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ARTIGO ORIGINAL O transtorno de personalidade anti-

social nos filmes brasileiros

O transtorno da personalidade antissocial no cinema brasileiro

Tabata Galindo Honorato¹, Vitor Hugo Sambati Oliva², João Mauricio Castaldelli-Maia3,4, Francisco Lotufo Neto¹

RESUMO

Objetivo: O transtorno de personalidade anti-social (DPA) é um tema de interesse para estudantes

e profissionais de psiquiatria / saúde mental. O acesso aos aspectos da psicopatologia por meio de
filmes é capaz de melhorar o entendimento sobre esses transtornos. Este estudo teve como
objetivo avaliar a frequência de DPA e de seus critérios diagnósticos no cinema brasileiro para fins
didáticos.Métodos: O método consistiu em amostragem survey (por conveniência, uma vez que o
estudo é extraído de outro projeto maior); uso de instrumento diagnóstico e análise dos resultados.
Resultados: 44,73% das personalidades foram diagnosticadas com DPA. Todos os critérios
diagnósticos para DPA estavam presentes. O critério mais frequente foi a prática de atos ilícitos. A
impulsividade esteve associada à agressividade em 29,4% dos casos e ao uso de substâncias
psicoativas em quase 30% dos casos. 35,3% dos personagens tiveram morte prematura e violenta.

Palavras-chave
Conclusão: A pesquisa possibilitou a identificação de critérios diagnósticos de DPA no cinema

Personalidade anti-social
brasileiro. Muitas cenas foram capazes de representar o diagnóstico de forma clara. Os dados

desordem, filmes, mostraram-se suficientes para indicar a potencialidade do material como fundamento didático e

personalidade psicopata, pedagógico.

Brasil, ensino.

RETOMAR

Objetivo: O transtorno de personalidade antissocial (TPA) é um tema de interesse para alunos e

profissionais da psiquiatria / saúde mental. O acesso aos aspectos psicopatológicos por meio de
filmes é capaz de melhorar a compreensão dos conceitos transtornos. Este estudo buscou avaliar a
frequência do TPA e de seus critérios diagnósticos no cinema brasileiro, para o ensino.
Métodos: O método consistiu em levantamento da amostra (por conveniência, dado que o
estudo é recorte de outro projeto maior); Aplicação de instrumento e análise de resultados.
Resultados: Entre os personagens, 44,73% foram diagnosticados com TPA. Todos os critérios
diagnósticos para TPA se fizeram presentes. O critério mais frequente para a prática de atos
ilegais. A impulsividade esteve associada à agressividade em 29,4% dos casos e ao uso de
substâncias psicoativas emquase 30% dos casos. Entre os personagens, 35,3% sofrerammorte
Palavras-chave prematura e violenta.Conclusão: Uma pesquisa possibilitou identificar as características do TPA no
Transtorno da cinema nacional. As trajetórias dos personagens contaram com trechos de realismo variável, mas
personalidade antissocial, muitas cenas foram capazes de representar o diagnóstico com clareza. Os dados são adequados
filmes, psicopatia, Brasil, para indicar a potencialidade do material como base didático-pedagógica.
ensino.

1 Universidade de São Paulo (USP). Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, São Paulo, SP, Brasil. 2
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Centro de Saúde (CASA), Curitiba, PR, Brasil.
Recebido em 3 Faculdade de Medicina do ABC, Departamento de Neurociências, Santo André, SP, Brasil.
1/4 // 2018
Aprovado em
4 USP, Faculdade de Medicina, Instituto de Psiquiatria (LIM-23), Centro de Epidemiologia Psiquiátrica, São Paulo, SP, Brasil.
17/04/2018
Endereço para correspondência: Francisco Lotufo Neto
Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Departamento de
Psiquiatria Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, Cerqueira César
DOI: 10.1590 / 0047-2085000000201
05403-010 - São Paulo, SP, Brasil E-
mail: flotufo@usp.br
144 Honorato TG, et al.
INTRODUÇÃO
“Falar de sonhos é como falar de cinema, pois o
cinema usa a linguagem dos sonhos. É uma
linguagem feita de imagens. E, no cinema real,
cada objeto e cada luz significam alguma coisa,
como em um sonho. ” (Federico Fellini)
O cinema é uma forma de arte capaz de traduzir ideias em elementos
audiovisuais. A variedade de histórias, cenários e personagens fascina o
público desde as primeiras exposições. Tendo em vista a importância
social e cultural que o cinema adquiriu ao longo do tempo, o cinema
deixou de ser visto apenas como entretenimento e logo adquiriu outros
usos, como a memória histórica.1 e uma ferramenta para o processo
ensino-aprendizagem2,3.
No que se refere ao ensino de psiquiatria e psicologia,
diversos estudos já abordaram o uso do cinema como
aprendizagem didático-pedagógica dos transtornos mentais.4,5.
O cinema de todo o mundo está interessado em mostrar os
diferentes aspectos da psicopatologia, o que indica que a
maioria dos transtornos mentais de alguma forma já foi
ilustrada na tela grande.6-9.
O acesso aos aspectos da psicopatologia por meio de filmes
pode melhorar o entendimento dos transtornos mentais. Outro
aspecto importante é aumentar a empatia como uma necessidade
urgente de programas educacionais para estudantes de saúde, pois
é um traço crucial para o desenvolvimento de uma relação médico-
paciente satisfatória.10 Filmes sobre demência, esquizofrenia e
transtorno de personalidade limítrofe têm potencial para favorecer
sentimentos de empatia dos alunos em relação aos indivíduos com
tais diagnósticos11,
Na prática clínica, os transtornos de personalidade (TP) podem
ser particularmente difíceis para os alunos compreenderem o
quadro clínico12 Além disso, há algumas décadas os estudos
apontam os problemas relativos à contratransferência e
sentimentos negativos entre os profissionais que lidam com a
doença / saúde mental de pacientes com diagnóstico de DP.13-15.
Vários filmes que apresentam características próprias do TP
e, especificamente do transtorno de personalidade anti-social
(TPA), podem mobilizar o interesse do público em geral.
Personagens popularmente conhecidos comopsicopatas, como
Hannibal Lecter (O Silêncio dos Inocentes, 1991), Alex Delarge (
Laranja mecânica, 1971) e Joker (Batman - O Cavaleiro das
Trevas, 2008), fez história no cinema por seus atos sádicos e
atuações marcantes.
APD é um padrão persistente e difuso que desvaloriza e
viola os direitos de outras pessoas. Os critérios diagnósticos
são a repetição de atos ilícitos, tendência à falsidade,
impulsividade, irritabilidade, agressividade, desrespeito pela
segurança própria e alheia, irresponsabilidade consistente e
nenhum sinal de remorso.16
O comportamento psicopático caracterizado por tendências
criminais e reincidência pode convergir com o APD; No entanto, o
J Bras Psiquiatr. 2018; 67 (3): 143-50
ARTIGO ORIGINAL
palavra psicopatia não é sinônimo de DPA e não é um
diagnóstico médico. Psicopatia é uma palavra comumente
utilizada no contexto psiquiátrico e forense, avaliada por meio
de escalas psicológicas e psicométricas próprias17
No entanto, os pontos comuns entre psicopatia e APD são
indenizáveis, bem como a apropriação da palavra por leigos, o
que tende a tornar os conceitos sinônimos. Por esse motivo, a
revisão da literatura deste estudo incluiu pesquisas anteriores
que associavam o cinema à DPA / psicopatia.
A revisão evidenciou estudos que discutiram o ensino de
características de personalidade por meio de filmes18, a busca
por perfis clínicos de personagens psicopatas do cinema11,
o ensino de conceitos relacionados à psicopatia por meio de filmes
19, as características e o ensino da psicopatia por meio de
personagens femininas em programas de televisão20, análise de um
personagem psicopata no cinema21, o contexto de desenvolvimento
de transtorno de comportamento e evolução para DPA em filme
brasileiro22, a identificação de diversos distúrbios no cinema, entre
os quais APD em filmes estrangeiros23 e, por fim, a identificação do
APD em filmes brasileiros24,25.
Assim, a revisão bibliográfica evidenciou que a maioria das
pesquisas sobre o assunto buscou filmes não brasileiros para
serem analisados. Estudos anteriores garantiram que há uma
presença significativa do diagnóstico de DPA no cinema brasileiro.26;
no entanto, existem dados escassos sobre a frequência das
características anti-sociais específicas.
O objetivo diferencial deste estudo foi avaliar a frequência
de DPA no cinema brasileiro com finalidade didática, e se cada
um de seus critérios diagnósticos está de acordo com o DSM-5
(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). O
objetivo foi alcançado avaliando a presença, frequência e
variedade dos critérios diagnósticos. O potencial didático deste
filme foi investigado. Como os filmes em questão pertencem à
cultura, sua linguagem e trajetória histórica são compatíveis
com os potenciais alunos e podem indicar um maior potencial
de realismo, são úteis para preparar os indivíduos para a
prática clínica.
MÉTODOS
Um levantamento por amostragem de filmes brasileiros, buscando a
identificação de personagens e avaliação de realismo e potencial
didático por meio de escalas.
A amostra foi composta por 23 longas-metragens
brasileiros premiados nas principais categorias (filme,
diretor, roteiro original, roteiro adaptado, ator, atriz, ator
coadjuvante e atriz coadjuvante) do Prêmio Cinema
Brasileiro, entre 2001 e 2015. É uma comodidade amostra,
dos primeiros 23 filmes avaliados, retirada de um projeto
maior em curso com 133 filmes nacionais e estrangeiros.
O instrumento usado foi Lista de verificação dos transtornos da
personalidade do Massachusetts General Hospital (MGH PDC). Tal
ARTIGO ORIGINAL Desordem de pessoa anti-social filmes brasileiros 145

instrumento já foi utilizado estudo prévio para avaliar as
características de DP em filmes18 É uma lista com 79 itens referentes
aos critérios diagnósticos de dez DP, conforme o DSM-IV-TR. Cada
item é classificado como: (0) ausente; (1) presente, até certo ponto; e
(2) presente, resultando em desconforto significativo. O APD possui
sete critérios, que serão detalhados na tabela 1. A pontuação para
determinação do diagnóstico varia entre 3 e 14 pontos.
Embora não exista uma versão em português desse
instrumento, ele apenas randomiza a sequência dos critérios
O avaliador responsável pelas etapas dos procedimentos
foi o próprio pesquisador, especialista em Enfermagem
Psiquiátrica e com prática clínica na identificação e manejo de
indivíduos com DP.
O avaliador assistiu a 23 filmes selecionados duas vezes. No
primeiro momento, o objetivo era apenas entender a trama. Na
segunda vez, o MGH PDC foi aplicado a qualquer personagem
(primário ou secundário) que exibia comportamentos, sinais ou
sintomas não padronizados / perturbadores. Foram identificados os

diagnósticos de DP. Portanto, foi feita uma comparação entre o personagens do filme que obtiveram pontuação diagnóstica no

instrumento e os critérios do DSM. MGH PDC para os itens referentes ao APD na gradação 1 (claro) ou

Com o objetivo de obter dados atualizados, este estudo 2 (grave), pelo menos em três critérios, e descritas as cenas /

adotou como referência o DSM-5 e, para tanto, foi realizada sequências mais representativas.

uma revisão exaustiva e comparativa entre cada critério e os

critérios do DSM-IV-TR. Verificou-se que não houve diferença
entre os modelos de diagnósticos categóricos para o DSM-IV- RESULTADOS
TR e o DSM-5 para o PD, o que permitiu a utilização do DSM-5
Resultados quantitativos
como referência também para o MGH PDC. Deve-se ressaltar
que esta semelhança entre as duas versões do manual é Os 23 filmes nacionais avaliados encontram-se na tabela 1. 12 dos
corroborada pelos achados de um estudo anterior27 23 filmes continham personagens com diagnóstico de APD. Algum

Tabela 1. Personagens identificados e seus respectivos filmes, critérios e pontuações para APD

Filme APD Ator / atriz de personagem Critério de diagnóstico Pontuação

2 Perdidos numa Noite Suja SIM Paco Débora Falabella 2,12,22,32,42,52,62 11

SIM Tonho Roberto Bomtempo 2,12,32 4
Auto da Compadecida SIM Severino Marco Nanini 2,32,62 6
Bruna surfistinha NÃO
Carandiru SIM Majestade Ailtom Graça 2,12,32,62 6
SIM Zico Wagner Moura 2,22,32,42,62 8
Cheiro do Ralo NÃO
Cazuza NÃO
Chico Xavier NÃO
Cidade baixa SIM Naldinho Wagner Moura 2, 22, 32, 52 7
Cinema, Aspirinas e Urubus NÃO
Crime Delicado NÃO
Divã NÃO
Faroeste Caboclo SIM João de santo cristo Fabrício Boliveira 2, 42, 62 6
SIM Jeremias Felipe abib 2, 22, 32, 42, 62 9
SIM Pablo César Troncoso 2, 42, 62 5
Flores Raras NÃO
O Homem que Copiava Houve SIM André Lázaro Ramos 2,12,42,62 5
Uma Vez Dois Verões Invasor, SIM Roza Ana maria mainieri 2,12,42 4
O SIM Anízio Paulo Miklos 2,12, 22, 42,52,62 9
SIM Giba Alexandre Borges 2,12,62 6
Lisbela e o Prisioneiro SIM Frederico Marco Nanini 2, 32, 42, 62 8
Madame Satã SIM João Lázaro Ramos 2,12,22,32,42,62 10
Meu Nome não é Johnny SIM João estrela Selton Mello 2, 22, 52 6
Narradores de Javé NÃO
Palhaço, O NÃO
Redentor SIM Otávio Miguel Falabella 2,12,42,52,62 9
Se Eu Fosse Você 2 NÃO

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146 Honorato TG, et al. ARTIGO ORIGINAL

personagens apresentaram um ou outro critério para DPA; no incoerente com seus ganhos financeiros e ausência de um trabalho
entanto, eles não obtiveram pontuação suficiente para um de parto consistente (52). A prostituição é seu modo de vida; ela
diagnóstico. O fluxograma 1 detalhou o processo de triagem da engana seus clientes (12), e finge ser um adolescente. Apresenta
amostra; A Tabela 1, que identifica as legendas dos critérios de raiva, agressão verbal e brigas (32). Seu comportamento
diagnóstico no MGH PDC e a frequência dos critérios de DPA (n = manipulador é consistente com o perfil clínico de mulheres anti-
205 critérios, para 38 caracteres) e a Tabela 2, que relaciona os 17 sociais. Ela planeja e comete um assalto à mão armada, seguido de
caracteres com diagnóstico de DPA, os respectivos critérios e agressão, tortura e um provável assassinato (2) (42). Ela não
pontuação. consegue aprender com as experiências e não sente remorso (62).

Tonho (2 Perdidos numa Noite Suja)

Amostra identificada com Amostra com pontuação
Tonho viaja aos EUA para obter o Greencard, aceita forjar
Amostra original pontuação no MGH PDC no MGH PDC para APD

• 18 filmes • 12 filmes
casamento com uma americana (12). O personagem é preso ao
• 23 filmes
• 38 caracteres • 17 caracteres participar de um golpe contra um policial. Em outro momento,
Fluxograma 1. Identificação do processo de triagem da amostra. Tonho viu um homicídio e roubou a arma do crime (2). Ele
participou de um assalto à mão armada com seu cúmplice
Paco. Diante da dificuldade do personagem em controlar sua
raiva (32), ele perpetrou violência física contra Paco de forma
Mesa 2. Identificação numérica e frequência do diagnóstico impulsiva e repetida. Depois que Paco constantemente o
critérios de APD no MGH PDC
humilhava, ele a ameaçava com uma arma, fazendo-a se
Identificação Critério de diagnóstico N Frequência (%)
despir. A maioria das demonstrações anti-sociais de Tonho
Deixa de cumprir as normas sociais em
derivam de suas dificuldades financeiras e sob a influência de
relação às condutas legais, indicadas pela
2 18 8,78% Paco. Apenas com base no roteiro do filme, não é possível
prática reiterada de atos que constituam
motivo de detenção. garantir que haja um padrão anti-social ao longo da vida.
Tende a enganar, indicado por mentir
repetidamente, usar nomes falsos ou Severino (Auto da Compadecida, O)
12 13 6,34%
enganar os outros para obter
vantagens ou prazer pessoais. Severino é um conhecido fora da lei que planejava saquear uma

Ele / ela é impulsivo ou não faz

cidade e matar todos os habitantes. As pilhagens, além da
22 7 3,41%
planos para o futuro. exploração e outros atos ilícitos (2), são seu meio de vida. O
É irritável e agressivo, indicado para personagem pensa logicamente sobre suas atitudes violentas (62),
32 lutas de contato total repetidas ou 10 4,88% “justificando” os motivos pelos quais mata cada habitante da
agressões físicas.
Cidade (2). Na maioria das cenas, o personagem fica com raiva
42 13
Ele / ela mostra um desrespeito irresponsável pela própria
6,34% facilmente e se comporta de forma agressiva (32). Depois que
segurança ou pela segurança dos outros.

Severino morreu, ele foi a um julgamento divino. O juiz (Jesus

Ele / ela tem irresponsabilidade consistente

indicada por falha repetida em manter um Cristo) relatou que os pais de Severino foram assassinados quando
52 6 2,92%
comportamento trabalhista consistente ou ele ainda era criança, e que ele “ficou perturbado”. Considera-se
cumprir obrigações financeiras.
relevante a hipótese de que as condições relacionadas ao ambiente
Não tem remorso, indicado pela
nocivo (pobreza social e exposição à violência), associadas à baixa
indiferença ou raciocínio lógico por
62 14 6,83%
autorregulação emocional desde a infância, seriam fatores de risco
ter ferido, maltratado ou roubado
alguém. para seu transtorno de comportamento.
Total = 81 Total = 39,5%
Majestade (Carandiru)

Majestade construiu uma carreira voltada para atividades ilegais

(2). O personagem vive um caso extraconjugal e, para mantê-lo,
Resultados qualitativos
vive dentro da prisão uma vida dupla (12). Ele também é traficante
A descrição dos caracteres a seguir especifica os critérios de drogas na instituição penal (2). Um prisioneiro mata outro sob a
diagnósticos, contextualizando a sintomatologia de cada liderança violenta do Majestade (32), sem mostrar remorso ou
personagem. Entre parênteses, o número do sintoma no MGH culpa (62). Em seguida, persuadiu outro interno a responsabilizar-
PDC (2, 12, 22, 32, 42, 52, 62), que são detalhados na Tabela 1. se pelo ato, aproveitando-se de sua dependência química para
crack e de uma aparente deficiência intelectual (12).
Paco (2 Perdidos numa Noite Suja)

Paco é brasileiro e mora nos EUA há alguns anos. Seu comportamento é Zico (Carandiru)
totalmente impulsivo (22), o que pode ser exemplificado pelo consumo Zico era traficante de drogas (2). Ele injetou cocaína em si mesmo e
usual de substâncias psicoativas, compras em seus clientes, com agulhas reutilizadas (42). Ele se envolveu

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ARTIGO ORIGINAL
freqüentemente em lutas corporais (32). Durante a infância de
Zico, sua mãe o abandonou e a família de Deusdete o adotou.
Na adolescência, Zico resgatou Desusdete do afogamento. Os
dois amigos foram presos e dividiram uma cela de prisão.
Depois de uma farra impulsiva de substâncias psicoativas
(22), Zico desenvolveu comportamento paranóico e
alucinações. Deusdete o impedia de consumir crack. Depois de
algum tempo, enquanto Deusdete dormia, Zico o matou
premeditadamente com água fervente. Não houve sinais de
remorso (62). Por fim, Zico foi assassinado por outros presos
com várias facadas. A morte violenta prematura ocorre em
casos reais, bem como a negligência / abandono familiar;
entretanto, outros traços não estão presentes desde a
adolescência e parecem estar relacionados ao reclusão e ao
uso de substância psicoativa.
Naldinho (Cidade Baixa)
Naldinho mora e trabalha em um barco com Deco, seu amigo de
infância. Em uma viagem, os amigos conheceram Karinna e
estabeleceram um triângulo amoroso. Certa ocasião, Naldinho
cometeu assalto à mão armada em uma drogaria. Seu amigo Deco
encontrou a arma usada no crime e o enfrentou, ao que Naldinho
reagiu com violência física. Algum tempo depois, Karinna negou
sua proposta e ele reagiu violentamente contra ela. Depois,
Naldinho deu início a uma briga violenta com Deco com ciúmes de
Karinna. Naldinho não manteve um comportamento consistente de
trabalho (52) e recorreu a atividades criminosas (2). Ele
frequentemente agia impulsivamente (22) e agressivamente (32).
João de Santo Cristo (Faroeste Cabloco)
João de Santo Cristo era uma criança pobre. Um dia, ele tentou
roubar um doce em uma loja, mas o dono percebeu e reagiu com
violência. O pai de João, em defesa do filho, foi morto por um
soldado. Na vida adulta, João matou o assassino de seu pai por
vingança. Depois disso, ele fugiu para Brasília e se tornou
traficante. Traficantes de facções criminosas rivais o agarraram e
praticaram violência física e sexual contra ele. Tal como nos
clássicos faroestes, João optou pela vingança matando os seus
inimigos. Por fim, sua morte ocorreu em um 'duelo' contra
Jeremias, quando também faleceu sua ex-namorada, então grávida.
A história de vida do personagem teve vários assassinatos e tráfico
(2), nenhum remorso (62), desrespeito pela própria segurança e a
dos outros (42).
Jeremias (Faroeste Cabloco)
Jeremias era traficante de drogas e subornava a polícia para manter
seu negócio (2). Ele consumia cocaína de forma frequente e
impulsiva (22). Por vingança, ele armou uma emboscada e atacou
João de Santo Cristo física e sexualmente (32). João foi preso e
Jeremias coagiu a companheira de João a se casar com ele. Depois
que ela aceitou, ele prometeu manter João vivo na prisão. No final,
em um “duelo”, ele morreu com vários tiros; no entanto, ele atirou
em João e em sua própria esposa grávida antes de morrer (42).
Desordem de pessoa anti-social filmes brasileiros 147
Pablo (Faroeste Cabloco)
Pablo é traficante de drogas e extorquia os demais traficantes da
região. O personagem tinha como meio de vida a prática de atos
ilícitos (2), estava sempre armado e envolvido em tiroteios (42). No
entanto, o roteiro indica que o personagem não está acostumado a
mentir / enganar, uma vez que manteve uma relação monogâmica
estável e defendeu seu primo com sua única vida, diferentemente
de características clínicas reais.
André (Homemque Copiava, O)
André era um menino pobre. Durante a infância, ele cegou um menino
que o provocava. Na idade adulta, André trabalhou em uma copiadora e,
por dificuldades financeiras, passou a falsificar notas de dinheiro (2).
Posteriormente, ele se envolveu em um assalto a um carro blindado e
no planejamento e execução de assassinatos
(2) (42). Após os assassinatos, ele não sentiu culpa ou remorso (62).
A história de André parece pouco crível por não apresentar outras
características frequentemente associadas ao TPA como falta de
empatia, impulsividade, agressividade física e irresponsabilidade
laboral.
Roza (Houve Uma Vez Dois Verões)
Roza e Chico são dois jovens que tiveram relações sexuais. Mais
tarde, ela disse a Chico que estava grávida. O rapaz coopera
financeiramente com um aborto; no entanto, ele descobre que
era um esquema. A menina confessou que aplicou tal esquema
contra 22 outros rapazes. Roza tem consciência do risco de
adquirir ou transmitir doenças sexuais, mas teve relação sexual
sem preservativo (42). Ela explorou homens em seus
relacionamentos e cometeu atos ilegais, como furto e furto,
como seu meio de vida. O personagem tende a enganar
(12). Essas características anti-sociais correspondem ao gênero
feminino, onde a manipulação do outro com recurso ao sexo e ao
furto são comuns.
Anízio (Invasor, O)
Anízio é um matador profissional (2), contratado por dois
empresários, para matar o acionista majoritário. Depois, não
demonstrou remorso (62) e entrou na empresa sem ser convidado
ou contratado. Portanto, o título do filme “o invasor”. Sem qualquer
vínculo empregatício ou autorização, impôs que se
responsabilizaria pela segurança, questionou o trabalho dos
funcionários e deu ordens. Anízio não conseguia manter um
comportamento laboral consistente (52). Ele conheceu a filha do
casal assassinado por ele. De propósito, ele a manipulou e obteve
sua confiança. Começam relacionamento, consomem drogas e
mantêm relações sexuais sem preservativo (42), o que indica
padrões impulsivos (22) e tendência a enganar (12).
Giba (Invasor, O)
Giba é dono de um bordel e sócio de uma construtora.
Ele ordenou o assassinato do acionista majoritário.
Depois, o outro sócio, Ivan, desistiu do assassinato
J Bras Psiquiatr. 2018; 67 (3): 143-50
148 Honorato TG, et al.
trama e Giba o induziu a manter o plano. Os cadáveres do parceiro
e da esposa do parceiro são encontrados, e Giba simulou
desespero na cena do crime e tristeza no velório. Depois que o
crime foi cometido, Ivan se desesperou e Giba contratou uma
mulher para ter uma relação com ele e mantê-lo sob controle. O
personagem é persuasivo e não sentiu remorso (62). Ele estava
envolvido em diversas atividades ilícitas (2). A frieza e a tendência
do personagem para enganar / manipular (12) são evidentes. O
estilo de alto padrão combina com plotagens que foram
financiadas para execução por terceiros.
Frederico Evandro (Lisbela e o Prisioneiro)
Frederico Evandro é um matador profissional (2). Em um de seus
dias típicos de trabalho, ele arrastou pelas roupas um homem que
implorou por sua vida. Frederico fingiu ter desistido de matar, e
depois o assassinou com um tiro nas costas, com a seguinte frase “
Eu não gosto de ver ninguém morrendo triste”. Ele considerou
naturais os vários assassinatos e não apresentou remorso (62), a
uma tenda tão próxima que realizava um ritual antes de cada
morte. Apresentava comportamento disfórico e agressivo (32),
manipulava armas em público e dava tiros em praça pública, sem
motivo (42).
João (Madame Satã)
João trabalhava em uma casa de shows e foi flagrado
vestindo roupas de uma atriz. Ela o humilhou e ele
reagiu com violência física. Essa foi a primeira de
muitas cenas de agressão (32). Num impulso (22),
João roubou objetos. Em outra ocasião, João e seu
amigo enganaram (12) um homem e roubaram sua
carteira (2). Depois, ele riu e comemorou sem
demonstrar remorso (62). Em outra ocasião, quando
João e seus amigos foram proibidos de entrar em
uma boate, o personagem atacou toda a equipe de
segurança do local (32) (42). Após apresentação
musical em bar, João foi agredido por um estranho.
Incapaz de controlar sua raiva, ele matou o agressor
premeditadamente. A história do personagem
ilustrou a associação entre impulsividade e agressão;
entretanto, deve-se ressaltar que é assim que ele lida
com várias dificuldades.
João Estrela (Meu Nome não é Johnny)
João Estrela é um jovem de classe média que consumia cocaína
constantemente e, com o objetivo de ter uma renda estável, passou
a revender a droga para seus amigos. Rapidamente, tornou-se
traficante (2) e vendeu maiores quantidades; no entanto, mesmo
ganhando muito dinheiro, era extremamente impulsivo com seus
gastos (22) e não conseguia cumprir obrigações financeiras
simples, como contas de energia e telefone (52). Depois de um
certo tempo, João é detido pela Polícia Federal com 6 kg de cocaína.
A impulsividade é seu principal diagnóstico
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ARTIGO ORIGINAL
critério nóstico. Não há nenhum outro critério significativo, como
ausência de remorso ou tendência para enganar. O
desenvolvimento de seus atos ilegais resultou em prisão, que
mostrou alta ocorrência de comportamentos perigosos dos
presidiários. A impulsividade não está associada à agressividade, o
que é esperado para o seu nível de escolaridade.
Otávio (Redentor)
Otávio Saboya é um empresário milionário, que está quase falido,
por incapacidade de cumprir suas obrigações financeiras (52). Ele
manipula um colega de infância, Célio, forjando uma tentativa de
suicídio (12). Célio escreveu um artigo a seu favor, em troca de
dinheiro. Célio queria denunciar seus atos de corrupção, mas
recebe 5 milhões de propina (2) e mudou de ideia. Em seguida,
Célio se encontrou com Deus (surto psicótico?), E Otávio acreditou
que o amigo havia enlouquecido. Ele subornou o policial para
manter Célio preso em uma cela superlotada
(42). Otávio não consegue agir com empatia, não demonstra
remorso por isso (62), considerando apenas os próprios benefícios.
DISCUSSÃO
O APD é considerado um assunto de interesse para todos os estudantes
e profissionais de psiquiatria e saúde mental, e os filmes podem ser uma
ferramenta particularmente útil e um método eficaz para ensinar
psicopatologia28 O cinema é viável para o ensino da DP, uma vez que tem
a possibilidade de exibir, em poucos minutos, um padrão de
comportamento do suposto paciente em diferentes contextos. Essa
análise multicontextual é essencial para fazer um diagnóstico de
transtorno de personalidade.
Por outro lado, é possível que o cinema não represente
bem a realidade e, portanto, distorça a forma como os casos
reais aparecerão para os alunos. É necessário um amplo estudo
neste campo, que comprove o potencial didático e real dos
filmes brasileiros para o ensino de APD.
A pesquisa possibilitou acessar o cinema nacional e
identificar diversos perfis de personagens com características
anti-sociais. Entre os desafios enfrentados no presente estudo,
o principal estava relacionado ao fato do cinema ser uma
produção artística, que não se pretende ser um instrumento
pedagógico. Os personagens apresentam critérios mistos de
diferentes PDs e, em muitos casos, o roteiro não fornece a
trajetória completa dos personagens. Em uma entrevista real, o
profissional pode acessar informações, por exemplo, da vida
familiar, história da infância ou sintomas físicos, que podem ser
de difícil compreensão em uma cena de cinema.
Em uma amostra de 38 caracteres, aproximadamente
44,73% foram diagnosticados com DPA. Obviamente, tal
frequência é numericamente maior do que a estimada na
população em geral que varia entre 1% e 4%29 Os critérios
diagnósticos também têm sido expressivos, sendo o DPA o
principal retratado entre dez outros DPAs.
ARTIGO ORIGINAL
Os personagens, referentes ao APD, foram 39,5% do total. Todos os
sete critérios diagnósticos para DPA foram encontrados nos
caracteres diagnosticados
O critério mais frequente para a DPA foi a prática de atos ilícitos
(2), ou seja, homicídio, estupro, lesão corporal, porte ilegal de arma
de fogo, tráfico de drogas, coerção, favorecimento à prostituição,
roubo, roubo, suborno, extorsão e furto. O desrespeito pela
segurança própria / alheia (42) e a ausência de remorso
(62) pode resultar na repetição de atos ilegais e violentos. Os
critérios para tendência a enganar, buscando o próprio benefício
(12), estiveram presentes em práticas como suborno e furto. No
contexto forense, indivíduos capazes de cometer assassinatos e
outros crimes violentos normalmente apresentam algum DP. Entre
os TPs apresentados pelo DSM, os agressores violentos tendem a
ser diagnosticados como APD, TP narcisista ou transtorno
paranóide (TP)30 Nas prisões brasileiras, a APD está fortemente
associada a roubo, sequestro e extorsão31
O critério de impulsividade (22) associou-se à
agressividade (32) em 29,4% dos casos. A impulsividade
também foi exemplificada pelo uso abusivo de substâncias
psicoativas em quase 30% dos casos. Essas combinações
convergem com casos clínicos reais onde tais
comportamentos consequentes devido à impulsividade
apóiam a definição diagnóstica de DPA16
Em relação à raça / cor, a maioria dos personagens
era branca (76,5%), existindo apenas quatro
personagens afro-brasileiros. Estudos que revisaram a
epidemiologia da DPA não mostraram investigações
sobre a predominância em grupos étnicos.
Os dados epidemiológicos de identidade astogênero e orientação
sexual foram semelhantes aos resultados desta amostra, o diagnóstico
mais comum ocorre em homens em uma proporção de até 5: 129,32.
Foram identificadas duas mulheres (11,7%) e um homem
homossexual (gay) (5,9%). As personagens femininas obtiveram
4 e 11 pontos no MGH PDC, respectivamente a maior e a
menor pontuação do estudo. O uso de manipulação sexual, a
violência verbal e social e a instabilidade emocional ilustram as
diferentes características de gênero, encontradas em mulheres
anti-sociais.20
Alguns personagens mudaram seus comportamentos
abrupta e radicalmente, e seu fim foi improvável; no entanto,
35,3% dos personagens tiveram morte prematura e violenta,
fator associado ao diagnóstico de DPA16
CONCLUSÃO
O cinema nacional apresenta grande variedade em seus roteiros e
personagens. O DPA e cada critério diagnóstico estabelecido pelo DSM-5
estavam presentes. Algumas características relacionadas que suportam
o diagnóstico também foram identificadas na análise de dados.
As histórias dos personagens tiveram extratos de realismo
variável. A importância deste estudo foi mostrar a sua
Desordem de pessoa anti-social filmes brasileiros 149
viabilidade no ensino de alunos e preparação de indivíduos para a
prática clínica, pois muitas cenas foram capazes de ilustrar o
diagnóstico com clareza.
O estudo específico do APD associado ao cinema e ao
ensino é um diferencial deste estudo. Limitou-se a uma
amostragem de conveniência, o que dificultou a generalização
dos resultados. Além disso, a avaliação feita por apenas um
especialista pode conter viés, uma vez que não foi comparada e
validada por pares. Mesmo assim, deve-se ressaltar que
existem diversos estudos que investigam o ensino da
psicopatologia por meio de filmes.22,24,28,33.
Visando o ensino de APD, os dados mostraram-se suficientes
para indicar a potencialidade do material como ferramenta didático-
pedagógica. As recomendações para pesquisas futuras nesta área
são necessárias com amostras maiores e mais avaliadores, o que
pode impactar estatisticamente o ensino de APD por meio dos
filmes brasileiros.
CONTRIBUIÇÕES INDIVIDUAIS
Declaramos que todos os autores: contribuíram
significativamente na realização, desenho, análise e
interpretação dos dados; contribuiu substancialmente para a
elaboração do artigo e revisou criticamente; e aprovou esta
versão final a ser publicada.
CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores informam que não há conflitos de interesse.
RECONHECIMENTOS
Os autores agradecem à Capes - Agência Federal de
Apoio e Avaliação da Pós-Graduação, pelo
financiamento da bolsa de estudo do primeiro autor.
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