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ANÁLISE SOBRE A GEOGRAFIA DA POPULAÇÃO E SUAS MANIFESTAÇÕES

NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO1

Najla Mehanna Mormul


Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Campus de Francisco Beltrão
najlamehanna@gmail.com

Márcio Mendes Rocha


Universidade Estadual de Maringá
mmrocha@uem.br

INTRODUÇÃO

A análise de uma ciência ou de uma disciplina acadêmica pode ser realizada de


diferentes modos. Contudo, independente da forma utilizada ela não deve ser realizada
de forma isolada, uma vez que a análise isolada é insuficiente, por não oferecer uma
visão ampla de seu desenvolvimento. Sem falar que ao investigar uma ciência ou
disciplina estamos analisando também seus pesquisadores, pois a ciência é feita pelos
homens, e esses possuem limites e intencionalidades.
Assim, a avaliação de uma produção científica pode ocorrer de várias maneiras,
e está atrelada aos elementos escolhidos para desenvolver tal análise, como os
econômicos, sociais, políticos, culturais, enfim, muitos outros.Desse modo, os critérios
escolhidos serão os mediadores do processo de construção de determinadas formas de
pensamento, nesse caso, aGeografia da População.
Kuhn (1970) exerceu uma influência decisiva nos rumos da ciência. Ele avançou
ao discutir as teses sobre o conhecimento científico e o conhecimento em geral, que
receberam críticas filosóficas diversas ao longo dos anos. De forma simples a
concepção huhniana consiste na tese de que o desenvolvimento típico de uma disciplina
científica se dá ao longo de diferentes estruturas,para ele a transição para a maturidade,

1
O presente trabalho é resultado de parte da pesquisa de doutorado realizadoem 2013 pela Universidade
Estadual de Maringá, na qual foi analisada e discutida a questão a Geografia da População e suas
diferentes abordagens no pensamento geográfico brasileiro.
ou seja, para a fase científica de uma disciplina envolve o reconhecimento por parte dos
pesquisadoresque defina de maneira mais ou menos clara os principais pontos de
divergência dessa fase. Kuhn (1970) entende a ciência como uma atividade de resolução
de problemas já que ela se desenvolve segundo regras relativamente bem definidas.
Assim, quando um novo paradigma vem substituir o antigo, ocorre aquilo que Kuhn
chama de revolução científica. Grande parte das teses filosóficas desse autor se tornou
alvo de polêmicas entre os especialistas sobre o que ele assevera acerca das revoluções
científicas.
As argumentações de Kuhn (1970) nos faz refletir que a produção acadêmica
seja ela em âmbito político, acadêmico ou científico/disciplinar, refletem e se referem a
um contexto histórico. Por isso não são puras ou simples manifestações do pensamento
humano, porém formas de pensamentos criadas, engendradas ou forjadas de acordo com
dos interesses dominantes ou, até mesmo, da própria necessidade de consolidação e
manutenção da ciência moderna ou pós-moderna.
Sabemos que durante o processo de constituição e consolidação da ciência
geográfica, muitas e variadas foram às tendências geográficas, cada qual influenciada
por autores e linhas teórico-epistemológicas distintas. Essas concepçõesintroduziram na
Geografiae também na Geografia da População abordagens pertinente aos interesses do
momento histórico em que foram mais difundidas.
Portanto, nosso propósito com esse trabalho foi analisar como as concepções
teóricas e metodológicas dominantes em cada contexto histórico na Geografia se
manifestaram na Geografia da População. Para isso, organizamos o trabalho da seguinte
forma: inicialmente apresentamos uma breve discussão sobre as concepções geográficas
e a questão da Geografia da População, na sequencia houve um esforço em apresentar
um diálogo entre os professores-pesquisadores de temas afetos a Geografia da
População objetivando analisar se os estudos populacionais são área de interesse na
ciência geográfica e como vem sendo abordados.

AS CONCEPÇÕES GEOGRÁFICAS E A GEOGRAFIA DA POPULAÇÃO


A Geografia tradicional difundida nas primeiras décadas do século XX era
centrada na observação e descrição principalmente do quadro natural, estruturada
basicamente em três partes: aspectos físicos, humanos e econômicos. Os aspectos
físicos considerados os mais importantes, os quais abordavam principalmente a
hidrografia, o relevo, o clima e a vegetação.Já as questões referentes à ação humana
estavam inseridas no quadro natural, como se a paisagem tivesse sido modelada para
receber a humanidade e fornecer a ela os recursos necessários a sua sobrevivência. Por
fim, a parte econômica era enfatizada com o intuito de demonstrar a relação homem e
meio, através das diferentes atividades econômicas desenvolvidas como o extrativismo,
agricultura, pecuária, indústria e outros.
Havia dificuldades em explicar as relações existentes entre o homem e o
ambiente, sob a tutela da Geografia tradicional. No que se refere aos estudos de
população, predominava a ênfase nos conceitos e números, sem nenhuma
contextualização com a realidade, ou seja, não se levava em conta os fatos cotidianos, as
relações político-sociais e econômicas e adotava-se um estudo do espaço de maneira
fragmentada. Por conta dessa fragmentação, era difícil estabelecer relações entre o
homem e o meio físico e suas particularidades.
Nas décadas seguintes, a Geografia passou a ser reformulada, especialmente,
porque a forma como vinha sendo trabalhada não dava conta de explicar as
transformações econômico-sociais que estavam ocorrendo no mundo após a Segunda
Guerra Mundial. Esse momento marcou o processo de renovação da Geografia
brasileira e foi coroado com a realização do XVIII Congresso Internacional de
Geografia que ocorreu no Rio de Janeiro em 1956 e contou com a presença de
geógrafos oriundos de outros países.
O processo de renovação na Geografia fez com que as posturas teórico-
metodológicas até então adotadas fossem vistas como algo ultrapassado. Assim, a
chamada Geografia tradicional foi assolada por diversas críticas, sobretudo, pela
ausência de criticidade relegando-a ao passado que deveria ser superado.
Com o advento da chamada Geografia crítica, o espaço geográfico passa a ser
concebido como fruto da ação humana, construído por meio do trabalho. Essa
concepção geográfica busca romper com a compartimentação dos saberes geográficos,
através de uma abordagem integrada dos conteúdos, sendo o espaço geográfico
resultado da inter-relação entre os aspectos físicos e humanos, levando em consideração
as transformações espaciais causadas pela ação antrópica e pelas causas naturais tanto a
nível local quanto global.
Na prática, a Geografia crítica se configura como possibilidade de discussão
sobre o espaço geográfico, buscando avançar para além da descrição das paisagens,
considerando as relações entre espaço e sociedade, auxiliando na formação de sujeitos
críticos e integrando o meio físico e as relações interpessoais.
Corroboramos com Moreira (1987), quando afirma que os estudos da população
puseram em questão as abordagens, apenas quantitativa, com relação ao crescimento e à
estrutura.Para o autor, o método de estudos de população na Geografia apresenta duplo
aspecto: a ausência de caracterização da historicidade do fenômeno populacional; e sua
“fragmentação-colagem”.O autor ofereceu uma importante contribuição ao criticar esse
recorte temático em crescimento, estrutura e distribuição da população e ao propor que
se integre o homem e a sociedade da qual faz parte; que não se dissolvam essas duas
categorias.
Concordando com as numerosas críticas apresentadas à forma como vinha se
desenvolvendo o estudo da população, é forçoso reconhecer que, tanto na universidade
como nos livros didáticos, a tradicional “fragmentação-colagem” apontada por Moreira
(1987) ainda está presente.Infelizmente é isso que predomina na visão evolucionista,
fruto da abordagem tradicional da Geografia, em que os modelos ocidentais de
crescimento econômico e demográfico têm servido de parâmetro, epor meio deles têm
sido percebido o crescimento populacional.
Durante o processo de desenvolvimento da denominada nova Geografia, os
trabalhos gráficos vinculados a dados estatísticos ganharam projeção, os estudos de
população ficavam atrelados aos números, à busca pela coesão metodológica e a
necessidade de produção científica, pautadas em dados mensuráveis, fortalecia o
emprego de modelos matemáticos. Todavia, os trabalhos desenvolvidos pela Geografia
pragmática, constituíram-se em importantes elementos para a compreensão do espaço
geográfico. No que diz respeito aos estudos de população sob a luz dessa concepção de
Geografia, esses puderam contar com dados mais precisos, contudo, as análises
mantinham-se vinculadas a quantidade pela quantidade, como se o números pudessem
explicar sozinhos a dinâmica da população.
A denominada Geografia pragmática intensificou-se nos anos 1960 e 1970,
principalmente, por conta dos interesses governamentais. Vivemos, nesse período, uma
intensa participação governamental nas diferentes esferas da vida pública. O arcabouço
oferecido pela Geografia pragmática servia para sustentar a ideologia do governo, tendo
em vista que a ciência estava a seu serviço. Assim, faziam uso das descobertas
científicas para alcançarem os objetivos almejados. Se por um lado as descobertas
científicas colaboravam para o aprimoramento de métodos e técnicas, por outro, podia
cercear o direito individual e coletivo. Uma vez que o governo tinha em suas mãos a
possibilidade de controlar os variados segmentos da sociedade, visando com isso,
atender seus interesses.
A questão discutida perpassa pela análise sobre os desdobramentos de quando o
conhecimento científico é usado de modo a colocar em prática uma política
antidemocrática, sobretudo, por meio de governos autoritários. Ao longo do século XX
testemunhamos as arbitrariedades ocorridas sob a égide de governos totalitários, tanto
de direita quanto de esquerda. A ênfase na ciência pautada em filosofias desiguais como
o positivismo e o historicismo, ocasionou em prejuízos, a busca por verdades universais,
promovidas pelo emprego incisivo da estatística. Geraram problemas tanto para a
sociedade quanto para uma disciplina científica como a Geografia da População.
Várias críticas foram feitas à Geografia pragmática brasileira, por servir ao
planejamento e auxiliar o regime militar. Contudo, vale ponderar que cada momento
histórico, adotava concepções filosóficas que contribuíssem ou estivessem de acordo
com as necessidades mais iminentes. Na qual,cada um desses modelos ou paradigmas
pôde a seu modo, colaborar ou não para a aquisição e construção de conhecimento.
Lembrando que não há neutralidade na produção científica, e dessa forma, os estudos de
população postulados sob a “batuta” do pragmatismo avançou em termos de coleta de
dados e no aprimoramento de técnicas de análises, porém, atenderam as especificidades
do Estado que tinha como égide fundamental o conhecimento do território brasileiro,
seus limites, fronteiras e seu povo, mesmo que em termos numéricos. Pois, por meio
dessas informações era possível, por exemplo, a adoção de políticas públicas ou
medidas “paliativas” ou provisórias que viabilizassem o desenvolvimento da nação e o
fomentar o ideário do “bem-estar social”.
O processo de produção do conhecimento na Geografia acompanhou as
necessidades e condições histórico-sociais de cada período. Nesse sentido, ora uma ora
outra concepção teórica predominava nas análises geográficas, que passavam a
considerar os fenômenos espaciais e sociais de acordo com a realidade vigente. Em
relação aos estudos de população na Geografia esse processo não foi diferente. Com
base nas leituras e estudos desenvolvidos para a elaboração da tese, podemos notar que
o espaço ocupado pela população na Geografia, não foi de destaque, mesmo em
períodos onde a Geografia da População esteve em evidência no Brasil, contudo, essa
situação decorre da adoção de diferentes proposituras teórico-filosófica e metodológica
incorporada pela Geografia ao longo de sua trajetória.
Com a Geografia pragmática, os estudos populacionais ganharam projeção por
meio do emprego da estatística e de modelos teóricos, convergindo numa aplicação
prática dos conteúdos e conceitos embasados no chamado neopositivismo. Entre as
contribuições relevantes da ciência geográfica foi permitir ou possibilitar que o espaço
geográfico emergisse como algo importante para os estudos científicos de forma geral.
Sendo que a reorganização territorial e os desdobramentos inerentes a esse processo
passaram a configurar como um elemento relevante para a compreensão das relações
pessoais e econômicas. Por isso, as precisões das informações populacionais, obtidas
com o emprego da nova Geografia, acenavam como mais um ingrediente na
organização do território e no controle e distribuição das pessoas e dos recursos
econômicos.
Dessa forma há de considerar que cada momento expressa as condições
materiais que o formou, assim com o passar do tempo alteram-se as terminologias e o
sentido da Geografia. Não se trata de um processo natural, mas sim historicamente
produzido, como o que ocorreu com a Geografia pragmática que foi ‘suplantada’ pela
Geografia da percepção. Porém, sempre considerando que essa suplantação ocorre de
forma gradativa e assim como em outros momentos as diferentes concepções e
abordagens geográficas podem convergir. Em oposição a Geografia pragmática
desponta-se a Geografia da percepção que estavavoltadaa recuperar o valor do homem
na Geografia. Em Topofilia, Tuan (1980) propõe a abordagem dos conceitos de
percepção, atitudes e valores do ser humano em relação ao meio ambiente, entendido
como “[...] tudo aquilo que rodeia o homem, quer como indivíduo, quer como grupo, e
dessa forma ele não é apenas composto de cores, formas e extensões, mas também de
sons, odores e sensações” (OLIVEIRA, 2000, p. 21).
Conhecida, também, como Geografia humanística ou comportamental, essa
Geografia busca através da adoção de diferentes procedimentos metodológicos
investigarem como as pessoas sentem e se relacionam com o espaço, usando para isso
explicações oriundas da psicologia. Para a Geografia da percepção, o estilo de vida de
um povo é a soma de suas atividades econômicas, sociais e ultraterrenas. Essas
atividades geram padrões espaciais; requerem formas arquitetônicas e ambientes
materiais que influenciam o padrão das atividades. E o habitante da cidade parece ter
uma necessidade psicológica de possuir uma imagem da totalidade do meio ambiente
para localizar o seu próprio bairro.
Desse modo, podemos verificar que a Geografia da percepção buscou dialogar
com as questões populacionais. Porém, se esse diálogo oportunizou análises
promissoras para a Geografia da População é outra história. Uma vez que a Geografia
da percepção inspirada no positivismo e no kantismo tem alguns de seus seguidores
comprometidos com o humanismo e se dedicaram em compreender o papel
desempenhado pelo homem, como ser independente e não como sociedade.
A partir das concepções engendradas pela Geografia da Percepção alguns
estudiosos começaram a investigar a natureza dasmigrações, orientadas por questões
econômicas, e também nas formas da percepção do espaço urbano. Os estudiosos dessa
escolacomo Tuan e Lívia Oliveira se dedicaram com ospadrões de caráter
multidisciplinares voltados, sobremaneira, para as políticas de planejamento. No
entanto, imbuídos na vontade de produzir estudos geográficos vinculados com a
educação ambiental.
As diferentes concepções que nortearam a ciência geográfica, uma buscando
sobrepor-se a outra, continuaram a produzir estudos populacionais com pouco ou
nenhuma mudança significativa. Especialmente, na forma como a Geografia
interpretava, analisava e discutia a questão populacional, demonstrando com isso as
dificuldades existentes em produzir estudos populacionais críticos à luz da Geografia.
Contudo, é evidente que existe certa dificuldade da Geografia em trabalhar com
as questões populacionais de modo dialético, ou seja, o de entender o papel e o lugar da
Geografia da População no contexto atual e de compreender que os fenômenos
populacionais não podem ser encarados dentro de uma ordem social estática, mas de
uma sociedade em movimento. Não dos interesses da classe dirigente, mas dos
interesses de todos, para poder quiçá abraçar por meio da Geografia da População, um
horizonte cada vez mais amplo, e entender à multiplicidade de necessidades dos grupos
sociais. Muitas hipóteses podem ser levantadas com o intuito de entender os motivos
que contribuem para que a Geografia da População seja uma área de pouco destaque na
Geografia. Nesse sentido, para a tese foram realizadas entrevistas com geógrafos
pesquisadores de temas afetos a população, para melhor elucidar questões sobre a
relevância ou não da Geografia da População. Essas entrevistas nos proporcionaram um
volume considerável de reflexões acerca da temática por nós investigados e foram
selecionadas algumas delas para apresentação nesse trabalho, visando o diálogo entre
ciência geográfica e estudos populacionais.

DIÁLOGO COM PESQUISADORES

Diante do que foi exposto podemos perceber que trabalhar com a questão da
Geografia da População é um desafio para os geógrafos, além derepresentar ainda mais
uma compartimentação dentro da Geografia. Todavia, os temas a ela atribuídos podem
muito bem ser trabalhados por outras ciências e não só a Geografia como é o caso da
migração que ocupa um lugar de interesse na produção geográfica atual. Para Póvoa
Neto:
Os estudos sobre migração no Brasil de modo geral acabou sendo um
processo importante desde o final da Segunda Guerra Mundial e a
partir de 1908 e 1990 o Brasil começa a receber novos imigrantes
como os latinos americanos, asiáticos e africanos, e ao mesmo tempo
o Brasil passa também a ser um país de emigração. No qual a questão
dos brasileiros no exterior começa a aparecer, inclusive, torna-se
preocupação da Associação Brasileira de Estudos da População. Por
conta da grande inserção do Brasil na migração internacional, hoje há
um grande interesse sobre isso, basta analisar revistas como a
Travessia. Percebo que o tema da migração é central, no entanto, a
subárea geografia da População está no segundo time, dentro das
diversas áreas da Geografia (entrevista concedida a pesquisadora em
abril de 2011).

A discussão apresenta a nosso ver duas facetas, uma é que os temas


populacionais podem ser trabalhados de forma interdisciplinar sem com isso
empobrecer suas análises, como o caso das migrações. E outra é que a
compartimentação, ou até mesmo falta de conhecimento acaba por algumas vezes
reduzir, limitar o universo de análise dos estudos da Geografia da População, o que
pode levar as mesmas interpretações dos fenômenos, sem muita autonomia, o que pouco
contribuiu para os avanços dos estudos populacionais na Geografia. Considerando-a,
muitas vezes, como uma disciplina sem um fim ou propósito ou validade específica.
Nesse mundo globalizado, de economia tão volátil, no qual as pessoas desejam cada vez
mais e mais, será que a Geografia da População não tem sentido mesmo?
A professora Amélia Damiani ao escrever o livro População e Geografiaem
1991, acreditava que seria para os colégios, mas pela ausência de bibliografia o livro se
tornou um texto universitário.Para ela a passagem de uma leitura malthusiana para uma
leitura marxista tornou-se uma discussão importante. Damianidefende que há uma
relação entre a Geografia e a Demografiacomo ciência moderna nos estudos
populacionais.Com o apoio das obras do professor Pierre George, a autora foi
decifrando no cerne de cada capítulo, uma aproximação quantitativa. Destacaque a
aproximação com a população tem esse caráter relativo à quantidade, mesmo não sendo
estritamente demográfico, pois para ela antes de ser demográfico, filosoficamente de
uma relação com a quantidade, é necessário primeiro ter instrumentos analíticos para
lidar com a quantidade.Para Damiani é interessante verificar a importância de superar o
limite malthusiano da interpretação, porque a leitura malthusiana pode ser perversa em
relação às diferenças socioculturais, diferenças políticas, já que homogeneíza tudo.
Dessa forma, salienta-se que população pode ser bem compreendida à luz das
condições que foram criadas, ou seja, analisando a forma como as pessoas satisfazem
suas necessidades e garantem sua sobrevivência, seus valores culturais e sociais, suas
ferramentas de organização, entre outras coisas. Uma abordagem contextualizada da
população possibilita entender que não é possível se satisfazer apenas com médias
nacionais, que frequentemente disfarçam fortes contrastes regionais. Para isso, é
importante desenvolver métodos de estudos e análises que realmente contribuem no
entendimento da dinâmica demográfica e seus condicionantes de forma crítica e
participativa.
Assim, para romper com o formatonão instrumental dos estudos populacionais, é
imprescindível a superação ou substituição de alguns conceitos ou concepções presentes
nesses estudos. Como por exemplo, a concepção de população estanque ou concebida,
que prevalece ao se estudar essa temática, como se as pessoas num dado espaço fossem
objetos de contemplação e não de investigação. Vale salientar a participação do
pesquisador e que seu modo de perceber e entender a realidade incidirá no resultado de
suas análises.
Como salientado, por um longo tempo os estudos da população na Geografia
punham em destaque as abordagens apenas quantitativas. Embora isso ainda predomine,
o que podemos notar é que ela vem sofrendo mudanças.
Os assuntos atinentes à população têm fortes implicações territoriais e sociais, a
questão do crescimento populacional, tem grande importância para o Estado como
gestor do território nacional, por meio dos dados dos recenseamentos, por exemplo, o
governo tem a possibilidade de “controlar” a população, e ao mesmo tempo organizar
seus territórios. Por isso, não é coerente continuar a encarar os estudos populacionais
pautados apenas em dados numéricos, os números são importantes, mas sozinhos são
insuficientes, é necessário compreender as diferentes e complexas relações sociais,
políticas, econômicas e culturais existentes nos estudos sobre população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em cada momento, de acordo com cada contexto histórico, a população foi


gerida e entendida de modo diferente, trata-se, portanto, de algo dinâmico que precisa
ser estudado, ou até mesmo, ‘recontextualizado’. Sobretudo, para que os aspectos
obscuros e neutros sejam elucidados, isto é, que os dados ou informações que são
maquiados/manipulados se dissipem para que os imbróglios socioeconômicos, políticos
e ambientais, dos quais as análises populacionais estão essencialmente inseridas, sejam
revelados e discutidos.
Por isso, a defesa é que no cerne do desenvolvimento histórico-econômico-social
ambiental que as relações humanas ganham expressões diferentes. Nesse sentido, a
Geografia crítica contribuiu ao priorizar temas sociais para explicar o processo de
produção e reprodução do espaço geográfico, fundamentando-se no materialismo
histórico-dialético.
Assim, podemos perceber que existem diversos caminhos para se estudar a
população, e não temos a pretensão de defender um único caminho, mas entender como
essa temática se faz presente na Geografia, não como categoria, mas como processo a
ser entendido e desvelado.
Entendemos a Geografia da População pelo viés da Geografia crítica quando as
tarefas de compreender e explicar os fenômenos populacionais na sua especificidade é
encaminhado no sentido de formar convicções, princípios orientadores da atividade
prática do homem frente a problemas e desafios da realidade social. É crítica porque se
espera dela o alcance de objetivos sociopolíticos e o emprego de metodologias
escolhidas e organizadas, mediante determinada postura frente ao contexto das relações
vigentes nas práticas sociais.
Nesse sentido, defendemos que analisar os estudos populacionais na Geografia
não é simplesmente percorrer a história do pensamento geográfico, haja vista que essa
metodologia seria insuficiente, já que muito do que buscamos compreender não está
explícito na literatura corrente, e sim está nas margens da história e essas informações
muitas vezes ser reinterpretadas e analisadas a luz das categorias da contradição e da
mediação.

REFERENCIAS
DAMIANI, A. L. População e Geografia. São Paulo: Contexto, 1991.

KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1970.

MOREIRA, R. Repensando o estudo da população. AGB/UPEGE. 1987

OLIVEIRA, L. Percepção da paisagem geográfica: Piaget, Gibson e Tuan. Geografia.


Vol. 25, n. 2, 2000, Rio Claro.

TUAN, Y. F. Topofília. São Paulo/Rio de Janeiro: Difusão Editorial S.A., 1980.

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