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Alfabetização de crianças com Autismo: instalando a

função da leitura e da escrita e a compreensão e


interpretação de textos
POR: JULIANA FIALHO

No último artigo vimos algumas estratégias especiais de alfabetização de crianças com dificuldades de
aprendizagem, estratégias estas que se baseiam na teoria da equivalência de estímulos. Dando
continuidade a esta fase da aprendizagem acadêmica, veremos agora alguns procedimentos eficazes
para instalar respostas de leitura e escrita mais refinadas em crianças com desenvolvimento atípico,
particularmente, com autismo. Estas atividades visam treinar a função acadêmica e social da leitura e da
escrita. 

As atividades aqui descritas não precisam, necessariamente, serem feitas após a alfabetização formal,
algumas delas podem ser conduzidas paralelamente à alfabetização. 

A primeira preocupação do terapeuta analista do comportamento durante qualquer processo de ensino


deve ser a generalização das habilidades ensinadas para contextos mais naturais, saindo do contexto
artificial e especialmente preparado para a aprendizagem no qual se configura o setting terapêutico.
Durante a alfabetização esta preocupação também deve permear todo o trabalho. 

Visando a generalização das palavras aprendidas na pré-alfabetização (tema do último artigo) e o treino
da função da leitura e da escrita, o terapeuta pode produzir, junto com a criança, um livrinho com as
palavras trabalhadas na pré-alfabetização. A criança deve completar cada página do livro já montado pelo
terapeuta, como no exemplo abaixo. 

Depois de montar o livrinho todo, a criança pode ler a história para alguém. Neste momento, a criança
tem a oportunidade de experimentar a principal função da leitura, afinal ela será capaz de ler algumas
frases, já que estas são montadas com palavras-chave já treinadas. 

Com este mesmo livro produzido junto com a criança e, também, com outros livros simples (frases curtas;
letra bastão grande; imagens claras; começo, meio e fim bem definidos; etc.), pode-se aplicar um
conjunto de atividades que visam o treino de leitura e escrita; ampliação de interesses; aprofundamento
do conteúdo de conversas e comentários; treino da atenção na leitura e no reconto do texto;
compreensão e interpretação do texto. Abaixo descrevo estas atividades. 

Visando gerar interesse pela história e, com isso, motivação para as atividades que se seguem, a primeira
atividade que deve ser feita é apresentar a história em vídeo (caso exista um filme sobre ela) ou em uma
apresentação no Power Point com fotos de cada página do livro. O uso da mídia gera um interesse inicial
maior do que se já começarmos direto com o livro. 

Em seguida, o terapeuta deve contar a história mostrando cada página do livro e garantindo que a criança
preste atenção. Para isso, a história deve ser apresentada de maneira clara e breve, de preferência
dividida em 4 ou 5 atos. O terapeuta deve estimular que a própria criança leia a história ou partes dela, a
depender do passo da alfabetização em que ela está. Se a criança ainda não lê, ela deve, pelo menos,
acompanhar a leitura com o dedo nas palavras. Durante a contagem o terapeuta deve, ainda, pedir
respostas que garantam a atenção e participação da criança. Por exemplo, em cada página do livro o
terapeuta pode pedir que a criança aponte (repertório de ouvinte - identificação) e/ou nomeie (repertório
de falante – tato) personagens ou itens do cenário. Com crianças que tenham o repertório verbal mais
desenvolvido pode-se, ainda, estimular respostas intraverbais, como “Está de noite ou de dia?”, “Onde
morava o Pinguim?”, “Que cor é o lobo?”, etc. 

Em seguida o terapeuta pode pedir que a criança ordene as principais cenas da história, começando com
3 cenas e depois evoluindo para 5 a 7 cenas. Para isso, o terapeuta deve apresentar figuras com as
principais cenas da história em ordem aleatória e mostrar cada uma para a criança. Em seguida a criança
deve colocar as figuras na ordem em que ocorrem na história. Se necessário, o terapeuta deve dar ajuda
física (pegando cada cena junto com a criança) ou gestual (apontando a próxima cena). Esta atividade vai
garantir a compreensão da sequência lógica que permeia qualquer história, além de treinar esta
habilidade que é fundamental para a compreensão de histórias, cenas e situações cotidianas. 

Com crianças autistas o apoio visual é sempre útil, por isso, pode ajudar bastante fazer a ordenação das
cenas em uma prancha numerada e com quadros delimitados para cada cena, tal como exemplificado
abaixo. 

Seguindo o sequenciamento visual feito na atividade anterior, a criança deve ser estimulada a verbalizar a
sequência da história, utilizando as palavras de conexão como “primeiro, depois, então”. Os quadros
ordenados servem de dicas para ela contar a história. Para isso, o terapeuta deve estimular que a criança
coloque seu dedo em cada cena na medida em que vai contando a história. A depender do nível de
alfabetização, peça para a criança escrever frases simples deste seu “resumo”. Este resumo escrito
também pode ser feito com cópia, ou seja, o terapeuta escreve as frases que a criança falou durante o
reconto da história e, depois, a criança copia seu próprio resumo. 

Outra atividade que contribui muito para a compreensão da história que está sendo trabalhada é a
dramatização dos principais personagens e acontecimentos. Para isso, devem ser preparadas roupas ou
acessórios característicos dos principais personagens. A criança deve preparar estes acessórios junto
com o terapeuta, aproveitando para treinar habilidades grafomotoras como: recortar as orelhas do lobo;
desenhar e recortar o chapéu do caçador; etc. Também pode-se utilizar brinquedos, miniaturas ou
fantoches para a representação dos principais personagens. Depois da caracterização, a criança e o
terapeuta devem encenar cada ato da história com diálogos básicos e curtos. O terapeuta deve dar as
ajudas físicas e verbais (dica ecóica ou intraverbal) necessárias. 
Partindo para atividades de interpretação propriamente dita, o terapeuta pode elaborar de 3 a 4 questões
sobre a história. Neste momento as questões devem ser sobre informações facilmente extraídas do texto,
por exemplo, questões como: “Onde aconteceu?”, “Quem estava lá?”, “O que o personagem fez?”, etc. As
respostas podem ser somente verbais; ou por escrito; ou ainda, a criança responde verbalmente, o
terapeuta escreve a resposta e, em seguida, a criança a copia. 

Novamente buscando o apoio visual, sugere-se também fazer atividades de completar lacunas ou
questões de múltipla escolha. O terapeuta deve desenvolver exercícios nos quais a criança vai preencher
lacunas ou marcar um X na resposta correta, com informações que podem ser facilmente encontradas no
livro. Aqui vale introduzir conceitos acadêmicos que estejam no currículo da escola, por exemplo: conceito
de opostos; quantidades; estações do ano; formas geométricas; etc. Com crianças autistas, é
interessante usar texto e imagens nas questões, como exemplificado abaixo. 

Com crianças mais velhas e mais avançadas no processo de alfabetização, pode-se também fazer
questões que a estimulem a extrair informações das entrelinhas, criando hipóteses e entendendo o
“porquê” das coisas. Nesta etapa o aplicador deve desenvolver perguntas que não podem ser diretamente
respondidas com as dicas visuais do livro (Ex: “Quem era o porquinho mais esperto?”; “Porque a bruxa
não gostava da Branca de Neve?”; etc.). Para responder a criança poderá reler partes do texto. 

As atividades de registro, comumente feitas em salas de aula regulares após a leitura de uma história,
também são fundamentais. A partir do tema da história, a criança deve trabalhar em alguma atividade
grafomotora, como: desenho com pontilhado; desenho livre; escrever os nomes dos personagens; recorte
e colagem; etc. 

Os tablets também são um meio eficaz para estimular o interesse pela leitura e pela escrita, bem como
para a aquisição da função social e comunicativa destas respostas. Existe uma infinidade de aplicativos
que estimulam a leitura e a escrita, como: livrinhos virtuais que contam a história com áudio; treino da
escrita de letras e palavras na tela do tablet; aplicativos nos quais a criança pode montar uma história
usando fotos ou imagens da internet e digitando as frases; etc. 

Nesta fase da intervenção terapêutica e acadêmica, também sugere-se apresentar os diversos usos da
leitura e da escrita, como: jornal – o adulto pode ler o caderno infantil ou alguma reportagem que envolva
um tema do interesse da criança junto com ela, estimulando que ela leia as palavras-chave; livro –
trabalhar os livros indicados na escola ou outros que sejam de interesse da criança com as atividades
descritas acima; bilhete – estimular que a criança escreva bilhetes para os familiares e amigos da escola
(usando ditado ou cópia como apoio, se necessário); e-mail - ensinar a usar o e-mail e mandar
mensagem para pessoas que estão distantes; combinados – escrever combinados para a aula ou terapia
e ler diariamente; etiquetas – colocar etiquetas escritas pela própria criança nos brinquedos, móveis e
objetos da casa; propagandas – recortar e colar propagandas de alimentos preferidos e, depois, ir ao
supermercado com esta “lista de compras” e comprar cada item; letra de música – a criança pode ajudar
a encontrar a letra de uma música que goste muito na internet e, depois, ouvir a música e cantar junto
com a letra na mão acompanhando com o dedinho em cada palavra (sugere-se usar letra bastão grande
e destacar as palavras que a criança é capaz de ler); enunciados – nas lições de casa a criança deve ler
os enunciados, compreender o que pedem e executar a tarefa; placar de jogos – em jogos coletivos
podemos fazer um “placar” onde a criança deve escrever os nomes dos jogadores e sua pontuação no
decorrer do jogo, no final ela deve dizer quem ganhou consultando o placar. 

Com estas e outras atividades que podem ser elaboradas a partir destas, vamos refinando a leitura e a
escrita, dando função para este repertório, garantindo seu uso funcional no dia-a-dia e sua generalização
para contextos naturais. 
Referências Bibliográficas: 

Bagaiolo, L. & Guilhardi, C. (2002). Autismo e preocupações educacionais: Um estudo de caso a partir de
uma perspectiva comportamental compromissada com a Análise Experimental do Comportamento. In:
Guilhardi, H. J., Madi, M.B. P., Queiroz, P. P., Scoz, M. C. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. 1ª
Ed. Santo André: ESETEC, v. 10, p. 67-82. 

De Rose, J. C. (2005). Análise Comportamental da Aprendizagem da Leitura e Escrita. Revista Brasileira


de Análise do Comportamento, 1, 29-50. 

Souza, D. G. & De Rose, J. C. (2006). Desenvolvendo programas individualizados para o ensino de


leitura. Acta Comportamentalia, 14, 77-98.

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