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REVISÃO SOBRE O USO DE CONCENTRAÇÕES DE OZÔNIO COMO

FERRAMENTA DE MANUTENÇÃO PREDITIVA EM MÁQUINAS ROTATIVAS.


Martim F. Fernandes Victor Dmitriev Rodrigo M. S. de
Oliveira
Eurovolt Energy UFPA UFPA
Service / UEL

Resumo
Grande parte das falhas elétricas em geradores e motores tem como causa a degradação do
material isolante do estator, geralmente composto por epóxi (orgânico) e mica (inorgânico). Essa
degradação se dá por diversos mecanismos, como envelhecimento térmico, contaminação, etc.
Equipes de manutenção muitas vezes utilizam sistemas que detectam pulsos de descargas
parciais para avaliar a condição da isolação e tomar ações, quando necessário. Isso pode ser
feito com a máquina em operação ou não, geralmente através de acopladores capacitivos que
atuam como filtros passa-alta. Em muitos casos, porém, as máquinas não possuem um sistema
para medição de descargas parciais. Trabalhos de pesquisa recentes demonstram que há uma
correspondência entre descargas parciais superficiais e a formação de ozônio em máquinas
refrigeradas a ar. Este trabalho de revisão investiga os progressos já feitos na direção de usar
medições de ozônio como ferramenta de manutenção preditiva e explora seu potencial futuro,
bem como possíveis limitações.

Palavras chave
Descargas parciais; ozônio; manutenção preditiva; hidrogeradores; máquinas elétricas;

1 INTRODUÇÃO

A descoberta do gás ozônio (O3) está diretamente ligada à eletricidade. Em 1785, Martin van
Marum observou que sua máquina de eletricidade estática produzia um odor característico,
notando também a oxidação do mercúrio contido nas garrafas de Leyden do aparato (forma
primitiva de capacitor) e a redução do volume de oxigênio. Ele atribuiu esse odor à eletricidade
em si.

Cinco décadas depois, Schoenbein [1] propôs que o odor relacionado a descargas elétricas no
ar ou hidrólise da água seria uma nova substância, chamando-a de ozônio, do grego ozein, que
significar “cheirar” ou “exalar odor”. Muitas pesquisas foram feitas com objetivo de caracterizar o
ozônio e o próprio Schoenbein descreveu os três principais métodos de formação: criando arcos
elétricos no ar ou oxigênio, fazendo a eletrólise da água em soluções ácidas e expondo fósforo
à atmosfera úmida.

Em 1857, Ernst Werner von Siemens, propôs um método mais eficiente de se produzir ozônio,
utilizando “descargas silenciosas”, ou um dispositivo de descarga por barreira dielétrica. A
novidade desta configuração era que os eletrodos ficavam fora da câmara de descargas, sem
contato com o plasma. Curiosamente, Siemens nunca tentou obter uma patente para este
dispositivo, mesmo considerando-o uma de suas invenções mais importantes.

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Figura 1 - Dispositivo de descarga em barreira dielétrica (W. Siemens, 1857)

Mesmo assim, ninguém sabia ainda o que exatamente era esta nova substância. Muitas
hipóteses foram formadas, até que em 1865, Soret [2] mostrou em um estudo sobre proporções
volumétricas que o ozônio era um alótropo de oxigênio, cuja molécula teria três átomos (O3).

Schoenbein continuou as pesquisas sobre o ozônio até o final de sua vida em 1868, tendo
publicado mais de 200 artigos sobre o assunto. A esta altura, a comunidade científica já tinha
como fato que o ozônio era realmente O 3 e as pesquisas sobre suas potenciais aplicações e
características físico-químicas foram multiplicando-se. Rapidamente, foi estabelecido um grande
potencial para uso do ozônio em tratamento de água potável e uma das vertentes de pesquisa
foi justamente sobre as maneiras de como produzir ozônio com maior eficiência.

Em 1870, foi registrada a primeira patente para um gerador de ozônio usando descargas
elétricas [3]. Por volta de 1920, dezenas de cidades ao redor do mundo já usavam sistemas
comerciais de tratamento de água a partir de ozônio gerado eletricamente, inclusive grandes
capitais.

O início do século XX também viu a expansão rápida da geração de energia elétrica. Como
ilustração, a capacidade instalada de geração nos Estados Unidos era de cerca de 100 MW em
1900, e cresceu uma ordem de grandeza a cada 20 anos até 1960 [4].

Rapidamente, percebeu-se que máquinas de alta tensão também produziam ozônio em seu
interior e que isso poderia estar relacionado a determinados tipos de falhas.

2 PRIMEIRAS PESQUISAS SOBRE ATAQUES QUÍMICOS EM MÁQUINAS ELÉTRICAS

J. S. Highfield publicou um artigo em 1905 descrevendo a observação de ácido nítrico dentro


de uma máquina de 3 MVA e 11 kV [5]. Sua hipótese era que o ozônio criado por descargas
elétricas atuava diretamente na formação de ácido nítrico, que causava corrosão. Um artigo de
1911 [6] discute esse resultado argumentando que se essa hipótese fosse correta, o ácido nítrico
deveria ser encontrado em quase todas as máquinas de alta tensão, o que na realidade não é
verdade. Portanto, a presença de ácido nítrico deveria ser resultado de impurezas presentes na
isolação de máquinas específicas.

O próprio Highfield responde no espaço de discussões da publicação que a máquina de 11 kV


funcionou por um período de um ano antes de quebrar, e que sua isolação era de altíssima
qualidade (para a época, claro). Ao analisar as bobinas que falharam, foi constatado que a
isolação entre espiras, feita de algodão com verniz, havia sido destruída e, em seu lugar, havia
um material esverdeado. Além disso, a superfície dos condutores de cobre estava áspera.
Análises independentes foram feitas e constataram a presença de grandes quantidades de ácido
sulfúrico, quantidades moderadas de ácido nítrico e também nitrato de cobre. Numa barra
idêntica que nunca havia sido usada, não foi encontrada nenhuma dessas substâncias, mas foi
notada a presença de sulfato de cálcio, que o autor menciona ser comum no algodão da isolação.
O cheiro de ozônio e a superfície áspera do cobre indicam, portanto, que descargas estavam
ocorrendo e, por sua vez formando ácido nítrico, que combinado com o sulfato de cálcio originou
o ácido sulfúrico.

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Highfield afirma que tal problema está diretamente associado à umidade ambiente. Uma barra
totalmente seca não sofreria deste problema, mas uma barra exposta à umidade se deterioraria
rapidamente. Ou seja, geradores em locais de clima úmido estariam sob maior risco de sofrer a
mesma falha. Adicionalmente, foi observado que os problemas de ataque químico podiam ser
notados em espiras sujeitas a apenas 2 kV, e que a destruição completa ocorreu em pontos
equivalentes a 8 kV, porém sem nenhuma linearidade do efeito. Algumas espiras estavam em
pior condição que outras de maior tensão, o que sugere distribuição heterogênea da umidade.

Para provar sua teoria, Highfield fez um experimento com gaze de cobre envolta em papel filtro,
submetendo o cobre a um potencial de 10 kV. Em 3 dias, o papel foi degradado quase totalmente
nas regiões de descargas mais intensas e o cobre estava verde, por conta do nitrato de cobre
formado. Finalmente, Highfield prevê que a máxima tensão que se poderia trabalhar de forma
prática em climas úmidos como o da Inglaterra seria ~18 kV, por conta da degradação química
acentuada em tensões maiores.

Um trabalho de 1907 confirma de forma independente a presença de ácido nítrico em espiras


com isolação de algodão [7], sugerindo que em tensões acima de 10 kV (fase-terra), precauções
especiais devem ser tomadas com relação à formação deste ácido. Em comentário sobre este
trabalho, A. P. Fleming [8] defende que a degradação da isolação em máquinas ocorre
exclusivamente por conta das descargas elétricas em si, e não pelo ataque químico, afirmando
que é praticamente impossível a formação de ozônio na temperatura de trabalho dos geradores,
e que mesmo considerando esse cenário improvável, apenas traços de ácido nítrico seriam
encontrados.

Claramente, não havia consenso sobre este assunto e somente o desenvolvimento de


diferentes campos de pesquisa permitiu uma compreensão mais exata dos fenômenos
observados.

O primeiro trabalho detalhado e dedicado a este assunto foi publicado em 1911. “Chemical
action in the windings of high-voltage machines” [9] traz uma série de resultados experimentais
onde materiais isolantes de diferentes tipos são submetidos a descargas sob condições diversas.
O artigo faz uma distinção clara da degradação química e da degradação por ação direta das
descargas elétricas (que hoje em dia são chamadas de descargas parciais), traz uma análise
mais criteriosa dos gradientes de tensão na isolação e chega em conclusões interessantes:

• Degradação química não é notada em máquinas operando abaixo de 6 kV (fase-fase).


• Degradação química ocorre apenas em locais em contato com o ar.
• Embora a formação de ozônio ocorra em interfaces com o ar, o dano químico pode
ocorrer em regiões diversas, pois o gás se movimenta livremente.
• Os resultados da ação química na isolação, seja do ozônio, óxido nitroso ou ácido nítrico,
são oxidações.
• Uma falha por ataque químico quase sempre é um curto entre espiras.
• Quando o estresse elétrico na isolação é muito grande, a degradação que ocorre não
necessariamente é química. Se há dois materiais na isolação com permissividades
diferentes, o de menor valor pode ser comprometido por um estresse elétrico maior sem
que haja ruptura da isolação como um todo.

O estudo também aborda de forma criteriosa os gradientes de tensão entre materiais distintos,
estabelecendo fundamentos básicos de ocorrência das descargas parciais (denominação que
ainda não existia) e propondo que a camada de materiais distintos da isolação pode ser
modelada como capacitores em série.

Resumidamente, materiais diferentes estarão sujeitos a estresses elétricos distintos. No caso


do ar (ou vazios na isolação), esse gradiente de potencial pode ser suficiente para causar ruptura
dielétrica local, que é a descarga em si, mesmo não havendo ruptura dielétrica da isolação
completa. Considera-se um limite aproximado de 3 kV/mm para a ruptura dielétrica do ar. Em [9],
os autores fazem a recomendação de usar como limite máximo o valor de 1,4 kV/mm para evitar
efeitos de ataque químico.

Um trabalho [10] do ano seguinte (1912), demonstra que a ionização através de descargas
elétricas também ocorre com o nitrogênio (N2). Uma vez ionizado, ele reage com o O2 produzindo

3
NO2. Entretanto, a reação é muito mais rápida e muito mais eficiente se o agente oxidante é o
O3 (ozônio). Nesta época ainda não havia sido demonstrado um outro produto dessas reações,
que é o NO. O conjunto NO e NO2 é comumente chamado de NOx, e usado como indicador de
poluição atmosférica. Sua reação com a umidade presente no ar leva à formação de ácido nítrico
(HNO3), causando chuva ácida.

Mesmo com o progresso no conhecimento dos mecanismos de falha na isolação de máquinas,


até a década de 50 ainda havia muitos conceitos errados ou confusos. Um trabalho de 1922 [11],
por exemplo, afirma que a isolação de barras não pode ter bolhas ou espaços vazios, pois as
descargas que ocorreriam nesse espaço produziriam ozônio, que ataca o material isolante. Neste
caso, a afirmação não é totalmente correta, pois o mecanismo de falha principal seriam as
próprias descargas. Um compêndio sobre materiais isolantes elétricos publicado em 1949 [12]
pela universidade de Illinois faz uma afirmação similar: “Voids must not be formed; for if the
voltage gradient is high, corona may occur. The ozone and nitric oxide formed by corona may
have destructive effects on the windings.”

3 AVANÇOS NA AVALIAÇÃO DE CONDIÇÃO DE MÁQUINAS EM OPERAÇÃO

Foi apenas na década de 40 que pesquisadores começaram a ter uma visão mais geral de
todos os fenômenos que agem de forma conjunta na degradação de materiais isolantes e de
suas principais variáveis. Também foi nesta época que começaram a surgir propostas de testes
elétricos mais sofisticados.

Em 1940, uma técnica de detecção de corona com um circuito ressonante já era usada para
cabos [13] e transformadores. O princípio básico é que cabos em mau estado terão pequenos
espaços vazios na isolação e o gradiente de campo elétrico ioniza o ar contido localmente,
causando pequenas descargas. A razão para a chegada “tardia” dos testes de descargas parciais
em máquinas rotativas se deve, em grande parte, à altíssima resistência da mica a essas
descargas.

Von Cron mostrou em 1943 [14] que a ruptura dielétrica em isolantes de alta tensão pode
ocorrer após repetidas descargas de pequena magnitude (e quase imperceptíveis) que ocorrem
sob stress elétrico constante. Este foi um resultado importante na compreensão dos mecanismos
de falha de isolação.

Em 1951, foram publicados os primeiros artigos descrevendo um equipamento e método para


detecção de descargas parciais em ranhuras de geradores (slot discharge), tanto com a máquina
desligada (off-line) [15] como em operação (online) [16]. Os elementos básicos do sistema ainda
são os mesmos até hoje: um capacitor atuando como filtro e um equipamento para observação
das formas de onda e pulsos (em 1951, um osciloscópio analógico). Inicialmente, para medição
online das descargas, foi usado apenas um capacitor conectado na ligação de neutro da
máquina, medindo pulsos de todas as fases simultaneamente.

A partir da década de 50, o interesse em detecção de descargas parciais em máquinas rotativas


aumentou muito. Um programa de manutenção preventiva publicado em 1968 [17] lista os testes
recomendados para determinação da condição de um hidrogerador. Entre eles, há destaque para
o teste de slot discharge, mencionando frequência de corte em 2,5 kHz.

Em 1973, foi proposto um método de medição de descargas parciais com máquina em


operação usando um capacitor de acoplamento para cada fase [18]. Desde então, progressos
na eletrônica analógica e digital permitiram a criação de equipamentos confiáveis e intuitivos,
capazes de monitorar e registrar os pulsos de descargas parciais na faixa de dezenas / centenas
de MHz com a máquina em operação, ao mesmo tempo em que rejeitam ruídos externos de
forma eficiente. Além disso, o escopo inicial de ser apenas um indicativo de descargas de ranhura
se expandiu muito com o reconhecimento de determinados padrões de pulsos e até possibilidade
de localização aproximada das descargas com base no tempo de deslocamento dos pulsos.
Essas características consolidaram o monitoramento de descargas parciais como um dos
principais métodos de avaliar a condição da isolação numa máquina rotativa em operação.

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Ainda na década de 60, houve a tentativa de monitorar a condição de geradores em operação
de uma forma diferente. Um sistema patenteado em 1969 [19] seria capaz de analisar partículas
em suspensão no hidrogênio refrigerante de turbogeradores. A premissa é que há diferentes
materiais isolantes dentro da máquina e o aquecimento local desses diferentes materiais, que
poderia ser um princípio de falha, libera partículas determinadas na atmosfera de hidrogênio. Ao
passar o gás que contém essas partículas por um espectrômetro, o tipo de partícula identificado,
bem como sua quantidade, poderia indicar o ponto de sobreaquecimento e a severidade do
problema. Um artigo de 1979 [20] descreve esse método de forma didática, com exemplos de
resultados obtidos em laboratório. Levou cerca de duas décadas para que esse sistema fosse
aperfeiçoado até dar resultados satisfatórios em campo. As versões iniciais não eram confiáveis
e causavam alarmes constantes em condições normais, seja por falhas internas do equipamento
ou contaminações por óleo lubrificante [21]. Este sistema ainda é usado e oferecido
comercialmente, inclusive para máquinas refrigeradas a ar. Adicionalmente, é possível espalhar
produtos químicos específicos em diferentes pontos da máquina que funcionam como
marcadores, para que uma análise cromatográfica possa indicar a origem do sobreaquecimento.
Entretanto, o monitoramento de pontos quentes com sensores resistivos (Pt100) ou fibras ópticas
tem adoção muito mais ampla.

4 OZÔNIO COMO INDICATIVO DE FALHAS EM GERADORES

Paralelamente ao desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico e testes elétricos,


estudos sobre medição de ozônio como possível indicativo de falhas em máquinas são
praticamente inexistentes até a década de 90. Há menções rápidas em artigos e relatórios como
uma prática recomendada, mas os estudos dedicados ao ozônio eram mais voltados à
resistência de materiais isolantes à degradação química e preocupação com segurança do
trabalho e meio-ambiente.

Um memorando de 1972 [22] feito para a comissão de energia nuclear dos Estados Unidos,
por exemplo, avalia o impacto do ozônio gerado por linhas de transmissão no meio-ambiente,
concluindo que, provavelmente, a concentração adicional causada pelas linhas ficava abaixo do
limite mínimo de detecção dos medidores usados, que era de 2 ppb. Como linhas de transmissão
ficam totalmente exposta ao ar e vento, é de se esperar que a dissipação do ozônio gerado seja
quase imediata. O mesmo não ocorre em ambientes fechados, como um gerador.

Medições periódicas de ozônio em hidrogeradores têm sido feitas de maneira informal desde a
década de 60 ou até mesmo antes, mas é provável que o primeiro artigo detalhando um sistema
de monitoramento online de ozônio em hidrogeradores seja de 1993 [23]. Medidas em 4
geradores da planta de Peace Canyon, no Canadá, revelaram quantidades entre 168 e 260 ppb
de O3. Os autores comparam 3 tipos de sensores disponíveis no mercado:

1. Membrana (eletroquímico), que gera um sinal elétrico a partir de uma reação de


oxirredução causada pelo ozônio.
2. Luminescente, cujo princípio envolve a medição do espectro de luz produzido quando
o ozônio reage com outra substância, neste caso o etileno.
3. Absorção UV, que funciona medindo a quantidade de luz ultravioleta com comprimento
de onda de 254 nm que é absorvida pela amostra. Este comprimento de onda é o pico
de absorção do ozônio, conhecido como banda de Hartley (Figura 2).

Para a criação do protótipo, escolheram o sensor UV, principalmente por sua grande faixa
dinâmica e repetibilidade. Há uma ressalva importante, de que partículas em suspensão no ar e
vapores de óleo também absorvem luz neste mesmo comprimento de onda. Para reduzir este
efeito, sugere-se que o ar ambiente nos pontos de medição seja primeiro passado por um
catalisador que elimina todo o ozônio. O valor de absorção nesta condição representaria uma
linha base para medições futuras, com ozônio presente. Tal técnica seria válida apenas se as
condições das partículas e óleo em suspensão se mantivessem constantes.

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Figura 2 - Espectro de absorção do ozônio

O sistema proposto em [23] é centralizado, ou seja, as amostras de ar do gerador eram


captadas por tubos de Teflon e levadas até o ponto de medição, onde a absorção de luz era
medida. Uma das preocupações neste caso é a possibilidade de que o ozônio seja consumido
no trajeto, pois ele oxida facilmente outras substâncias. Os autores testaram experimentalmente
a passagem de amostras por até 60 m de tubo e temperaturas até 20 °C acima da ambiente,
sem perdas significativas da quantidade de ozônio na origem (<2%). Um sistema de válvulas
controladas por computador foi usado para direcionar cada amostra de gás para o analisador de
forma sequencial. O artigo informa que o sistema seria instalado em dois hidrogeradores da usina
de Peace Canyon, com 8 pontos de medição em cada.

Um sistema muito parecido é comercializado atualmente como parte de um conjunto de


monitoramento mais abrangente para hidrogeradores [24]. Também usam tubos de Teflon e
oferecem até 8 pontos de tomada de amostras distribuídos pela máquina.

Um artigo de 2007 [25] faz uma comparação entre medições de ozônio e descargas parciais
na mesma usina de Peace Canyon, com valores próximos a 250 ppb. A grande quantidade de
ozônio e o padrão de descargas sugeriam danos ao revestimento semicondutivo, o que foi
comprovado em parada de máquina. Os mesmos autores mostram em um trabalho posterior [26]
que medições de ozônio feitas ao redor de uma hidrogerador possuem correlação direta com a
severidade de descargas parciais nas respectivas posições do estator. Neste trabalho, também
é testada em laboratório a influência da tensão, distância do sensor e velocidade do ar nas
concentrações de ozônio medidas.

Em [27] medições sistemáticas de concentração de ozônio foram feitas em uma usina


hidrelétrica, mas a preocupação maior do estudo não eram as máquinas em si, que seriam
rebobinadas num futuro próximo, mas a saúde dos trabalhadores. Foi concluído que medidas de
redução do ozônio eram necessárias para que o nível de exposição ao ozônio ficasse dentro dos
limites definidos em regulamentação local. Dentre várias alternativas, a medida escolhida foi a
inversão fase-neutro em uma das máquinas, que contribuiu para uma redução de 34% nos níveis
de ozônio.

A medição de ozônio também é usada como parte de índice indicador de “saúde” do gerador
[28]. Este conceito tem sido aplicado de forma abrangente no setor de geração, transmissão e
distribuição, não apenas para geradores. Consiste em, basicamente, atribuir pesos para
diferentes tipos de diagnósticos e variáveis e gerar uma nota final representativa da condição do
ativo. Este sistema auxilia na priorização de ações de manutenção e também nas tomadas de
decisão gerenciais, como aquisição e troca de equipamentos.

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Trabalhos recentes foram feitos no sentido de correlacionar medições de ozônio com as
descargas parciais em máquinas de maneira mais direta. Um artigo de 2018 [29] faz comparativo
dos níveis de descargas parciais e quantidade de ozônio em um objeto de teste (estator de motor
trifásico 6,6 kV) dentro de uma cabine de acrílico, com um ventilador direcionando o ar
axialmente. Em duas das fases, foram inseridos defeitos propositais, removendo o revestimento
semicondutivo. As medições mostram uma correlação muito boa entre o nível de ozônio e a
severidade das descargas. Vale notar, entretanto, que se trata de um objeto de teste
relativamente pequeno.

No Brasil, experimentos similares a [26] foram feitos em 2013, com medições pontuais de
ozônio ao redor de de hidrogeradores. Em [30], valores próximos de 200 ppb foram medidos em
uma das máquinas testadas na usina hidrelétrica de Jupiá. A comparação com medições de
descargas parciais confirmou a correlação entre as variáveis, sendo que os geradores com maior
quantidade de O3 também exibiam predominância de pulsos positivos (descargas superficiais).

O monitoramento de ozônio tem potencial para identificar primariamente falhas superficiais ou


entre interfaces de materiais. Por exemplo:

• Descargas na ranhura.
• Descargas superficiais devido à vibração/movimentação de barras.
• Descargas superficiais devido a contaminações/trilhamento.
• Descargas nas cabeças de bobina, inclusive entre bobinas.
• Falhas no revestimento semicondutivo ou proteção gradiente (SiC).
• Descargas superficiais pontuais (ex: corpo estranho).

5 NORMAS

O guia IEEE 1129 para monitoramento de máquinas síncronas acima de 10 MVA dedica um
parágrafo ao ozônio, mencionando que sua presença indica a existência de descargas parciais
e que também acelera a degradação do material isolante (ataque químico).

O guia IEEE 1434 para medição de descargas parciais em máquinas CA também possui um
parágrafo similar, acrescentando que o ponto de amostra é crítico, uma vez que a concentração
de O3 é afetada por condições ambientais e que o monitoramento de ozônio pode ser feito com
máquina parada, mas que o maior benefício se dá com monitoramento online.

O guia IEEE 492 de operação e manutenção de hidrogeradores fala em poucas linhas que a
quantidade de ozônio presente no gerador ou entorno pode indicar descargas parciais de
superfície.

As normas não dão informações ou diretrizes mais objetivas para a medição ou comparação
com outras variáveis.

6 LIMITAÇÕES DO OZÔNIO COMO FERRAMENTA DE DIAGNÓSTICO

A quantidade de ozônio produzida por descargas parciais dentro de uma máquina rotativa é
dependente de vários fatores ambientais, como temperatura, umidade, fluxo de ar da ventilação
e também do tipo e topologia da descarga. Por ser altamente reativo, a distância entre o ponto
de descargas parciais e o sensor deve ser a mais curta possível. Além disso, a taxa de
recombinação do ozônio aumenta com a temperatura, então uma descarga que ocorre num
ponto mais quente pode levar a uma formação muito menor de ozônio de uma descarga num

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ponto mais frio. Por esses motivos, medições absolutas dificilmente teriam valor de diagnóstico
sem outras informações complementares, a não ser em casos onde o valor é muito alto e o
ataque químico se torna um risco imediato. Máquina seladas, por exemplo, podem acumular
dezenas de ppm de O3 internamente, que podem danificar até mesmo partes do rotor [31].

Além disso, alguns tipos de mecanismos de falhas jamais poderiam ser identificados
monitorando apenas a quantidade de ozônio. Por exemplo:

• Descargas internas, principalmente próximas do condutor.


• Delaminações (ex: ciclos térmicos).
• Problemas de fabricação (ex: falhas no processo de impregnação das barras).

A maior utilidade, portanto, do monitoramento online de ozônio, seria como complemento a


outras variáveis, em especial descargas parciais.

7 TENDÊNCIAS E TRABALHOS FUTUROS

Embora já existam sistemas comerciais que permitam o monitoramento online de concentração


de ozônio, o desenvolvimento constante de novos sensores pode popularizar esta técnica,
inclusive para máquinas menores. Como o custo dos sensores eletroquímicos tem caído
significativamente ao longo do tempo, enquanto a confiabilidade e robustez aumentaram, é
possível que o monitoramento de O3 seja justificado em máquinas que não possuem nenhum
outro monitoramento de condição.

Pesquisas recentes mostram que o tipo de defeito na isolação também influencia na quantidade
de gases formados pela ação das descargas. Em [32], quatro tipos de defeito de isolação são
comparados, e a emissão de O3, NO e NO3 medida para diferentes casos. Os autores sugerem
que as proporções O3/NOx e NO2/NO podem ser usadas como indicativos para identificação do
tipo de problema, de forma parecida com o diagnóstico de problemas em transformadores de
potência através da análise de gases dissolvidos no óleo isolante.

Outros trabalhos também indicam que o monitoramento de NOx pode agregar informações úteis
para a identificação de possíveis problemas de isolação e existência de descargas. Em [33] é
mostrado que as concentrações de O3 e NOx geradas por descargas são maiores em ambientes
de baixa umidade. Portanto, uma maneira de normalizar as medições seria interessante ao
analisar uma determinada máquina. Em [34] é sugerido um método de identificação de corona
em módulos de potência de alta tensão através da medição simultânea de O3 e NOx.
Especificamente em máquinas rotativas, entretanto, relativamente pouca atenção foi dada aos
compostos NOx.

Um artigo de 1995 [35] traz resultado experimentais sobre medições de pressão interna de um
vazio dentro do epóxi submetido a descargas parciais. A pressão incialmente cai, segundo o
autor, devido ao surgimento de compostos reativos como o ozônio, que reagem com o epóxi.
Posteriormente, há um aumento de pressão, possivelmente devido à produção de componentes
voláteis pela degradação do próprio epóxi. O autor também compara essa mudança de pressão
interna com uma mudança no padrão de descargas parciais medidas. Este resultado é
interessante, pois sugere que a decomposição do epóxi também produz substâncias que
poderiam ser indicativos de degradação – possivelmente moléculas orgânicas.

É provável que além do ozônio produzido no ar, gases como o monóxido de carbono, etileno e
acetileno sejam formados pela decomposição do epóxi [36].

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8 AGRADECIMENTOS

Este trabalho é parte do projeto de P&D ANEEL PD-00642-2905/2020 - Investigação e


metodologia de análise de concentração de ozônio em hidrogeradores como ferramenta de
manutenção preditiva. Agradecemos o apoio da ANEEL e das empresas ENERCAN e BAESA.

Bibliografia

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[7] J. Epstein, “Testing of electric machinery and of materials for its construction”, Journal of the
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[8] R. T. Glazebrook et al., “Discussion on ‘Testing of electric machinery and of materials for its
construction’”, Journal of the Institution of Electrical Engineers, vol. 38, nº 181, p. 62–103, 1907,
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[9] A. P. M. Fleming e R. Johnson, “Chemical action in the windings of high-voltage machines”,


Journal of the Institution of Electrical Engineers, vol. 47, nº 209, p. 530–551, 1911, doi:
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