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Alfabetização Método Fônico
Alfabetização Método Fônico
Alessandra G. S. Capovilla
4 edição
revisada e Fernando C. Capovilla
ampliada
Colaboradores:
Fernanda B.Silveira
Ilza G. Seabra
Alessandra R. Trombella
Célia R. Correia
Alfabetização:
Método fônico
MEMNON
São Paulo, 2007
1. Por que a educação brasileira precisa do Método Fônico
Alessandra G. S. Capovilla
(Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo e
Instituto de Psicopedagogia, Universidade de Santo Amaro)
Fernando C. Capovilla
(Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo)
.. .. É um problema de pedagogia experimental decidir se a maneira de
aprender a ler consiste em começar pelas letras, passando em seguida às
palavras e finalmente às frases, segundo preceitua o método clássico
chamado "analítico”, ou se é melhor proceder na ordem inversa, como
recomenda método "global" de Decroly. Só o estudo paciente, metódico,
aplicado a grupos comparáveis de assuntos em tempo igualmente
comparável, neutralizando-se tanto quanto se possa os fatores adventícios
(...), é capaz de permitir a solução do problema. (...) Este exemplo
corriqueiro mostra a complexidade dos problemas colocados à pedagogia
experimental quando se quer julgar os métodos segundo critérios objetivos
e não apenas segundo as avaliações dos mestres interessados, dos
inspetores ou dos pais de alunos. (...) [Para a pedagogia experimental]
completar suas averiguações por meio de interpretações causais ou
"explicações", é evidente que precisa recorrer a uma psicologia precisa, e
não simplesmente àquela do senso comum. (Piaget, 1969/1976, Psychologie
et Pedagogie, pp. 29-32.)
Este livro torna disponíveis, para a Educação brasileira, procedimentos avançados e eficazes
para promover a alfabetização que resultam dos mais recentes desenvolvimentos da pesquisa
internacional na área da aquisição de leitura e escrita. Ele é fruto da colaboração entre
pesquisadores do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e professores de
primeira série do ensino fundamental de escolas públicas, numa interação profícua que
permitiu criar, adaptar, aplicar, testar, aperfeiçoar e documentar procedimentos e modelos
científicos consolidados à atuação prática e diária de alfabetização.
na primeira série do ensino fundamental.
(Kaminski & Gil, 2001a, De mal a pior: Taxa de aprovação pode ser ainda
menor nas próximas pesquisas, ao serem considerados os índices de evasão,
Revista Educação, pp. 56-58.)
desencorajam qualquer pesquisa e propõem respostas prontas e inconseqüentes, baseadas em
mera especulação, em senso comum ou em sua limitada experiência particular com
alfabetização. É essencial ultrapassar a esfera do senso comum e conduzir pesquisas
científicas capazes de identificar as causas dos problemas educacionais e de descobrir
métodos comprovadamente eficazes em garantir que nossas crianças consigam aprender e
desenvolver seu pleno potencial. Como já dizia Piaget (1969/1976) em seu livro Psicologia e
Pedagogia, "É inacreditável que (...) a pedagogia não organize experimentos contínuos e
metódicos, contentando-se apenas em resolver os problemas por meio de opiniões, cujo 'bom
senso' encerra realmente mais afetividade do que razões efetivas." (p. 15). Seguindo em sua
crítica à falta de pesquisa séria no âmbito da educação, Piaget (1969/1976) continua: "Como
se explica, então, que no campo da pedagogia, onde o futuro das próximas gerações está em
causa num grau pelo menos igual ao do campo da saúde, as pesquisas de base permaneçam
tão pobres..." (p. 17).
Piaget (1969/1976, p: 22) aponta quatro razões para tal situação, dentre elas: 1) A falta de
autonomia dos professores que são obrigados a seguir diretrizes e programas ditados por
autoridades oficiais que se dedicam apenas às atividades administrativas, que não conduzem
pesquisa e não tendem a levar em conta os dados de pesquisa. Assim, os professores têm que
submeter-se a programas estabelecidos pelas decisões burocráticas dos administradores e não
pelos dados dos pesquisadores; 2) A falta de condução de pesquisas pelos próprios
professores, que têm pouco contato com a prática de pesquisa durante a sua formação e ao
longo da sua profissão e que, assim, não têm tido autonomia para comparar sistematicamente
a eficácia de diferentes procedimentos de ensino e dar peso de prova às suas conclusões.
Piaget (1969/1976, p. 18) pondera por que a pedagogia não consegue formar uma elite de
pesquisadores capazes de fazer dela uma disciplina científica e viva. Aponta, como um dos
fatores responsáveis por isso, o pouco prestígio intelectual que o
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professor tem em nossa sociedade, quando comparado a qualquer outro profissional liberal,
como o advogado, o engenheiro e o médico. Piaget (1969/1976, p. 20) atribui isto ao fato de
que o professor não é considerado um especialista, quer do ponto de vista das técnicas, quer do
ponto de vista da criação científica. E afirma que quem pensa assim se esquece de que o ensino
tem três problemas centrais que somente podem ser resolvidos com a ajuda do professor. São
eles: 1) Traçar o objetivo do ensino: adquirir conhecimentos, aprender a aprender, aprender a
verificar, aprender a inovar; 2) Escolhidos os objetivos, definir os ramos necessários para
alcançá-lo: a cultura, o raciocínio, a experimentação; 3) Escolhidos os ramos, traçar os métodos
mais adequados.
lições fortes e definitivas que essa guerra legou.
O que distingue autoridades governamentais respeitáveis de nações desenvolvidas na área de
educação é a seriedade com que tomam decisões a partir de evidência científica sólida quando
se trata de decidir o futuro de suas crianças. É a única maneira de garantir que a criança e a
educação sejam as grandes vencedoras de todas as guerras que se travam. Por exemplo, antes
de se decidir por um ou outro lado (isto é, pelo método global ou pelo fônico), o Congresso
dos Estados Unidos determinou que fosse feita uma meta-análise para avaliar os resultados de
mais de 100 mil estudos experimentais conduzidos sobre a eficácia de diferentes métodos de
alfabetização. Tal esforço concentrado de pesquisa revelou a superioridade absoluta do
método fônico e levou o Congresso dos Estados Unidos a estabelecer oficialmente o método
fônico como o método mais eficaz para a alfabetização.
Com o falecimento de Piaget, certos construtivistas parecem ter achado mais fácil entronizar
um dos lados (isto é, o global), de modo intransigente e dogmático, do que trabalhar para
edificar a Pedagogia Experimental com que sonhava Piaget e de que este país tanto necessita.
Nesse longo período, o establishment construtivista falhou de
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modo lamentável e completo em conduzir pesquisas comparando a eficácia de diferentes
métodos de alfabetização. Pior do que isso, com base em especulações de discutível
credibilidade como "não é o professor que alfabetiza a criança, mas sim é a criança que se
alfabetiza a si mesma", esse establishment desencorajou sistematicamente a condução de
pesquisas sobre alfabetização, como se não fossem necessárias, como se "a verdade da
educação" já tivesse sido decretada pelo construtivismo, apesar do detalhe incômodo da
incompetência crescente da criança brasileira (especialmente a pobre) que teima em não
alfabetizar-se a si mesma e em fracassar sob essa orientação, de outro modo tão aparente
mente inspirada e romântica.
A conseqüência da opção cega dos PCNs pelo método global e da insistência crônica das
autoridades em impingi-lo sobre os alfabetizadores nos últimos anos está aí, e salta aos olhos
mesmo de quem não quer ver: na recém divulgada avaliação de competência de leitura do
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) promovida pela Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ocupou a escandalosa posição
de último lugar do mundo. E não se trata de uma amostra pequena ou de escolas apenas
públicas, já que participaram do estudo 265 mil estudantes de 15 anos, sendo 4.800 do Brasil,
das redes pública e privada.
Tais resultados vergonhosos foram objeto de matérias dos principais jornais do país e do
mundo no início de dezembro de 2001. Por exemplo, na matéria: Educação: Brasil foi o pior
colocado..., a Folha de São Paulo relata:
o Brasil foi o último colocado no Pisa (Programa Internacional de Avaliação
de Alunos), prova que mediu, pela primeira vez, o desempenho de estudantes com 15 anos
nas redes pública e particular de ensino de 32 países: Os alunos brasileiros também
ficaram na última colocação no ranking que levou em consideração fatores
socioeconômicos e no que considerou apenas os estudantes com
Nessa mesma data, em matéria intitulada Estudantes brasileiros não entendem o que lêem, o
jornal O Estado de São Paulo relata:
O aluno brasileiro não compreende o que lê. (...) Entre 32 países submetidos ao
teste, o Brasil ficou em último lugar. A prova avaliou a capacidade de leitura de
alunos de 15 anos. (...) "Esperava um desastre maior", disse o Ministro da
Educação. (sic) (...) No Brasil participaram 4,8 mil alunos de 7a. e 8a. série do
ensino fundamental e do 1°' e 2°' ano do ensino médio. (...) com
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média de 396 pontos, numa escala que pode ultrapassar os 626, os alunos
brasileiros foram classificados no nível 1, o mais elementar. Ou seja, são
considerados pratica mente analfabetos funcionais.
(Weber & Avancini, 2001 a, Estudantes brasileiros não entendem o que lêem, O
Estado de São Paulo, 5 de dezembro, p. A9.)
Ainda na mesma data, em matéria intitulada Para alunos brasileiros, difícil é pensar, o Jornal
da Tarde relata:
Contrastando com os dados sobre a vergonhosa posição de último lugar do mundo, na mesma
matéria encontram-se as declarações do ministério da educação acerca deles: "O Ministro da
Educação disse que ficou satisfeito com os resultados do Pisa. Ele disse que ficou
surpreendido porque esperava resultados piores." (Folha de São Paulo, 5 de dezembro, p.
C11). A matéria continua: "Não é que o ensino seja ruim: há muita repetência" (disse o
ministro, que) "voltou a defender o sistema de ciclos, em que a retenção só ocorre na 4a. ou
na 8a. série." (Folha de São Paulo, 5 de dezembro de 2001, C11). Ou seja, pressionado diante
dos dados de fracasso, num momento o ministro afirma que a escola brasileira não está
ensinando e que tem de passar a ensinar o aluno a ler (O Estado de São Paulo, 5 de dezembro
de 2001, página A9; e Jornal da Tarde, 5 de dezembro de 2001, página A14) e, em seguida,
afirma que as crianças têm mau desempenho porque são reprovadas (Folha de São Paulo, 5
de dezembro de 2001, C11) e, então, propõe evitar a reprovação nas provas anuais não
melhorando o ensino mas, sim, abolindo essas provas anuais! Em vez de supor que as
crianças têm mau desempenho porque são reprovadas, pareceria bem mais lógico reconhecer
que elas são reprovadas porque têm mau desempenho. E, então, buscar maneiras de melhorar
o desempenho, de modo a evitar que as crianças continuem sendo reprovadas. Para ir à raiz
do fracasso escolar das crianças, é preciso avaliar o ensino que vem sendo ministrado e os
parâmetros que o norteiam ou desnorteiam. Além disso, faz-se necessário, também, analisar
que tipo de formação os alfabetizadores estão recebendo nas universidades. Quando isto for
feito, ficará óbvio que o ensino só é inadequado porque é ministrado por professores que, em
sua
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formação, receberam mais doutrinamento construtivista do que instrução eficaz e experiência
efetiva como alfabetizadores, e que, como profissionais, têm permanecido constrangidos e
manietados em sua capacidade de ensino devido ao patrulhamento ideológico empreendido
pelas secretarias de educação que têm que seguir os parâmetros decretados pelo MEC na
ausência de qualquer pesquisa.
Todo este esforço de fazer as perguntas certas e de buscar as respostas com seriedade e
dedicação já foi feito com sucesso nos países desenvolvidos, os quais vêm colhendo os frutos de
sua seriedade e coragem em empreender as mudanças necessárias. Enquanto isto, nossas
autoridades ainda não chegaram a cogitar em reconhecer, como já o fizeram os ministérios da
educação dos países bem sucedidos, que as crianças só são reprovadas e têm que repetir de ano
porque as escolas não têm conseguido oferecer um ensino suficientemente eficaz. Em vez de
empreender uma análise sistemática das variáveis por trás do fracasso escolar para poder operar
sobre as causas (especialmente os métodos de ensino inadequados) de modo a erradicar o
fracasso, algumas autoridades propõem abafar o fracasso escolar simplesmente abolindo os
exames e provas anuais. Mais ou menos como um paciente hipertenso que tenta se livrar da
pressão arterial elevada atirando o manômetro pela janela, algumas autoridades brasileiras
procuram evitar o fracasso escolar evidenciado pelas provas simplesmente abolindo as provas!
Desconhecem que o fracasso escolar das crianças é um sintoma de que há algo profundamente
errado com o ensino, mais ou menos como uma dor no peito que indica a existência de
distúrbios coronarianos que precisam ser tratados. Diante da dor incômoda, podemos até abolir
as provas durante algum tempo. Mas, se insistirmos nisso, perdemos a oportunidade de
tratamento e será tarde demais para o sistema que ficará arruinado como um todo. Não adianta
abolir as provas, pois as avaliações estarão aí o tempo todo. Se não forem as provas escolares
semestrais ou anuais, serão as do ciclo, do Saeb, do Enem, do vestibular, do Provão, dos
concursos de emprego, da vida. Enquanto o ensino não for mudado, os resultados serão sempre
os mesmos: fracasso de nossas crianças e de nossos jovens. Isto fica claro nos dados dos exames
e das pesquisas que coincidem em denunciar o problema:
A respeito da proposta de abolir as provas anuais, os peritos também têm pareceres claros.
Por exemplo:
aluno com a reprovação, mas sim para avaliar o processo, para ver se o
conteúdo que está sendo ministrado precisa ser revisto ", afirma.
(Kaminski & Gil, 2üülb, Questão de método, Revista Educação, p. 58.)
Assim, o problema não é a repetência, mas o desempenho pobre que gera a repetência, e a
manutenção dos erros que têm levado a esse desempenho pobre. O sistema de progressão
continuada só vai agravar o fracasso, na medida que mascara os erros da política de ensino.
Os resultados da pesquisa internacional (Pisa) e nacional (Saeb e Enem) são unânimes em
comprovar a incompetência dessa política de ensino. A este respeito, sentencia o analista de
educação Cláudio de Moura Castro, em parecer encomendado pelo próprio MEC: "A escola,
tanto de rico quanto de pobre, não está ensinando seus alunos a ler um texto escrito e a tirar
dele as conclusões e reflexões logicamente permitidas." (Folha de São Paulo, 5 de dezembro
de 2001, C1I). E isto, apesar da insistência do MEC, por meio dos PCNs, em pregar a
alfabetização a partir do texto complexo introduzido logo ao início da alfabetização e na
ausência de qualquer instrução preparatória sistemática de natureza fônica e metafonológica,
com a crença infundada e falsa de que isto facilitaria a leitura e produção de textos. Parece
evidente que algo muito errado está acontecendo com a educação, que extrapola as condições
econômicas e repousa na escola e em seus métodos.
Podemos observar, portanto, que o baixo desempenho dos alunos é atribuído às 11
condições de vida nas cidades brasileiras, à carência econômica, à falta de participação dos
pais ou, na melhor das hipóteses, à falta de "interatividade" das escolas. Apesar do poder que
emana de seus cargos, para certas autoridades brasileiras de ensino não haveria nada a fazer
em term0S de pesquisa comparativa, revisão crítica fundamentada em pesquisa, e
aperfeiçoamento sistemático de métodos de alfabetização e ensino. Restaria, apenas, esperar
até que mudassem as condições de vida nas cidades brasileiras, que o nível ·socioeconômico
do povo brasileiro melhorasse, que os pais participassem mais ativamente da educação de seus
filhos, ou que as escolas adotassem práticas mais "interativas". Uma espécie de "espera
pedagógica" aplicada a toda uma nação. Porém, será que essas "causas" especuladas pelas
autoridades brasileiras seriam as mesmas causas descobertas pelos pesquisadores sérios do
Brasil e do exterior? Será que as pesquisas científicas de campo nas escolas apontam para as
mesmas causas que as especulações de gabinete das autoridades? Tais "explicações" são tão
infrutíferas e inoperantes para mudar a educação e o destino de nossas crianças quanto são
cômodas e convenientes para as autoridades educacionais que as proferem, já que as isentam
de qualquer obrigação de encontrar soluções efetivas sob sua alçada, como a pesquisa e
adoção de métodos de ensino mais efic3zes. Ao atribuir o fracasso das crianças a causas fora
de seu controle e alçada, tais "explicações" tomam o lugar de pesquisas que poderiam aclarar
a visão, e funcionam como uma cortina de fumaça que busca isentar as autoridades de sua
responsabilidade pelo ensino, ainda que, inadvertidamente, acabe por custar o futuro da
criança brasileira.
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De acordo com as "explicações" de autoridades brasileiras, não haveria nada que os
responsáveis pela educação pudessem fazer em termos de oferecer às crianças métodos de
ensino mais apropriados. Parece nem passar pela cabeça de certas autoridades que o método
global de alfabetização, entronizado tão veementemente pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais, possa ser o responsável por grande parte do fracasso. Em plena era da
globalização, o Brasil tem conseguido ignorar, com inexplicável obtusidade, a revolução do
ensino fundamental ocorrida nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e em tantos outros
países e blocos que, depois de intensas pesquisas científicas, descobriram os estragos
alarmantes feitos pelo pernicioso método global e adotaram explicitamente o método fônico
para a alfabetização de suas crianças. Nos anos de 1990, enquanto o nível de competência de
nossas crianças continuava a afundar e as autoridades brasileiras insistiam nas mesmas
cogitações construtivistas desgastadas e pouco elucidativas, as autoridades educacionais
responsáveis de outros países trataram de buscar soluções efetivas a partir de dados sólidos de
pesquisas e de meta-análises conduzidas a partir de mais de 100 mil estudos científicos sobre
métodos de alfabetização. Ao mesmo tempo, num autêntico esforço para desenvolver a
Pedagogia Experimental brasileira, e com resultados verdadeiramente encorajadores,
constituiu-se uma aliança entre alfabetizadores de escolas públicas e pesquisadores do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo para revisar a bibliografia, adaptar,
implementar, testar e aperfeiçoar, por meio de · investigação experimental, procedimentos
claros e comprovadamente eficazes para prevenir e remediar problemas de alfabetização e
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reverter a crescente onda de fracasso de nossas crianças. Tais desenvolvimentos auspiciosos e
animadores são revisados brevemente neste capítulo.
Com base nessa investigação completa de todo o universo de pesquisas conduzidas no campo
da alfabetização, e de audiências públicas envolvendo toda a comunidade de professores, de
cientistas e de pais acerca dos temas mais relevantes para análise, três anos depois, o Comitê
Nacional de Leitura do Instituto Nacional de Saúde da Criança e de Desenvolvimento
Humano publicou, em abril de 2000, o relatório intitulado Ensinando crianças a ler: uma
avaliação baseada em dados da bibliografia de pesquisa científica sobre leitura e suas
implicações para a alfabetização (Teaching children to read: An evidence-based assessment
of the scientific research literature on'reading and its implications for reading instruction)
que contém as diretrizes fundamentais para a alfabetização bem sucedida. Os textos
completos do relatório encontram-se disponíveis na Internet no endereço:
http://www.nationalreadingpanel.org, seção Publications and Materials, subseções Summary
Report, e Reports of the Subgroups.
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1.3.2.5. Conclusões
Todos os quatro estudos brasileiros relatados deixam clara a importância das instruções
fônicas e corroboram, assim, a bibliografia científica internacional no campo. Nos dois
primeiros estudos de intervenção com crianças com dificuldades de leitura e escrita, tanto com
crianças de escolas públicas quanto com crianças de escolas particulares, depois de
participarem das atividades de consciência fonológica e de correspondência entre grafemas e
fonemas, as crianças anteriormente atrasadas tornaram-se melhores que seus pares controle e
equivalentes aos melhores de sua classe. Isto ocorreu não apenas em consciência fonológica e
conhecimento de letras, como também em leitura em voz alta e escrita sob ditado. Ou seja,
mesmo não tendo recebido qualquer instrução direta de leitura ou escrita, a competência
dessas crianças nessas habilidades aumentou de modo significativo e marcante. O mesmo, em
menor escala, foi observado no terceiro estudo, com a estudante com paralisia cerebral, cuja
consciência fonológica e escrita também melhoraram significativamente após algumas poucas
sessões de instrução de correspondências grafofonêmicas e de consciência fonológica. Os três
estudos demonstram claramente a _importância que os procedimentos para desenvolver a
consciência fonológica e ensinar as correspondências entre grafemas e fonemas têm para
desenvolver as competências de leitura e escrita. Além disso, no quarto estudo, foi
demonstrado que, na faixa de zero a 30% do tempo indicada pelas professoras, quanto maior o
tempo dedicado às instruções fônicas (ou de correspondências grafofonêmicas) e
metafonológicas (ou de consciência fonológica), tanto maior o desenvolvimento da
competência de leitura e da compreensão de texto. Este estudo deixou claro que o ensino de
leitura a partir do
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texto é flagrante mente menos eficiente em produzir compreensão de texto e competência de
leitura do que o ensino de leitura a partir de atividades consciência fonológica e de
correspondências grafofonêmicas.
No estágio logográfico, a criança trata o texto mais ou menos como se fosse um desenho, e
não uma escrita alfabética, ou seja, um código de correspondências entre determinadas letras e
combinações de letras (isto é, grafemas) e seus respectivos sons da fala (isto é, fonemas).
Neste estágio, a leitura consiste no reconhecimento visual global de uma série de palavras
comuns que a criança encontra com grande freqüência, tais como seu próprio nome e os
nomes de comidas, bebidas e lugares impressos em rótulos e cartazes (por exemplo, Coca-
Cola e McDonalds). A criança atenta ao contexto, ao formato e à coloração geral da palavra,
como se fosse um desenho, mas não decodifica a palavra segmentando-a nas letras
componentes e convertendo-as em som, exceto usualmente a primeira, sendo que não percebe
se forem trocadas as letras seguintes, desde que o formato geral da palavra permaneça
constante. A escrita também se resume a uma produção visual global, como um desenho,
sendo que a escolha e a ordenação das letras ainda não estão sob controle dos sons da fala. A
manutenção de tal estratégia de leitura logográfica exigiria muito da memória visual da
criança e acabaria levando a uma série crescente de erros grosseiros, como o de troca de
palavras (isto é, paralexia) visualmente semelhantes. Para evitar a cristalização de um estilo de
leitura ideovisual, os professores devem ensinar e encorajar a criança a progredir para o
segundo estágio.
texto. Para produzir tais desempenhos, os professores devem expor a criança a
instruções de correspondência entre letras e sons. Assim, a criança aprende que a
escrita alfabética representa os sons das palavras, isto é, das mesmas palavras que ela
usa para pensar e se comunicar com os outros. Aprendendo as relações entre as letras e
os sons, a criança começa a fazer escrita por codificação fonografêmica, ou seja,
falando consigo mesma e convertendo os sons da fala nas suas letras correspondentes.
Pelo mesmo princípio, mas no sentido inverso, a criança começa a ser capaz de fazer
leitura por decodificação grafofonêmica, ou seja, convertendo as letras em seus
respectivos sons e, então, repetindo mais rapidamente a seqüência toda de sons para si
mesma, para que consiga entender o que está lendo, como se estivesse ouvindo uma
outra pessoa falando. Neste estágio, a criança aprende o princípio da decodificação na
leitura (isto é, a converter as letras do texto escrito em seus sons correspondentes) e o
da codificação na escrita (isto é, a converter os sons da fala ouvidos ou apenas
evocados em seus grafemas correspondentes). Se a criança dominar esses princípios,
logo ela passará a ser capaz de ler e escrever qualquer palavra, mesmo "palavras
inventadas" ou melhor, pseudopalavras. Pseudopalavras consistem em seqüências de
letras em combinações que, como são aceitáveis para a ortografia, podem ser
pronunciadas, embora careçam de qualquer significado. Quando a criança consegue ler
e escrever pseudopalavras, ela está pronta para ler e escrever qualquer palavra nova, e
para aprender por si mesma o seu significado, quer por inferência direta a partir do
texto, quer com o auxilio de um dicionário.
De início, tal leitura por decodificação grafofonêmica, bem como a escrita correspondente por
codificação fonografêmica, são muito lentas. Além disso, a criança tende a cometer erros na
leitura e escrita de palavras em que há irregularidade nas relações entre as letras e os sons
(como, por exemplo, TÁXI). No entanto, à medida que a criança vai se exercitando na leitura
e na escrita, ela vai se tornando cada vez mais rápida e fluente no exercício dessas habilidades,
e vai cometendo cada vez menos erros envolvendo as palavras irregulares, desde que as
encontre com uma certa freqüência. Com a prática, a criança não apenas deixa de hesitar,
como também passa a processar agrupamentos de letras cada vez maiores (correspondentes
aos morfemas e logogens, conforme A. Capovilla & F. Capovilla, 2000b), em vez das letras
individuais, chegando a processar palavras inteiras se estas forem muito comuns e lendo-as de
memória. Neste ponto, a criança está deixando o segundo estágio e entrando no terceiro, o
ortográfico.
No estágio ortográfico, a criança aprende que há palavras que envolvem irregularidade nas
relações entre os grafemas e os fonemas. Ela aprende que é preciso memorizar essas palavras
para que possa fazer uma boa pronúncia na leitura e uma boa produção ortográfica na escrita.
Tendo já passado pelo estágio alfabético em que aprendeu as regras de correspondência entre
grafemas e fonemas que lhe permitem ler e escrever qualquer palavra nova de maneira
automática e rápida, agora, no estágio ortográfico, a criança pode concentrar-se na
memorização das exceções às regras (isto é, na ortografia das palavras grafofonemicamente
irregulares), na análise morfológica das palavras que lhe permite apreender seu significado, e
no processamento cada vez 17
mais avançado da sintaxe do texto. Neste ponto, seu sistema de leitura pode ser considerado
completo e maduro, e a criança passa a tirar vantagem crescente da freqüência com que as
palavras aparecem, conseguindo lê-las com cada vez maior rapidez e fluência, por meio do
reconhecimento visual direto (isto é, pela estratégia lexical), e não mais exclusivamente por
meio de decodificação (isto é, pela estratégia fonológica).
É importante ressaltar que, ao chegar a este último estágio, só porque a criança passa a ser
capaz de fazer uso da estratégia lexical, não significa que ela abandone as estratégias
anteriores. Em verdade, as três estratégias de leitura ficam disponíveis o tempo todo à criança,
sendo que ela aprende a fazer uso da estratégia que se revelar mais eficaz para um ou outro
tipo de material de leitura e escrita. Por exemplo, materiais como algarismos matemáticos,
símbolos de notação científica e lógica, e sinais de trânsito tendem a ser lidos pela estratégia
logográfica. Já as palavras novas de morfologia desconhecida e as pseudopalavras não podem
ser lidas por reconhecimento visual direto, mas precisam ser lidas pela estratégia fonológica.
Finalmente, as palavras conhecidas e familiares, ou de composição morfológica evidente,
podem ser lidas mais rapidamente pela estratégia lexical de reconhecimento visual direto. A
propósito, as palavras com irregularidades grafofonêmicas precisam ser lidas por esta
estratégia já que, se fossem lidas pela estratégia fonológica, elas seriam pronunciadas
incorretamente (isto é, ocorreria erro de regularização fonológica) e a criança não
compreenderia o que está lendo. Por exemplo, a palavra EXÉRCITO precisa ser lida
lexicalmente para que possa ser compreendida. Se a criança tentar usar a estratégia de leitura
fonológica, ela irá pronunciar o X não como "z", mas sim como "ch", e isto certamente
tenderia a comprometer a sua compreensão de leitura.
na passagem do alfabético para o ortográfico, como no caso da dislexia morfêmica. Buscando
permitir avaliar o estágio de desenvolvimento da leitura ao longo dessa progressão,
elaboramos o Teste de Competência de Leitura Silenciosa (F. Capovilla,
A. Capovilla et al., 2000; F. Capovilla, Macedo et al., 1998), inspirado no paradigma geral
esboçado por Khomsi (1997) e aperfeiçoado por Braibant (1997). O teste objetiva ser, ao
mesmo tempo, um instrumento psicométrico e neuropsicológico cognitivo. Psicométrico
porque, acompanhado de tabelas de normatização, permite avaliar o grau de desvio de cada
criança em relação às normas de seu grupo de referência, em relação à idade e à escolaridade.
Neuropsicológico cognitivo porque permite interpretar os dados da criança em termos de
modelo do desenvolvimento da leitura e escrita, e inferir a fase de desenvolvimento em que
ela se encontra e as estratégias de leitura que prevalecem em seu desempenho.
O teste consiste em oito itens de treino e 70 itens de teste, cada qual com um par composto de
uma figura e uma palavra ou pseudopalavra escrita (isto é, um par figura-escrita). A escrita é
feita em letras maiúsculas para permitir manipular o efeito da similaridade visual. A tarefa da
criança é cruzar (isto é, assinalar com um X) os pares figura-escrita incorretos e circular os
corretos. Há sete tipos de itens (isto é, pares figura-escrita), todos distribuídos aleatoriamente
ao longo das tentativas, com dez itens de teste para cada tipo. São eles:
Tipo 1) Palavras corretas grafofonemicamente regulares como, por exemplo, a palavra escrita
FADA sob a figura de uma fada. Outros exemplos: BATATA, TOMADA, BUZINA, MAPA,
PIJAMA, MAIÔ, BONÉ, MENINA e PIPA;
Tipo 2) Palavras corretas grafofonemicamente irregulares, como a palavra TÁXI sob a figura
de um táxi. Outros exemplos: XADREZ, CALÇAS, AGASALHO, TESOURA, PINCEL,
EXÉRCITO, PRINCESA, EXERCÍCIO e BRUXA;
Tipo 3) Palavras com incorreção semântica, como a palavra TREM sob a figura de um ônibus.
Outros exemplos: CACHORRO (sob figura de camundongo), ROSA (sob árvore), SOFÁ
(casa), COBRA (peixe), RÁDIO (telefone), AVIÃO (águia), MAÇÃ (morango), CHINELO
(sapato) e SORVETE (bombom);
Tipo 4) Pseudopalavras (incorretas) com trocas visuais, como CAEBÇA sob a figura de uma
cabeça. Outros exemplos: GAIO (gato), FÊRA (pêra), CRIANQAS (crianças), TEIEUISÃO
(televisão), CAINELO (chinelo), JACAPÉ (jacaré), PAROUE (parque), ESTERLA (estrela) e
CADEPMO (caderno);
Tipo 5) Pseudopalavras (incorretas) com trocas fonológicas, como CANCURU sob a figura de
um canguru. Outros exemplos: FACA (vaca), HAPELHA (abelha), MÁCHICO (mágico),
APATAR (apagar), PIPOTA (pipoca), RELÓCHIO (relógio), OFELHA (ovelha), PONECA
(boneca) e JUVEIRO (chuveiro);
Tipo 6) Pseudopalavras (incorretas) homófonas, como BÓQUISSE sob a figura de uma luta de
boxe. Outros exemplos: PÁÇARU (pássaro), CINAU (sinal), JÊLU (gelo), AUMOSSU
(almoço), XAPEL (chapéu), HOSPITAU (hospital), MININU (menino), TÁCSI (táxi) e ÓMI
(homem);
Tipo 7) Pseudopalavras (incorretas) estranhas, como RASSUNO sob a figura de
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uma mão. Outros exemplos: PAZIDO (xarope), ASPELO (coelho), MITU (óculos), DILHA
(pião), MELOCE (palhaço), FOTIS (meia), lAMELO (tigre), SOCATI (urso) e CATUDO
(tênis).
A Figura 7 ilustra exemplos dos sete tipos de pares figura-escrita do Teste de Competência de
Leitura Silenciosa.
I
FADA PRINCESA RÁDIO TEIEUISÃO
Figura 7. Exemplos de cada um dos sete tipos de pares figura-escrita do Teste de Competência
de Leitura Silenciosa: duas palavras corretas, uma regular (FADA) e uma irregular
(PRINCESA); uma palavra com incorreção semântica (RÁDIO sob figura de telefone); uma
pseudopalavra com troca visual (TEIEUISÃO) e uma com troca fonológica (MÁCHICO);
uma pseudopalavra homófona (TÁCSI) e uma estranha (MELOCE).
mesmo modo, o insucesso na rejeição de pseudopalavras homófonas (tipo 6) pode indicar a
mesma dificuldade com o processamento lexical (ou falta dele) num nível ainda mais
acentuado, com uma leitura mais limitada à decodificação fonológica. Quando uma criança já
tem pelo menos nove anos de idade e já foi bastante exposta a textos, se ela deixar de rejeitar
pseudopalavras homófonas, isto indica que ela está lendo pela rota fonológica, isto é, por
decodificação grafofonêmica estrita, sem fazer recurso à rota lexical. Se ela fizesse recurso ao
léxico ortográfico e encontrasse nele as palavras alvo (como, por exemplo, PÁSSARO,
SINAL, GELO, TÁXI, MENINO, HOSPITAL, HOMEM, BOXE, ALMOÇO), ela rejeitaria
as pseudopalavras homófonas. A falha em rejeitá-las sugere falta de representação apropriada
no léxico ortográfico, quer por exposição insuficiente ao texto ou por dificuldade de leitura.
Um pouco mais sério é o insucesso na rejeição de pseudopalavras com trocas fonológicas (tipo
5), que poderia indicar a mesma falta de recurso ao léxico, mas com o agravante de
dificuldades adicionais no próprio processamento fonológico. Já o insucesso na rejeição de
palavras semanticamente incorretas (tipo 3) poderia indicar falta de acesso ao léxico
semântico. Ainda mais sério, o insucesso na rejeição de pseudopalavras com trocas visuais
(tipo 4) poderia indicar dificuldade com o processamento fonológico, e recurso à estratégia de
leitura logográfica. Finalmente, o insucesso na rejeição de pseudopalavras estranhas (tipo 7)
poderia indicar sérios problemas de leitura, com ausência de processamento lexical, fonológico
e, mesmo, logográfico.
"sa" -"sa") ou diferentes, sendo essas diferenças quanto ao modo de articulação ("za" -"la",
"ja"-"lha"), à sonorização ("fa" -"va"; "ga" -"ca"), ao ponto de articulação ("ba" -"da", "ta" -
"pa") ou aos três fatores ("sa" -"ma", "cha" -"Ra"). O teste apresentava cada um dos cinco
tipos de pares de sílabas sob 20 intervalos entre estímulos (IEEs), que variavam semi-
aleatoriamente, desde uma duração média (2,5 s) até intervalos que eram muito curtos (numa
escala de milésimos de segundo: 0,20,40, 60, 80, 100, 150, 200, 250, 300, 350, 400, 450, 500,
1000) ou então muito longos (numa escala de segundos: 5, 15, 30, 60). A criança devia julgar
se as sílabas apresentadas com voz digitalizada pelo computador eram iguais ou diferentes.
Para tanto, após cada apresentação de pares de sílabas, apareciam na tela os sinais igual e
diferente, e a criança selecionava com o mouse um dos sinais.
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Tais resultados não apenas comprovam a validade do Teste de Competência de Leitura
Silenciosa e do modelo teórico a ele subjacente, como também corroboram a hipótese de que a
dificuldade apresentada por crianças com problemas de aquisição de leitura e escrita é de
natureza fonológica. Isto, por sua vez, ajuda a explicar a grande eficácia de procedimentos
educacionais baseados no desenvolvimento de consciência fonológica e de correspondências
grafema-fonema para a prevenção e remediação de problemas de leitura e escrita. O sucesso
do método fônico e o seu reconhecimento em todo o mundo são fáceis de compreender a
partir de estudos de avaliação como este, demonstrando a natureza fonológica das dificuldades
subjacentes aos problemas de aquisição de leitura e escrita, e de estudos de intervenção como
os descritos neste capítulo, que demonstram a eficácia dos procedimentos de desenvolvimento
de consciência fonológica e de correspondência grafema-fonema sobre o desenvolvimento da
competência de leitura e escrita. Lembremo-nos agora da realidade brasileira e da posição
oficial das autoridades responsáveis pela política educacional deste país.
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livro Psicogênese da língua escrita (Ferreiro & Teberosky, 1986). Eles ilustram claramente a
adesão ao método global ou ideovisual de ensino, e contrastam de modo flagrante e até
grotesco com as diretrizes curriculares britânicas, francesas e norte-americanas. Isto pode ser
constatado em trechos como os seguintes, na seção Alfabetização e ensino da língua dos
PCNs brasileiros:
É habitual pensar sobre a área de Língua Portuguesa como se ela fosse um.
foguete de dois estágios (...). O primeiro seria o que já se chamou de
"primeiras letras”, hoje alfabetização, e o segundo, aí sim, o estudo da língua
propriamente dita.
Durante o primeiro estágio, previsto para durar e m geral um ano, o professor
deveria ensinar o sistema alfabético de escrita (a correspondência
fonográfica) e algumas convenções ortográficas do 'português - o que
garantiria ao aluno a possibilidade de ler e escrever por si mesmo, condição
para poder disparar o segundo estágio do metafórico foguete. Esse segundo
estágio se desenvolveria em duas linhas básicas: os exercícios de redação e os
treinos ortográficos e gramaticais.
O conhecimento atualmente disponível recomenda uma revisão dessa
metodologia e aponta para a necessidade de repensar sobre teorias e práticas
tão difundidas e estabelecidas, que, para a maioria dos professores, tendem a
parecer as únicas possíveis. (...)
A compreensão atual (...) rompe com a crença arraigada de que o do mínio do
bê-á-bá seja um pré-requisito para o início do ensino da língua e nos mostra
que esses dois processos de aprendizagem podem e devem ocorrer de forma
simultânea.
(Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1997,
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: Ensino de la. a 4 a.
séries, p. 27.)
Como se depreende da citação acima, os PCNs brasileiros ignoram modelo do duplo processo
(A. Capovilla & F. Capovilla, 2000b; Ellis, 1995), com leitura inicial pela rota fonológica e
competente pela lexical. Como os PCNs não oferecem citações bibliográficas e dados de
pesquisa, só resta ao leitor tentar imaginar a que "conhecimento atualmente disponível" os
PCNs poderiam estar se referindo. Examinemos de novo outro trecho, disponível no mesmo
site http://www.mec.gov.br. seção Educação Fundamental, subseção Parâmetros
a.
Curriculares Nacionais, seção PCN 1 a. a 4 séries, seção Volume 2: Língua Portuguesa,
tópico 29: O texto como unidade de ensino:
escritos das cartilhas, e m geral, nem sequer podem ser considerados textos, pois
não passam de simples agregados de frases. Se o objetivo é que o aluno aprenda
a produzir e a interpretar textos, não é possível tomar como unidade básica de
ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase que,
descontextualizadas, pouco têm a ver com a competência discursiva, que é
questão central. Dentro desse marco, a unidade básica de ensino só pode ser o
texto, mas isso não significa que não se enfoque m palavras ou frases nas
situações didáticas especificas que o exijam.
(Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1997, a.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: Ensino de 1 a. a 4 .
séries, p. 24.)
Como a citação acima deixa claro, os PCNs preconizam que as atividades de leitura e escrita
partam diretamente, e desde o início, do texto. Para eles, a ênfase não deve ser em unidades
menores, no nível da palavra, mas sim na "competência discursiva", desde o início. Tais
recomendações contrariam, de modo flagrante e anacrônico, duas décadas e meia de pesquisas
internacionais que mostram a importância fundamental das instruções metafonológicas e
fônicas preparatórias à introdução de textos complexos. Ao instituir oficialmente a introdução
do texto complexo logo ao início do processo de alfabetização, os PCNs contrariam as diretrizes
adotadas nos países desenvolvidos e ignoram todo o conhecimento científico no campo. Ainda
.
mais grave do que isto, entretanto, é que, como demonstra o Estudo 4 anteriormente descrito, ao
determinar que as professoras tomem o texto como unidade básica de ensino e que o introduzam
logo ao início, os PCNs acabam por comprometer seriamente a competência de leitura das
crianças, especialmente as da escola pública, que são as que mais dependem da escola para
aprender. A segunda recomendação, a do ensino contextualizado de palavras e frases, também
já foi refutada como inadequada pelas pesquisas na área, conforme apresentado anteriormente
na revisão do National Reading Panel do governo norte-americano.
outra concepção que deve ser superada é a do mito da interpretação única, fruto
do pressuposto de que o significado está dado no texto. O significado, no entanto,
constrói-se pelo esforço de interpretação do leitor, a partir não só do que está
escrito, mas do conhecimento que traz para o texto.
(Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1997, a.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: Ensino de 1 a. a 4
séries, Aprendizado inicial da leitura, p. 43.)
O conhecimento atualmente disponível a respeito do processo de leitura indica
que não se deve ensinar a ler por meio de práticas centradas na decodificação. Ao
contrário, é preciso oferecer aos alunos inúmeras oportunidades de aprenderem a
ler usando os procedimentos que os bons leitores utilizam. É preciso que
antecipem, que faça m inferências a partir do texto ou do conhecimento prévio que
possuem, que verifiquem suas suposições - tanto em relação à escrita
propriamente quanto ao significado. (...) Para aprender a ler, é preciso que o
aluno se defronte com os escritos que utilizaria se soubesse mesmo ler - com os
textos de verdade, portanto. Os materiais feitos exclusivamente para ensinar a ler
não são bons para aprender a ler: têm servido apenas para ensinar a decodificar
(...). De certa forma, é preciso agir como se o aluno já soubesse aquilo que deve
aprender.
(Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1997,
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: Ensino de 1 a. a 4a.
séries, p. 24, Aprendizado inicial da leitura, p. 37.)
Como os trechos acima deixam claro, os PCNs defendem que a criança procure atribuir
significado ao texto antes mesmo de tentar extrair tal significado do texto por decodificação e,
depois, por leitura lexical. Isto ajuda a entender porque os alunos acabam aprendendo a "ler" o
que bem entendem no texto, em vez de extrair a informação do texto. Como demonstra a
prova de leitura do Pisa, alunos que aprenderam a "ler" desta forma preconizada pelos PCNs
não precisam preocupar-se em extrair do texto a informação explícita de que quem
administrou a vacina foi a enfermeira. Já que eles sabem que a qualificação do médico é
maior que a enfermeira, basta extrair este significado de suas próprias cabeças, de seu
"conhecimento do mundo", e "ler" que foi o médico quem vacinou. Afinal, bem poderia ter
sido não é? O juízo internacional sobre a incompetência de leitura de nossos estudantes é
claro:
Técnicos da OCDE que analisaram o resultado do Pisa concluíram que os
estudantes brasileiros têm a tendência de "responder pelo que acham e não pelo
que efetivamente está escrito". (Weber & Avancini, 2001b, Para alunos
brasileiros, difícil é pensar, Jornal da Tarde, 5 de dezembro, p. A14.)
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