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DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL, AGRICULTURA

FAMILIAR E CONSERVAÇÃO DA NATUREZA: O CASO DAS


COMUNIDADES DO ENTORNO DO PARQUE NACIONAL DA
AMAZÔNIA.

MARCIO RICARDO FERLA1


MAIRA ALEJANDRA AMARIS BUELVAS 2
LUIZ ALEXANDRE GONÇALVES CUNHA3

Resumo: O presente trabalho objetiva apresentar fundamentos para subsidiar uma


discussão teórico-conceitual sobre Desenvolvimento Territorial Rural, relacionando-o
à conservação da natureza e à agricultura familiar. Como dados empíricos,foram
utilizados os conflitos existentes do “Arco do Parque”; zona rural limítrofe e
sobreposta ao Parque Nacional da Amazônia, no Estado do Pará. O texto estrutura-
se em três partes: inicialmente, discussão sobre desenvolvimento e território,
seguido da problemática das comunidades de famílias agricultoras e residentes no
entorno e/ou interior do Parque Nacional da Amazônia, e as alternativas que estão
sendo promovidas pelo Estado para o desenvolvimento deste território. Por fim,
argumenta-se as possibilidades do desenvolvimento territorial rural sobre
intervenção qualificada e direcionada a uma mudança no cenário exposto, com vias
a uma melhoria na qualidade de vida daqueles habitantes.

Palavras-chave:Território; Desenvolvimento; Qualidade de vida.

Abstract:The objective of this work is to present the foundations to support a


theoretical-conceptual discussion on Rural Territorial Development, relating it to the
conservation of nature and family agriculture. As empirical data, the existing conflicts
of the "Arco do Parque" bordering and overlapping rural areaon the Parque Nacional
da Amazonia, in the State of Pará.The text is structure in three parts: Initially, a
discussion about development and territory, followed by the problem of the families of
farmers and residents in the surroundings and / or the interior of the Parque Nacional
da Amazonia, and the alternatives being promoted by the State for the development
of this territory. Finally, it is argued the possibilities of rural territorial development
over qualified intervention and directed to a change in the exposed scenario, with
ways to an improvement in the quality of life of those inhabitants.

Key-words:Territory; Development; Quality of life.

1- Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta


Grossa - UEPG. E-mail de contato: mrferla@yahoo.com.br

2Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta


Grossa - UEPG. E-mail de contato:alejandraamaris.92@gmail.com

3
Docentedo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa -
UEPG. E-mail de contato:llagc2@yahoo.com.br

ISSN: 2175-8875www.enanpege.ggf.br/2017

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Introdução
A palavra desenvolvimento carrega diversas interpretações, que remetem a
uma condição de mudança e melhoria, comumente vinculada à dimensão
econômica. Entretanto, somente a dimensão econômica vinculada ao
desenvolvimento para um crescimento econômico, não é capaz de atender a
pluralidade de fenômenos em que este termo é requerido.
Se, por um lado, o campo teórico sobre o desenvolvimento apresenta grandes
divergências sobre a utilização e o caráter ideológico deste termo, decorrente do uso
hegemônico vinculado ao crescimento e à economia, por outro lado, a existência de
comunidades, como as camponesas, em situação de vulnerabilidade para se manter
na terra como agricultores familiares, exige alternativas de desenvolvimento
pensadas e direcionadas para sua realidade concreta.
Nesse sentido, é preciso considerar que além das discussões teóricas sobre
Desenvolvimento, existe uma realidade concreta que clama pela atenção do Estado
no sentido de atendimento por políticas públicas adequadas, vinculadas à agricultura
familiar e a conservação da natureza, afastando-se da ilusão de uma inserção
competitiva no campo do agronegócio.

1- Desenvolvimento econômico e território


Considerando que a palavra desenvolvimento restrita a dimensão econômica
não é suficiente para dar respostas à diversidade de fenômenos em que a mesma é
requerida, faz-se necessário investigar quais acepções alternativas poderiam
esclarecer tais limitações, ideia que salienta Souza (1997).
Para este autor, o desenvolvimento econômico resume-se a uma conjugação
de crescimento, expresso através do incremento do PIB, do PNB ou da renda
nacional per capita, com modernização tecnológica. A limitação da definição, reside
que estes indicadores de desenvolvimento econômico nem sempre refletem a
melhoria na qualidade de vida da população. Em função disto, há uma corrente de
pensadores que sustentam a ideia da desconstrução, inclusive da palavra
desenvolvimento.

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Maluf (2000, p. 64) explica que um dos principais representantes da vertente
que sugere “dizer não ao desenvolvimento” é Escobar (1984, 1995), e que ele se
baseia numa abordagem pós-estruturalista, com elementos buscados diretamente
em Foucault. De acordo com Maluf, a proposição de Escobar “é a de elaborar a
crítica cultural da economia enquanto estrutura fundacional da modernidade, e
desconstruir o desenvolvimento e suas formas de conhecimento, seus sistemas de
poder e suas formas de subjetividade”.
Segundo Maluf (2000, p. 55), não é necessário desconstruir a ideia, mas sim
repensar o desenvolvimento para contrapô-lo à convencional indicação de “mais
crescimento econômico”, que vem acompanhada de “instrumentos compensatórios
das evidentes mazelas sociais e ambientais geradas pelos padrões de crescimento
que vigoram até os dias atuais”.
É nesta análise, tendo como idéias principais “melhoria” e “processo”, Maluf
(2000, p. 71) conceitua o desenvolvimento econômico como “o processo sustentável
de melhoria da qualidade de vida de uma sociedade, com os fins e os meios
definidos pela própria sociedade que está buscando ou vivenciando este processo”.
Esta definição proposta pelo autor tenta estabelecer uma ligação explícita entre o
econômico e a qualidade de vida: “Este talvez seja o único sentido possível de se
seguir falando de desenvolvimento econômico” (MALUF, 2000, p. 73).
Como visto, Maluf refuta os conceitos ou entendimentos clássicos de
desenvolvimento econômico, os quais são intrinsecamente balizados por indicadores
de crescimento. Ao mesmo tempo que realiza uma crítica às concepções
tradicionais, propõe uma alternativa de compreensão, que pode fundamentar
estratégias de intervenção na realidade concreta. Esta concepção é compartilhada
neste trabalho. Conforme Souza (1997, p. 19):
(...) em um plano de elevada abstração, uma formulação filosófica
do desenvolvimento que deseje evitar a visão instrumental-
economicista, conservadora, etnocêntrica e historicista da ideologia
do desenvolvimento hegemônica poderia ser a seguinte: um
movimento (sem fim - ou seja, sem "estágio final" ou mesmo direção
concreta predeterminados ou previsíveis e que não poderá jamais
ser declarado como "acabado" - e sujeito a retrocessos) em cuja
esteira uma sociedade torna-se mais justa e aceitável para seus
membros.

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De modo geral, ao deslocar-se de uma abordagem conceitual de
desenvolvimento e vislumbrar estratégias de intervenção na realidade concreta,
deve-se considerar que as abordagens teóricas e práticas de desenvolvimento
exigem uma constante interlocução entre o geral e o particular. Enquanto a
dimensão particular deve ser discutida caso a caso, a partir das demandas da
sociedade local, a dimensão geral é de grande complexidade. O conceito geográfico
de território auxilia na tarefa de configurá-la. Segundo Maria de Nazareth Baudel
Wanderley (2000, p. 117):
O território é também percebido como um espaço de vida de uma
sociedade local, que tem uma história, uma dinâmica social interna e
redes de integração com o conjunto da sociedade na qual está
inserida. Trata-se, neste caso, de perceber o território como a
inscrição espacial da memória coletiva e como uma referência
identitária forte.

Ou seja, há uma dimensão que vai além da delimitação politicamente


estabelecida para determinado território. Muitas vezes, uma unidade territorial
transcende limites políticos ou engloba vários territórios, pois não é a delimitação
geográfica oficial que a determina, mas, como afirmou Wanderley, uma inscrição
espacial da memória coletiva, caso refletido nos territórios históricos e tradicionais
como os rurais.
Consequentemente, as estratégias de desenvolvimento econômico dos
territórios rurais brasileiros foram balizadas pelo modelo histórico de plantation.
Atualmente, esse modelo é acompanhado da capitalização da agricultura que, além
dos problemas técnicos de degradação do meio ambiente, gera problemas de ordem
social, onde grande parte dos habitantes do espaço rural não se incluem. Além de
utilizar reduzida quantidade de força de trabalho, esse modelo domina as principais
terras produtivas do país.
Assim, os camponeses caem na armadilha da impossibilidade de produzir de
modo competitivo nos moldes da agricultura tradicional mercantil, e com isso há o
empobrecimento do campo e o êxodo rural, agravando os conflitos sociais nas áreas
urbanas. Sobre esse Capitalismo Agrário, Fernandes (2005, p.15) explica que o
camponês vira um objeto plenamente, “a ponto de sofrer metamorfose para se
adequar à nova realidade em formação”

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Sobre os subsídios teóricos anteriores, destaca-se que o conceito de
desenvolvimento econômico e sua adequação para se pensar o território rural e a
agricultura familiar deve ser modificado, não como uma função puramente
ideológica, mas com a plena consciência da realidade dos camponeses, cuja
dinâmica é diferente ao capitalismo e se evidencia com a diferença de renda, aceso
e uso de técnicas, integração ao mercado, níveis de relações sociais e benefícios
das políticas públicas (FERNANDES, 2005).
Portanto, se faz necessário para populações articuladas contraditoriamente
ao sistema capitalista,um projeto de Desenvolvimento territorial rural de caráter local
que abrange as dimensões econômicas, políticas, culturais e ambientais, ou seja, é
preciso olhar para um território fora da visão positivista pois, mas do que espaço
físico, ele se configura como integrador e multidimensional (HAESBAERT, 2006).

2- O caso das comunidades rurais residentes no interior e entorno do


Parque Nacional da Amazônia.
No oeste paraense, município de Itaituba, à margem esquerda do Rio
Tapajós, encontra-se um local de ocupação relativamente recente, (meados da
década de 80) resultante de fluxos migratórios advindos predominantemente do
nordeste brasileiro para a extração da borracha, seguida do ciclo do ouro e por fim,
da extração ilegal da madeira.
Muitos dos migrantes que se destinaram à região em questão, e que não
obtiveram êxito nos seus planos e projetos de melhoria de vida, acabaram por
embrenhar-se na floresta, ocupando a região limítrofe ao Parque Nacional da
Amazônia, onde praticam atividades de agricultura de subsistência com restrita
produção de excedentes comercializáveis.
Apesar de existir há mais de quatro décadas e ser o primeiro Parque Nacional
criado na Amazônia brasileira, o Parque Nacional da Amazônia (PNA) nunca teve
seus limites demarcados e sinalizados. Os limites definidos nos decretos de criação
(Decreto n° 73.683/1974, BRASIL, 1974) e de redelimitação (Decreto nº 90.823/1985
– BRASIL, 1985, e Decreto s/n, de 2006 – BRASIL, 2006), favoreceram a

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consolidação de um cenário de indefinição e conflitos na relação PNA e as
comunidades que habitam parte de seu entorno.
Progressivamente, áreas do entorno do PNA foram sendo ocupadas de forma
desordenada, chegando ao cenário da ocupação e consolidação de doze
comunidades completa ou parcialmente dentro dos limites desta Unidade de
Conservação Federal, especificamente em sua face leste.
Como a categoria de Parque Nacional, segundo a Lei 9.985/2000 (BRASIL,
2000), não prevê a existência de ocupação humana em seu interior, os conflitos em
relação ao uso dos recursos naturais desta área foram se manifestando, seja pela
fiscalização ostensiva do Estado e restrições ao uso, seja pela reivindicação por
terra pelos comunitários. Estes conflitos se intensificaram de tal modo que a sua
resolução tornou-se inadiável. Conforme explica Maluf (2000, p. 62),
A natureza contraditória dos processos sociais e econômicos e as
tensões e conflitos que eles geram, especialmente a pressão
oriunda dos movimentos sociais, constituíram-se certamente num
elemento indutor, talvez o principal, de transformações localizadas e
gerais.

Como estratégia para gestão e solução definitiva do conflito, após várias


tentativas fracassadas, no ano de 2007 e 2008 o Governo Federal realizou um
levantamento completo desta área, abordando diversos aspectos da organização
socioeconômica de todos os habitantes residentes na região conhecida como “Arco
do Parque”. Este levantamento foi protagonizado pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) e colaboradores.
Parte das informações coletadas foram sistematizadas e analisadas. Do
processo, resultou uma proposta de redelimitação da face leste do PNA por meio de
desafetação de área para ser destinada à implantação de projetos de assentamento
de reforma agrária, a fim de regularizar a situação fundiária de aproximadamente
400 famílias (ICMBIO, 2008).
Em 2012 tal estratégia se concretizou, ao menos no que diz respeito ao
marco legal, por intermédio da Lei N.12.678 de 25 de junho de 2012 (BRASIL,
2012), os limites do PNA foram alterados. Com esse novo limite, aproximadamente
80% das comunidades ficaram para o ”lado de fora” do Parque Nacional e

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aproximadamente 20% continuam “dentro”. Nesta lógica, essas famílias necessitam
serem realocadas.
Por conseguinte, uma premissa básica, é que para estas comunidades
promoverem um desenvolvimento territorial é necessário o acesso à terra, mas,
somente o acesso não é suficiente para induzir o desenvolvimento tão almejado
tanto pelas comunidades, como pelos órgãos do governo federal. Assim, é preciso
elaborar políticas públicas de intervenção local adequadas à realidade deste
território rural conflitual. Maluf (2000, p. 74-75) esclarece que
(...) o comunitário, o local e o regional – como territórios ou, melhor,
como espaços socialmente construídos (Sánchez, 1991) – tornaram-
se referências indispensáveis quando se trata de propostas de
desenvolvimento, seja sob a ótica da descentralização, seja numa
perspectiva “de baixo para cima”. Certamente é possível e mesmo
desejável que a busca da melhoria da qualidade de vida inclua
estratégias de desenvolvimento econômico definidas e
implementadas em nível local ou regional, as quais favorecem
ademais a participação das comunidades envolvidas. O que se
requer é reconhecer a distinta natureza das questões
correspondentes aos diferentes níveis e, naturalmente, pensar como
elas se inter-relacionam.

Ou seja, a tarefa determinante neste processo de desenvolver a região


chamada “Arco do Parque” é conciliar os interesses governamentais e comunitários.
Os órgãos governamentais preocupam-se tanto com a defesa e preservação
ambiental da Amazônia brasileira, neste caso por intermédio do Parque Nacional,
como com a execução de programas de reforma agrária através do INCRA. Os
comunitários, por sua vez, pretendem ter garantias de sua permanência no espaço
rural, com condições a terem uma existência digna.
Segundo Maluf (2000), na formulação de estratégias para o desenvolvimento,
deve ser valorizada a diversidade em seu significado qualitativo, compreendendo
suas dimensões: diversidade cultural, institucional, humana e natural. Com esta
perspectiva, na próxima e última parte, apresentaremos alguns autores que
defendem a possibilidade deste desenvolvimento.

3- Desenvolvimento Rural em uma abordagem territorial

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É perceptível que a problemática da população objeto deste estudo, é
exacerbada com a territorialização num lugar estratégico. Para Abramovay (1998,
1999) a dinâmica de deslocamento das comunidades está relacionada com o êxodo
rural, e suas consequências são perceptíveis no espaço rural, como no espaço
urbano.
O autor esclarece que existem duas concepções vigentes na sociedade sobre
o destino da população rural e os espaços não densamente povoados no Brasil,
bem como das funções exercidas pela agricultura familiar.
A primeira concepção, predominante até agora, é que os espaços rurais com
baixa densidade demográfica estariam fadados a desaparecer, então o êxodo rural,
além de inevitável deveria ser estimulado e as políticas públicas deveriam ser
direcionadas para os destinos destes migrantes. A segunda concepção é
contraposta à primeira, e afirma que existe um potencial de geração de renda no
meio rural e nos municípios aos quais ele se relaciona diretamente. Os exemplos
dessa concepção são a política nacional de assentamento e o PRONAF
(ABRAMOVAY, 1999).
No que diz respeito ao espaço urbano na Amazônia, está em andamento um
processo de complexificação do mesmo. Atualmente, a região passa por novos
programas de desenvolvimento econômico, ligados à implantação de infra-estrutura
de transporte e geração de energia elétrica. A região ainda é tida como local a ser
explorado pela abundância de recursos naturais disponíveis, e encontra-se em
expansão a agropecuária, mediante a conversão de florestas nativas em pastagens,
similar ao modelo tradicional já consolidado na região sul.
O abastecimento local de alimentos ainda depende de produtos advindos de
outras regiões, que diante da distância e dificuldades de acesso, os tornam caros e
inacessíveis a grande parte da população local.
Nesse sentido, Abramovay (1999) destaca a importância do processo de
descentralização e interiorização urbana, ele argumenta que o dinamismo e
diversificação das cidades deve ser interiorizada economicamente para que os
recursos cheguem até as populações rurais, o que implica uma nova dinâmica
territorial.

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Diante do exposto, pode-se fundamentar em Cunha (1998, 2000), que propõe
alternativas ao sistema vigente em defesa a um projeto sócio espacial de
desenvolvimento. Cunha explica que o espaço rural extrapola o agrícola. Neste
sentido, ele indica que esta percepção poderia ser percebida e valorizada em quatro
dimensões centrais: espaço produtivo, espaço residencial, espaço de serviços e
patrimonial.
Além disso, o autor propõe a revalorização do capital social que é definido
como “a capacidade de as pessoas trabalharem em conjunto, em grupos e
organizações que constituem a sociedade civil, para a prossecução de causas
comuns” (FUKUYAMA, 1996, apud CUNHA, 2000, p. 50). E sendo assim,
dependendo do grau de confiança entre os membros de uma comunidade, constitui-
se como uma herança cultural.
Mas o autor chama a atenção para as complexidades da questão e a
necessidade de desvelar as formas de como se adquire, forma-se e se transmite
capital social no tempo e no espaço. Destaca ainda que haveria uma
complementaridade entre o capital físico-econômico, o capital humano e o capital
social.
Em concordância com outros autores, Cunha (1998) defende que é
fundamental o planejamento sócio espacial para o desenvolvimento, integrando as
dimensões urbana e rural e considerando que o planejamento deve ser regulado,
tendo em vista que as experiências deixadas por conta da dita auto-regulação do
mercado não trouxeram avanços, tendo inclusive agravado desequilíbrios regionais.
Nesse sentido, necessita-se de projetos de desenvolvimento e programas
diferenciados, segundo as escalas de espaços nacionais, pois os contextos sociais e
as vantagens tecnológicas não são iguais.
Vale destacar, por fim, a retomada que o autor realiza das duas
possibilidades propostas por Milton Santos para os espaços letárgicos. A primeira é
ligada com os aspectos contemporâneos e diretamente a tecnologias que abrem
espaço competitivo e locacional. A inovação poderia gerar desenvolvimento para
uma determinada região. Esse modelo pode se tornar viável em cidades médias
com universidades, com programas de pós-graduação visando o desenvolvimento

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local. Haveria, assim, a possibilidade de uma integração competitiva com a grande
economia. A segunda seria por iniciativas populares vinculadas ao campo,
principalmente à agricultura familiar com atividades agrícolas e não agrícolas. Nas
cidades, o Estado deveria estimular e consolidar as atividades alternativas (CUNHA,
1998, 1999).

Considerações Finais
Ao fim desta breve apresentação, é possível afirmar que embora o conceito
de desenvolvimento seja polissêmico, ele não pode ser um fator limitante para a
idealização e implementação de políticas que visem a melhorias nas condições de
vida das populações residentes na área rural. Em outros termos, o debate sobre a
adequação ou não do uso deste conceito não pode se extinguir em si mesmo, deve-
se avançar.
É imprescindível que esta idéia de desenvolvimento seja desmistificada de
toda a ideologia inserida nela, que inclui o estabelecimento de comparativos
impossíveis de serem feitos entre distintas realidades, ou mesmo que o
desenvolvimento seria um ato final de um processo. É preciso ter clareza que
desenvolver é processual e eterno, pois a cada momento pode surgir novas
demandas, fatores e diversas ordens, sejam do meio natural, cultural, político,
econômico ou outros. Ou seja, ao conceito de desenvolvimento deve-se integrar a
noção de território em sua dimensão ampla, abordada ao longo do texto.
Esclarecido o posicionamento conceitual que direciona este trabalho, ao
dialogá-lo com a realidade concreta exemplificada no texto, só nos resta apontar
algumas direções possíveis de serem adotadas na elaboração de estratégias de
intervenção. Antes de se pensar em qualquer intervenção propriamente dita, é
prioritário entender a dinâmica da sociabilidade das comunidades em estudo. Isto
inclui conhecer suas percepções acerca do que é ser um ser social, as ambições e
pretensões individuais e coletivas, as aptidões, bem como sua compreensão do
espaço natural, quer dizer, do meio ambiente em que vivem e o modo como se
relacionam com ele.

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Vencida esta etapa fundamental, faz-se necessário traçar um paralelo do que
há disponível em termos de políticas públicas já existentes e com potencial de serem
implementadas nas comunidades. Dentre elas, destacam-se as políticas de acesso
ao crédito, assistência técnica, políticas sociais de modo amplo (saúde, educação,
previdência), além de políticas públicas de infra-estrutura (energia elétrica, estradas,
água potável e tratamento de resíduos). Deve-se destacar o fato de que estas
comunidades, como visto, vivem à mercê de toda e qualquer atenção estatal.
Considerando-se as peculiaridades do local, será preciso elaborar políticas
públicas específicas, em articulação com os órgãos ambiental e fundiário, que
valorizem os atributos e potencialidades locais, no bojo de uma intervenção voltada
para a estruturação e consolidação de uma agricultura familiar sustentável. Destaca-
se que a consolidação das comunidades dependerá de uma integração orgânica
entre o rural e o urbano.
Por fim, salienta-se que na relação entre conservação do meio ambiente
através de áreas protegidas e sobrevivência de comunidades rurais, tradicionais ou
não, que habitam o entorno destas áreas, é necessária haver uma relação de
parceria, de conciliação e adequação de interesses. Enquanto não houver
compreensão da importância de ambas, por ambos os lados, não se vislumbra
possibilidade de co-existência harmônica e produtiva.

Referências ,

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