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MÉTODO CLÍNICOi
Jean Piaget
Dessa forma, o exame clínico participa da experiência, no sentido de que o clínico coloca
problemas, realiza hipóteses, faz variar as condições em jogo, e enfim controla cada uma de suas
hipóteses no contato com as reações provocadas pela conversa. O exame clínico também inclui
observação direta, no sentido de que o bom clínico, ao dirigir, se deixa dirigir, e ao levar em conta
todo o contexto mental, ao invés de se tornar vítima dos “erros sistemáticos” como é freqüente no
caso do observador puro.” (p. 10).
“... Quando se empreende uma investigação dessa ordem sobre um grupo de explicações de
crianças, torna-se importante, a fim de orientar a pesquisa, partir-se de algumas perguntas
espontâneas formuladas por crianças da mesma idade ou mais jovens e aplicar essa mesma forma
às perguntas que se pretende fazer às crianças que serão sujeitos da pesquisa. É importante,
sobretudo, uma vez que se busca tirar conclusões dos resultados de uma investigação, que se
procure uma contraprova estudando-se as perguntas espontâneas das crianças. Dessa forma
perceberá se as representações obtidas das crianças correspondem ou não às perguntas que fazem
e à própria maneira com que formulam essas perguntas”.
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Excertos por Lia Leme Zaia
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desiludir. Por outro lado, é muito difícil discernir entre a crença e o jogo, a crença e a
fabulação.
Somente com auxílio de perguntas, apoiadas na atividade desenvolvida pela criança
sobre o material e nas suas verbalizações anteriores, com o auxílio de contraprovas e contra-
argumentações, colocadas pelo experimentador, é possível procurar esta distinção,
extremamente necessária para conhecer suas ideias sobre os objetos, o meio, o mundo. Há
assim necessidade de interrogar a criança sobre os pontos em que a observação pura não
permite a distinção entre a crença e a fantasia ou a resposta sugerida, bem como detectar os
erros sistemáticos a que eles conduzem.
“... O bom experimentador deve, efetivamente, reunir duas qualidades muitas vezes incompatíveis:
saber observar, ou seja, deixar a criança falar, não desviar nada, não esgotar nada e, ao mesmo
tempo, saber buscar algo de preciso, ter a cada instante uma hipótese de trabalho, uma teoria,
verdadeira ou falsa, para controlar.” (p. 11).
Cuidados Necessários
A necessidade de justificativas.
A cada resposta verbal, deve-se pedir justificativas, tais como: por quê?, Como você
descobriu?, Como você faz para saber se está certo?...Em algumas experiências, as
justificativas são pedidas apenas no final, para evitar interrupções, obter um resultado antes
do resultado final ou permitir à criança justificar espontaneamente.
Contraprovas
Quanto ao experimentador.
Como citado anteriormente, deve “saber observar, deixar a criança falar, não
desviar nada, não esgotar nada...”. Para saber buscar algo preciso, “... é necessário ter uma
hipótese de trabalho, uma teoria para controlar sua atuação e a interpretação dos resultados.
Há ainda necessidade, como já foi dito, de submeter o material coletado à crítica severa.
Alguns tipos de reações das crianças devem ser conhecidas para facilitar a
interpretação dos resultados das investigações. São elas:
"fabulação" quando a criança, sem mais refletir, responde a pergunta inventando uma
história, em que não acredita ou na qual crê por simples exercício verbal;
"crença sugerida" quando se esforça por responder, mas a pergunta sugere uma resposta, ou
quando procura apenas agradar o examinador, sem apelar para sua própria reflexão;
"perseveração" ou a resposta se mantém pela própria série de perguntas sugestivas, ou se
trata de uma espécie de não importismo.
"crença desencadeada" quando a criança responde com reflexão, extraindo a resposta de seus
próprios recursos, sem sugestão, mas sendo a pergunta nova para ela. Esta é necessariamente
influenciada pelo interrogatório porque a forma como a pergunta é feita a força a raciocinar
numa determinada direção e a sistematizar o seu conhecimento de uma certa forma. Trata-se,
entretanto, de um produto original do pensamento, não havendo influência direta sobre o
raciocínio feito ou sobre os conhecimentos anteriores de que se utiliza para responder à
pergunta.
"crença espontânea" quando a criança não precisa raciocinar e pode dar uma resposta
imediata, por já ter sido formulada ou já ser formulável. Ocorre quando a pergunta não é
nova, ou quando a resposta é fruto de uma reflexão anterior e original.
A questão da fabulação é mais delicada, uma vez que crianças pequenas costumam
inventar uma solução, simplesmente porque ela lhes agrada. Neste caso, não se trata de
crença, mas de uma brincadeira. Se a criança chega a acreditar no que diz é pelo exercício, da
mesma maneira que acredita nos jogos pelo simples prazer de acreditar.
A criança mais velha (mais de 8 anos) pode fazer fabulação seja para troçar de quem
lhe faz as perguntas, seja para evitar refletir mais ainda sobre uma pergunta que a aborrece.
A criança menor, de 4-5 anos, pode fabular por ser um de seus processos de pensamento, e a
maneira mais cômoda de afastar uma perturbação. Neste caso, trata-se de uma espécie de
solução, utilizada quando não encontra uma forma melhor de enfrentar um problema difícil.
Finalmente, a fabulação pode conter resíduos de crenças anteriores ou, mais raramente,
tentativas de construção de crenças futuras.
A última distinção consiste em observar que a criança fabula quando se diverte e o
não importismo nasce do aborrecimento.
casos em que ela desaparece progressivamente, demonstrando uma lenta maturação (com um
período de respostas intermediárias).
Assim, convém observar o aparecimento da resposta correta. Se as respostas iniciais
se mesclam às corretas no estágio intermediário e no início do terceiro, pode-se estar
praticamente seguro de que as respostas iniciais não são fabuladas.
Trata-se da maior dificuldade na aplicação do método clínico; uma vez que ambas
resistem à sugestão, têm raízes profundas no pensamento do sujeito, apresentam uma certa
generalidade entre as crianças da mesma idade, perduram durante anos, decrescem
progressivamente sem ceder bruscamente entrando em fusão com as primeiras respostas
certas, ou seja, com as respostas devidas à pressão do grupo adulto.
A única maneira de distinguí-las consiste na observação pura, pela qual uma pesquisa
deve iniciar e terminar, uma vez que o estudo das perguntas espontâneas das crianças é um
poderoso auxiliar. Entretanto, convém não esquecer suas limitações já descritas, como a
ausência de questionamento espontâneo das crianças sobre muitos aspectos, cujas respostas
ao exame clínico são bastante sistematizadas.
Este princípio consiste em considerar a criança, não como um ser de imitação, mas
como um organismo que assimila as coisas para si, seleciona, digere-as segundo sua própria
estrutura.
Deste ângulo, mesmo aquilo que é influenciado pelo adulto pode ser original. Por
outro lado, as imitações puras ou as reproduções puras também são freqüentes e, ainda, à
medida que evolui, a compreensão que a criança tem do adulto aumenta e ela se torna
susceptível de assimilar as crenças circundantes.
Cinco critérios devem ser aplicados simultaneamente para distinguir a crença
elaborada pela criança, com apoio em suas estruturas mentais, da crença fruto da imitação do
adulto.
- a uniformidade de uma crença em um grande número de crianças, permite crer na sua
originalidade;
- à medida que a crença evolui com a idade da criança, há mais possibilidade de se tratar de
crença original da criança;
- se o seu desaparecimento não é brusco, ocorrendo um conjunto de combinações ou de
compromissos entre a antiga e a nova crença, é provável que seja original;
- se resistir à sugestão e apresentar múltiplas ramificações, aparecendo um conjunto de
reações aproximadas, rata-se de uma crença solidária a determinada estrutura mental.
- observe-se que os cinco critérios devem ser aplicados simultaneamente para distinguir a
crença - produto da estrutura mental da criança, da crença - fruto da imitação do adulto.
(critérios válidos até o início do pensamento operatório formal).
Bibliografia
PIAGET, Jean. Os Problemas e os Métodos. In: A Representação do Mundo na criança. Rio
de Janeiro. Record. s/d. p.5 a 32 (edição original: 1926).