e sou um Duende que controla o
elemento terra.
A próxima também baixinha, só que um pouco mais alta que o garoto anterior, tinha
os cabelos pretos até a cintura, uma pele branca e roupas provocantes.
— Eu me chamo Angelica Meadows, tenho treze anos, sou da raça das Súcubos e
controlo o elemento fogo.
A última pessoa a se apresentar tinha os cabelos cor de prata que iam até sua
cintura, olhos azuis brilhantes e usava um traje preto. Carregava consigo uma katana
longa, que tinha praticamente o seu tamanho.
— Eu me chamo Lance Wolf, tenho quatorze anos e sou um anjo. Tenho o controle
sobre a luz.
— Ótimo! —, exclamou o diretor Mustang. — Agora que todos se apresentaram, nós
devemos separar os grupos.
— Senhor Mustang, por que você não deixa os próprios garotos escolherem suas
equipes? —, indagou Floyd. — Nós, os quatro novos professores poderíamos eleger quatro
pessoas para serem os líderes, e esses líderes escolheriam a dedo os membros de suas
equipes.
— Eu concordo com meu irmão. — Disse Nina. — Assim as pessoas que já se
conhecem podem ficam no mesmo grupo, e isso fará um melhor trabalho em equipe.
— Sim, sim... essa é uma ótima ideia. — Afirmou Mustang. — Bom, que assim seja.
Novatos! Escutem bem... aqueles que forem chamados a darem um passo à frente, serão
os líderes dos novos esquadrões do campus, dito isso, assim que todos os quatro líderes
forem escolhidos pelos novos professores, eu quero que cada líder escolha um aluno, dos
restantes, e assim por sequência, até que todos os alunos estejam encaixados em uma
equipe.
— Eu escolho a novata Ceres Highwind para ser a líder do esquadrão 6. — Disse
Floyd, logo passando o microfone para sua irmã Nina.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
algumas fotos e por fim, uma coisa que acabou me chamando a atenção. Lá também tinha
uma faca personalizada, a sua lâmina estava gasta e sem fio, já sua empunhadura tinha
duas marcações feitas com alguma outra lâmina talvez, sendo elas um Z em uma caligrafia
bem robusta e do outro lado a palavra Olimpo escrita com a mesma caligrafia.
— O que faz aqui, garoto? —, disse um homem tocando o meu ombro.
Assustado, eu me virei rapidamente e vi de quem se tratava. O homem das fotos, só
que um pouco mais velho e com uma barba longa da mesma cor que os seus cabelos.
— M-me desculpe, senhor... —, eu gaguejei. — Eu não queria ter invadido sua casa
assim desse jeito... é que eu acabei vindo aqui e...
— Acalme-se meu jovem... —, disse o homem colocando sua mão em minha cabeça.
— Eu não estou bravo ou coisa do tipo... apenas estou surpreso pelo fato de um garotinho
como você ter chegado aqui.
— É... como assim? —, indaguei. — Onde é aqui, exatamente?
— Você está no Monte Olimpo, garoto. Esta é o meu canto especial de lazer e ninguém
até hoje conseguiu entrar aqui sem que eu percebesse ou tivesse dado permissão.
— Monte... olimpo...?
— Vejo que está confuso... por que você não se senta e toma um chá? Aceita uns
biscoitos? Eles são caseiros. — Disse o homem com um sorriso no rosto.
— Ãn... claro. — Falei enquanto pegava um que estava na bandeja de prata.
Os biscoitos eram com gotas de chocolate, bem a moda americana. Eles tinham um
gosto bem peculiar também, posso dizer que eles me lembravam os biscoitos que minha
avó fazia.
— E então? Como eles estão? —, indagou o homem.
— Eles estão ótimos! —, falei. — Eles são feitos do quê? Bom, além do chocolate,
claro.
— Ambrosia.
— Espera! —, eu então encarei minhas mãos e notei que continuava normal. — Isso
deveria ter me matado! A lenda não dizia que a ambrosia ou o manjar dos deuses mataria
qualquer humano que a comesse?
— Qualquer humano comum, meu jovem. Mas... agora você me deixou muito mais
curioso a respeito de você. — Disse o homem. — Ninguém jamais conseguiu entrar neste
meu pequeno mundo, a não ser que eu a convidasse para vir. E isso eu falo de deuses,
como eu. Mas hoje um pequeno humano, como você, conseguiu essa façanha. Por isso, eu
gostaria que você me contasse quem é.
— Eu me chamo Toya Vincent, senhor.
— De onde você vem? Quem são seus pais?
— Eu venho de Los Angeles, senhor. Mas meus pais? Minha mãe, Maria Vincent
faleceu faz um tempo... e o meu pai? Desculpe, mas eu não o conheço.
— Los Angeles? Então sua morada não está bem perto. — Sabe onde fica a City
Hall? O posto de observação, digo.
— Eu me mudei recentemente para esta cidade, não a conheço muito bem. Mas eu
já ouvi falar desse ponto turístico.
— Ótimo, isso facilita as coisas. — Nós estamos exatamente em cima da City Hall,
só que você precisa de uma permissão especial para chegar aqui. No vigésimo sétimo andar
fica um posto de observação da cidade, é por lá que você pode chegar aqui, isso se você
tiver a tal permissão que citei antes.
— Senhor. Sem querer parecer rude, mas... eu estou bem confuso com tudo isso.
— Falei. — Eu não sei como vim parar aqui, muito menos... quem o senhor é.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eu sou Zeus, rei dos deuses. — Eu pensava que minha imagem era conhecida
por todos os humanos.
— Você é Zeus? Você não parece nada como as pessoas ou até mesmo os livros
dizem que o senhor é.
— Você pensou que todos os deuses ainda guardavam os velhos costumes? Eu
odiava usar aquela túnica o tempo todo. Essas roupas que vocês humanos inventaram são
muito mais confortáveis, e também tem um estilo mais aguçado. — Bom, claro que os
livros me retratam com tendo cabelos brancos e encaracolados. Mas esta é a minha
verdadeira forma.
Naquele instante, eu ouvi o barulho de um celular e automaticamente chequei os
meus bolsos, pensando que era o meu.
— É o meu. — Disse Zeus. — Só um momento, eu já volto. — Ele então se levantou
e foi para o lado de fora da casa.
E quem diria que este sujeito seria Zeus. Talvez a humanidade tenha se equivocado
ao escrever sobre ele? Ou apenas quiseram manchar sua imagem, talvez...
— Estou de volta, meu jovem. A nossa pequena conversa foi boa, mas eu terei de
sair agora... parece que as coisas não estão indo tão bem lá na Terra, assim como no
Olimpo. Seria bom você voltar também, já que eu não sei quando eu irei voltar para cá. —
Você me disse que não faz ideia de como chegou aqui, certo? Mas lembra de algo antes de
acabar aparecendo aqui do nada?
— Eu lembro de ter chegado em uma academia e eu estava muito cansado. —
Lembro de ter deitado em minha cama e depois eu estava aqui.
— Então você não deve estar aqui fisicamente. — Bom, eu irei te mandar de volta
se esse for o caso.
— Eu agradeceria.
— Bom, mas antes... — Zeus então guardou os biscoitos que estavam espalhados
na bandeja e os colocou em um pequeno pano e os amarrou com uma fita dourada. —
Aqui, pegue-os. Ninguém além de mim lá no Olimpo come estes biscoitos, e seria um
desperdício deixá-los aqui para apenas ficarem estragados. Portanto por ficar com eles,
mas lembre-se que eles contêm Ambrosia e que humanos comuns não podem comer deles.
Eles podem servir para algo, isso por conta de terem um grande poder regenerativo para
vocês, mortais.
— Eu realmente agradeço pelo presente. — Disse aceitando os biscoitos.
— Bom, até outra vez, meu jovem. — Eu apenas consegui ver Zeus levantar sua
mão direita e logo depois nada mais. Ele já havia me enviado de volta para a terra.
... ... ... ... ...
De volta ao meu quarto, eu acordei imediatamente e fiquei sentado sob a minha
cama. Aquilo não tinha sido um sonho — isso por conta de os biscoitos realmente estarem
comigo —, mas também não tinha cara de ter sido uma ligação sensorial assim como Ceres
costuma fazer.
Naquele mesmo instante, alguém bateu na porta de meu quarto e logo a abriu.
— Moleque, levante daí e venha comigo. — Disse Uriol.
— O que aconteceu?! —, indaguei assustado.
— Ãn? Nada. — Apenas Ceres está chamando todos do grupo lá no campo de
treinamento da academia.
— Não teria sido mais fácil ter mandado uma mensagem para mim?
— Ela disse que queria ter feito isso. Mas eu acho que alguém não deu o seu número
a ela. — Disse Uriol. — Bom, vamos indo. Levante-se da cama e me siga.
- 145 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
Nós seguimos pela academia até chegamos em outra ala do campus. Lá ficavam
várias partições dedicadas para treinamentos, sendo duas academias de musculação
mescladas com ringues para lutas e por fim, o local onde estávamos indo nos encontrar
com Ceres, o campo de treinamento aberto.
— É aqui. — Disse Uriol. — Os outros já devem estar nos esperando. Eles estão na
Área B desse salão de treinamento, nós seguiremos pelo caminho da esquerda e
chegaremos lá em alguns minutos.
— Sem problemas.
Nós andamos praticamente o caminho todo em silêncio e isso foi meio que
perturbante. Bom, eu entendo o fato dele não estar familiarizado comigo, ou com qualquer
outro integrante do grupo — além de seu parceiro Erik — e puxar uma conversa com um
desconhecido, é difícil, realmente.
— Toya?
— O que foi Uriol? —, indaguei.
— Como ainda estamos um pouco distantes do local marcado por Ceres, eu gostaria
de conversar um pouco.
— Ah. — Claro. Sobre o que quer falar?
— Como você ficou tão forte em tão pouco tempo? Digo... nós saímos da sede dos
caçadores e nos separamos até então, mas lá, você não tinha esse poder todo. Era apenas
um humano comum.
— Meu grupo e eu fomos treinados por uma pessoa chamada Kira, o mestre da
guerra. Ele aplicou alguns testes e depois de termos passado ele mesmo nos ensinou várias
coisas, mas eu também procurei aprender coisas por mim mesmo, digo... a alquimia em si
ele não me ensinou, mas me ajudou a melhor utilizar ela. — Falei. — De alguma forma ele
fez o tempo de nosso treinamento acelerar, assim nós acabamos treinando por um ano
inteiro, mas no tempo real apenas se passaram dois meses.
— Um ano de treinamento e você conseguiu ficar forte dessa forma... é difícil de
acreditar que existam pessoas com tal poder de ensino. — Eu treinei pela minha vida toda,
isso a partir dos meus cinco anos de idade... eu passei a minha vida inteira me dedicando
em apenas melhorar minhas habilidades! Isso é bastante humilhante... mas isso mostra
que sempre vai existir alguém mais forte que você no mundo.
— Sim. — Concordei. — Eu não sou o mais forte de meu grupo, muito menos poderia
ter vencido você em um duelo.
— Você está tirando uma com minha cara? — Se você não poderia ter me vencido
em um duelo, como você me derrotou naquela aposta de seu ex-colega de equipe?!
— Eu tive que apostar tudo em uma técnica completamente arriscada. Aquela ilusão
não é algo simples de se executar, mas como você nunca tinha a visto, e claramente
duvidava de minhas habilidades por conta de eu seu um humano, as coisas ficaram fáceis
para eu aplicar aquela técnica.
— Uma técnica de ilusão que funciona apenas com o contato visual... eu me
descuidei, admito. — Mas não irá acontecer novamente! Entendeu?!
— Claro, claro... não precisa se exaltar. — Nós estamos na mesma equipe agora...
— Hmpf... é patético eu ser a terceira pessoa mais forte desse grupo. Eu mesmo
queria ter sido o líder de um dos esquadrões, sabia?
— Terceira?
— Ceres Highwind é a líder e também a pessoa mais poderosa de nosso esquadrão,
eu a desafiei enquanto você estava no quarto... fiz um acordo com ela.
— Acordo?
- 146 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Se ela perdesse, ela renunciaria ao cargo de líder e o passaria para mim. Ela
aceitou, mas eu acabei perdendo miseravelmente. — Em questão de poder, ela está dez
vezes a nossa frente. Bom, eu não vi todo o seu potencial, mas eu posso falar por mim.
— Entendo... —, falei. — Mas, Uriol... posso lhe fazer uma pergunta?
— Eu te fiz uma, e você me respondeu, então nada mais justo que você também
fazer o mesmo.
— Bom... por que você decidiu começar a usar essa espada que carrega na cintura?
—, indaguei. — Você é um vampiro, certo? Vampiros tem super-força e grande velocidade,
então você não precisaria de uma arma, certo?
— Você é a primeira pessoa que me questiona isso. — Mas a resposta é bem
simples... eu uso essa espada pois ela faz parte de um contrato que fiz com alguém. Eu fiz
e faço alguns trabalhos para essa tal pessoa e ela me prometeu poder. E o poder que recebi
foi esta espada... a Espada do Rei Dragão.
— Entendi.
— Mas por que perguntou sobre a espada especificadamente? Existem tantas coisas
que você poderia ter me perguntado... mas logo sobre um item que possuo?
— Ela foi a coisa que mais me chamou a atenção. Apenas isso. — Falei. — Eu já me
acostumei pelo fato de eu viver rodeado de criaturas místicas, portanto, eu não perguntaria
algo sobre você, em especifico. Vampiros, lobisomens, caçadores e etc... tudo isso já faz
parte do meu cotidiano.
— Você é um humano interessante, Toya. — Disse Uriol. — Bom, nós finalmente
chegamos.
— Finalmente! —, exclamou Ceres. — Por que demoraram tanto?
— Isso foi erro meu. — Disse Uriol. — Eu esqueci de perguntar em qual quarto ele
estava, e eu acabei tendo que passar na diretoria antes.
— Bom, tanto faz, o que importa mesmo é que vocês dois não vadiaram.
— E então, Ceres. O que você queria comigo? —, indaguei.
— Ah, sim. — Todos aqui treinaram comigo e eu tive uma luta séria com Uriol, não
sei se ele te mencionou isso.
— Sim, ele mencionou.
— Mas falta você, Toya. — Ceres sorriu. — Eu gostaria de testar suas novas
habilidades, portanto, eu te desafio para um duelo!
- 147 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
XV
Olhem, posso dizer a vocês que aquela não foi uma de minhas melhores lutas.
Acabei perdendo — tomei uma surra, para falar a verdade —, mas isso não só não foi pior
pelo fato daquele duelo feito por Ceres ter sido sem nenhuma aposta nos pontos. Isso é
interessante, já que pessoas do mesmo grupo/esquadrão não precisam apostar pontos
para lutarem entre si.
Eu acabei desmaiando na luta contra Ceres, e eles acabaram me deixando na
enfermaria. Algum tempo se passou, mas logo meus colegas acabaram me acordando.
— Toya? —, disse Ceres. — Você está bem?
— Minha cabeça dói um pouco e minha visão ainda está turva. — Falei. — Mas sim,
eu estou bem.
Ceres suspirou aliviada.
— Estávamos preocupados com você. — Disse Kiros.
— Kiros? —, indaguei.
— Sim, sou eu. — Você deve ter sido atingido de forma bem brutal na cabeça para
ter desmaiado e sua visão ainda continuar turva, mas como a enfermeira disse que você
ficaria bem, então logo, logo sua visão vai voltar.
— Quem mais está aqui? —, indaguei novamente.
— Kyrie, Uriol e Alexis. — Disse Kiros.
— Eu... eu estou apagado por quanto tempo? Digo... faz quanto tempo desde que
alguém me trouxe para a enfermaria?
— Se passaram algumas horas. Faltam vinte para as seis. — Disse Uriol. — Já está
perto da hora que a cafeteria abre e serve o jantar a todos.
— Mas a gente tinha decidido que iriamos sair pela cidade e achar um restaurante,
não foi isso? —, indagou Alexis. — Ou não era para hoje?
— Bom, eu já tenho a confirmação de Alice, do Scott e dos outros dois de minha
equipe, Wally Sparks e da Chloe Fields. — Disse Kiros. — Mas claro que quanto mais gente
melhor. — E se vocês três não se importarem de ir conosco, então vocês já estão
convidados.
Ceres me fitou, logo dizendo:
— Você está afim de ir?
— Sim, estou. — Falei. — Já faz um tempo que não temos uma conversa em grupo.
Mas... você estava se referindo a mim, a Ceres e a quem mais? O Uriol? —, indaguei a
Kiros.
— Eu me referia ao Uriol. — Disse Kiros. — Vocês que são do mesmo esquadrão,
não é mesmo?
— Mas, e você Kyrie, você não vai sair conosco?
— Eu que decidi o local de encontro. — Disse Kyrie. — Eu levarei todos até lá, já
que conheço bem a cidade. — Mas por que a pergunta? Achou que eu não iria?
— Kiros não citou você, então eu pensei que...
— Não é pelo fato que ele não me colocou na conversa de que eu necessariamente
não poderia ir. — Disse Kyrie, me interrompendo. — Pois se fosse assim, Alexis também
não foi colocada na conversa, se não percebeu.
— Bom... agora nós só precisamos da permissão da enfermeira para podermos te
levar junto. — Disse Kiros. — Ela não deve demorar para chegar.
Passaram-se alguns minutos e enfim a enfermeira chegou, de imediato, ela fez um
simples check-in, e logo me liberou.
- 148 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
Nós saímos todos juntos e logo mandamos uma mensagem com o local do nosso
encontro — o Restaurante Beauty and Beast — para o restante de nossos colegas. O horário
de encontro seria as 6:30, logo, nós apenas passamos nos quartos para trocarmos de roupa
e então saímos atrás do restante das pessoas que iriam conosco.
Eu acabei apenas trocando minha camiseta que estava por baixo do sobretudo.
Kiros por outro lado estava usando um casaco preto com capuz, ao invés de sua jaqueta.
Alexis estava vestida com um casaco para o frio cinza e uma touca na cabeça, luvas nas
mãos e suas botas de costume. Uriol estava com um casaco com um capuz de pelos na
cabeça, usava uma calça azul marinho e também usava botas feitas para a neve. Kyrie por
sua vez vestia suas roupas de costume — seu casaco preto com os detalhes nas mangas
só que o casaco estava com o seu zíper fechado — também pude notar que ele não estava
com sua katana na cintura, coisa que estranhei de início. Por fim, o irmão de Kyrie — Yuki
—, estava usando uma camiseta de mangas longas vermelho escuro e uma calça para o
frio, seu cabelo que batia nos ombros estava preso em um rabo de cavalo, ao contrário de
Kyrie que o deixou solto.
As ruas estavam movimentadas, a neve caia com sutileza e as luzes da cidade
acendiam-se aos poucos. Como estávamos no dia primeiro de agosto, consequentemente
estávamos no inverno e por isso o sol se pôs mais cedo.
— Por sorte todos nós saímos com roupas para o frio... a neve deve piorar daqui
para mais tarde. — Disse Yuki.
— Como você sabe? —, indagou Uriol.
— Eu controlo o elemento gelo, então saber quando e como irá nevar não é problema
para mim. — Disse Yuki com um sorriso.
— Essa é nova. — Uriol riu. — Eu não sabia que com nossos “poderes mágicos” nó
poderíamos fazer previsões do tempo.
— Alguns apresentadores da TV contratam pessoas que conseguem controlar o
elemento tempestade para fazer as previsões do tempo. — Disse Alexis. — O mundo se
acostumou com nós, pessoas que temos e utilizamos magia. Isso tudo por conta da
penumbra.
— Eu nunca entendi esse termo. O que é a penumbra?
— A penumbra é uma magia ilusória que nós controladores de Mana podemos usar
para enganar ou modificar a visão dos mortais que não tem o controle sobre sua energia
vital. As pessoas no mundo pensam que nós somos crianças normais, mas só se quisermos
que elas pensem assim. — Disse Kyrie. — A penumbra tem vários outros efeitos
interessantes, mas demoraria muito explicando cada um deles. — Ele então olhou para
cima por um momento. — Caramba... eu deveria ter trazido uma touca. Vejo que o tempo
vai esfriar mais do já está.
— Qual a sensação térmica? —, indagou Kiros.
— Estamos a menos dois graus, acho. — Respondeu Yuki.
— Bom, então devemos nos apressar para chegarmos no restaurante. — Kiros logo
pegou o seu celular. — É uma mensagem da Alice.
— Ela e os outros já chegaram lá? —, indagou Kyrie.
Kiros assentiu.
— Então vamos adiantar o passo, fale para ela pegar a mesa reservada por mim.
Nós devemos chegar lá em cinco minutos.
— Ok, mandarei a mensagem para ela.
Nós então adiantamos nosso passo. A neve ainda caia lentamente, mas o frio
aumentava cada vez mais. Eu realmente tive sorte de ter ganho esse sobretudo de Kira,
pois se não, eu nem teria condições para passar esse inverno.
... ... ... ... ...
- 149 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
Chegando no restaurante, nós logo avistamos Alice e o restante do grupo e logo nos
aproximamos deles, puxando algumas cadeiras para cada um de nós sentarmos.
— Vocês até que não demoraram tanto. — Disse Alice.
— É que assim que você me mandou a mensagem dizendo que já havia chegado
aqui, nós adiantamos o nosso passo. — Disse Kiros. — Acho que isso se deu pelo clima ter
esfriado bastante também.
Nesse mesmo instante, um garçom se aproximou de nossa mesa.
— E então... o que querem pedir?
— Nós combinamos de comer uma pizza, mas qual o sabor que vocês vão querer
pessoal? —, indagou Kiros.
— Nós iremos pedir quantas? —, disse Wally. — E quantos sabores nós podemos
colocar em cada uma?
— Isso depende do tamanho da pizza que vocês pediram. — Disse o garçom.
— Nós iremos querer três no maior tamanho. Elas vêm com doze fatias, certo? Dão
quatro sabores para cada pizza, ou doze sabores no total. — Disse Kyrie.
— Doze sabores? Acho que é muito. — Falei. — Por que não pedimos apenas as
tradicionais?
— Todos concordam com isso? —, indagou Kiros.
Todos assentiram.
— Certo, então nós iremos querer só das tradicionais. Sendo uma de dois sabores,
metade frango e metade carne, a outra pizza com outros dois sabores sendo uma
portuguesa e outra de calabresa e a última pizza com metade quatro queijos e metade
chocolate.
— Alguma coisa para beberem? —, indagou o garçom.
— Você pode trazer uma soda de dois litros e um refrigerante de cola quando as
pizzas chegarem.
— Certo, estou indo entregar os pedidos. — Disse o garçom. — O tempo de espera
é de 35 a 45 minutos no máximo para as três pizzas chegarem, enquanto isso, sintam-se
à vontade.
O garçom então saiu.
Posso colocar aqui algumas observações. A primeira delas é que o restaurante não
estava cheio, sendo apenas mais duas mesas estando ocupadas, além da nossa. E que nós
estávamos ao fundo do restaurante, em uma mesa localizada em uma das pontas, isso nos
deixaria conversar sobre o que quisermos, em paz.
— Bom, nós temos bastante tempo de espera. — Disse Kiros. — Então... por que
não tentamos fazer algo para nos conhecermos melhor?
— Tipo o quê? —, indagou Kyrie. — Ah, e nem vá pensando em algum tipo de
joguinho idiota, viu!?
— Eu nem estava pensando nisso. — Disse Kiros. — Eu estava pensando em cada
um de nós contar rapidamente quem é, o que é e sua história! Isso vai abrir uma intimidade
entre todos nós.
— Se ninguém tiver problema com isso, por mim tudo bem.
Todos concordaram.
— Quem começará? —, indagou Alice.
— Kiros começou com isso, então ele será o primeiro. — Disse Kyrie. — Depois
podemos ir em sequência horária da mesa.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Bom, então tá. — Eu sou Kiros Lucian, tenho treze anos e sou um lobisomem da
classe alfa. Eu vim do Brasil, meu pai se casou com lá e aparentemente minha mãe era
uma brasileira, eu a princípio não era um alfa, já que não nasci de uma mistura de dois
lobisomens, mas eu e meu irmão mais velho nos tornamos um no mesmo dia.
— Eu pensei que você era um alfa puro. — Disse Scott.
— Não. Eu nasci como um beta, assim como você. — Só que acabei virando um Alfa
por vontade própria.
— Matou outro alfa. — Disse Kyrie.
— Errado. — Respondeu Kiros. — Um certo dia um grupo de lobisomens atacou a
casa de meu pai e aquela noite acabou sendo uma chacina. Meu irmão me protegeu a
maior parte do tempo, ele era mais forte, e já sabia lutar um pouco. Nós acabamos ficando
encurralados por dois lobisomens alfas, mas meu irmão acabou matando um deles e em
seguida se tornou um. Ele brigou arduamente com o segundo, e quase acabou perdendo.
Eu consegui vencer o medo e então ajudar meu irmão, e sem ao menos perceber, meus
olhos estavam brilhando em um vermelho vivo.
— É o tal dos verdadeiros alfas, não é? —, indaguei.
— Sim. Vencendo meu medo, eu me tornei um alfa verdadeiro e consegui ajudar
meu irmão.
— Você tinha quantos anos na época? —, indagou Alice.
— Eu tinha uns seis anos de idade, meu irmão por outro lado tinha treze e
claramente era mais forte que eu. Até hoje ele é.
— Se você diz isso, como você o venceu na prova que Kiros impôs?
— Meu irmão vacilou, isso é tudo. — Bom, vamos passar para a próxima pessoa.
— Se for pelo sentido horário que Kyrie disse, então sou eu. — Disse Scott.
— Certo, pode ir então.
— Eu me chamo Scott Lupim, tenho treze anos e sou um lobisomem da classe
ômega. — Eu não tenho tanta coisa para contar, mas acho que posso dizer uma coisa bem
interessante. Acho que foi quando eu fiz meus oito anos de idade, eu acabei conhecendo
Kiros e fiquei sobre os cuidados dele desde então.
— Como isso aconteceu? —, indagou a garota chamada Angelica, que estava
grudada a Scott.
— Eu era apenas um pequeno licantropo de classe beta e aconteceu um ataque a
vila onde minha família morava. O pai de Kiros diz que foram os mesmos lobisomens que
atacaram a casa dele que destruíram a vila que eu morava. Desde então, ele me acolheu e
deu uma nova casa para minha mãe, aqui mesmo em Los Angeles. Mas infelizmente eu
não tive mais notícias dela desde então. Eu e Kiros fomos transferidos para a Academia
Gaia, onde aconteceram várias coisas, nós conhecemos o Toya, dentre outras pessoas
mais. Fomos mandados para o Egito atrás de uma relíquia sagrada e aqui estamos em Los
Angeles, na academia Cronos. — Scott coçou a cabeça. — Acho que isso é tudo.
— Bom, a próxima sou eu. — Eu me chamo Angelica Meadows, tenho doze anos e
sou um súcubo. Eu nasci aqui mesmo nesta cidade, mas minha mãe só pensou em me
mandar para uma academia agora, e ela escolheu a Cronos, já que diziam ser a melhor
daqui. Desde então eu conheci ele. — Angelica fitou Scott. — Meu amorzinho.
Scott ficou tão vermelho quanto uma cebola e logo Kyrie soltou uma risada.
— Amorzinho? Que piada! —, disse Kyrie, tirando sarro de Scott. — Bom, não que
eu esteja achando ruim a união de vocês dois... eu até acho que os dois pombinhos
combinam. — Kyrie voltou a rir.
— Você está namorando mesmo com ela? —, indagou Kiros.
Scott apenas balançou a cabeça positivamente.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Bom, então agora sou eu. — Disse Marco. — Eu sou Marco Chains, e por incrível
que pareça, eu apenas tenho doze anos. Sou um centauro e não gosto tanto de lutar, por
isso eu decidi que vou estudar na área de suporte da academia. Talvez na mecânica.
— Sério? —, indaguei. — Interessante.
— Sim. Eu acho bem mais segura essa área, além de quê, eu sempre posso trabalhar
como guia, assim como faço nas minhas horas vagas. — Ah! Isso é interessante contar.
Eu entrei na academia Cronos faz bastante tempo, acho que com meus oito anos de idade.
Quando fiz dez, eu, como não tinha notas altas na categoria de missões físicas, tive que
ingressar em um trabalho extra da própria academia para subir minhas notas, e assim eu
acabei ficando como guia dos caçadores. Eu acho que é um trabalho bom, as pessoas do
grupo de caçadores da cidade são muito gente boa, sabem?
Interrompendo Marco, dois garçons se aproximaram de nossa mesa e distribuíram
as pizzas, logo depois trouxeram as nossas bebidas.
— Bom... deixe eu terminar com isso. — Marco deu uma mordida em sua pizza de
frango. — Vocês sabem para onde ingressaram quando forem aprovados pela academia?
Para os caçadores talvez, ou para o exército pessoal da academia...
— Eu e Scott tínhamos decidido ingressar nos caçadores. Não sei se ele mudou de
ideia, mas isso foi uma questão boa. — Disse Kiros.
— Eu não sei muito bem —, logo disse Scott. — Muitas pessoas estão ingressando
aos caçadores ultimamente e a quantidade de vagas caiu muito.
— E o resto de vocês? —, indagou Marco.
— Eu pretendo ingressar na área de pesquisas da academia. Eu não sou boa em
combates, então não conseguiria ingressar nem aos caçadores nem no exército do campus.
— Disse Alice.
— Eu por outro lado pretendo entrar no exército da academia, assim como Ártemis
me pediu que eu fizesse. — Disse Alexis.
— A deusa...?! —, exclamou Angelica.
— Tente manter sua compostura, garota. — Mas sim, é a própria deusa Ártemis. Eu
sou uma de suas caçadoras.
— Você poderia nos contar tal coisa, já que é sua vez agora. — Disse Marco.
— Vocês acham isso realmente interessante?
Todos afirmaram que era interessante.
— Bom, então por mim tudo bem. — Disse Alexis. — Eu me chamo Alexis Agni,
tenho quinze anos e sou uma das caçadoras da deusa Ártemis. Antigamente eu era apenas
uma ninfa da floresta, a protetora de uma árvore. Mas mal eu sabia que tal árvore tinha
sido plantada pela própria Ártemis. Nós viramos amigas a princípio, e pouco a pouco eu
fui ganhando sua confiança e depois de alguns anos, ela me pediu para ser uma de suas
caçadoras. Acabei encontrando novamente Kiros, Scott e pela primeira vez, Toya. Eles três
estavam em uma missão e eu decidi ajuda-los... foi nesse dia que eu deixei de ser uma
ninfa, ficando apenas com o título de caçadora.
— Eu mesmo não sabia que havia como... —, disse Kiros. — Eu mesmo achei
estranho quando vi você fora daquele bosque.
— Foi uma permissão especial da própria Ártemis. Se não fosse por ela, eu nunca
teria vindo com vocês para cá. — Bom, acho que isso é tudo por hoje.
— Yuki? —, chamou Kyrie cutucando-o no ombro.
— Ãn? Já sou eu? —, indagou Yuki enquanto terminava seu terceiro pedaço de
pizza.
— Sim, seu comilão, já é você. — Kyrie suspirou.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Todos riram.
— Me desculpem por isso. — Yuki riu. — Bem, eu me chamo Yuki Garou, tenho
treze anos e sou um semideus. Sou filho de Hades.
— Hades? —, indagou Angelica. — O deus dos mortos, você diz?
— Sim, é esse mesmo. — Kyrie respondeu enraivado. — Algo contra?
— Não, não...
— Ignore meu irmão... —, disse Yuki. — Ele odeia quando ficam citando o nome de
nosso pai, pois sempre o atribuem como o cara mal, coisas do tipo. Mas meu pai é
praticamente ao contrário do que dizem.
— Ele é idiota, irônico até dizer chega, não saber calar a boca e por cima de tudo,
gosta de me encher o saco, só por que sou o filho mais velho. — Kyrie suspirou.
— É quase isso. — Yuki riu. — Eu posso dizer que meu pai é bastante protetor,
brincalhão até nas horas que ele não deve. Mas continua sendo um bom pai.
— Eu até sei o que você poderia falar, mas isso vai demorar, Yuki. — Disse Kyrie.
— Passe logo esse bastão e deixe-me falar.
— Está bem.
— Eu sou Kyrie Garou, irmão mais velho desse garotinho ingênuo aqui e filho de
Hades, mas ao contrário do que vocês possam estar pensando, eu não sou filho da mesma
mãe que ele e muito menos sou um semideus.
— Kyrie, isso era uma das coisas que eu gostaria de ter te perguntado enquanto
estávamos na antiga cúpula de Kira. — Disse Alexis. — Se Hades é o seu pai, mas você
não é filho da mesma mãe que seu irmão Yuki... quem seria então a sua mãe?
— Vocês querem mesmo saber? —, indagou Kyrie.
— Se você não nos contar é só perguntarmos depois para seu irmão. — Disse Kiros.
— Eu não sei quem ela é —, disse Yuki. — Ele nunca me contou isso e eu também
nunca conseguir fazer tal coisa.
— Então nada mais justo que você contar para todos agora, não é? —, indagou
Alexis. — Isso não irá te matar.
— Talvez. — Kyrie riu ironicamente.
— Como assim talvez? —, indaguei a Kyrie. — Sua mãe é...
— Minha mãe é a Senhora Morte, a própria irmã de um dos quatro cavaleiros do
apocalipse. É isso.
— Então... o que você é? —, indagou Angelica. — Você não é um humano, muito
menos uma criatura como eu, ou como o Scott ou como o restante das pessoas aqui.
— Sou um Ceifeiro de Almas. — Bom, é assim que o idiota do meu pai me chama.
Eu não estudava em nenhuma academia, já que meu velho quis porque quis me treinar
sozinho. Ao fazer dez anos, eu pedi para que ele me deixasse ir para essa academia que
estamos agora. Eu fiquei por dois anos, mas depois saí em uma pequena missão. Acabei
encontrando vocês aqui nesta cidade, na central dos caçadores. E acabei me juntando a
vocês, pois tinha a intuição que meu irmão poderia estar por lá. — No final, eu acabei
estando certo quanto a isso.
— Você odeia mesmo seu pai, né? —, indaguei.
— Eu não o odeio. — Respondeu Kiros. — Eu apenas o acho irritante, assim como
eu acho um monte de gente irritante, então ele não é especial ou algo do tipo.
— Entendi.
— Bom, eu já acabei com a minha historiazinha, agora é sua vez.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Okay. — Falei. — Eu sou Toya Vincent, tenho treze anos e sou um humano. Eu
tenho controle sobre a antiga arte da alquimia, e é apenas isso que me torna diferente de
qualquer um outro humano por aí.
— Entendo tal coisa. — Disse Wally.
— Faz um tempo desde que entrei nesse meio de vocês. Isso foi quando minha mãe
morreu, nós estávamos indo visitar minha avó e uma tragédia aconteceu naquela estação
de ônibus. Um minotauro enorme destruiu o teto do ônibus que eu estava e matou muita
gente naquele dia, isso inclui a minha mãe. — Eu realmente sinto ódio por tal coisa, já que
isso foi por minha causa. Pessoas com poderes, atraem monstros e criaturas místicas...
mas isso tudo não foi de todo mal. Eu acabei conhecendo Kiros e o Scott, que foram as
pessoas que deixaram meus dias na antiga academia mais suaves. — Eu realmente
agradeço por você ter me salvado naquele dia, Kiros. Eu não sei qual foi a real intenção
daqueles alunos, mas naquela época eu não poderia ter feito nada.
— Por nada. — Disse Kiros. — Eles tiveram o que mereceram.
— Tive várias missões desde então. Mas algumas bem marcantes, como essa ida ao
Egito. Onde acabei conhecendo alguns de vocês, como a Alice e você, Uriol. A princípio
você estava no grupo dos “malvados”, tanto que você criou uma confusão com Scott na
central dos caçadores. Mas eu não o culpo, eu sei que você teve seus motivos.
— Eu me desculpo por tal coisa. — Disse Uriol a Scott. — Eu agi por instinto, estava
com raiva.
— Não tem problema. — Disse Scott. — Mas eu não irei perder na próxima vez que
tivermos que lutar.
— Não pense que irei pegar leve só porque ficamos amigos. Eu irei lutar com todas
as forças. — Uriol me fitou. — Isso vale para você também, Toya. Eu ainda irei querer
minha revanche, e dessa vez eu não cairei em suas ilusões.
— Um dia, quem sabe. — Eu ri. — Bom, é a sua vez, Ceres.
— Ok. — Disse ela. — Eu me chamo Ceres Highwind, tenho quatorze anos e sou
uma semideusa. Sou filha de Poseidon, o deus dos mares. Minha história é bem básica,
eu sempre vivi junto a meu pai, quando ele viajava eu ia junto e sempre acabava mudando
de academia no processo. O caso dessa vez é o mesmo, soube que o Olimpo veio parar aqui
na cidade de Los Angeles e meu pai teve que se mudar para cá, por enquanto. Eu realmente
espero que nós possamos nos dar bem nesse tempo que eu passe aqui, e que possamos
ser todos amigos. — Bom... acho que isso é tudo por ora. Pode ir, Alice.
Alice assentiu.
— Eu me chamo Alice Strife, tenho treze anos e sou uma Meio-Banshee. Meu pai é
um humano e um dos Feiticeiros Andrômeda, já minha mãe, ela é uma Banshee pura. —
Disse Alice. — O meu caso é praticamente o contrário do seu, Ceres. Meu pai sempre teve
que ficar em uma única cidade, que é onde se encontra a maior cede dos caçadores do
mundo e também onde fica o quartel general dos Cavaleiros Escarlate, aqueles que são
controlados pelos feiticeiros, isso incluindo meu pai.
— Você já conheceu algum cavaleiro, Alice? —, indagou Uriol. — Eu já os vi pela
televisão, mas meu sonho é conseguir um autografo do sétimo cavaleiro, o senhor Atlas.
— Não, eu nunca pude ir para aquela cidade, junta de meu pai. Eu sempre estive
sobre os cuidados do diretor da academia Gaia, e só.
— Ah, que pena...
— Bem... eu acabei passando a maior parte do meu tempo na academia Gaia, isso
até acontecer o incidente que aconteceu... por ela ter sido praticamente destruída, o diretor
de lá, transferiu a todos nós para essa academia daqui. — Bom, acho que é tudo.
— Bem na hora. — Disse Kyrie.
— Ãn? — Como assim? —, indagou Alice.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
sua jaqueta totalmente surrada que ia até suas coxas. Não entendo como ela não estava
tremendo de frio. Ela e todos os outros três.
O próximo era um garoto de cabelos pretos curtos e lisos na altura dos ombros,
veste um colete matelassê masculino preto sem capuz ou mangas e uma calça de couro
marrom escura. Também estava usando botas de couro pretas e luvas da mesma cor.
Finalizando, estava uma garota ao seu lado, praticamente idêntica ao rapaz do lado, só
que com os cabelos de cor violeta em um corte chanel curto na altura dos ombros, estava
usando um vestido roxo com babado e uma fita branca na cintura, uma tiara na cabeça e
uma longa calça preta. Assim como o garoto ao lado, ela também usava botas e luvas
pretas.
— Tente ser breve. — Disse a garota do vestido roxo.
— Eu farei o que eu quiser. — Respondeu o garoto do lado dela então começando a
se aproximar de nós lentamente.
— Eu conheço essa sensação. — Disse Kiros. — Ele quer lutar.
— Ele está vindo sozinho, não será grande coisa. — Disse Scott.
— Você ficará aqui, junto de Uriol e Yuki. Protegerão as garotas caso os outros três
tentem algo contra elas. — Disse Kiros. — Kyrie e Toya, venham comigo. Ele tem cara de
não ser um inimigo comum.
Nós três começamos a andar em direção do garoto que vestia o colete preto, tal
caminhada parecia estar em câmera lenta como nos filmes de heróis. Se eu fosse escolher
uma música para esse momento, teria de ser essa: ♫ X Gon' Give It to Ya ♪.
Acabamos por ficar a uns dois metros de distância do garoto da nossa idade, apenas
esperando ele fazer o primeiro movimento.
— King! Se você vai fazer algo faça logo seu imbecil! —, gritou a garota da tatuagem
de dragão.
— Fique quieta Juli! Meu computador está analisando esses três. — Disse King.
— Nossa... eu pensei que você não soubesse planejar antes de fazer um ataque. —
Disse Juli. — Bom, trate de fazer isso logo e acabe logo com esses três!
— Que saco... —, bufou King. — Bem, é ordens da patroa. Espero que não achem
ruim se vocês acabarem quase mortos... mas eu duvido que vocês fossem cooperar
conosco.
— Dependendo do que vocês forem querer... —, disse Kiros.
— Nós queremos vocês do nosso lado, o mestre Fobos e o senhor Crio estão atrás
de pessoas poderosas que possam ajudar na derrubada do Olimpo. — Disse o outro garoto
que tinha se sentado no chão e cruzado os braços.
— É exatamente isso que o meu parceiro Kai disse. Ou vocês se juntam a nós, ou
teremos que fazer tal coisa a força e se ainda assim vocês negarem, vocês serão tratados
como inimigos do mestre Fobos. — Disse King.
— Então foram vocês que atacaram o coração de Gaia... —, disse Kiros.
— Não fomos nós exatamente, mas outros dois de nosso grupo ajudaram o próprio
mestre Crio a atacarem tal núcleo. — Disse Juli. — Por isso, vocês já podem notar nossa
força.
— E aí? Vão se juntar a nós, ou terá de ser da forma difícil?
— Nós nunca faríamos isso! —, exclamei. — Vocês são malucos! Seguindo ordens
desse titã... os deuses já derrotaram os titãs uma vez, e uma segunda vez não será difícil!
— Se é assim. — Disse King. — Preparem-se para lutar!
King investiu mais que velozmente logo desferindo um soco contra Kiros, que apenas
defendeu com seus braços.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Você tem ótimos reflexos. — Disse King. — Mas não irá aguentar a força de meus
socos.
Nós recuamos rapidamente, e eu apenas pude notar que os braços de Kiros
tremiam... logo ele falou:
— Tomem cuidado, ele é extremamente forte. — Disse Kiros. — Meus braços ficaram
dormentes só com esse soco.
— Toya, fique atrás de nós. — Disse Kyrie. — Kiros e eu faremos a parte da
vanguarda, você será aquele que nos auxiliará. Certo?
Eu balancei a cabeça positivamente.
— Ótimo. Então vamos lá, Kiros! —, exclamou Kyrie. — Não me desaponte agora.
Vindo de um pequeno vórtice negro, a katana de Kyrie apareceu em sua mão e logo
ele junto de Kiros avançaram contra King.
Kiros desferiu um soco no rosto dele, acertando em cheio, Kyrie aproveitando a
oportunidade, atacou-o lateralmente com a lâmina de sua katana.
— Acha que isso vai me machucar? —, indagou King que havia segurado a lâmina
da katana de Kyrie. — O seu soco não foi grande coisa também. — Ele fitou Kiros e desferiu
um chute contra o seu estomago, o que o fez voar alguns metros.
— Kiros! —, gritou Kyrie.
— Foque em si próprio, ou acabará como ele. — Disse King logo desferindo um soco
no estomago de Kyrie.
Eu fiquei paralisado, vendo Kyrie se curvar de dor... King agarrou a gola da camisa
de Kyrie e o levantou alguns centímetros do chão. Eu não tinha a menor chance contra
esse garoto... nenhuma.
— TOYA! —, exclamou Ceres. — Você vai ficar parado sem fazer nada?!
Instintivamente minhas mãos se juntaram e logo eu toquei o chão com elas. Logo
abaixo de King, o chão rachou e ele perdeu o equilíbrio, dando a chance de Kyrie o atacar
novamente com sua espada, acertando o ombro de seu alvo com sua lâmina, ele conseguiu
se soltar. Kiros no mesmo instante apareceu desferindo um soco contra o rosto de King, o
que fez ele cair no chão a um metro de distância de onde ele estava anteriormente.
— Mas que merda... —, praguejou Kiros. — Do que você é feito cara?!
— Eu sou feito de um metal inoxidável bastante resistente. Sou um androide. —
Respondeu King. — Eu sou o número 18! —, ele então estendeu sua mão mirando Kiros e
atirou contra ele pela palma de sua mão, uma rajada de energia condensada.
Kyrie entrou na frente da energia e a rebateu com sua katana, logo estendendo a
mão, ajudando Kiros a se levantar.
— Valeu. — Disse Kiros.
— Deixe os agradecimentos para depois, foque em derrotar esse robô aí! —, disse
Kyrie.
— Eu sou um androide! —, King furiosamente desferiu um soco contra Kyrie, que
apenas se defendeu com bastante esforço, utilizando a lâmina de sua katana.
Kiros desferiu uma rasteira em King, mas o mesmo desviou dela pulando para trás
no momento exato.
— Sua pele é resistente o bastante para aguentar tanto meus socos, tanto de ser
cortada por sua katana... nós precisamos de outra forma para derrotar ele.
— Seus socos não causam tanto dano agora, mas em algum momento eles
começaram a fazer efeito. — Disse Kyrie. — Ele pode ser feito de aço, mas não é
indestrutível. Pelo menos eu espero que não seja.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eu tenho uma ideia... — Kiros me fitou. — Toya! Acha que consegue prender ele
no chão ou coisa do tipo?
— Sim. — Respondi. — Eu posso usar a alquimia para fazer isso.
— Então faça... — Kyrie vai segurar os braços dele e você terá o trabalho de segurar
as pernas assim que eu ordenar. Se a teoria de Kyrie estiver certa, ele sentira dor com uma
quantidade excessiva de golpes em um ponto só, mesmo que ele seja de aço.
— Certo. Eu irei me preparar para o seu sinal. — Falei.
— Vamos! Venham para cima de mim! —, disse King.
Kiros fitou Kyrie e acenou com a cabeça.
— Se é isso que quer, então aí vou eu! —, exclamou Kyrie que logo investiu contra
King atacando-o de cima para baixo com sua espada.
King a segurou como da última vez e logo eu notei um sorriso no rosto de Kyrie.
— Agora! —, exclamou Kiros enquanto investia contra King.
Eu coloquei minhas duas mãos no chão e transmutei novamente o piso onde estava
King, fazendo o chão prender as pernas dele, impossibilitando-o de andar.
— Te peguei. — Kyrie então desapareceu e reapareceu atrás de King, logo
imobilizando-o os seus braços a partir das costas.
— Me solta seu verme! —, praguejou King.
— Nem que eu morra. — Disse Kyrie. — Mas eu me preocuparia mais é com meu
colega em sua frente, ele que irá te fazer sentir dor. — Kyrie riu ironicamente.
Começando por um soco no rosto, Kiros desferiu em King uma sequência veloz de
golpes. Sendo eles na cabeça, nas costelas e no estomago. A cada golpe, Kiros aumentava
a velocidade e a sua força, coisa que fez King começar a se envergar de dor.
— Eu já disse para me soltar! —, exclamou King conseguindo se soltar da
imobilização de Kyrie, logo desferindo uma cotovelada contra o rosto dele.
Kyrie caiu no chão tonto, e logo King estendeu suas duas mãos para frente, soltando
uma rajada de energia bem maior do que da última vez, a queima roupa. Kiros acabou
voando por três metros novamente, só que desta vez eu tinha certeza de que ele não iria
mais se levantar. Tanto seu casaco, tanto sua blusa que estava por baixo rasgara com a
rajada de energia recebida e eu pude ver que seu corpo estava com sérias queimaduras.
Sem perceber, King estava face a face comigo e logo desferiu um soco contra meu
estomago, que me praticamente me nocauteou. Eu caí no chão, e a minha visão estava
turva, mas pude notar que alguém tinha ido para cima de King novamente e pela voz este
alguém fora Scott...
Minha visão estava sendo recobrada aos poucos, e o que pude ver foi apenas Scott
sendo levantado por King, que o erguia apenas com seu braço direito, logo estendendo o
esquerdo para desferir um soco nele.
— Já chega. — Disse o companheiro de equipe de King, o outro garoto chamado Kai.
Ele havia chegado ao lado de King em um piscar de olhos e o tocou no ombro
esquerdo.
— Solte-o, Cloud. — Disse Kai para King. — Eles já viram que não são páreos para
nós. Já devem ter percebido que é inútil lutar...
— Hmpf... Eu já disse que não é para você me chamar por esse nome. — King então
o soltou.
Scott tossiu e pôs a mão em sua garganta.
— Você vai pagar por isso! —, exclamou Scott.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Quieto. — Disse Kai, que acertara um golpe no peito de Scott, utilizando a ponta
de seus dedos, fazendo-o cair no chão, paralisado. — Aqui está o aviso do nosso mestre,
Fobos. Quem não se juntar a nós será considerado inimigo na guerra contra os deuses...
eu darei a vocês três dias para decidirem em qual lado ficaram. Qualquer coisa, entrem
em contato conosco. Nossos números e e-mails estão na internet. Procurem por Hydra. É
só isso. — Ele então se virou e King o seguiu.
Logo eu acabei não aguentando e desmaiei.
- 160 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
XVI
— Urgh... onde estou? —, eu me ajeitei na cama em que estava.
— Ei! Não se esforce! —, exclamou Ceres. — Você lembra do que aconteceu ontem
à noite? Vocês acabaram desmaiando então nós trouxemos todos vocês até a enfermaria
da academia o mais rápido que conseguimos.
— Kiros e você foram aqueles que mais sofreram danos. — Disse Kyrie que estava
na cama ao meu lado direito. — Por sorte aquele androide não nos matou... também foi
ridicularizante a forma como perdemos ontem à noite. Ele lutou e venceu de nós três
facilmente, nem mesmo Kiros estava conseguindo dar golpes efetivos nele... mas uma coisa
eu não entendo...
— O quê? —, indagou Ceres.
— Kiros tinha confiança total de que aquele ataque em conjunto iria funcionar...
mas nós nem ao menos cogitamos em usar nossas técnicas especiais contra ele. Por que
nós fomos atraídos para um combate físico? Eu não entendo isso...
— Eu também senti isso. — Falei. — Não foi apenas você que se sentiu atraído para
um combate sem técnicas especiais.
— Isso é bem estranho. — Disse Ceres. — Pois as coisas poderiam ter sido diferentes
se vocês tivessem usado todos os seus poderes.
De repente, a porta da enfermaria abriu e três pessoas entraram, sendo elas, Alice,
Yuki e Alexis.
— Todos já acordaram? —, indagou Alexis.
— Kiros ainda dorme. — Disse Ceres. — A enfermeira disse que suas queimaduras
não eram normais. Mas também disse que seu fator de cura faria todo o trabalho, e que
era para deixarmos ele descansando.
— Entendo... —, Alice sentou-se em um banquinho ao lado da cama onde estava
Kiros e se virou para minha direção.
— Eu tenho uma notícia para dar a vocês. — Disse Alexis.
— O que aconteceu? —, indaguei. — Notei que você estava agitada assim que entrou
na enfermaria.
— Lembram do que as pessoas daquele grupo de ontem disseram?
— Sobre eles estarem recrutando pessoas fortes? —, indagou Kyrie.
— Sim.
— O que tem isso?
— Assistam isso... está por toda a internet. — Alexis então ligou seu celular na
televisão da enfermaria.
Um pequeno vídeo começou a carregar, e logo todos nós pudemos ver as quatro
pessoas de ontem, junto de outras seis pessoas desconhecidas, sendo três delas mais
velhas do que o restante do grupo.
Logo, aquele que estava ao meio de todos deu um passo à frente, e com um
microfone em mãos, ele começou a falar.
— Olá a todos, eu sou Fobos, o deus do medo. — A voz dele era metálica e
assustadora, posso dizer também que ele vestia apenas um manto preto com um capuz
que cobria seu rosto. — Esse ao meu lado esquerdo é Deimos, o deus do terror. E por fim,
o nosso mestre, Crio, o titã da obscuridade e da guerra. Nossos seguidores, estes que vocês
podem ver ao nosso redor aqui neste vídeo, adquiriram poderes inimagináveis. Tanto de
mim, tanto de meu irmão Deimos, tanto de nosso grande mestre, Crio. Mas tudo isso com
um breve preço, que é servi-lo e ajuda-lo com sua ambição, que é a da destruição total do
Olimpo!
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Ele então passou o microfone para o homem ao seu lado, ele também vestia um
manto preto com o capuz cobrindo o seu rosto, só que era bem mais alto que Fobos.
— Como meu irmão já disse, eu sou Deimos, o deus do terror. Eu vim trazer uma
breve mensagem para vocês, que é nada mais que um convite de nosso grande mestre,
Crio. — A voz de Deimos era diferente da do seu irmão, sendo ela bem mais grave, mas
não tão assustadora. — Eu peço a todos do mundo que colaborem conosco! Procurem pela
Hydra e juntem-se a nós! O Olimpo não terá chance alguma contra nós... e aqueles que se
recusarem a cooperar, sofreram as consequências, automaticamente sendo classificados
como inimigos do grande mestre Crio!
Por fim, o microfone foi passado para um dos membros do grupo, e esse era alguém
que já tínhamos visto na noite passada: Kai, o garoto misterioso que fez Scott desmaiar
com um golpe apenas.
— Eu sou o líder do esquadrão comandado por Fobos e Deimos, a Hydra. E peço
para que os interessados me contatem pelo e-mail que aparecerá na tela... todos terão
apenas três dias para se juntarem a nós, e aqueles que não fizerem, estarão condenados
quando o dia da guerra chegar. — Disse Kai.
O vídeo então se encerrou e a enfermaria ficou em silêncio.
— Bem ousados. — Disse Kyrie.
— Só ousados?! —, exclamou Alice. — Você entendeu nossa situação pelo menos?!
Foram eles que atacaram o cristal de Gaia! Eles estão causando toda essa confusão
descomunal!
— Acalme-se... eu apenas fiz um... —, tentou dizer Kyrie.
— Não! Eu não irei me acalmar em uma situação dessas!
— Tenha calma. — Disse Kiros tocando no ombro de Alice.
Todos voltaram seus olhares para ele, inclusive eu. Kiros ainda vestia sua calça
rasgada e estava totalmente enfaixado no peito, cintura e braços. Seu rosto por milagre
estava intacto, mas em um ponto ou outro podia-se ver sinal das queimaduras em estado
de regeneração.
— Ficar desesperada não adiantará de nada. — Disse Kiros. — Mesmo que nós
tenhamos todo o planeta contra nós, a gente deve manter a calma e então lutar.
— Mas... —, uma lagrima desceu pelo rosto de Alice. — Nós não vamos ter chance
contra um titã!
— Os deuses estarão ao nosso lado, não irão? —, indaguei.
— Infelizmente não. — Disse Kyrie. — Fobos e Deimos são deuses menores, então
podem andar livremente pela terra e se intrometer na vida dos humanos sem causar
grandes estragos. Mas os deuses maiores foram proibidos de se intrometerem nos
problemas dos mortais, nem o meu pai ou o pai da Ceres poderia nos ajudar nisso, já que
eles fazem parte dos 12 maiores. — Mas uma coisa eu não entendo... como aquele titã
conseguiu escapar do tártaro...
— Alguém desejou que ele estivesse de volta. — Disse Kiros. — Humanos com
grande poder e força de vontade podem fazer tais pedidos... mesmo que esse titã esteja
aqui na terra, ele não poderia fazer muita coisa sozinho.
Alice enxugou as lágrimas e olhou para Kiros.
— Isso é verdade? —, ela continuava a soluçar.
— Humanos poderosos podem invocar eles, mas sempre seus corpos são tomados
pelos titãs, e com isso acontecendo os próprios titãs ganham o controle de suas ações, mas
não podem fazer grandes coisas. — É por isso que eles estão tentando recrutar o máximo
de pessoas a todo o custo...
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Mas se eles tiveram a ousadia de fazer um vídeo, então quer dizer que eles já têm
a quantidade de pessoas que precisam. — Disse Kyrie. — Uma forma tão ousada apenas
fez o trabalho de alertar o mundo inteiro de que uma guerra irá acontecer, e
provavelmente...
— Provavelmente? —, indagou Alice.
— Eu espero que os outros continentes façam uma proibição de entrada e saída de
qualquer pessoa com poderes. Se isso acontecer...
— Crio, Fobos e Deimos não terão tanto poder assim, apenas dependendo das
poucas pessoas más dos continentes Americanos. — Completou Kiros.
— É exatamente isso.
— Então os outros países vendo essa transmissão feita pela internet, irão proibir o
trafego de pessoas que conseguem controlar sua energia espiritual? —, indaguei. — É isso
que quer dizer?
— É o que eu espero que aconteça. — Disse Kyrie. — Uma vez meu pai me contou
que algo assim já aconteceu tempos atrás, só que não foi em nosso continente, mas sim
no continente europeu. Lá, os deuses nórdicos que comandam tudo, assim como fazem os
deuses gregos aqui, nas américas. Uma guerra estava acontecendo por lá, tudo estava um
caos, mas os próprios deuses não quiseram que nós os ajudássemos dessa vez, não
diretamente.
— Como assim não diretamente? —, indagou Ceres. — Você está deixando todos
confusos.
— A ajuda que nossos deuses deram ao povo do continente europeu foi a proibição
do trafego das pessoas, isso daquelas que possuíam controle sobre suas próprias energias
espirituais, de irem para lá. Pois ficariam por conta própria, nem o lado do “bem”, nem o
lado do “mal”, ganharia algum reforço vindo de fora. Entenderam agora?
— Então essa guerra será nós, e apenas nós? —, indaguei.
— Eu tenho 99,9 por cento de certeza disso. — Disse Kyrie. — Então não se
desesperem atoa. Nós temos sim chance contra eles, mas nós teremos de lutar com tudo
que temos nessa guerra que virá.
Naquele mesmo instante, nós ouvimos um microfone sendo ligado e a voz do diretor
testando ele.
— Eu já esperava isso. — Disse Kyrie.
— Esperava o quê, irmão? —, indagou Yuki.
— A pronunciação do próprio diretor sobre o que estávamos falando. — Um discurso
moral talvez...
— Isso está ligado? Ótimo. —, pôde ouvir o diretor Mustang falar pelo microfone. —
A todos os alunos que ainda estão neste campus, por favor, escutem minhas palavras e
meu apelo a vocês.
— É, eu estava certo. — Disse Kyrie.
— Eu sei que praticamente todos daqui do campus viram tal transmissão feita pela
organização Hydra, e para aqueles que não viram ainda por favor, vejam após o termino
dessa minha mensagem. Isso fará vocês entenderem melhor o que eu irei falar a seguir...
— A voz do diretor falhou. — O indicio de alunos daqui do campus caiu pela metade, várias
outras academias também relataram o mesmo caso do sumiço repentino de seus alunos e
isto nos preocupou um pouco. Crio, o titã, conseguiu juntar forças mais rápido do que
pensávamos que ele poderia fazer, e uma guerra acontecerá em breve... muito em breve.
— Nossos veteranos foram mandados em missões de busca, reconhecimento e analise dos
inimigos, algo arriscado, mas preciso. Não pretendo dizer nossas táticas de batalha aqui e
agora, isso por conta de ainda ter a chance de possíveis traidores ainda estarem no
campus, coisa que trataremos de erradica-los o mais rápido que possível. Mas não se
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
preocupem, aqueles de bom coração estarão a salvo, pois todos os nossos professores
checaram a situação de cada um de vocês. E aos novatos, ou ainda inexperientes... não se
desesperem. Vocês serão treinados devidamente e especialmente por cada professor que
foram designados a vocês, e só aqueles que estarão dispostos e prontos para a guerra que
participaram dela. Isso é tudo.
O microfone então ficou mudo.
— A coisa está muito pior do que eu imaginava... —, disse Kiros. — Praticamente
cinquenta por cento do campus sumiu? Isso pode ser ruim.
— Não fale tal coisa. — Disse Kyrie. — Nós só precisamos ficar muito mais fortes do
que já estamos e pronto, não há mistério.
— Você diz isso como se fosse algo fácil a se fazer. — Disse Alice.
— Eu nunca disse que será fácil... isso será a coisa mais difícil que nós teremos de
enfrentar. Todos nós teremos treinamentos especiais dados pelos professores que ficaram
com nossos esquadrões, eu estou ansioso para isso. — Mas o que nós não podemos fazer
é ficar de braços cruzados e esperar pela morte.
— Ele está certo, Alice. — Disse Alexis. — Todos nós estamos com medo do que irá
acontecer, mas nada é certo ainda. Nós faremos o que tem de ser feito, e nada mais.
Então novamente o microfone soou.
— É, vocês estão me ouvindo? Espero que sim... —, só que dessa vez não era o
diretor Mustang. — Aqui quem vos fala é o professor Floyd, e peço àqueles que participam
dos esquadrões 6, 7, 12 e 13, que compareçam ao campo de treinamento A imediatamente.
Isso é tudo.
O microfone ficou mudo.
— Parece que tudo isso será como uma partida de xadrez. — Disse Kyrie. — E nós
seremos os peões.
— Peças para sacrifício? —, indaguei confuso.
— Não. — Kyrie riu. — Nós seremos aqueles que serão parte principal do jogo, e
talvez com sorte cheguemos ao final do campo inimigo e nos transformemos em algo
melhor, coisa que irá virar as coisas para o nosso lado.
Kyrie então levantou-se de sua cama.
— Vocês irão ficar aí parados? O nosso instrutor nos chamou de imediato. — Ele
então virou as costas e saiu da enfermaria.
Yuki correu atrás dele, saindo da enfermaria em seguida.
— Foram três dias que eles deram para as pessoas entrarem no grupo né? —,
indagou Kiros. — Eu imagino o que vai acontecer depois desses três dias.
Ele então começou a andar em direção da saída da enfermaria e nós o seguimos.
— Kiros! —, chamou Alice. — Você não está sentindo dores?
— Não. — Parece que meu fator de cura melhorou bastante depois de termos feito
aquele treinamento com Kira. Uma noite foi o suficiente para me curar dessas
queimaduras.
— Seu corpo estava horrível... — Você foi aquele que sofreu mais danos ontem à
noite...
— Bom, eu sou aquele que mais tinha chance de sobreviver depois de receber um
golpe daqueles. — Kiros riu. — Mas eu vou dar o troco naquele androidezinho. Vou ficar
forte o bastante para conseguir destruir seu corpo feito de aço. — Bom, vamos adiantar o
passo, vamos alcançar aqueles dois.
Nós acabamos passando nos nossos dormitórios e então trocamos nossas roupas
por algumas menos... rasgadas. Por sorte, apenas minha calça havia rasgado, mas Kiros
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
por outro lado, havia perdido sua blusa e seu casaco, que substituía a sua jaqueta dada
por Kira. As garotas fizeram o mesmo, trocando suas roupas para algo mais leve, preparado
para o treino e então nós seguimos para a campo de treinamento A da academia, que se
localiza no segundo andar no campus.
... ... ... ... ...
Chegando lá, nós nos reagrupamos com Kyrie e Yuki. Estavam lá também, Marco,
Uriol e alguns do esquadrão 12, Lance e Fuschia.
— Várias pessoas não compareceram... —, disse Floyd. — É uma pena o número ter
caído drasticamente, mas é uma coisa boa para vocês que ficaram.
— Nossos colegas nos traíram... como isso vai ser uma coisa boa?! —, exclamou
Uriol. Meus dois antigos parceiros de equipe não estão aqui... todos sumiram ontem à
noite.
Pude notar que nosso esquadrão perderá dois de seus membros, assim como o de
Kyrie e o de Lance Wolf também... e no meio disso tudo, eu notei uma coisa que eu não
esperava.
— Scott... —, ao começar a falar Kiros me interrompeu.
— Sumiu. — Disse Kiros desapontado. — Não esperava que ele fosse um dos que
decidiriam ir para o lado da Hydra...
— Eu entendo que vocês possam estar chateados, desapontados ou até com raiva,
mas isso deve acabar agora. — Disse Floyd. — O treinamento que eu e os outros três
instrutores passaremos a vocês decidirá quem irá para essa guerra, quem sobreviverá ou
não... por isso eu quero que todos foquem suas mentes ao treinamento, pois suas vidas
dependeram disso. — Entenderam?!
— Sim senhor! —, todos nós gritamos em uníssono.
— Ótimo. Pelo menos o espirito de vocês continua intacto, mas agora eu tenho uma
notícia para dar a vocês. — Como o número de vocês caiu, algumas equipes estariam
desbalanceadas em questão de números e nós, instrutores, decidimos que o primeiro a
dar aula a vocês separaria todos os alunos restantes em dois grupos iguais.
— E como isso irá ficar? —, indagou Lance.
— Entrará no esquadrão 7 as seguintes pessoas: Toya Vincent e Alexis Agni,
somando 7 pessoas no grupo. E no esquadrão 13 entrarão o restante: Kyrie Garou, Yuki
Garou, Ceres Highwind e Uriol Hogan. — Disse Floyd. — Ficará desta forma.
— Instrutor Floyd, eu andei pensando, o senhor disse que era um professor de artes
marciais, mas que tipo? —, indagou Kyrie.
— Sou mestrado em Muay Thai, Boxe, Jiu-Jitsu, Tae-kwon-do e Judô. — Irei
repassar a vocês, o que acho que lhes servirá para um combate real. Nada complicado,
apenas o efetivo. Mas claro... o treino de vocês não será normal.
— Por que diz isso? —, indagou Lance. — Você irá adicionar algo sobrenatural a ele?
— Pode-se dizer que sim. — Disse Floyd com um sorriso no rosto. — Venham
comigo, vou lhes mostrar o local onde vocês treinaram de agora em diante. Apenas eu e os
outros três instrutores temos a chave de tal local, então já esperem que o restante dos
instrutores, além de mim, também utilize tal local.
Nós seguimos o instrutor Floyd até chegarmos ao final daquele campo de
treinamento. Estávamos frente a frente com um galpão antigo, que logo Floyd o abriu.
— Voilá. — Disse Floyd. — Este é o local onde vocês treinaram a partir de hoje.
— Um galpão velho? —, indagou Kyrie. — Quanta sofisticação.
— Isso realmente não importa. — Disse Kiros. — O que eu quero saber é que tipo
de treinamento diferenciado nós podemos ter aqui dentro.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Agora que todos estão aqui dentro, eu irei selar a porta novamente. — Disse Floyd
ao colocar a chave novamente na fechadura da porta. — E agora eu devo explicar as
funcionalidades desta sala, e como será o meu treinamento. Vocês podem ficar à vontade
por enquanto que eu explico, ok?
Todos nós nos sentamos no chão mesmo e ficamos atentos para cada detalhe que
seria passado por Floyd, naquele momento.
— Esta sala, galpão antigo, chamem como vocês acharem melhor, era usada
anteriormente como um local para torturas dentre outras coisas muito piores que eu não
pretendo contar a vocês. Só que o diretor acabou percebendo que tal sala também servia
para fazer treinamentos muito mais árduos que o normal, e isso por conta das seguintes
coisas: primeiro, esta sala tem um sistema de anulação de magia ou de qualquer coisa que
tenha envolvimento com ela. Ou seja, transformações, técnicas especiais ou qualquer
utilização de itens mágicos serão anulados aqui nesta sala, e é exatamente isso que eu irei
abordar aqui em meus treinamentos.
— Instrutor, eu tenho um questionamento. — Disse Uriol.
— Faça-o.
— O senhor disse que ela anula qualquer envolvimento mágico, certo? Mas essa
anulação seria direta ou indireta? Por exemplo, eu como um vampiro, eu mesmo já tenho
minhas próprias habilidades e técnicas não-elementais dadas por minha raça. Isso
também se aplica a Kiros, que é um lobisomem. Mas o que eu gostaria de saber é: Meus
poderes seriam anulados e eu ficaria como um humano comum aqui dentro?
— É exatamente isso. — Disse Floyd. — Eu irei ensinar artes marciais a todos vocês,
mas, vocês irão aprender assim como um humano normal aprenderia. Sem auxílios ou
artimanhas.
— Isso é interessante. — Disse Kyrie. — Acho que isso será divertido.
— Bom, vamos começar? —, Floyd sorriu entusiasmado. — Se possível, deixem
todos os seus itens sobre aquela mesa ali —, ele apontou —, pois eles serão inúteis agora
e eu acho que quanto menos peso vocês tiverem consigo, melhor.
Todos nós fomos até a enorme mesa ao fundo daquele local e começamos a depositar
nossas coisas lá, aproveitamos também para retirarmos o excesso de roupa que nos
deixaria “pesados”, assim por dizer. Sendo meu sobretudo, ou a jaqueta de Kyrie, por
exemplo.
— Antes de tudo, eu gostaria de saber quem de vocês já teve algum contato com
artes marciais na vida. Peço que levantem a mão.
Eu, Kiros, Fuschia, Lance, Alexis e Kyrie levantamos as mãos.
— Certo, vocês treinaram o que, exatamente? — Começando por você — Ele apontou
para mim.
— Em minha antiga academia eu treinei por alguns meses Muay Thai e Jiu-Jitsu,
com Kiros. Depois de um tempo, eu e meu grupo iniciamos um treinamento especial
enquanto estávamos em uma de nossas missões, e eu passei boa parte do meu tempo
estudando técnicas de Aikido. — Falei.
— Eu apenas treino o Muay Thai, acabei ensinando um pouco do que sei para o
Toya, e para a Alice. — Disse Kiros.
— E o restante? —, indagou Floyd.
— Eu sempre estive treinando com o mestre ancião, aprendi com ele diversas
variações do Karate, e do Kung Fu. — Disse Fuschia.
— Meu pai sempre me ensinou algumas técnicas do karate para minha própria
defesa pessoal. Tudo que sei é graças a ele. — Disse Lance.
— Eu aprendi tudo que sei com meu pai... ele mesmo fez questão de me ensinar o
Kenjutsu, isso além de outras técnicas de defesa pessoal. — Disse Kyrie. — Algumas
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
deste tinha as mangas rasgadas. O outro já era um pouco mais magro, tinha os seus
cabelos castanhos escuros presos em um coque samurai espichado, este diferente dos
demais, usava um colete azul escuro com a costura em vermelho, suas calças eram da
mesma cor e ele estava descalço.
— Ei, olha só! —, por um momento o garoto do colete azul olhou para nós e disse.
Logo recebendo um soco no rosto e caindo sentado no chão. — Ai! Isso doeu Alex!
— Não desvie o seu olhar enquanto luta comigo, imbecil! —, exclamou Alex. — E
meu nome é Alexander, não use esses apelidos idiotas só por que está com preguiça de
falar meu nome inteiro.
— Ei garotos! Venham cá! —, disse uma garota de cabelos alaranjados. — Não sejam
tímidos.
Ela usava uma versão feminina do traje usado por Oliver e também por Alexander,
mas com os mesmos detalhes e cores. Como eu disse antes, seus cabelos eram ruivo-
alaranjados como os meus, tinha olhos vermelhos com a pupila parecida a de um gato e a
sua pele era esbranquiçada.
Nós nos aproximamos e logo o garoto caído se levantou com um pulo do gato — um
movimento usado no Kung Fu que consiste em usar seus braços junto das suas costas
coladas ao chão para se levantar em um impulso, ficando novamente de pé.
— O que vocês alunos do primário querem aqui? —, indagou o do colete azul. —
Vocês acabaram me atrapalhando enquanto eu lutava com o Alex.
— Me chame de Alex mais uma vez e você não terá mais chance para pensar em ter
feito o contrário. — Disse Alexander, raivoso. — Mas o que o Shinsuke disse não é algo a
se ignorar. O que vocês novatos estão fazendo aqui?
— Então vocês eram os novatos de quem todos falavam... o que aconteceu na
academia Gaia para vocês estarem aqui? —, indagou o veterano que havia acabado de
entrar na sala.
— Garou! —, exclamaram Shinsuke e a garota.
— Irmão. — Disse Kiros.
Todos voltaram os seus olhares para Kiros.
— É... como? —, indagou a garota. — Irmão? Como assim irmão?!
— Eu explicarei depois, Yuri. — Disse Garou. — E então? O que aconteceu na
academia?
— Enquanto estávamos em uma missão, no Egito, nós passamos muito tempo
treinando com uma pessoa chamada Kira. Depois de terminarmos nosso treinamento,
conseguimos enfim terminar nossa missão. — Falei. — E quando estávamos prestes a
voltar, recebemos uma vídeo-chamada de meu tio, e ele disse que a academia havia sido
atacada nesse meio tempo... por isso que fomos transferidos para cá.
— Essa é a verdade. — Afirmou Kiros.
— Vejo que você está com alguns ferimentos no pescoço. — Observou Garou. — O
que aconteceu? A academia não foi tão receptiva?
— Isso? —, Kiros pôs sua mão na ferida que ainda cicatrizava. — Aconteceu ontem
à noite, nós acabamos lutando com um integrante da equipe Hydra.
— Mas o quê?! —, exclamou Alexander enquanto levantava Kiros pela gola da
camisa. — Isso não é uma brincadeira de criança! Eles estão com dois deuses e um titã!
Como você poderia aguentar lutar com um integrante daquele grupo?
— Solte-o, Alexander. — Garou pôs sua mão no ombro de Alexander. — Você o está
sufocando.
Alexander bufou.
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— Está com raiva? —, indagou Kyrie. — Você não passa de um brutamontes que
pensa que é a coisa mais forte da terra. Meu colega Kiros apenas fez um pedido a vocês, e
você o respondeu da forma mais esnobe possível... vai entender.
— Kyrie, pare! —, exclamou Yuri. — Você apenas vai deixar ele mais zangado.
— Deixe-me, Yuri. — Eu quero mostrar a esse grandalhão do que nós novatos somos
feitos.
Girando seu corpo, Kyrie desferiu um chute contra o rosto de Alexander, que
cambaleou para trás, ao mesmo tempo que soltou Kyrie,
— Vamos lutar, grandão. Se eu vencer, você irá ensinar a Kiros e seus colegas, mas
se eu perder você pode fazer o que quiser comigo.
— Você não precisa fazer isso. — Falei. — Ele é um dos veteranos... com certeza é
mais forte que nós.
— É verdade, obrigado por me lembrar disse Toya. — Kyrie então mexeu em uma
das funções de seu bracelete.
Alexander riu.
— Você está falando sério?! —, exclamou Alexander. — Vamos mudar a aposta.
Quem vencer ficará com todos os pontos do outro, claro que você não deve ter tanta coisa
já que entrou no campus recentemente, mas se você perder todos os pontos você é expulso
imediatamente e é isso que eu quero.
— Está certo então. — Kyrie riu. — Vamos para outro lugar então? Um lugar próprio
para um duelo acadêmico?
— Iremos para a quadra de esportes no salão A.
— Você quer mesmo que tantas pessoas vejam um duelo desses? —, indagou
Shinsuke. — Digo... é só um novato...
— Eu irei expulsar essa criancinha hoje mesmo, e quero que hajam pessoas para
ver a escolha idiota que ele fez.
— Poderíamos ir logo para o salão, vovô? —, disse Kyrie. — A criancinha aqui está
com o sangue fervendo.
... ... ... ... ...
Todos nós fomos até o salão A, e assim que chegamos Alexander pediu a quadra
apenas para Kyrie e ele. Os campistas interessados apenas foram para as arquibancadas
esperando o duelo começar.
— Isso não me cheira bem. — Disse Uriol. — O que o Kyrie está pensando?
— Eu não faço a mínima ideia garoto. — Disse Yuri. — O Alexander é muito mais
forte que ele, mas ele não se lembra do Kyrie. Eles já lutaram antigamente, e o Kyrie acabou
perdendo.
— Apenas vamos torcer por ele. — Disse Kiros. — Pois se ele não conseguir provar
que o Alexander está errado, todos nós seremos realmente inúteis nessa guerra. E eu não
quero que esse seja o caso.
— E então nanico?! Últimas palavras antes de começarmos?! —, disse Alexander.
— Não vovô, nós já podermos começar, pois se demorarmos muito você perderá o
seu horário do cochilo. — Retrucou Kyrie.
Todos no salão começaram a rir de Alexander, que apenas ficou mais furioso.
— Comecem! —, gritou o instrutor que estava servindo de juiz para o duelo.
Alexander partiu para cima de Kyrie furioso e desferiu uma sequência de socos, mas
nenhum efetivo, sendo que Kyrie esquivou de todos eles.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Eu sabia que você estaria assim. — Disse Kyrie. — Você ficou bem mais forte
desde a última vez que nos vimos, mas acabou ficando lento.
Kyrie aparecendo nas costas de Alexander, então aplicou uma rasteira e o mesmo
caiu no chão.
— Levante! Uma pessoa esnobe nunca deve ficar no chão!
Kyrie se afastou e por um instante, o corpo de Alexander começou a mudar e antes
mesmo que nós pudéssemos perceber, ele estava enorme... e seu corpo agora tinha uma
aparência de pedra.
— Três metros e meio, ein? —, disse Kyrie. — Cresceu bastante... mas pena que
você não vai me derrotar mais com isso.
Alexander desferiu um soco contra o chão e acabou quebrando ele.
— Onde Kyrie está?! —, exclamou Yuri. — Eu não estou vendo ele, vocês conseguem
vê-lo?!
— Ele está em cima do ombro de Alexander. — Disse Kiros. — Ele está brincando
com ele.
— Escuta aqui brutamontes, você me venceu várias vezes quando eu era pequeno e
não sabia lutar, mas agora as questões estão um pouco diferentes da prova anterior. Você
é muito mais fraco que eu, e por isso deverá ensinar o que sabe sobre artes marciais para
os meus colegas.
— Saia de meu ombro! —, gritou Alexander com uma voz ríspida.
Logo o mesmo desferiu um soco contra seu próprio ombro, em tentativa de acertar
Kyrie, mas de nada adiantou.
— Que ótimo. Agora você entrou na parte de autodestruição, não foi? —, indagou
Kyrie. — Ou você é apenas um masoquista e decidiu se socar no meio da luta? Eu mesmo
nunca irei saber.
E em um instante, novamente Kyrie desapareceu e logo reapareceu no chão.
— É hora de acabar com isso. — Ele então entrelaçou os dedos de suas mãos. —
Estilo da sombra: Imagem do ceifador!
Uma foice de um metro e meio de cabo e dois metros de lâmina apareceu nas mãos
de Kyrie, e o mesmo começou a atacar Alexander com ela. Um golpe em cada perna, e ele
caiu. Ele atacou ambos os braços e depois deu um golpe mirando a cintura de Alexander.
E finalizando, ele atravessou o pescoço do mesmo, que caiu no chão logo perdendo sua
transformação.
— E temos um vencedor! —, gritou o instrutor que vigiava a prova. — E assim como
tinha sido decidido, todos os pontos de Alexander passaram para Kyrie, fazendo ele passar
de mil pontos para treze mil!
... ... ... ... ...
Todos nós então saímos da quadra e todos os campistas voltaram a fazer suas
atividades nela. Logo, notei que Kyrie e Alexander conversavam novamente.
— Como você só tinha doze mil pontos? Você era o décimo terceiro no ranking...
— Eu gastava muito. — Disse Alexander, já recobrando a consciência. — Eu perdi
feio...
— E deverá cumprir a sua parte do trato. Você ensinará tudo que sabe para Kiros e
o restante.
— Parabéns Kyrie! —, falei. — Foi uma bela luta.
Yuri então deu um cascudo em Kyrie.
— Caramba Yuri! Para que isso?! —, exclamou Kyrie.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Seu idiota! —, exclamou Yuri. — Desde quando você ficou tão forte assim?! Você
me deixou preocupada atoa!
— Desde quando eu pedi para que você se preocupasse? —, Kyrie suspirou. — Eu
o desafiei pois já sabia de suas habilidades... estava prevendo que seria desta forma e
acabou que eu estava completamente certo.
— Eu mesmo não acredito que o Alex perdeu. — Disse Shinsuke. — E agora um
novato está com o ranking dele...
— Também tem isso né? Parece que eu não terei mais sossego.
— Por que diz isso? —, indagou Uriol.
— Eu agora sou o décimo terceiro campista mais forte da academia, e várias pessoas
achando que por eu ser um novato eu apenas tive sorte contra o brutamontes aí. —
Resumindo... eu provavelmente não terei descanso pelo fato de que as pessoas começaram
a me desafiar sem cansar tentando pegar essa colocação no ranking do campus.
— Quem é o número um da academia? —, indaguei. — Quero dizer... só por
curiosidade.
— Siegfried Kjaell. — Disse Garou. — Ele é dono do rank n°1 do campus, eu sou o
número sete e a Yuri a número doze.
— Doze? —, indagou Uriol. — Então ela era mais forte que o Alexander?
— Bem mais forte. — Disse o próprio Alexander. — Umas vinte vezes mais forte que
eu.
— Eu posso afirmar isso. — Disse Kyrie. — Eu lutei várias vezes contra o Alexander,
eu sempre perdia até então, mas eu causava alguns danos nele. Mas contra ela? Eu nunca
consegui encostar um dedo nela, mas eu não sei se algo mudaria hoje em dia.
— Bom, deixando essa conversa de lado. — Disse Alexander. — Eu irei treina-los a
partir de amanhã, vocês podem me procurar na sala 3-B. Eu estarei lá.
— Eu posso ajudar vocês também. — Disse Yuri. — Mas só com uma condição,
vocês devem trazer o Kyrie junto de vocês sempre que quiserem algo comigo.
— Mas que tipo de condição é essa?! —, exclamou Kyrie.
— Bom, amanhã nós viremos atrás de vocês dois, para o nosso treino extra. Mas
agora nós temos que ir andando para a nossa próxima aula que começará em dez minutos.
— Disse Kiros. — Até amanhã.
Todos nós nos despedimos e então saímos correndo. Kiros mandou uma mensagem
para Alice, perguntando onde seria o local da próxima aula e então fomos em direção para
lá.
Tenho certeza de que esses dias de treinamento serão uns mais árduos que os
outros, mas isso fará com que não sejamos inúteis nessa guerra que virá... isso é fato.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
XVII
Nós conversamos sobre essa aula especial com quase todos da classe, nem todos
aceitaram, já que não queriam perder seu querido horário de descanso.
Estávamos reunidos no centro de treinamento, em uma parte onde haviam muitas
árvores no campo.
— Apresentem-se e digam o que vocês são. — Disse Alexander. — Eu os observarei
nesses primeiros dias de treino, e logo estarei passando exercícios específicos para cada
um de vocês, coisa que trabalharam o que vocês já são bons e outras que melhoraram o
que vocês são ruins. Esse é o estilo de treinamento que nós veteranos usamos, bom, grande
parte de nós.
— Sou Kiros. Licantropo. — Disse começando com as apresentações.
— Toya, sou um humano. — Falei.
— Ceres, semideusa.
— Então você é a irmãzinha da Sasha? —, indagou Yuri.
— Isso mesmo.
— Estou curiosa para ver suas habilidades. Tente não me decepcionar.
— O próximo... —, disse Alexander.
— Chamo-me Kyrie e sou um...
— Shinigami! —, exclamou Yuri. — Que bom que você veio Kyrie! Assim poderei
cumprir com meu acordo e então passar meu treinamento a todos vocês.
— Continuo achando essa condição meio imbecil, mas isso não vem ao caso... a
questão agora é. Do que me chamou?
— Shinigami. — Você é um, não é?
— Eu sou um ceifeiro de almas, não essa baboseira que você vê nesses seus mangás.
— Kyrie suspirou. — Vamos adiantar logo isso, ok? Que o próximo se apresente.
— Sou Alice e sou uma meio-banshee.
— Meio? —, indagou Alexander.
— Metade humana, metade banshee.
— Ah, saquei. — Bom, que os três últimos, apresentem-se.
— Sou Wally Sparks, um humano.
— Yuki, semideus.
— Uriol, meio-vampiro.
— Mais um? —, indagou Alexander.
— Como assim? —, indagou Uriol.
— Ele se refere a mim. — Disse Yuri.
— Só que diferente dele Alexander, ela é uma vampira pura. — Disse Kyrie.
— Esqueçam tal coisa por ora, apenas foquem em mim. — Disse Alexander. — Hoje
nós vamos voltar aos básicos. Sobre controle de Mana, ou energia espiritual como vocês
acharem melhor de chamar.
— Mas nós já sabemos controlar nossa energia espiritual. — Disse Alice.
— Errado. — Vocês acham que sabem, mas na realidade vocês apenas o fazem por
instinto.
— Explique melhor, Alex. — Disse Yuri.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Mana é essencial até mesmo para as técnicas mais básicas. Ela é formada por
três coisas; a junção da energia física presente em cada célula do corpo, a energia espiritual
que é adquirida através de exercícios e experiência e por fim, um ciclo elemental. Isso é o
que gera a Mana, que corre por seu corpo inteiro através do sistema circulatório feito
exatamente para a mana, nós costumamos chamar esse sistema de pontos de energia, já
que o corpo humano normalmente possui 361 desses.
— Tá certo, mas o que isso importa? —, indagou Uriol.
— Eu irei ensinar a vocês a como controlar cada sua Mana, para isso, eu mostrarei
como dominar alguns desses 361 pontos de energia, pois é extremamente difícil de se
controlar todos eles.
— Isso me serviria para que? —, indagou Alice.
— Olhem atentamente. — Alexander ergueu sua mão direita e logo ela ficou coberta
por uma energia azul constante. — Isso que estou fazendo é nada mais, nada menos que
liberar minha Mana através dos pontos de energia de minha mão direita, e apenas deles.
E para que isso serve? Vocês devem estar se perguntando. — Aumento de poder, essa é a
resposta mais simples. Mas ela se expande em vários aspectos, por exemplo, Siegfried o
gênio dessa academia pode envolver todo o seu corpo com Mana, liberando e controlando
todos os 361 pontos de uma vez. Ao fazer isso, seu corpo ganha uma armadura feita de
energia, o tornando praticamente invulnerável a certos tipos de ataques.
— O Alex fala demais, então eu resumirei a partir daqui. — Disse Yuri. — Nós dois
iremos ensinar a vocês a terem um controle melhor de sua Mana, pois assim vocês poderão
fazer coisas como a que ele acabou de mostrar, afim de aumentar sua força nos socos ou
chutes, e também transferir melhor o quanto de Mana vocês irão usar nas suas técnicas,
evitando o gasto desnecessário dela. É isso.
— Bom, vamos começar. — O primeiro teste que dou a vocês é: Cheguem no topo
de uma dessas árvores só utilizando seus pés. Vocês devem usar o sinal de mão ensinado
na academia para evocar a Mana, transfiram ela para os pés e os pontos de energia de lá
serão abertos, é assim que funciona.
— E para aqueles que acabarem? —, indagou Kyrie.
— Eu passarei a próxima parte para esses que acabarem, e assim com cada um que
for acabando essa primeira etapa. Os melhores avançaram mais rápido, os piores ficaram
para trás até que concluam cada uma das etapas. É isso, podem começar. — Eu estarei
logo aqui observando cada um de vocês, checando como vocês se saem.
Todos então escolheram uma árvore e fizeram o sinal de evocação da Mana — que
é a junção das mãos com todos os dedos entrelaçados, menos os indicadores que ficam
juntos e estendidos.
— Isso é será bem fácil. — Disse Uriol. — Eu só preciso fazer isso e pronto!
Ele começou a subir com facilidade na árvore e todos ficaram perplexos.
— Como será que ele conseguiu fazer isso com tanta facilidade? —, indagou Wally
a Kiros.
Mas por algum motivo, ele foi empurrado para trás logo caindo estabanado no chão.
— É uma pena. — Disse Alexander. — Mas você fez de forma errada, por isso que
caiu.
— Você não vai dizer o porquê de eu ter errado?! —, queixou-se Uriol.
— Não. — Descubram como fazer sozinhos.
— Já entendi. — Falei. — Eu acho que sei como fazer.
Eu então me aproximei da árvore e focalizei minha Mana aos meus pés — utilizando
o sinal de mão — e ao ficar estável na base da árvore, eu comecei a subir. Wally também
estava fazendo o mesmo, mas não da forma que Alexander havia mostrado, mas sim por
estar em alta velocidade.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Nós dois chegamos ao topo — ele antes de mim, claro — e logo chamamos por
Alexander, que apenas tinha ficado perplexo.
— Não era dessa forma que eu tinha dito, Wally. — Disse Alexander. — Mas você
não quebrou as “regras” propriamente dito, você usou só os pés para subir e conseguiu.
— E então? —, indagou Wally.
— Tanto o Toya, tanto você passou desta etapa. — Desçam daí e me encontrem no
lago aqui perto. E o restante? Continuem até conseguirem subir ao topo de uma dessas
árvores só usando os pés. E Yuri! Continue vigiando eles, eu não quero nenhum trapaceiro
querendo bancar o esperto aqui.
— Claro. — Disse Yuri.
Nós descemos da árvore e o Alexander já tinha sumido de nossa vista. Wally disse
que iria na frente, e logo desapareceu por conta de sua incrível velocidade.
— Toya, como você conseguiu subir nessa árvore tão depressa? —, indagou Ceres.
— Incrivelmente isso tem o mesmo princípio de uma das técnicas que passei
estudando enquanto estava na cúpula de Kira. — Falei. — Mas aposto que vocês querem
uma dica, certo?
— Isso ajudaria bastante. — Disse Kiros. — Nunca pensei que controlar sua própria
energia fosse tão difícil.
— Para subir na árvore você precisa de uma quantia de Mana fixa na sola de seus
pés, mas como saber o quanto preciso colocar?
— É isso que todos aqui estamos tentando descobrir. — Disse Uriol.
— Irei usar você como exemplo, Uriol. — Se o fluxo de Mana for muito fraco, o
usuário perderá sua posição na árvore e apenas cairá.
— Foi o que aconteceu comigo... —, disse Alice.
— Mas se o fluxo for muito forte, o usuário será empurrado para longe da árvore,
fazendo com que ela também quebre no ponto de contato e assim o usuário cairá. Esse foi
o exemplo de Uriol.
— E qual é o fluxo perfeito? —, indagou Ceres.
— Não existe. — Falei. — Apenas existe o fluxo certo e continuo. Nem tão fraco, nem
tão forte... darei um exemplo. Vocês estão “grudados” no chão, certo? Mas não literalmente,
assim podendo retirar os seus pés dessa grama. Vocês controlaram o fluxo de Mana até
que a árvore pareça o próprio solo, onde você está fixo mas pode retirar o pé de lá para se
movimentar. — Bom... é só isso mesmo. Espero que vocês consigam logo!
— Vocês falam muito... —, disse Kyrie.
Todos voltaram seus olhares para ele, e o mesmo estava no topo de uma das árvores.
— Isso é mais fácil do que vocês pensam. Coisa de criança. — Kyrie então desceu
da árvore em um salto. — Espero vocês lá naquele lago, irei desejar boa sorte, pois alguns
irão precisar. Vamos indo Toya?
— Ah, claro. — Falei.
Nós seguimos até o lago onde Alexander tinha dito que estaria esperando e logo o
encontramos deitado perto da margem. Wally por algum motivo estava por sair da água.
— Então vocês chegaram... —, disse Wally.
— Por que você está todo encharcado? —, indaguei.
— Este é o próximo teste que vocês farão. — Disse Alexander. — Este teste se
complementa com o primeiro, só que de uma forma diferente. Mas o que eu quero de vocês
a princípio é que fiquem estáticos em cima da água, e depois tentem andar sobre ela.
— É o mesmo princípio? —, indaguei a Alexander.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— É a mesma formula para eu usar a minha técnica mil pássaros. Só que ao invés
de misturar uma energia elemental, eu apenas jogo a mesma quantidade de Mana para os
pés.
— Caramba... eu estou conseguindo ficar estático facilmente pois também implica
uma questão igual a uma técnica que aprendi na cúpula de Kira.
— E qual seria?
— É uma habilidade regenerativa, uma técnica de cura.
Nós dois começamos a sair da água e logo estávamos em terra firme. Alexander se
levantou e chamou nossa atenção, ele iria passar o nosso próximo treinamento agora
mesmo.
— Wally, você deve voltar para a primeira etapa. — Disse Alexander. — Você não
conseguirá passar na segunda sem antes aprender os básicos da primeira.
— É... acho que minha velocidade só me atrasou dessa vez. — Wally riu. — Bom,
eu irei voltar. Boa sorte para vocês. — Ele então novamente em extrema velocidade voltou
para onde o restante do grupo estava.
— Já está ficando tarde... —, comentou Alexander. — Vocês terão aula agora, certo?
Irei me apressar e apenas direi como o teste funcionará. — Eu ensinarei a vocês uma
técnica nova, enquanto os outros continuaram fazendo esse teste de controle da Mana.
Nem todos dominaram essa técnica, pois nem todos os corpos conseguem usa-la.
— Então para que você vai ensinar a todos algo que poucos conseguiram usar? —,
indaguei. — Isso é bem estranho.
— Essa técnica além de difícil controle, ela se comporta de maneira diferente em
cada pessoa. Mas aquele que consegue seu domínio, este se tornará invencível.
— Você consegue usa-la? —, indagou Kyrie. — Pois você não me pareceu “incrível”
quando lutamos.
— Não... eu não consigo utilizar esta técnica, mas Yuri consegue.
Então o sinal escolar tocou, coisa que significava a troca de turnos dos professores
e também o início de nossa primeira aula do dia.
... ... ... ... ...
Nós assistimos todas as aulas das matérias básicas e outros afins, e logo chegou a
primeira aula “especial” do dia, com o professor Barret Meyer.
— Todos estão aqui? —, indagou Barret.
— Parece que sim. — Disse Lance.
— Como essa é a minha primeira aula com vocês, eu gostaria de ir com calma para
todos irem se acostumando com meu ritmo de treinamento, ok? —, disse ele. — E por isso,
todos iram fazer alguns treinamentos básicos como flexões, agachamentos, abdominais e
qualquer outra coisa que queiram até nosso horário acabar...
— Espera. — Disse Fuschia. — Isso é algo simples demais... nós não deveríamos
estar recebendo treinamentos especiais por conta da guerra que está por vir?
Barret suspirou.
— Primeiramente, garoto. Eu odeio ser interrompido, não importa a ocasião. E
segundo... aqueles que acharem que tal treinamento é simples demais, eu iria propor um
desafio a mais.
— Desafio? —, indagou Kiros.
— Vocês veem que esta sala de treinos que foi apresentada a todos por Floyd tem
uma divisória, certo? Ele deve ter dito que a sala tem algumas características especiais,
mas não deve ter explicado todas elas.
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— Sim, ele só nos mostrou o fato dela anular qualquer tipo de magia. — Disse Alice.
— Mas só foi isso mesmo.
— Aquela linha vermelha é uma barreira que separa esses dois lados. Do outro lado,
a sala ganha uma característica especial, isso é, além de também poder anular os poderes
de qualquer pessoa que passe por lá.
— Você pode odiar ser interrompido, mas eu odeio quem fica nessa palhaçada e não
diz logo o que tem para dizer. — Disse Kyrie. — Resuma o que tem para falar, isso não
deve ser difícil.
— Eu deveria punir você, moleque.
— Eu gostaria de ver você tentar. — Kyrie falou cinicamente. — Ande logo com isso
e fale qual é a tal “função mágica” dessa sala idiota!
— Ela possui um sistema de aumento de gravidade. É ajustável, e ninguém sabe
qual é o real limite dela. Vocês treinaram com seus poderes normalmente, mas a gravidade
estará regulada para cinco vezes mais do que o planeta Terra. — Bom, é com vocês. Eu
estarei sentado aqui se precisarem de algo.
— Cinco vezes mais do que a da Terra? Isso é bem bizarro de se acreditar. — Falei.
— Será que eu suportaria tal coisa?
— Se quiser testar, vá em frente. — Disse Barret. — Você é o humano, certo? Tente
não se esforçar tanto.
Ceres então me cutucou e logo disse:
— Toya, posso te fazer uma pergunta?
— Claro. — Falei.
— O que é isso que você sempre carrega consigo no pescoço?
— Isso? É uma kuda-gitsune.
— Kuda o quê?
— Gitsune. É uma raposa no tubo. — Minha antiga colega de equipe que me deu...
faz bastante tempo já. Só que eu não sei controla-la, eu sinto a sua energia, mas eu não
sei como “invoca-la”, entende?
— Para invocar uma criatura você a deve chamar pelo nome. — Disse Alexis que
estava passando por trás de mim nesse exato momento. — Você sabe o nome dela?
— Sim, eu sei.
— Então apenas a chame.
— Nitsume, saia. — Chamei-a.
O meu colar brilhou e uma pequena cobra peluda com focinho de raposa saiu de
dentro do tubo, logo se enrolando em meu pescoço. Ela regougou, e então ficou se
esfregando contra meu rosto.
— Eu gostaria de ser como o Kiros para entender o que você fala... —, falei.
— Ela disse que estava com saudades. — Disse Alexis.
— Como você sabe? —, indagou Ceres.
— Eu antigamente era uma ninfa e isso me possibilita a falar com os animais.
— Ah, entendi. —, falei.
— Bom, eu irei treinar agora ok? Vocês dois deveriam fazer o mesmo. — Alexis então
seguiu para a área com gravidade aumentada.
— Você vai arriscar entrar na área com gravidade? —, indagou Ceres a mim.
— Não acho que eu suportaria... por isso irei ficar por aqui mesmo.
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— Não pense que acabou por aqui, seu merda! —, disse Fuschia logo soltando
Lance. — Vou fazer você se arrepender de tal ato.
— Você ficou com raiva apenas por conta de algo que lhe disse? —, indagou Lance.
— Eu tenho muita pena de você, Berserker... muita pena. — É bom você aprender a
controlar suas emoções, ou viverá toda sua vida dependendo dessa sua fúria idiota para
fazer qualquer coisa que queira.
— Está bem! —, gritou Barret. — A aula de hoje está sendo suspensa, vocês podem
aproveitar o resto do dia para fazerem o que quiserem. Mas vocês dois virão comigo para
a sala do diretor.
Todos saímos e os dois realmente foram levados para a diretoria.
— Ei, Toya... por qual motivo você acha que isso aconteceu? —, cochichou Ceres.
— Eu não faço a mínima ideia... —, disse. — E... por que estamos cochichando?
— É, por que vocês estão cochichando? —, disse Kiros que por algum motivo estava
atrás de nós.
Ceres e eu pulamos de susto, logo nos virando para falar com ele.
— Está preocupada com os dois? —, indagou Kiros a Ceres. — Eu ouvi a conversa
deles... lobisomens tem uma ótima audição.
— Tem certeza de que você apenas não está usando essa desculpa de audição
melhorada para ter escutado a conversa daqueles dois? —, indagou Kyrie.
— É... isso não vem ao caso. — O que importa é: aquele Lance tem algo contra
Fuschia, já que ele começou a ofende-lo do nada. Mas erro do Fuschia ter revidado usando
a força... mas acho que isso é mal dos Berserkers, eles não devem ter paciência alguma.
— Eu não entendi muito bem quando ele disse tal coisa na cerimônia de
apresentação dos novatos... o que são esses Berserkers? —, indagou Ceres a Kiros.
— Você não sabe? —, falei. — Eu posso explicar... isso também foi uma das coisas
que fiz enquanto estava na cúpula de Kira treinando.
— Você ficou estudando sobre os monstros? —, indagou Kiros.
— Não só sobre eles, sobre os deuses também, mas claro, praticamente tudo que vi
até agora estava errado.
— Tudo que viu? —, estranhou Ceres. — Como assim?
— Sabe essas conexões sensoriais que você fazia comigo?
— Sim, lembro. Por que?
— Eu tive uma recentemente... bom, acho que foi uma coisa do tipo. — Só que ao
invés de uma pessoa “normal” como você, eu tive uma breve conversa com Zeus.
No mesmo instante em que disse o nome dele deu-se para ouvir o ribombar de um
trovão. Algumas das garotas que estavam pelo pátio gritaram de susto, e até deram um
pulo no momento.
— Eu normalmente duvidaria do que você disse, mas eu acho que isso deve ter sido
uma resposta dele. — Disse Ceres. — Sobre o que conversaram?
— Ah, coisas bestas... nada de importante. — Só que ele teve que sair às pressas,
disse que as coisas não estavam indo bem aqui na Terra, assim como não estavam indo
bem no Olimpo.
— Kiros, você não deveria ir logo ao que você tinha de falar? —, comentou Kyrie.
— Ah! Verdade! —, disse Kiros. — Olhem, eu recebi um comunicado vindo do diretor
e eu fiquei a cargo de liderar um grupo de sete pessoas em uma missão. Vocês dois estão
nesse grupo.
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— Eu lembro dele ter dito que era um ano, mas eu já tentei entrar na sala e não
consegui. — Por algum motivo tem uma barreira com um tempo regressivo nela, só que eu
não sei ler tal língua.
— Não são números? —, perguntou Ceres.
— São letras estranhas, por isso, a única coisa que podemos fazer é esperar a
barreira sumir para que possamos entrar de novo. — Mas mesmo assim... você acha que
teria melhoras em suas habilidades apenas usando a sala com tão pouco tempo depois do
primeiro uso? É bom lembrar que de acordo com Kira, uma pessoa só pode entrar naquela
sala duas vezes em toda sua vida, a menos que o dono dela os levasse lá para dentro, coisa
que só deve poder ser feita uma vez.
— Então nós ainda teríamos três usos para ela. — Falei. — Duas nós entrando por
conta própria, e mais uma com você nos deixando entrar.
— É, mas o que Kyrie disse tem sentido. — Disse Kiros. — Eu não acho que eu teria
uma melhora significante usando a sala depois de tão pouco tempo do nosso primeiro uso.
É melhor continuarmos com os treinamentos passados pela academia, por incrível que
pareça, essa sala com gravidade aumentada é bastante útil.
— Eu gostaria de tentar ir nela, mas eu sou apenas um humano com capacidades
mágicas, não acho que minha resistência aguentaria naquela gravidade.
— Vamos fazer um teste então, você entra e se você não aguentar a gente tira você
de lá, ok? —, disse Ceres.
— Bom, por mim tudo bem. — Eu dei um sorriso. — Mas agora... não devíamos
voltar ao assunto da escolha do nosso grupo?
— Verdade. — Disse Kiros. — Anulando as pessoas que não podem ir, ou que eu
acho que não seriam tão úteis para essa missão nós temos... Alice, Marco, Chloe e o Uriol.
Quatro opções, uma pessoa ficará de fora.
— O Wally é imaturo demais para uma missão, mas você deixa uma garotinha de
onze anos como escolha? —, indagou Kyrie.
— Eu disse que ele é agitado, não imaturo. — Eu ainda não sei lidar com ele, e
tirando sua velocidade, ele não é nada mais que um humano comum.
— Toya também é um humano comum, se for para colocar assim.
— Mas nós já trabalhamos com ele em uma missão antes, sabemos como são suas
habilidades e digo, Kira não estava errado em dizer que ele é um dos mais fortes de nosso
grupo. Além de quê, ele possui habilidades de cura agora, não é mesmo?
— Sim... —, eu cocei a cabeça envergonhado.
— Isso será útil em uma missão de rank A... o próprio diretor Mustang que disse tal
coisa e eu concordo com ele.
— Bom, então trate de escolher logo os três participantes. — Disse Kyrie. — Quando
vocês terminarem eu seguirei para a sala do diretor junto de vocês.
— Sala do diretor? —, indagou Ceres.
— Sim, eu esqueci de dizer essa parte. — Disse Kiros. — Ao ter todo o grupo reunido,
nós devemos apresentar ele ao diretor e logo após isso, ele nos dará nosso meio de
transporte.
— Hm, certo. — Eu posso mandar uma mensagem ao Uriol por você se quiser, isso
aceleraria as coisas.
— Eu irei perguntar sobre o Marco e a Chloe para a Alice, aqueles dois não tem um
celular então é um pouco difícil se comunicar com eles.
— Eles devem ter medo de serem encontrados. — Disse Kyrie.
— Como assim? —, indaguei.
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— Nós criaturas místicas em geral não podemos ter um celular, já que isso é a
mesma coisa que um sinal de fumaça para os monstros. É como se nós entregássemos
nossa posição ao usar ele para fazer ligações ou até pior se ligarmos a internet.
— Mas... nós usamos aqui dentro da academia. Não há problema nisso?
— A academia possui uma barreira mágica que impede que nós sejamos rastreados
enquanto estivermos aqui dentro, por isso os telefones são permitidos.
— Mas, e quando estávamos no Egito?! Alice usou um celular para ligar para a
senhorita Jynx, não foi?
— Aquilo foi um caso à parte. Nós estávamos sim correndo um risco com ela fazendo
isso, mas nada aconteceu por sorte. — A academia dá um celular para todos junto das
pulseiras que servem para fazer a nossa contagem aqui dentro, coisa que foi bastante útil
para eles descobrirem quantas pessoas foram para o lado da equipe Hydra por sinal.
— Caramba...
Minha cara era de espanto, nunca tinha se passado pela minha cabeça que nós
éramos rastreados pelos monstros por conta de usarmos um aparelho celular. Claramente
nós que usamos magia temos uma vida mais árdua que o comum...
— Bom, Alice disse que está com a Chloe ao lado dela e as duas aceitam participar
da missão. Mas não sabe onde o Marco está, então teremos que procurar ele, isso se vocês
se importarem de ter uma garota de onze anos na equipe em uma missão dessas.
— Eu não vejo problema dela ficar em nossa equipe. — Falei. — Afinal, só se ganha
experiência em algo, fazendo tal coisa.
— Nós teríamos de ter um cuidado a mais com ela na equipe, mas eu também não
tenho problema com isso. — Disse Ceres.
— Então devemos adiantar as coisas, direi para as duas nos encontrarem na porta
da sala do diretor o mais rápido possível, faça isso para o Uriol também, ok? —, disse
Kiros.
Ceres e Kiros mandaram uma mensagem para as tais pessoas escolhidas e então
nós fomos andando até a sala da diretoria.
... ... ... ... ...
Diante do próprio diretor Mustang, nós estávamos alinhados de frente a sua mesa
de carvalho esperando seu veredito.
— Então estes foram aqueles que você escolheu, certo? —, indagou Mustang a Kiros.
— Exato. — Respondeu Kiros. — Tirando Ceres Highwind, Toya Vincent e Kyrie
Garou que fora o senhor quem escolheu, eu decidi que tais pessoas deveriam me
acompanhar na missão. Elas são Alice Strife, Uriol Hogan e Chloe Fields, isso por conta
deles já terem trabalhado comigo anteriormente, coisa que fará o trabalho de equipe fluir
melhor.
— Entendi. — Mustang mexeu em sua barba, puxando-a. — Todos vocês já sabem
como a missão funcionará? Ou querem que eu dê uma breve explicação?
— Eu gostaria de ouvir a sua explicação, senhor. — Disse Alice.
— A missão de vocês é uma rank A. Lá haverão pessoas feridas, e uma equipe de
caçadores também está por lá, mas claro, eles apenas estarão dando suporte aos feridos.
Por isso, tentem dar o máximo de suporte que puderem a eles. Vocês devem encontrar por
um homem chamado Lymn, ele terá algumas informações importantes para vocês
entregarem a mim depois, isso é tudo. — Mustang levantou-se de sua poltrona e nos
saldou. — Eu estou confiando em vocês, boa sorte.
Todos nós saímos da sala do diretor e logo Kiros chamou nossa atenção.
— Vocês, troquem suas roupas para algo mais apropriado para uma missão e depois
me encontrem no portão de entrada. Se forem levar algo, peguem bolsas pequenas e
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
coloquem apenas coisas de completa importância, como remédios, antídotos, entre outros.
— Nós sairemos a pé até a estação de trem, e provavelmente chegaremos na outra cidade
as 16 horas, isso no máximo. Isso é tudo.
Nós fomos em direção aos nossos quartos e eu aproveitei para trocar minhas roupas.
Coloquei minhas luvas para alquimia e o meu sobretudo vermelho, logo peguei a sacola
com os biscoitos feitos por Zeus e os coloquei dentro de um dos bolsos de minha roupa.
Recoloquei o tubo da Nitsume no meu pescoço e ela saiu de dentro dele.
— Fique como você achar melhor... se você gosta tanto de ficar enrolado no meu
pescoço, não há problema nisso. — Falei, e ela regougou. — Vou levar isso como um breve
ok.
Eu segui para o portão principal e rapidamente avistei Kiros e Kyrie. Eles estavam
com suas roupas habituais, aquelas dadas por Kira.
— Algum sinal dos outros? —, acenou Kiros.
— Eu apenas segui vindo de meu quarto, não vi ninguém no caminho. — Falei. —
Vocês estão aqui esperando faz quanto tempo?
— Alguns minutos. — Disse Kiros. — Kyrie acabou de chegar também.
Mais alguns minutos se passaram, uns 10 acho, e enfim todos estávamos reunidos
novamente. Alice vestia sua roupa habitual dada por Kira. Ceres vestia um casaco azul-
marinho e uma calça cinza escuro. Chloe por sua vez estava com uma jaqueta para frio e
uma touca rosa bem clara, calças escuras e botas para neve e por fim, Uriol também usava
uma jaqueta para o frio, só que esta, era de cor cinza. Sua calça era preta e ele tinha sua
espada na cintura.
— Nunca mais vi você com essa espada —, comentei. — Voltou a usa-la?
— Não é que eu tenha parado, eu apenas não tive muitas oportunidades para tal
coisa. — Disse Uriol. — Nessa academia não se pode usar armas em duelos com tanta
frequência, e por isso eu me acostumei a deixa-la guardada.
— Bom, vocês podem ir conversando enquanto caminham. — Disse Kiros. — Vamos
indo, em uma hora o trem sairá.
Ao chegamos na estação do trem e Kiros comprou as nossas passagens que ficaram
com Alice, logo, nós entramos no terceiro vagão, que seria nosso até o término da viagem.
Dentro dele haviam algumas coisas, como dois sofás, uma poltrona reclinável, uma mesa
encostada na parede com três cadeiras e uma cama-beliche.
Kyrie apossou-se da poltrona, Uriol e as garotas ficaram com os sofás e Kiros subiu
para a cama de cima daquele beliche. Ceres logo sentou-se na cama de baixo.
— Venha Toya, sente aqui. — Disse Ceres dando uns tapinhas no colchão da cama.
Eu fui e me sentei, logo o trem partiu e começou a chacoalhar.
— Quem diria que estaríamos juntos em uma missão logo após tão pouco tempo,
não é mesmo? —, comentou Kiros.
— É verdade. — Falei. — E uma pergunta... Chloe, essa é sua primeira missão?
Ela balançou a cabeça assentindo.
— Sério? —, indagou Alice. — Caramba... começar em uma missão de rank A, deve
ser um pouco assustador.
Pude notar que Chloe mudou sua compostura, talvez estivesse tremendo um pouco.
— Ótimo Alice, falando desse jeito você apenas assustará a garota. — Disse Uriol.
— Ei, Chloe... não se preocupe com nada. É sua primeira missão, e estamos em um dos
níveis mais altos, mas não precisa ficar assustada com isso. Nós a protegeremos, e
instruiremos você da forma correta para que a missão acabe bem e ninguém venha a se
machucar.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Nós abrimos a porta do vagão e então descemos. Eu dei uma breve olhada no local,
e realmente, tudo estava aos escombros. Vários prédios haviam sido destruídos por
completo, e aqueles que não tinham sido praticamente demolidos estavam com imensos
buracos em suas estruturas, faltava meia hora para as cinco horas, e em breve o sol iria
se por... por estarmos no inverno ele estava se pondo mais cedo do que costume.
— Isso é bem triste a certo ponto. — Disse Chloe. — Triste e assustador...
— Não vejo ninguém por aqui, é bem estranho tal coisa... —, disse Kiros. — Eu diria
para nos separarmos e então procurarmos pelo grupo de caçadores que estão por aqui,
mas isso nunca dá certo. Coisas ruins sempre costumam acontecer quando nos
separamos, então, eu quero que vocês me digam... por qual lado devemos começar a
procurar?
Nós então ouvimos um estrondo.
— Só fui eu que ouvi tal coisa? —¸ indagou Uriol.
— Não... não foi apenas você. — Disse Alice.
— Quietos... eu estou ouvindo algo vindo em nossa direção.
Pelo horizonte, deu-se para ver um grupo de homens correndo de uma enorme besta
de três metros. Ela era nada mais que um reptiliano de três cabeças, sendo uma de
tubarão, outra de crocodilo e a última de cobra.
— Mas... que merda... —, disse Kyrie.
— Eles estão em cinco... mas não acho que eles consigam vencer aquela coisa. —
Comentou Ceres. — O que nós vamos fazer?!
— Nós iremos ajuda-los. — Disse Kiros. — Não temos tempo para uma estratégia
muito bem bolada, mas a única coisa que irei dizer é, Chloe, não saia de perto de mim ou
da Alice. E o restante, não tenham medo de ataca-los com tudo que possuem,
entenderam?!
— Certo! —, todos nós gritamos em uníssono.
Nós corremos a todo vapor em direção a tal besta que por hora estava sendo contida
por aqueles homens que vestiam trajes pretos. Não demoramos muito tempo para
chegarmos perto o bastante para iniciarmos um ataque, e logo Alice conjurou uma magia.
— Estilo d’água: Dragão Tornado!
Um dragão feito de um vórtice de água apareceu a partir da mão de Alice, que o
controlava com maestria, logo o enviando para cima da criatura de três metros. Ela,
virando apenas a sua cabeça de tubarão, cuspiu um fogo azul, que ao tocar a técnica de
Alice, congelou-a imediatamente.
— Mas o quê?! —, exclamou ela surpresa.
— Comecem a atacar! —, exclamou Kiros. — Estilo do trovão: Espada Relâmpago!
Kiros com sua longa espada feita de energia atingiu o corpo da criatura, mas sem
efeito.
— Sua pele é resistente demais até para um ataque desses?! —, exclamou um dos
caçadores.
— Minha vez. — Disse Ceres. — Estilo d’água: Revolver de água!
Mirando seu dedo a uma das cabeças da criatura, Ceres disparou três vezes... a
criatura sentiu o dano e recuou, mas não houve nenhum dano aparente. A criatura por
sua vez, agora com a cabeça de crocodilo, soltou um fogo roxo que foi em direção de Ceres.
— Não deixe que isso lhe toque! —, exclamou um dos caçadores de forma
desesperada.
— O quê?! —, exclamou Ceres logo pulando para trás.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
XVIII
O sol já havia se posto, e o local inteiro onde nosso grupo estava havia ficado mais escuro
e silencioso, por conta disso, os caçadores decidiram parar em um pequeno galpão para
passarmos a noite lá.
Eles pegaram alguns pedaços de papelão e colocaram dentro de dois barris — que
estavam cortados ao meio — fazendo assim, uma fogueira. Kiros e os outros então
aproveitaram para pegar uns caixotes de madeira que estavam espalhados pelo local para
eles terem onde sentarem, já que, eles teriam de passar a noite nesse galpão.
— Todos nós fomos muito bem nessa luta. Parece que já estamos acostumados a
trabalharmos em equipe... —, disse Ceres puxando uma conversa. — Kiros, a maneira
como você manteve a calma e distribuiu várias ordens a todos foi incrível!
— Um trabalho foi me dado pelo diretor, eu mesmo não quero fazer feio para ele. —
Disse Kiros. — Mas eu concordo com você. Todos foram muito bem hoje, praticamente
ninguém se machucou.
Podia-se notar que Chloe estava tremendo, mas não parecia ser de frio. Toya,
percebendo isso, decidiu conforta-la um pouco.
— Chloe? O que foi? —, indagou Toya. — Nós conseguimos, você não precisa ficar
apreensiva, com medo ou qualquer coisa do tipo.
— Não é isso... é que... eu não pude fazer nada para ajudar vocês. Eu apenas fiquei
parada, tremendo de medo. — Disse Chloe. — Eu estou nervosa por conta de vocês não
precisarem de mim. Eu sou uma inútil para essa equipe.
— Ei garota, não diga uma coisa dessas. — Disse Kiros. — Eu não te escolhi para
meu grupo por acaso... você não conseguiu fazer nada por falta de experiencia, apenas
isso. Você aprenderá várias coisas com esta missão, por isso, não diga que você é inútil,
ok?
— O que ele disse é verdade. — Disse Uriol. — Você apenas precisa pegar o jeito, e
isso só se consegue com prática. É tipo andar de bicicleta, quando você aprender, não
esquecerá mais.
— Verdade? —, indagou Chloe.
— Absoluta.
Naquele mesmo instante, todos escutaram um barulho vindo lado de fora do galpão,
e nisso, Chloe gritou assustada.
— AHHHHH!
— Acalme-se guria! —, vociferou Kyrie, que estava deitado. — Seu grito, além de
irritante é ensurdecedor.
— Mas... —, murmurou Chloe.
— Mas o quê?!
— Pode ter sido... alguma criatura...
— Como se você ou eu não fossemos uma. — Kyrie suspirou. — Tirando o Toya, e
aqueles caçadores ali, todos nós somos criaturas... olhe para aquele idiota por exemplo —
Kyrie apontou para Kiros que apenas acenou com um sorriso no rosto. — Ele é um
lobisomem, se você não sabia, e eu não estou vendo você com medo dele.
— Lobisomem...? —, indagou ela. — Ele não parece com um... bom... ele em sua
forma normal não está assustador.
— Você voltou a tremer. — Disse Alice que estava ao lado de Chloe. — O que
aconteceu?
— Eu tenho bastante medo de lobisomens...
— Ué, por que? —, indagou Kiros.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Faz bastante tempo, mas, no local onde eu morava antigamente sofreu um ataque
que matou muitas dos moradores, eu era bem pequena quando aconteceu isso, e lembro
de meu pai dizer que eles eram lobisomens.
Kiros deu um breve sorrisinho travesso.
— Lá vem... —, disse Kyrie revirando os olhos.
— Bom, está na hora de você perder esse seu medo. — Disse Kiros logo tirando sua
camisa e a entregando para Alice. — Pode segurar isso para mim?
— É... por que você está se despindo? Quero dizer... —, Alice corou.
Em uma rápida metamorfose, Kiros aumentou de tamanho, ganhou pelos que
preencheram todo o seu corpo, suas presas aumentaram de tamanho, e ele ganhou garras
que sem um breve cuidado, elas poderiam rasgar até algo feito de aço.
— AHHHHH! —, gritou Chloe, logo se escondendo atrás de Alice.
— Eu pareço assustador? —, indagou Kiros com uma voz um pouco mais grossa.
— Você é diferente do Scott... —, disse Toya. — Sua pelagem é mais escura que a
dele, e também você pode ficar de pé como nós.
— Scott era um estilo diferente de Licantropo, além de que, ele não podia controlar
sua transformação. Ele é de uma espécie quadrupede dos lobisomens, a mais parecida
com os lobos de verdade, eu como um alfa puro, posso tanto ficar nas duas patas, quanto
em quatro. Bem legal, não é?
Tal coisa demorou um tempinho, até que Kiros levantou-se bruscamente ficando
em duas patas novamente.
— Afastem-se. — Disse ele. — Rápido! Vão para longe dessa parede!
Todos correram para uma distância segura assim como ordenou Kiros e segundos
depois a parede explodiu e um touro autômato feito de cobre — que por algum motivo
bufava fogo pelas suas narinas — começou a trocar força com Kiros ainda em sua forma
de lobisomem.
— Assim é tão mais fácil... —, comentou Kiros logo rasgando o autômato ao meio a
partir dos chifres. — Kyrie, siga-me, vamos ver quem mandou essa coisa contra nós.
— Mas que saco... —, praguejou Kyrie que logo se levantou e tirou o pó de suas
roupas. — Você aí! Não deixem esse fogo apagar, entenderam?!
— Sim senhor! —, disse Ceres em uma risada.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Está vendo aquele cara ali? —, Kiros apontou para o prédio que estava logo a
frente. — Ele está junto de alguém encapuzado...
— Sorte a sua que eu consigo enxergar no escuro, pois se não essa sua pergunta
teria sido bem idiota. — Disse Kyrie. — Mas o que tem ele?
— Eu acho que foi ele quem mandou aquele autômato, posso estar errado, mas eu
irei testar. — Quero que me dê suporte, já que quero captura-lo.
— Leve-o para um local onde eu possa usar minha técnica de prisão pelas sombras
então. Mas duvido bastante que eu consiga prender os dois, já que eles se separaram de
certeza.
— Um deles já basta.
— Okay então. Vamos lá.
Kyrie e Kiros avançaram em direção do prédio e o rapaz que estava em cima dele
invocou mais dois autômatos — um touro e um falcão gigante — ambos feitos de cobre. O
touro chocou-se contra Kiros, que o agarrou pelos chifres, mas ao invés de rasga-lo ao
meio como fizera com o outro, Kiros decidiu usá-lo como taco de basebol, acertando o
falcão e destruindo os dois por conta do impacto.
— Precisa disso tudo? —, indagou Kyrie.
— Se eu me segurasse não teria graça alguma. — Respondeu Kiros. — Mas não se
preocupe, isso apenas é quarenta e cinco por cento de minha força. Bom, eu irei para cima
daquele prédio, você tem como subir sozinho? Ou quer uma carona em minhas costas?
— Vá em frente, eu irei sozinho.
Kiros então se agachou e em um impulso ele saltou logo chegando em cima do prédio
onde estavam as duas pessoas que estavam mandando os autômatos. Kyrie apareceu ao
lado de Kiros logo depois, em forma de uma fumaça negra.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— É? Mas eu não estou sentindo. — Disse Kiros. — Vamos voltar, Kyrie... eu tenho
várias perguntas para esse cara.
Ao voltarem para o galpão, os caçadores providenciaram uma corda com a qual
amarraram o rapaz dos autômatos, logo deixando ele no chão para que todos pudessem
ver o que Kiros e Kyrie iriam fazer com ele. Pode-se notar que o mesmo parecia ser um
homem adulto, tinha cabelos raspados, pele parda e olhos pretos, continuava usando o
manto que cobria seu corpo, mas seus braços e pernas estavam visíveis.
— Vamos lá, desembucha! —, exclamou Kyrie ao rapaz. — O que você veio fazer
aqui, ou quem te mandou para cá?!
— Acha mesmo que um bando de moleques, como vocês irão conseguir extrair
alguma informação de mim? —, ele riu. — Até parece!
— Essa é uma péssima escolha colega... —, disse Kiros. — Conte o que o queremos
saber e você não sairá machucado dessa... mas claro, se você quiser fazer do jeito difícil,
nós providenciaremos um para você.
— Tch... eu gostaria de ver vocês tentarem.
Kyrie agarrou os cabelos do rapaz dominando sua cabeça, logo, desferindo uma
joelhada contra o rosto do mesmo. Um pouco de sangue começou a sair da boca do rapaz,
mas o mesmo não mudou de reação, como se estivesse zombando do grupo.
— Nada? —, indagou Kyrie logo olhando para Kiros. — Acho que irei gostar deste
aí.
O olhar de Kiros mudou para algo mais sério e sombrio, logo ele disse:
— Eu não gostaria de fazer isso, mas... —, ele então se movimentou indo para trás
do rapaz desamarrando uma de suas mãos — ou você diz o que queremos saber, ou eu
irei quebrar sua mão aqui e agora.
— Seu jeito de impor medo é fraco demais, moleque. — Disse o rapaz. — Você não
me assusta.
Bom, eu como narrador digo que é melhor tirar as crianças da sala... pois, a cena a
seguir não vai ser nada bonita de se ver.
— Garotas, voltem para a fogueira, ok? —, disse Kiros.
— Certo... —, disse Alice. — Venha Chloe.
— Eu te aconselho a falar. — Disse Kyrie. — Ah! Mais uma coisa, se você gritar alto
demais, eu irei te dar outra joelhada no rosto. — Kyrie então riu.
— Ah cara... isso vai doer... —, comentou Uriol.
— Está com pena dele? Mas como é uma moça —, Kyrie fitou Uriol decepcionado.
— Kiros, apenas faça o que tem de fazer. Esse merda aí não vai falar sem um pouco de
pressão.
Kiros, em um aperto de mão que você não gostaria de receber, acabou não apenas
quebrando os ossos, mas sim os esmagando como se eles fossem uma simples bolacha
água e sal. Admito, o barulho foi horrível, todos aqueles pequenos ossos da mão se
despedaçando de uma vez, seguido de um grito de agonia dado pelo rapaz foi a cena
presenciada por Kyrie, Kiros, Toya e Ceres.
— Pronto para falar? —, indagou Kiros ao rapaz.
— Jamais... —, respondeu o rapaz, e todos perceberam que ele estava suando frio.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Talvez eu devesse cortar a outra mão ao invés de você quebrar, o que acham?
Assim ele não poderia mais invocar suas criaturas de bronze. — Disse Kyrie logo trazendo
sua katana a partir de um vórtice.
— Ei Kyrie, como você faz isso? —, indagou Toya.
— O quê?
— Trazer essa sua espada do nada.
— É difícil explicar agora, deixemos isso para depois, ok?
— Ok.
— E então? O que acham da ideia?
Kiros respirou fundo e logo suspirou.
— Faça. — Disse ele em um tom firme.
— Afastem-se, ou o sangue dele irá sujar todos vocês. — Disse Kyrie.
Todos deram alguns passos para trás e logo Kyrie agarrou um dos braços do rapaz.
— Ser durão não é algo inteligente as vezes. — Disse ele.
— Um moleque mimado como você nunca entenderia o que é proteger um segredo.
— Mimado? —, Kyrie soltou uma gargalhada. — Seus insultos são até que divertidos
cara. Mas se você não falar, eu ficarei muito feliz em continuar fazendo o que irei começar
agora.
Em apenas um golpe, Kyrie cortou a mão do rapaz fora.
Toya se aproximou do rapaz e agarrou o braço dele, e com uma aura esverdeada
envolvendo suas mãos, ele se aproximou do ferimento do rapaz.
— Argh... vocês são moles mesmo ein?! —, exclamou o rapaz. — Cortam minha mão
e depois começam a me curar.
— Se você continuar a perder tanto sangue você morreria, e assim perderíamos
nosso progresso. — Disse Toya. — Você diz que somos garotos, moleques ingênuos, mas
você é o único que está continuando no erro de “tentar ser durão” enquanto tem membros
esmigalhados ou cortados. Sua vida vale tão pouco assim? Ridículo...
— Deixe ele continuar com essa falsa encenação, Toya. Deve ser ridicularizante para
ele ser dominado por jovens de treze anos como nós. — Comentou Ceres. — Ele com certeza
faz parte da equipe Hydra, se não, não haveria motivo para ter nos seguido esse tempo
todo e atacado a todos nós apenas agora, já que estamos todos cansados.
O rapaz olhou para Ceres surpreso, e ela logo continuou.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— O idiota está certo. — Disse Kyrie. — Por que você não nos avisou? Nós
poderíamos ter capturado os dois se soubéssemos que eles estavam nos seguindo esse
tempo todo.
— Foi mal... é que vocês estavam tão entretidos interagindo entre si que eu acabei
esquecendo de avisar tal coisa.
— Todos cometem erros. — Disse Kiros. — Nós não percebemos eles, e erramos
nisso. Vamos focar no agora já que isso é o mais importante, entenderam?
— Quanta falação... —, disse Kyrie logo voltando-se para o rapaz. — Escute aqui,
eu te darei mais uma chance de falar, sacou? Estou sem ficando sem paciência e quando
isso acontece, eu costumo não pensar tanto em minhas ações e aposto que eu te mataria
em segundos sem me importar se iremos ou não ficar sabendo a verdade sobre quem te
mandou ou o que você veio fazer aqui.
— Pff... você fica engraçado quando fica com raiva.
— É mesmo? Que bom saber. — Kyrie então atravessou a lamina de sua katana no
ombro esquerdo do rapaz, que apenas grunhiu de dor. — Conte-me mais sobre como eu
fico engraçado enquanto eu rasgo mais algumas partes de seu corpo. Será divertido!
— Você daria um ótimo vilão... argh... por que você não vem para o nosso lado e
deixa esses perdedores aí?
— Me juntar ao lado daqueles que irão perder é idiotice, não acha? —, Kyrie retirou
sua katana e logo cortou o braço do rapaz fora logo em sequência chutando sua cara,
fazendo-o cair de costas no chão.
— Pare. — Disse Kiros segurando o braço de Kyrie que apontava sua katana contra
o rosto do rapaz. — Mata-lo não vai adiantar de nada.
— E continuar pressionando ele também não. — Me solte, ele não é mais útil para
nós. Eu irei mata-lo pois assim quando essa notícia chegar até a Hydra, eles saberão com
quem estão lidando.
— E-eu... eu irei falar... —, murmurou o rapaz.
— Hmpf... patético. — Kyrie desmaterializou sua katana. — Eu irei dar uma volta,
voltarei antes do amanhecer.
Ele então saiu pelo buraco antes feito pelo touro autômato e logo sumiu da vista de
todos.
— Pode começar a falar. — Disse Kiros, enquanto levantava o rapaz.
— O que querem saber? Contarei tudo a vocês contanto que me deixem ir quando
estiverem satisfeitos com as respostas. — Disse o rapaz.
— Qual o seu nome? —, indagou Toya enquanto curava novamente o rapaz.
— Mako. — E obrigado por curar novamente minhas feridas, garoto.
— Qual era exatamente sua missão, e quem o mandou aqui? —, indagou Kiros logo
voltando para sua forma original de humano.
— Atacar vocês no intuito de elimina-los, mas parece que vocês aumentaram
bastante seus poderes desde a última luta que vocês tiveram contra o Cloud.
— Cloud? —, indagou Alice.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Então as pessoas que “trocaram de lado”, assim por dizer, estão na equipe
Quimera? Já que foram milhares de pessoas. — Indagou Toya.
— Talvez, eu não sei lhe responder tal coisa. Mas é bem provável que sim.
— Quem são os mais fortes entre vocês? —, indagou Ceres.
— Eu sou o mais fraco entre todos da equipe Fênix, logo depois vem o Cloud, ele é
muito mais forte que eu, mas não tanto quanto os outros. Depois vem a Krystal, o Dean e
o Kai, que é o mais forte dos três. Por último, Juli e Queen, as duas são as mais fortes de
todo o esquadrão, mas eu não sei bem quem das duas é a mais forte.
— Estou me sentindo um pouco rebaixado ao ouvir isso... —, disse Kiros. — Aquele
me derrotou com tanta facilidade ser um dos mais fracos entre os que estavam no dia.
— Aquele cara sempre luta a sério, mas seus poderes são limitados em comparação
a Queen. Você está bem mais forte do que a última vez, sua forma de lobisomem é de dar
medo, mas pelos meus cálculos, você ainda não superou ele.
— Ainda, não é? Interessante.
— Bom, mais alguma coisa que vocês querem saber? Essas cordas estão começando
a me machucar.
— Eu tenho. — Disse Chloe e todos se voltaram para ela. — Por que vocês estão
fazendo isso? Por que seguir ordens desse deus do mal e destruir essas cidades?
— É uma questão complicada, garota. Fobos apenas quer poder, Deimos apenas
decidiu ajudar seu irmão, e os dois estão sobre o controle do titã, Crio, que quer a queda
do olimpo. — Mako suspirou. — É complicado dizer o porquê de estarmos
seguindo/ajudando tais deuses, pode ser medo da destruição, ou até mesmo apenas
acreditar que eles vão vencer tal guerra e como nós temos um pouco das características
humanas, nós eminentemente queremos estar do lado vencedor.
— Mas vocês não estariam em desvantagem? Digo... dois deuses e um titã contra o
resto do olimpo inteiro.
— Não, eles não estão. — Disse Ceres e Alice em uníssono.
— Os deuses olimpianos não podem se intrometer nas lutas dos “mortais”, assim
por dizer. — Continuou Alice. — Por isso existem os semideuses, mas claro, eu não acho
que nenhum deles tenha poder suficiente para destruir um titã.
— É exatamente por isso. — Disse Mako. — Não somos nós que estamos em
desvantagem, mas sim vocês.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Os Feiticeiros Andrômeda, talvez. — Disse Ceres. — Mas eles também não podem
se intrometer nas lutas dos humanos, a menos que seja uma coisa de nível extremamente
catastrófico. E sobre os cavaleiros? Cada um possui poderes inimagináveis, mas eu acho
que seria mais útil eles dando ajuda aos mais fracos na guerra do que eles focarem em
destruir o titã, Crio, em si.
— O que ela disse é verdade. — Disse Kiros. — O inimigo terá um exército enorme,
e se nós ficássemos sem os cavaleiros na vanguarda, nós perderíamos fácil, fácil.
— Bom, vocês têm mais alguma pergunta? Eu sei que a conversa deve estar boa,
mas lembrem do trato que fizeram.
— Você não está em condições de fazer propostas. — Alegou Ceres. — Nós iremos
te soltar quando acharmos que tal coisa deve ser feita.
— Okay então... —, Mako suspirou. — Mas, e então? Vocês têm mais alguma
pergunta para me fazer?
— Eu tenho uma última. — Disse Toya. — E vocês?
Todos afirmaram, menos Kiros que ainda possuía uma última questão a ser feita.
— Onde fica a base de vocês? —, indagou Kiros.
— Uma de nossas bases fica ao sul da cidade da Academia Cronos.
— Bom, agora é minha vez de fazer minha pergunta. — Disse Toya.
— Bom, pode faze-la. — Disse Mako.
Mako saiu pelo mesmo buraco que Kyrie e logo desapareceu na escuridão daquela
cidade.
Todos se reuniram novamente perto do fogo e Kiros começou a falar.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Aposto que ganharemos alguns pontos com o diretor por conta de termos
conseguido tais informações desse cara.
— Ele deve enviar uma equipe para a tal base da Hydra, se a informação estiver
realmente correta, nós poderemos até descobrir mais coisas importantes para a guerra. —
Disse Alice. — Mas... eu estou apreensiva sobre se poderemos vencer os integrantes do
esquadrão Fênix.
— Eu também pensei em tal coisa... —, disse Kiros. — Se aquele androide que
conseguiu me derrotar tão facilmente está no mesmo nível que eu ultimamente, então quer
dizer que eu preciso melhorar minhas habilidades mais ainda para derrota-lo.
— Se lutássemos juntos, eu aposto que daria para vencê-lo sem problemas. — Disse
Ceres confiante.
— O problema não é esse. E sim o fato de o restante do grupo ser bem mais forte
que ele. Nós nem ao menos sabemos suas habilidades... nem mesmo aquele cara parecia
saber bem quem era a pessoa mais forte do próprio grupo.
— Juli e Queen, ele disse. — Disse Toya. — As duas estavam no dia em que nós
tomamos aquela surra, e realmente, as duas nem se quer se mexeram para ajudar Cloud.
E também tem aquele Kai, que derrubou Scott com apenas um golpe.
— Eu conheço o seu estilo de luta... ele acertou um ponto de pressão de Scott, mas
sua velocidade e precisão foram incríveis... —, comentou Uriol. — Deu para observar
mesmo estando longe de vocês.
— Você está reclamando dessa parte pois ainda não viu a segunda... —, comentou
Toya. — Andar sobre a água é algo pior ainda, mas eu não digo que é algo inútil.
— E para que tal coisa serviria? Além de evitar que eu me afogasse, coisa que já é
impossível para mim, que sou uma filha de Poseidon.
Toya ergueu seu punho e envolveu sua toda a sua mão com Mana.
— Serve para isso. — Disse Toya em um sorriso.
— Envolver suas mãos em um manto de Mana? Continuo sem entender.
— Apenas observe. — Toya se levantou e se aproximou de uma pilastra. — Com
esse “manto” de Mana envolvendo minha mão, eu posso quebrar essa coisa sem causar
danos aos meus ossos. — Ele desferiu o seu soco contra a pilastra, que se desmanchou
assim que foi acertada. — E olhe que eu apenas sou um humano, eu imagino o Kiros ou
até mesmo o Fuschia fazendo isso. O estrago seria muito pior.
— É... se ele souber fazer tal coisa eu teria medo de lutar contra ele. — Disse Kiros.
— O lobisomem que rasgou um touro de metal ao meio disse que tem medo de lutar
com alguém? —, disse Uriol. — Isso é algo bem curioso.
— Fuschia é um Berserker, e eu não estou pronto para lutar com um ainda, mesmo
que seja um de nossa idade.
— Falando nisso... vocês não me responderam naquela vez. — Disse Ceres. — O que
é um Berserker?
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Você pode me acordar se for o caso. — Disse Ceres. — Kyrie saiu para dar “uma
volta”, então a pessoa mais forte entre nós, depois de você, sou eu. E se for para ficar de
vigia, é melhor que seja a pessoa mais forte mesmo.
Todos então ajeitaram um canto para dormirem, e Kiros ficou de vigia no buraco
feito pelos touros mecânicos, apenas observando o lado de fora do galpão. Seria uma noite
longa, mas o dia de amanhã ainda continuava por ser uma incógnita.
- 200 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
XIX
Dentro de um comboio mal iluminado, Scott estava sentado em uma das camas — beliches
— com Angelica Meadows ao seu lado, tendo sua cabeça apoiada ao seu ombro esquerdo.
— Por que você está com essa cara? —, indagou ela a Scott. — Você está emburrado
desde que saímos daquela academia ridícula...
Scott balançou a cabeça negativamente, logo disse:
— Você não entenderia meu ponto... —, ele suspirou. — Estou farto de ser o mais
fraco, estou cansado daquele imbecil nunca me ensinar como fazer as coisas... eu quero
ficar mais forte para mostrar o quão errado foi ele ter me negligenciado.
Um trovão rimbombou do lado de fora, e percebeu que a chuva iria apenas piorar.
— Você parece um bebê chorão. — Disse um jovem que estava deitado em uma
cama à frente da de Scott. — Seu pai não te deu atenção e você fugiu de casa? Acha que
vai ganhar atenção e afeto se juntando a Hydra? Você está completamente enganado...
— Eu não quero atenção, muito menos afeto. — Disse Scott. — Apenas quero
poder... só assim eu poderei mostrar a um certo alguém como ele está errado.
— É isso aí! Ele não precisa de atenção, muito menos afeto de mais ninguém. Eu
mesma darei isso para ele. — Disse Angelica.
— Duas criancinhas como vocês não aguentaram um dia sequer na Hydra. — Disse
o jovem. — Seria melhor que os dois pombinhos apenas desistissem dessa ideia.
Scott se levantou e outro trovão ribombou — enquanto aquele vagão do comboio —
era iluminado pela luz dos relâmpagos.
— Quem aqui é criancinha? —, indagou Scott, se aproximando do garoto. —
Responda.
— Ficou com raiva só por isso? —, disse o jovem, levantando-se também. — O que
vai fazer? Pretende me bater por isso? Vá em frente, eu não irei revidar contra uma
criancinha tola como você.
Scott ergueu seu punho contra o jovem, mas foi impedido por outra pessoa que
também estava naquele vagão.
— É melhor você aprender a controlar essa sua raiva. — A pessoa estava
encapuzada, mas, podia-se notar, por sua voz, que era uma garota. — Ignore esse imbecil,
ele apenas é daqueles que gostam de causar confusões.
— E o que você sabe? Sua baixinha. — Disse o jovem.
— Algum problema com minha estatura? —, ela riu. — Você parece conturbado,
está atacando verbalmente qualquer pessoa que esteja pela frente. É bem patético...
— Ora sua! —, ele desferiu um soco contra o rosto da garota encapuzada, mas a
mesma desviou sem problemas.
No mesmo instante o comboio chacoalhou e as portas se abriram.
— Todos vocês, desçam. — Disse Cloud. — Eu sou Cloud, e serei o guia de vocês.
Cloud estava usando um casaco jeans preto sem mangas, e por baixo, uma camiseta
de mangas longas, branca. Sua calça era um jeans surrado com alguns rasgos pequenos
tanto na perna direita, quanto esquerda.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Parece que eu peguei leve demais nessa rajada... morra de uma vez. — Disse
Cloud.
A segunda rajada de energia desferida por Cloud desintegrou o corpo do jovem
deixando algumas cinzas que logo foram levadas pelo vento. Em seguida, ele voltou-se para
Scott e a garota encapuzada e disse:
— Sigam-me, e não me perturbem a menos que queriam fazer uma pergunta
importante.
Cloud buscou mais algumas pessoas em outros vagões e logo todos seguiram ele, que
explicou cada parte daquele “quartel general” da Hydra.
— Existem algumas regras cruciais aqui na Hydra, e vocês, meros idiotas, não
devem desobedecer a elas de jeito algum. — Disse Cloud. — A primeira é: Sempre
obedeçam às ordens dos superiores, e não discutam sobre elas. A menos que vocês queiram
ser mortos. Segunda regra: Nada de brigas entre vocês, a menos que seja um duelo
autorizado por um dos superiores. Nós somos uma equipe, e não queremos que vocês
idiotas fiquem se destruindo por si sós. Terceira e última regra importante: Todos vocês
devem dar o máximo de si nos testes, pois assim poderemos avalia-los e então distribui-
los para grupos classificados para o nível de vocês. Com sorte, vocês possam até ficar no
mesmo grupo que eu, e os outros mais fortes da Hydra, a equipe Fênix. — Cloud virou-se
para todos que estavam seguindo ele e logo disse: — Alguma pergunta?
— Quais são nossos horários? —, disse um rapaz franzino.
— Hm... É uma pergunta boa, e por isso eu não irei te matar. — Bom, os seus
horários são: 6 horas, vocês acordam e vão para o refeitório, depois vocês têm trinta
minutos livres para fazerem o que querem. As 7 horas vocês terão um rigoroso treinamento
na academia, e claro, isso não é opcional... aquele ou aqueles que não forem para o
treinamento, não importando o motivo, sintam-se mortos. Após os treinamentos vocês irão
voltar para o refeitório e irão almoçar, tendo 1 hora e meia de descanso até o retorno dos
treinos. As 6:30 vocês irão jantar e depois disso estarão livres para fazer o que quiserem,
vocês não têm um horário certo para dormirem, mas, lembrem que terão que seguir o
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
mesmo horário no dia seguinte, e se ficarem com sono e dormirem demais a ponto de
perderem algum treinamento, acontecerá o que eu disse. Sintam-se mortos.
— Em questão dos “duelos”, ou coisa do tipo... qualquer um dos superiores serve
para nos autorizar a fazer isso? —, indagou Scott.
— Sim, qualquer um servirá. Mas dependerá da disponibilidade deles também, terão
alguns que não estarão com vontade de supervisionar vocês. — Bom... Continuem me
seguindo, vocês terão um teste agora mesmo quando chegarmos lá.
— E esse teste servirá para? —, indagou um garoto de cabelos castanhos.
— Separar vocês idiotas em níveis de poder e habilidade. Os mais fortes ficarão em
um grupo, e os fracos em outro.
— Essas equipes não serão oficiais. Elas apenas definirão quem de vocês são fortes
e quem de vocês são fracos, nisso, nós dividiremos vocês em grupos reais. — Cloud bufou.
— Agora, apenas fiquem quietos. Nós iremos apenas nos atrasar se ficarmos parando para
eu responder cada pergunta boba dessas.
Todos continuaram seguindo Cloud até chegarem em uma sala enorme. A mesma
tinha um teto feito de vidro, por onde podia se ver as gotas de chuva caindo e os clarões
dos relâmpagos iluminando o céu.
Na sala quatro pessoas esperavam, cada uma diferente da outra. Um jovem garoto
de pele branca e cabelos pretos e longos — quase batendo em sua cintura — vestindo uma
jaqueta de mangas curtas e uma calça tactel, ele estava sentado no chão, de olhos fechados
e braços cruzados. Ao lado dele, tinha uma garota quase pálida de cabelos castanhos, a
mesma por conta de sua mini jaqueta ser aberta na parte dos seios, exibia uma tatuagem
de dragão feita no local. Em sequência, uma outra jovem garota que tem seus cabelos
curtos — de cor violeta — em um corte chanel. Estava usando um vestido roxo com um
babado na parte da saia — que ficava um pouco acima de seus joelhos, usava também
uma calça legging preta e um coturno da mesma cor. Finalizando, também junto a eles,
tinha um jovem homem que claramente era mais velho que os demais. Estava usando uma
camiseta preta sem mangas e uma calça branca. Seus cabelos são raspados, sua pele é
parda e ele tem uma barba por fazer.
— Enfim chegou, Cloud. — Disse Juli, a garota da tatuagem de dragão. — Por que
demorou tanto?
— Esses idiotas não paravam de me fazer perguntas. — Cloud bufou. — Outra
remessa de pessoas que estão vindo para cá, chegaram em algumas horas, mas, podem
mandar outra pessoa ficar esperando, eu estou sem paciência para isso.
— Você precisa tomar algum remédio calmante... —, disse Mako, o jovem homem
adulto. — Mas não se preocupe com isso, você pode ficar aqui e ajudar nos testes, eu irei
esperar o restante das pessoas que ainda chegarão.
— Mako, você não precisa pegar o trabalho dele. — Disse Queen, a garota do vestido
roxo. — Se você sempre ficar se oferecendo para terminar com o trabalho dele, ele nunca
vai aprender a cumprir com suas próprias obrigações.
— Falou a mais responsável de todos nós! —, vociferou Cloud.
— Cloud, ela é sim a mais responsável de todos nós. — Disse Juli. — Depois dela
só o Mako mesmo para ser tão pontual, organizado e “certinho” assim.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Não esqueça da Krystal, ela junto do irmão, podem não participarem diretamente
desse nosso esquadrão ainda, mas, pelo que vi, ela também é extremamente pontual,
organizada e certinha. — Disse Mako.
— Deixemos tais coisas para outra hora. — Disse Kai, o garoto de cabelos compridos
que estava sentado no chão. — Dean e Krystal chegaram, vamos começar com esses testes.
No mesmo instante, dois jovens chegaram por uma porta à direita do grupo. Um
jovem rapaz de cabelos castanhos e pele parda. Ele veste uma jaqueta vermelha de zíper
fechada e rasgada nos ombros e uma letra D costurada na altura do peito. Possui luvas
pretas e veste também uma calça preta simples. Já a garota ao seu lado — sua irmã —
tinha a pele esbranquiçada, cabelos loiros — presos em um rabo de cavalo — e os olhos
azuis — assim como seu irmão —, estava vestindo uma blusa sem mangas, com luvas
brancas em ambas as mãos que possuíam uma letra K costurada nelas, usava também
uma calça jeans de coloração preta surrada e com alguns rasgos.
— Ainda não começaram? —, indagou Dean, o garoto que acabara de chegar.
— Estávamos apenas esperando vocês dois, isso além do fato que o Cloud também
acabou de chegar, claro. — Disse Juli.
— Bom... quem vai ficar em meu lugar? —, indagou Cloud.
— Eu já disse que eu mesmo irei. — Disse Mako. — Eu preciso ficar em qual das
estações?
— Na qual eu estava. Três B.
— Certo. Se vocês acabarem com os testes antes do restante das pessoas chegarem,
me mandem um toque. — Mako então seguiu pelo caminho por qual Cloud tinha vindo
anteriormente, voltando para a estação dos trens.
Cloud então foi para perto do restante do esquadrão Fênix e logo Kai levantou-se,
ainda com seus olhos fechados e logo começou a falar.
— Todos vocês, aqui presentes, agora fazem parte da Hydra. Tal organização
fundada pelos deuses Fobos e Deimos com a supervisão geral do titã Crio, aquele quem
estamos “ajudando” a cumprir seu objetivo maior que é a destruição do olimpo. Junto
desse objetivo maior, Fobos e seu irmão Deimos deram a nós, antigos membros uma
missão. Ela tinha como objetivo, envenenar o Cristal de Gaia, no coração desse continente.
— Disse Kai. — O ataque foi um sucesso, e o Cristal está se deteriorando aos poucos, mas,
as linhas inimigas já tomaram sua dianteira e colocaram mais um reforço na barreira do
local, com pessoas mais fortes guardando o mesmo. Por isso tivemos que nos expor ao
público, coisa que o senhor Crio não queria fazer a menos que fosse sua última escolha.
Nós precisamos de um exército forte o bastante para combater tanto a força militar dos
Caçadores, tanto para aguentarmos o poder dos Cavaleiros Escarlate.
— Você acha que teríamos chance contra eles? —, indagou uma garota no meio dos
restantes.
— Em nosso poder atual? Não. — Intrometeu-se Queen. — Tanto eu, como Juli,
somos as mais fortes desse esquadrão e consequentemente, somos as pessoas mais fortes
em todo o exército do senhor Fobos, que decidiu escolher apenas aqueles que
condissessem com sua “ideia” de poder verdadeiro. Mas, mesmo assim, nós não somos
páreas para os mais fortes dos Cavaleiros, isso é um fato.
— Mas ainda temos o exército de Deimos, tal que não sabemos o nível de força, mas,
por palavras do próprio senhor Fobos, eles são numerosos, fortes e extremamente
habilidosos. — Disse Kai. — Então, a nossa única vantagem serão vocês.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Não iluda os novatos, Kai. — Disse Dean. — Esse bando de medrosos não
conseguiria subir tanto seus poderes no tão pouco tempo que possuímos. No máximo, eles
ficariam igualados ao Cloud, mas nem isso eu tenho fé.
— Medrosos?! —, exclamou Scott. — Quem você acha que é para nos chamar
assim?!
— Cale essa sua boca, novato. Ou eu terei que fazer você aprender as boas
maneiras... e você preferirá a morte a isso.
— Estou com tanto medo... ah, corta essa! —, disse Scott. — Mas que frase de vilão
clichê essa, viu? E você preferirá a morte a isso... —, Scott o imitou. — Aposto que você não
é essa coisa toda.
— Você é um mero cãozinho... gosta de latir e rosnar, mas não ousa morder, pois
tem medo. — Dean então fitou Kai e estralou os ossos de sua mão e pescoço. — Vocês
podem ficar com o restante desses medrosos. Eu mesmo cuidarei desse idiota aqui, darei
uma lição nele antes que vocês possam colocar ele em alguma equipe.
— Tente não o matar. — Disse Kai. — Juli, faça uma barreira para separar o local.
Dean costuma destruir bastante o campo, então seria bastante perigoso deixar ele fazer o
que quiser com tantos novatos por perto.
— Certo, eu farei isso. — Disse Juli.
— Vamos! —, exclamou Dean a Scott. — Eles irão nos separar dos demais, e assim
poderei dar uma lição em você.
— Hmpf... tanto faz. — Disse Scott. — Vamos acabar com isso de uma vez. — Scott
retirou sua jaqueta e a entregou para Angelica.
Dean e Scott se afastaram do restante do esquadrão Fênix e dos outros novatos,
ficando frente a frente um para o outro.
— Nós ficaremos por aqui, pode fazer essa barreira! —, exclamou Dean.
Juli balançou sua mão verticalmente e uma parede transparente, mas eletrizada
formou-se separando o recinto em duas partes.
— Dependendo da força do garoto ali aquela luta pode demorar. — Disse Krystal. —
Pois... meu irmão não parece estar fingindo aquela raiva.
— Eu lembro dele. — Disse Kai. — Ele foi o que eu nocauteei com um golpe. Você
não estava por lá, mas o restante do esquadrão deve saber quando foi.
— Você está falando daquela noite em que tínhamos sido mandados para recrutar
Kiros Lucian e seus companheiros? —, indagou Queen.
— Sim, eu me refiro exatamente à tal noite.
— Meus leitores mostram que ele não é páreo para o Dean.
— Então meu irmão irá mata-lo Queen! —, exclamou Krystal.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Não, ele não irá. — Disse Kai. — Ele pode ter um temperamento forte, mas ele
sabe muito bem se conter. Não se preocupe com o garoto, se eu notar algum movimento
54fatal eu pararei a luta.
— Foque-se em seu trabalho, esses novatos podem ser interessantes se você der a
devida atenção que eles merecem. — Disse Queen a Krystal.
Scott estava de frente a Dean que o observava de forma furiosa. Os dois tinham
praticamente cinquenta metros quadrados de terreno, isso ignorando o fato da altura desse
local ser de cinco metros, coisa que alguém que soubesse voar poderia utilizar em sua
vantagem, coisa que provavelmente não aconteceria ali de qualquer modo.
— O que aconteceu?! —, vociferou Scott. — Não diga que você que se tornou o
cãozinho e se arrependeu de ter comprado essa briga.
Dean investiu contra Scott em um piscar de olhos, e desferiu um soco contra o rosto
de Scott que pôs seus braços como defesa. Mas isso não se passava de uma finta, e Dean
abaixou-se derrubando Scott com uma rasteira que acertou a parte de trás de seus pés.
— Argh! —, gemeu Scott.
— Seu tempo de reação é lento... —, disse Dean. — Quem treinou você? É patético
você ter caído em uma finta dessas. Você usou todo seu cérebro para se defender de meu
primeiro ataque e se esqueceu completamente de suas partes inferiores... —, ele suspirou.
Scott em um rápido rolamento para trás ergueu-se novamente, logo ficando em sua
postura de luta e Dean, apenas fez um gesto com sua mão esquerda de forma provocativa,
chamando Scott de volta a briga.
Investindo contra Dean, ele rapidamente conseguiu agarrar a cintura do mesmo e
logo começou a leva-lo para a barreira que Juli havia criado.
“Mas que força...” —, pensou Dean enquanto apenas era levado sem poder reagir.
“Esses... esses olhos...”. — Você é um licantropo! —, vociferou Dean, agarrando Scott e
girando-o, antes que ele pudesse o colocar na barreira elétrica. — Ômega...
Scott gemeu de dor ao entrar em contato com a barreira de Juli, mas logo conseguiu
empurrar Dean para longe e se afastar dela.
— Argh... isso realmente doeu. — Comentou Scott.
— Então é daí que vem essa força descomunal... você é um licantropo. — Disse
Dean. — Seu cheiro é diferente... deve ser por conta de você ser um ômega.
— Hmpf... alfas, betas, ômegas... tanto faz isso para mim. Eu irei me tornar forte do
meu jeito, sem precisar desses títulos idiotas.
— Você é interessante... por isso eu pouparei você dessa baboseira que está em sua
mente. — Você nunca será forte sendo um ômega, pois a força de um licantropo vem do
ato de liderar, e somente os alfas podem fazer isso. Um ômega pode até ser mais forte que
um beta, mas nunca mais forte que um alfa.
— Então me vença aqui e agora. Se você não conseguir fazer isso, você seguirá meus
métodos de treino... eu te transformarei em um alfa e te farei mais forte do que é. — Disse
Dean logo investindo contra Scott.
Ele desferiu uma sequência de socos contra o peito de Scott, e o afastou com um
chute frontal.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Pelos cresceram no rosto e braços de Scott, isso além das garras e a afiação dos
caninos em sua boca. Os seus olhos cintilavam um tom vivo de laranja, como se eles
fossem feitos de neon.
Com a mesma coisa acontecendo a Dean, logo ele falou:
— Agora você deve estar querendo levar isso a sério. — Os olhos dele brilhavam em
um vermelho escuro arrepiante.
— Dean! —, exclamou Krystal. — Nós já acabamos aqui! Vê se você adianta as coisas
também, okay?!
— Você tem cinco minutos! —, gritou Kai. — Nós temos que reunir os dados e
entregar ao senhor Fobos, então, você só terá esse tempo.
— Saco... — suspirou Dean. — Bom, sejamos breves.
Scott avançou ferozmente contra Dean e tentou ataca-lo com suas garras... mas
sem sucesso. Todos os golpes foram desviados com uma certa facilidade vinda de Dean e
o mesmo sempre contra-atacando com socos em alguns pontos vitais de Scott.
Um cruzado no rosto, outro em uma das costelas, duas joelhadas contra o estomago
e uma cotovelada novamente contra o rosto e ele caiu no chão. Sem defesa, sem reação,
ele não pôde fazer nada a não ser aceitar essa condição de ser nocauteado.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
XX
Scott acordou na enfermaria. Tentando se localizar, o mesmo ajeitou-se na cama onde
estava deitado, e olhou ao seu redor... não vendo nada além de panos brancos, um
computador de mesa ligado em algumas planilhas e alguns outros jovens — de sua idade
— deitados também, já com alguns ferimentos não tão amigáveis.
— Argh... —, gemeu Scott, logo colocando sua mão na testa. — Que merda...
Ele percebeu que estava enfaixado na testa, e então se recordou de um breve trecho
de sua luta com Dean, ontem.
— Eu sou patético... —, disse a si mesmo.
— Sim, você é. — Disse uma voz feminina ao lado de Scott, que o fez quase pular
da cama pelo susto.
— Que droga! —, exclamou ele. — Desde quando você está aqui?
A pessoa que estava ao lado dele era a garota encapuzada do trem, ela estava
sentada em um banquinho de couro pego na enfermaria mesmo.
— Faz um tempinho, apenas. — Disse ela. — Bom, sua namorada estava aqui agora
a pouco também... ela fez um escanda-lo pensando que você estava morto ou coisa do tipo.
Até que a enfermeira chegou e pediu para que ela se retirasse, pois isso estava
incomodando os outros pacientes.
— Aquela garota... —, resmungou Scott com a mão contra o rosto. — Ela as vezes
me estoura a paciência.
— Por que você não termina com ela? —, indagou a garota encapuzada.
— Olha... ela pode ser um pé no saco na maior parte do tempo, mas, ela é a única
que me escuta tempos para cá.
— Hmm... você não acha que apenas está preso a uma ilusão de sua própria mente?
— Onde você quer chegar?
— Você está carente por atenção ou coisa do tipo? Pois... eu escutei sua conversa
lá dentro do trem, na verdade, todos que estavam naquele vagão escutaram. E o que se
deu a entender é que o seu amigo começou a não te dar mais tanta atenção e você ficou
ressentido por isso.
— Cale-se.
— Você precisa de alguém que jogue as verdades em sua cara... não alguém que as
acoberte.
— Eu falei para você se calar.
— Você está tão estressado assim? Talvez sua namorada não esteja fazendo seu
trabalho direito.
— CALE-SE!
Nessa explosão de Scott, o mesmo agarrou o pescoço da garota encapuzada,
estrangulando-a por conta de sua força.
— Para mim... você não passa de um cãozinho que foi abandonado por seu dono.
Você está perdido, está com raiva, mas não para de pensar nele. — Ela tossiu. — Acha que
vingar-se de qualquer forma irá resolver seu problema, mas, saiba que você está enganado.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
O capuz da garota caiu, revelando a face dela e Scott apenas ficou parado,
estagnado. Logo dizendo:
— Você...
— Surpreso? —, indagou Yue, logo ficando com suas mãos envoltas em um fogo
azul.
Apenas ao toque na pele de Scott, o mesmo sentiu uma dor insuportável que o fez
solta-la imediatamente.
— Naquela hora que você sumiu enquanto estávamos no deserto...
— Pouparei você de ter que raciocinar, já que você está mostrando ser péssimo
nisso. — Disse Yue. — Eu explicarei tudo a você, afinal, nós estamos no mesmo lado a
partir do momento que você decidiu entrar naquele trem.
— Fale.
— Vocês sempre tiveram uma ideia errônea sobre mim, isso desde a época da
academia Gaia. Eu sempre estive por perto de Kiros não para estudar ele, por conta de ele
ser um alfa, mas sim, para extermina-lo. — Naquele momento no refeitório, eu havia
ordenado a aqueles três para acertarem Kiros com aquela faca. O alvo não era o humano,
mas sim Kiros.
— E acha que uma faca o mataria?
— A faca por si só? Não. Mas o que estava envolto na faca, sim. Ela estava batizada
com acônito, e quando ela acertasse seu antigo companheiro de equipe, ele ficaria
enfraquecido pelo resto da noite. Seria apenas uma questão de tempo para eu terminar o
serviço por conta própria.
— Mas porque os seus “capangas” erraram o alvo?
— Incompetência dos mesmos. — Disse Yue, com uma face de desgosto. — Mas
também foi um erro meu não calcular onde Kiros iria se sentar... o humano estava
atrapalhando o campo de acerto daqueles três, e isso realmente os fez ter mais dificuldade.
— Mas e depois disso?
— Eu tive outras chances, mas, elas sempre deram errado por algum outro motivo
externo e inconveniente. Posso citar por exemplo...
— Ei! —, disse Scott, interrompendo Yue. — E aquele presente que você deu para o
Toya? Aquela raposa no tubo.
— Aquilo? Ah, nada demais. — Eu esperava que a Nitsume fosse um pouco mais
agressiva em questão de ter que trocar de “mestre”, mas incrivelmente aquele humano tem
uma Mana extraordinária, coisa que a fez ficar dócil. Pois em todo esse tempo que
passamos naquele deserto, ela não demonstrou remorso de ficar dentro do tubo uma vez
sequer e olhe que aquele imbecil mal utilizou dela em combate, coisa que poderia ter
ajudado e muito a vida dele.
— Sim, isso é verdade... eu mal vi a cor daquela raposa depois que ela apareceu
contra uns lestrigões. — Scott coçou a cabeça. — Ah, teve uma outra vez apenas... isso
quando nós havíamos começado nossos treinamentos na academia, um pouco antes de eu
decidir vir pegar aquele trem. Acho que ele deva usa-la mais a partir de agora... já que ele
“aprendeu” como invoca-la.
— Então teremos que ter um pouco mais de cuidado com aquele humano a partir
de hoje... —, disse Yue impressionada. — Quanto mais a Kuda-Gitsune passa dentro do
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
tubo, mais ela absorve energia de seu mestre e eu nunca vi aquele humano sentir tonturas,
por conta de algum tipo de falta de Mana ou coisa parecida. Resumindo...
— Ele possui muita Mana, não é?
— Alguém fez o dever de casa. — Olha, minha missão ainda não acabou, e eu ainda
estou atrás de assassinar Kiros, por isso, eu espero que você não se importe de algo
acontecer a ele.
— Você pode fazer o que quiser contra ele. — Disse Scott, firmemente. — Mas eu
quero ter uma luta com ele antes. Se eu não o matar nesse processo, você poderá terminar
seu trabalho. Pode-se dizer que eu estou lhe oferecendo ajuda.
Ela riu.
— Você? Me oferecendo ajuda? Corta essa. — Disse Yue. — Você vai ter que
aumentar muito esse seu poder para conseguir matar Kiros, eu não irei esconder esse fato
de você.
— E você conseguiria? Você está se achando demais...
— Desculpe ter de destruir essa sua pequena ilusão, mas, eu nunca mostrei meus
poderes reais a ninguém. — Ela ergueu sua mão direita e apontou a palma dela para Scott.
— Eu poderia te destruir facilmente se eu quisesse, mas... —, ela abaixou sua mão. — Eu
não estou afim disso.
Naquele mesmo instante, Angelica entrou as pressas pela porta da enfermaria e se
dirigiu até onde Scott e Yue estavam, gritando.
— SCOTT! —, ela se jogou no colo dele, abraçando-o. — Que bom que você não está
morto! Eu fiquei tãããããããão preocupada!
Yue então se levantou da cadeira que estava e disse:
— Eu não tenho tempo para descansar! —, vociferou Scott. — Aquela... hmpf... ela
me deu um mês para fazer o que tenho de fazer. Eu estou fraco demais em comparação a
ele, e por isso eu não posso ficar de braços cruzados esperando dois a três dias para meu
fator de cura me recuperar por completo.
— Sim, eu concordo. — Disse Dean, que estava encostado na porta da enfermaria.
— Você está realmente fraco e precisa de treinamento. Eu mesmo não sei de quem você
está falando, mas, se você quer acabar com ele primeiro você precisa aumentar seus
poderes.
— Eu não preciso que você me diga o óbvio. — Scott então fitou Angelica que estava
agarrada ao seu braço esquerdo. — Me solte, eu realmente preciso ir treinar.
— Mas...
— Solte-o —, ordenou Dean. — Agora ele está sobre meus cuidados.
- 210 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Sim, ele explicou. E sim, eu iria atrás de alguém que me desse a permissão para
treinar, ou coisa do tipo.
— Acho que você ainda não entendeu o ponto que eu coloquei aqui... no momento
em que eu disse que você estava sobre meus cuidados, eu me referia sobre o fato de que
eu irei treina-lo. — Dean virou as costas e começou a andar lentamente para fora da
enfermaria. — Siga-me, o seu treino começará agora mesmo.
- 211 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
XXI
O dia amanheceu tranquilo. O sol atravessando pelo enorme buraco feito naquela parede
iluminava então, grande parte do local. Kiros e Alice já estavam acordados a um bom
tempo, sendo que Alice cozinhava alguns enlatados que os mesmos trouxeram para a
viagem. Por conta do cheiro, e pelo fato de estar com a luz do sol literalmente em sua face,
Toya foi um dos primeiros a acordar do restante do grupo.
— Bom... dia... — Disse Toya em um bocejo, logo esfregando os olhos e notando que
aqueles que estavam acordados se tratavam de Kiros e Alice. — Vocês estão acordados
desde que horas? —, disse ele, forçando a se levantar.
— Eu não dormi. — Disse Kiros. — Já a Alice, ela acordou faz uns trinta minutos.
— E nisso eu aproveitei para adiantar o nosso café da manhã. — Disse Alice.
Toya então aproximou-se de Kiros, sentando-se ao seu lado observando o lado de
fora daquele galpão onde eles estavam.
— Alguma ameaça apareceu durante a noite? —, indagou Toya a Kiros.
— Não, nenhuma. — Disse ele. — Tudo está bastante tranquilo até então.
— Então ter ficado transformado essa noite toda deve ter sido algo cansativo e
desnecessário, não foi?
— Eu agora, normalmente, poderia te dizer para ter um pouco mais de fé nela... que
apenas por algum acaso ela sumiu, foi raptada, sei lá... mas, a sua versão é altamente e
certamente mais convincente. — Toya abaixou sua cabeça. — Até Scott sucumbiu a um
sentimento ruim, e por isso saiu escondido dá academia para se juntar a Hydra...
— Algumas coisas aconteceram... eu tive uma discussão com ele, e tenho certeza
que ele não assimilou aquilo muito bem. Talvez eu tenha sido pesado demais com o meu
jeito de falar, mas, ele realmente precisava aprender a cuidar de si próprio. — Kiros
suspirou. — Mas agora analisando o que aconteceu... tal lado que ele resolveu seguir...
talvez, apenas talvez... se eu não tivesse deserdado ele, talvez ele ainda estivesse conosco.
Alice se levantou, e caminhou até Kiros, colocando então sua mão sobre o ombro
dele e então dando uma tapinha de leve nas suas costas.
- 212 -
Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Não se culpe. — Disse ela. — Tais escolhas dele não são fruto do jeito que você o
tratou ou o deixou de tratar, mas sim de algo que foi imposto em sua mente. Ele com
certeza possui um objetivo, e seja lá qual for, ele decidiu por conta própria que a Hydra
seria o melhor local para ele conseguir realizar esse seu sonho.
— Eu não estou me culpando... eu apenas penso que poderia ter sido diferente.
— Sim! —, exclamou Chloe. — É exatamente por isso. Você foi escolhido pelo diretor
para comandar essa missão, e eu sei que ele não escolheria alguém que não fosse apto a
ensinar os outros ou até mesmo alguém sem um senso de liderança.
Kiros riu. Logo dizendo. — Está certo então, eu irei treinar você assim que voltarmos
para a academia Cronos. Tudo bem para você? Mas agora... nós devemos nos arrumar
para irmos nos encontrar com o nosso informante.
— Acho bom vocês se apressarem. — Disse Kyrie, que havia chegado agora a pouco,
estando encostado na parede que foi destruída ontem. — Eu fui até onde o restante dos
caçadores estão em questão de adiantarmos com nossa missão, mas, o mesmo informante
de quem vocês estão atrás estava em um turno de ronda noturna, ou seja, ele deve chegar
no esconderijo dos mesmos a qualquer momento.
— Então é melhor nós adiantarmos com a nossa arrumação mesmo. — Disse Alice.
— E por que você não retornou para cá? Vejo que você está com alguns arranhões
no rosto também...
— Acabei enfrentando algumas criaturas noturnas enquanto andava por aí.
Aparentemente, esta cidade se encontra perto de uma floresta e, alguns cães selvagens
acabaram vindo para cá para caçar.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Já basta! —, exclamou Alice. — Essa discussão não vai nos levar a nada. Apenas
calem a boca, arrumem suas coisas e vamos sair, entenderam?!
— Tá, tá... —, disse Kyrie fazendo pouco caso. — E até que enfim a senhorita
relações públicas mostrou suas garras... eu já vinha desconfiando que você era daquelas
estressadinhas.
— Kiros! Faça alguma coisa com ele!
Todos automaticamente fitaram Kiros, esperando por sua ação.
— O quê? —, disse ele. — Por que eu que sempre tenho que fazer algo? —, Kiros
então sentou-se no chão, cruzando os braços e virando o rosto emburrando, imitando uma
criancinha pequena.
— Seu último recurso acabou de te ignorar, que ótimo, não? —, disse Kyrie
provocando Alice. — Bom, adiantem com essa arrumação de vocês, quanto mais rápido
vocês a fizerem, mais rápido nós sairemos daqui. Eu os levarei pelo caminho mais curto e
mais confiável que encontrei, acho que nem mesmo os caçadores sabiam dessa passagem.
Um dos prédios abandonados possuí uma entrada para uma passagem de tuneis que
percorre toda a cidade, pelo que eu lembre, nós temos uma coisa parecida na nossa cidade
também, por isso, não foi difícil para mim, andar por lá.
Após todos terem arrumado as suas respectivas coisas, Alice apagou o fogo e logo juntou-
se ao grupo novamente. Kyrie e Kiros estavam na frente, Toya, Uriol e Chloe ao meio, logo
tendo Alice e Ceres no fundo. As duas fofocavam, um pouco afastadas dos demais para
que ninguém as escutassem, e logo Kyrie levantou a voz chamando a atenção das duas.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Ele é apenas um idiota que faz o que bem entende, desde quando ele se
apresentou para o grupo, eu nunca fui com a cara dele, mas, tive que trabalhar na mesma
equipe que ele por conta de alguns problemas que aconteceram. Ele é frio, extremamente
sarcástico e praticamente sempre é do contra. — Disse Alice.
— Eu percebo o seu ponto, mas, você realmente deu corda para ele começar com
tal coisa lá no galpão. Por que você apenas não o ignora? Seria melhor para você. — Ceres
deu um breve sorriso. — Uma hora você vai ter que aprender a atura-lo. Afinal, parece que
ele sempre estará por perto de Kiros.
— E o Kiros tem a ver? —, disse Alice, ficando tão vermelha quanto um pimentão.
Ceres riu. — Você se entrega muito fácil.
— E você quer insinuar o quê com isso?
— Nada... eu até aprovo vocês dois. Aposto que vocês formariam um belo casal.
— Ele mudou muito depois de uma missão que tivemos juntos... eu passei um bom
tempo junto dele e acabei me apegando ao seu jeito. Só que... eu não tenho ideia de como
me aproximar dele, toda vez que eu tento, parece que eu acabo ficando mais distante dele.
— Todos estamos passando por uma situação complicada... —, o tom de Ceres ficou
mais sério. — Nós estamos prestes a encarar uma guerra e por isso eu aposto que ele deve
estar focado em tal coisa. O amigo dele, Scott pelo que lembro, o abandonou e acabou indo
para o lado da Hydra. Nós estamos tendo treinamentos árduos, dados pela academia e os
outros feitos por Alexander... então... eu não digo que você está o afastando a cada
“movimento” que tenta fazer, mas sim, que você está tentando impor esses “movimentos”
em uma hora/momento delicado para todos nós.
— Entendo... eu acho que eu deveria esquecer dessa ideia então...
— NÃO! —, vociferou Ceres, coisa que fez todos pararem e olharem para trás. — O
que vocês estão olhando? Continuem a andar!
— Maluca... —, murmurou Kyrie. — Bom, como eu ia dizendo...
Ceres se aproximou mais de Alice e logo sussurrou em seu ouvido.
— Eu irei te ajudar nisso, ok? Nós apenas precisamos esperar o momento de ouro.
Kyrie guiou a todos por mais alguns metros, logo parando em frente a um prédio
abandonado e praticamente destruído na parte do teto. Todos entraram, e logo notaram
que o edifício estava sendo tomado por uma vegetação rasteira, e algumas vinhas ao redor
dos móveis.
— É por essa porta aqui. — Disse Kyrie. — Atrás dela, tem uma escadaria que leva
a um sistema de tuneis que eu andei estudando ontem à noite...
— Então não há risco de nós nos perdermos, certo? —, indagou Chloe.
— Apenas me sigam e vocês não irão se perder. Tentem andar o mais próximo
possível um dos outros, e Kiros? Eu gostaria que você ficasse em nossa retaguarda, para
caso alguma coisa tenha tido a brilhante ideia de ter nos seguido.
— Ah, certo. — Disse Kiros.
Todos então desceram aquelas longas escadarias, e logo chegaram à primeira
instalação de tuneis.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Nós iremos seguir em frente até passarmos por duas trifurcações, então iremos
pegar o caminho da esquerda e pronto, nós estaremos exatamente em baixo do edifício
onde os caçadores estão refugiados. — Disse Kyrie. — Como eles já me conhecem, eles não
nos atacarão quando aparecermos por sua saída de emergência.
A travessia por aquele canal de tuneis foi rápida e nada complicada, sem monstros para
atrapalhar o grupo, ou até mesmo ninguém seguindo ao nosso pessoal.
Logo eles chegaram a uma breve escadaria que levava a um alçapão — que por ser
feito de ferro, e por estar lá a sei lá quanto tempo, o mesmo estava bastante danificado e
enferrujado.
Kyrie o abriu lentamente, e pôs sua cabeça para o lado de fora e rapidamente alguns
refugiados do local o reconheceram.
— Você por aqui novamente? —, disse uma senhora de idade que estava sentada ao
lado de uma jovem mulher e duas crianças.
A senhora de idade vestia algumas roupas com partes rasgadas, igual a jovem
mulher — que possuía cabelos castanhos claros — e as crianças que estavam brincando
com uma bola de futebol suja.
— Eu vim trazer o restante do meu grupo. — Disse Kyrie. — Eles têm uma coisa
importante a questionar ao líder daqueles que estão protegendo todos vocês.
— Eu agradeço pela informação, você realmente nos poupou de ter que procurar
por ele.
— Onde fica a sala de controle? Você sabe, Kyrie? —, indagou Kiros.
— Sim, eu sei. É aquela lá em cima, está vendo aqueles três através do vidro? Louis
é o do meio, o loiro.
— Certo, quem virá comigo? Não precisamos encher aquela sala com todos nós, eu
só preciso de duas pessoas junto a mim.
— Eu irei, ele me conhece e pode achar estranho vocês aparecerem do nada sem eu
estar por perto.
— Eu também irei. — Disse Alice.
— Está decidido então. — Disse Kiros. — O restante pode ver se há algo para ajudar
os caçadores. Bom, vamos... o quanto antes falarmos com esse Louis, mais rápido
poderemos voltar para a academia e concluir essa missão.
Os três então seguiram para a cabine onde estava o líder local dos caçadores, Louis
Ramm, um elfo, de longos cabelos loiros e de pele esbranquiçada. Já o restante do grupo
ficou separado em duas equipes menores, sendo: Toya e Ceres uma, e Chloe e Uriol outra.
Chloe e Uriol foram para a parte sul daquele imenso galpão, onde encontraram três
pessoas que faziam parte dos caçadores. Toya e Ceres, por outro lado, apenas começaram
a caminhar na direção oposta, logo sendo parados por uma mulher de cabelos pretos, que
estava junto a sua filha. A garota possui a pele branca, seus olhos são escuros e seus
cabelos são pretos iguais aos da mãe, só que com um diferencial, que são algumas mechas
em um tom loiro já desbotado.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— É uma doença degenerativa, e pelo que acabamos de ouvir, sem uma cura fácil.
Se todos os vasos de mana forem destruídos... em breve nada poderá proteger o corpo dela
e assim ela com certeza morrerá.
Toya suspirou, logo retirando sua mochila das costas e abrindo-a.
— O que você vai fazer?
Toya então retirou de dentro de sua bolsa um par de luvas de cor vermelho escuro,
ele as pôs e então estalou os dedos.
— Eu... eu tentarei curar sua filha, senhora. — Disse Toya em um tom determinado.
— Como?! —, ela indagou assustada. — Você pode fazer isso?!
— É como eu disse... eu tentarei. Eu não garanto que ela fique completamente
curada, mas, eu tenho certeza que ela pelo menos ganhará um bom tempo a mais de vida.
— Como você pretende fazer isso, Toya? —, indagou Ceres.
— Dessa forma. — Disse Toya, envolvendo suas mãos em uma camada de Mana
esverdeada.
Toya então colocou ambas as mãos em cima da garota — na altura do dorso —,
tendo um centímetro de distância do corpo, mais ou menos.
A garota gemeu de dor e então se contorceu, mas, tal coisa foi breve e logo a garota
passou a respirar de forma calma e cadenciada. Sua pele, anteriormente pálida, voltou a
sua cor original, um tom de pele branco, mas vivo. Ela tossiu, mexendo seu corpo de forma
brusca, mas Toya continuou com sua técnica, trocando a posição onde estava suas mãos,
deixando sua mão esquerda sobre o peito da garota, e a sua direita sobre sua testa.
— Toya... —, murmurou Ceres. — Você...
— Parece que você enfim percebeu. — Disse Toya, que estava suando e ofegante. —
Eu consegui, Ceres... ela está ficando melhor... eu...
De forma súbita, Toya tombou para o lado, desmaiando ali mesmo.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Ele... —, disse a mãe da garota, trocando olhares rápidos entre Toya que agora
estava desmaiado em sua frente, e sua filha, que além de ter recuperado sua coloração de
pele normal, estava sem febre alguma.
Dentro da cabine — sala de comando — dos caçadores locais, Kiros já tinha entregue a
informação e o pedido do diretor a Louis.
— Eu entendo plenamente a gravidade da situação que estamos passando e, eu
realmente gostaria de ajudar de forma direta. Mas... nem eu, nem mesmo nenhum de
meus homens podemos sair deste local... esse povo precisa de nós, acho que você deve
entender. — Disse Louis.
— Sim, eu entendo perfeitamente. — Disse Kiros. — Mas, e em questão da
informação que pedi logo no começo de nossa conversa? Isso seria um grande avanço para
nós, e mesmo que você não possa ajudar diretamente, passando essa informação para a
academia, todos vocês da ordem de caçadores estariam nos ajudando indiretamente nessa
guerra que está por vir.
Louis então andou até um armário que estava logo atrás de Kiros, e o abriu
utilizando uma chave que estava em seu bolso. Lá de dentro, ele retirou uma carta, que
logo a entregou a Kiros.
— Aqui está um dos meus relatórios escritos que eu sempre envio para a ordem dos
caçadores, este contém informações sobre partes da Armadura de Atena que até então
estavam sumidas. Esta carta é algo completamente confidencial, e em hipótese alguma
pode cair nas mãos da Hydra.
— Se isso é algo que você sempre envia para os caçadores, porque esta carta ainda
está aqui? —, indagou Kyrie. — Isso é suspeito... como vamos saber que aí dentro tem
coisas que realmente valham a pena para entregarmos para o diretor da academia Cronos?
— Kyrie! Você está sendo rude! —, vociferou Alice.
— Não, ele até tem um pouco de razão. — Disse Kiros. — Como é que vamos saber
se isso não é uma informação falsa?
— Eu gostaria que vocês pedissem para o seu diretor, para que o mesmo mandasse
suprimentos para nós. Cuidar de tantas pessoas não é um trabalho fácil, e muito menos
barato, mas... nós precisamos fazer isso.
— Entendo.
— E então? Trato feito? —, Louis estendeu seu braço, como se quisesse já entregar
a carta para Kiros.
— Sim, trato feito. — Kiros pegou então a carta da mão de Louis. — Eu tentarei
convencer o diretor em tal coisa.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Naquele mesmo instante, um dos membros dos caçadores abriu a porta de forma
brusca e desrespeitosa. O mesmo estava tremendo e completamente eufórico,
rapidamente, Louis se aproximou do rapaz, colocando suas mãos nos ombros do homem
e então dizendo:
— O que aconteceu? Diga-me. — Disse Louis.
— Mas o quê?! —, disse Louis surpreso. — Leve-me até ela. — Ele voltou-se para
Kiros e disse: — Desculpe ter que interromper a nossa conversa dessa forma, mas, isso é
algo realmente importante.
— Não se preocupe com isso... mas, eu irei com você ver essa tal garota. — Disse
Kiros. — Pois acho que esse “tal rapaz” que a curou, é um dos meus colegas de equipe.
Eles desceram as escadas e chegaram no térreo. O rapaz levou eles até onde estavam
reunidos alguns membros dos caçadores e um médico. A garota estava sentada, com a
coluna ereta, isso enquanto o médico a examinava com o seu estetoscópio. Ao lado da
senhora, mãe da garota, estava Ceres, sentada no chão com Toya sobre suas pernas.
— Pessoal, vocês terminaram o que tinham de resolver? —, indagou ela ao ver Kiros
e os outros.
— No exato momento que tínhamos acabado de resolver as coisas com Louis um de
seus homens veio e trouxe tal mensagem para ele. — Disse Kiros. — Mas afinal... quem é
esta garota?
— Ela é Skye Summers. — Disse Louis. — Uma jovem garota que nasceu com uma
doença degenerativa que afeta unicamente o seu Sistema de Circulação de Mana. Tal coisa
era simples quando ela ainda era pequena, mas agora com seus treze anos, a doença tinha
evoluído de tal forma a afetar praticamente todo o corpo dela. Mas... eu não sei o que esse
garoto fez para ela ficar curada.
— Ela destrói os vasos que levam a Mana para todo o corpo. Por conta de uma célula
danificada no nascimento, a doença se formou. É como um câncer...
Kiros então sentou-se na frente da garota e cruzou as pernas.
— Eu... eu tenho uma proposta para você, garota. — Disse ele. — Sua doença é
degenerativa, não tem cura, sendo assim, você irá morrer por conta dela se não fizer nada.
Mas... eu posso te curar, mas, você tem que estar pronta para trocar sua vida por tal coisa.
— O que você pensa que está fazendo? —, disse Louis, enraivado, colocando a mão
no ombro de Kiros. — Falando assim você apenas vai é deixar ela com algum trauma.
— Apenas estou sendo direto, eu sempre sou assim quando tenho a solução já
pronta. — Kiros então voltou-se para a garota novamente. — Eu sou um licantropo, um
lobisomem para ser mais simples. E por ser um alfa, eu ganho uma habilidade extra que
é bastante útil, ainda mais para situações como esta. Com uma mordida, você poderá se
tornar algo incrível, mas... você tem que estar disposta a trocar sua vida por tal coisa. Se
a mordida te transformar, você será curada, mas, você terá que vir comigo para a Academia
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Cronos. Eu irei te treinar e te proteger como parte de minha alcateia, e você nos ajudará
com uma guerra que está para acontecer. Mas, se a mordida não te transformar, você
morrerá por ser uma humana.
— Se você não se transforma, você morre. Uma faca de dois gumes, ou, a mordida
de um lobisomem a um humano. — Disse Kyrie.
— Eu não deixarei você fazer isso! —, exclamou Louis erguendo Kiros pela gola de
sua camisa. — Ela não é um brinquedo onde você pode testar a sorte para ver se ela se
transformará ou não!
— Eu... eu aceito a proposta. — Disse Skye. — Eu não quero morrer de forma tão
idiota como essa, e como essa mordida vai me curar ou me matar de uma vez, eu prefiro
arriscar nela do que não fazer nada.
— Antes devo avisa-la de algumas coisas. Se a mordida for um sucesso e você
começar a se transformar, você irá sentir uma dor agoniante. A primeira transformação
por meio de uma mordida sempre é a mais dolorosa... —, disse Kiros.
— Isso não me importa, apenas faça o que tem de fazer.
Kiros pediu espaço a todos, e logo se transformou.
— Não se intrometam ora alguma, ou ela pode sofrer consequências irreversíveis
por conta da transformação. — Disse Kiros, logo fitando Kyrie. — Kyrie, detenha qualquer
um que faça qualquer movimento brusco, você está livre para utilizar-se de qualquer meio
que queira.
— Certamente. — Disse Kyrie.
— Bom, você está certa disso?
— Sim, eu estou. — Disse Skye.
— Certo... eu confio que você suportará à transformação.
Kiros a apoiou contra seu corpo e então mordeu ela no ombro esquerdo, logo se
afastando e deixando-a no centro do local, esperando a transformação acontecer.
Skye começou a tremer, logo evoluindo para algo que parecia mais um ataque de
epilepsia. Sons de ossos quebrando ecoavam pelo local, transmitindo a todos uma
sensação horrível.
No mesmo instante, Toya acordou e sem entender nada, a primeira coisa que lhe
veio em mente foi perguntar o que estava acontecendo para Ceres.
— O que todas essas pessoas estão fazendo aqui? E... que som agoniante é esse?
— Olhe. — Ceres apontou para Skye. — Todos vieram vê-la.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Sim, ela está certa. — Disse Kiros. — Se você não tivesse concertado as vias de
Mana dela, a transformação apenas iria matá-la.
— Entendo... que bom que eu fui útil nessa situação. — Toya riu envergonhado.
Pensando que tal coisa não poderia ficar mais horrenda, a cena piorou. Skye que se
contorcia e se debatia no chão, começou a arranhar seu próprio ombro, só que de forma
tão brusca que a pele praticamente estava se rasgando. Suas unhas cresceram e afiaram...
seus olhos mudaram para o tom de um amarelo vibrante e uma grande pelagem negra
começou a crescer em seu corpo, cobrindo-o por completo. Sua face esticou, criando um
focinho, suas orelhas também cresceram ficando pontiagudas enquanto apontavam para
cima e por fim, um rabo na área de seu cóccix. Ela então fitou Kiros, e uivou... a
transformação tinha sido um sucesso.
— Pode soltar ele, Kyrie. — Disse Kiros. — Já aconteceu o que tinha de acontecer.
— Claro... —, falou Kyrie liberando Louis e os outros caçadores de sua técnica.
— Bom, vamos indo. — Kiros virou as costas e começou a seguir para a saída do
local. — Onde estão os outros? Chloe e Uriol...
— Eles estão lá. — Apontou Alice. — Estão vindo para cá, pelo que parece.
— Ótimo. Agora, vamos indo. — Nosso tempo é precioso a partir de agora.
— Kiros... você ainda vai deixa-la nessa forma? —, indagou Toya.
— Sim, irei.
— Por que? —, indagou Alice.
— Dois motivos. Primeiro, como as roupas dela não eram mágicas, elas acabaram
rasgando quando ela se transformou, por isso, se eu fazer ela voltar ao normal, ela apenas
acabaria nua em frente a todos. Segundo, ela deve se acostumar com esse corpo, quanto
mais tempo ela ficar durante a primeira transformação, melhor para ela.
— São bons motivos. — Disse Kyrie, em riso.
— Mas é meio que um incomodo ela ficar muda enquanto está nessa forma. — Disse
Alice. — Afinal, porque você consegue falar normalmente enquanto está nessa forma?
— Treino. — Respondeu Kiros. — Eu poderia usar da telepatia, mas, meu irmão
Garou me ensinou um método mais simples e que não pode ser detectado por telepatas.
Eu prefiro ele, é mais... natural. Bom, ignorem esse fato por ora, qualquer coisa que ela
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
queira falar eu irei repassar para vocês, e, ao contrário também. Qualquer coisa que vocês
queriam conversar com ela, de importância, claro, eu irei repassar para ela.
— Ei! —, exclamou Uriol. — O que é que está pegando?
— Vocês perderam muita coisa. — Disse Ceres. — Nós já estamos de saída.
— Vocês já resolveram tudo? —, indagou Chloe.
— Sim, e agora iremos voltar para a academia imediatamente. — Disse Kiros, logo
fitando Skye. — Foi mal, eu esqueci de fazer isso. Esses são todos os membros da equipe
que vieram junto comigo para essa missão: Toya Vincent, um humano; Alice Strife, uma
meio-banshee; Ceres Highwind, semideusa filha de Poseidon; Kyrie Garou, um ceifador de
almas e filho de Hades; Chloe Fields, uma yuki-onna e Uriol Hogan, um meio-vampiro. O
restante você irá conhecer na academia quando chegarmos, eu apresentarei você a todos...
mas agora, vamos indo. Apenas nos siga.
Todos voltaram pelo caminho mostrado por Kyrie e seguiram todo o trajeto pelos
tuneis de forma inversa.
Depois de uma boa caminhada, eles chegaram na saída do local e perceberam que o tempo
havia fechado. As nuvens negras escondiam o sol de meio-dia, e o vento gélido apenas
assoprava pelas rachaduras dos prédios destruídos.
— É melhor irmos andando... parece que vai chover em breve. — Disse Toya.
— Eu tenho uma breve pergunta... —, disse Ceres. — Nós iremos voltar para a
academia como?
— De trem. — Disse Kiros. — A academia alugou aquela pequena locomotiva,
aproveitando que essa cidade estava praticamente arrasada, ninguém iria querer vir para
cá e isso abaixou o preço do aluguel do transporte.
— Então quer dizer que o maquinista ainda está aqui? —, indagou Toya.
— Ele tem tudo que precisa em sua cabine. De acordo com a academia ele
conseguiria passar mais de duas semanas com os mantimentos daquele comboio. — Mas
claro, isso é o de menos e claramente não é algo importante a se discutir no momento.
Voltemos a andar.
O grupo continuou seguindo para onde o , uma grande explosão aconteceu
causando um terremoto como consequência.
— Mas que merda foi essa? —, disse Kyrie.
— Pessoal... olhe só aquilo ali... —, disse Toya, apontando para o horizonte.
Ao fundo, todos viram a presença de uma enorme criatura, que corria em direção
do grupo seguido por inúmeras pequenas criaturinhas que voavam ao redor da maior.
— É a mesma criatura da outra vez... —, disse Uriol. — Ela nos deu trabalho
sozinha, e agora está acompanhada de outras criaturas menores que voam... isso é um
problema.
— Tu jura? —, disse Kyrie de forma irônica. — Pensei que aquilo estava vindo em
nossa direção para nos entregar um pote de sorvete!
— Calem-se vocês dois e se posicionem! —, exclamou Kiros. — Skye, recue e fique
longe, você nunca entrou em combate antes e por isso apenas vai atrapalhar se ficar por
aqui. Vá para o comboio, Chloe, você pode ir junto dela também se quiser...
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Okay! —, brandindo sua espada, Uriol conjurou sua técnica desferindo uma
energia cortante carregada contra a cabeça de crocodilo da criatura. — Espada do rei:
Lâmina do Dragão demônio assassino!
O golpe foi certeiro, cortando a cabeça de crocodilo para fora do corpo da criatura
com facilidade.
— Quanto tempo para soltar essa sua técnica novamente? —, indagou Kyrie. — Eu
consigo segurar essa coisa por mais uns três minutos.
— Preciso de mais tempo que isso... minha técnica corta praticamente tudo, mas,
precisa de um bom tempo para eu usar de novo. — Disse Uriol.
— É estranho... os menores apenas ficam rodeando uma das cabeças deles e não
fazem nada... —, observou Toya.
— Apenas devem estar esperando uma ordem da criatura maior. — Disse Ceres
enquanto disparava tiros d’água com seu dedo indicador. — É a única coisa provável por
ora.
— Estilo d’água: Técnica do Dragão Tornado! —, conjurou Alice limpando boa parte
das criaturas menores. — Vamos aproveitar que eles não estão fazendo nada além de ficar
rodando no ar e vamos destruir a maior quantidade deles possível!
— Eu apenas irei dar cobertura a vocês. — Disse Chloe.
— Estilo de vento: Técnica das Palmas de Ar! —, conjurou Toya e em ataques como
se ele estivesse empurrando o vento, uma camada densa de ar começou a acertar as
criaturas menores que começaram a perder o senso de direção no voo.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Aegurr mostrou seu latido grave e feroz e logo desapareceu, ficando invisível aos
olhos humanos.
— Kyrie! —, chamou Kiros. — Prenda-o novamente, acha que consegue? Eu tentarei
destruir a cabeça de cobra e assim ficaremos livres dos ataques completamente danosos.
— Você terá três minutos. — Disse Kyrie entrelaçando os dedos de suas mãos e
prendendo a criatura em sua técnica do estilo sombra.
— É o suficiente... Estilo do Trovão: Mil Pássaros! —, com sua mão direita envolta
em uma carga elétrica continua que honrando o nome, fazia o barulho de milhares de
pássaros juntos, Kiros investiu em um salto contra a grande criatura. — É hora de dizer
adeus... Estilo do Trovão: Espada Relâmpago!
Ao aumentar o tamanho e comprimento de sua técnica, aquela enorme quantidade
de energia estendeu-se a ponto de acertar o pescoço da cabeça de cobra da criatura e com
um balanço de seu braço, Kiros arrancou-a para fora do corpo da criatura fazendo bastante
sangue começar a jorrar.
— Estilo da Sombra: Imagem do Ceifador! —, rapidamente Kyrie transmutou uma
foice negra feita de energia e atacou as pernas da criatura, que tombou chiando de dor
com sua cabeça restante. — Acabe com ele Aegurr!
Estando envolto em um tipo de chamas negras, a invocação de Kyrie pulou das
costas da criatura, mostrando-se e logo atravessando como uma lança a cabeça de tubarão
daquela anomalia que caiu morta no chão.
— Ótimo trabalho. — Disse Kiros a Kyrie.
— Fale isso apenas quando acabarmos com o restante das criaturas.
O restante do grupo não estava tão bem assim... todos passavam por uma situação
complicada. Todos estavam com cortes em diversas partes do corpo, e claramente estavam
mais lentos por conta do veneno que as criaturinhas possuíam.
Estando afastado dos demais, várias das criaturas estavam rodeando Toya,
investindo contra ele de forma agressiva e ligeira.
— Droga... eu tenho que acabar logo com esses bichos. — Disse Toya fazendo um
movimento brusco para escapar de um rasante feito por três criaturas em conjunto. —
Estilo do Vento: PUNIÇÃO DIVINA! —, vociferou Toya enquanto estendia ambos os braços
lançando uma forte corrente de ar que circundou todo o seu corpo criando uma barreira
que repeliu todas as criaturas de uma vez.
As criaturas esbararam-se entre si e caíram por conta do impacto causado.
— Caramba... —, disse Toya ofegante. — Podem ser pequenos, mas, suas presas
fazem um bom estrago...
No mesmo instante, Toya caiu de joelhos no chão cuspindo um pouco de sangue.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
— Toya! Você está bem?! —, exclamou Ceres enquanto destruía mais algumas
criaturas com seu dedo pistola d’água. — O que aconteceu?!
— É o veneno... —, disse Kiros. — Ele continua sendo um humano afinal... nós
temos que acabar logo com isso!
— Estamos tentando! —, vociferou Alice. — Mas eles são muitos e parecem não
acabar mais!
— Deixem de conversa e continuem atacando, droga! —, praguejou Kyrie enquanto
balançava sua foice acertando uma boa quantidade das pequenas criaturas.
— Alice... isso vai me deixar completamente desgastado e provavelmente vai me
impossibilitar de continuar transformado, mas, com a nossa técnica conjunta nós
podemos eliminar muitos dessas criaturas. — Disse Kiros. — Então... está preparada?
— Sim, estou... —, disse Alice temerosa.
Rapidamente, os dois juntaram as mãos e então conjuraram a técnica em uníssono.
— Técnica Conjunta: Dragão Relâmpago!
Vindo a partir da junção das energias, um dragão esverdeado envolto em faíscas foi
formado, logo, atingindo grande parte das criaturas que estavam em mira e alcance de
Alice e Kiros no momento.
Elas viraram pó, assim como todas as outras que já tinham sido derrotadas
anteriormente, e, logo em sequência Kiros voltou para sua forma original de humano,
ofegante, completamente desgastado.
— Nós... conseguimos... —, falou Alice, também ofegante.
— Sim... nós eliminamos a maior parte deles... —, disse Kiros.
As criaturas então mudaram novamente o seu jeito de se movimentar, se separando
em grupos de seis — totalizando 5 grupos — e então ficando poucos metros a cima de
algumas pessoas especificas: Kiros, Kyrie, Ceres, Toya e Alice.
— O que elas pretendem fazer? —, indagou Ceres, confusa, logo atacando uma
criatura que estava em cima de sua cabeça.
Com a criatura virando pó, as outras cinco investiram contra Ceres e agarraram-se
nela, logo começando a mudarem de cor — ficando em um tom vermelho vivo.
— Saiam de mim! —, exclamou Ceres.
Os grupos que estavam acima da cabeça de Kiros e de Alice fizeram a mesma coisa,
ficando agarrados a eles e logo mudando suas cores para o mesmo vermelho vivo das
outras.
Todas então começaram a fazer um chiado agudo de forma uníssona e seus corpos
começaram a brilhar, ressaltando a cor vermelha já obtida.
— Droga! Elas estão dando umas de suicidas! —, exclamou Kiros tentando tirar
uma delas à força, mas, por estar totalmente desgastado o mesmo não conseguiu grandes
coisas a não ser arrancar uma fora e a esmagar com as mãos antes de tudo acontecer.
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Bestiarium – O Cristal de Gaia
Depois do ato, Chloe gritou desesperada e correu para checar a situação de Kiros,
Alice e Kyrie, já Uriol correu para ver como estavam Toya e Ceres.
Alice e Kyrie estavam seriamente feridos, com várias queimaduras pelo corpo. Já
Toya, por sorte, conseguiu se proteger por ter utilizando sua técnica: Punição Divina, mas
Ceres por ter sido alvo direto da explosão, agora, também se encontrava seriamente ferida.
Kiros fora o único que conseguiu sair praticamente ileso, por conta de sua resistência
sobre-humana dada pela transformação de lobisomem.
— Vocês... vocês irão pagar! —, exclamou Chloe com uma lágrima descendo pelo
seu olho esquerdo. — DESAPAREÇAM!
Erguendo ambos os braços, rapidamente uma rajada gélida tomou conta do local,
congelando tudo ao redor de Chloe e logo fazendo as criaturas voadoras caírem no chão,
mortas. O chão agora estava coberto por uma camada fina de gelo, e por conta do choque
térmico brusco na atmosfera, das nuvens começou a cair um pouco de neve.
— Você foi bem... —, Kiros a parabenizou. — Você ainda precisa controlar esse seu
poder, mas, foi um ótimo trabalho.
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