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INSTITUTO DE DIREITO CANÔNICO

DA ARQUIDIOCESE DE LONDRINA
CONVENIADO AO PISDC – RIO DE JANEIRO
UNIVERSIDADE GREGORIANA
MESTRADO EM DIREITO CANÔNICO

ALEX GONÇALVES DIAS

EM DECORRÊNCIA DA DOGMATICIDADE TEOLÓGICA, O


DIREITO CANÔNICO É DIREITO OU TEOLOGIA?

LONDRINA
2020
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ALEX GONÇALVES DIAS

EM DECORRÊNCIA DA DOGMATICIDADE TEOLÓGICA, O


DIREITO CANÔNICO É DIREITO OU TEOLOGIA?

Trabalho apresentado à disciplina


Introdução à Metodologia Científica, do
Curso de Mestrado em Direito Canônico,
do Instituto de Direito Canônico da
Arquidiocese de Londrina, para obtenção
de nota e aproveitamento do curso.

Orientador: Prof. Dr. Paulo J. Tapajós

LONDRINA
2020
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 4
1. RELAÇÃO ENTRE FÉ, IGREJA E TEOLOGIA.............................................. 5
2. CONCEITO SOBRE DIREITO ........................................................................ 6
3. O DIREITO CANÔNICO................................................................................. 7
4. ORDENAMENTO E ESPAÇO JURÍDICO DO DIREITO CANÔNICO........... 7
5. A “CIÊNCIA CANÔNICA” DO DIREITO........................................................ 8
6. O DIREITO ECLESIÁSTICO X TEOLOGIA................................................... 9
7. CONCLUSÃO................................................................................................ 10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 11
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade apresentar elementos básicos para
se entender a relação entre Direito e Teologia, e tentar de certa forma responder,
se o Direito Canônico é direito ou teologia.
Partindo do pressuposto de que a Igreja é uma sociedade de fieis que, ao
longo da história foi se sedimentando e se organizando institucionalmente à luz do
Evangelho de Cristo, sendo fundamentada na fé do ressuscitado, e dá
continuidade ao projeto divino instaurado por Ele, em vista da salvação dos
homens, ela nasce objetivada por um Direito. Este Direito, à partir de um
ordenamento jurídico, rege de certa forma, essa mesma sociedade em vista de
sua finalidade, através de leis que visam direitos e deveres.
Sendo o Direito, algo produzido pela história humana, e a Igreja uma
sociedade composta de homens e mulheres que se organizam sob a “ordem” de
Deus, cabe à Teologia ajudar o Direito da Igreja, originário não da história, mas
da revelação, a alicerçar os meios e os fins, afim de que esta sociedade de fieis
alcancem o caminho da salvação.
Direito canônico e Teologia são autônomos, mas dependentes entre si,
pois ambos caminham dentro de uma realidade eclesiológica – de uma Igreja
humana, que participa e submete-se a uma natureza divina que a molda ao longo
da história.
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1. RELAÇÃO ENTRE FÉ, IGREJA E TEOLOGIA


A Igreja nasce da fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado na cruz. Jesus
é o Filho de Deus, que encarnado na história, revela o rosto do Pai. O Pai deu à
humanidade, submersa no pecado, o dom da Salvação, portanto, aquele ou
aquela que professa a fé em Jesus Cristo e segue os seus preceitos será salvo.
Assim afirma o apóstolo Paulo à comunidade de Cristã: “Porquanto, pela graça
sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus” (cf. Efésios
2,8).
Se a salvação é um dom de Deus, e Deus apresenta o caminho através de
seu Filho, que revela a Verdade do Pai, todo aquele que entrar e seguir o
Caminho proposto pelo Filho encontrará a Verdade, que produz Vida. Tudo isso
nos foi comunicado pela Graça do Espírito Santo, derramada no coração dos
apóstolos, e a partir deles, a cada um de nós.
A escuta e o seguimento dos ensinamentos de Jesus nos faz crer que
Deus existe, e consequentemente nos faz ter fé na promessa de salvação
revelada por Ele.
De acordo com a etimologia, a palavra fé tem origem no Grego "pistia" que
indica a noção de acreditar e no Latim "fides", que remete para uma atitude de
fidelidade. Ser fiel a Cristo significa assumir o compromisso com fidelidade e
disposição de tornar possível a todos, através da vida e do testemunho cotidiano,
a salvação.
A Constituição dogmática do Concílio Vaticano II, sobre a revelação divina
Dei Verbum, afirma em seu parágrafo primeiro:
“Pela revelação divina quis Deus manifestar e comunicar-se a Si mesmo e
os decretos eternos da Sua vontade a respeito da salvação dos homens, «para
fazê-los participar dos bens divinos, que superam absolutamente a capacidade da
inteligência humana” (DV 6).
E ainda no parágrafo segundo, item 8:
“... Ora, o que foi transmitido pelos Apóstolos, abrange tudo quanto
contribui para a vida santa do Povo de Deus e para o aumento da sua fé; e assim
a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações
tudo aquilo que ela é e tudo quanto acredita. (...)Esta tradição apostólica progride
na Igreja sob a assistência do Espírito Santo (5). Com efeito, progride a
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percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, quer mercê da
contemplação e estudo dos crentes, que as meditam no seu coração (cfr. Lc. 2,
19. 51), quer mercê da íntima inteligência que experimentam das coisas
espirituais, quer mercê da pregação daqueles que, com a sucessão do
episcopado, receberam o carisma da verdade. Isto é, a Igreja, no decurso dos
séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se
realizem as palavras de Deus” (DV 8).
Os dados revelados constituem o fundamento e a matéria prima da
Teologia. Não se trata de invenção, mas estudar e reafirmar a fé, naquilo que é
transmitido pela comunidade eclesial, consequentemente guiada por Deus.
A Teologia parte da fé e ela mesma é um ato de fé. A Teologia chama ao
dado revelado objetivo presente na Sagrada Escritura e na Tradição Eclesial
como a expressão “depósito da fé”. O Magistério atua como um depositário, que
mantém vivo o testemunho dos apóstolos e garante a sua integridade. A palavra
apostólica segue, portanto, viva. Este depósito da fé possui a capacidade de se
proteger contra corrupções e de se atualizar em novas situações culturais.
“Guardar o Depósito da Fé é missão que o Senhor confiou à sua Igreja e que ela
cumpre em todos os tempos” (Fidei Depositum).

2. CONCEITO SOBRE DIREITO


O Direito não nasce da fé, ele nasce junto com a sociedade. Onde está o
homem está o Direito. Sua finalidade é a de regular a vida em sociedade, manter
a ordem para que não prevaleça a força.
É o conjunto de normas jurídicas direcionadas e impostas a todos pelo
Estado. Estas normas vinculam a conduta humana, são regras cogentes de
comportamento (de ordem pública), determinando como agir ou não agir.
MIGUEL REALE, em Lições Preliminares de Direito, afirma que "aos olhos
do homem comum o Direito é a lei e ordem, isto é, um conjunto de regras
obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de
limites à ação de cada um de seus membros".
O Direito não nasce da fé, ele nasce junto com a sociedade. Onde está o
homem está o Direito. Sua finalidade é a de regular a vida em sociedade, manter
a ordem para que não prevaleça a força.
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Serve como instrumento para gerar a paz e harmonia nas diversas


relações sociais. Vale dizer que o Direito não deve refletir interesses individuais,
mas sim interesses de toda a coletividade, que muitas vezes colidem com os
interesses individuais.

3. O DIREITO CANÔNICO
O Direito canônico é o conjunto das normas que regulam e organizam a
vida da Igreja, abrangendo uma universalidade de cristãos, a fim de fazê-los
chegar aos fins precisos – a salvação das almas.
Diversos autores discorrem sobre o Direito canônico e sua natureza como
Direito da Igreja, entre eles cito dois:
“O Direito canônico é visto como o complexo de leis emanadas pela
autoridade competente para ordenar a constituição da Igreja e regular nela o
pastoreio dos fiéis nas matérias que são de competência da comunidade cristã”
(STARLINO, 2004, p. 38-39).
“A Igreja foi instituída por Cristo como uma sociedade e concretamente,
como uma sociedade constituída de órgãos hierárquicos e carismas. Da
concepção de Igreja como sociedade, ou povo de Deus, nasce a necessidade de
sua dimensão jurídica, visto que onde há sociedade também há necessariamente
direito e deveres, já que nenhuma sociedade pode viver sem um ordenamento
jurídico” (FELICIANI, 1994, p. 73).
Portanto, o Direito Canônico não é outra coisa, senão o Direito essencial da
Igreja.

4. ORDENAMENTO E ESPAÇO JURÍDICO DO DIREITO CANÔNICO


A Igreja como sociedade tem o direito de possuir o seu ordenamento
jurídico. O ordenamento jurídico eclesial tem como referência a revelação. A
revelação está acima e é anterior ao Estado. Há um direito natural que antecede o
Estado. Por isso, o Direito do Estado origina do Direito natural. Há uma instância
superior ao Estado de natureza divina.
O Direito é algo produzido pela história humana. O Direito humano nasce
da história humana, e a Lei, que está por trás do Direito, vem para positivar,
sendo aplicada de acordo com a realidade.
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Segundo Tapajós, “a Igreja é uma sociedade, e por isso também uma


realidade histórica. Essa não nasce da vontade humana, mas divina. Cristo, ao
fundar a Igreja, quis que essa tivesse um ordenamento jurídico. Desse modo, a
Igreja e o ordenamento jurídico têm relação íntima, criada pelo ponto comum que
é a dimensão histórica. O direito se define na história”.
Ele se preocupa com a linha reflexiva da ortodoxia doutrinal, mesmo
estando ligado a ela, está muito mais preocupado com a prática da caminhada da
fé, por isso, mutável, preocupando-se com o hoje, sem esquecer o passado,
colaborando com a Igreja na salvação da humanidade. Está a serviço da Igreja,
enquanto esta oferece o suporte revelado.

5. A “CIÊNCIA CANÔNICA” DO DIREITO


A Ciência do Direito Canônico, assim como a Teologia, baseia-se na
Revelação e na fé, contudo, não faria sentido alguém querer dedicar-se a elas
sem ter fé.
Se pensarmos em Direito como objeto científico, a ciência passa a ser uma
qualidade do Direito, sabendo que conhecimento científico do Direito não existe.
A ciência é objetiva: indicativa e operativa, ao passo que o Direito é
subjetivo, e a subjetividade não é uma ciência. O Direito não diz que tal coisa é
justa. Ele diz que temos que fazer, não interessando se certo ou errado.
Ser canonista é ser um jurista. O Direito, sendo sempre uma interpretação,
não pode ser pego ao pé da letra, por isso, exige subjetividade.
O objeto da Ciência canônica é a ordem social justa na Igreja, como nos
parece que também é o objeto do próprio Direito Canônico que está a serviço da
justiça na Igreja.
A Ciência canônica investiga o Mistério da Igreja onde encontra os princípios
revelados que, juntamente com os princípios da Ética social, são fundamento do
Direito canônico - Direito Divino. A sua adequação e concretização na prática,
constituem o aspecto humano do Direito canônico - Direito eclesiástico. Num e no
outro aspecto, segue-se o método jurídico.
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6. O DIREITO ECLESIÁSTICO X TEOLOGIA


Para que o Direito da Igreja possa ser visto como ciência, é preciso
desvinculá-lo da Teologia. Porém, quando falamos em Direito da Igreja, não
estamos falando em apenas Direito humano, mas também divino. Na Igreja, o
Direito vem de Deus. A sociedade não se organiza como quer, mas como Deus
quer. Se o Direito humano nasce na história, na Igreja não é assim. O Direito
eclesial se origina na revelação e não na sociedade, ele não é somente humano,
e por isso, precisa unir a razão à revelação.
Diferentemente da Teologia que possui o caráter de tornar as verdades
reveladas como objeto à fé, o direito canônico trata-as como regras e normas
para o agir da fé.
Ao longo da história esse “agir da fé” foi aos poucos se distanciando do
caráter supostamente moral, que se encarrega a teologia, para assumir um
caráter jurídico na Igreja, conforme afirma Mario Gonçalves, em seu livro
Introdução ao Direito Canônico.
Se o Direito Canônico não é Teologia, então ele carrega em si a dificuldade
de se estudá-lo como ciência. Embora pressuponha de alguma maneira a fé, o
Direito Canônico não é um discurso da fé, muito menos dogma. “Participa muito
mais das mutações históricas, culturais e sociais, próprias da natureza humana,
do que das certezas dogmáticas de fé” (Mario Gonçalves, 2004, p. 32).
Assim sendo, o Direito Canônico assume sua condição distinta da
Teologia, sem contrapô-la, mas ao mesmo tempo complementando-a e/ou
dependendo da mesma, na ação salvífica das almas (Salus animarum), por meio
da Igreja, depositária.
Embora o direito não seja propriamente teologia, ele tem a teologia como
referência. Nela estão os princípios da fé que norteiam o direito. A fé é o princípio
básico para se construir o conceito de justiça eclesial. O Conceito de justiça,
oferecido pela Teologia, nos leva a crer que o Direito Eclesial é um serviço do
Evangelho. A Teologia e o Direito, cada um na sua perspectiva e com método
especifico, se interessam pela mesma verdade revelada. O Direito se objetiva a
estudar a revelação e os princípios jurídicos extraídos do dado teológico. A
Teologia se ocupa das verdades da fé como objeto a ser crido, enquanto o Direito
Canônico trata-as como regras para o agir – como já afirmado anteriormente.
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CONCLUSÃO

Diante dos fatos apontados, podemos chegar à conclusão de que o Direito


Canônico ou eclesial não é Teologia, mas se relaciona com ela, pois tanto o
primeiro, quanto a segunda são parte integrante da reflexão eclesiológica.
Sendo a Igreja fundada à luz da fé em Jesus Cristo ressuscitado, e o
próprio Cristo quis assim torna-la viva, por meio da sucessão apostólica, “Tú és
Pedro, e sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja” (cf. Mt 16, 18), podemos
concluir que a Igreja existe por vontade divina. A iniciativa de criar a Igreja é de
Cristo. Ao fundar a Igreja, Cristo a faz com um ordenamento jurídico. Dessa
forma, o direito é um elemento essencial porque foi da vontade divina que assim
fosse. Deus quis assim, por isso, o ordenamento jurídico eclesial não é uma
invenção humana, mas divina.
Essa Igreja querida por Cristo tem duas dimensões inseparáveis: uma
histórica e outra mística ou espiritual.
O Direito eclesial ao ordenar a dimensão visível da Igreja atinge também a
dimensão espiritual sacramental, implicando, portanto ao Direito eclesial a
objetivação do agir humano em vista do acesso ao divino. Em outras palavras,
garantindo à sociedade dos fiéis, o acesso possível à salvação.
Ao conhecer as verdades reveladas e suas especulações teológicas,
essas ganham ordenamento visível, por meio do direito eclesial, a fim de explicitar
o modo como devem proceder aos que compõem, historicamente, a caminhada
eclesial.
Composta por seres humanos, a Igreja supõe a convivência social. Ao se
estabelecer nas relações sociais, a “sociedade dos fiéis” torna-se provida de
direitos e deveres. Quem ordena o conjunto das relações, em vista da finalidade
da Igreja, que é a salvação das almas, é o Direito eclesial.
Mesmo não sendo Teologia, o Direito eclesial ordena as verdades de fé
estudadas pela Teologia, garantindo, portanto a salvação dos que se submetem
viver sob esta realidade ordenada.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPPELLINI, E. O Direito Canônico no Magistério de Paulo VI. In:


CAPPELLINI, E. (org.). Problemas e Perspectivas de Direito Canônico. São
Paulo: Loyola, 1995, p. 13- 47.

_______. COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituições, Decretos, Instruções. In:


DEI VERBUM: Sobre a Revelação Divina. 31 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Código de


Direito Canônico. 12. ed. São Paulo: Loyola, 1983, cc.750 e 752.

GONÇALVES, Mário Luiz Menezes. Introdução ao Direito Canônico: Iniciação à


Teologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

MOLANO, E. Derecho Constitucional Canónico. Pamplona: EUNSA, 2013.

VIVEIROS, Paulo J. Tapajós. Direito Eclesial: Introdução Científica e


Metodológica. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.

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