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Atividade econômica do transporte

individual de passageiros

Parecer

José Joaquim Gomes Canotilho

1. Neste título 1o desenvolve-se o esquema jurídico-discursivo destinado


a responder aos tópicos problemáticos. Trata-se, numa primeira síntese, de
œž‹ȱ–ŽŽ›ȱŠȱž–Šȱœžœ™Ž—œ¨˜ȱ›ŽĚŽ¡’ŸŠǰȱ“ž›Ç’ŒŠȱŽȱ˜–¤’ŒŠǰȱ˜ȱ›Ž’–ŽȱŽȱŠŒŽœȬ
so à atividade econômica do transporte individual de passageiros.
Procura-se, pois, problematizar o regime de acesso à atividade econômica
de “transporte individual de passageiros”, na sua modalidade privada,
Žœ™ŽŒ’Š•–Ž—Žȱ —˜ȱ ¦–‹’˜ȱ Ž–ȱ šžŽȱ ˜œȱ ›Žœ™ŽŒ’Ÿ˜œȱ ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ ǻ–˜˜›’œŠœȱ
™Š›’Œž•Š›ŽœǼȱ Ž¡Ž›ŒŽ–ȱ ŽœœŠȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ž’•’£Š—˜ȱ ™Š›Šȱ ˜ȱ ŽŽ’˜ȱ ˜œȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ
eletrônicos/tecnológicos oferecidos pelo “sistema Uber”.
ŽœŽȱŒ˜—Ž¡˜ǰȱ—ž–Šȱ™Ž›œ™ŽŒ’ŸŠȱ“ž›Ç’Œ˜ȬŒ˜—œ’žŒ’˜—Š•ǰȱŠȱŠ—¤•’œŽȱŽŸŽ›¤ȱ
também incidir sobre as possíveis ou eventuais causas de inconstitucionali-
dade das leis e/ou dos projetos legislativos que visam a proibição das ativi-
dades dos motoristas parceiros e da Uber, especialmente as que resultaram
da aprovação dos projetos legislativos do Rio de Janeiro e de São Paulo,
utilizando-se, para o efeito, como parâmetro, a Constituição Federal do Brasil
e as Constituições Estaduais
2. No sentido de facilitar a leitura e inteligibilidade deste instrumento
forense, parece-nos adequado apresentar a estrutura problematizadora desen-
volvida nos apontamentos seguintŽœǯȱ œœ˜ȱ œ’—’ęŒŠȱ Š™›ŽœŽ—Š›ȱ Šȱ ȃ̘›ŽœŠȱ
sumarizadora” que constará de quatro partes:

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


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Parte I, dedicada ao enquadramento jurídico-constitucional; Parte II,


Ÿ’œŠ—˜ȱŠȱŠ™•’ŒŠ³¨˜ȱŽȱ˜ž›’—ŠȱŽ¡™˜œŠȱ¥ȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ
’—’ȱŸ’žŠ•ȱ Žȱ ™ŠœœŠŽ’›˜œDzȱ Š›Žȱ ǰȱ Žœ™ŽŒ’ęŒŠ–Ž—Žȱ Ž’ŒŠŠȱ ¥ȱ ™›˜‹•Žȱ–ŠȬ
tização da atividade econômica privada de transporte individual de passa-
geiros, na sua modalidade privada e sistema Uber; Parte IV, centrada na
inconstitucionalidade e ilegalidade de alguns diplomas municipais, distritais
ou estaduais.

Parte I
Enquadramento jurídico-constitucional

§§1
A radicação jurídico-constitucional da liberdade da iniciativa
econômica e profissional

A — Ponto de partida jurídico-constitucional: a constituição da


República Federativa do Brasil

1. Âmbito de proteção jusfundamental da liberdade de iniciativa


econômica e regime de restringibilidade e retrinção

“A liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por


um lado, na liberdade de iniciar uma atividade econômica (direito à empresa,
liberdade de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão
e atividade de empresa (liberdade de empresa, liberdade de empresário)”.1
Neste sentido, a liberdade de iniciativa privada compreende assim dois
momentos: por um lado, o acesso a determinada atividade econômica, e, por
˜ž›˜ǰȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽœœŠȱ–Žœ–ŠȱŠ’Ÿ’ŠŽǯ
No Brasil é generalizadamente consensual, no plano doutrinal e no plano
político, que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, se
funda nos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (artigo 1o, IV), na
liberdade (artigo 5o, caput), no livre exercício de qualquer trabalho, ofício
˜žȱ ™›˜ęœœ¨˜ǰȱ ŠŽ—’Šœȱ Šœȱ šžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ šžŽȱ Šȱ •Ž’ȱ ŽœŠ‹Ž•ŽŒŽ›
(artigo 5oǰȱ  Ǽǯȱ ǰȱ Ž–ȱ Œ˜—œ˜—¦—Œ’Šǰȱ šžŽȱ Šȱ ˜›Ž–ȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠȱ ·ȱ ž—ŠŠȱ —Š

1
Videȱ ȱ 
Ȧ ȱ ǰ Constituição anotada, p. 790.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 277

ŸŠ•˜›’£Š³¨˜ȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ȱ‘ž–Š—˜ȱŽȱ—Šȱ•’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠǰȱŽ—˜ȱ™˜›ȱę–ȱŠœœŽž›Š›ȱ
Šȱ˜˜œȱŽ¡’œ¹—Œ’ŠȱŒ˜—’—ŠǰȱŒ˜—˜›–Žȱ˜œȱ’Š–ŽœȱŠȱ“žœ’³Šȱœ˜Œ’Š•ȱǻŠ›’˜ȱŗŝŖǼǰȱ
segundo, entre outros, o princípio da livre concorrência (artigo 170, IV) e a
ŽŽœŠȱ˜ȱŒ˜—œž–’˜› (artigo 170, V). E ainda que a ordem social tem como
base o primado do trabalho (artigo 193).
Nesta sequência, numa norma que poderemos considerar uma síntese
sistematicamente agregadora ou projetante daqueles princípios, — parágrafo
único do artigo 170 —ȱ’–™äŽȱŽ˜—’ŒŠ–Ž—ŽȱšžŽȱ·ȱŠœœŽž›Š˜ȱŠȱ˜˜œȱ˜ȱ•’Ÿ›Žȱ
Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱšžŠ•šžŽ›ȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠǰȱ’—Ž™Ž—Ž—Ž–Ž—ŽȱŽȱŠž˜›’£Š³¨˜ȱ
Žȱà›¨˜œȱ™ø‹•’Œ˜œǰȱœŠ•Ÿ˜ȱ—˜œȱŒŠœ˜œȱ™›ŽŸ’œ˜œȱ—Šȱ•Ž’ǯ
Um sistema econômico e social assim fundado e estruturado há de ter,
desde logo, como corolário lógico, um outro princípio-regra, que emerge
comoȱ Œ˜—’³¨˜ȱ ˜‹“Ž’ŸŠȱ —ŽŒŽœœ¤›’Šȱ Žȱ ’—’œ™Ž—œ¤ŸŽ•ȱ Š˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ ŠšžŽ•Šœȱ
•’‹Ž›ŠŽœǯ Referimo-nos à natureza das atividades econômicas: estas, por
Žę—’³¨˜ǰȱŠœœž–Ž–ȱŠȱ—Šž›Ž£ŠȱŽȱŠ’Ÿ’ŠŽœȱŽŒ˜—â–’ŒŠœȱ™›’ŸŠŠœDzȱŠ’Ÿ’ŠŽœȱ
de mercado e, como tais, abertas à concorrência dos diferentes operadores e
agentes privados.

B — Limites à liberdade de conformação do legislador

Consequentemente, os desvios que o legislador ordinário venha a intro-


ž£’›ȱ Šȱ ŽœŽȱ ™›’—ŒÇ™’˜ȱ ¹–ȱ Žȱ Œ˜—ꐞ›Š›ȬœŽȱ Œ˜–˜ȱ Ž¡ŒŽ™Œ’˜—Š’œȱ Žȱ ‹ŠœŽŠ›ȬœŽȱ
Ž–ȱ›Š£äŽœȱ“ž›Ç’Œ˜ȬŒ˜—œ’žŒ’˜—Š’œȱ•ŽÇ’–ŠœȱŽȱ“žœ’ęŒŠŠœȱœŽž—˜ȱ˜ȱŽœŽȱŠȱ
proporcionalidade, sendo este avaliado em função dos concretos interesses
™ø‹•’Œ˜œȱ™›˜œœŽž’˜œȱŽ–ȱŒŠŠȱ–˜–Ž—˜ȱ‘’œà›’Œ˜ǯȱ¡’¹—Œ’ŠȱŽȱ“žœ’ęŒŠ’ŸŠȱ
que se impõe para a institucionalização de reservas ou monopólios públicos
Žȱ ’—Ž›ŸŽ—³¨˜ȱ ǻŠȱ šžŠ•’ęŒŠ³¨˜ȱ Žȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠœȱ Œ˜–˜ȱ ™ø‹•’ŒŠœȱ Žȱ
œ˜‹ȱ›ŽœŽ›ŸŠȱŽȱ’—Ž›ŸŽ—³¨˜ȦŽ¡ŽŒž³¨˜ȱ™ø‹•’ŒŠǼǯȱ˜›ȱ–Š’˜›’ŠȱŽȱ›Š£¨˜ǰȱ—Šȱ™Ž›œȬ
™ŽŒ’ŸŠȱ “ž›Ç’Œ˜ȬŒ˜—œ’žŒ’˜—Š•ǰȱ Šȱ “žœ’ęŒŠ³¨˜ȱ Šȱ Ž¡ŒŽ™Œ’˜—Š•’ŠŽȱ Žȱ ž–Šȱ
reserva ou de um monopólio no âmbito de atividades econômicas privadas
Ž–ǰȱ—Šž›Š•–Ž—ŽǰȱŽȱœŽ›ȱ™˜›Š˜›ŠȱŽȱž–ȱŠŒ›ŽœŒ’˜ȱ›ŠžȱŽȱŽ¡’¹—Œ’Šǯ
Efetivamente, uma atividade econômica privada é, por destinação, aberta
à livre concorrência, isto é, ao pleno e livre acesso de todos. Neste sentido,
uma ordem econômica fundada na liberdade de iniciativa econômica e no
valor social do trabalho pressupõe ou implica a liberdade de mercado, isto é,
pressupõe a liberdade de concorrência no acesso às atividades econômicas e
—˜ȱœŽžȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ǯ

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278 REV I S T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

1. A excepcionalidade de criação de reservas ou contingentes de


acesso à atividade econômica privada

Neste quadro, a criação de reservas ou contingentes de acesso às ativi-


ŠŽœȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠœȱ ™›’ŸŠŠœȱ œž›Žȱ œŽ–™›Žȱ Œ˜–˜ȱ Ž¡ŒŽ™Œ’˜—Š•ǯȱ ȱ Šȱ Ž¡ŒŽ™Œ’˜Ȭ
—Š•’ŠŽȱŠŒŽ’Š›ȬœŽȬ¤ȱŒ˜–˜ȱ•ŽÇ’–ŠȱȯȱŽȱŠ·ȱŽ¡’ÇŸŽ•ȱȯȱŽ–ȱŠ•ž–ŠœȱŠšžŽ•Šœȱ
Š’Ÿ’ŠŽœǰȱ™˜›ǰȱ™˜›ȱŽ¡Ž–™•˜ǰȱ˜ȱœŽžȱŽœ™ŽŒÇꌘȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ™›Žœœž™˜›ȱŠȱ˜‹Ž—³¨˜ȱ
Žȱ ’ž•Š³äŽœȱ ŠŒŠ¹–’ŒŠœǰȱ ‘Š‹’•’Š³äŽœȱ ·Œ—’Œ˜ȬŒ’Ž—Çꌊœǰȱ ȃŠšž’œ’³äŽœȱ Žȱ œŠȬ
beres” e de competências. Assim sucede, entre outras, com a atividade de
advogado, de médico, de engenheiro etc. Trata-se, em geral, das designadas
ȃ™›˜ęœœäŽœȱšžŠ•’ęŒŠŠœȄȱ˜žȱȃ›Žž•Š–Ž—ŠŠœȄǰȱ¥œȱšžŠ’œȱ·ȱ’—Ž›Ž—ŽȱŠȱŽ¡’¹—Œ’Šȱ
Žȱ›Žšž’œ’˜œȱ˜‹“Ž’Ÿ˜œȱŽœ™ŽŒÇꌘœȱšžŽȱȃŽę—Ž–ȱŠȱœžŠȱ’Ž—’ŠŽȄȱŽȱ›Žž•Š–ȱ
˜ȱ ›Žœ™ŽŒ’Ÿ˜ȱ ŠŒŽœœ˜ȱ Žȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ǯȱ –ȱ Š’œȱ ˜–Ç—’˜œǰȱ Šȱ “žœ’ęŒŠ³¨˜ȱ “ž›Ç’Œ˜Ȭ
Œ˜—œ’žŒ’˜—Š•ȱ Žȱ ›ŽœŽ›ŸŠœȱ Žȱ Žȱ ›Žšž’œ’˜œȱ •ŽŠ’œȱ Žȱ ŠŒŽœœ˜ȱ Žȱ Žȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ
Ž–Ž›Žǰȱ•˜˜ȱ—ž–ȱ™›’–Ž’›˜ȱ—ÇŸŽ•ǰȱŽȱž–ŠȱŽ¡’¹—Œ’Šȱ·Œ—’Œ˜ȬŒ’Ž—Çꌊȱ’–™˜œŠȱ
˜žȱ ™›Žœœž™˜œŠȱ ™Ž•˜ȱ ȃœŠ‹Ž›ȬŠ£Ž›Ȅǯȱ ȱ ›Ž•ŽŸ¦—Œ’Šȱ Šȱ ™˜œœŽȱ Žȱ šžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ
™›˜ęœœ’˜—Š’œȱŠŽšžŠŠœȱ’–™äŽȬœŽǰȱ—ŽœŽœȱ¦–‹’˜œǰȱŒ˜–˜ȱȃ—Šž›Š’œȄǯȱšž’ǰȱŠȱ
intervenção legal restritiva ou condicionante tem habilitação constitucional
direta no artigo 5oǰȱ ǰȱŠȱ˜—œ’ž’³¨˜ȱŽŽ›Š•ȱǻȃ·ȱ•’Ÿ›Žȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱšžŠ•šžŽ›ȱ
trabalho, ofício ou profissão,ȱŠŽ—’ŠœȱŠœȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱšžŽȱŠȱ
•Ž’ȱŽœŠ‹Ž•ŽŒŽ›”Ǽǯ
Šœȱ ŽœŠȱ “žœ’ęŒŠŠȱ ’—Ž›ŸŽ—³¨˜ȱ •ŽŠ•ȱ —¨˜ȱ ™˜Žǰȱ œŽ–ȱ –Š’œǰȱ œŽ›ȱ ˜›—ŠŠȱ
Ž¡Ž—œ’ŸŠȱ¥ȱŽ—Ž›Š•’ŠŽȱŠœȱŠ’Ÿ’ŠŽœȱŽŒ˜—â–’ŒŠœȱ™›’ŸŠŠœǰȱ˜žǰȱ›Ž™•’ŒŠ—˜ȱ
˜ȱŽ¡˜ȱŒ˜—œ’žŒ’˜—Š•ǰȱŠȱȃqualquerȱ›Š‹Š•‘˜ǰȱ˜ÇŒ’˜ȱ˜žȱ™›˜ęœœ¨˜Ȅǯ
Para a Constituição Federal, o princípio é o da liberdade de escolha e de
acesso a “qualquerȱ ›Š‹Š•‘˜ǰȱ ˜ÇŒ’˜ȱ ˜žȱ ™›˜ęœœ¨˜ȄDzȱ Šȱ Ž¡ŒŽ³¨˜ȱ ·ȱ Šȱ ’—Ž›ŸŽ—³¨˜ȱ
limitadora, restritiva ou condicionadora do legislador ordinário. E se as desig-
—ŠŠœȱȃ™›˜ęœœäŽœȱ›Žž•Š–Ž—ŠŠœȄȱ“¤ȱœŽȱ’—Œ•žŽ–ȱȯȱ“žœ’ęŒŠŠ–Ž—Žȱȯȱ—ŽœŠȱ
Ž¡ŒŽ³¨˜ǰȱ ™˜›ȱ ›Š£¨˜ȱ ŠŒ›ŽœŒ’Šȱ ˜ȱ œŽžȱ Š•Š›Š–Ž—˜ȱ Šȱ ˜ž›Šœȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ –Ž—˜œȱ
Ž¡’Ž—ŽœȱšžŠ—˜ȱ¥ȱ›Ž•ŽŸ¦—Œ’ŠȱŠȱ™˜œœŽȱŽȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱǻ˜žȱŽ–ȱ
šžŽȱ—¨˜ȱœŽȱŽœŒ˜›’—ŽȱšžŠ•šžŽ›ȱŽ¡’¹—Œ’ŠȱŠȱŽœŽȱ—ÇŸŽ•ǼȱœàȱŠ•ŒŠ—³Š›¤ȱ“žœ’ęŒŠ³¨˜ȱœŽȱ
se fundar em razões atinentes à defesa de bens (também) constitucionalmente
relevantes — valores sociais, ambientais, de saúde pública, de segurança, de
defesa dos consumidores, entre outros.

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JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 279

2. Patamares de regulamentação

˜›Š—˜ǰȱ œŽȱ —Ž–ȱ ˜Šœȱ Šœȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠœȱ ™›’ŸŠŠœȱ Žȱ ™›˜ęœœäŽœȱ


™›Žœœž™äŽ–ȱ˜žȱŽ¡’Ž–ȱ›Žšž’œ’˜œȱ•ŽŠ’œȱǻ˜‹“Ž’Ÿ˜œȱŽȦ˜žȱœž‹“Ž’Ÿ˜œǼȱŽȱŽ¡Ž›Ȭ
cício, constitui condição sine qua non avaliar a bondade constitucional de
uma intervenção legislativa limitadora ou restritiva em função dos valores
comunitariamente relevantes que o legislador pretenda prosseguir com essa
intervenção regulamentadora. E, aqui, entre um patamar mínimo e um pata-
–Š›ȱ–¤¡’–˜ȱŽȱ’—Ž›ŸŽ—³¨˜ȱ›Žž•Š–Ž—Š˜›ŠȱŠ’—ŠȱœŽ›¤ȱ™˜œœÇŸŽ•ȱŽœŠ‹Žȱ•ŽŒŽ›ȱ
’ŸŽ›œ˜œȱŽȱ’Ž›Ž—Žœȱ—ÇŸŽ’œȱŽȱŽ¡’¹—Œ’Šȱ˜žȱŽȱ’—Ž—œ’ŠŽǯ
Š›Šȱ ˜ȱ ŽŽ’˜ǰȱ ˜–Š—˜ȱ Œ˜–˜ȱ Ž¡Ž–™•˜ȱ Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠȱ ™›’ŸŠŠȱ
de “transporte individual de passageiros”, é essencial que o motorista tenha
perícia, capacidade técnica e idoneidade, desde logo pela razão de segurança
de quem é transportado e da segurança de terceiros. Para assegurar estas qua-
•’ęŒŠ³äŽœȱ ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ ‹ŠœŠ›¤ȱ Šȱ ›ŽŠ•’£Š³¨˜ȱ Žȱ ž–ȱ Œž›œ˜ȱ Žȱ ˜›–Š³¨˜ȱ Žȱ Žȱ
testes ou de provas de aptidão, que assegurem uma habilitação credenciada/
’ž•ŠŠȱ™Š›Šȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠšžŽ•ŠȱŠ’Ÿ’ŠŽǯȱ˜ȱ™•Š—˜ȱ˜‹“Ž’Ÿ˜ǰȱ™˜Ž›¨˜ȱǻ˜žȱ
ŽŸŽ›¨˜Ǽǰȱ ™˜›ȱ Ž¡Ž–™•˜ǰȱ œŽ›ȱ Œ˜—œ’Ž›ŠŠœȱ Šœȱ ŸŠ—ŠŽ—œȱ ™Š›Šȱ Šȱ –˜‹’•’ŠŽȱ
urbana e interurbana, para o ambiente e para a qualidade de vida na cidade
(a oferta deste tipo de transporte poderá reduzir a utilização de veículos pró-
prios, com todas as consequências positivas inerentes), para a empregabili-
ŠŽȱǻŒ˜–ȱ˜ŠœȱŠœȱŸŠ—ŠŽ—œȱœ˜Œ’Š’œȱŽȱ꜌Š’œȱšžŽȱ•‘ŽȱŽœ¨˜ȱŠœœ˜Œ’ŠŠœǼǰȱ™Š›ŠȱŠȱ
dinamização de outras atividades econômicas e, naturalmente, para o consu-
midor, que poderá desfrutar de um leque mais amplo de opções em termos de
qualidade de transporte e de preços.
Šœǰȱ —Šž›Š•–Ž—Žǰȱ šžŽȱ ˜ȱ šžŠ›˜ȱ ˜žȱ ˜ȱ ›Šžȱ Žȱ Ž¡’¹—Œ’Šœȱ Žȱ Žȱ ‹Ž—œȱ
relevantes a ponderar na intervenção legislativa regulamentadora — quer no
ŠŒŽœœ˜ǰȱ šžŽ›ȱ —˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ ȯȱ “¤ȱ œŽ›¨˜ȱ –Š’œȱ Š–™•˜œȱ Žȱ ’—Ž—œ˜œȱ œŽȱ œŽȱ ›ŠŠ›ȱ Žȱ
outro tipo de atividades privadas de transporte, em função dos diversos riscos
šžŽȱ˜ȱœŽžȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ™˜Ž—Œ’Š•–Ž—Žȱ’–™•’ŒŠȱ˜žȱŽ–ȱž—³¨˜ȱŠȱ—ŽŒŽœœ’ŠŽȱŽȱ
™›˜ŽŽ›ȱ –Š’œȱ ŒŠžŽ•˜œŠ–Ž—Žȱ ˜ž›˜œȱ ŸŠ•˜›Žœȱ œ˜Œ’Š’œȱ ǻ™˜›ȱ Ž¡Ž–™•˜ǰȱ Šœœ’–ȱ
sucede com a atividade de transporte de valores, de produtos químicos e com
a generalidade de produtos perigosos).
Como quer que seja, é sempre a defesa e a proteção de interesses e bens
coletivos que constitui o critério jurídico-constitucionalmente legitimante
Žȱ “žœȱ’ȱꌊ’Ÿ˜ȱ Šœȱ ’—Ž›ŸŽ—³äŽœȱ ›Žœ›’’ŸŠœȱ ˜žȱ Œ˜—’Œ’˜—Š—Žœȱ ¥ȱ •’‹Ž›ŠŽȱ
fundamental: entre outros, a ordem pública, a segurança pública (ou, num
sentido mais vasto, a manutenção da ordem na sociedade), a saúde pública,

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280 REV I S T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

os objetivos de política social, a proteção dos destinatários de serviços e a


defesa dos consumidores, a proteção dos trabalhadores, incluindo a sua
proteção social, a prevenção da fraude, a prevenção da concorrência desleal, a
proteção do ambiente e do ambiente urbano, incluindo o planeamento urbano
e o ordenamento do território, a política social, a proteção dos credores,
a salvaguarda da boa administração da justiça, a segurança rodoviária, a
proteção da propriedade etc.
Aliás, é este entendimento que nos parece ser sufragado pela jurispru-
¹—Œ’Šȱ˜ȱž™›Ž–˜ȱ›’‹ž—Š•ȱŽŽ›Š•ǰȱŠ˜ȱŠę›–Š›ȱŽ¡™›ŽœœŠȱ˜žȱ’–™•’Œ’Š–Ž—Žǰȱ
mas de forma reiterada, que, neste domínio, vigora a regra da liberdade, no
œŽ—’˜ȱŽȱšžŽȱ—Ž–ȱ˜˜œȱ˜œȱ˜ÇŒ’˜œȱ˜žȱ™›˜ęœœäŽœȱ™˜Ž–ȱœŽ›ȱŒ˜—’Œ’˜—Š˜œȱ
Š˜ȱŒž–™›’–Ž—˜ȱŽȱ›Žšž’œ’˜œȱ˜žȱŒ˜—’³äŽœȱ•ŽŠ’œȱ™Š›Šȱ˜ȱœŽžȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜DzȱŠ™Ž—Šœȱ
šžŠ—˜ȱ ‘˜žŸŽ›ȱ ™˜Ž—Œ’Š•ȱ •Žœ’Ÿ˜ȱ —Šȱ ǻ˜žȱ ŠǼȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ·ȱ šžŽȱ œŽȱ “žœ’ęŒŠ–ȱ
ŠšžŽ•Žœȱ›Žšž’œ’˜œȱ˜žȱ˜ž›˜œȱŽȱ—Šž›Ž£Šȱœ’–’•Š›ȱǻ™˜›ȱŽ¡Ž–™•˜ǰȱŠȱŽ¡’¹—Œ’ŠȱŽȱ
’—œŒ›’³¨˜ȱȯȱ™›·Ÿ’ŠȱȯȱŽ–ȱŒ˜—œŽ•‘˜œȱŽȱ꜌Š•’£Š³¨˜ȱ™›˜ęœœ’˜—Š•Ǽǯ
E este entendimento jurisprudencial deverá ser superlativamente obser-
vado por maioria de razão quando estejamos em face de atividades, serviços
Žȱ™›˜ęœœäŽœȱ–Š’œȱ™Ž›–Ž¤ŸŽ’œȱ¥ȱŒ˜—œŠ—ŽȱŽŸ˜•ž³¨˜ǰȱ™˜›ȱ˜›³ŠȱŠȱŒ›’Š’Ÿ’ŠŽǰȱ
do empreendedorismo e da inovação tecnológica.

§§2
Breve nota comparativa dos problemas referidos na consulta com a
atual discussão na União Europeia e seus Estados-membros

A) Liberdade de prestação de serviço e princípios da


concorrência

1. Âmbito extensivo

1. Numa breve nota sobre o “estado da arte” na União Europeia, deve,


ŽœŽȱ “¤ǰȱ ’£Ž›ȬœŽȱ šžŽȱ Ž—›Žȱ ˜ȱ ¹—Ž›˜ȱ ŠšžŽ•Šœȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ Žȱ ™›˜ęœœäŽœȱ
abertas à permanente mutação inovadora, a Comissão da União Europeia,
numa síntese comparativa de todos os Estados-membros da União, a par
Œ˜–ȱ ˜œȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ Ž–™›ŽœŠ›’Š’œȱ Ž–ȱ Ž›Š•ȱ ˜žȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ •’‹Ž›Š’œȱ Žœ™ŽŒÇꌘœȱ ȯȱ
™˜›ȱ Ž¡Ž–™•˜ǰȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ Žȱ Œ˜—œž•˜›’Šȱ Ž–ȱ Žœ¨˜ǰȱ Žȱ ŒŽ›’ęŒŠ³¨˜ȱ Žȱ Ž—œŠ’˜ǰȱ
os serviços de gestão e manutenção de escritórios, serviços no domínio da

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JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 281

publicidade, os serviços de recrutamento, serviços dos agentes comerciais,


œŽ›Ÿ’³˜œȱ Žȱ Œ˜—œž•˜›’Šȱ “ž›Ç’ŒŠȱ ˜žȱ ꜌Š•ǰȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ ›Ž•Š’Ÿ˜œȱ ¥ȱ ™›˜™›’ŽŠŽǰȱ
como as agências imobiliárias, serviços de construção, serviços de agências
de viagem — faz constar dessa lista as atividades dedicadas “ao aluguer de
automóveis”. O conceito de serviços ou de atividades é tomado num sentido
amplo, englobando os serviços fornecidos simultaneamente às empresas e aos
consumidores. E todas estas atividades podem referir-se quer a serviços que
’–™•’šžŽ–ȱž–Šȱ™›˜¡’–’ŠŽȱŽ—›Žȱ™›ŽœŠ˜›ȱŽȱŽœ’—Š¤›’˜ǰȱšžŽ›ȱŠȱœŽ›Ÿ’³˜œȱ
que impliquem uma deslocação do destinatário ou do prestador, quer a
serviços que possam ser fornecidos à distância,ȱ’—Œ•ž’—˜ȱŠ›ŠŸ·œȱŠȱ —Ž›—Žǰȱ
Žȱ™•ŠŠ˜›–ŠœȱŽ•Ž›â—’ŒŠœȱ˜žȱŽȱŒŽ—›˜œȱŽŒ—˜•à’Œ˜œȱ’—Ž›Š’Ÿ˜œǯ

2. Simplificação administrativa e limitação do regime de


autorização administrativa

Por outro lado, uma outra nota detectada pela Comissão da União
ž›˜ȱ™Ž’Šȱ Žȱ šžŽȱ œŽȱ Šę›–Šȱ •Žœ’ŸŠȱ Šȱ •’‹Ž›ŠŽȱ Žȱ ŠŒŽœœ˜ȱ Š˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Šœȱ
Š’Ÿ’ȱŠŽœȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠœǰȱ Žȱ ŠŒŽœœ˜ȱ Š˜ȱ ›Š‹Š•‘˜ȱ Žǰȱ ™˜›Š—˜ǰȱ ˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ
™›˜ęœȱœäŽœǰȱšžŽȱŠŽŠȱŽœ™ŽŒ’Š•–Ž—Žȱ˜œȱŠŽ—Žœȱ–Š’œȱ·‹Ž’œȱ˜ȱ–Ž›ŒŠ˜ȱȯȱŠœȱ
pessoas singulares e as pequenas e médias empresas — relaciona-se com a
Ž¡’œ¹—Œ’ŠȱŽȱ™›˜ŒŽ’–Ž—˜œȱŽȱŠž˜›’£Š³¨˜ȱŠ–’—’œ›Š’ŸŠȱ’—“žœ’ęŒŠ˜œȱ—˜ȱ
ŠŒŽœœ˜ȱ ¥œȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ Žȱ Š˜ȱ œŽžȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ǯȱ Š›Šȱ Œ›’Š›ȱ ž–ȱ ŸŽ›ŠŽ’›˜ȱ –Ž›ŒŠ˜ȱ
interno (europeu) dos serviços é necessário suprimir as restrições à liberdade
de iniciativa, de empresa, de estabelecimento e de prestação de serviços
ǻ•’‹Ž›ŠŽȱ Žȱ ™›˜ęœœ¨˜ȦŽȱ ›Š‹Š•‘˜Ǽȱ šžŽȱ Š’—Šȱ œŽȱ Ž—Œ˜—›Š–ȱ ™›ŽŸ’œŠœȱ
nas legislações de alguns Estados-membros e que são incompatíveis com
os Tratados constitutivos da União Europeia. Isto, porque tais restrições
afetam de modo especial aquelas liberdades e a construção de mercado
interno (europeu) dos serviços, devendo, consequentemente, ser proibidas
e desmanteladas de forma sistemática o mais depressa possível. Por isso,
concluiu a Comissão da União Europeia que se impunha adotar, em nível
da União Europeia e em nível de cada Estado-membro, princípios de sim-
™•’ȱꌊ³¨˜ȱ Š–’—’œ›Š’ŸŠǰȱ —˜–ŽŠŠ–Ž—Žȱ Š›ŠŸ·œȱ Šȱ •’–’Š³¨˜ȱ ˜ȱ ›Ž’–Žȱ
da autorização administrativa e eliminar os atrasos, os custos e os efeitos
’œœžŠȱœ’Ÿ˜œȱ šžŽȱ ŽŒ˜››Ž–ȱ Žȱ ’•’¹—Œ’Šœȱ Žœ—ŽŒŽœœ¤›’Šœȱ ˜žȱ Ž¡ŒŽœœ’ŸŠ–Ž—Žȱ
Œ˜–ȱ™•Ž¡ŠœȱŽ onerosas, da duplicação de operações, da “burocracia” na apre-
sentação de documentos, da arbitrariedade das instâncias competentes, de

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™›Š£˜œȱ Žȱ ›Žœ™˜œŠȱ ’—ŽŽ›–’—Š˜œȱ ˜žȱ Ž¡ŒŽœœ’ŸŠ–Ž—Žȱ •˜—˜œǰȱ Šȱ •’–’Š³¨˜ȱ


dos prazos de vigência das autorizações concedidas ou de despesas e sanções
desproporcionadas. O regime da autorização administrativa deve limitar-
se aos casos em que seja indispensável e apenas quando esteja em causa a
necessidade da defesa e proteção dos valores elencados pela jurisprudência
do Tribunal de Justiça da União Europeia (os já referidos valores da ordem
pública, da segurança, de proteção dos consumidores, do ambiente etc.).
Aquelas práticas, segundo a doutrina da Comissão Europeia, têm efeitos
dissuasivos particularmente intensos em relação aos agentes que pretendam
desenvolver as suas atividades em qualquer Estado-membro da União,
Œ˜–™›’–’—˜ǰȱ ’—˜•Ž›¤ŸŽ•ȱ Žȱ ’—“žœ’ęŒŠŠ–Ž—Žǰȱ Šȱ •’‹Ž›ŠŽȱ Žȱ ’—’Œ’Š’ŸŠȱ Žȱ
Ž–™›ŽœŠȱŽȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱǻ’œ˜ȱ·ǰȱŽȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŽȱ›Š‹Š•‘˜Ǽǯ
ŽœŠȱœŽšž¹—Œ’ŠǰȱŒ˜—Œ•ž’žȱšžŽȱŠȱȃꕘœ˜ęŠȄȱ—¨˜ȱ™˜ŽȱŒ˜—œ’œ’›ȱ˜žȱŸ’œŠ›ȱŠȱ
harmonização de procedimentos administrativos, mas a supressão dos regimes
de autorização, dos procedimentos e das formalidades demasiado onerosos
que impedem a liberdade de iniciativa, de empresa, estabelecimento, de
serviços e a criação de novas empresas de serviços. Por isso, para a prossecução
daquele objetivo — a supressão dos regimes de autorização — impõe-se a
adoção de medidas que consistam na redução do número de procedimentos
e formalidades aplicáveis às atividades de serviços e, designadamente, na
sua restrição aos que se revelem indispensáveis para realizar um objetivo de
’—Ž›ŽœœŽȱŽ›Š•ȱŽȱ—¨˜ȱœŽ“Š–ȱ›Žž—Š—ŽœȱšžŠ—˜ȱŠ˜ȱŒ˜—Žø˜ȱ˜žȱ¥œȱꗊ•’ŠŽœǯ

3. Jurisprudência comunitária

O Tribunal de Justiça da União Europeia desde há diversos anos que


tem vindo reiteradamente a pronunciar-se sobre a restrição da liberdade de
’—’Œ’Š’ŸŠǯȱꛖŠȱŽœŠȱ“ž›’œ™›ž¹—Œ’Šȱ˜ȱ›’‹ž—Š•ȱŽȱ žœ’³ŠȱŠȱ—’¨˜ȱž›˜™Ž’Šȱ
que, “embora o ordenamento constitucional de todos os Estados-membros
proteja o direito de propriedade e garantias análogas sejam concedidas ao
•’Ÿ›ŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ˜ȱŒ˜–·›Œ’˜ǰȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ȱŽȱŽȱ˜ž›ŠœȱŠ’Ÿ’ŠŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œǰȱ
os direitos assim garantidos, longe de constituírem prerrogativas absolutas,
devem ser considerados à luz da função social dos bens e das atividades
protegidas. Por esta razão, a garantia concedida a este tipo de direitos só é
geralmente atribuída sob reserva de limitações estabelecidas em função do inte-
resse público. Na ordem jurídica comunitária, é igualmente legítimo reservar
Ž–ȱ ›Ž•Š³¨˜ȱ Šȱ ŽœŽœȱ ’›Ž’˜œȱ Šȱ Š™•’ŒŠ³¨˜ȱ Žȱ ŽŽ›–’—Š˜œȱ •’–’Žœȱ “žœ’ęŒŠ˜œȱ

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JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 283

pelos objetivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade, desde que


não afetem a substância destes mesmos direitos”.2 Com a proclamação da
Š›Šȱ˜œȱ’›Ž’˜œȱž—Š–Ž—Š’œǰȱŠȱ•’‹Ž›ŠŽȱŽȱ’—’Œ’Š’ŸŠȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱꌘžȱ
Ž¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ™›ŽŸ’œŠȱ—˜ȱœŽžȱŠ›’˜ȱŗŜǰȱ˜—ŽȱœŽȱ™›ŽŒŽ’žŠȱšžŽȱȃ1ȱ›ŽŒ˜—‘ŽŒ’Šȱ
a liberdade de empresa, de acordo com o direito comunitário e as legislações
e as práticas nacionais”.
No atual artigo 119, nos 1 e 2, do Tratado de Funcionamento da União
Europeia (TFUE), destacam-se os princípios da “economia de mercado aberto
e de livre concorrência”. Oȱ™›’—ŒÇ™’˜ȱŠȱŒ˜—Œ˜››¹—Œ’Šȱ· protegido também pelos
direitos nacionais dos Estados-membros.

4. A Diretiva dos Serviços

De grande relevo para a compreensão dos problemas sub Judice é a desig-


nada Diretiva dos Serviços (Diretiva 2006/123/CE, de 12 de Dezembro de 2006,
šžŽȱ˜’ȱ›Š—œ™˜œŠȱ™Š›Šȱ˜›žŠ•ȱ™Ž•˜ȱŽŒ›Ž˜ȬŽ’ȱ—o 92/2010, de 26 de Julho).
Na linha da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a
Diretiva disciplina os regimes de autorização,3 em regra proibindo-os, e outros
requisitos, interditando-os ou sujeitando-os a avaliação.4 Trata-se de restrições

2
Cfr. Acórdão do TJ de 14 de Maio de 1974, no processo noȱ ŚȦŝřǯȱ ˜‹›Žȱ Šȱ Ž¡ŒŽ™Œ’˜—Š•’ŠŽȱ
das restrições às liberdades na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia,
G. Marenco, “The notion of a restriction on the freedom of establishment and the provision of
œŽ›Ÿ’ŒŽœȱ’—ȱ‘ŽȱŒŠœŽȱ•Š ȱ˜ȱ‘Žȱ˜ž›Ȅǰ in Yearbook of European Law, 1991.
3
Por regimes de autorização entende-se “qualquer procedimento que tenha por efeito
obrigar um prestador ou um destinatário a efectuar uma diligência junto de uma autoridade
competente para obter uma decisão formal ou uma decisão tácita relativa ao acesso a uma
Š’Ÿ’ŠŽȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜ȱ˜žȱŠ˜ȱœŽžȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȄȱǻŒ›ǯȱŠ›’˜ȱŚo, no 6). Para maiores desenvolvimentos,
cfr. considerando 39. No diploma de transposição para o direito interno português fala-se
em “permissões administrativas”, enquanto “atos ou contratos administrativos que visam
™˜œœ’‹’•’Š›ȱ ˜ȱ ŠŒŽœœ˜ȱ ˜žȱ ˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ ž–Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ Žȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ —˜œȱ ŒŠœ˜œȱ Ž–ȱ šžŽȱ ŽœœŠȱ
atividade não possa ser prestada livremente ou através de uma mera comunicação prévia
e consubstanciam-se, designadamente, em licenças, autorizações, validações, autenticações,
ŒŽ›’ęŒŠ³äŽœǰȱ Š˜œȱ Ž–’’˜œȱ —Šȱ œŽšž¹—Œ’Šȱ Žȱ Œ˜–ž—’ŒŠ³äŽœȱ ™›·Ÿ’Šœȱ Œ˜–ȱ ™›Š£˜ȱ Žȱ ›Ž’œ˜œǯȄȱ
(artigo 8o, no 1)
4
Para além da regra da proibição de autorizações, a Diretiva dos Serviços visa eliminar requi-
œ’˜œȱšžŽȱŠŽŠ–ȱ˜ȱŠŒŽœœ˜ȱŠȱž–ŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱ˜žȱ˜ȱœŽžȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ǯȱ˜œȱŽ›–˜œȱ˜ȱŠ›’˜ȱ
4o, no 7, desta diretiva, entende-se por “requisito”, “qualquer obrigação, proibição, condição
ou limite previsto nas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos
Estados-Membros ou que decorra da jurisprudência, das práticas administrativas, das regras
Šœȱ˜›Ž—œȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ˜žȱŠœȱ›Ž›ŠœȱŒ˜•Ž’ŸŠœȱŽȱŠœœ˜Œ’Š³äŽœȱ˜žȱ˜›Š—’œ–˜œȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ
Š™›˜ŸŠŠœȱ —˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Šȱ œžŠȱ Šž˜—˜–’Šȱ “ž›Ç’ŒŠDzȱ Šœȱ —˜›–Šœȱ Œ˜—œŠ—Žœȱ Žȱ Œ˜—ŸŽ—³äŽœȱ

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284 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

Š˜ȱ ŠŒŽœœ˜ȦŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ Žȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ ›ŽšžŽ—Ž–Ž—Žȱ žœŠŠœȱ ™Ž•˜œȱ


Estados-membros e consideradas ilícitas por aquela jurisprudência.
Deste modo, —Šȱ “ž›’œ™›ž¹—Œ’Šȱ ˜ȱ  ǰȱ “ž•ŠȬœŽȱ œŽ›ȱ ˜ȱ ŽŸŽ›ȱ Žȱ ˜œȱ
œŠ˜œȬ–Ž–‹›˜œȱ—¨˜ȱŒ˜—’Œ’˜—Š›Ž–ȱ˜ȱŠŒŽœœ˜ȱ˜žȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱŠ’Ÿ’ŠŽœȱ
—˜ȱœŽ˜›ȱ˜œȱœŽ›Ÿ’³˜œȱ—˜ȱœŽžȱŽ››’à›’˜ȱŠȱšžŠ’œšžŽ›ȱ›Žšž’œ’˜œǰȱœŠ•Ÿ˜ȱœŽȱŽœŽœȱ
˜›Ž–ȱ —¨˜ȱ ’œŒ›’–’—Šà›’˜œǰȱ “žœ’ęŒŠ˜œȱ ™˜›ȱ ›Š£äŽœȱ Žȱ ’—Ž›ŽœœŽȱ Ž›Š•ȱ Žȱ
™›˜™˜›Œ’˜—Š˜œ.5 Ou seja: as restrições às liberdades de iniciativa, de prestação
Žȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ Žȱ ¥ȱ Œ˜ŽŸ˜•Ÿ’Šȱ •’‹Ž›ŠŽȱ Žȱ ™›˜ęœœ¨˜Ȧ›Š‹Š•‘˜ȱ “žœ’ęŒŠ–ȬœŽȱ
apenas pela prossecução de interesses gerais relevantes e enquanto cumpram
ŠœȱŽ¡’¹—Œ’Šœȱ˜ȱ™›’—ŒÇ™’˜ȱŠȱ™›˜™˜›Œ’˜—Š•’ŠŽǯ6

B) Síntese conclusiva

Em síntese, nesta breve nota comparativa entre o sistema constitucional


do Brasil e da União Europeia constata-se uma comunhão nos fundamentos
e nos objetivos: o princípio é o da liberdade de iniciativa, de empresa, de
œŽ›Ÿ’³˜œǰȱ Žȱ ™›˜ęœœ¨˜ȱ Žȱ Žȱ ›Š‹Š•‘˜Dzȱ Šȱ Ž¡ŒŽ³¨˜ȱ ·ȱ Šȱ ™›˜’‹’³¨˜ȱ Žȱ Šœȱ ›Žœ›’³äŽœǰȱ
através da sujeição do acesso a regimes administrativos autorizativos, que
œàȱœŽ›¨˜ȱ•ŽÇ’–˜œȱšžŠ—˜ȱ“žœ’ęŒŠ˜œȱ™˜›ȱ›Š£äŽœȱŽȱ’—Ž›ŽœœŽȱŽ›Š•ǰȱšžŽǰȱ—˜ȱ
caso da União Europeia, devem observar um catálogo de interesses gerais
construído pelo labor jurisprudencial do respectivo Tribunal de Justiça.
Em conformidade com esta jurisprudência, só razões imperiosas de
interesse geral como a saúde pública, a defesa dos consumidores, a proteção do

coletivas negociadas pelos parceiros sociais não são consideradas requisitos na acepção da
presente directiva”.
5
ȱ ˜–˜ȱ “¤ȱ ˜’ȱ ›ŽŽ›’˜ȱ —˜ȱ Ž¡˜ǰȱ Šœȱ ›Š£äŽœȱ Žȱ ’—Ž›ŽœœŽȱ Ž›Š•ȱ šžŽȱ ™˜Ž–ȱ œŽ›ȱ ’—Ÿ˜ŒŠŠœȱ ™Ž•˜œȱ
œŠ˜œȬ–Ž–‹›˜œȱ ™Š›Šȱ Œ˜—’Œ’˜—Š›ȱ ˜ȱ ŠŒŽœœ˜ȱ ˜žȱ ˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ Ž–ȱ œŽŽȱ Žȱ •’Ÿ›Žȱ
prestação de serviços cingem-se a “razões de ordem pública, de segurança pública ou
de proteção do ambiente” (cfr. artigo 16, no 1, alínea b), e no 3, primeira parte, da Diretiva
dos Serviços). Aliás, a capacidade de intervenção/condicionamento do Estado receptor do
serviço é maior em matéria de direito de estabelecimento do que na livre prestação de ser-
viços. Segundo Marcus Klamert, “aparentemente, o central artigo 16 da Diretiva dos Serviços
›Žœ›’—Žȱ Šœȱ “žœ’ęŒŠ³äŽœȱ šžŽȱ ˜œȱ œŠ˜œȱ Ž–‹›˜œȱ ™˜Ž–ȱ ’—Ÿ˜ŒŠ›ȱ ™Š›Šȱ ŽŽ—Ž›ȱ –Ž’Šœȱ
nacionais”. Cfr.ȱ юџѐѢѠȱ љюњђџѡǰȱ ȃŠ¢ȱ ˜ȱ ˜ǵȱ ȯȱ ˜›Žȱ ˜—ȱ ‘Žȱ Ž›Ÿ’ŒŽœȱ ’›ŽŒ’ŸŽȱ Š—ȱ ‘Žȱ
Fundamental Freedoms”,ȱ’—ȱŽ’œŒ‘›’ȱž›ȱä쎗•’Œ‘ŽœȱŽŒ‘ǰ 2009, p. 337.
6
Neste sentido, cfr. o ponto 3 do sumário do acórdão do TJCE, J. Nold, Kohlen-und
Šžœ˜ě›˜™‘Š—•ž—ȱ Ÿȱ ˜–’œœ’˜—ȱ ˜ȱ ‘Žȱ ž›˜™ŽŠ—ȱ ˜–ž—’’Žœǰ de 14/05/74 (Processo no 4/73):
“Na ordem jurídica comunitária, é igualmente legítimo reservar em relação a estes direitos [v.g.,
Šȱ•’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠȱŽŒ˜—â–’ŒŠǾȱŠȱŠ™•’ŒŠ³¨˜ȱŽȱŽŽ›–’—Š˜œȱ•’–’Žœȱ“žœ’ęŒŠ˜œȱ™Ž•˜œȱ˜‹“Ž’Ÿ˜œȱ
de interesse geral prosseguidos pela Comunidade, desde que não afetem a substância destes
mesmos direitos”.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 285

Š–‹’Ž—Žȱž›‹Š—˜ȱŽȱ˜ž›ŠœȱŽȱ’žŠ•ȱŸŠ•’Šȱœ¨˜ȱœžœŒŽÇŸŽ’œȱŽȱ“žœ’ęŒŠ›ȱŠȱŠ™•’ŒŠ³¨˜ȱ
de regimes de autorização e de outras restrições à liberdade de iniciativa, de
Ž–™›ŽœŠǰȱŽȱŽœŠ‹Ž•ŽŒ’–Ž—˜ȱŽȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱǻŽȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŽȱ›Š‹Š•‘˜Ǽǯȱ˜—Ȭ
tudo, acrescenta essa jurisprudência, esses regimes de autorização ou essas
restrições não podem ser discriminatórias nem arbitrárias e devem respeitar
os princípios da necessidade e da proporcionalidade. Portanto, a regra é
sempre a da liberdade; a proibição e a restrição têm sempre a natureza da
Ž¡ŒŽ™Œ’˜—Š•’ŠŽǯ
Para além disso, acresce ainda que toda e qualquer restrição às liberdades
›ŽŽ›’Šœȱœàȱ™˜Ž›¤ȱœŽ›ȱŠ‹›Š—’Šȱ™˜›ȱž–ŠȱŽ¡ŒŽ³¨˜ǰȱœŽȱŠ•ȱ›Žœ›’³¨˜ȱ˜›ȱŒ˜—˜›–Žȱ
aos direitos fundamentais integrantes dos princípios gerais de direito inscritos
—Šȱ˜›Ž–ȱ“ž›Ç’ŒŠȱŠȱ—’¨˜ȱž›˜™Ž’ŠǯȱŠœȱŠœȱŽ¡ŒŽ³äŽœȱœ¨˜ȱ›Š›ŠœȱŽȱ¹–ȱŽȱœŽ›ȱ
Ž¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ ‘Š‹’•’ŠŠœȦŠž˜›’£ŠŠœȱ ™Ž•˜ȱ ’›Ž’˜ȱ Šȱ —’¨˜ȱ ž›˜™Ž’Šǯȱ àȱ
nestas hipóteses é que as disposições em matéria de liberdade de prestação de
œŽ›Ÿ’³˜œȱǻŽǰȱ™˜›Š—˜ǰȱŠȱ™•Ž—Šȱ•’‹Ž›ŠŽȱŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱ™›˜ęœœ¨˜ȦŽȱ›Š‹Š•‘˜Ǽȱ
Ž—Œ˜—›Š–ȱ žŠ›’Šȱ Žȱ Ž¡ŒŽ³¨˜ǰȱ ™Ž›–’’—˜ȬœŽȱ Šȱ ’—›˜ž³¨˜ȱ Žȱ ›Žœ›’³äŽœȱ Šȱ
essas liberdades, mas só nos casos em que, nos termos do direito da União
ž›˜™Ž’Šǰȱ ˜œȱ œŠ˜œȬ–Ž–‹›˜œȱ ›ŽœŽ›ŸŽ–ȱ ž–Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ Šȱ ž–Šȱ ™›˜ęœœ¨˜ȱ
Žœ™ŽŒÇꌊǰȱŒ˜–˜ǰȱ™˜›ȱŽ¡Ž–™•˜ǰȱŠœȱ’œ™˜œ’³äŽœȱšžŽȱ›ŽœŽ›ŸŠ–ȱŠ˜œȱŠŸ˜Š˜œȱŠȱ
prestação de aconselhamento jurídico.
Por conseguinte, caso os regimes de autorização administrativa se reve-
lem discriminatórios, não forem conformes aos direitos fundamentais e não
œŽȱ“žœ’ęšžŽ–ȱ˜‹“Ž’ŸŠ–Ž—Žȱ™˜›ȱž–Šȱ›Š£¨˜ȱ’–™Ž›’˜œŠȱŽȱ’—Ž›ŽœœŽȱŽ›Š•ȱ˜žȱ
sejam desproporcionados, devem esses requisitos ser suprimidos ou alterados.
Mais.
Žœ–˜ȱ—˜œȱŒŠœ˜œȱŽ–ȱšžŽȱœŽȱ“žœ’ęšžŽȱ˜ȱ›Ž’–ŽȱŠȱŠž˜›’£Š³¨˜ȱŽȱ˜ȱ—ø–Ž›˜ȱ
de autorizações disponíveis para uma determinada atividade seja limitado
devido à escassez dos recursos naturais ou das capacidades técnicas, devem
os legisladores nacionais prever procedimentos de seleção entre os vários
candidatos potenciais, com o objetivo de desenvolver, através da livre concor-
rência, a qualidade e as condições de oferta dos serviços à disposição dos
utilizadores (consumidores). Este procedimento deverá respeitar as garantias
de transparência e de imparcialidade e o regime da autorização concedida
ŽŸŽȱ œŽ›ȱ ę¡Š˜ȱ Žȱ –Š—Ž’›Šȱ Šȱ —¨˜ȱ ›Žœ›’—’›ȱ ˜žȱ •’–’Š›ȱ Šȱ •’Ÿ›Žȱ Œ˜—Œ˜››¹—Œ’Šȱ
™Š›Šȱ Š•·–ȱ ˜ȱ —ŽŒŽœœ¤›’˜ para assegurar a amortização dos investimentos e
uma remuneração equitativa dos capitais investidos.

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286 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

Parte II
Aplicação da doutrina exposta à atividade econômica de transporte
individual de passageiros

§§1
Enquadramento legal: Lei Federal nº 12.468, de 26/08/2011, e
Lei nº 12.857, de 3/01/2012

A — Transporte de passageiros e serviço público

ȱ Ž’ȱ —oȱ ŗŘǯŚŜŞǰȱ Žȱ ŘŜȱ Žȱ ˜œ˜ȱ Žȱ ŘŖŗŗǰȱ ›Žž•Š–Ž—Šȱ Šȱ ™›˜ęœœ¨˜ȱ Žȱ
Š¡’œŠȱŽȱŠȱŽ’ȱ—o 12.587, de 3 de Janeiro de 2012, institui as diretrizes da Política
Nacional de Mobilidade Urbana.
˜ȱ›Ž’–ŽȱŠȱŽ’ȱ—oȱŗŘǯŚŜŞȱŽȱŘŜȱŽȱ˜œ˜ȱŽȱŘŖŗŗȱŽȱŠȱŽ’ȱ—o 12.857
de 3 de Janeiro de 2012 resulta inequívoca a natureza privada da atividade
econômica de transporte individual de passageiros, mesmo que esta ativi-
ŠŽȱœŽ“Šȱ•ŽŠ•–Ž—ŽȱšžŠ•’ęŒŠŠȱŒ˜–˜ȱŽȱȃž’•’ŠŽȱ™ø‹•’ŒŠȄȱ˜žȱ˜ȱœŽ›Ÿ’³˜ȱŽȱ
transporte comporte modalidade de “transporte público individual de passa-
Ž’›˜œȄǯȱŠ›ŠȱŒ˜—ę›–Š›ȱŽœŠȱŒ˜—Œ•žœ¨˜ȱ‹ŠœŠȱŠŽ—Š›ȱ¥ȱŽŸ˜•ž³¨˜ȱ˜ȱ›Ž’–ŽȱŠȱ
Ž’ȱ—o 12.587, de 3 de Janeiro de 2012. Na sua versão originária, deduzir-se
Ž¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ˜ȱŠ›’˜ȱŗŘȱŠȱšžŠ•’ęŒŠ³¨˜ȱ˜ȱȃ›Š—œ™˜›Žȱ™ø‹•’Œ˜ȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱ
de passageiros” como uma atividade pública, isto é, como um serviço público
Žǰȱ™˜›Š—˜ǰȱŽȱ’ž•Š›’ŠŽȱ™ø‹•’ŒŠǯȱȱ™˜›šžŽȱŠœœ’–ȱŽ›ŠǰȱŠȱŽ¡™•˜›Š³¨˜ȱŽœŽȱ
serviço por privados encontrava-se sujeita a permissão do poder público.

1. O recorte jurídico-dogmático das categorias de concessão e


permissão

E entendimento unânime da doutrina jusadministrativa que, a par da


Œ˜—ŒŽœœ¨˜ǰȱŠȱꐞ›ŠȱŠȱ™Ž›–’œœ¨˜ȱŽ–ȱ˜ȱœŽ—’˜ȱŽȱ’—œ›ž–Ž—˜ȱŽȱȃŽ•ŽŠ³¨˜Ȅȱ
de serviços públicos, podendo, tal como aquela, assumir a forma de contrato
administrativo e também a forma de ato administrativo.
Eis, o que expressamente ditava o artigo 12, na sua versão inicial: “Os serviços
públicos de transporte individual de passageiros, prestados sob permissão,

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 287

deverão ser ˜›Š—’£Š˜œǰȱ’œŒ’™•’—Š˜œȱŽȱ꜌Š•’£Š˜œȱ™Ž•˜ȱ™˜Ž›ȱ™ø‹•’Œ˜ȱ–ž—’Ȭ


cipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene,
ŽȱšžŠ•’ŠŽȱ˜œȱœŽ›Ÿ’³˜œȱŽȱŽȱę¡Š³¨˜ȱ™›·Ÿ’Šȱ˜œȱŸŠ•˜›Žœȱ–¤¡’–˜œȱŠœȱŠ›’Šœȱ
a serem cobradas”.
Bem diferente é a atual redação do mesmo artigo, na versão que lhe
˜’ȱ’—›˜ž£’Šȱ™Ž•ŠȱŽ’ȱ—oȱŗŘǯŞŜśǰȱŽȱŘŖŗřǯȱ’œ™äŽȱŠ˜›Šȱ˜ȱŠ›’˜ȱŗŘȱŠȱŽ’ȱ
no 12.587 de 3 de Janeiro de 2012, queȱȃœȱœŽ›Ÿ’³˜œȱŽȱž’•’ŠŽȱ™ø‹•’ŒŠȱŽȱ
›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œȱŽŸŽ›¨˜ȱœŽ›ȱ˜›Š—’£Š˜œǰȱ’œŒ’™•’—Š˜œȱ
Žȱ꜌Š•’£Š˜œȱ™Ž•˜ȱ™˜Ž›ȱ™ø‹•’Œ˜ȱ–ž—’Œ’™Š•ǰ com base nos requisitos mínimos
ŽȱœŽž›Š—³ŠǰȱŽȱŒ˜—˜›˜ǰȱŽȱ‘’’Ž—ŽǰȱŽȱšžŠ•’ŠŽȱ˜œȱœŽ›Ÿ’³˜œȱŽȱŽȱę¡Š³¨˜ȱ
™›·Ÿ’Šȱ˜œȱŸŠ•˜›Žœȱ–¤¡’–˜œȱŠœȱŠ›’ŠœȱŠȱœŽ›Ž–ȱŒ˜‹›ŠŠœȄǯȱǰȱ—˜œȱŽ›–˜œȱ˜ȱ
Š›’˜ȱ ŗŘȬǰȱ Š–‹·–ȱ ’—›˜ž£’˜ȱ ™Ž•Šȱ Ž’ȱ —o 12.865, de 2013, “O direito à
Ž¡™•˜›Š³¨˜ȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱŽȱ¤¡’ȱ™˜Ž›¤ȱœŽ›ȱ˜ž˜›Š˜ȱŠȱšžŠ•šžŽ›ȱ’—Ž›ŽœœŠ˜ȱ
šžŽȱœŠ’œŠ³Šȱ˜œȱ›Žšž’œ’˜œȱŽ¡’’˜œȱ™Ž•˜ȱ™˜Ž›ȱ™ø‹•’Œ˜ȱ•˜ŒŠ•Ȅ.
ŽœŠœȱ Š•Ž›Š³äŽœȱ Ž¡›ŠŽ–ȬœŽȱ žŠœȱ Œ˜—Œ•žœäŽœȱ ŽœœŽ—Œ’Š’œǯȱ –ȱ ™›’–Ž’›˜ȱ
•žŠ›ǰȱŠȱŽ•’–’—Š³¨˜ȱ•ŽŠ•–Ž—ŽȱšžŠ•’ęŒŠ’ŸŠȱ˜ȱ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœȬ
sageiros como atividade econômica pública e, consequentemente, tratando-se
de um serviço (serviço de transporte de passageiros), a concomitante elimi-
—Š³¨˜ȱ Šȱ œžŠȱ ǻŽ¡Ǽ—Šž›Ž£Šȱ Žȱ œŽ›Ÿ’³˜ȱ ™ø‹•’Œ˜ǯȱ –ȱ œŽž—˜ȱ •žŠ›ǰȱ Žȱ Œ˜–˜ȱ
consequência do dito em primeiro lugar, a lógica substituição do título auto-
rizativo do poder público:ȱŠȱ›ŽŸ˜Š³¨˜ȱŠȱŠ—Ž›’˜›ȱ™Ž›–’œœ¨˜, que foi subs-
tituída, na modalidade de transporte individual público, pela mera outorga de
um “’›Ž’˜ȱ¥ȱŽ¡™•˜›Š³¨˜ȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱŽȱ¤¡’Ȅǯ Portanto, por força da alteração
legislativa introduzida, a atividade de transporte individual de passageiros
é uma atividade econômica de (ou do) mercado; uma atividade econômica
privada.

2. A Lei no 8.987, de 13/02/1995

ȱšžŽȱŸ’–˜œȱ’£Ž—˜ȱ·ȱŒ˜—ę›–Š˜ȱ™Ž•ŠȱŽ’ȱ—o 8.987, de 13 de Fevereiro


de 1995, que dispõe sobre oȱ ›Ž’–Žȱ Žȱ Œ˜—ŒŽœœ¨˜ȱ Žȱ ™Ž›–’œœ¨˜ȱ Šȱ ™›ŽœŠ³¨˜ȱ
ŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱ™ø‹•’Œ˜œȱ™›ŽŸ’œ˜ȱ—˜ȱŠ›’˜ȱŗŝśȱŠȱ˜—œ’ž’³¨˜ȱŽŽ›Š•ǯ Resulta
Ž¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ˜ȱŠ›’˜ȱŘoǰȱ ǰȱŽœŠȱŽ’ǰȱšžŽȱŠȱ™Ž›–’œœ¨˜ȱŽ–ȱ™˜›ȱ˜‹“Ž˜ȱž–ȱ
œŽ›Ÿ’³˜ȱ Œ˜—œ’žŒ’˜—Š•ȱ ˜žȱ •ŽŠ•–Ž—Žȱ šžŠ•’ęŒŠ˜ȱ Œ˜–˜ȱ ž–ȱ œŽ›Ÿ’³˜ȱ ™ø‹•’Œ˜ǰȱ
pois determina-se aí queȱŠȱ™Ž›–’œœ¨˜ȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜ȱ™ø‹•’Œ˜ȱŒ˜—œ’œŽȱ—ŠȱŽ•ŽŠ³¨˜ǰ
a título precário, mediante licitação,ȱŠȱ™›ŽœŠ³¨˜ȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱ™ø‹•’Œ˜œ, feita
pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade

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288 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

para seu desempenho, por sžŠȱŒ˜—ŠȱŽȱ›’œŒ˜ǯȱ˜›Š—˜ǰȱŠȱꐞ›ŠȱŠȱ™Ž›–’œœ¨˜ȱ


não pode ser confundida com a referida outorga, no transporte individual
público, de um “’›Ž’˜ȱ¥ȱŽ¡™•˜›Š³¨˜ȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱŽȱ¤¡’ȄDZ a permissão tem
por objeto um serviço público; a referida outorga apenas habilita que uma
Š’Ÿ’ŠŽȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠȱ ™›’ŸŠŠȱ œŽ“Šȱ Ž¡Ž›Œ’Šȱ —˜ȱ –˜˜ȱ Žȱ ȃœŽ›Ÿ’³˜ȱ Žȱ ¤¡’Ȅǯȱ
Sobre a natureza objeto da permissão à mesma doutrina se chega a partir
Šȱ Ž’ȱ —o 8.666, de 21 Junho de 1993, que regulamenta o artigo 37, inciso
 ǰȱ Šȱ ˜—œ’ž’³¨˜ȱ ŽŽ›Š•ȱ ’—œ’ž’ȱ —˜›–Šœȱ ™Š›Šȱ •’Œ’Š³äŽœȱ Žȱ Œ˜—›Š˜œȱ Šȱ
Administração Pública e dá outras providências.

B — Natureza jurídica do regime de exploração do serviço de táxi

1. As modalidades de transporte individual de passageiros


reconhecidas como modalidade de utilidade pública

–‹˜›Šȱ Šȱ ›ŽŠŒ³¨˜ȱ Šȱ Ž’ȱ —o 12.587, de 3 de Janeiro de 2012, possa


permitir ambiguidades interpretativas, ao utilizar a fórmula “’›Ž’˜ȱ¥ȱŽ¡™•˜Ȭ
›Š³¨˜ȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱŽȱ¤¡’Ȅǰ é seguro que, na sua sistemática conceitual e de
›Ž’–Žǰȱœàȱž–ȱŒŽ›˜ȱ–˜˜ȱŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠšžŽ•ŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱ·ȱšžŽȱœŽȱŽ—Œ˜—›Šȱ
sujeita à prévia intervenção autorizativa ou licenciadora do poder público —
precisamente, o transporte individual de passageiros na sua modalidade dita
™ø‹•’ŒŠǰȱ˜ȱ–˜˜ȱŽȱȃœŽ›Ÿ’³˜œȱŽȱ¤¡’Ȅǯ
ȱ’œ˜ȱ·ȱŠœœ’–ǰȱ—Šȱœ’œŽ–¤’ŒŠȱŒ˜—ŒŽ’žŠ•ȱŽȱŽȱ›Ž’–ŽȱŠȱŽ’ǰȱ™˜›ȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱ
Žȱ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œȱœŽ›ȱ•ŽŠ•–Ž—ŽȱšžŠ•’ęŒŠŠȱŒ˜–˜ȱž–
ȃœŽ›Ÿ’³˜ȱŽȱž’•’ŠŽȱ™ø‹•’ŒŠȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œ”. Ou,
’˜ȱ Žȱ ˜ž›˜ȱ –˜˜ǰȱ ™˜›ȱ œŽ›ȱ •ŽŠ•–Ž—Žȱ šžŠ•’ęŒŠŠȱ Œ˜–˜ȱ ž–Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ
econômica privada de utilidade pública, isto é, uma atividade econômica
privada de interesse público (e não de serviço público).
ȱ›ŠŒ’˜—Š•’ŠŽȱŽœŽȱšžŠ•’ęŒŠ’Ÿ˜ȱ›ŽĚŽŽȱž–ŠȱŸŽ£ȱ–Š’œȱ˜ȱ›Ž’–Žȱ•ŽŠ•ǰȱ
pela simples razão de artigo 4o, VIII, se referir ao “transporte público indi-
vidual”, como um “serviço remunerado de transporte de passageiros aberto
ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens
individualizadas”. Na sistemática do regime legal, este modo de transporte
individual de passageiros goza de um estatuto e de prerrogativas que só
são compreensíveis no quadro da utilidade pública que lhe é legalmente
Œ˜—Ž›’ŠDZȱ™˜›ȱŽ¡Ž–™•˜ǰȱ›Žgalias, prerrogativas e privilégios semelhantes aos
transportes coletivos de titularidade pública, mas, em contrapartida, a sua

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 289

sujeição a alguns dos ônus, deveres e obrigações próprios de um serviço de


interesse público ou, à moda da terminologia do direito da União Europeia,
ônus, deveres e obrigações inerentes a um serviço de interesse geral (mas
—¨˜ǰȱ›Ž™Ž’–˜œǰȱž–ȱœŽ›Ÿ’³˜ȱ™ø‹•’Œ˜Ǽǯȱ1ȱ—ŽœŽȱŒ˜—Ž¡˜ȱšžŽȱœŽȱ™Ž›ŒŽ‹Žȱ˜ȱŠŒŽœœ˜ȱ
™›’Ÿ’•Ž’Š˜ȱ ǻŽȱ Ž¡Œ•žœ’Ÿ˜Ǽȱ Šȱ Š•ž–Šœȱ Šœȱ Žœ’—ŠŠœȱ ȃ’—›ŠŽœ›žž›Šœȱ Žȱ
mobilidade urbana”, como os lugares ou espaços de estacionamento públicos,
pontos de embarque de passageiros (artigo 4oȱŠȱŽ’ȱ—o 12.587, de 3 de Janeiro
ŽȱŘŖŗŘǼǯȱȱ·ȱ—˜ȱ–Žœ–˜ȱŒ˜—Ž¡˜ȱšžŽȱ’žŠ•–Ž—ŽȱœŽȱ™Ž›ŒŽ‹ŽȱŠȱœž“Ž’³¨˜ȱ¥šžŽ•Žœȱ
ônus e deveres, como o de proporcionar a acessibilidade e a equidade no
acesso aos serviços por parte dos passageiros (artigos 5o e 7oȱŠȱ–Žœ–ŠȱŽ’Ǽǯȱ
ž˜ȱ’œ˜ǰȱŠ–‹·–ȱ—Šœȱ™Š•ŠŸ›ŠœȱŠȱŽ’ǰȱ—˜ȱšžŠ›˜ȱŠȱ›Žž•Š³¨˜ȱŽȱŽœ¨˜ȱ˜œȱ
sistemas de mobilidade urbana.

2. Requisitos do “serviço de táxi”

Atento este estatuto legal do designado “transporte público individual


Žȱ™ŠœœŠŽ’›˜œȄȱ—˜ȱ–˜˜ȱŽȱȃœŽ›Ÿ’³˜ȱŽȱ¤¡’ȄǰȱŒ˜–™›ŽŽ—Ž›ȬœŽȬ¤ȱŠȱŒ˜Ž›¹—Œ’Šȱ
legislativa, no sentido de instituir um conjunto de requisitos — ainda que
ŽœŒŠœœ˜œȱ ȯȱ ™Š›Šȱ ˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ ŽœŠȱ Š’Ÿ’ŠŽǯȱ Šȱ ŸŽ›ŠŽǰȱ œŽȱ ·ȱ Œ˜—ŒŽ’˜ȱ Šȱ
um conjunto de particulares regalias próprias ou privativas dos poderes
públicos, tem de aceitar-se que, em contrapartida e segundo um critério de
™›˜™˜›Œ’˜—Š•’ŠŽǰȱ •‘Žœȱ œŽ“Š–ȱ Ž¡’’˜œȱ ŒŽ›˜œȱ ›Žšž’œ’˜œȱ ™Š›Šȱ šžŽȱ ™˜œœŠ–ȱ
›ŽŸŽ•Š›ȬœŽȱ –Ž›ŽŒŽ˜›Žœȱ ŠšžŽ•Žœȱ ™›’Ÿ’•·’˜œȱ Žȱ šžŽǰȱ ’žŠ•–Ž—Žǰȱ Ž¡’‹Š–ȱ
idoneidade para o cumprimento dos referidos ônus e deveres inerentes à
utilidade pública dos serviços prestados. Nisto reside a racionalidade do fato
ŽȱŽ›ȱœ’˜ȱ’—œȱ’žŒ’˜—Š•’£ŠŠȱŠȱȃ™›˜ęœœ¨˜ȱŽȱŠ¡’œŠȄǰȱŽ–Ž›’—˜ȱŒ˜–˜ȱž–Šȱ
™›˜ęœœ¨˜ȱ ›Žžȱ•Š–Ž—ŠŠǯȱ ˜’ȱ ˜ȱ šžŽȱ œžŒŽŽžȱ Œ˜–ȱ Šȱ Ž’ȱ —o 12.468, de 26 de
˜œ˜ȱŽȱŘŖŗŗǰȱšžŽǰȱ™›ŽŒ’œŠ–Ž—Žǰȱ›Žž•Š–Ž—ŠȱŠȱ™›˜ęœœ¨˜ȱŽȱŠ¡’œŠǯ
Estabelece o artigo 1o que “Fica reconhecida, em todo o território na-
Œ’˜—Š•ǰȱŠȱ™›˜ęœœ¨˜ȱŽȱŠ¡’œŠǰȱ˜‹œŽ›ŸŠ˜œȱ˜œȱ™›ŽŒŽ’˜œȱŽœŠȱŽ’ȄǰȱŠ’Š—Š—˜ȱ
o artigo 2oȱšžŽȱȃ1ȱŠ’Ÿ’ŠŽȱ™›’ŸŠ’ŸŠȱ˜œȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱŠ¡’œŠœȱŠȱž’•’£Š³¨˜ȱ
Žȱ ŸŽÇŒž•˜ȱ Šž˜–˜˜›ǰȱ próprio ou de terceiros,ȱ ™Š›Šȱ ˜ȱ ›Š—œ™˜›Žȱ ™ø‹•’Œ˜ȱ
’—’Ÿ’žŠ•ȱ›Ž–ž—Ž›Š˜ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œ,ȱŒž“ŠȱŒŠ™ŠŒ’ŠŽȱœŽ›¤ȱŽǰȱ—˜ȱ–¤¡’–˜ǰȱ
7 (sete) passageiros”.
Aliás, convirá salientar que apenas alguns dos requisitos enumerados na
Ž’ȱœŽȱ™˜Ž›¨˜ȱŒ˜—œ’Ž›Š›ȱŒ˜–˜ȱŽœ™ŽŒÇꌘœȱŠȱ•ŽŠ•–Ž—ŽȱšžŠ•’ęŒŠŠȱŒ˜–˜ȱ
ȃ™›˜ęœœ¨˜ȱŽȱŠ¡’œŠȄDzȱŸ¤›’˜œȱŽ•ŽœȱŒ˜—œ’žŽ–ȱ›Žšž’œ’˜œȱŽ›Š’œȱŽȱž—’ŸŽ›œŠ’œȱ

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


290 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

™˜›ȱ šžŽȱ ’–™˜œ˜œȱ Žȱ Ž¡’’˜œȱ —¨˜ apenas a todos os que pretendam aceder
Š˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ ž–Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠȱ Žȱ ›Š—œ™˜›Žȱ Žȱ ™Žœœ˜Šœȱ ˜žȱ Žȱ
bens, mas também a qualquer cidadão que pretenda ser e efetivamente seja
Œ˜—ž˜›ȱŽȱŸŽÇŒž•˜œǯȱ˜–˜ȱ˜ȱ›Ž’–Žȱ•ŽŠ•ȱ›Žœž•ŠȱŒ˜–ȱœžęŒ’Ž—ŽȱŒ•Š›Ž£ŠȱŠȱ
ilação anterior, bastamo-nos com a respectiva citação.
O artigo 3oǰȱ›Ž•Š’Ÿ˜ȱ¥ȱȃŠ’Ÿ’ŠŽȱ™›˜ęœœ’˜—Š•ȱŽȱšžŽȱ›ŠŠȱ˜ȱŠ›ǯȱ•o”, esta-
‹Ž•ŽŒŽȱšžŽȱŽœŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱȃœ˜–Ž—ŽȱœŽ›¤ȱŽ¡Ž›Œ’Šȱ™˜›ȱ™›˜ęœœ’˜—Š•ȱšžŽȱŠŽ—Šȱ
’—Ž›Š•–Ž—ŽȱŠ˜œȱ›Žšž’œ’˜œȱŽȱ¥œȱŒ˜—’³äŽœȱŠ‹Š’¡˜ȱŽœŠ‹Ž•ŽŒ’˜œDZ
I — habilitação para conduzir veículo automotor, em uma das categorias
ǰȱǰȱȱ˜žȱǰȱŠœœ’–ȱŽę—’Šœȱ—˜ȱŠ›ǯȱŗŚřȱŠȱŽ’ȱ—o 9.503, de 23 de setembro de
1997;
II — curso de relações humanas, direção defensiva, primeiros socorros,
mecânica e elétrica básica de veículos, promovido por entidade reconhecida
pelo respectivo órgão autorizatário;
ȱȯȱŸŽÇŒž•˜ȱŒ˜–ȱŠœȱŒŠ›ŠŒŽ›Çœ’ŒŠœȱŽ¡’’Šœȱ™Ž•ŠȱŠž˜›’ŠŽȱŽȱ›¦—œ’˜Dz
ȱȯȱŒŽ›’ęŒŠ³¨˜ȱŽœ™ŽŒÇꌊȱ™Š›ŠȱŽ¡Ž›ŒŽ›ȱŠȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŽ–’’Šȱ™Ž•˜ȱà›¨˜ȱ
competente da localidade da prestação do serviço;
V — inscrição como segurado do Instituto Nacional de Seguridade Social
ȯȱ ǰȱŠ’—ŠȱšžŽȱŽ¡Ž›³ŠȱŠȱ™›˜ęœœ¨˜ȱ—ŠȱŒ˜—’³¨˜ȱŽȱŠ¡’œŠȱŠžâ—˜–˜ǰȱŠ¡’œŠȱ
Šž¡’•’Š›ȱŽȱŒ˜—ž˜›ȱŠžâ—˜–˜ȱ˜žȱŠ¡’œŠȱ•˜ŒŠ¤›’˜DzȱŽ
 ȱȯȱŠ›Ž’›ŠȱŽȱ›Š‹Š•‘˜ȱŽȱ›ŽŸ’¹—Œ’Šȱ˜Œ’Š•ȱȯȱǰȱ™Š›Šȱ˜ȱ™›˜ęœȬ
œ’˜—Š•ȱŠ¡’œŠȱŽ–™›ŽŠ˜Ȅǯ
Por sua vez, o artigo 5oǰȱ œ˜‹›Žȱ ˜œȱ ŽŸŽ›Žœȱ ˜œȱ ȃ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ Š¡’œŠœȄǰȱ
ŽŽ›–’—ŠȱšžŽȱœ¨˜ȱŽŸŽ›ŽœȱŽœŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œDZ
I — atender ao cliente com presteza e polidez;
II — trajar-se adequadamente para a função;
III — manter o veículo em boas condições de funcionamento e higiene;
ȱȯȱ–Š—Ž›ȱŽ–ȱ’ŠȱŠȱ˜Œž–Ž—Š³¨˜ȱ˜ȱŸŽÇŒž•˜ȱŽ¡’’Šȱ™Ž•ŠœȱŠž˜›’ŠŽœȱ
competentes;
ȱ ȯȱ ˜‹ŽŽŒŽ›ȱ ¥ȱ Ž’ȱ —o 9.503, de 23 de setembro de 1997 — Código de
Trânsito Brasileiro, bem como à legislação da localidade da prestação do
serviço.
Mas, bem mais importante do que o regime transcrito, é o que consta do
artigo 2oȱŠȱŽ’ȱŽ–ȱŠ—¤•’œŽǯ
Como referimos, prescreve-se aí que “1ȱŠ’Ÿ’ŠŽȱ™›’ŸŠ’ŸŠȱ˜œȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ
taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o trans-
porte público individual remunerado de passageiros...”.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 291

Ou seja, só — Žȱ Š™Ž—Šœȱ ȯȱ ˜ȱ •ŽŠ•–Ž—Žȱ šžŠ•’ęŒŠ˜ȱ Œ˜–˜ȱ ȃ›Š—œ™˜›Žȱ


™ø‹•’Œ˜ȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œ” com as características que atrás lhe assina-
lamos (prerrogativas e regalias públicas e ônus e deveres de interesse geral)
constitui atividade privativaȱ ȃ˜œȱ ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ Š¡’œŠœȄǯ Para a lei, só e
apenas, repetimos, o “serviço de utilidade pública” em que consiste o “›Š—œȬ
™˜›Žȱ™ø‹•’Œ˜ȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œȄ constitui atividade privativa de um
conjunto de particulares que, por mediação do poder público, adquirem o
direito de prestar aquele serviço de utilidade pública e que, por isso, a lei os
designa como “™›˜ęœœ’˜—Š’œȱŠ¡’œŠœȄǯ
Só isto e nada mais do que isto!
Ou seja, o próprio regime legal, incluindo o seu modo literal, não é, nem
™›ŽŽ—ŽȱœŽ›ȱŽ¡Œ•žŽ—Žǰȱ—˜ȱœŽ—’˜ȱŽȱšžŽȱŸŽŠȱ˜ȱŠŒŽœœ˜ȱ¥ȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—âȬ
mica privada de transporte individual de passageiros a todos e a qualquer
Œ’Š¨˜ȱšžŽȱšžŽ’›ŠȱŽ¡Ž›Œ¹Ȭ•Šǯ

C — Modos de transporte privados como atividade de utilidade


pública nos sistemas de mobilidade urbana

1. A interpretação da Lei no 12.587, de 3 de Janeiro de 2012

ȱ™›à™›’ŠȱŽ’ȱ—o 12.587, de 3 de Janeiro de 2012, no seu Capítulo V, relativo


às “diretrizes para o planejamento e gestão dos sistemas de mobilidade
urbana” salienta, ao nível dos princípios, objetivos e diretrizes, a necessidade
Žȱ Ž¡’œ’›ȱ ž–Šȱ ™˜•Ç’ŒŠȱ Žȱ “’—Ž›Š³¨˜ȱ ˜œȱ –˜˜œȱ Žȱ ›Š—œ™˜›Žȱ ™ø‹•’Œ˜ȱ Žȱ
ŽœŽœȱŒ˜–ȱ˜œȱ™›’ŸŠ˜œȱŽȱ˜œȱ—¨˜ȱ–˜˜›’£Š˜œ” (artigo 24, V).
’—’ęŒŠȱ’œ˜ȱšžŽǰȱ™Š›ŠȱŠȱŽ’ȱšžŽȱ’—œ’ž’ȱŠœȱ’›Ž›’£ŽœȱŠȱ˜•Ç’ŒŠȱŠŒ’˜—Š•ȱ
Žȱ˜‹’•’ŠŽȱ›‹Š—Šǰȱ‘¤ȱŠȱŒ˜Ž¡’œ¹—Œ’ŠȱŽȱȃ–˜˜œȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ™ø‹•’Œ˜Ȅ
(transporte de titularidade pública e transportes de utilidade pública nas
modalidades públicas) com ȃ–˜˜œȱ Žȱ ›Š—œ™˜›Žǯǯǯȱ ™›’ŸŠ˜œȄ. A redação
Šȱ Ž’ǰȱ Š˜ȱ ›ŽŽ›’›ȬœŽȱ Šȱ ȃ–˜˜œȱ Žȱ ›Š—œ™˜›Žǯǯǯȱ ™›’ŸŠ˜œȄ, éȱ œžęŒ’Ž—Ž–Ž—Žȱ
Š‹Ž›Šȱ ™Š›Šǰȱ —˜ȱ œŽžȱ ¦–‹’˜ȱ ’—Ž—œ’Ÿ˜ȱ Žȱ Ž¡Ž—œ’Ÿ˜ǰȱ Š‹›Š—Ž›ȱ šžŠ•šžŽ›ȱ –˜˜ȱ
de transporte privado, não habilitando o intérprete a uma leitura restritiva,
—˜ȱœŽ—’˜ȱŽȱŽ¡Œ•ž’›ǰ in limine, a atividade econômica privada de transporte
individual de passageiros, na sua modalidade privada, assim designada por
contraposição à modalidade pública.
Mas, se alguma dúvida interpretativa restasse, é dever do intérprete,
œŽž—˜ȱŠȱ–Žà’ŒŠȱ“ž›Ç’Œ˜ȬŒ˜—œ’žŒ’˜—Š•ȱŠœȱ•Ž’œǰȱ™›˜Œž›Š›ȱ—˜ȱŽ¡˜ȱŽœŠœȱ

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


292 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

os sentidos normativos que preservem a sua conformidade com a Constituição


(princípio da conservação ou preservação da constitucionalidade das leis).
Ora, no caso concreto, já vimos que a sistemática conceitual e de regime das
Leis citadas, incluindo o seu próprio modus literal, não habilitam o intér-
prete a leituras restritivas e excludentes, no sentido de que no âmbito da
atividade econômica privada de transporte individual de passageiros só
seria de admitir o designado transporte público individual de passageiros.
Este, repetimos, é apenas — e só — um modo de exercício daquela atividade.

2. A inconstitucionalidade e ilegalidade da reserva


monopolística do exercício da atividade econômica privada
de transporte individual de passageiros

Consequentemente, ao interpretar-se o regime legal citado no sentido


de que ele incorpora uma reserva monopolística de exercício da atividade
econômica privada de transporte individual de passageiros aos também
•ŽŠ•–Ž—ŽȱŽœ’—Š˜œȱ™˜›ȱȃ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱŠ¡’œŠœȄȱŽœ¤ȱ—¨˜ȱŠ™Ž—ŠœȱŠȱŠ£Ž›ȱ
uma interpretação contra legem, por imputar à lei um sentido que nem o
seu espírito, nem a sua dimensão gramatical comportam, mas sobretudo
a “converter” esse regime legal num regime manifestamente inconstitu-
cional, seja por violação isolada de diversos preceitos constitucionais, seja
por violação sistematicamente agregada ou conjunta e simultânea desses
diversos preceitos, que, aliás, a generalidade deles constituem, como vimos, as
bases estruturais e transversais do Pacto fundante da República do Brasil
e do (seu) Estado de Direito. Referimo-nos aos valores sociais do trabalho e
da livre-iniciativa (artigo 1IV), ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício
˜žȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŠŽ—’ŠœȱŠœȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱšžŽȱŠȱ•Ž’ȱŽœŠ‹Ž•ŽŒŽ›
(artigo 5o, XIII), à valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa em
šžŽȱœŽȱž—ŠȱŠȱ˜›Ž–ȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱ˜ȱ›Šœ’•ǰȱŽ—˜ȱ™˜›ȱę–ȱŠœœŽž›Š›ȱŠȱ˜˜œȱŽ¡’œ¹—Œ’Šȱ
condigna, conforme os ditames da justiça social (artigo 170), ao primado do trabalho
em que se funda a ordem social (artigo 193), ao princípio da livre concorrência
(artigo 170, IV), àȱ ŽŽœŠȱ ˜ȱ Œ˜—œž–’˜› (artigo 170, V) e, naturalmente,
a liberdade de acesso e oȱ •’Ÿ›Žȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ šžŠ•šžŽ›ȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠǰȱ
’—Ž™Ž—Ž—Ž–Ž—Žȱ Žȱ Šž˜›’£Š³¨˜ȱ Žȱ à›¨˜œȱ ™ø‹•’Œ˜œǰȱ œŠ•Ÿ˜ȱ —˜œȱ ŒŠœ˜œȱ
™›ŽŸ’œ˜œȱ—Šȱ•Ž’ (§ único do artigo 170).
Neste contexto, a atividade concretamente em causa — o exercício da
atividade econômica privada de transporte individual de passageiros, na sua

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 293

modalidade privada — não suscita, à luz do princípio da proporcionalidade,


especiais particularidades de ordem pública que habilitem o legislador
ordinário a introduzirem cláusulas restritivas à liberdade de acesso e ao livre
exercício desta atividade econômica, incluindo a sua sujeição a autorização
de órgãos públicos (§ único do artigo 170), bem como não suscita especiais
particularidades para que sejam consideradas ou atendidas exigências
ŠŒ›ŽœŒ’ŠœȱŽȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ(artigo 5oǰȱ Ǽǯȱ¡’¹—Œ’ŠœȱŽœŠœȱšžŽǰȱ
aliás, no regime legal, como vimos, são relativamente escassas mesmo para aqueles
que pretendam desenvolver a mesma atividade na modalidade pública.
Š›Šȱ˜ȱŽ¡Ž–™•’ęŒŠ›ǰȱ›Ž˜–Š–˜œȱ˜ȱŽ¡Ž–™•˜ȱŠ˜ȱ—ŠȱŠ›Žȱ ȱ˜ȱŽ¡˜ǯȱŠ›Šȱ
˜ȱŠŒŽœœ˜ȱŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱ™›’ŸŠŠȱŽȱȃ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱ
de passageiros” é naturalmente essencial que o motorista tenha perícia,
capacidade técnica e idoneidade, desde logo pela razão de segurança de quem
·ȱ›Š—œ™˜›Š˜ȱŽȱŠȱœŽž›Š—³ŠȱŽȱŽ›ŒŽ’›˜œǯȱŠ›ŠȱŠœœŽž›Š›ȱŽœŠœȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ
™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ‹ŠœŠ›¤ȱŠȱ›ŽŠ•’£Š³¨˜ȱŽȱž–ȱŒž›œ˜ȱŽȱ˜›–Š³¨˜ȱŽȱŽȱŽœŽœȱ˜žȱŽȱ
provas de aptidão, que assegurem uma habilitação credenciada/titulada para
˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ ŠšžŽ•Šȱ Š’Ÿ’ŠŽǰȱ ˜žȱ œŽ“Šǰȱ ž–Šȱ ‘Š‹’•’Š³¨˜ȱ ™›˜ęœœ’˜—Š•ȱ ™Š›Šȱ ˜ȱ
Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱ™›˜ęœœ’˜—Š•ȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œǯ
ǰȱ —˜ȱ ™•Š—˜ȱ ˜‹“Ž’Ÿ˜ǰȱ ™˜Ž›¨˜ȱ ǻ˜žȱ ŽŸŽ›¨˜Ǽǰȱ ™˜›ȱ Ž¡Ž–™•˜ǰȱ œŽ›ȱ Œ˜—œ’ŽȬ
radas as vantagens para a mobilidade urbana e interurbana, para o ambiente
e para a qualidade de vida na cidade (a oferta deste tipo de transporte poderá
reduzir a utilização de veículos próprios, com todas as consequências positivas
’—Ž›Ž—ŽœǼǰȱ™Š›ŠȱŠȱŽ–™›ŽŠ‹’•’ŠŽȱǻŒ˜–ȱ˜ŠœȱŠœȱŸŠ—ŠŽ—œȱœ˜Œ’Š’œȱŽȱ꜌Š’œȱ
que lhe estão associadas), para a dinamização de outras atividades econô-
micas e, naturalmente, para o consumidor, que poderá desfrutar de um leque
mais amplo de opções em termos de qualidade de transporte e de preços.
Portanto, ponderados todos os valores e interesses em presença, não
se descortina, à luz do princípio da proporcionalidade, qualquer óbice que
•Ž’’–ŽȱŽȱ“žœ’ęšžŽȱ˜ȱ•Ž’œ•Š˜›ȱ˜›’—¤›’˜ȱǻŠȱ—’¨˜ȱ˜žȱŽȱšžŠ•šžŽ›ȱœŠ˜Ǽȱ
à utilização de cláusulas restritivas no acesso àquela atividade e, obviamente
(e de forma radical), que iniba/proíba o acesso à mesma.
Naturalmente que tudo o que se vem dizendo, como já decorre da
œŽšž¹—Œ’Šȱ˜ȱŽ¡˜ǰȱ·ȱŽ¡ŠŠ–Ž—Žȱ›Š—œ™˜—ÇŸŽ•ȱ™Š›ŠȱŠȱŠ—¤•’œŽȱŽȱ•Ž’œȱŽȱ™›˜“Ž˜œȱ
•Ž’œ•Š’Ÿ˜œȱ Ž–ȱ Œž›œ˜ǰȱ šžŽȱ Ÿ’œŠ–ȱ Šȱ ™›˜’‹’³¨˜ȱ ˜ȱ ŠŒŽœœ˜ȱ Žȱ ˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Šȱ
atividade econômica privada de transporte individual de passageiros, na sua
modalidade privada, que, para o efeito, utilizam — ou também utilizam — o
“sistema Uber”. Entre estas leis incluem-se, em especial, as do Rio de Janeiro
e de São Paulo. No entanto, no ponto seguinte retomaremos este item.

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294 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

Por outro lado, tratando-se de atividades econômicas privadas, uma


’—Ž›™›ŽŠ³¨˜ȱšžŽȱŽŽ—ŽœœŽȱ˜ȱ–˜—˜™à•’˜ȱ˜ȱœŽžȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠ™Ž—Šœȱ™Ž•˜œȱ™Š›Ȭ
ticulares titulares de uma habilitação administrativa do legalmente desig-
nado “transporte público individual de passageiros” teria ainda uma outra
’ęŒž•ŠŽȱ ’—ž•›Š™Šœœ¤ŸŽ•ǰȱ Œ˜—œž‹œŠ—Œ’ŠŠȱ —˜ȱ Š˜ȱ Žȱ Žœ‹Š››Š›ȱ Œ˜–ȱ ˜ȱ
regime legal da concorrência, criando, numa atividade econômica privada,
uma reserva de mercado privado que, precisamente, é sancionada por aquele
regime como uma infração contra a ordem econômica.
Ž’ŸŠ–Ž—ŽǰȱŠȱŽ’ȱ—o 12.529, de 30 de Novembro de 2011, que estrutura
o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispõe sobre a prevenção e
repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências,
determina que esta ordem é orientada pelos ditames constitucionais de
liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade,
defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico (artigo
1oǼȱŽȱšžŽȱȃȱŒ˜•Ž’Ÿ’ŠŽȱ·ȱŠȱ’ž•Š›ȱ˜œȱ‹Ž—œȱ“ž›Ç’Œ˜œȱ™›˜Ž’˜œȱ™˜›ȱŽœŠȱŽ’Ȅȱ
(artigo 1 o , parágrafo único).
E porque assim é, o artigo 36, caput, determina que “constituem infração
da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer
forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes
efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I — limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência
ou a livre-iniciativa;
II — dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III — aumentar arbitrariamente os lucros; e
ȱȯȱŽ¡Ž›ŒŽ›ȱŽȱ˜›–ŠȱŠ‹žœ’ŸŠȱ™˜œ’³¨˜ȱ˜–’—Š—ŽȄǯ
E no § 3o estabelece que asȱœŽž’—ŽœȱŒ˜—žŠœ, além de outras, na medida
Ž–ȱ šžŽȱ Œ˜—ꐞ›Ž–ȱ Šȱ ‘’™àŽœŽȱ ™›ŽŸ’œŠȱ —˜ȱ ŒŠ™žȱ ˜ȱ Š›’˜ȱ Žȱ œŽžœȱ ’—Œ’œ˜œǰȱ
“ŒŠ›ŠŒŽ›’£Š–ȱ’—›Š³¨˜ȱŠȱ˜›Ž–ȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱǻǯǯǯǼDZ
III — limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
ȱȯȱŒ›’Š›ȱ’ęŒž•ŠŽœȱ¥ȱŒ˜—œ’ž’³¨˜ǰȱŠ˜ȱž—Œ’˜—Š–Ž—˜ȱ˜žȱŠ˜ȱŽœŽ—Ÿ˜•Ȭ
Ÿ’–Ž—˜ȱŽȱŽ–™›ŽœŠȱŒ˜—Œ˜››Ž—Žȱ˜žȱŽȱ˜›—ŽŒŽ˜›ǰȱŠšž’›Ž—Žȱ˜žȱꗊ—Œ’Š˜›ȱ
de bens ou serviços”.
Ou seja, mesmo do ponto de vista da disciplina legal da ordem econô-
–’ŒŠȱŠęž›ŠȬœŽȱ’—Ÿ’¤ŸŽ•ȱž–ŠȱšžŠ•šžŽ›ȱŠ›ž–Ž—Š³¨˜ȱšžŽȱŽę›Šȱ˜ȱŽ¡Œ•žȱœ’ȱŸ˜ȱ
ou o monopólio do exercício da atividade econômica privada de transporte
individual de passageiros aos titulares de uma habilitação de transporte pú-
blico individual.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 295

Parte III
A atividade econômica privada de transporte individual de
passageiros, na sua modalidade privada, e o “sistema Uber”

A — “Sistema Uber”
1. Breve introdução explicativa

De forma muito singela e abreviada, o “sistema Uber” consiste numa


plataforma tecnológica que suporta uma aplicação móvel para smartphones.
Com base nesta plataforma tecnológica oferece serviços ao mercado — às
pessoas em geral e a “motoristas privados”.
Através do “sistema app” e recorrendo a um serviço de geolocalização,
liga os utilizadores aos “motoristas privados”, sem ser necessário que o utili-
zador (consumidor) telefone ou se desloque do local em que se encontre.
O simples acesso à appȱ’—’ŒŠȱ˜ȱ—ø–Ž›˜ȱŽȱŠž˜–àŸŽ’œȱ–Š’œȱ™›à¡’–˜œȱ˜ȱ•˜ŒŠ•ȱ
que utilizam o “sistema Uber”, bem como o tempo estimado que demoram
a chegar ao local em que o utilizador se encontre. Neste passo, o utilizador
ŽœŒ˜•‘Žȱ˜ȱœŽ›Ÿ’³˜ȱšžŽȱ™›ŽŽ—ŽDZȱ‹Ž›ȱ˜žȱ‹Ž›•ŠŒ”ǯ7
Depois de escolhido o serviço, o utilizador transmite a morada de
Žœ’—˜ȱŽȱœ˜•’Œ’Šȱž–ŠȱŽœ’–Š’ŸŠȱ˜ȱŒžœ˜ȱŠȱŸ’ŠŽ–ǯȱŽȱœŽž’ŠȱŒ˜—ę›–Šǰȱ
˜žȱ—¨˜ǰȱ˜ȱœŽ›Ÿ’³˜ǯȱ˜—ę›–Š˜ȱ˜ȱœŽ›Ÿ’³˜ǰȱŒ˜—‘ŽŒŽ›¤ȱ˜ȱ—˜–Žȱ˜ȱ–˜˜›’œŠǰȱ‹Ž–ȱ
Œ˜–˜ȱ˜ȱŒŠ››˜ȱšžŽȱŒ˜—ž£ȱŽȱŠȱŒ•Šœœ’ęŒŠ³¨˜ȱšžŽȱ˜‹ŽŸŽȱŽȱ˜ž›˜œȱž’•’£Š˜›Žœǯȱ
O sistema proporciona ainda outras utilizações, como o contato com o
motorista, o cancelamento da viagem ou o pedido de partilha da tarifa com
˜ž›˜œȱž’•’£Š˜›Žœǯȱ’—ŠȱŠȱŸ’ŠŽ–ǰȱ˜ȱž’•’£Š˜›ȱŽ–ȱŽȱŒ•Šœœ’ęŒŠ›ȱŠȱ™›ŽœŠ³¨˜ȱ
do motorista na app e recebe um recibo no correio electrônico associado à
respectiva conta.
Descrito do modo referido, o “serviço Uber” em nada perturba as con-
Œ•žœäŽœȱŠ—Ž›’˜›Žœǰȱ’œ˜ȱ·ǰȱŠȱŽ¡’œ¹—Œ’ŠȱŽœŽȱœŽ›Ÿ’³˜ȱ—˜ȱ–Ž›ŒŠ˜ȱ—¨˜ȱ™˜ŽȱŽ›ȱ˜ȱ
ŽŽ’˜ȱ›’Œ˜Œ‘ŽŽȱǻ˜žȱŠ·ȱœŠ—Œ’˜—Šà›’˜ǼȱŽǰȱŠȱœŽžȱ™›ŽŽ¡˜ǰȱ•Ž’’–Š›ȱŽȱ“žœ’ȱꌊ›ȱ
šžŠ•šžŽ›ȱ›Žœ›’³¨˜ȱȯȱŽȱ–ž’˜ȱ–Ž—˜œȱšžŠ•šžŽ›ȱ’—’‹’³¨˜ȱȯȱŠ˜ȱŠŒŽœœ˜ȱŽȱŽ¡Ž›ȱŒÇŒ’˜ȱ
da atividade econômica privada de transporte individual de passageiros,
na sua modalidade privada.ȱ œŠ–˜œȱ Š™Ž—Šœȱ ™Ž›Š—Žȱ ž–ȱ œŽ›Ÿ’³˜ȱ Žȱ ‹ŠœŽȱ

7
Mais problemático é o chamado UberPop.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


296 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

ŽŒ—˜•à’ŒŠȱŽȱ’—Ž›Š’Ÿ˜ȱ’œ™˜—ÇŸŽ•ȱ—˜ȱ–Ž›ŒŠ˜ȱšžŽǰȱŠ•ȱŒ˜–˜ȱšžŠ•šžŽ›ȱž’•’Ȭ
£Š˜›ȱ Œ˜–ž–ǰȱ ™˜Žȱ ’žŠ•–Ž—Žȱ œŽ›ȱ žœŠ˜ȱ ™˜›ȱ šžŽ–ȱ Ž¡Ž›³Šȱ Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ Žȱ
›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œǯȱ›ŠŠȬœŽȱŠ™Ž—ŠœȱŽȱž–ȱ™•žœȱŽȱ–Ž•‘˜›’Šȱ
˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Šȱ Š’Ÿ’ŠŽǯ Portanto, quanto a este aspecto entendemos que as
Œ˜—Œ•žœäŽœȱŠ—Ž›’˜›ŽœȱŽ–ȱ—ŠŠȱœ¨˜ȱŠŽŠŠœǯ

2. O “sistema Uber” como serviço

žŽœ¨˜ȱ‹Ž–ȱ’Ž›Ž—Žȱ›Žœ’Žǰȱ˜ž›˜œœ’–ǰȱŽ–ȱœŠ‹Ž›ȱœŽȱ˜ȱȃœ’œŽ–Šȱ‹Ž›Ȅǰȱ
só por si, isto é, tomado de per se ou isoladamente, consiste num serviço cuja
™›ŽœŠ³¨˜ȱ œŽ“Šȱ Š–’’Šȱ Žȱ •ÇŒ’Šȱ ¥ȱ •ž£ȱ ˜ȱ ›Ž’–Žȱ Žœ™ŽŒ’ęŒŠ–Ž—Žȱ Š™•’Œ¤ŸŽ•ǰȱ
conforme os países concretamente em causa.
Segundo o que resulta da documentação, não é este o cerne jurídico-
administrativo e jurídico-constitucional que se coloca no Brasil. O problema
›Š’ŒŠȱ —Šȱ •’‹Ž›ŠŽȱ Žȱ ŠŒŽœœ˜ȱ Žȱ Žȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ ž–Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠȱ
privada; o que acresce a este núcleo essencial é, como se disse, apenas um
plusȱšžŽȱŠŒž•ŠȱŠȱ–Ž•‘˜›’Šȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽȱ™Ž›–’ŽȱŠ˜ȱŒ˜—œž–’˜›ȱ
—ÇŸŽ’œȱ šžŠ•’ęŒŠ˜œȱ Žȱ ŠŒŽœœ˜ȱ Žȱ Žȱ ž’•’£Š³¨˜ȱ ˜ȱ ›Š—œ™˜›Žȱ ’—’Ÿ’žŠ•ȱ Žȱ
passageiros. Em todo o caso, como a correlação problematizante do tema
está — ou também está — geneticamente associada ao “sistema Uber”,
impõe-se igualmente analisar as dimensões que este sistema introduz naquela
correlação.
1ȱ˜ȱšžŽȱŠ›Ž–˜œȱŽȱœŽž’Šǯ
ŠȱŠ—¤•’œŽȱšžŽǰȱ—ŽœŽȱŽœ™ŽŒÇꌘȱŠœ™ŽŒ˜ǰȱŠ£Ž–˜œȱ˜ȱ’›Ž’˜ȱ™˜œ’’Ÿ˜ȱ˜ȱ
Brasil não há razões para concluir de modo diverso do que sucede no direito
da União Europeia, onde, como se salientou, todas as atividades podem
›ŽŽ›’›ȬœŽȱšžŽ›ȱŠȱœŽ›Ÿ’³˜œȱšžŽȱ’–™•’šžŽ–ȱž–Šȱ™›˜¡’–’ŠŽȱŽ—›Žȱ™›ŽœŠ˜›ȱŽȱ
destinatário, quer a serviços que impliquem uma deslocação do destinatário
ou do prestador,ȱ šžŽ›ȱ Šȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ šžŽȱ ™˜œœŠ–ȱ œŽ›ȱ ˜›—ŽŒ’˜œȱ ¥ȱ ’œ¦—Œ’Šǰȱ
’—Œ•ž’—˜ȱŠ›ŠŸ·œȱŠȱ —Ž›—ŽǰȱŽȱ™•ŠŠ˜›–ŠœȱŽ•Ž›ô—’ŒŠœȱ˜žȱŽȱŒŽ—›˜œȱŽŒ—˜Ȭ
•à’Œ˜œȱ’—Ž›Š’Ÿ˜œǯ
Salientamos também que a atividade de serviços de “aluguer de auto-
móveis” é uma das que está mais propícia à permanente inovação. E, no caso,
é de aluguer de automóveis que se trata, ou, de modo tecnicamente mais
rigoroso, de um contrato civil (privado) de transporte celebrado entre um
ž’•’£Š˜›ȱŒ˜–ž–ȱǻž–ȱŒ˜—œž–’˜›ǼȱŽȱž–ȱœž“Ž’˜ȱšžŽȱœŽȱŽ’šžŽȱŠ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ
da atividade econômica privada de transporte individual de passageiros, na

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 297

sua modalidade privada. O que nesta relação surge de diferente, ou melhor,


de inovador, é apenas o fato de surgir um intermediário tecnologicamente
’—Ž›Š’Ÿ˜ȱšžŽȱŠŒ’•’ŠȱŠȱŒŽ•Ž‹›Š³¨˜ȱŠšžŽ•ŽȱŒ˜—›Š˜ȱŽȱŠȱ›Žœ™ŽŒ’ŸŠȱŽ¡ŽŒž³¨˜ǰȱ
Šž¡’•’Š—˜ȱœ’–ž•Š—ŽŠ–Ž—Žȱ˜ȱž’•’£Š˜›ȱǻŒ˜—œž–’˜›ǼȱŽȱ˜ȱ›Š—œ™˜›Š˜›ǯ
Š›Šȱ˜ȱ›Š—œ™˜›Š˜›ǰ o exercício da sua atividade econômica privada
com a intervenção mediadora de uma plataforma electrônica entre quem
presta um serviço e o consumidor desse serviço constitui uma projeção da
ǻœžŠǼȱ•’‹Ž›ŠŽȱŽȱŠž˜Ȭ˜›Š—’£Š³¨˜ȱŽȱŠž˜››Žž•Š³¨˜ȱ™›˜ęœœ’˜—Š•ȱ’—Ž›Ž—Žœȱ
à liberdade de iniciativa econômica.
Por conseguinte, jurídica e funcionalmente, o “sistema Uber” não é outra
coisa senão mais um prestador de serviços que, com meios tecnológicos
’—˜ŸŠ˜›Žœǰȱœž›’žȱ—˜ȱ–Ž›ŒŠ˜ȱŽŒ˜—â–’Œ˜ȱ™›’ŸŠ˜ȱŽȱ™Š›Šȱ—Ž•ŽȱŽ¡Ž›ŒŽ›ȱž–Šȱ
pura ou genuína atividade privada, como, aliás, têm surgido tantos outros
prestadores de serviços semelhantes em outras atividades econômicas pri-
vadas. Algo que, generalizada e universalmente, é, por todos, sabido. Nada
tem, pois, de surpreendente.

B — Plataforma eletrônica interceptiva

A única particularidade que poderá suscitar-se reside apenas no fato de


aquele sistema utilizar ferramentas tecnológicas baseadas numa “plataforma
eletrônica interativa” que é típica das infraestruturas comunicacionais da
Internet.8
E quanto ao “sistema Uber” a questão jurídica reside apenas aqui: a Cons-
tituição do Brasil e a legislação que a concretize impedem a livre-iniciativa e
˜ȱ•’Ÿ›ŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ǰȱŽȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŽȱ˜ÇŒ’˜ȱŽȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱŒ˜–ȱ‹ŠœŽȱŽ–ȱ
Š’œȱ –Ž’˜œǵȱ žǰȱ ™Ž›ž—Š˜ȱ Žȱ ˜ž›˜ȱ –˜˜ǰȱ Ž¡’œ’›¤ȱ Š•ž–Šȱ Œ•¤žœž•Šȱ Œ˜—œȬ
titucional que habilite o legislador ordinário a restringir ou a inibir aquelas
•’‹Ž›ŠŽœȱšžŠ—˜ȱŽ¡Ž›Œ’ŠœȱŠ›ŠŸ·œȱ˜žȱŒ˜–ȱ‹ŠœŽȱŽ–ȱ’—›ŠŽœ›žž›ŠœȱŒ˜–žȬ
—’ŒŠŒ’˜—Š’œȱŠȱ —Ž›—Žǵ
˜—œ’Ž›Š—˜ȱ Š™Ž—Šœȱ ˜ȱ ’™˜ȱ Žœ™ŽŒÇꌘȱ Žȱ œŽ›Ÿ’³˜œȱ Œ˜—Œ›ŽŠ–Ž—Žȱ Ž–ȱ
causa, que, repetimos, nada tem hoje de anômalo (ao contrário, porventura,

ȱ 1ȱ à‹Ÿ’˜ȱ šžŽȱ ’ŒŠȱ Žȱ ˜›Šȱ ˜ȱ ™›ŽœŽ—Žȱ ›Š‹Š•‘˜ȱ Šȱ ™›˜‹•Ž–¤’ŒŠȱ Žȱ œŠ‹Ž›ȱ Ž–ȱ šžŽȱ –Ž’Šȱ ˜ȱ
8

ȃ‹Ž›œ¢œŽ–Ȅȱ œŽȱ ™˜Žȱ ›Š—œ˜›–Š›ȱ —ž–ȱ ȃ’ȱ ŠŠȄǯȱ ›ǯȱ Œ‘•’Žœ”¢Ȧ


˜ě–Š——ȦžŒ‘ȦŒ‘ě£Ȧ
˜›Œ‘Ž›œǰȱ Œ‘žĵ™Ě’Œ‘Ž—ȱ ž—ȱ ›’Ĵ ’›”ž—ȱ ’–ȱ —Ž›—Žǯȱ Šœȱ ›ž—ŽœŽĵȱ ’–ȱ ’’Š•Ž—ȱ
Zeitalter, Nomos, Baden-Baden, 2014.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


298 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

de outro tipo de serviços que circulam nas mesmas infraestruturas comunica-


cionais), não descortinamos razão alguma para concluir de modo diverso
›Ž•Š’ŸŠ–Ž—Žȱ¥ȱ˜ž›’—ŠȱŒ˜—œ’žŒ’˜—Š•ȱšžŽȱœŽȱŽ¡™âœȱ™Š›ŠȱŠȱŽ—Ž›Š•’ŠŽȱŠœȱ
Š’Ÿ’ŠŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œǯȱŽ•˜ȱšžŽǰȱŠ–‹·–ȱ—ŽœŽȱ¦–‹’˜ǰȱŽŸŽ–ȱŸ’˜›Š›ǰȱ™˜›ȱ
princípio, todos os preceitos constitucionais relativos ao ŸŠ•˜›Žœȱ œ˜Œ’Š’œȱ ˜ȱ
›Š‹Š•‘˜ȱ Žȱ Šȱ •’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠ (artigo 1o, IV), ao livre exercício de qualquer
›Š‹Š•‘˜ǰȱ ˜ÇŒ’˜ȱ ˜žȱ ™›˜ęœœ¨˜ǰȱ ŠŽ—’Šœȱ Šœȱ šžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ šžŽȱ
Šȱ •Ž’ȱ ŽœŠ‹Ž•ŽŒŽ› (artigo 5 oǰȱ  Ǽǰȱ ¥ȱ ŸŠ•˜›’£Š³¨˜ȱ ˜ȱ ›Š‹Š•‘˜ȱ ‘ž–Š—˜ȱ Žȱ —Šȱ
•’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠȱŽ–ȱšžŽȱœŽȱž—ŠȱŠȱ˜›Ž–ȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱ˜ȱ›Šœ’•ǰȱŽ—˜ȱ™˜›ȱę–ȱ
ŠœœŽȱž›Š›ȱŠȱ˜˜œȱŽ¡’œ¹—Œ’ŠȱŒ˜—’—ŠǰȱŒ˜—˜›–Žȱ˜œȱ’Š–ŽœȱŠȱ“žœ’³Šȱœ˜Œ’Š•ȱ
(artigo 170), ao primado do trabalho em que se funda a ordem social (artigo
193), ao princípio da livre concorrência (artigo 170, IV), àȱŽŽœŠȱ˜ȱŒ˜—œž–’˜›
(artigo 170, V) e, consequentemente, à liberdade de acesso e o livre exercício de
šžŠ•šžŽ›ȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠǰȱ’—Ž™Ž—Ž—Ž–Ž—ŽȱŽȱŠž˜›’£Š³¨˜ȱŽȱà›¨˜œȱ
™ø‹•’Œ˜œǰȱœŠ•Ÿ˜ȱ—˜œȱŒŠœ˜œȱ™›ŽŸ’œ˜œȱ—Šȱ•Ž’ (§ único do artigo 170).
ȱ™˜›šžŽȱŠœœ’–ȱ·ǰȱŠȱŽ’ȱ—o 12.965, de 23 de abril de 2014, que estabelece
princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no BrasilȱŽȱŽŽ›Ȭ
–’—ŠȱŠœȱ’›Ž›’£Žœȱ™Š›ŠȱŠžŠ³¨˜ȱŠȱ—’¨˜ǰȱ˜œȱœŠ˜œǰȱ˜ȱ’œ›’˜ȱŽŽ›Š•ȱŽȱ
˜œȱž—’ŒÇ™’˜œȱŽ–ȱ›Ž•Š³¨˜ȱ¥ȱ–Š·›’Š (artigo 1o), estatui no seu artigo 2o que
a “disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à
•’‹Ž›ŠŽȱŽȱŽ¡™›Žœœ¨˜ǰȱ‹Ž–ȱŒ˜–˜DZ
I — o reconhecimento da escala mundial da rede;
II — os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o
Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱŒ’ŠŠ—’ŠȱŽ–ȱ–Ž’˜œȱ’’Š’œDz
III — a pluralidade e a diversidade;
IV — a abertura e a colaboração;
V — a livre-iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
V — Šȱꗊ•’ŠŽȱœ˜Œ’Š•ȱŠȱ›ŽŽǯ
(...)
VI — liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet,
ŽœŽȱšžŽȱ—¨˜ȱŒ˜—Ě’Ž–ȱŒ˜–ȱ˜œȱŽ–Š’œȱ™›’—ŒÇ™’˜œȱŽœŠ‹Ž•ŽŒ’˜œȱ—ŽœŠȱŽ’Ȅǯ
E adianta, no artigo 4o, que a “disciplina do uso da internet no Brasil tem
por objetivo a promoção:
I — do direito de acesso à internet a todos;
III — da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e
modelos de uso e acesso; e
IV — da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comu-
nicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e bases de
dados”.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 299

Š›Šȱ˜œȱŽŽ’˜œȱŠȱŽ’ȱǻŠ›’˜ȱśo), “considera-se:
I — internet: o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos,
Žœ›žž›Š˜ȱŽ–ȱŽœŒŠ•Šȱ–ž—’Š•ȱ™Š›Šȱžœ˜ȱ™ø‹•’Œ˜ȱŽȱ’››Žœ›’˜ǰȱŒ˜–ȱŠȱꗊ•’ŠŽȱ
de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes
redes”.
As “palavras da lei” não permitem, só por si, dúvidas, dispensando a este
propósito indagações doutrinais interpretativas, por, precisamente, serem
desnecessárias: o “sistema Uber” encontra pleno acolhimento no regime legal
citado.
Consequentemente, qualquer cidadão ou empresa, por princípio, seja no
Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Šœȱ ›Žœ™ŽŒ’ŸŠœȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ Žȱ Š’Ÿ’ŠŽœȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠœǰȱ
seja como consumidor, é livre de recorrer aos serviços tecnologicamente
’—˜ŸŠȱ˜›Žœȱ ™›˜™˜›Œ’˜—Š˜œȱ ™˜›ȱ ŠšžŽ•Žȱ œ’œŽ–Šǯȱ ǰȱ ›ŠŠ—˜ȬœŽȱ Žȱ ž–Šȱ Ž’ȱ
da União que, ao abrigo da Constituição Federal,ȱ ŽŽ›–’—Šȱ Šœȱ ’›Ž›’£Žœȱ
™Š›ŠȱŠžŠ³¨˜ȱŠȱ—’¨˜ǰȱ˜œȱœŠ˜œǰȱ˜ȱ’œ›’˜ȱŽŽ›Š•ȱŽȱ˜œȱž—’ŒÇ™’˜œȱ
Ž–ȱ ›Ž•Š³¨˜ȱ Š˜ uso da Internet no Brasil (artigo 1o) tem de concluir-se pela
ilegalidade e pela inconstitucionalidade das leis estaduais ou municipais
šžŽȱ ’œ™˜—‘Š–ȱ Ž–ȱ œŽ—’˜ȱ ’Ž›Ž—Žȱ ˜ȱ ŽœŠ‹Ž•ŽŒ’˜ȱ —Šȱ Ž’ȱ —o 12.965, de
Řřȱ Žȱ Š‹›’•ȱ Žȱ ŘŖŗŚǯȱ 1ȱ ˜ȱ šžŽȱ œžŒŽŽȱ Œ˜–ȱ Šȱ Ž’ȱ Œ˜–™•Ž–Ž—Š›ȱ —o 159, de 29
de Setembro 2015, do Rio de Janeiro, que regulamenta o serviço público de
transporte individual remunerado de passageiros em veículo automotor, a
™›˜ęœœ¨˜ȱŽȱŠ¡’œŠȱŽȱ¤ȱ˜ž›Šœȱ™›˜Ÿ’¹—Œ’ŠœǰȱŽȱŒ˜–ȱŠȱŽ’ȱ—o 16.297, de 8 de
Outubro de 2015, do Município de São Paulo, que dispõe sobre a proibição
do uso de carros particulares cadastrados em aplicativos para o transporte
remunerado individual de pessoas no Município de São Paulo e dá outras
providências.

Parte IV
A ilegalidade e a inconstitucionalidade de diplomas municipais,
estaduais ou distritais

˜ȱ •˜—˜ȱ ˜ȱ Ž¡˜ȱ Ž–˜œȱ Ÿ’—˜ȱ Šȱ ›Ž™•’ŒŠ›ȱ Šȱ ˜ž›’—Šȱ šžŽǰȱ œŽž—˜ȱ ˜ȱ
regime legal, a atividade de transporte individual de passageiros é uma ativi-
dade econômica privada. Uma atividade, portanto, de direito privado (direito
civil) e de direito comercial, a que se associa o direito da concorrência, também
já referido.
TŠ–‹·–ȱ ’—œ’œ’–˜œȱ šžŽǰȱ —˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ ŠšžŽ•Šȱ Š’Ÿ’ŠŽǰȱ ˜œȱ Œ˜—›Š˜œȱ
celebrados são de natureza privada (civil/comercial).

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


300 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

De igual modo, concluímos que o “sistema Uber” consiste numa


atividade privada de prestação de serviços, com utilidade pública baseada
—Šȱ ’—Ž›Œ˜—Ž¡¨˜ȱ ŽŒ—˜•à’ŒŠȱ Žȱ ž’•’£Š˜›Žœǰȱ Š›ŠŸ·œȱ Šȱ ž’•’£Š³¨˜ȱ Žȱ –Ž’˜œȱ
típicos da informática (Internet). O contrato que os utilizadores celebram com
o “sistema Uber” é igualmente um contrato de direito privado (civil).

I — Inconstitucionalidade por violação das normas de


competência da Constituição Federal, designadamente, o art. 22

No plano jurídico-constitucional da organização competencial da função


legislativa entre a União, o Distrito Federal, os Estados e os municípios,
determina o artigo 22 da Constituição Federal que “Compete privativamente
à União legislar sobre:
I — direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho; (...)
IV — informática, telecomunicações e radiodifusão; (...)
ȱȯȱ’›Ž›’£ŽœȱŠȱ™˜•Ç’ŒŠȱ—ŠŒ’˜—Š•ȱŽȱ›Š—œ™˜›ŽœDz
 ȱȯȱ›¦—œ’˜ȱŽȱ›Š—œ™˜›ŽDz
(...)
 ȱȯȱ˜›Š—’£Š³¨˜ȱ˜ȱœ’œŽ–Šȱ—ŠŒ’˜—Š•ȱŽȱŽ–™›Ž˜ȱŽȱŒ˜—’³äŽœȱ™Š›Šȱ˜ȱ
Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱ™›˜ęœœäŽœȄǯ
ȱ Š’Š—Šǰȱ —˜ȱ œŽžȱ ™Š›¤›Š˜ȱ ø—’Œ˜ǰȱ šžŽȱ Šȱ ȃŽ’ȱ Œ˜–™•Ž–Ž—Š›ȱ ™˜Ž›¤ȱ
Šž˜›’£Š›ȱ ˜œȱ œŠ˜œȱ Šȱ •Ž’œ•Š›ȱ œ˜‹›Žȱ šžŽœäŽœȱ Žœ™ŽŒÇꌊœȱ Šœȱ –Š·›’Šœȱ
relacionadas neste artigo”.
›ŠǰȱŠȱŽ’ȱŒ˜–™•Ž–Ž—Š›ȱ—o 159, de 29 de Setembro 2015, do Rio de Janeiro,
que regulamenta o serviço público de transporte individual remunerado
Žȱ ™ŠœœŠŽ’›˜œȱ Ž–ȱ ŸŽÇŒž•˜ȱ Šž˜–˜˜›ǰȱ Šȱ ™›˜ęœœ¨˜ȱ Žȱ Š¡’œŠȱ Žȱ ¤ȱ ˜ž›Šœȱ
™›˜Ÿ’¹—Œ’ŠœǰȱŽȱŠȱŽ’ȱ—o 16.297 de 8 de Outubro de 2015, do Município de São
Paulo, que dispõe sobre a proibição do uso de carros particulares cadastrados
em aplicativos para o transporte remunerado individual de pessoas no
Município de São Paulo e dá outras providências, pretendem estabelecer:
a)ȱȱ ›ŽœŽ›ŸŠȱ ˜žȱ ˜ȱ Ž¡Œ•žœ’Ÿ˜ȱ ˜ȱ ŠŒŽœœ˜ȱ Žȱ ˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ŽŒ˜Ȭ
nômica de transporte individual de passageiros aos agentes particulares/
™›’ŸŠ˜œȱŠ–’—’œ›Š’ŸŠ–Ž—Žȱ‘Š‹’•’Š˜œȱœ˜‹ȱ˜ȱȃ–˜˜ȱŽȱ¤¡’ȄDz
b) A proibição do transporte remunerado de pessoas em veículos parti-
culares cadastrados através de aplicativos para locais preestabelecidos ou ao
apenas permitirem que o uso de tais aplicativos apenas sejam permitidos aos

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 301

agentes particulares/privados administrativamente habilitados sob o “modo


Žȱ¤¡’ȄDz
c) A inibição do acesso a todos (consumidores, “motoristas particulares/
privados”, empresas) aos designados aplicativos e a inerente inibição do
Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽȱ™›ŽœŠ³¨˜ȱŽȱœŽ›Ÿ’³˜œȱ˜ȱȃœ’œŽ–Šȱ‹Ž›Ȅǯ
œŠœȱ›ŽœŽ›ŸŠœȱ˜žȱŽ¡Œ•žœ’ŸŠœǰȱ™›˜’‹’³äŽœȱŽȱ’—’‹’³äŽœȱŽȱ˜›–Šȱ™›’–¤›’ŠȱŽȱ
inovatória, a legislar sobre matéria — diversa matéria — que é da competência
legislativa privativa da União. A inconstitucionalidade orgânica de tais diplo-
mas é, pois, direta e manifesta, por invasão das competências legislativas
constitucionalmente reservadas à intervenção prévia e inovatória da União.
Mais: das diversas leis referidas da União também não se descortina
šžŠ•šžŽ›ȱŠž˜›’£Š³¨˜ȱŽœ™ŽŒÇꌊȱ™Š›Šȱ˜ȱ’œ›’˜ȱŽŽ›Š•ǰȱ˜œȱœŠ˜œȱŽȱ˜œȱ–ž—’Ȭ
cípios legislarem sobre os domínios referidos e muito menos uma autorização
para legislarem da forma primária e inovadora que se constata nas citadas leis
˜ȱ’˜ȱŽȱ Š—Ž’›˜ȱŽȱŽȱ¨˜ȱŠž•˜ǯȱȱœŽȱŽœœŠȱŠž˜›’£Š³¨˜ȱŽ¡’œŽǰȱŽ•Šȱ·ȱ’—Ž›™›ŽŠŠȱ
e utilizada em desconformidade com a Constituição e com as leis federais
Š›¤œȱ’—’Ÿ’žŠ•’£ŠŠœǯȱ1ȱ˜ȱšžŽȱœžŒŽŽǰȱŽ—›Žȱ˜ž›˜œȱŒŠœ˜œǰȱŒ˜–ȱŠȱž’•’£Š³¨˜ȱ
das autorizações constantes das leis sobre transportes. E tanto assim é que
a disciplina constante das leis do Rio de Janeiro e de São Paulo, pelas razões
referidas em a), b) e c), se revelam frontalmente contra o regime das também
citadas leis da União, emitidas ao abrigo da competência legislativa privativa
que lhe confere o artigo 22 da Constituição Federal. O regime de tais leis,
por aqueles motivos, não é apenas organicamente inconstitucional; é também
substancial ou materialmente ilegal por violação do regime das leis da União.

II — Inconstitucionalidade material

E, em todo caso, sempre tais leis seriam materialmente (e manifestamente)


inconstitucionais por violação direta da Constituição Federal, seja, como concluímos
já em outro lugar do texto, por violação isolada de diversos preceitos consti-
tucionais, seja por violação sistematicamente agregada ou conjunta e simul-
tânea desses diversos preceitos da Constituição Federal, que explicitam,
a generalidade deles, as bases estruturais e transversais do Pacto fundante da
República do Brasil e do (seu) Estado de Direito. É manifesta esta inconsti-
tucionalidade por o regime constante daquelas leis desrespeitar os valores sociais
do trabalho e da livre-iniciativa (artigo 1o, IV), o livre exercício de qualquer
›Š‹Š•‘˜ǰȱ˜ÇŒ’˜ȱ˜žȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŠŽ—’ŠœȱŠœȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱšžŽȱŠȱ

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


302 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

lei estabelecer (artigo 5o, XIII), a valorização do trabalho humano e na livre-


iniciativaȱ Ž–ȱ šžŽȱ œŽȱ ž—Šȱ Šȱ ˜›Ž–ȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠȱ ˜ȱ ›Šœ’•ǰȱ Ž—˜ȱ ™˜›ȱ ę–ȱ ŠœœŽž›Š›ȱ
Šȱ ˜˜œȱ Ž¡’œ¹—Œ’Šȱ Œ˜—’—Šǰȱ Œ˜—˜›–Žȱ ˜œȱ ’Š–Žœȱ Šȱ “žœ’³Šȱ œ˜Œ’Š•ȱ ǻŠ›’˜ȱ ŗŝŖǼǰȱ ˜ȱ
primado do trabalho em que se funda a ordem social (artigo 193), o princípio da
livre concorrência (artigo 170, IV), a defesa do consumidor (artigo 170, V)
e a liberdade de acesso e o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos na lei (§ único do artigo 170).

III — Violação das Constituições dos Estados

E todas as conclusões anteriores sairiam seguramente reforçadas se recor-


rêssemos ao apoio das “constituições estaduais”.
Ž’ŸŠ–Ž—Žǰȱ˜–Š—˜ȱŒ˜–˜ȱŽ¡Ž–™•˜ȱŠȱ˜—œ’ž’³¨˜ȱ˜ȱœŠ˜ȱ˜ȱ’˜ȱ
de Janeiro de 1989, pode ler-se, no seu artigo 5o, que “O Estado do Rio de
Janeiro, integrante, com seus Municípios, da República Federativa do Brasil,
™›˜Œ•Š–ŠȱŽȱœŽȱŒ˜–™›˜–ŽŽȱŠȱŠœœŽž›Š›ȱŽ–ȱœŽžȱŽ››’à›’˜ȱ˜œȱŸŠ•˜›ŽœȱšžŽȱž—ŠȬ
–Ž—Š–ȱŠȱŽ¡’œ¹—Œ’ŠȱŽȱŠȱ˜›Š—’£Š³¨˜ȱ˜ȱœŠ˜ȱ›Šœ’•Ž’›˜, quais sejam: além da
soberania da Nação e de seu povo, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais
do trabalho e da livre-iniciativa, o pluralismo político, tudo em prol do regime
democrático, de uma sociedade livre, justa e solidária, isenta do arbítrio e de
preconceitos de qualquer espécie”.
E no artigo 215 adianta que, “Como agentes normativos e reguladores da
Š’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠǰȱ˜ȱœŠ˜ȱŽȱ˜œȱž—’ŒÇ™’˜œȱŽ¡Ž›ŒŽ›¨˜ǰȱ—Šȱ˜›–ŠȱŠȱ•Ž’ǰȱŠœȱ
ž—³äŽœȱ Žȱ ꜌Š•’£Š³¨˜ǰȱ ’—ŒŽ—’Ÿ˜ȱ Žȱ ™•Š—Ž“Š–Ž—˜ǰȱ œŽ—˜ȱ ŽœŽ determinante
para o setor público e ’—’ŒŠ’Ÿ˜ȱ™Š›Šȱ˜ȱœŽ˜›ȱ™›’ŸŠ˜ǰȱŒž“Šȱ’—’Œ’Š’ŸŠȱ·ȱ•’Ÿ›Žǰ
desde que não contrarie o interesse público”. Por sua vez, o artigo 283 reforça
queȱȃȱ˜›Ž–ȱœ˜Œ’Š•ȱŽ–ȱŒ˜–˜ȱ‹ŠœŽȱ˜ȱ™›’–Š˜ȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ǰ e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais”.
De modo semelhante, a Constituição do Estado de São Paulo, de 5 de
Outubro de 1989, no Título dedicado aos “Fundamentos do Estado”, proclama,
no artigo 1o, que ȃȱœŠ˜ȱŽȱ¨˜ȱŠž•˜ǰ integrante da República Federativa
do Brasil,ȱŽ¡Ž›ŒŽȱŠœȱŒ˜–™Ž¹—Œ’ŠœȱšžŽȱ—¨˜ȱ•‘Žȱœ¨˜ȱŸŽŠŠœȱ™Ž•Šȱ˜—œ’ž’³¨˜ȱ
ŽŽ›Š•Ȅǯ
ȱŠȱŽ’ȱ›¦—’ŒŠȱ˜ȱ’œ›’˜ȱŽŽ›Š•ǰȱ—˜ȱœŽžȱŠ›’˜ȱŘo, declara queȱ˜ȱ’œȬ
›’˜ȱŽŽ›Š•ȱŽ–ȱŒ˜–˜ȱŸŠ•˜›Žœȱž—Š–Ž—Š’œȱȃ˜œȱŸŠ•˜›Žœȱœ˜Œ’Š’œȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ȱ
ŽȱŠȱ•’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠȄ (artigo 2o, IV) e que “Aȱ˜›Ž–ȱœ˜Œ’Š•ȱŽ–ȱŒ˜–˜ȱ‹ŠœŽȱ˜ȱ

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 303

™›’–Š˜ȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (artigo


200). Para a prossecução deste desiderato proclama inclusivamente, no arti-
go 172, que “Poderão ser concedidos a empresas situadas no Distrito Federal
incentivos e benefícios, na forma da lei: a) acesso às conquistas da ciência e
ŽŒ—˜•˜’Šȱ™˜›ȱšžŠ—˜œȱŽ¡Ž›³Š–ȱŠ’Ÿ’ŠŽœȱ•’ŠŠœȱ¥ȱ™›˜ž³¨˜ȱŽȱŠ˜ȱŒ˜—œž–˜ȱ
de bens;... c) incentivo a novas empresas que invistam em seu território com
alta tecnologia e alta produtividade”.

IV — Sistemas e subsistemas

Não desejaríamos terminar este trabalho sem uma advertência relati-


vamente aos in (inconstitucionalidade) que acompanham as notas de
desvalores jurídicos, formais, procedimentais e materiais registados ao longo
da discursividade problematizadora desenvolvida nas páginas antecedentes.
Aqui, como noutros países impõe-se uma inteligência adaptativa na articu-
lação de subsistemas de mobilidade urbana. O sistema — mobilidade urbana
— transformou-se e tornou-se mais plural, indo desde os tradicionais serviços
™ø‹•’Œ˜œȱŽœŠŠ’œȱŽȱŽœŠžŠ’œǰȱŠ·ȱŠȱ–˜Š•’ŠŽȱ™ø‹•’ŒŠȱŽȱȃœŽ›Ÿ’³˜ȱŽȱ¤¡’œȄȱŽȱ
a modalidade privada de utilidade pública assente em plataformas eletrônicas
interativas. Também aqui o direito e a política não podem parar o vento com
as mãos. Nada impede, porém, que as diversas entidades competentes —
Federação, Estados, Distritos, Municípios — captem a moderna articularidade
normativa e tecnológica do sistema e subsistemas de modalidade urbana
— de modo a que, quer no plano material quer no plano competencial, a
compatibilização deste sistema e subsistema estejam ao serviço de milhões de
™Žœœ˜Šœȱ’Š›’Š–Ž—ŽȱŸ’—Œž•ŠŠœȱŠ˜ȱŸŠ’ȱŽȱŸŽ–ȱŠœȱœžŠœȱŠ’Ÿ’ŠŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ
e dos seus empregos.

Conclusões gerais

1a A liberdade de iniciativa privada consiste na liberdade de iniciar uma


atividade econômica (direito à empresa, liberdade de criação de empresa) e na
liberdade de gestão e atividade de empresa (liberdade de empresa, liberdade
de empresário). A liberdade de iniciativa privada compreende assim dois
–˜–Ž—˜œDZȱ˜ȱŠŒŽœœ˜ȱŠȱŽŽ›–’—ŠŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱŽȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽœœŠȱ
mesma atividade.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


304 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

2a A Constituição da República Federativa do Brasil funda-se nos


ŸŠ•˜›Žœȱœ˜Œ’Š’œȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ȱŽȱŠȱ•’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠǰȱ—˜ȱ•’Ÿ›ŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱšžŠ•šžŽ›ȱ
›Š‹Š•‘˜ǰȱ˜ÇŒ’˜ȱ˜žȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŠŽ—’ŠœȱŠœȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱšžŽȱŠȱ•Ž’ȱ
estabelecer.
3a E a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e
—Šȱ•’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠǰȱŽ—˜ȱ™˜›ȱę–ȱŠœœŽž›Š›ȱŠȱ˜˜œȱŽ¡’œ¹—Œ’ŠȱŒ˜—’—ŠǰȱŒ˜—Ȭ
forme os ditames da justiça social, segundo, entre outros, o princípio da livre
concorrência e a defesa do consumidor.
4a Por sua vez, a ordem social tem como base o primado do trabalho.
5a Numa síntese sistematicamente agregadora dos princípios anteriores,
determina o parágrafo único do artigo 170 da Constituição do Brasil que
·ȱ ŠœœŽž›Š˜ȱ Šȱ ˜˜œȱ ˜ȱ •’Ÿ›Žȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ šžŠ•šžŽ›ȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠǰȱ
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos na lei.
6a Um sistema econômico e social assim fundado e estruturado tem
como corolário lógico um outro princípio-regra, que emerge como condição
˜‹“Ž’ŸŠȱ—ŽŒŽœœ¤›’ŠȱŽȱ’—’œ™Ž—œ¤ŸŽ•ȱŠ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠšžŽ•Šœȱ•’‹Ž›ŠŽœDZȱŠœȱŠ’Ÿ’Ȭ
ŠŽœȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠœȱ ŽŸŽ–ǰȱ ™˜›ȱ Žę—’³¨˜ǰȱ Šœœž–’›ȱ Šȱ —Šž›Ž£Šȱ Žȱ Š’Ÿ’ȱŠŽœȱ
econômicas privadas; atividades de mercado e, como tais, abertas à concor-
rência dos diferentes operadores e agentes privados.
7a Pelo que os desvios que o legislador ordinário venha a introduzir a
ŽœŽȱ™›’—ŒÇ™’˜ȱ¹–ȱŽȱŒ˜—ꐞ›Š›ȬœŽȱŒ˜–˜ȱŽ¡ŒŽ™Œ’˜—Š’œȱŽȱ‹ŠœŽŠ›ȬœŽȱŽ–ȱ›Š£äŽœȱ
“ž›Ç’Œ˜ȬŒ˜—œ’žŒ’˜—Š’œȱ •ŽÇ’–Šœȱ Žȱ “žœ’ęŒŠŠœȱ œŽž—˜ȱ ˜ȱ ŽœŽȱ Šȱ ™›˜™˜›Ȭ
cionalidade, sendo este avaliado em função dos concretos interesses públicos
prosseguidos em cada momento histórico.
8aȱšžŽ•ŠȱŽ¡’¹—Œ’ŠȱŽȱ“žœ’ęŒŠ’ŸŠȱ’–™äŽȬœŽȱ™Š›ŠȱŠȱ’—œ’žŒ’˜—Š•’£Š³¨˜ȱŽȱ
›ŽœŽ›ŸŠœȱ˜žȱ–˜—˜™à•’˜œȱ™ø‹•’Œ˜œȱŽȱ’—Ž›ŸŽ—³¨˜ȱǻŠȱšžŠ•’ęŒŠ³¨˜ȱŽȱŠ’Ÿ’ŠŽœȱ
ŽŒ˜—â–’ŒŠœȱ Œ˜–˜ȱ ™ø‹•’ŒŠœȱ Žȱ œ˜‹ȱ ›ŽœŽ›ŸŠȱ Žȱ ’—Ž›ŸŽ—³¨˜ȦŽ¡ŽŒž³¨˜ȱ ™ø‹•’ŒŠǼȱ
Žǰȱ™˜›ȱ–Š’˜›’ŠȱŽȱ›Š£¨˜ǰȱ—Šȱ™Ž›œ™ŽŒ’ŸŠȱ“ž›Ç’Œ˜ȬŒ˜—œ’žŒ’˜—Š•ǰȱŠȱ“žœ’ęȱŒŠ³¨˜ȱ
Šȱ Ž¡ŒŽ™Œ’˜—Š•’ŠŽȱ Žȱ ž–Šȱ ›ŽœŽ›ŸŠȱ ˜žȱ Žȱ ž–ȱ –˜—˜™à•’˜ȱ —˜ȱ ¦–‹’˜ȱ Žȱ
atividades econômicas privadas tem de ser portadora de um acrescido grau
ŽȱŽ¡’¹—Œ’Šǰȱ™˜’œǰȱ™Š›ŠȱŠȱ˜—œ’ž’³¨˜ȱŽŽ›Š•ǰȱ˜ȱ™›’—ŒÇ™’˜ȱ·ȱ˜ȱŠȱ•’‹Ž›ŠŽȱŽȱ
ŽœŒ˜•‘ŠȱŽȱŽȱŠŒŽœœ˜ȱŠȱȃšžŠ•šžŽ›ȱ›Š‹Š•‘˜ǰȱ˜ÇŒ’˜ȱ˜žȱ™›˜ęœœ¨˜ȄDzȱŠȱŽ¡ŒŽ³¨˜ȱ·ȱŠȱ
intervenção limitadora, restritiva ou condicionadora do legislador ordinário.
9aȱ˜ȱ›Ž’–ŽȱŠȱŽ’ȱ—oȱŗŘǯŚŜŞǰȱŽȱŘŜȱŽȱ˜œ˜ȱŽȱŘŖŗŗȱŽȱŠȱŽ’ȱ—o 12.857,
de 3 de Janeiro de 2012, resulta inequívoca a natureza privada da atividade
econômica de transporte individual de passageiros, mesmo que esta ativi-
ŠŽȱ œŽ“Šȱ •ŽŠ•–Ž—Žȱ šžŠ•’ęŒŠŠȱ Œ˜–˜ȱ Žȱ ȃž’•’ŠŽȱ ™ø‹•’ŒŠȄȱ ˜žȱ ˜ȱ œŽ›Ÿ’³˜ȱ

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 305

de transporte comporte modalidade de “transporte público individual de


passageiros”.
10aȱȱŽ’ȱ—o 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime
de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo
ŗŝśȱŠȱ˜—œ’ž’³¨˜ȱŽŽ›Š•ǰȱŒ˜—ę›–ŠȱŠȱŒ˜—Œ•žœ¨˜ȱŠ—Ž›’˜›ǯ
11aȱǰȱšžŠ—˜ȱŠ˜œȱ–˜˜œȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ™›’ŸŠ˜œǰȱŠȱ™›à™›’ŠȱŽ’ȱ—o 12.587,
de 3 de Janeiro de 2012, que Institui as diretrizes da Política Nacional de
˜‹’•’ŠŽȱ ›‹Š—Šǰȱ ›Žœž•Šȱ šžŽȱ ‘¤ȱ Šȱ Œ˜Ž¡’œ¹—Œ’Šȱ Žȱ ȃ–˜˜œȱ Žȱ ›Š—œ™˜›Žȱ
público” (transporte de titularidade pública e transportes de utilidade pública
nas modalidades públicas) com “modos de transporte... privados”.
12aȱ ȱ ™›à™›’Šȱ ›ŽŠ³¨˜ȱ Šȱ Ž’ǰȱ Š˜ȱ ›ŽŽ›’›ȬœŽȱ Šȱ ȃ–˜˜œȱ Žȱ ›Š—œ™˜›Žǯǯǯȱ
™›’ŸŠ˜œȄȱ·ȱœžęŒ’Ž—Ž–Ž—ŽȱŠ‹Ž›Šȱ™Š›Šǰȱ—˜ȱœŽžȱ¦–‹’˜ȱ’—Ž—œ’Ÿ˜ȱŽȱŽ¡Ž—œ’Ÿ˜ǰȱ
abranger qualquer modo de transporte privado, não habilitando o intérprete
Šȱž–Šȱ•Ž’ž›Šȱ›Žœ›’’ŸŠǰȱ—˜ȱœŽ—’˜ȱŽȱŽ¡Œ•ž’›ǰ in limine, a atividade econômica
privada de transporte individual de passageiros, na sua modalidade privada,
assim designada por contraposição à modalidade pública.
13aȱšžŽ•ŠȱŽ’ȱȯȱŽ’ȱŽŽ›Š•ȱŗŘǯśŞŝȦŘŖŗŘȱȯǰȱŽ–ȱœŽžȱŠ›’˜ȱŗŘǰȱŠ›’‹ž’žȱŠ˜œȱ
–ž—’ŒÇ™’˜œȱŠȱŒ˜–™Ž¹—Œ’Šȱ™Š›Šȱ˜›Š—’£Š›ǰȱ’œŒ’™•’—Š›ȱŽȱ꜌Š•’£Š›ȱ˜ȱ›Š—œ™˜›Žȱ
individual de passageiros, mas não pode o poder legislativo municipal proibir
ŽœŠȱŠ’Ÿ’ŠŽǰȱŽ¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ™›ŽŸ’œŠȱŽ–ȱŽ’ȱŽŽ›Š•ǯ
14a Consequentemente, ao interpretar-se o regime legal referido nas
conclusões anteriores, no sentido de que ele incorpora uma reserva monopo-
•Çœ’ŒŠȱŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱ™›’ŸŠŠȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱ
Žȱ™ŠœœŠŽ’›˜œȱŠ˜œȱ•ŽŠ•–Ž—ŽȱŽœ’—Š˜œȱ™˜›ȱȃ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱŠ¡’œŠœȄȱŽœ¤ȱ—¨˜ȱ
apenas a fazer uma interpretação contra legem, por imputar à lei um sentido que
nem o seu espírito, nem a sua dimensão gramatical comportam, mas sobretudo
a “converter” esse regime legal num regime manifestamente inconstitucional,
seja por violação isolada de diversos preceitos constitucionais, seja por vio-
lação sistematicamente agregada ou conjunta e simultânea desses diversos
preceitos, que constituem as bases estruturais e transversais da Constituição
˜ȱ›Šœ’•DZȱ˜œȱŸŠ•˜›Žœȱœ˜Œ’Š’œȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ȱŽȱŠȱ•’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠDzȱ˜ȱ•’Ÿ›ŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ
ŽȱšžŠ•šžŽ›ȱ›Š‹Š•‘˜ǰȱ˜ÇŒ’˜ȱ˜žȱ™›˜ęœœ¨˜DzȱŠȱŸŠ•˜›’£Š³¨˜ȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ȱ‘ž–Š—˜ȱ
e na livre-iniciativa em que se funda a ordem econômica do Brasil, tendo por
ę–ȱ ŠœœŽž›Š›ȱ Šȱ ˜˜œȱ Ž¡’œ¹—Œ’Šȱ Œ˜—’—Šǰȱ Œ˜—˜›–Žȱ ˜œȱ ’Š–Žœȱ Šȱ “žœ’³Šȱ
social; o primado do trabalho em que se funda a ordem social; o princípio
da livre concorrência; a defesa do consumidor e a liberdade de acesso e o
•’Ÿ›Žȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Žȱ šžŠ•šžŽ›ȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ ŽŒ˜—â–’ŒŠǰȱ ’—Ž™Ž—Ž—Ž–Ž—Žȱ Žȱ
autorização de órgãos públicos.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


306 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

15a Ao que acresce o fato da atividade concretamente em causa — o


Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱ™›’ŸŠŠȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’žŠ•ȱŽȱ™ŠœœŠȬ
geiros, na sua modalidade privada — não suscitar, à luz do princípio da
proporcionalidade, especiais particularidades de ordem pública que habi-
litem o legislador ordinário a introduzir cláusulas restritivas à liberdade de
ŠŒŽœœ˜ȱŽȱŠ˜ȱ•’Ÿ›ŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽœŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠǰȱ’—Œ•ž’—˜ȱŠȱœžŠȱœž“Ž’³¨˜ȱ
a autorização de órgãos públicos, bem como não suscita especiais parti-
Œž•Š›’ŠŽœȱ™Š›ŠȱšžŽȱœŽ“Š–ȱŒ˜—œ’Ž›ŠŠœȱ˜žȱŠŽ—’ŠœȱŽ¡’¹—Œ’ŠœȱŠŒ›ŽœŒ’Šœȱ
ŽȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œǯ
16a Mesmo do ponto de vista da disciplina legal da ordem econômica,
šžŽȱ Œ˜—œŠȱ Šȱ Ž’ȱ —o 12.529, de 30 de Novembro de 2011, que estrutura o
’œŽ–Šȱ›Šœ’•Ž’›˜ȱŽȱŽŽœŠȱŠȱ˜—Œ˜››¹—Œ’ŠǰȱŠęž›ŠȬœŽȱ’—Ÿ’¤ŸŽ•ȱž–ŠȱšžŠ•Ȭ
šžŽ›ȱ Š›ž–Ž—Š³¨˜ȱ šžŽȱ Žę›Šȱ ˜ȱ Ž¡Œ•žœ’Ÿ˜ȱ ˜žȱ ˜ȱ –˜—˜™à•’˜ȱ ˜ȱ Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ Šȱ
atividade econômica privada de transporte individual de passageiros aos
titulares de uma habilitação de transporte público individual.
17aȱȱŽ¡’œ¹—Œ’ŠȱŽȱž–ȱȃœŽ›Ÿ’³˜ȱ‹Ž›Ȅȱ—˜ȱ–Ž›ŒŠ˜ȱ—¨˜ȱ™˜ŽȱŽ›ȱ˜ȱŽŽ’˜ȱ
›’Œ˜Œ‘ŽŽȱ ǻ˜žȱ Š·ȱ –Žœ–˜ȱ œŠ—Œ’˜—Šà›’˜Ǽȱ Žǰȱ Šȱ œŽžȱ ™›ŽŽ¡˜ǰȱ ˜ȱ ™˜Ž›ȱ ™ø‹•’Œ˜ȱ
™›ŽŽ—Ž›ȱ •Ž’’–Š›ȱ Žȱ “žœ’ęŒŠ›ȱ ž–Šȱ šžŠ•šžŽ›ȱ ›Žœ›’³¨˜ȱ ȯȱ Žȱ –ž’˜ȱ –Ž—˜œȱ
šžŠ•šžŽ›ȱ’—’‹’³¨˜ȱȯȱŠ˜ȱŠŒŽœœ˜ȱŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱ™›’ŸŠŠȱŽȱ
transporte individual de passageiros, na sua modalidade privada.
18a O “serviço Uber” é — apenas — um serviço de base tecnológica e
interativo disponível no mercado que, tal como qualquer utilizador comum,
™˜Žȱ’žŠ•–Ž—ŽȱœŽ›ȱžœŠ˜ȱ™˜›ȱšžŽ–ȱŽ¡Ž›³ŠȱŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ȭ
vidual de passageiros; trata-se apenas de um plusȱŽȱ–Ž•‘˜›’Šȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱ
atividade.
19aȱŠ›Šȱ˜ȱ›Š—œ™˜›Š˜›ǰȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŠȱœžŠȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠȱ™›’ŸŠŠȱ
com a intervenção mediadora de uma plataforma eletrônica entre quem
presta um serviço e o consumidor desse serviço constitui uma projeção da
ǻœžŠǼȱ•’‹Ž›ŠŽȱŽȱŠž˜Ȭ˜›Š—’£Š³¨˜ȱŽȱŠž˜››Žž•Š³¨˜ȱ™›˜ęœœ’˜—Š•ȱ’—Ž›Ž—Žœȱ¥ȱ
liberdade de iniciativa econômica.
20a Pelo que, também neste âmbito, devem vigorar, por princípio, todos
os preceitos constitucionais relativos aos valores sociais do trabalho e da
•’Ÿ›ŽȬ’—’Œ’Š’ŸŠǰȱŠ˜ȱ•’Ÿ›ŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱšžŠ•šžŽ›ȱ›Š‹Š•‘˜ǰȱ˜ÇŒ’˜ȱ˜žȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŠȱ
valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa em que se funda a ordem
econômica do Brasil, o primado do trabalho em que se funda a ordem social, o
princípio da livre concorrência, a defesa do consumidor e a liberdade de acesso
Žȱ˜ȱ•’Ÿ›ŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱšžŠ•šžŽ›ȱŠ’Ÿ’ŠŽȱŽŒ˜—â–’ŒŠǰȱ’—Ž™Ž—Ž—Ž–Ž—ŽȱŽȱ
autorização de órgãos públicos.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 307

21aȱ ȱ Ž’ȱ —o 12.965, de 23 de abril de 2014, que estabelece princípios,


garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e determina
as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
ž—’ŒÇ™’˜œȱŒ˜—ę›–ŠȱŽȱ›ŽŠę›–ŠȱŠȱŒ˜—Œ•žœ¨˜ȱŠ—Ž›’˜›ǯ
22a Em face de todas as conclusões anteriores resulta a necessária ile-
galidade e a inconstitucionalidade de diplomas municipais, estaduais ou
distritais que as contradigam, desde logo, por:

A) Inconstitucionalidade por violação das normas de competência da


Constituição Federal, designadamente, o art. 22.
B) Inconstitucionalidade material, pois tais leis seriam — e são
ǻŸŽ“ŠȬœŽȱ Šȱ Š—¤•’œŽȱ ˜ȱ Ž¡˜ȱ œ˜‹›Žȱ Šœȱ •Ž’œȱ ˜ȱ ’˜ȱ Žȱ Š—Ž’›˜ȱ Žȱ Žȱ ¨˜ȱ
Paulo) — materialmente inconstitucionais por violação direta da
Constituição Federal, seja por violação isolada de diversos preceitos
constitucionais, seja por violação sistematicamente agregada ou
conjunta e simultânea desses diversos preceitos da Constituição
ŽŽ›Š•ǰȱ šžŽȱ Ž¡™•’Œ’Š–ȱ Šœȱ ‹ŠœŽœȱ ž—Š—Žœȱ Žȱ Žœ›žž›Š’œȱ ˜ȱ ŠŒ˜ȱ
fundante da República do Brasil e do (seu) Estado de Direito.

Este é, salvo melhor opinião, o nosso parecer

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 26 de Outubro de


2015

Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho

Reconheço a assinatura de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, em


˜•‘Šȱ Š—Ž¡Šǰȱ Ž’Šȱ ™Ž•˜ȱ ™›à™›’˜ȱ —Šȱ –’—‘Šȱ ™›ŽœŽ—³Šǰȱ ™Žœœ˜Šȱ Œž“Šȱ ’Ž—’ŠŽȱ
ŸŽ›’ęšžŽ’ȱ ™Ž•Šȱ Ž¡’‹’³¨˜ȱ ˜ȱ ŒŠ›¨˜ȱ Žȱ Œ’Š¨˜ȱ —ø–Ž›˜ȱ ŖŜŖŘŞŘŖŗǰȱ Ÿ¤•’˜ȱ Š·ȱ
ŗśȦŖŜȦŘŖŘŖǰȱŽ–’’˜ȱ™Ž•ŠȱŽ™ø‹•’ŒŠȱ˜›žžŽœŠǯȱ’œ‹˜ŠǰȱŖŚȱŽȱ˜ŸŽ–‹›˜ȱŽȱ
2015.
Cartório Notarial de Ana Rita Ribeiro da Costa Pinto Caliço.
Conta registada sob o no 6

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


308 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

A Adjunta,

_______________________________
Š›Šȱ˜ęŠȱ˜œȱŠ—˜œȱ˜™Žœ

(colaborador devidamente autorizado pela prática deste ato


pela Notária Ana Rita Ribeiro da Costa Pinto Caliço, conforme
registo e autorização número 256/4 publicada no site da Ordem
dos Notários em 09 de Fevereiro de 2015, nos termos do artigo
8o do Decreto-lei 26/2004 de 04 de Fevereiro, conjugado com o
disposto na Portaria 55/2011 de 28 de Janeiro)

ȱ™›ŽœŽ—Žȱ›ŽŒ˜—‘ŽŒ’–Ž—˜ȱŽȱŠœœ’—Šž›Šœȱ—¨˜ȱ›ŽœœŠ•ŸŠȱšžŠ•šžŽ›ȱ’—Ž¡Š’¨˜ȱ
˜žȱŽęŒ’¹—Œ’Šȱ˜ȱŒ˜—Žø˜ȱ˜ȱ˜Œž–Ž—˜ȱŠ™›ŽœŽ—Š˜ǯ

Anexo com sumário executivo

1.ȱ ȱ ŽœŒ›’à›’˜ȱ Žȱ ŠŸ˜Š˜œȱ ’Œ”œȱ Ÿ˜Š˜œȱ ’›’’žȬ—˜œȱ ž–Šȱ Œ˜—œž•Šȱ


acerca de leis e iniciativas legislativas municipais no Brasil — em especial a
Ž’ȱž—’Œ’™Š•ȱŽȱ¨˜ȱŠž•˜ȱŗŜǯŘŝşȦŘŖŗśǰȱŠȱŽ’ȱ˜–™•Ž–Ž—Š›ȱž—’Œ’™Š•ȱ˜ȱ
’˜ȱ Žȱ Š—Ž’›˜ȱ ŗśşȦŘŖŗśȱ Žȱ ˜ȱ ›˜“Ž˜ȱ Žȱ Ž’ȱ ŘŞŘȦŘŖŗśȬȱ Ž•Š‹˜›Š—˜ȱ ™Š›Šȱ ˜ȱ
efeito o seguinte roteiro:

ŗǼȱž–¤›’˜ȱ¡ŽŒž’Ÿ˜

Trata-se de consulta acerca da constitucionalidade de leis e projetos de lei


‹›Šœ’•Ž’›˜œȱ Œ˜–˜ȱ Šȱ Ž’ȱ ŗŜǯŘŝşȦŘŖŗśǰȱ œŠ—Œ’˜—ŠŠȱ ™Ž•˜ȱ ›ŽŽ’˜ȱ Žȱ ¨˜ȱ Šž•˜ȱ
Ž›—Š—˜ȱ
ŠŠȱŽ–ȱŖŞȦŗŖȦŘŖŗśȱǽȃȄǾDzȱŠȱŽ’ȱ˜–™•Ž–Ž—Š›ȱž—’Œ’™Š•ȱ
159/2015, sancionada pelo Prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes em
řŖȦŖşȦŘŖŗśȱǽȃ ȄǾDzȱŽȱ˜ȱ›˜“Ž˜ȱŽȱŽ’ȱŘŞŘȦŘŖŗśǰȱŸŽŠ˜ȱ™Ž•˜ȱ ˜ŸŽ›—Š˜›ȱ
do Distrito Federal Rodrigo Rollemberg em 06/08/2015.
O objetivo comum de tais leis e projetos de lei é proibir a atividade empresarial
Šȱ —˜œœŠȱ Œ•’Ž—Žȱ ȱ ȱ  ȱ  ȱ ǯǰȱ šžŽȱ Œ˜—œ’œŽȱ
em conectar por meio de um aplicativo para telefones móveis motoristas
™›˜ęœœ’˜—Š’œȱŽȱ™Žœœ˜Šœȱ’—Ž›ŽœœŠŠœȱŽ–ȱŒ˜—›Š¤Ȭ•˜œǯ

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 309

Entendemos que os atos mencionados são ilegais e inconstitucionais. Assim,


poderiam ser atacados por meio de Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF), intentada diretamente no STF e/ou por meio de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs), perante os tribunais locais.
ŽžŽȱ Š‹Š’¡˜ȱ ž–ȱ ‹›ŽŸŽȱ ›Žœž–˜ȱ sobre as razões de inconstitucionalidade/
ilegalidade das referidas leis e projetos de lei, para apreciação.

2) Principais argumentos jurídicos

2.1. Inconstitucionalidade em vista do princípio da liberdade de iniciativa


O princípio da liberdade de iniciativa é previsto no artigo 1o, inciso IV,9 e no
artigo 17010ȱ Šȱ ˜—œ’ž’³¨˜ȱ Šȱ Ž™ø‹•’ŒŠȱ ŽŽ›Š’ŸŠȱ ˜ȱ ›Šœ’•ȱ ǽȃȄǾȱ Žȱ
garante que todos têm o direito de lançarem-se ao mercado e ali se manterem
™˜›ȱ œžŠȱ Œ˜—Šȱ Žȱ ›’œŒ˜ǯȱ˜œȱ Œ˜–˜ȱ Šȱ ȱ Žȱ Šȱ  ȱ ™›˜Ç‹Ž–ȱ ˜ȱ ›Š—œ™˜›Žȱ
remunerado de pessoas em veículos particulares cadastrados através de
aplicativos para locais preestabelecidos. Nesse sentido, atentam contra a
•’‹Ž›ŠŽȱŽȱ’—’Œ’Š’ŸŠȱ˜œȱ–˜˜›’œŠœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱšžŽȱŠžŠ–ȱ—˜ȱ›Š—œ™˜›Žȱ
remunerado de pessoas, bem como das sociedades empresárias operadoras
dos aplicativos que objetivam conectar tais motoristas a possíveis passageiros.
Assim, tais leis mostram-se inconstitucionais por violarem os referidos artigos
1o, inciso IV, e 170 da CRFB.

2.2. Inconstitucionalidade em vista do princípio da liberdade de trabalho


ȱ•’Ÿ›ŽȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ȱ·ȱ’›Ž’˜ȱž—Š–Ž—Š•ȱ˜œȱŒ’Š¨˜œȱ‹›Šœ’•Ž’›˜œǰȱ
conforme previsto nos artigos Io, IV, e 5oǰȱ ǰȱŠȱǯ11
œȱ›ŽŽ›’Šœȱ•Ž’œȱ›Žœ›’—Ž–ȱ˜ȱŽ¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ˜ȱ›Š‹Š•‘˜ȱŠ˜ȱ™›˜’‹’›ȱšžŽȱ–˜˜›’œȬ
Šœȱ ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ Ž¡Ž›³Š–ȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ Žȱ ›Š—œ™˜›Žȱ ›Ž–ž—Ž›Š˜ȱ Žȱ ™Žœœ˜Šœȱ

9
“Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: (...) IV — os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa.”
10
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-ini-
ciativa,ȱŽ–ȱ™˜›ȱę–ȱŠœœŽž›Š›ȱŠȱ˜˜œǰȱŽ¡’œ¹—Œ’Šȱ’—ŠǰȱŒ˜—˜›–Žȱ˜œȱ’Š–ŽœȱŠȱ“žœ’³Šȱœ˜Œ’Š•ǰȱ
observados os seguintes princípios (...).”
11
“Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: (...) IV — os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa.” (...) “Art. 5o Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XIII — é livre o exercício de qualquer
›Š‹Š•‘˜ǰȱ˜ÇŒ’˜ȱ˜žȱ™›˜ęœœ¨˜ǰȱŠŽ—’ŠœȱŠœȱšžŠ•’ęŒŠ³äŽœȱ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱšžŽȱŠȱ•Ž’ȱŽœŠ‹Ž•ŽŒŽ›.”

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


310 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

em veículos particulares cadastrados através de aplicativos para locais


preestabelecidos. Nesse sentido, afrontam a ordem constitucional.
Note-se, igualmente, que o transporte privado individual de passageiros é
Š’Ÿ’ŠŽȱ ™›ŽŸ’œŠȱ Ž¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ —Šȱ Ž’ȱ ŽŽ›Š•ȱ ŗŘǯśŞŝȦŘŖŗŘǰȱ œŽ—˜ȱ œŽžȱ
Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱ›Žœ›’˜ȱ’—ŽŸ’Š–Ž—Žǯ

2.3. Inconstitucionalidade em vista do princípio da liberdade de con-


corrência
A livre concorrência é garantida pelo artigo 170, IV, da Constituição Federal.12
Tal princípio garante que indivíduos e sociedades empresárias são livres para
buscar clientes no mercado, e, assim, prosperar, sem que o estado privilegie
˜žȱŽœŠŸ˜›Ž³Šȱ—Ž—‘ž–Šȱ™Š›Žȱ’—“žœ’ęŒŠŠ–Ž—Žǯ
œȱ –Ž—Œ’˜—ŠŠœȱ •Ž’œȱ Žȱ ™›˜“Ž˜œȱ Žȱ •Ž’ȱ ™›Ž“ž’ŒŠ–ȱ –˜˜›’œŠœȱ ™›˜ęœœ’˜—Š’œȱ
šžŽȱ Ž¡™•˜›Š–ȱ Šȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ Žȱ ›Š—œ™˜›Žȱ ™›’ŸŠ˜ȱ ’—’Ÿ’žŠ•ȱ Žȱ ™ŠœœŠŽ’›˜œȱ
em benefício daqueles que atuam no transporte público individual, apesar de
Š–‹ŠœȱŠœȱ–˜Š•’ŠŽœȱŽȱ›Š—œ™˜›ŽȱœŽ›Ž–ȱ’žŠ•–Ž—Žȱ•ŽŠ’œȱŽȱŽ¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ
™›ŽŸ’œŠœȱ—ŠȱŽ’ȱŗŘǯśŞŝȦŘŖŗŘǯ13
Por essa razão, as referidas leis e projetos de lei, por violarem a liberdade de
concorrência, vão de encontro ao art. 170, IV, da CRFB.

2.4. Inconstitucionalidade em face do artigo 30, II, da constituição federal


A CRFB prevê em seu artigo 30, II, que compete aos municípios “suplementar
a legislação federal e estadual no que couber”. O Código de Trânsito Brasileiro,
šžŽȱ·ȱŽ’ȱŽŽ›Š•ǰȱ™˜›ȱœžŠȱŸŽ£ǰȱŽœŠ‹Ž•ŽŒŽȱŽ–ȱœŽžȱŠ›’˜ȱŘřŗǰȱ ǰȱŠȱ™Ž—ŠȱŽȱ
retenção do veículo em caso de transporte remunerado de pessoas ou sem
•’ŒŽ—³Šȱ™Š›ŠȱŽœœŽȱę–ǯȱ ¤ȱŠ•ž–ŠœȱŠœȱ•Ž’œȱ–Ž—Œ’˜—ŠŠœȱŽœŠ‹Ž•ŽŒŽ–ȱ™Š›Šȱ˜œȱ
casos de transporte remunerado privado de pessoas a pena de apreensão do
ŸŽÇŒž•˜ǰȱšžŽȱ·ȱ–Š’œȱ›ŠŸŽȱ˜ȱšžŽȱŠšžŽ•Šȱ™›ŽŸ’œŠȱŽ–ȱŽ’ȱŽŽ›Š•ǯ
Desse modo, há inconstitucionalidade por força do artigo 30, II, da Constituição
Federal.

12
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-
’—’Œ’Š’ŸŠǰȱ Ž–ȱ ™˜›ȱ ę–ȱ ŠœœŽž›Š›ȱ Šȱ ˜˜œǰȱ Ž¡’œ¹—Œ’Šȱ ’—Šǰȱ Œ˜—˜›–Žȱ ˜œȱ ’Š–Žœȱ Šȱ “žœ’³Šȱ
social, observados os seguintes princípios: (...) IV — livre concorrência.
13
ȱ ȱ ›Š—œ™˜›Žȱ –˜˜›’£Š˜ȱ ’—’Ÿ’žŠ•ȱ ™›’ŸŠ˜ȱ Žȱ ™ŠœœŠŽ’›˜œȱ ·ȱ Š’Ÿ’ŠŽȱ Ž¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ
™›ŽŸ’œŠȱ —Šȱ Ž’ȱ ŗŘǯśŞŝȦŘŖŗŘǰȱ šžŽȱ ’—œ’ž’žȱ Šœȱ ’›Ž›’£Žœȱ Šȱ ˜•Ç’ŒŠȱ ŠŒ’˜—Š•ȱ Žȱ ˜‹’•’ŠŽȱ
Urbana, nos parágrafos Io, I e 2o, incisos I, “a”, II, “b” e III “b” do artigo 3o c/c art. 4oǰȱ’—Œ’œ˜ȱǯ

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 311

2.5. Inconstitucionalidade por invasão de competência da União


ȱ ȱ ŽœŠ‹Ž•ŽŒŽǰȱ Ž–ȱ œŽžȱ Š›ǯȱ ŘŘǰȱ ’—Œ’œ˜œȱ ǰȱ ǰȱ ǰȱ  ȱ Žȱ  ǰȱ šžŽȱ Œ˜–™ŽŽȱ
privativamente à União legislar sobre direito civil, informática, diretrizes
da política nacional de transportes, trânsito e transporte e condições para o
Ž¡Ž›ŒÇŒ’˜ȱŽȱ™›˜ęœœäŽœǯȱŽ—˜ȱŠœȱ–Ž—Œ’˜—ŠŠœȱ•Ž’œȱŽȱ™›˜“Ž˜œȱŽȱ•Ž’ȱ˜›’ž—˜œȱ
dos legislativos municipais, e tratando da vedação do transporte individual
™›’ŸŠ˜ȱ–Ž’Š—Žȱ˜ȱžœ˜ȱŽȱŠ™•’ŒŠ³äŽœȱŽȱ’—Ž›—ŽǰȱŠŸŠ—³Š–ȱ’—“žœ’ęŒŠŠ–Ž—Žȱ
sobre competência privativa da União, sendo inconstitucionais.

ŚǼȱ›’—Œ’™Š’œȱŠ›ž–Ž—˜œȱ“ž›Ç’Œ˜œȱ™Ž•Šȱ’•ŽŠ•’ŠŽȱŠȱŽ’ȱŗŜǯŘŝşȦŘŖŗś

4.1. Ilegalidade por violação ao marco civil da internet


ȱŽ’ȱŽŽ›Š•ȱŗŘǯşŜśȦŘŖŗŚǰȱŠ–‹·–ȱŒ‘Š–ŠŠȱŽȱȃŠ›Œ˜ȱ’Ÿ’•ȱŠȱ —Ž›—ŽȄǰȱ
elenca em seu artigo 3o os princípios da disciplina do uso da Internet no
Brasil, estando previsto no inciso VIII a liberdade dos modelos de negócios
promovidos na Internet.14
Os mencionados projetos de lei e leis visam a proibir uma atividade eco-
nômica desenvolvida por meio de aplicativos, discriminando-a justamente
por ser um novo modelo de negócios.
Desse modo, atentam contra o Marco Civil da Internet no Brasil, sendo
ilegais.

4.2. Ilegalidade por violação à lei 12.587/2012


A atividade econômica consistente no transporte individual privado
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instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, nos pará-
grafos I o , I e 2o, incisos I, “a”, II, “b” e III “b” do artigo 3o c/c art. 4oǰȱ’—Œ’œ˜ȱǯ
ȱ Ž’ȱ ŽŽ›Š•ȱ ŗŘǯśŞŝȦŘŖŗŘǰȱ Ž–ȱ œŽžȱ Š›’˜ȱ ŗŘǰȱ Š›’‹ž’žȱ Š˜œȱ –ž—’ŒÇ™’˜œȱ Šȱ
Œ˜–™Ž¹—Œ’Šȱ ™Š›Šȱ ˜›Š—’£Š›ǰȱ ’œŒ’™•’—Š›ȱ Žȱ ꜌Š•’£Š›ȱ ˜ȱ ›Š—œ™˜›Žȱ ’—’Ÿ’žŠ•ȱ
de passageiros, mas não pode o poder legislativo municipal proibir esta ativi-
ŠŽǰȱŽ¡™›ŽœœŠ–Ž—Žȱ™›ŽŸ’œŠȱŽ–ȱŽ’ȱŽŽ›Š•ǯ
As mencionadas leis e projetos de lei têm por objeto não a organização,
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proibição da atividade de transporte individual privado em benefício do trans-
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14
“Art. 3o. A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: (...) VIII - liber-
ŠŽȱ ˜œȱ –˜Ž•˜œȱ Žȱ —ŽàŒ’˜œȱ ™›˜–˜Ÿ’˜œȱ —Šȱ ’—Ž›—Žǰȱ ŽœŽȱ šžŽȱ —¨˜ȱ Œ˜—Ě’Ž–ȱ Œ˜–ȱ ˜œȱ
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Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


312 REV IS T A DE DI REIT O A DM INIS TR AT IV O

2. Outros elementos de trabalho

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seguintes peças legislativas e forenses:
a) Processos electrônicos
Trata-se de Mandados de Segurança preventivos imputados pela Uber
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de Justiça do Rio de Janeiro e o Tribunal de Justiça de São Paulo e Repre-
œŽ—Š³äŽœȱ Žȱ —ȱŒ˜—œȱ’žŒ’˜—Š•’ŠŽȱ Œ˜—›Šȱ Šœȱ Ž’œȱ ž—’Œ’™Š’œȱ ŗśşȦŘŖŗśȱ
(RJ) e 16.279/2015 (SP).
b) Decisões judiciais acerca da legalidade das atividades da Uber no Brasil
Trata-se de decisões da 9a Vara de Fazenda Pública de São Paulo, Ia Vara
de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, 15a Vara de Fazenda Pública do Rio
de Janeiro, 17a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e
4a Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
ŒǼȱ›˜“Ž˜ȱŽȱŽ’ȱŖŗȬŖŖřŚşȦŘŖŗŚ
Este projeto “dispõe no âmbito do município de São Paulo sobre a proi-
bição do uso de carros particulares cadastrados em aplicativos para o
transporte remunerado individual de pessoas”.
ǼȱŽ’ȱŗŜǯŘŝşȦŘŖŗś
œŠȱŽ’ȱ·ȱ˜›’ž—Šȱ˜ȱȱřŚşȦŘŖŗŚȱŽȱȃ’œ™äŽȱœ˜‹›ŽȱŠȱ™›˜’‹’³¨˜ȱ˜ȱžœ˜ȱŽȱ
carros particulares cadastrados em aplicativos para o transporte remune-
rado individual de pessoas no Município de São Paulo, e dá outras
providências”.
e) Constituição do Estado de São Paulo
f) Parecer da Comissão de Economia, Orçamento e Finanças, sobre o
™›˜“Ž˜ȱŽȱŽ’ȱ—o 282 de 2015, que “dispõe sobre a utilização de aplicativos
para a prestação de transporte individual e remunerado de passageiros”.
Ǽȱ›˜“Ž˜ȱŽȱŽ’ȱ—oȱŘŞŘȦŘŖŗśǰȱŠȱ¦–Š›ŠȱŽ’œ•Š’ŸŠȱ˜ȱ’œ›’˜ȱŽŽ›Š•ȱ
(Deputado Rodrigo Del Masso)
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i) Parecer da Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional do Distrito
ŽȱŽȱ›Š•ǰȱ Œ˜—Ž—˜ȱ Š›ž–Ž—˜œȱ œ˜‹›Žȱ Šȱ ’—Œ˜—œ’žŒ’˜—Š•’ŠŽȱ ˜ȱ ȱ
282/2015-DF
“ǼȱȱŗŘŘȬȦŘŖŗśȬ
œŽȱȱ›ŠŠȱŠȱ›Žž•Š–Ž—Š³¨˜ȱ˜ȱœŽ›Ÿ’³˜ȱ™ø‹•’Œ˜ȱŽȱ›Š—œ™˜›Žȱ’—’Ÿ’Ȭ
žŠ•ȱ›Ž–ž—Ž›Š˜ȱŽȱ™ŠœœŠŽ’›˜œȱŽ–ȱŸŽÇŒž•˜ȱŠž˜–˜˜›ǰȱŠȱ™›˜ęœœ¨˜ȱŽȱ
Š¡’œŠȱŽȱ¤ȱ˜ž›Šœȱ™›˜Ÿ’¹—Œ’Šœǯ

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.


JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO | Atividade econômica do transporte individual de passageiros 313

”ǼȱŽ’ȱ˜–™•Ž–Ž—Š›ȱŗśşȦŘŖŗśȱ˜ȱž—’ŒÇ™’˜ȱ˜ȱ’˜ȱŽȱ Š—Ž’›˜
l) Constituição do Estado do Rio de Janeiro
–ǼȱŽ™›ŽœŽ—Š³¨˜ȱŽȱ’—Œ˜—œ’žŒ’˜—Š•’ŠŽȱŒ˜—›ŠȱŠȱŽ’ȱ˜–™•Ž–Ž—Š›ȱ
159/2015
—ǼȱŠ›ŽŒŽ›ȱ˜œȱ›˜Žœœ˜›ŽœȱŠ›•˜œȱ옗œ˜ȱ˜ž£ŠȱŽȱ˜—Š•˜ȱŽ–˜œȱœ˜‹›ŽȱŠȱ
questão do aplicativo Uber e a tutela da liberdade de iniciativa no Marco
Civil da Internet no Brasil
o) Trabalho do Departamento de Estudos Econômicos do CADE sobre o
mercado do transporte individual de passageiros
p) Palestra proferida pela Ministra do Supremo Tribunal de Justiça,
¤’–Šȱ Š—Œ¢ȱ—›’‘’ǰȱ —˜ȱ ȱ ˜—›Žœœ˜ȱ ›Šœ’•Ž’›˜ȱ Šȱ —Ž›—Žȱ ǻŠ’—Ž•ȱ
Internet das Normas: gerais discussões têm sido objeto de debate jurídico
no Brasil), promovido pela Abranet — Associação Brasileira de Internet.

Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 277, n. 1, p. 275-313, jan./abr. 2018.

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