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REPÚBLICA DE ANGOLA

TRANSPORTE MARITIMO INTERNACIONAL DE

MERCADORIAS

Dezembro 2015

Formador: Luís Moita

Manual de Formação
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

INTRODUÇÃO

Tem este manual o propósito de abordar temáticas do Direito Marítimo


Internacional, no caso vertente, aquele que concerne aos contratos de utilização
comercial do navio, em particular o contrato de mercadorias por mar e o contrato
de fretamento.

Sendo este documento constituído por três partes distintas, entendi, por questões
de metodologia, iniciá-lo, abordando a temática do transporte sob conhecimento
de carga, tendo como legislação de suporte a Convenção de Bruxelas de 25 de
Agosto de 1924, a qual, já ultrapassada em muitos detalhes pela jurisprudência
internacional, encontra-se contudo, em vigor em Angola e, é parte integrante
maioria dos contratos de transporte efectuados; seguidamente, foram analisados
os vários tipos de contrato de fretamento, para os quais, embora já muitos países
tenham legislação específica e existam inúmeros contratos tipo, o espírito da
vontade expressa das partes contratantes continua a imperar; finalmente, foram
citados os contratos de transporte continuado (COA’S), muito utilizados para
garantir empréstimos bancários para aquisição de novas unidades de transporte.

Sendo o objectivo desta publicação o de dar um contributo, ainda que modesto,


para o esclarecimento de matérias de importância fulcral, para aqueles cujo seu
âmbito de actividade está relacionado com esta área do Direito.

Luís Moita

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ÍNDICE

Módulo III- Transporte marítimo internacional de mercadorias

A- O transporte marítimo de mercadorias ao abrigo de conhecimento de carga

1. Origem histórica
2. Definição, menções e tipos de conhecimentos de carga
3. Regime jurídico da Convenção de Bruxelas de 1924
4. Obrigações e responsabilidades das partes
5. Principais cláusulas do conhecimento de embarque-CONLINEBILL
6. Cartas de garantia
7. A Convenção de Hamburgo de 1978.

B- O transporte marítimo de mercadorias ao abrigo de carta-partida

1. Origem histórica
2. Definição
3. Forma do contrato de fretamento
4. Modalidades de fretamento
5. Definições legais e enunciações da respectiva carta-partida no fretamento por
viagem
6. Carta-partida e emissão de conhecimentos de carga-CONGENBILL
7. Sub-fretamento
8. Assinatura dos conhecimentos de carga nos casos de fretamento de navio

C- Contracts of affreightment
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

MÓDULO III – TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL DE MERCADORIAS

O TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIAS AO ABRIGO DE


CONHECIMENTO DE CARGA

1 - ORIGEM HISTÓRICA

Para melhor se compreender a evolução que culminou nas regras de Haia de 1921 e na
assinatura da convenção de Bruxelas de 1924, importa dar uma ideia, ainda que sumária,
da forma como, desde remotos tempos da Antiguidade, se processava o comércio
marítimo.

Na Antiguidade, devido às dificuldades de comunicação dos povos uns com os outros,


os mercadores não tinham possibilidade de negociar previamente a compra e venda das
mercadorias. Assim, na maior parte dos casos, era o comerciante que, em navios seus ou
de outrem, dava realização aos transportes por mar.

Normalmente, carregava um navio com as mercadorias que constituíam o objecto da sua


actividade e embarcava ele próprio no mesmo navio, a fim de, no porto ou portos de
destino, proceder à venda dessas mercadorias. Isso dava-lhe possibilidade de
acompanhar de perto as operações de carregamento, transporte e descarga das suas
mercadorias.

Chegado ao porto de destino, vendia as mercadorias transportadas e comprava outras


que transportava para venda no porto de origem ou em outro porto ou portos.

No entanto, aparecem já na antiga Grécia e em Roma armadores de navios que eram


contratados para transportar aos portos do império diversas mercadorias. Estes
armadores davam aos seus carregadores um recibo das mercadorias comprometendo-se
a entregá-las no destino a determinada pessoa ou a quem esta indicasse, podendo
considerar-se este recibo como o antepassado remoto do actual conhecimento de
embarque.

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Com o andar dos tempos, o alargamento do império e o consequente desenvolvimento


do comércio, o mercador vê-se na impossibilidade de acompanhar pessoalmente as
mercadorias expedidas por mar, encarregando de tal, umas vezes, o capitão do navio e,
outras vezes, uma terceira pessoa.
Aqui vai aparecer o capitão do navio com uma dupla função: a de encarregado da
navegação, por um lado, a de mandatário do mercador nos cuidados a dispensar ao
carregamento do navio e até mesmo na venda a efectuar no porto de destino das
mercadorias, por outro.
Toda esta evolução se vai aproximando cada vez mais dos modernos sistemas que
conduzem à entrega das mercadorias ao capitão para que este se ocupe da sua carga,
transporte e descarga.

Não podemos todavia, esquecer que, nesta recuada época, muitas pessoas eram
analfabetas e, como tal, tornava-se extremamente difícil a elaboração de um contrato
escrito, no qual ficassem consignados as obrigações e direitos de cada uma das partes
contratantes.

Já no século X nos aparece uma lei norueguesa dispondo que o contrato deve ser
materializado através de um aperto de mão na presença de testemunhas.

Porém, só em 1526, num édito da cidade de Florença, aparece pela primeira vez a notícia
da existência de um documento que se pode considerar antepassado do actual
conhecimento de embarque. Neste édito aparece designado por “apólice de
carregamento”.

A verdade, porém, é que, a partir do século XVI, o seu uso se começa a estender aos países
da Europa Ocidental, aparecendo-nos referido em várias Ordenanças desta época:
Ordenança de Filipe II, de 1563, sobre o comércio marítimo; Ordenança de Anvers, de
1570; Ordenança de Amesterdão, de 1598 e Ordenança das cidades Anseáticas
promulgada em Lubeque em 1591, mas ainda como mero recibo da mercadoria entrada
a bordo do navio.

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Muito mais perfeito vai aparecer posteriormente na Ordenança da marinha de 1861,


redigida por iniciativa do ministro francês de Luís XIV, Colbert. Esta Ordenança vai
servir de base a muitas legislações marítimas promulgadas a seguir.

O grande passo iria ser dado no século XIX, no tempo de Napoleão, que ordenou a
redacção do Código do Comércio, com uma parte dedicada ao Comércio Marítimo, onde
o conhecimento de embarque aparece, pela primeira vez, como documento negociável.
De simples recibo passa a título representativo da mercadoria e é igualmente
reconhecido pela Câmara de Comércio Internacional como documento de crédito.

O conhecimento transforma-se então, num documento essencial do transporte marítimo


de mercadorias, onde são incluídas numerosas cláusulas referentes ao contrato de
transporte em causa.

Deste modo, as obrigações dos Armadores em relação à mercadoria transportada


aumentam consideravelmente, razão pela qual estes começam a inserir nos
conhecimentos toda uma série de cláusulas de exoneração da sua responsabilidade.

No fim do século XIX, o panorama era tal, que se chegou a afirmar que “o Capitão
transporta o que quer, quando quer, para onde ele quer, como quer e no estado que mais lhe
convém”.1

Esta situação será alterada em 1921 com a elaboração das Regras de Haia, as quais mais
tarde deram origem à Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, para a Unificação
de Certas Regras em Matéria do Conhecimento, vigente em Angola a partir de 2 de
Fevereiro de 1952, através da portaria ministerial nº7865.

Esta Convenção pretendia ser um compromisso entre os interesses dos transportadores e


dos carregadores. Acontece, no entanto, que em virtude da longa lista de situações em
que a responsabilidade do transportador pode ser afastada, inscritas na Convenção,
muitos consideram que ela favorece os transportadores em detrimento dos carregadores.

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Deste modo, sob a influência e no âmbito do Grupo dos 77 da Convenção das Nações
Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), foi redigida nova Convenção,
designada por Convenção de Hamburgo de 1978.

Esta Convenção, só em 1 de Novembro de 1992, reuniu o número de assinaturas


suficientes à sua entrada em vigor, tendo sido ratificada por países como a Áustria,
Roménia, Hungria, Chile, Egipto, Quénia, Líbano, Marrocos, Nigéria, Senegal, Tunísia,
Serra Leoa e Tanzânia.

A Convenção de Bruxelas abrange o período de tempo desde que a mercadoria é


carregada a bordo do navio transportador até ao momento em que a mesma é
descarregada no porto de descarga.

Encontram-se excluídos do âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas (cfr. art. 1º) o


transporte de animais vivos e o transporte de mercadorias no convés. As normas
imperativas da Convenção de Bruxelas não são, assim, aplicáveis a estes tipos de
transportes que se regulam por disposições livremente aceites pelas partes.

No entanto, hoje em dia, a maior parte do transporte de “carga geral”, faz-se por meio de
contentores, em navios especialmente construídos para o efeito, em que a carga - os
contentores - pode ser transportada no convés.

2. DEFINIÇÃO, MENÇÕES E TIPOS DE CONHECIMENTOS DE CARGA

Definição de Conhecimento de Carga

O Conhecimento de Carga (em inglês designado por “Bill of Lading”, de onde vem a
abreviatura frequentemente utilizada “B/L”) poderá ser definido como o documento que
materializa o “contrato de transporte em virtude do qual um armador, na pessoa do capitão ou
de outra pessoa autorizada, o agente, reconhece ter recebido a bordo uma determinada

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mercadoria que se compromete a transportar de um porto para outro, mediante o pagamento de


um preço determinado, denominado frete”2.

O Conhecimento de Carga constitui uma prova escrita do contrato de transporte


celebrado. A primeira página do documento contém uma série de menções obrigatórias
referentes à descrição das partes envolvidas e da mercadoria a transportar e o verso do
documento contém diversas cláusulas mencionando as condições a que o contrato de
transporte está sujeito.

As partes envolvidas no contrato de transporte são, assim, o transportador (que se obriga


a transportar a mercadoria de um porto para outro), o carregador (aquele que solicita o
transporte mediante o pagamento de um preço, o frete) e o destinatário (aquele que
aparece a reclamar a mercadoria no porto de destino).

Embora o destinatário possa parecer um terceiro em relação ao contrato de transporte, o


conhecimento emitido e de que ele é portador, confere-lhe certos direitos, bem como
algumas obrigações. O destinatário da mercadoria, terá o direito de exigir do
transportador o pagamento de uma indemnização por eventuais faltas ou avarias da
mercadoria, e terá, igualmente, e em contrapartida, a obrigação de efectuar o pagamento
do frete, caso este não tenha sido liquidado no momento do carregamento.

Menções obrigatórias do Conhecimento

O Conhecimento de Embarque é emitido pelo transportador, com base nos elementos que
lhe são fornecidos pelo carregador, o qual será responsável pela veracidade das
declarações que presta.

As menções que devem obrigatoriamente figurar no Conhecimento de Carga, são as


seguintes:

a) Nome do navio transportador

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Nestes casos, o navio transportador será responsável pelos prejuízos sofridos pela carga,
sendo-lhe conferida, para o efeito, a personalidade judiciária.

b) Natureza da mercadoria e os eventuais cuidados especiais de que a mesma


careça.

c) Marcas principais necessárias à identificação da mercadoria.

d) Número de volumes ou de objectos e a quantidade ou o peso dos mesmos.

e) Tipo de embalagem e o acondicionamento da mercadoria.

f) Estado aparente da mercadoria.

O transportador só é obrigado a atestar o estado aparente da mercadoria que recebe para


embarque. Com efeito, não lhe é possível verificar, na maior parte dos casos, o conteúdo
das embalagens que recebe ou os vícios intrínsecos da mercadoria que transporta.

O transportador tem, assim, a faculdade de inserir “reservas” no Conhecimento de Carga


Estas deverão, no entanto, ser claras, precisas e susceptíveis de motivação. Um
Conhecimento com reservas diz-se sujo (em inglês, “unclean”), por oposição a um
Conhecimento limpo (“clean”, em inglês).

A importância destas menções prende-se com o facto de, por um lado, o transportador
ser obrigado a entregar a mercadoria no mesmo estado em que a recebeu, e por outro,
para permitir ao destinatário, seguradores e bancos que intervenham numa transacção
envolvendo o documento, poderem, de algum modo, verificar o estado ou valor da
mercadoria em causa.

Deste modo, a cláusula “said to contain” é uma das cláusulas mais frequentemente
usadas e aceites, precisamente quando o transportador não tem a possibilidade de
verificar, de forma razoável, o conteúdo da mercadoria que lhe é apresentada para
embarque.

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Por exemplo, quando recebe um contentor fechado e selado, o transportador não tem a
possibilidade de o abrir e de verificar o seu conteúdo, situação esta em que se justifica a
utilização da cláusula “said to contain”.

g) O porto de carga e de descarga.

h) Data.

I) Número de originais emitidos.

O Conhecimento de Carga é elaborado em vários exemplares originais e cópias não


negociáveis. O seu número varia consoante as necessidades das partes. No entanto, serão
pelo menos necessários dois originais, um para o carregador, que o fará chegar ao
recebedor da mercadoria, eventualmente por via bancária, e um outro para o
transportador, original este que acompanhará a mercadoria durante o transporte.

O próprio conhecimento deve mencionar o número de originais que foram elaborados,


ficando todos os outros ficam sem efeito, depois de ter sido dado cumprimento a um dos
originais emitidos.

Para além das menções obrigatórias, são inseridas nos Conhecimentos diversas cláusulas
que regulam o transporte em causa e que se referem, essencialmente, à legislação
aplicável ao contrato de transporte, à jurisdição competente em caso de litígio, à
mercadoria transportada (marcas, carga, estiva e descarga), à viagem (portos de
descarga, escalas do navio), à substituição do navio, ao frete e à responsabilidade do
transportador.

Funções do Conhecimento de Carga

O Conhecimento de Carga desempenha, essencialmente, quatro funções:


- Recibo da mercadoria embarcada;
- Título do contrato de transporte celebrado;

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- Documento negociável que descreve as características e o estado da mercadoria e que


dá o direito ao destinatário de reclamar a mercadoria no porto de destino;
- Título de crédito.

Tipos de Conhecimento de Carga

Relativamente ao modo de transmissão do Conhecimento de Carga, os conhecimentos


podem ser:

a) Nominativos

Neste caso, a mercadoria só poderá ser entregue ao destinatário mencionado no


Conhecimento. A transmissão deste título poderá, no entanto, ser feita através do
mecanismo da cessão de créditos, ou por endossos.

b) À ordem

Este tipo de conhecimento é o mais utilizado. A sua transmissão é possível também


através do endosso a uma pessoa determinada ou em branco.

c) Ao portador

Este tipo de conhecimento oferece uma menor segurança em virtude de ser transmissível
através de simples entrega.

Existem outros tipos de Conhecimentos de Carga, tais como:


- Recibo para embarque ou Conhecimento de Carga para Embarque (“Received for
shipment” em inglês).

Neste tipo de conhecimento a indicação do navio transportador é suprimida. A


mercadoria é depositada nos armazéns do transportador ou da empresa de estiva e será
posteriormente embarcada num dos navios daquele.

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Este documento prova a recepção das mercadorias e não o seu embarque. Após o
embarque das mercadorias o transportador deverá exarar neste documento a expressão
“carregado a bordo”, o nome do navio e a data.

- Conhecimento directo (“Through Bill of Lading”)

Este tipo de conhecimento é utilizado em transportes marítimos sucessivos, com


transbordo, ou nos transportes mistos, envolvendo diversos meios de transporte.

O transportador originário compromete-se a entregar a mercadoria no destino, embora


possa proceder ao transbordo da mesma. O destinatário conserva o direito de acção
contra o transportador originário, podendo este último, por sua vez, ressarcir-se dos
prejuízos causados à mercadoria pelos outros transportadores sucessivos.

As eventuais reservas que sejam emitidas pelos sucessivos transportadores não poderão
ser invocadas contra o destinatário, mas tão-somente entre os vários transportadores
envolvidos.

3. REGIME JURÍDICO DA CONVENÇÃO DE BRUXELAS DE 25 DE AGOSTO DE


1924

O artigo 1º define algumas expressões que, com bastante frequência, vão ser utilizadas
no articulado da Convenção a saber:

a) Armador - É o proprietário do navio ou o afretador que foi parte num contrato


de transporte com um carregador.
É sinónimo de “transportador”.

b) Contrato de transporte - Designa somente o contrato de transporte provado por


um conhecimento ou por qualquer documento similar servindo de título ao transporte
de mercadorias por mar, e aplica-se igualmente ao conhecimento ou documento similar
em virtude de uma carta-partida, desde que este título regule as relações do armador e
do portador do conhecimento.

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c) Mercadorias - Compreende os bens, objectos, mercadorias e artigos de


qualquer natureza, excepto animais vivos e a carga que, no contrato de transporte, é
declarada como carregada no convés e, de facto, é assim transportada.

d) Navio - Significa toda a embarcação empregue no transporte de mercadorias


por mar.

e) Transporte de mercadorias - Abrange o tempo decorrido desde que as


mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas-
por referência ao momento em que a mercadoria transpõe a borda do navio.

Estamos perante noções fundamentais cujo sentido é necessário apreender com a possível
exactidão, pois só assim será possível compreender a disciplina da Convenção. Vamos,
pois, dar uma pequena explicação relativa a cada um destes conceitos:

a) Armador - Não é mais do que o transportador, aquele que se compromete


perante o carregador, a transportar a carga, independentemente de o fazer com navio de
que é proprietário ou com navio afretado. É, pois, uma das partes no contrato de
transporte, aquela que fornece o meio de transporte, recebendo a carga num determinado
porto e comprometendo-se a entregá-la no porto de destino.

b) Contrato de transporte - É o acordo entre as partes (transportador e carregador)


que serviu de base à emissão do conhecimento e de cuja celebração e vigência este
constitui prova.

É muito importante a 2ª parte da definição. Efectivamente, mesmo tratando-se de


transporte sob fretamento, é normal, além da assinatura duma carta-partida, a emissão
dum conhecimento de embarque, que continua a ter as mesmas funções e a mesma
importância que teria se se tratasse de transporte apenas por ele titulado.

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É que de facto a carta-partida apenas serve de prova à celebração do contrato de


fretamento, mas não prova o embarque da mercadoria. Esta última função - recibo da
mercadoria - é desempenhada pelo conhecimento.

Por outro lado, ainda que emitido ao abrigo dum contrato de fretamento, o conhecimento
continua a ser um documento negociável.

Poderá parecer, à primeira vista, que existindo um contrato de fretamento e sendo


emitido um conhecimento, se estará perante a existência de dois contratos de transporte
os quais podem ter cláusulas contraditórias, dificultando as relações entre as partes em
presença. Tal dificuldade é facilmente superável:
a) É normal a inserção nos conhecimentos emitidos ao abrigo de uma carta-
partida desta cláusula: “todas as condições de acordo com a carta-partida”. Esta cláusula tem
como consequência que, em caso de divergência entre a carta-partida e o conhecimento
prevalece a carta-partida.

Mas, ainda que tal cláusula não faça parte do conhecimento, as relações entre armador e
afretador continuarão a ser reguladas pela carta-partida, limitando-se o conhecimento ao
papel de documento probatório do embarque da mercadoria, documento negociável e
apenas subsidiariamente se aplicarão as suas cláusulas, isto é, só para aqueles problemas
em que a carta-partida seja omissa.

b) Pode suceder, no entanto, que o conhecimento passe às mãos de terceiro,


estranho ao contrato de fretamento, e aqui o problema é já inteiramente diferente.

As relações do armador com o terceiro portador do conhecimento ficarão já


submetidas às regras da Convenção. É isto mesmo que determina a 2ª parte da alínea b)
do artº 1º “e aplica-se igualmente ao conhecimento ou documento similar emitido em virtude
duma carta-partida, desde que este título regula as relações do armador e do portador do
conhecimento”.

Isto mesmo é confirmado pelo artigo 5º da Convenção na 2ª parte “nenhuma


disposição da presente Convenção se aplica às cartas-partidas; mas, se no caso de um navio, regido
por uma carta-partida forem emitidos conhecimentos, ficarão estes sujeitos aos termos da

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presente Convenção”, no que se refere, evidentemente, às relações entre armador e o


terceiro-portador do conhecimento, como impõe a alínea b) do artº 1º.

Em resumo, o regime é o seguinte:

I - Relações entre armador e afretador: rege a carta-partida e, subsidiariamente as


cláusulas do conhecimento;

II - Relações entre armador e terceiro portador do conhecimento: valem as regras da


Convenção e as cláusulas do conhecimento de embarque

c) Mercadorias - Abrange tudo aquilo que, como carga, embarca no navio, excepto
animais vivos e aquela carga que, declarada como carregada no convés, aí é efectivamente
transportada.

Porquê a exclusão do âmbito da Convenção dos animais vivos e da carga do convés?


Trata-se de mercadorias sujeitas a riscos maiores que as restantes e por tal facto, a
Convenção quis deixar às partes autonomia para, por acordo mútuo, fazerem a
distribuição dos respectivos riscos.

d) Navio - Não suscita problemas a interpretação do conceito. Salienta-se apenas que a


Convenção só se aplica ao transporte por mar.

e) Transporte de mercadorias - Trata-se de um dos conceitos da Convenção sobre o qual


maior divergência tem existido tanto na doutrina como na jurisprudência. A definição,
em si, parece simples, mas não é. Como interpretar a expressão: “tempo decorrido desde que
as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas?”:
Quando é que as mercadorias se podem considerar carregadas e quando é que podem
considerar-se descarregadas?

A estas perguntas têm sido dadas as respostas mais díspares, quer pela doutrina, quer
pela jurisprudência.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Em nosso entender, a melhor interpretação seria:

I - Consideram-se carregadas a partir do momento em que entram em contacto físico com


o aparelho de carga.

II - Consideram-se descarregadas, a partir do momento em que deixam de estar em


contacto físico com o aparelho de descarga.

“a mercadoria considera-se carregada no momento em que, no porto de carga, transpõe a borda do


navio de fora para dentro e descarregada no momento em que, no porto de descarga, transpõe a
borda do navio de dentro para fora”.

Estatui, a seguir, o artigo 2º que “salvo o disposto no artigo 6º, o armador, em todos os contratos
de transporte de mercadorias por mar, ficará, quanto ao carregamento, manutenção, estiva,
transporte, guarda, cuidados e descarga dessas mercadorias, sujeito às responsabilidades e
obrigações, e gozará dos direitos e isenções indicadas nos artigos seguintes”, isto é, ficará sujeito
ao regime jurídico constante da Convenção.

4. OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADES DAS PARTES

Obrigações do transportador

As obrigações do transportador constituem o elemento essencial da Convenção, a sua


razão de ser, aquilo que lhe deu origem. E, porque se trata de preceitos com carácter
imperativo, os armadores não se podem pôr a coberto de tais obrigações por meio das
tradicionais cláusulas de exoneração. Tais cláusulas de exoneração estão expressamente
vedadas pela mesma Convenção ao estatuir no nº 8 do artigo 3º que “será nula, de nenhum
efeito e como se nunca tivesse existido, toda a cláusula, convenção ou acordo num contrato de
transporte exonerando o armador ou o navio da responsabilidade por perda ou dano concernente a
mercadorias provenientes de negligência, culpa ou omissão dos deveres ou obrigações preceituados
neste artigo, ou atenuando essa responsabilidade por modo diverso do preceituado na presente
Convenção”.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Como vamos ver, o artigo 3º é disposição fundamental no corpo da Convenção, pois aí


estão fixados por forma clara e inequívoca as obrigações que impendem sobre o
transportador ou armador.

I) Obrigações relativas a navio: Determina o nº 1º do artigo 3º que “o armador será obrigado,


antes e no início da viagem, a exercer uma diligência razoável para:
a) Pôr o navio em estado de navegabilidade;
b) Armar, equipar e aprovisionar convenientemente o navio;
c) Preparar e pôr em bom estado os porões, os frigoríficos e todas as outras partes do navio em que
as mercadorias são carregadas, para a sua recepção transporte e conservação”.

Navegabilidade - aptidão do navio para empreender a viagem (navegabilidade absoluta)


e para transportar em boas condições a mercadoria em causa (navegabilidade relativa).

Armar - Diz respeito especificamente ao navio em si e às condições para empreender a


viagem;
Equipar - Refere-se à equipagem ou tripulação sem a qual o navio não pode fazer-se ao
mar;
Aprovisionar - Refere-se aos mantimentos, aguada e combustível, que o navio deve ter
em quantidade suficiente para a viagem que vai empreender.

A alínea c) é particularmente importante, porquanto impõe ao armador a preparação


conveniente dos compartimentos do navio onde a carga vai ser estivada. Tal preparação
deverá ser cuidadosa tendo em atenção a natureza especial de cada uma das mercadorias
a transportar, os cuidados que vão exigir durante a viagem, as incompatibilidades de
umas em relação às outras. Em resumo, impõe esta alínea que o armador providencie e
prepare o navio para receber as cargas, de tal modo que estas sejam entregues no destino
no mesmo estado em que foram recebidas na origem.

Impõe-se que o “armador será obrigado a exercer, uma razoável diligência”. Que entender por
“razoável diligência”?

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Razoável diligência é aquela que pode ser exigida a um bom pai de família. O conceito é
ainda bastante amplo, mas será melhor precisado quando estudarmos a propósito do
artigo 4º as exonerações do armador.

II - Obrigações relativas à carga: Determina o nº 2 do mesmo artigo 3º que o “armador,


salvo o disposto no artigo 4º procederá de modo apropriado e diligente ao carregamento,
manutenção, estiva, transporte, guarda, cuidados e descarga das mercadorias transportadas”.

Este preceito desenvolve o conteúdo da alínea c) do nº 1. O armador terá que, além de


proceder às operações de carga e de descarga das mercadorias, manter uma vigilância e
cuidados constantes durante a viagem para que a carga se mantenha em perfeitas
condições e chegue ao porto de descarga no mesmo estado em que foi recebida a bordo
no porto de embarque.

O preceito em questão é bastante claro e impõe cuidados durante as operações de carga


e descarga mas não só. Esses cuidados impostos pela Convenção terão de manter-se
durante toda a viagem.

E de nada valerá, como já referimos, o armador tentar exonerar-se de responsabilidades


através de cláusulas constantes dos conhecimentos porquanto tais cláusulas serão
inteiramente irrelevantes e consideradas como inexistentes.

Aliás, recorda-se, que a existência e o abuso das cláusulas de exoneração as mais variadas,
é que estiveram na base da Conferência de onde vieram a nascer as regras da Convenção.

III - Obrigação de entregar o Conhecimento: Impõe o nº 3 do mesmo artigo 3º que “depois


de receber e carregar as mercadorias, o armador, o capitão ou agente do armador deverá, a pedido
do carregador, entregar a este um conhecimento contendo, entre outros elementos”.

Trata-se de facultar ao carregador um meio de prova do embarque das mercadorias, de


lhe facultar por escrito as condições que regem o transporte, geralmente exarados no
verso dos conhecimentos e, ao mesmo tempo, dar-lhe a possibilidade de negociar o

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

conhecimento e, finalmente dotá-lo com o documento que no porto de descarga, dará


direito ao levantamento da mercadoria.

Determina ainda o nº 4º que “um tal conhecimento constituirá presunção salvo a prova em
contrário, da recepção pelo armador das mercadorias tais como foram descritas conforme o § 3º
alíneas a), b) e c)”.

Exonerações Legais

Como vimos, não é possível ao armador introduzir cláusulas nos conhecimentos


destinados a afastar ou mesmo reduzir a sua responsabilidade, tal como esta é
configurada pela mesma convenção.

Mas, a própria Convenção prevê expressamente uma série de exonerações que, por tal
facto, podemos considerar como legais:

I) Como já vimos, a carga de convés e os animais vivos estão, por disposição expressa,
excluídos do âmbito da Convenção, imperando quanto a eles o princípio da liberdade
contratual.
II) Exonerações previstas no nº 2 do artigo 4º que determina que “nem o armador nem o
navio serão responsáveis por perda ou dano resultante ou proveniente:

a) De actos, negligência ou falta do capitão, mestre, piloto ou empregados do armador na


navegação ou na administração do navio;
b) De um incêndio, salvo se for causado por falta ou culpa do armador;
c) De perigos, riscos ou acidentes do mar ou de outras águas navegáveis;
d) De casos fortuitos;
e) De factos de guerra;
f) De factos de inimigos públicos;
g) De embargo ou coacção de governo, autoridades ou povo, ou de uma apreensão judicial;
h) De uma imposição de quarentena;
I) De um acto ou duma omissão do carregador ou proprietário das mercadorias ou do seu agente
ou representante;

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

j) De greves ou lock-outs, ou de suspensão ou dificuldades postas ao trabalho, seja qual for a causa,
parcialmente ou totalmente;
k) De motins ou perturbações populares;
l) De uma salvação ou tentativa de salvação de vidas ou bens no mar;
m) De desfalque de volume ou peso, ou de qualquer outra perda ou dano resultante de vício oculto,
natureza ou vício próprio da mercadoria;
n) De uma insuficiência de embalagem;
o) De uma insuficiência ou imperfeição de marcas;
p) De qualquer outra causa não proveniente de facto ou culpa do armador ou de facto ou culpa de
agentes ou empregados do armador, mas o encargo da prova incumbirá à pessoa que invoca o
benefício dessa isenção e cumprir-lhe-á mostrar que nem a culpa pessoal, nem o facto do armador,
nem a culpa ou o facto dos agentes ou empregados do armador contribuíram para a perda ou dano".

Saliente-se que, de cada vez que o armador invocar uma destas causas de exoneração,
será a ele que competirá provar que elas de facto se verificaram, não bastando a sua mera
invocação. Se não puder produzir tal prova, responderá pelos danos causados às
mercadorias como se nada tivesse acontecido. Em linguagem jurídica diz-se que o ónus
da prova recai sobre o armador.

Em todos os casos, o armador, para se libertar de responsabilidade, terá que provar que
actuou diligente e cuidadosamente para que nada sucedesse à carga, que utilizou a
razoável diligência que, como referimos, lhe é imposta ou que só por uma das causas de
exoneração transcritas é que as avarias e/ou faltas se verificaram.

Consequências do não cumprimento das suas obrigações por parte do transportador

Todas as obrigações do transportador marítimo se reconduzem ao dever de entregar no


porto de destino as mercadorias transportadas no mesmo estado em que as recebeu no
porto de embarque. Se porventura, à descarga, essas mercadorias se apresentarem com
faltas ou avarias imputáveis ao transportador, este terá que responder pelas mesmas
concedendo aos legítimos interessados as indemnizações por perdas e danos
correspondentes aos prejuízos causados.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Como vimos, a descrição da mercadoria, na altura do embarque, consta do respectivo


conhecimento. Se a mercadoria se encontrar em perfeitas condições, o conhecimento é
emitido limpo, constituindo tal emissão presunção do seu bom e perfeito estado; se
porventura a mercadoria, ao embarque, já se apresentar com faltas ou avarias, tal facto
deverá ser objecto de observações ou reservas transcritas nos conhecimentos de
embarque.

À descarga, no porto de destino, há que verificar o estado em que a mercadoria se


encontra para determinar se o transportador cumpriu ou não cumpriu as suas obrigações.

Se porventura se constata a existência de perdas ou danos há que pedir responsabilidades


ao transportador.

Trata-se de um problema que também foi contemplado na Convenção.

Efectivamente, determina o nº 6 do artigo 3º que "salvo o caso de ser dado armador ou ao seu
agente no porto de desembarque um aviso, por escrito da existência e da natureza de quaisquer
perdas e danos, antes ou no momento da retirada das mercadorias e da sua entrega à pessoa que
tem o direito de recebê-las em virtude do contrato de transporte, essa retirada constituirá, até prova
em contrário, uma presunção de que as mercadorias foram entregues pelo armador tais como foram
descritas no conhecimento".

Conclui-se daqui que os interessados nas cargas deverão apresentar as suas reclamações
ao transportador, se se tratar de avarias ou faltas visíveis, no momento em que termina a
sua responsabilidade. Tais reclamações devem:
a) Ser feitas por escrito;
b) Indicar quais as faltas e avarias verificadas;
c) Especificar a natureza das faltas e avarias referidas.

Continua o mesmo nº 6 "se as perdas e danos não são aparentes, o aviso deve ser dado no prazo
de três dias a contar da entrega", isto é, para o caso de faltas e/ou avarias não visíveis,
dispõem os interessados nas cargas de três dias para apresentação das suas reclamações.

21
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Normalmente a prova do estado em que, na altura da descarga do navio, se encontram


as mercadorias é feita com base nas reservas que foram exoneradas pelos serviços de
conferência. No entanto, pode suceder e sucede bastantes vezes que, a pedido do
interessado na carga ou do próprio transportador, o estado da mercadoria é verificado
através de vistoria contraditória. Neste caso, dispõe ainda o nº 6 do artigo 3º "as reservas
escritas são inúteis se o estado da mercadoria foi contraditoriamente verificado no momento da
recepção”. Mas, nos restantes casos as observações anotadas pelos conferentes mantêm
todo o seu valor e são de importância primordial para provar o estado da mercadoria.

Vimos já que no caso de não ser dado ao transportador o aviso escrito da existência de
perdas ou danos nas mercadorias, dentro dos prazos assinalados, se presume que as
mercadorias foram entregues pelo navio nas mesmas condições em que haviam sido
recebidas a bordo.

Trata-se no entanto, de uma simples presunção que pode sempre ser destruída por prova
em contrário.

Mas os interessados nas cargas se quiserem, através de acção judicial, fazer prova que
destrua tal presunção têm que respeitar um prazo para além do qual se extingue o seu
direito. Tal prazo é de um ano. Com efeito, dispõe ainda o nº 6 do artigo 3º da Convenção
"em todos os casos o armador e o navio ficarão libertados de toda a responsabilidade por perdas e
danos, não sendo instaurada a respectiva acção no prazo de um ano a contar da entrega das
mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues".

Assim, só no prazo de um ano, poderão os interessados nas cargas usar do direito de


acção para fazerem valer os seus direitos perante os tribunais.

Findo este prazo já nenhuma responsabilidade pode ser pedida ao transportador. Em


linguagem jurídica, diz-se que os direitos dos interessados nas cargas caducam ao fim de
um ano.

O mesmo nº 6 impõe ainda ao transportador e ao destinatário das cargas um dever


comum: "em caso de perda ou danos certos ou presumidos, o armador e o destinatário

22
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

concederão reciprocamente todas as facilidades razoáveis para a inspecção da mercadoria e


verificação do número de volumes".

Trata-se de uma imposição que assenta no princípio da boa fé e se destina a garantir às


partes envolvidas todos os meios necessários para o exacto apuramento das
responsabilidades.

Limitação da responsabilidade do transportador

O nº 5 do artigo 4º da Convenção determina que:

"Tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados
às mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume
ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor
destas mercadorias tiver sido inserida no conhecimento”.

Vimos já que o transportador marítimo, dada a natureza do meio em que desenvolve a


sua actividade, beneficia de um conjunto apreciável de causas de exoneração de
responsabilidade. É que, de facto, o transporte marítimo está sujeito a um conjunto de
riscos específicos e sempre se entendeu que, por isso, seria necessária a existência de
determinados incentivos.

Também a limitação da responsabilidade constitui uma das especificidades do direito


marítimo, que aparece consagrada não só nesta Convenção, mas em outras,
nomeadamente, na Convenção Internacional sobre o limite de responsabilidade dos
proprietários de navios de alto mar, assinado em Bruxelas em 10.10.57.

Convém chamar a atenção para a 2ª parte do preceito transcrito nos termos do qual a
limitação de responsabilidades por volume ou unidade pode desaparecer se o valor das
mercadorias for expressamente declarado no respectivo conhecimento de carga.

Contudo, nestes casos, o transportador tem a faculdade de cobrar o frete, não pelo taxa
fixada na tabela normal para o tráfego em questão, mas de acordo com uma taxa “ad

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

valorem'' isto é, calculado de acordo com o próprio valor da mercadoria, valor pelo qual
passa, efectivamente, a ser responsável, em caso de perda ou dano que lhe sejam
imputáveis.

Obrigações do carregador

As obrigações prescritas pela Convenção e que recaem sobre o carregador não são mais
do que aplicações práticas do princípio da boa-fé que deve presidir a qualquer declaração
negocial.

Assim é que determina o nº 5 do artigo 3º que “o carregador será considerado como tendo
garantido ao armador, no momento do carregamento, a exactidão das marcas, do número, da
quantidade e do peso, tais como por ele foram indicadas, e indemnizará o armador de todas as
perdas, danos e despesas provenientes ou resultantes de inexactidão sobre estes pontos”.

Acrescenta o nº 5 do artigo 4º na sua parte final que “nem o armador nem o navio serão
responsáveis, em caso nenhum, pelas perdas e danos causados às mercadorias ou que lhes sejam
concernentes, se no conhecimento o carregador houver feito, conscientemente, uma falsa declaração
da sua natureza ou do seu valor".

Impõe ainda o nº 6 do mesmo artigo 4º que "as mercadorias de natureza inflamável, explosiva
ou perigosa, cujo embarque o armador, o capitão ou o agente do armador não consentiriam se
conhecessem a sua natureza ou o seu carácter, poderão ser, a todo o momento, antes da descarga,
desembarcadas em qualquer lugar, destruídas ou tornadas inofensivas pelo armador, sem
indemnização e o carregador dessas mercadorias será responsável por todo o dano e pelas despesas
provenientes ou resultantes, directa ou indirectamente, do embarque delas. Se alguma dessas
mercadorias embarcadas com o conhecimento e o consentimento do armador, se converter em perigo
para o navio ou para a carga, poderá ser da mesma maneira desembarcada ou destruída ou tornada
inofensiva pelo armador, sem responsabilidade para este, salvo a que resultar de avarias comuns
havendo-as".

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Como se vê dos preceitos transcritos resulta claramente que o carregador terá sempre que
responder pelas suas falsas declarações. Mesmo que não tenha feito falsas declarações
tem que assumir os riscos próprios das cargas perigosas.

5 - PRINCIPAIS CLÁUSULAS DO CONHECIMENTO DE CARGA

Vamos agora debruçar a nossa atenção sobre algumas das principais cláusulas que os
conhecimentos de carga, dum modo geral, incluem.

Efectivamente, a Convenção ocupa-se especificamente da definição de


responsabilidades, mas deixando omissos muitos outros aspectos, que as partes
livremente podem fixar e que são objecto de cláusulas impressas nos conhecimentos.

As principais são:

1. Cláusula Principal: Determina esta cláusula qual a legislação aplicável ao contrato de


transporte. Pode ter a seguinte redacção: ''devem ser aplicadas a este contrato as Regras de
Haia contidas na Convenção Internacional para a unificação de determinadas regras relativas a
conhecimentos de embarque, datadas de Bruxelas aos 25 de Agosto de 1924, tal como promulgadas
no país de embarque. Quando no país em que o embarque seja efectuado as regras não tenham sido
adoptadas, aplicar-se-á a legislação correspondente do país de destino mas, no que se refere aos
embarques para os quais não existem disposições legais obrigatoriamente aplicáveis, serão
observadas as condições da citada Convenção".

2. Cláusula de jurisdição: Determina esta cláusula qual o tribunal competente em caso de


litígio, para decidi-lo. Pode apresentar-se com esta redacção: "todos os litígios resultantes do
presente conhecimento serão decididos no país onde o transportador tenha a sua sede principal e
serão aplicadas as leis desse país, salvo disposição em contrário contida neste conhecimento''.

3. Cláusulas relativas às mercadorias transportadas:

I - Animais vivos e cargas de convés: Alguns conhecimentos têm uma cláusula


respeitante a esta carga à qual costuma ainda juntar as plantas. Pode aparecer com esta

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

redacção: "serão transportados consoante as Regras de Haia, com a excepção de que o


transportador não será responsável por qualquer perda ou dano resultante de qualquer acto,
negligência ou falta do seu pessoal no manejo de tais animais, plantas e mercadorias transportadas
no convés".
Com esta cláusula submete-se às regras da convenção o transporte destas mercadorias
naquilo em que tais regras favorecem o transportador, afastando-as no que lhe é
desfavorável.

Trata-se de uma cláusula de validade duvidosa mesmo considerando que as mercadorias


em questão são expressamente excluídas do âmbito da Convenção, ficando as partes com
inteira liberdade para contratarem o que melhor lhes convier.

II - Carga, descarga e entrega: Quase todos os conhecimentos têm uma cláusula


subordinada a esta epígrafe e destinada a regular aqueles pontos que na Convenção não
são suficientemente claros, relativos a estas operações.

III - Estiva: Alguns conhecimentos incluem também, uma cláusula relativa aos diversos
lugares onde a carga pode ser estivada. Trata-se, no entanto, de uma cláusula de reduzido
interesse, na medida em que, vá estivada onde for, o transportador terá sempre que
responder por ela de acordo com a Convenção.

IV - Insuficiência de marca: Trata-se também de uma cláusula, em princípio, sem


interesse, uma vez que o assunto está expressamente regulado pela Convenção.

4. Cláusulas relativas à viagem:

I - Cláusula de opção - É bastante vulgar um navio receber carga para ser descarregada
num de dois portos, à opção. Neste caso, o proprietário da mercadoria terá que avisar o
transportador, com certa antecedência, acerca do porto onde pretende que a mercadoria
seja descarregada. Os conhecimentos podem incluir uma cláusula em que esse problema
seja regulado e que pode apresentar-se com esta redacção: "o porto de descarga para carga à
opção deverá ser declarado aos agentes do navio, no primeiro porto de opção, o mais tardar 48 horas
antes da chegada do navio a esse porto. Na falta de tal declaração, o armador poderá decidir efectuar
a descarga no primeiro ou em qualquer outro dos portos à opção e o

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

contrato de transporte será então considerado como tendo sido cumprido. Qualquer opção não
poderá ser exercida senão para a quantidade total a coberto do presente conhecimento de embarque".

II - Definição da viagem. Sob esta epígrafe, costuma inserir-se no conhecimento uma


cláusula destinada a permitir ao navio:

a) Suprimir escalas habituais ou anunciadas;

b) Escalar portos não previstos nos itinerários;

c) Escalar várias vezes o mesmo porto;

d) Regular agulhas;

e) Entrar em doca seca;

f) Ser reparado;

g) Ser abastecido;

h) Desembarcar passageiros clandestinos;

i) Navegar sem piloto;

j) Rebocar ou ser rebocado;

k) Salvar vidas e haveres.

5. Substituição de navio e transbordo de mercadorias: É normal também a inserção nos


conhecimentos de embarque de uma cláusula permitindo ao armador substituir o navio
previamente anunciado ou, em qualquer fase do transporte, baldear para outro ou outros
navios seus ou de outros armadores as mercadorias. Costuma inserir-se nesta cláusula
um aditamento deste tipo "a responsabilidade do transportador será limitada à parte

27
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

do transporte realizado por ele próprio em navios sob a sua direcção e nenhuma reclamação será
reconhecida pelo transportador por dano ou perda que aconteçam durante qualquer outra parte do
transporte mesmo que ele tenha recebido o frete pela totalidade do transporte”.

Pretende o transportador, com este aditamento, limitar a sua responsabilidade à parte do


transporte efectuada em navios seus. Ora, o alcance prático de tal aditamento é bastante
limitado.

Sucede, com frequência, serem recebidos num porto cargas sujeitas a baldeação num
porto intermédio e ser emitido para os mesmos um conhecimento directo. Neste caso, o
transportador que emite o conhecimento directo é responsável perante o carregador pela
totalidade do transporte uma vez que se comprometeu a conduzir a carga ao seu destino
final. O que pode é ele próprio exercer o seu direito sobre os outros transportadores, se
porventura se verificaram perdas ou danos imputáveis a estes. O transportador que
emitiu o conhecimento directo responde perante o carregador; os restantes
transportadores respondem perante aquele que emitiu o conhecimento directo.

6. Cláusulas relativas ao frete:

I - Frete: Costuma inserir-se no conhecimento uma cláusula que pode ter esta redacção:
“0 frete pagável antecipadamente, quer esteja efectivamente liquidado ou não, será considerado
como inteiramente devido a partir do embarque e não restituível em caso algum".

II - Direito de retenção: Esta cláusula pode apresentar-se assim "o transportador terá o
direito de retenção em garantia de quaisquer importâncias devidas ao abrigo deste contrato e custos
da sua cobrança, e terá o direito de vender as mercadorias particularmente ou em leilão para ser
reembolsado das importâncias de que é credor”.

7. Cláusulas relativas à responsabilidade do transportador: Como tivemos


oportunidade de verificar, a responsabilidade do transportador e as suas exonerações
constam da Convenção de Bruxelas que considera nulas e inexistentes quaisquer
cláusulas dos conhecimentos que limitem ou excluam essa responsabilidade.

28
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

No entanto, a maior parte dos conhecimentos de embarque continua a inserir numerosas


cláusulas de exoneração, em violação clara de tais imperativos legais, o que, por vezes, se
transforma em fonte de discussões longas e estéreis.

Existem, no entanto, cláusulas de exoneração que podem considerar-se válidas: Vamos


apenas enumerar as principais:

I - Período de responsabilidade - Esta cláusula pode apresentar-se sob a forma seguinte:


"0 Transportador ou o seu Agente não será responsável por perda ou dano nas mercadorias que
sejam causados no período anterior ao carregamento e posterior à descarga do navio, seja qual for
a forma como a perda ou dano sucedeu".

Trata-se de uma cláusula válida, pois o artigo 7º da Convenção expressamente determina


que "nenhuma disposição da presente Convenção proíbe ao armador ou carregador inserir num
contrato estipulações, condições, reservas ou isenções, relativas às obrigações e responsabilidades
do armador, ou do navio, pelas perdas e danos que sobrevieram às mercadorias, ou concernentes à
sua guarda, cuidado e manutenção, anteriormente ao carregamento e posteriormente à descarga do
navio no qual as mesmas mercadorias são transportadas por mar". Isto dito por uma forma mais
sucinta e clara, significa que antes do carregamento e após a descarga as partes são livres
para contratarem o que lhes aprouver.

Contudo, o conhecimento não é o documento mais apropriado para a inserção de uma


cláusula destas uma vez que se trata de definir responsabilidades anteriores e posteriores
ao período do transporte durante o qual o conhecimento se aplica.

II - Cláusula de colisão em caso de culpa, de ambos os navios: Trata-se de uma cláusula


bastante curiosa, resultante do facto de os tribunais norte-americanos em casos de
abalroamento, se ambos os navios cometerem faltas os considerarem igualmente
culpados, isto é, um navio ou é totalmente ilibado, ou é totalmente culpado ou é 50%
culpado, não havendo percentagens intermédias.

Por outro lado, o proprietário duma mercadoria avariada ou perdida no abalroamento,


se ambos os navios forem culpados, tanto pode apresentar a sua reclamação pela

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

totalidade a um como ao outro navio. A cláusula destina-se precisamente a prevenir esta


hipótese e a evitar que um navio tenha que responder pelos prejuízos da carga, quando
legalmente está exonerado.

III - Cláusula de avaria grossa - Pode apresentar-se sob esta forma: "a avaria grossa será
regulada em qualquer porto ou em qualquer lugar à escolha do transportador e será liquidada de
acordo com as Regras de York/Antuérpia de 1994”.

6 - CARTAS DE GARANTIA

Como ficou dito, a responsabilidade do transportador marítimo tem início na altura do


carregamento. Ora, para que essa responsabilidade se torne efectiva e, por outro lado,
para que o transportador não responda por avarias ou faltas que não provocou, é
necessário determinar, com exactidão, o estado da mercadoria na altura do embarque.

Aqui se insere o papel da conferência que desempenha uma função importantíssima em


relação às partes envolvidas no contrato de transporte. É o conferente que vai assistir ao
embarque das cargas - agora só tratamos do embarque - e anotar todas os faltas ou
anomalias que verificar e tem obrigação de ser consciencioso no seu trabalho, sem dúvida
importantíssimo, para exacta determinação das responsabilidades que podem estar
envolvidas.

Ora, todas as anotações feitas ao embarque deverão, em princípio, ser transcritas nos
conhecimentos de carga, pois é este o documento que descreve as mercadorias e deve
descrevê-las tal qual se encontravam, na altura em que foram carregadas.

Por razões de ordem comercial e porque os carregadores têm normalmente muita


dificuldade em negociar os conhecimentos quando estes se apresentam com reservas, é
vulgar solicitarem ao transportador que não transcreva nos conhecimentos as reservas
em troca do que eles se prontificam a assinar uma carta assumindo toda a
responsabilidade que para o transportador possa advir da não transcrição dessas
reservas. Tais cartas são conhecidas por CARTAS DE GARANTIA.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Numerosos juristas se têm pronunciado acerca da legitimidade ou ilegitimidade das


cartas de garantia e, bastantes vezes, os tribunais têm sido chamadas a compor litígios
delas emergentes.

Não vamos entrar em controvérsia da doutrina nem na disparidade das decisões


judiciais. Vamos apenas emitir a nossa opinião baseada sobretudo naquilo que
consideramos legal e equitativo e pronunciando-nos no sentido da maior parte da
doutrina e da jurisprudência.

Parece-nos que, tratando-se de reservas de consequências práticas reduzidas e


insusceptíveis de virem a traduzir-se em prejuízos seja para quem for, a sua cobertura
por carta de responsabilidade destinada unicamente a evitar dificuldades em negociar os
conhecimentos, se pode aceitar.

Mas se estiverem em causa reservas de grande importância, que traduzam faltas ou


avarias que possam afectar o bom estado e consequentes perdas de valor das
mercadorias, constitui falta grave tanto do transportador como do carregador, a sua
omissão nos conhecimentos de embarque. Trata-se de um atentado aos princípios da boa-
fé que deve presidir à elaboração e execução de qualquer contrato. Com efeito estar-se-á
dolosamente a agir de má-fé e conscientemente, a lesar interesses de terceiros de boa-fé
para os quais vão ser transferidos os direitos incorporados nos conhecimentos,
designadamente:

a) Recebedor da mercadoria, este convencido de que o carregador embarcou a carga em


perfeitas condições;

b) Banco que concede créditos com base numa mercadoria que o conhecimento indica
estar em perfeito estado e que não está;

c) Segurador que aceita segurar uma mercadoria na convicção de que se encontra tal
como descrita no conhecimento e afinal essa mercadoria apresenta já faltas e avarias que
lhe são ocultadas.

31
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Nestes casos, os únicos que se consideram relevantes, transportador e armador estão a


agir fraudulentamente e, dum modo geral, os tribunais têm sido unânimes em reconhecer
que tais cartas de garantia não podem produzir qualquer espécie de efeitos. Nem sequer,
com base nelas, o armador poderá exigir qualquer indemnização ao carregador,
porquanto essas cartas de garantia se devem ter por inexistentes.

Assim, podemos afirmar que, dum modo geral, o uso das cartas de garantia para
cobertura de reservas ou observações que deveriam ser inseridos nos conhecimentos se
deve ter por ilegítimo e contrário aos mais elementares ditames da boa-fé contratual.

Outras questões podem servir de fundamento às Cartas de garantia, como a pré- datação
de conhecimentos de carga.

O objectivo é sempre o mesmo: dar cobertura a declarações não verdadeiras inseridos


nos conhecimentos de carga.

As cartas de garantia constituem, assim em princípio, procedimento condenável.

Sobre esta questão, a jurisprudência aponta no sentido seguinte:

“1. As cartas de garantia ou acordos em que o carregador se compromete a indemnizar o


transportador pelos danos resultantes da emissão de conhecimento de carga sem reservas não são
oponíveis a terceiros, designadamente ao destinatário e ao segurador, mas estes podem prevalecer-
se delas contra o carregador.
2. No caso de as reservas omitidas se referirem a defeitos da mercadoria que o transportador
conhecia ou devia conhecer no momento da assinatura do conhecimento de carga, o transportador
não pode prevalecer-se de tais defeitos para exoneração ou limitação da sua responsabilidade”

7. A CONVENÇÃO DE HAMBURGO, DE 31 DE MARÇO DE 1978

A Convenção das Nações Unidas, sobre o Transporte de Mercadorias por Mar, aprovada
em Hamburgo em 31 de Março de 1978, entrou em vigor conforme já se referiu em 1 de
Novembro de 1992.
Quais são as diferenças entre a Convenção de Bruxelas e a de Hamburgo?

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Abordaremos de seguida, algumas das diferenças mais importantes.

a) A Convenção de Hamburgo inclui no âmbito da sua aplicação o transporte de animais


vivos, bem como o transporte de carga no convés, duas matérias excluídas,
expressamente, pela Convenção de Bruxelas
b) O período de responsabilidade do transportador é mais vasto, uma vez que a
Convenção de Hamburgo no seu artigo 4º determina que a responsabilidade do
transportador se inicia com a entrega da mercadoria à sua guarda no porto de carga e
termina com a entrega da mercadoria no porto de desembarque ao destinatário ou
autoridades competentes de acordo com as leis aplicáveis neste porto.

c) A longa lista de dezassete situações de exoneração legal, previstas no arº 4º da


Convenção de Bruxelas desaparece.

As regras de Hamburgo assentam num princípio geral de presunção de culpa por parte
do transportador pelos prejuízos decorrentes da perda, avaria ou atraso na entrega das
mercadorias transportadas, devendo o transportador, para afastar tal presunção, provar
a ausência de falta ou negligência da sua parte, e dos seus representantes ou empregados
e que foram tomadas todas as medidas que lhe podiam, razoavelmente, ser exigidas, com
vista a evitar a perda ou avaria em causa, bem como as suas consequências.

As duas excepções previstas são o incêndio, situação em que o transportador será


responsável pelos prejuízos se a parte contrária provar que o incêndio resultou da falta
ou negligência do transportador, seus representantes ou empregados, e as avarias, perdas
ou atrasos provenientes de acções ou medidas tomadas com vista ao salvamento de vidas
humanas ou bens no mar.

d) A limitação da responsabilidade do transportador, nos termos da Convenção de


Hamburgo é calculada em função do número de volumes ou outras unidades de carga
mencionadas no Conhecimento, ou ainda em função do peso bruto da mercadoria, sendo
adoptado o método através do qual se obtém o valor mais elevado, isto é, aquele que é
mais favorável ao reclamante.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

e) O prazo de prescrição das acções judiciais a intentar contra o transportador é alargado


para dois anos, no âmbito da Convenção de Hamburgo, quando o prazo de prescrição
previsto na Convenção de Bruxelas é de um ano.

f) A Convenção de Hamburgo refere no seu art. 2º as situações em que as suas


disposições são aplicáveis, sendo o seu campo de aplicação mais vasto do que o previsto
no art. 10º da Convenção de Bruxelas.

Assim, nos termos do disposto no art.º. 2º da Convenção de Hamburgo, esta é aplicada


nos contratos de transporte marítimo entre dois Estados diferentes quando:

- O porto de embarque previsto no contrato se situa no território de um Estado


contratante.

- O porto de descarga previsto no contrato se situa no território de Estado contratante.

- Um dos portos opcionais de descarga previstos no contrato é o porto efectivo de


descarga, e esse porto se situa no território de um Estado contratante.

- O conhecimento de embarque, ou outro documento de prova da celebração do


contrato, prevê que as disposições da Convenção, ou as de uma legislação nacional que
lhes dá efeito são aplicáveis.

De referir que, nos termos do art. 25º nº 3 da Convenção de Hamburgo, é obrigatória a


menção no texto do contrato de transporte, de que as disposições da Convenção de
Hamburgo são aplicáveis ao transporte em causa, respondendo ao transportador pelos
danos que causar ao carregador se omitir esta menção no conhecimento de carga.

34
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

B-O TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIAS AO ABRIGO DE CARTA-


PARTIDA

1. ORIGEM HISTÓRICA

A expressão Carta-Partida é de origem italiana ("carta-partida"). A sua utilização ficou a


dever-se à antiga prática de redigir o contrato sobre um pergaminho, ou papel que se
rasgava em dois, ficando cada um em poder de cada uma das partes no contrato. Em caso
de divergências aproximavam-se as duas partes do escrito e decidia-se a questão.

Este sistema dava azo à existência de situações insuperáveis ou fraudes, quando uma das
partes dizia ter perdido ou perdia, efectivamente, a sua parte do documento. Passou-se
então a escrever o contrato em dois exemplares.

A expressão Carta-Partida esteve sempre ligada ao contrato de fretamento. A palavra


"fretamento" tem a sua origem na palavra holandesa "vrecht" que veio a transformar-se
em "frete".

O fretamento define-se como o contrato pelo qual o armador ou proprietário de um navio


cede este a determinada pessoa, mediante o pagamento de um preço, o frete.

Basicamente, o contrato de fretamento rege-se pelas disposições acordadas pelas partes


na Carta-Partida.

2. DEFINIÇÃO

O contrato de fretamento de navio define-se como aquele em que uma das partes
(fretador) se obriga em relação à outra, (afretador) a pôr à sua disposição um navio, ou
parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária
denominada frete.

35
Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

O que normalmente acontece é que estes contratos são celebrados através de


intermediários, de correctores ou, na designação inglesa, de “brokers” que se organizam
em firmas comerciais especializadas neste ramo de negócio.

Os “brokers” estão correntemente informados da tonelagem disponível e das


mercadorias a transportar, de modo a poderem oferecer para transporte destas, os navios
disponíveis. Duma maneira geral, os contratos de fretamento são mesmo celebrados
pelos “brokers" que actuam em nome dos armadores e dos afretadores.
Pela sua intervenção cobram uma comissão determinada no próprio contrato de
fretamento e que corresponde a uma percentagem do valor do frete total.

Assim, na celebração dum contrato de fretamento intervém, dum modo geral:


a) - Fretador - aquele que cede o navio ou parte dele;
b) - Afretador - aquele que toma o navio de fretamento, isto é, que aproveita a cedência
feita pelo fretador;
c) - Correctores ou “brokers” - cuja intervenção se dá em representação tanto do fretador
como do afretador.

3. FORMA DO CONTRATO DE FRETAMENTO

O contrato de fretamento deve ser reduzido a escrito, através de um documento


particular designado carta-partida, exigido para a válida celebração do contrato.

A origem histórica de tal designação é muito antiga e filia-se, conforme já se referiu, no


facto de antigamente o contrato ser escrito numa folha de papel ou num pergaminho que
depois de assinado, era rasgado ao meio, ficando cada uma das partes, fretador e
afretador, com metade em seu poder. No caso de vir a surgir qualquer litígio entre ambos,
juntavam-se as duas metades e ficava reconstruído o documento que continha o acordo
das partes.
Sendo exigido na legislação existente na maioria dos países como condição da sua
validade, que o contrato seja reduzido a escrito, só pela exibição da carta-partida se pode
fazer prova da celebração do mesmo

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Actualmente existem numerosos contratos-tipo, modelos de cartas-partidas para as mais


diversas situações e tipos de transporte. Numerosas organizações internacionais,
nomeadamente as Conferences de armadores redigiram tais contratos-tipo, que têm a
enorme vantagem de conter cláusulas devidamente estudadas e ponderadas por
especialistas e que por conseguinte, oferecem particulares garantias. A existência de tais
contratos-tipo em nada restringe a liberdade de contratar das partes que dispõem sempre
da faculdade de eliminar alterar ou acrescentar cláusulas a tais modelos. Esses contratos-
tipo constituem uma base, que as partes vão adaptando às suas conveniências e às
particularidades do transporte que pretendem contratar.

4. MODALIDADES DE FRETAMENTO

O contrato de fretamento pode revestir as modalidades seguintes:


a) Por viagem;
b) A tempo;
c) Em casco nu”.

II - Fretamento por viagens sucessivas - trata-se duma modalidade de fretamento sem


tempo determinado, para efectuar várias viagens.

5. DEFINIÇÕES LEGAIS E ENUNCIAÇÕES DA RESPECTIVA CARTA-PARTIDA


FRETAMENTO POR VIAGEM

“Contrato de fretamento por viagem é aquele em que o fretador se obriga a pôr à disposição do
afretador um navio, ou parte dele, para que este o utilize numa ou mais viagens, previamente
fixadas, de transporte de mercadorias determinadas.”

Para o afretamento por viagem a carta-partida deve conter os elementos seguintes:

a) A identificação do navio, através do nome, nacionalidade e tonelagem;


b) A identificação do fretador e do afretador;
c) A quantidade e a natureza das mercadorias a transportar;
d) Os portos de carga e os de descarga;
e) Os tempos previstos para o carregamento e para a descarga, são denominados estadias;

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

f) A indemnização convencionada em caso de sobrestadia;


g) O prémio convencionado em caso de subestadia;
h) O frete
2 - Os danos resultantes da omissão de qualquer dos elementos referidos no número anterior são
imputáveis ao fretador, salvo prova em contrário.”

Vale a pena tecer algumas considerações sobre a importância de algumas das principais
menções referidas:

a) Nome, nacionalidade e tonelagem do navio - são os elementos de identificação do


navio, que assumem a maior importância. É em função de tais elementos que o afretador
celebra o contrato, porquanto previamente foi necessário assegurar-se de que o navio em
causa satisfazia a sua necessidade de transporte em quantidade e qualidade.

Não significa isto que o fretador esteja impedido, se para tanto obtiver o acordo do
afretador, de substituir o navio indicado por um navio gémeo ou mesmo semelhante.
Mas se tal possibilidade não estiver prevista no contrato, o afretador poderá
legitimamente opor-se à substituição.

b) Os nomes do fretador e do afretador ou carregador - são indubitavelmente elementos


essenciais que devem constar da carta-partida, pois sem eles não seria possível conhecer
as partes contratantes.

De notar que nem sempre o afretador coincide com o carregador. Não coincidirão em
caso de sub-afretamento de que falaremos adiante, e, não coincidirão também num caso
de fretamento a tempo em que o afretador utilize o navio afretado numa das suas linhas
regulares para o transporte de carga geral ou outra carga, que não seja propriedade sua
mas de terceiro.

c) O lugar e tempo convencionado para carga e descarga - tratam-se também de


elementos essenciais do contrato que deverão fazer parte da carta-partida.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Obrigações das partes

Do armador ou fretador

a) O armador deve pôr à disposição do afretador o navio convencionado - trata-se muito


simplesmente de dar cumprimento a uma cláusula da carta-partida. Não pode o fretador,
por sua livre iniciativa, pôr à disposição do afretador navio diferente daquele cujo nome
se fez inserir no contrato. Muitas vezes, ao afretador só interessa um determinado navio
e só porque se tratava desse navio ele subscreveu o contrato de fretamento.

Pode, no entanto, suceder que o próprio contrato preveja a possibilidade de alteração do


navio. Neste caso, o fretador, se pretender fazer a substituição, deverá ter em conta a
quantidade e qualidade da mercadoria a transportar, pois o interesse do afretador só será
satisfeito se toda a mercadoria for transportada e em perfeitas condições.

Assim, em princípio, o fretador não poderá substituir o navio, a não ser que a
possibilidade de substituição tenha sido expressamente prevista no contrato ou após
obtido o acordo expresso do afretador.

b) O armador deve pôr o navio à disposição do afretador na época convencionada - esta


obrigação tem a maior relevância e o seu não cumprimento pode, em certos casos, frustrar
os interesses do afretador que, por seu lado, está igualmente vinculado ao cumprimento
de prazos na entrega das mercadorias àqueles que consigo negociaram.

c) O armador deve pôr o navio à disposição do afretador em perfeito estado de


navegabilidade.

A navegabilidade do navio deve ser absoluta, isto é o navio deve encontrar-se em


perfeitas condições para empreender a viagem; e relativa, isto é, o navio deve reunir as
condições necessárias para aquela viagem e para o carregamento que vai efectuar.

O armador deverá apresentar o navio em perfeito estado de navegabilidade antes e no


início da viagem.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

d) O navio deverá seguir para o porto de destino pela via mais directa - como veremos
adiante é normal a inserção nos contratos de fretamento de uma cláusula de desvio,
“deviation clause", para permitir ao armador desviar-se da rota que, normalmente,
deveria seguir.

Importa salientar que a via mais directa pode muitas vezes, não ser a mais segura. Se tal
acontecer, o capitão do navio deverá optar pela via menos rápida mas mais segura e
nunca ao contrário.

e) O fretador deve prestar à carga os devidos cuidados durante a viagem e deve entregá-
la no porto de destino. Os cuidados a prestar às mercadorias transportadas, durante a
viagem, devem ser tais que as mesmas possam ser entregues no porto de descarga nas
mesmas condições em que forem recebidas no porto de embarque, isto é, sem avarias ou
faltas. Em princípio, o armador só não será responsável por avarias e/ou faltas devidas a
vício próprio das mercadorias, força maior ou actos de terceiros.

Do Afretador

a) Entregar no porto de origem, na data acordada as quantidades de mercadorias fixadas


na carta-partida.

A carta-partida prevê os períodos de tempo de que o afretador dispõe para efectuar as


operações de carga e descarga das mercadorias e pode fazê-lo por uma das seguintes
formas:

I Conceder um período de tempo para o carregamento e outro para descarga,


separadamente;
II Conceder um período global para ambas as operações.

Se o afretador efectuar estas operações em menor tempo do que o previsto, tem direito a
uma remuneração por sub-estadia, que é a contrapartida paga pelo armador pelo tempo
economizado.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Se, pelo contrário, o afretador demorar mais tempo que o previsto em tais operações, o
navio entra em sobrestadia, que será remunerada pelo afretador como contrapartida pelo
tempo perdido.

A carta-partida determinará o modo de contagem destes períodos, nomeadamente em


relação a determinados acontecimentos e períodos de tempo que deverão ser excluídos
de tal contagem.

c) Descarregar a mercadoria, no porto de destino dentro do prazo convencionado. Vale


quanto à descarga o referido em a) para o carregamento.

d) Pagar o frete - esta é a principal obrigação do afretador.

Algumas cláusulas usuais da carta-partida

Vamos passar em análise muito rápida algumas das cláusulas mais correntes nos
contratos de fretamento por viagem e através das quais poderemos ficar com uma ideia
aproximada de como são articuladas as cartas-partidas. As cláusulas que não vamos
referir, são aliás, consequência das situações particulares de cada contrato.

Faremos uso da designação inglesa empregada para cada cláusula, por se tratar de
designações consagradas, embora procuremos também dar a sua tradução portuguesa:

a) “Paramount clause” - Pode traduzir-se por cláusula principal e refere-se à legislação


aplicável ao contrato. Poderá aparecer com uma redacção deste tipo “deverão ser aplicadas
a este contrato as Regras de Haia contidas na Convenção Internacional para a unificação de
determinadas regras relativas a Conhecimentos de Embarque, datadas de Bruxelas aos 25 de
Agosto de 1924, tal como promulgadas no país de embarque. Quando no país em que o embarque
seja efectuado as regras não tenham sido adoptadas, aplicar-se-á a legislação correspondente do
país de destino mas, no que se refere aos embarques para os quais não existam disposições
legislativas obrigatoriamente aplicáveis, serão observadas as condições da citada Convenção”.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Trata-se afinal de tornar aplicáveis ao transporte em causa as regras da Convenção de


Bruxelas sobre conhecimentos de embarque.

b) “Deviation clause” (cláusula de mudança de rota) - Como vimos, uma das obrigações
do armador é fazer seguir o navio para o porto de destino pela rota mais directa. Ora,
para prevenir casos em que haja necessidade, por determinados motivos, de alterar a rota
que devia ser seguida, o armador costuma inserir na carta-partida esta cláusula, a qual
pode apresentar-se com a seguinte redacção: “o navio goza da liberdade de escalar qualquer
porto ou portos por qualquer ordem e para qualquer finalidade, de navegar sem piloto, de rebocar
ou assistir navios em todas as situações, e de se desviar da rota com o fim de salvar vidas e/ou
haveres".

c) “cancelling clause” (Cláusula de cancelamento do contrato) - Vimos que o navio deve


ser posto à disposição do afretador, no porto de embarque, dentro de determinado
período e, normalmente, é estabelecida uma data limite - cancelling date até à qual o
armador deverá entregar ao afretador a "carta de pronto" - documento no qual se declara
que o navio está pronto para receber a carga.

Ora, se o navio não se apresentar à carga até àquela data, assiste ao afretador o direito de
rescindir o contrato.

Esta cláusula pode apresentar a seguinte redacção: "Se o navio não estiver pronto para
carregar em/ou antes de... os afretadores têm o direito de rescindir o presente contrato, desde que o
declarem com pelo menos 48 horas de antecedência da chegada provável do navio ao porto de carga.
Se o navio estiver atrasado por virtude de avaria ou outra razão, os afretadores deverão ser
informados tão rapidamente quanto possível, e se o atraso for superior a dez dias sobre a data
convencionada, para o início do carregamento, os afretadores têm o direito de rescindir o contrato,
a não ser que nova "Cancelling date" tenha entretanto sido acordada."

d) “lndemnity clause” (cláusula de indemnização) - pode suceder que, por qualquer


motivo, o afretador não possa dar cumprimento ao contrato, por exemplo, porque um
vendedor não fez a entrega da mercadoria a que se tinha comprometido. Num caso
destes, o armador procurará angariar outra carga para não perder a viagem do navio.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Pode, no entanto, não o conseguir ou, pelo menos, não conseguir um frete tão alto como
o que teria recebido se o contrato previamente celebrado tivesse sido cumprido.

Neste caso, terá direito a ser indemnizado pelo afretador pela totalidade do frete ou pela
diferença entre o que recebeu e o que deveria ter recebido se o contrato se tivesse
cumprido.

É precisamente o que com a presente cláusula se procura assegurar.

Pode apresentar-se com a seguinte redacção: "A indemnização pelo não cumprimento do
contrato, depois de provados os prejuízos, não excederá a importância do frete".
Repare-se que a cláusula protege ambas as partes:

I) O armador, garantindo-lhe que será indemnizado até à concorrência do frete


estipulado na carta-partida;

II) O afretador, assegurando-lhe que a indemnização nunca poderá ser superior àquela
importância.

e) “Lien clause” (Cláusula de privilégio) - destina-se esta cláusula a garantir o


pagamento do frete e de outras despesas que sejam devidas ao armador e que o afretador,
por não importa que razão, não satisfaz. O armador procura criar um direito sobre a
carga, vinculando-a a tal pagamento.

De acordo com esta cláusula o armador pretende ficar garantido pelo pagamento integral
do frete e demais despesas na medida em que pode exercer o direito de privilégio sobre
a carga transportada e, no caso de não ficar totalmente reembolsado, o afretador
continuará, perante ele, a responder pela importância em falta.

f) “Cesser clause” (Cláusula de cessação da responsabilidade) - trata-se de uma Cláusula


mediante a qual os afretadores procuram libertar-se de toda a responsabilidade por
factos ocorridos posteriormente ao termo do carregamento, transferindo essa
responsabilidade para os destinatários da carga.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Pode apresentar a seguinte redacção: "A responsabilidade dos afretadores cessará com o
embarque da carga".

Convém recordar que o fretador, goza também do direito de retenção sobre as


mercadorias transportadas.

g) “General average clause” (Cláusula de avaria grossa) - através desta cláusula assegura
o armador o direito de recuperar da carga a contribuição em avaria grossa em comum,
mesmo que o acontecimento que estiver na sua origem seja uma consequência de faltas
cometidas pelo seu pessoal e, ao mesmo tempo, fixa qual a legislação ou as regras a
aplicar na regulação da mesma avaria.

Pode apresentar-se com a seguinte redacção: "a avaria grossa será liquidada de acordo com as
Regras de York/Anvers, 1994, e os proprietários da carga terão que pagar as respectivas
contribuições nas despesas da avaria grossa, ainda que a mesma tenha sido consequência da
negligência ou falta do pessoal ao serviço do armador".

h) “Arbitration clause” (Cláusula de arbitragem) - destina-se esta cláusula a evitar que,


em caso de litígio, as partes em presença recorram aos tribunais.

Efectivamente, o recurso aos órgãos judiciais, em qualquer país, fica normalmente muito
caro, além de ser moroso. Assim, as partes contratantes preferem aceitar uma decisão de
árbitros, cujo modo de nomeação consta da mesma cláusula e que é um processo de
composição de litígios que pode ser mais económico e mais célere.

Esta cláusula pode apresentar a seguinte redacção: “Qualquer litígio emergente do presente
contrato será submetido a arbitragem em , sendo um dos árbitros nomeado pelo armador
e o outro pelo afretador e, no caso de os árbitros não chegarem a acordo à decisão de um louvado
nomeado por estes, sendo a decisão dos árbitros e do louvado irrecorrível e obrigatória para ambas
as partes.

Se algum dos árbitros nomeados recusar, for incapaz ou morrer, a parte que o nomeou pode nomear
outro para o substituir.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Se uma das partes não proceder à nomeação do árbitro, no prazo de sete dias, após a outra parte,
tendo nomeado o seu árbitro, a ter notificado para proceder à nomeação, a parte que nomeou o
árbitro pode instrui-lo para que actue sozinho e a sua decisão será obrigatória para ambas as
partes".

I) “Brokerage clause” (Cláusula de corretagem) - fixa a percentagem devida ao “broker"


ou corretor, pela sua intervenção como intermediário na celebração do contrato de
fretamento.

Pode ter a seguinte redacção: “...% de comissão sobre o frete e é devida a .... Em caso de não
execução do contrato o armador terá de pagar ao broker pelo menos 1/3 da comissão calculada sobre
o frete, e frete morto, como compensação pelas suas despesas e trabalho. No caso de serem feitas
mais viagens o montante da indemnização será fixado por mútuo acordo".

j) “Agency clause” (Cláusula de agência) - através desta cláusula, o armador assegura o


direito de nomear o agente e/ou consignatário do navio tanto no porto de carga como no
porto de descarga.

Trata-se de uma cláusula Importante para a defesa dos direitos do armador. Com efeito,
mesmo que afretador nomeie um agente para defesa dos seus interesses, o armador tem
a faculdade de nomear o seu próprio agente que, no caso de ser diferente do agente do
afretador, é designado em inglês por “protecting agent”, ou agente protector.

As cláusulas apontadas são as mais importantes e, com a redacção enunciada ou com


outra, aparecem praticamente em todas as cartas-partidas, seja qual for a modalidade de
fretamento que estiver em causa.

Mas estão longe de ser as únicas. Salientámos já que cada contrato tem cláusulas próprias
para satisfação das necessidades concretas e que, em cada caso, seja necessário dar
satisfação. É, por isso, impossível fazer uma enumeração exaustiva de todas elas, tanto
mais que, como já foi salientado, as partes gozam sempre da maior liberdade contratual.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Vamos seguidamente enumerar algumas cláusulas mais correntes sem transcrevermos o


seu texto, para não nos alongarmos demasiado:

a) Cláusulas relativas ao gelo - destinam-se a salvaguardar a responsabilidade do


armador por demoras do navio motivadas pela existência de gelos que, em certas épocas
e locais, podem reter os navios, às vezes, por períodos bastante prolongados.

b) Cláusulas de guerra - destinam-se a prover os transtornos e anormalidades que uma


situação de guerra, de insubordinação ou insurreição, podem trazer à navegação,
dificultando ou mesmo impedindo o integral cumprimento dos contratos celebrados.

c) Cláusulas de greves - como se sabe, na maior parte dos portos do globo, ao contrário
do que se passa no nosso país, as legislações do trabalho permitem o recurso à greve,
como forma de os trabalhadores forçarem as entidades patronais à satisfação das suas
justas reivindicações.

Ora, pode acontecer que um navio não possa dar cumprimento a determinado contrato
no tempo previsto ou no lugar previsto, em virtude de ter ficado paralisado o trabalho
num porto de carga ou de descarga. Pode até acontecer que o armador se veja forçado a
desviar o navio para porto diferente daquele em que o navio, por força do contrato, devia
descarregar, em virtude de uma greve dos trabalhadores portuários.

É a todas estas situações de anormalidade, que estas cláusulas procuram obviar, numa
tentativa de reduzirem ao mínimo os prejuízos e transtornos de toda a ordem que as
partes têm que suportar.

d) “Identity of carrier clause” (Cláusula de identificação do transportador) - trata-se de


uma cláusula destinada a esclarecer quem, em determinadas situações, é o transportador.
Efectivamente, há numerosas situações em que tal problema se apresenta de árdua
solução. É o que acontece, por exemplo, quando um transportador marítimo de linhas
regulares afreta um navio para utilização numa dessas linhas que explora. Neste caso, há
um contrato de fretamento normalmente a tempo, mas o navio vai ser utilizado pelo
afretador para que este transporte, sob conhecimento de embarque seu, várias
mercadorias de uns portos para outros.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Num caso destes, quem é o transportador? O armador do navio ou o seu afretador? A


estas perguntas procura responder a presente cláusula, que normalmente aponta o
armador com transportador.

Deve, no entanto, referir-se que a sua validade é mais do que discutível.

Parece-nos ter dito o que de essencial e mais importante há a referir sobre o contrato de
fretamento, pelo menos para que se possa fazer uma ideia da variedade e complexidade
dos problemas que a sua celebração e execução envolvem.

6. CARTA-PARTIDA E EMISSÃO DE CONHECIMENTO DE CARGA

De acordo com o texto do artigo 5.º da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924,


nenhuma disposição da Convenção se aplica às Cartas-Partidas, mas, se no âmbito de um
contrato de fretamento forem emitidos Conhecimentos, ficarão estes sujeitos aos termos
da Convenção.

Deste modo, no respeito do princípio da liberdade contratual que vigora em matéria de


fretamento, as relações entre o afretador e o fretador serão regidas pelas disposições
constantes da Carta-Partida, livremente aceites pelas partes.
A partir do momento em que é emitido um Conhecimento de Carga e que este é
negociado e transferido para a posse de terceiros deixando, assim, de ser utilizado entre
o fretador e o afretador como simples recibo da mercadoria embarcada, este
Conhecimento passa a reger-se pelas disposições imperativas constantes da Convenção
de Bruxelas de 25 Agosto de 1924.

Com efeito, um dos objectivos principais que conduziu à elaboração das Regras de Haia
e posteriormente à já referida Convenção de Bruxelas, foi, exactamente a protecção do
terceiro, portador do Conhecimento, estranho ao contrato celebrado entre o afretador e
o fretador ou entre o transportador e o carregador.

Tal como refere P. WILDIERS, "Il est d'élémentaire logique que les Règles ne s'appliquent
qu'aux relations entre transporteur et tiers-porteur. Le chargeur, porteur ou non du

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

connaissement, n'en reste pas moins chargeur et les régles n'ont pas à le protéger vu qu'il peut
débattre librement ses contrats avec le transporteur".ob cit., pág. 62.

Afretadores e fretadores são, assim, livres de inserir nas Cartas-Partidas todas as


cláusulas, incluindo cláusulas de exoneração consideradas nulas nos termos da
Convenção. Estas cláusulas serão válidas nas relações entre o afretador e o fretador, mas
não em relação a terceiros portadores do Conhecimento de Carga.

7. SUB-FRETAMENTO

Se o contrato de fretamento o permitir, o afretador pode sub-fretar o navio, ganhando a


diferença entre a importância que recebe do sub-afretador e aquela que tem de pagar ao
fretador. Trata-se com efeito, de situações bastante correntes, mesmo entre nós.

Passarão a existir dois contratos distintos, embora intimamente ligados:

- Contrato de fretamento: entre o armador e o afretador;


- Sub-fretamento: entre o afretador e o sub-afretador, que funciona como um novo
contrato de fretamento a que, em princípio, é aplicável o regime que deixámos descrito
para o contrato de fretamento.

8. ASSINATURA DOS CONHECIMENTOS DE CARGA NOS CASOS DE


FRETAMENTO DO NAVIO

É vulgar nas C/P, tanto a tempo como a viagem, a existência de uma cláusula nos termos
da qual "o Capitão” assinará os Conhecimentos "as presented" ou "as presented at any
rate of freight", isto é, “ tal como lhe forem apresentados” ou “tal como lhe forem
apresentados seja qual for a taxa de frete”.

Assume a maior importância para o Capitão saber até que ponto o afretador pode forçá-
lo a assinar os Conhecimentos pondo de lado algumas regras fundamentais.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Tais regras são fundamentalmente as seguintes:

Quantidade

Nenhuma disposição da C/P pode exigir que o Capitão assine um Conhecimento no


qual foi inscrita uma quantidade de mercadoria que não corresponde à verdade;

Descrição e Condição

Nenhuma disposição da C/P pode exigir que o Capitão assine um Conhecimento no qual
se faz uma incorrecta descrição das mercadorias ou do seu estado e condição, na altura
do embarque;

Data

Se o conhecimento é deliberadamente mal datado pelo Afretador ou pelo Carregador,


tal é feito, com o objectivo de induzir alguém em erro.

Se o Capitão assinar tal Conhecimento, torna-se parte ou cúmplice de uma fraude.

Descrição da viagem

Nesta área, o Capitão deverá usar o seu próprio critério, à luz dos factos que são do seu
conhecimento.

Num fretamento à viagem, o Afretador não poderá pedir ao Capitão que assine um
Conhecimento para um porto de destino diferente daquele ou daqueles que estão
indicados na C/
Num fretamento a tempo, a C/P normalmente concede ao Afretador uma margem de
liberdade bastante ampla neste campo.

Qualquer divergência deve ser cuidadosamente examinada pelo Capitão que, se


necessário, deverá notificá-la por escrito ao Afretador e comunicá-la ao seu Armador.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Termos e Condições

Nesta matéria, normalmente o Afretador tem autoridade para pedir ao Capitão que
assine os Conhecimentos tal como lhe são apresentados.

Tal não deve impedir o Capitão de tomar as precauções que, em seu critério, entender
necessárias.

Pagamento do frete

No fretamento à viagem, o Afretador não deve insistir na assinatura de um


Conhecimento com a indicação de "FRETE PAGO", antes de o frete ter sido efectivamente
pago, a menos que a C/P preveja expressamente esta situação.

No fretamento a tempo, a situação é diferente e o Afretador pode pedir ao Capitão que


assine tais conhecimentos.

Tanto no fretamento a tempo como no fretamento à viagem, o fretador tem normalmente


direito a ser indemnizado pelo Afretador na medida em que o Conhecimento de Carga
imponha maiores obrigações ou responsabilidades do que aquelas que estão previstas na
C/P.

Contudo, o capitão deve ter bem presente que tal direito à indemnização não se tornará
efectivo se:
- O Afretador entrar em falência,
Ou
- O Capitão tiver assinado um Conhecimento de Carga viciado relativamente à
quantidade, descrição, condição ou estado da mercadoria e data.
O Capitão nunca deverá esquecer esta regra:

Embora da C/P se possa deduzir o contrário deve sempre partir do princípio de que o
TRANSPORTADOR é o seu Armador e não o Afretador e que,

Por isso,

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Quando assina os Conhecimentos de Carga está a assumir responsabilidades que se vão


repercutir na esfera jurídica do seu Armador.

C. CONTRACTS OF AFFREIGHTMENT

Podem ser definidos como os contratos mediante os quais o transportador se obriga


perante o carregador a efectuar, durante um determinado período de tempo, o transporte
de determinada quantidade de mercadorias, de acordo com determinada programação e
mediante o pagamento de frete já determinado ou a determinar segundo as regras
contratualmente fixadas.

Caracterizam-se estes contratos por dizerem respeito a partidas relativamente grandes de


mercadorias e através dos quais as partes assumem vantagens recíprocas significativas:
- Garantem ao carregador o abastecimento regular e programado das suas mercadorias
ou o escoamento das mesmas, a taxas de frete relativamente uniformes e, em princípio,
imunes às grandes oscilações de mercado;

- Proporcionam aos transportadores a programação da utilização das suas frotas por


determinados períodos de tempo, às mesmas taxas uniformes, permitindo uma
planificação mais rigorosa da exploração das unidades.

Trata-se de contratos que fixam, apenas em termos gerais, os direitos e obrigações das
partes, deixando o detalhe de cada viagem para os contratos de fretamento respectivos.

Com efeito, a assinatura dos “contracts of affreightment” não dispensa que, por cada
viagem inerente ao seu cumprimento, seja necessária a celebração de uma carta-partida
própria, a qual naquele contrato fica apenas enunciada em termos gerais.

Não é fácil qualificá-lo, na medida em que é um misto de contrato de fretamento e de


contrato de transporte, em suma, um contrato híbrido que, naturalmente, se rege pelas
suas próprias cláusulas e, só subsidiariamente, pelas disposições aplicáveis ao contrato
de transporte de mercadorias, ao contrato de fretamento e às normas do direito das
obrigações.

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Transporte Marítimo Internacional de Mercadorias

Esta referência, necessariamente muito breve, tinha que ser feita, uma vez que os
“contracts of affreightment” constituem hoje um importante meio de gestão racional dos
meios de transporte e do regular abastecimento das mercadorias da actividade industrial.

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CNC

BIBLIOGRAFIA

 Incoterms 2010 ICC Portugal

 Dr. Armando Henriques Apontamentos

 Dr. Vasconcelos Esteves Contratos de utilização do navio

 BIMCO

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CNC

ANEXOS:

1-Convenção de Bruxelas de 1924

2-Regras de Hamburgo de 1978

3-CONLINEBILL

4-CONGENBILL

5-GENCON

6-BALTIME

7-BARECON

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