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Poesia Trovadoresca

Rúben Inocêncio
Setembro 2020

A Poesia Trovadoresca tem a sua representação mais expressiva entre os séculos XII e XIV por
toda a península Ibérica e é tomada como a primeira representação de literatura em Portugal,
embora a linguagem utilizada fosse o galego-português.

Consiste num conjunto de composições poéticas medievais, que pode tomar o nome de
“cantigas”, e tal como o nome indica, tem uma caraterística musicalidade para serem cantadas
por intérpretes bem identificados.

Estão coletadas em 3 Cancioneiros1: Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Biblioteca Nacional e


Cancioneiro da Vaticana.

1. Tipos de Poesia Trovadoresca

Existem dois tipos fundamentais de poesia trovadoresca: poesia lírica e poesia satírica. Estes
dois tipos subdividem-se nos grupos de poesia que iremos estudar nesta etapa da seguinte
forma:

Todas as cantigas eram originalmente escritas e cantadas por artistas masculinos, no entanto na
altura de as cantar, os poetas, encarnavam muitas das vezes personagens femininas, como
donzelas apaixonadas, damas da nobreza… como no caso das cantigas de amigo.

2. Intérpretes da Poesia Trovadoresca

Os intérpretes destas “cantigas” dividem-se por diversas camadas socioeconómicas, o que


contribui para uma rica variedade de obras, escritas tanto por artistas da mais alta Nobreza
como também por vulgares pessoas de baixa condição. Podemos então distinguir várias
designações:
Poesia Trovadoresca | Rúben Inocêncio

Trovador – Membro de altas condições, maioritariamente fidalgos, podendo até ser rei.

Jogral – Artista de baixa condição, geralmente vive do seu ofício como jogral.

Existem ainda outras designações embora não tão comuns, tal como:

Segrel – Cavaleiro-trovador da pequena nobreza, que migrava de corte em corte.

Menestrel – Músico-poeta, podendo por vezes ser confundido com um jogral, mas que vivia
sobre proteção da corte.

Soldadeira/Jogralesa – dançarina que acompanhava o jogral.

3. Poesia Lírica

3.1. Cantigas de Amigo

As cantigas de amigo surgem através de uma poesia autóctone2, resultante da tradição nortenha
de Portugal. O trovador representa, com uma voz feminina (sujeito poético é uma mulher), os
sentimentos e as experiências dos encontros amorosos com o seu “amigo”. Saudade, angústia,
mágoa, ou até mesmo felicidade e ansiedade são a temática destas cantigas. Em tom de
desabafo a donzela apaixonada conta com uma confidente, que pode tomar a forma humana, a
sua mãe, ou ainda a forma de um elemento natural (árvores, riachos, flores,…).

Origem: Peninsular

Sujeito poético: Voz feminina (donzela, menina)

Temática:

❖ Encontros amorosos entre a donzela e o amigo que geralmente acabam em


desgraça pois este parte para longe.
❖ Dualidade de sentimentos: amor, saudade, tristeza, mágoa, ansiedade, alegria…
❖ Algumas das cantigas retratam a longa espera que a donzela faz ao seu amigo,
sem que este dê, muitas das vezes, uma resposta.
❖ A Natureza aparece na sua grande maioria como papel de melhor
amiga/confidente.

Espaço/Circunstâncias:

❖ Podem existir cenários mais familiares, onde a donzela está na presença da mãe,
amigas ou irmãs.
❖ A donzela pode encontrar-se num ambiente mais natural, na presença de
elementos da Natureza (que é a sua confidente) tais como: lagos, rios, fontes,
campo ou ainda animais.
❖ Existem ainda ambientes mais sociais que seriam os locais onde os namorados
esperavam encontrar-se, tais como: igrejas, santuários, largos, praças…

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Estrutura formal:

❖ Estas cantigas obedecem a uma


estrutura em paralelismo, onde os
segundos versos do primeiro par de
1º Par
estrofes repetem-se nos primeiros
versos do segundo par de estrofes.
❖ Apresentam refrão.
❖ Recursos expressivos: personificação,
comparação, apóstrofe.
2º Par

3.2. Cantigas de Amor

As cantigas de Amor têm este nome pois, desta vez, o Trovador encarna o papel de um homem
apaixonado por uma mulher, geralmente casada e pertencente a uma classe social mais elevada
que o homem. Desenvolve-se então uma relação “vassalo-senhor” e consequentemente um
amor cortês3, ou seja, um amor que não pode ser concretizável devido aos estatutos sociais dos
intervenientes. Os trovadores omitiam sempre a identidade da dama em questão.

Origem: Provençal (natural de Provença, região em França)

Sujeito Poético: Trovador/Jogral

Temática:

❖ A dama (muitas vezes tratada por “senhor”) mantêm uma posição distante e
superior ao poeta, numa postura bastante fria e indiferente aos sentimentos do
homem.
❖ O homem dirige inúmeros elogios no sentido de caraterizar a “sua senhor”
como uma donzela idealizada, perfeita em termos abstratos, não só em termos
físicos, como em termos morais. Nestes modos o “eu” poético expressa os seus
sentimentos em modos de elogio cortês.
❖ Devido à rejeição a que o sujeito poético é sujeito acaba sempre por demonstrar
também sentimentos de dor, angústia, desespero e por vezes até a própria
morte.

Espaço/Circunstâncias:

❖ De acordo com a origem e a temática apresentadas, as cantigas de amor têm


como representação espacial as cortes reais, inspiradas nas de Provença.

Estrutura Formal: Geralmente apresentam três ou quatro estrofes de sete (redondilha maior),
oito ou dez sílabas métricas.

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4. Poesia Satírica

Em oposição às duas últimas cantigas da Poesia Lírica, a Poesia Satírica, pretende apontar o dedo
a alguém num tom de crítica ou desdém. As razões poderiam ser inúmeras, desde o mau
governo político a comportamentos socialmente inadmissíveis nas várias classes sociais. Para o
fazer, os trovadores e jograis, utilizam uma linguagem mais explícita, satírica e até mesmo mais
violenta e corriqueira. Para a caraterização destas cantigas satíricas faz-se a divisão em dois
géneros de poesia satírica: Cantigas de Escárnio e Cantigas de Maldizer, que na maioria das vezes
são unidas na designação: Cantigas de Escárnio e Maldizer.

4.1. Cantigas de Escárnio e Maldizer

As Cantigas de Escárnio, como o nome sugere, são cantigas que têm como objetivo apontar
defeitos, problemas ou simplesmente criticar alguém. Por vezes, para além da intenção critica,
estas cantigas ganham um propósito moralizante e ao mesmo tempo cómico, já que as críticas
feitas, são proferidas através de uma linguagem mais comum e próxima do verdadeiro
vocabulário utilizado pelo povo. Nestas cantigas procura-se omitir o alvo das críticas, ou seja,
nunca é referido explicitamente o nome ou identidade daquele que está a ser criticado.

Embora partilhem a mesma essência, as Cantigas de Maldizer, distinguem-se das Cantigas de


Escárnio devido à agressividade e a clareza com que são proclamadas. Portanto, as Cantigas de
Maldizer, são cantigas que pretendem até ofender alguém em específico, conclui-se que a
identidade do alvo das críticas não é protegida, daí estas cantigas serem a mais violenta forma
de Poesia Satírica.

Estas cantigas têm especial importância, pois demonstram um retrato mais completo da
sociedade do daquele tempo.

Origem: Autóctone

Sujeito Poético: Trovador ou Jogral

Temática:

❖ Sátira a personagens a personagens e acontecimentos do quotidiano, tais como:


agressões verbais a maus trovadores, traidores, guerreiros cobardes,
infidelidade a uma dama, hábitos pessoais condenáveis, más práticas
religiosas…
❖ Muitas das vezes o amor cortês (presente nas cantigas de amor), devido ao seu
caráter dramático, era também criticado.

Ambiente: Recorte do quotidiano, costumes e linguagem típico da sociedade peninsular do final


da Idade Média.

Estrutura Formal: Não apresentam tanta regularidade estrófica e métrica, portanto,


geralmente, não apresentam refrão.

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5. Glossário

(1)Cancioneiro - qualquer livro impresso ou manuscrito que contenha uma coletânea de canções, e por extensão, o registro
sonoro destas canções.

(2)autóctone - Que ou o que é natural do território onde vive.

(3)cortês - Próprio de pessoa bem-educada e gentil, típico da corte.

6. Exemplos de Cantigas

Cantiga de Amigo: “Ai Flores, Ai Flores de Cantiga de Amor: “Quer’eu en maneira de


Verde Pino” provençal”
Ai flores, ai flores do verde pino Quer’eu en maneira de provençal
Se sabedes novas do meu amigo? Fazer agora un cantar d’amor
Ai Deus, e u é? E querei muit’i loar mia senhor,
A que prez nen fremusura non fal,
Ai flores, ai flores do verde ramo Nen bondade, e mais vos direi en:
Se sabedes novas do meu amado? Tanto a fez Deus comprida de ben
Ai Deus, e u é? Que mais que todas lãs do mundo val.
Se sabedes novas do meu amigo
Ca mia senhor quiso Deus fazer tal
Aquel que mentiu do que pôs conmigo?
Quando a fez, que a fez sabedor
Ai Deus, e u é?
De todo bem e de mui comunal,
Se sabedes novas do meu amado Ali u deve; er deu-lhe bom sem
Aquel que mentiu do que mi há jurado? E dês i non quis que lh’outra fosse igual.
Ai Deus, e u é?
Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,
Vós me preguntades polo voss'amigo Mais pôs i prez e beldad’e loor
E eu bem vos digo que é san'e vivo E falar mui bem e riir melhor
Ai Deus, e u é? Que outra molher; dês i é leal
Muit’, e por esto non sei oj’eu quen
Vós me preguntades polo voss'amado Possa compridamente no seu hen
E eu bem vos digo que é viv'e sano Falar, ca non á, tra-lo seu ben, al.
Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é san'e vivo


E será vosco ant'o prazo saído Cantiga de Escárnio e Maldizer:
Ai Deus, e u é?
“Ai, dona fea! Foste-vos queixar”
E eu bem vos digo que é viv'e sano
E será voscant'o prazo passado Ai, dona fea! Foste-vos queixar
Ai Deus, e u é? que vos nunca louv'en meu trobar;
mas ora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

Ai, dona fea! Se Deus me pardon!


pois avedes [a] tan gran coraçon
que vos eu loe, en esta razon
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei


en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei,
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!

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