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Ilma Glória Barbacena de Souza

A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL
Contribuições a Partir Da Prática
Trabalho individual apresentado como parte de avaliação da disciplina
Fundamentos da Psicopedagogia, da profª Andréa Cunha Arantes,
do curso de Especialização em Psicopedagogia
do Centro Universitário do Triângulo.
INTRODUÇÃO
A Psicopedagogia nasceu de uma necessidade: contribuir na busca de soluções para a
difícil questão do problema de aprendizagem. Enquanto prática clínica, tem-se
transformado em campo de estudos para investigadores interessados no processo de
construção do conhecimento e nas dificuldades que se apresentam nessa construção.
Como prática preventiva, busca construir uma relação saudável com o conhecimento,
de modo a facilitar a sua construção. No momento, a validade da Psicopedagogia,
como um corpo teórico organizado, não lhe assegura a qualidade de saber científico,
devendo-se fazer realmente ainda muito no sentido de ela sair da esfera da empiria e
poder vir a estruturar-se como tal.
O termo psicopedagogia distingue-se em três conotações: como uma prática, como um
campo de investigação do ato de aprender e como (pretende-se) um saber científico.
Esse termo, por vezes, na literatura, é tratado como sinônimo de outros. De acordo
com Maria Regina Maluf (1991), "a literatura atual permite que sejam tratados como
equivalentes as denominações Psicologia Educacional, Psicologia Escolar e
Psicopedagogia". Segundo essa autora, os objetos de estudo não apresentam
diferenças que justifiquem serem tratados como áreas discretas, pois "há entre elas
uma unidade, embora não propriamente a mesma identidade" (1991, p. 4). Afirma
também M. R. Maluf que, do ponto de vista da atuação profissional, o psicólogo
educacional, o psicólogo escolar e o psicopedagogo desempenham papéis
semelhantes (cf. Maluf, 1991).
É possível observar, que nem sempre a formação, como ocorre no Brasil, prepara o
aluno para uma prática consistente, a qual requer grande conhecimento teórico e
compromisso social, implícito na tarefa a que o psicopedagogo se propõe. Tal prática
se baseia em conhecimentos de diversas áreas: Psicologia da Aprendizagem,
Psicologia Genética, Teorias da Personalidade, Pedagogia, fundamentos de Biologia,
fundamentos de Lingüística, fundamentos de Sociologia, fundamentos de Filosofia,
fundamentos de Atendimento Psicopedagógico. Conhecimentos específicos dessas
áreas, articulados, alicerçam a prática psicopedagógica.
O compromisso do psicopedagogo é com a transformação da nossa realidade escolar,
e só através do exercício reflexivo superaremos os obstáculos que se nos impõem.
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FUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA
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O termo psicopedagogia apresenta-se, hoje, com uma característica especial. Quanto
mais tentamos elucidá-lo, menos claro ele nos parece. Como diz Lino Macedo (1992),
"o termo já foi inventado e assinala de forma simples e direta uma das mais profundas
e importantes razões da produção de um conhecimento científico: o de ser meio, o de
ser instrumento, para um outro, tanto em uma perspectiva teórica ou aplicada". Neste
sentido, enquanto produção de conhecimento científico, a Psicopedagogia, que nasceu
da necessidade de uma melhor compreensão do processo de aprendizagem, não basta
como aplicação da Psicologia à Pedagogia. Macedo lembra-nos, ainda, que no Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, é definido como "aplicação da psicologia
experimental à pedagogia"(1992,p. VII).
Para Maria M. Neves, a psicopedagogia inicialmente foi utilizada como adjetivo,
indicando uma forma de atuação que apontava a inevitável interseção dos campos do
conhecimento da Psicologia e Pedagogia. Posteriormente a Psicopedagogia assumiu
uma conotação substantiva, o que por um lado correspondeu a uma aplicação
conceitual e, por outro, causou um lamentável estado de confusão, devido à utilização
de toda uma polissemia aplicada a um só termo.
Para Kiguel, "historicamente a Psicopedagogia surgiu na fronteira entre a Pedagogia e
Psicologia, a partir das necessidades de atendimentos de crianças com ‘distúrbios de
aprendizagem’, consideradas inaptas dentro do sistema educacional convencional"
(1991, p. 22). " Os fatores etiológicos utilizados para explicar índices alarmantes do
fracasso escolar envolviam quase que exclusivamente fatores individuais como
desnutrição, problemas neurológicos, psicológicos, etc. "No Brasil, particularmente
durante a década de 70, foi amplamente difundido o rótulo de Disfunção Cerebral
Mínima para as crianças que apresentavam, como sintoma proeminente, distúrbios na
escolaridade.
O OBJETO DE ESTUDO DA PSICOPEDAGOGIA
Se a (in)definição do termo psicopedagogia produz um estado de confusão conforme
afirma Neves, vejamos qual é a definição do objeto de estudo da Psicopedagogia
segundo alguns psicopedagogos brasileiros.
Para Kiguel, "o objeto central de estudo da Psicopedagogia está se estruturando em
torno do processo de aprendizagem humana: seus padrões evolutivos normais e
patológicos – bem como a influência de meio (família, escola, sociedade) no seu
desenvolvimento" (1991, p. 24). De acordo com Neves, "a psicopedagogia estuda o ato
de aprender e ensinar, levando sempre em conta as realidades interna e externa da
aprendizagem, tomadas em conjunto. E, mais, procurando estudar a construção do
conhecimento em toda a sua complexidade, procurando colocar em pé de igualdade os
aspectos cognitivos, afetivos e sociais que lhe estão implícitos" (1991, p. 12).
Segundo Scoz, "a psicopedagogia estuda o processo de aprendizagem e suas
dificuldades, e numa ação profissional deve englobar vários campos do conhecimento,
integrando-os e sintetizando-os"(1992,p.2) Para Golbert: (...) o objeto de estudo da
Psicopedagogia deve ser entendido a partir de dois enfoques: preventivo e terapêutico.
O enfoque preventivo considera o objeto de estudo da Psicopedagogia o ser humano
em desenvolvimento enquanto educável. O enfoque terapêutico considera o objeto de
estudo da psicopedagogia a identificação, análise, elaboração de uma metodologia de
diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem (1985, p. 13).
Para Rubinstein, "num primeiro momento a psicopedagogia esteve voltada para a
busca e o desenvolvimento de metodologias que melhor atendessem aos portadores
de dificuldades, tendo como objetivo fazer a reeducação ou a remediação e desta
forma promover o desaparecimento do sintoma". E ainda, "a partir do momento em que
o foco de atenção passa a ser a compreensão do processo de aprendizagem e a
relação que o aprendiz estabelece com a mesma, o objeto da psicopedagogia passa a
ser mais abrangente: a metodologia é apenas um aspecto no processo terapêutico, e o
principal objetivo é a investigação de etiologia da dificuldade de aprendizagem, bem
como a compreensão do processamento da aprendizagem considerando todas as
variáveis que intervêm nesse processo" 91992, P. 103)
Do ponto de vista de Weiss, "a psicopedagogia busca a melhoria das relações com a
aprendizagem, assim como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem
de alunos e educadores" (1991, P. 6).
Essas considerações sugerem há um certo consenso quanto ao fato de que ela deve
ocupar-se em estudar a aprendizagem humana, porém é uma ilusão pensar que tal
consenso nos conduza, a todos, a um único caminho. A concepção de aprendizagem é
resultado de uma visão de homem, e é em razão desta que acontece a práxis
psicopedagógica.
Dos profissionais brasileiros supracitados, pudemos verificar que o tema aprendizagem
ocupa-os e preocupa-os, sendo os problemas desse processo ( de aprendizagem) a
causa e a razão da Psicopedagogia. Podemos observar esse pensamento traduzido
nas palavras de profissionais argentinos como Alicia Fernandez, Sara Paín, Jorge
Visca, Marina Müller, etc., que atuam na área e estão envolvidos no trabalho teórico.
Para eles, "a aprendizagem com seus problemas" constitui-se no pilar-base da
Psicopedagogia.
Segundo Jorge Visca, a Psicopedagogia, que inicialmente foi uma ação subsidiária da
Medicina e da Psicologia, perfilou-se como um conhecimento independente e
complementar, possuída de um objeto de estudo – o processo de aprendizagem – e de
recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios.
Atualmente, a Psicopedagogia trabalha com uma concepção de aprendizagem
segundo a qual participa desse processo um equipamento biológico com disposições
afetivas e intelectuais que interferem na forma de relação do sujeito com o meio, sendo
que essas disposições influenciam e são influenciadas pelas condições socioculturais
do sujeito e do seu meio.
Ao psicopedagogo cabe saber como se constitui o sujeito, como este se transforma em
suas diversas etapas de vida, quais os recursos de conhecimento de que ele dispõe e
a forma pela qual produz conhecimento e aprende. É preciso, também, que o
psicopedagogo saiba o que é ensinar e o que é aprender; como interferem os sistemas
e métodos educativos; os problemas estruturais que intervêm no surgimento dos
transtornos de aprendizagem e no processo escolar.
Faz-se, desta maneira, imperioso que, enquanto psicopedagogos, aprendemos sobre
como os outros sujeitos aprendem e também sobre como nós aprendemos. Para Alicia
Fernández, esse saber só é possível com uma formação que os oriente sobre três
pilares:
-prática clínica, construção teórica, tratamento psicopedagógico-didático.
Ainda de acordo com Alicia Fernández (1991), todo sujeito tem a sua modalidade
de aprendizagem,ou seja, meios, condições e limites para conhecer.
No trabalho clínico, conceber o sujeito que aprende como um sujeito epistêmico-
epistemofílico implica procedimentos diagnósticos e terapêuticos que considerem tal
concepção. Para isso, é necessária uma leitura clínica na qual, através da escuta
psicopedagógica, se possa decifrar os processos que dão sentido ao observado e
norteiam a intervenção.
De acordo com Alicia Fernández, necessitamos incorporar conhecimentos sobre o
organismo, o corpo, a inteligência e o desejo, estando estes quatro níveis basicamente
implicados no aprender. Considerando-se o problema de aprendizagem na interseção
desses níveis, as teorias que ocupam da inteligência, do inconsciente, do organismo e
do corpo, separadamente, não conseguem resolvê-lo.
Faz-se necessário construir, pois, uma teoria psicopedagógica fundamentada em
conhecimentos de outros corpos teóricos, que, ressignificados, embasem essa prática.
2. TEORIAS QUE EMBASAM O TRABALHO PSICOPEDAGÓGICO
Conhecer os fundamentos da Psicopedagogia implica refletir sobre as suas origens
teóricas, ou seja, revisar velhos impasses conceptuais que subjazem na ação e na
atuação da Pedagogia e da Psicologia no apreender do fenômeno educativo.
Do seu parentesco com a Pedagogia, a Psicopedagogia traz as indefinições e
contradições de uma ciência cujos limites são os da própria vida humana. Envolve
simultaneamente, a meu juízo, o social e o individual em processos tanto
transformadores quanto reprodutores. Da Psicologia, a Psicopedagogia herda o velho
problema do paralelismo psicofísico, um dualismo que ora privilegia o físico
(observável), ora o psíquico (a consciência).
Essas duas áreas não são suficientes para apreender o objeto de estudo da
Psicopedagogia – o processo de aprendizagem e suas variáveis – e nortear a sua
prática. Dessa forma, recorre-se a outras áreas, como a Filosofia, a Neurologia, a
Sociologia, a Lingüística e a Psicanálise, no sentido de alcançar compreensão desse
processo. Para Sara Paín, "nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um
momento histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito
associado a tantas outras estruturas teóricas, de cuja engrenagem se ocupa e
preocupa a Epistemologia; referimo-nos principalmente ao materialismo histórico, à
teoria piagetiana da inteligência e à teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram a
ideologia, a operatividade e o inconsciente" (1987, p. 15).
Os autores brasileiros Neves, Kiguel, Scoz, Golbert, Rubinstein, Weiss, Barone e
outros, assim como os argentinos Fernández, Paín, Visca, Müller, são unânimes
quanto à necessidade de conhecimentos de diversas áreas que, articulados, devem
fundamentar a constituição de uma teoria psicopedagógica.
Ora, nenhuma dessas áreas surgiu especificamente para responder à problemática da
aprendizagem humana. Elas, no entanto, nos fornecem meios para refletir
cientificamente e operar no campo psicopedagógico, o nosso campo.
"O futuro provavelmente atribuirá muito maior importância à psicanálise como a ciência
do inconsciente do que como um procedimento terapêutico" (Freud, 1976, vol. XX, p.
303). Como ciência do inconsciente, portanto, a Psicanálise permite a compreensão do
sintoma como problema de aprendizagem, percebendo-o como uma manifestação
humana carregada de significado.
Entretanto, não só à Psicanálise recorre o psicopedagogo. Ele busca conhecimentos
também na Psicologia Genética, na Psicologia Social, na Psicolingüística, etc.
Sabemos igualmente que nenhuma dessas áreas surge para responder aos problemas
de aprendizagem: as diversas combinações entre elas resultam, entretanto, em
posturas teórico-práticas diversificadas, porém com diversos pontos de convergência.
Assim a partir de pressupostos teóricos iniciais da Medicina, da Psicologia e da
Pedagogia, foram-se constituindo concepções acerca dos problemas de aprendizagem,
as quais transformaram-se e, consequentemente, transformaram a prática
psicopedagógica, até esta chegar à configuração atual. De qualquer modo, a
Psicopedagogia se encontra em fase embrionária e seu corpo teórico acha-se em
construção, amalgamando-se ou estruturando o seu arcabouço lógico-principal ou
ideal. A cada dia surgem novas idéias, novas situações e mais transformação: o
psicopedagogo então transforma a teoria e, por seu turno, a teoria o transforma.
Tratando do mundo psíquico individual e grupal em relação à aprendizagem e aos
sistemas e processos educativos, o psicopedagogo ensina como aprender e, para isso,
necessita apreender o aprender e a aprendizagem. Para o psicopedagogo, aprender é
um processo que implica pôr em ação diferentes sistemas que intervêm em todo
sujeito: a rede de relações e códigos culturais e de linguagem que, desde antes do
nascimento, têm lugar em cada ser humano à medida que ele se incorpora à
sociedade.
A aprendizagem, afinal, é responsável pela inserção da pessoa no mundo da cultura.
Nesse trabalho de ensinar e aprender, o psicopedagogo recorre a critérios diagnósticos
no sentido de compreender a falha na aprendizagem. Daí o caráter clínico da
Psicopedagogia, ainda que o objetivo seja a prevenção dos problemas de
aprendizagem. Clínico porque envolve sempre um processo diagnóstico ou de
investigação que precede o plano de trabalho. Esse diagnóstico consiste na busca de
um saber para saber-fazer. Através das informações obtidas nesse processo de
investigação, o psicopedagogo inicia a construção de seu plano de trabalho. "o
diagnóstico não completa o olhar interpretativo nem diagnóstico: todo o processo
terapêutico é também diagnóstico" (Fernández, 1990, p. 44), ocorrendo também no
trabalho institucional, onde após o momento inicial de investigação inicia-se o processo
de intervenção, com a implantação de recursos capazes de solucionar o problema tão
logo este se anuncie. Durante esse processo de intervenção, o profissional não
abandona o olhar interpretativo que caracteriza a prática psicopedagógica.
A investigação diagnóstica envolve a leitura de um processo complexo, onde todas as
ambigüidades de atribuição de sentido de sentido a uma série de manifestações
conscientes e inconscientes se fazem presentes. Interjogam aí o pessoal, o familiar
atual e passado, o sociocultural, o educacional, a aprendizagem sistemática. O decifrar
do sentido da dificuldade de aprendizagem repercute sobre o problema que estamos
interpretando: a nossa linguagem sobre a linguagem da enfermidade nos leva a um
compromisso, ou seja, ao diagnóstico, promotor de decisões acerca do tratamento.
Atualmente, a Psicopedagogia refere-se a um saber e a um saber-fazer, às condições
subjetivas e relacionais – em especial familiares e escolares – às inibições, atrasos e
desvios do sujeito ou grupo a ser diagnosticado. O conhecimento psicopedagógico não
se cristaliza numa delimitação fixa, nem nos déficits e alterações subjetivas do
aprender, mas avalia a possibilidade do sujeito, a disponibilidade afetiva de saber e de
fazer, reconhecendo que o saber é próprio do sujeito.
O CAMPO DE ATUAÇÃO DA PSICOPEDAGOGIA
O campo de atuação do psicopedagogo refere-se não só ao espaço físico que se dá
esse trabalho, mas o lugar desse campo de atividade e o modo de abordar o seu
objetivo de estudo, pode assumir características específicas, a depender da
modalidade: clínica, preventiva e teórica, uma articulando-se às outras. O trabalho
clínico não deixa de ser preventivo, uma vez que, ao tratar alguns transtornos de
aprendizagem, pode evitar o aparecimento de outros. O trabalho preventivo, é sempre
clínico, levando em conta a singularidade de cada processo. Essas duas formas de
atuação, não deixam de resultar um trabalho teórico. Tanto na prática preventiva como
na clínica, o profissional procede sempre embasado no referencial teórico adotado.
Segundo Lino Macedo, o psicopedagogo, no Brasil, ocupa-se das seguintes atividades:
orientação de estudos, apropriação dos conteúdos escolares, desenvolvimento do
raciocínio, atendimento de crianças.
Segundo ele, essas quatro atividades não são excludentes entre si e nem em relação a
outras. O atendimento psicopedagógico está sempre relacionado com o trabalho
escolar, ainda que com ele não esteja diretamente comprometido.
Para Janine Mery, psicopedagogo é um professor de um tipo particular que realiza a
sua tarefa de pedagogo sem perder de vista os propósitos terapêuticos de sua ação.
O psicopedagogo, ainda segundo Mery, respeita a escola tal como é, apesar de suas
imperfeições, porque é através da escola que o aluno se situará em relação aos seus
semelhantes, optará por uma profissão, participará da construção coletiva da
sociedade à qual pertence. Em seu trabalho, ele deverá fazer com que a criança
enfrente a escola de hoje e não a de amanhã. Esse enfrentamento, no entanto, não
significaria impor à criança normas arbitrárias ou sufocar-lhe a individualidade. Assim,
tanto no seu exercício na área educativa como na saúde, pode-se considerar que o
psicopedagogo tem uma atitude clínica frente ao objeto de estudo. Isso não implica que
o lugar de trabalho seja a clínica, mas se refere às atitudes do profissional ao longo da
sua atuação.
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A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL E NA ARGENTINA
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Primórdios europeus
O movimento da Psicopedagogia no Brasil remete ao seu histórico na Argentina.
Muitos profissionais argentinos encontram-se em nosso país, pós-graduando-se em
Psicologia, Psicanálise e mesmo em psicopedagogia. Esses argentinos, em geral,
acabam por ministrar cursos e chegam a ocupar um considerável espaço no nosso
mercado de trabalho. Além disso, encontramos trabalhos de autores argentinos na
literatura brasileira, os quais constituem os primeiros esforços no sentido de
sistematizar um corpo teórico da Psicopedagogia.
Ao pesquisar a origem do pensamento argentino acerca da Psicopedagogia,
verificamos que a sua literatura está fortemente marcada pela literatura francesa.
Autores como Jacques Lacan, Maud Mannoni, Françoise Dolto, Julián de Ajuriaguerra,
Janine Mery, Michel Lobrot, Pierre Vayer, Maurice Debesse, René Diatkine, George
Mauco, Pichón-Rivière e outros, são freqüentemente citados nos trabalhos argentinos.
A Psicopedagogia nasceu na Europa, ainda no século XIX. Inicialmente, pensaram
sobre o problema de aprendizagem: os filósofos, os médicos e os educadores.
Na literatura francesa – encontra-se, entre outros, os trabalhos de Janine Mery,
psicopedagoga francesa, que apresenta algumas considerações sobre o termo
psicopedagogia e sobre a origem dessas idéias na Europa, e os trabalhos de George
Mauco, fundador do primeiro centro médico-psicopedagógico na França onde se
percebe as primeiras tentativas de articulação entre Medicina, Psicologia, Psicanálise e
Pedagogia, na solução dos problemas de comportamento e de aprendizagem.
O termo psicopedagogia curativa, adotado por Janine Mery é usado para caracterizar
uma ação terapêutica que considera aspectos pedagógicos e psicológicos no
tratamento de crianças que apresentam fracasso escolar. Tais crianças " experimentam
dificuldades ou demonstram lentidão em relação aos seus colegas no qual diz respeito
às aquisições escolares" (Janine Mery, 1985, p. 16).
Janine Mery, aponta o século XIX como aquele em que teve início o interesse por
compreender e atender portadores de deficiências sensoriais, debilidade mental e
outros problemas que comprometessem a aprendizagem (1985, p. 11). Segundo essa
autora, no final do século XIX, educadores como Itard, Pereire, Pestalozzi, e Seguin
começaram a se dedicar às crianças que apresentavam problemas de aprendizagem
em razão de vários tipos de distúrbios. Jean Itard mobilizou-se com o caso da
reeducaçao de um enfant sauvage, Victor, uma história exemplar sob vários aspectos,
entre outros pelo choque que esse ser real representava aos olhos do ideal romântico
rousseauniano (Lajonquière, 1992, pp. 36 e segs.). Pestalozzi, inspirando nas idéias de
Rousseau , fundou na Suíça um centro de educação através do trabalho, onde usou o
método intuitivo e natural, estimulando em especial a percepção. Educadores como
Pereire, Itard e Seguin também se preocuparam principalmente com a percepção. Mery
aponta esses educadores como pioneiros no tratamento dos problemas de
aprendizagem, observando, porém, que eles se preocupavam mais pelas deficiências
sensoriais e pela debilidade mental do que propriamente pela desadaptação infantil.
Em 1898, Edouard Claparède, famoso professor de Psicologia, juntamente com o
neurologista François Neville, introduziu na escola pública as "classes especiais",
destinadas à educação de crianças com retardo mental. Esta foi a primeira iniciativa
registrada de médicos e educadores no campo da reeducação (cf. Claparède, 1959).
Em 1904 e 1908 iniciam-se as primeiras consultas médico-pedagógicas, as quais
tinham o objetivo de encaminhar as crianças para as classes especiais.
Ainda em fins do século XIX foi formada uma equipe médico- pedagógica pelo
educador Seguin e pelo médico psiquiatra Esquirol. A partir daí a neuropsiquiatria
infantil passou a se ocupar dos problemas neurológicos que afetam a aprendizagem
(cf. Mery, 1985, p. 11). Nessa mesma época Maria Montessori, psiquiatra italiana, criou
um método de aprendizagem destinado inicialmente às crianças retardadas.
Posteriormente, o método Montessori foi estendido a todas as crianças, sendo hoje
utilizado em muitas Escolas. Sua principal preocupação está na educação da vontade e
na alfabetização, via estimulação dos órgãos dos sentidos – sendo por isso classificado
como sensorial (cf. Montessori, 1954).
O psiquiatra Ovidir Decroly também se preocupou com a ed. infantil, utilizando técnicas
de observação e filmagem para estudar as situações de aprendizagem. Criou os
famosos Centros de Interesse, que perduram até os nossos dias (cf. Decroly, 1929).
Conforme Mery (1985), em 1946 foram fundados os primeiros Centro
Psicopedagógicos, onde se buscava unir conhecimentos da Psicologia, da Psicanálise
e da Pedagogia para tratar comportamentos socialmente inadequados de crianças,
tanto na escola como no lar, objetivando a sua adaptação.
A partir de 1948, entretanto, o termo pedagogia curativa passa a ser definido, segundo
Debesse, como terapêutica para entender a criança e adolescentes desadaptados que,
embora inteligentes, tinham maus resultados escolares. A Pedagogia Curativa
introduzida na França poderia ser entendida com "método que favorecia a readaptação
pedagógica do aluno", uma vez que pretendia tanto auxiliar o sujeito a adquirir
conhecimentos, como também desenvolver a sua personalidade. Segundo Debesse, a
Pedagogia Curativa "situa-se no interior daquilo que hoje chamam de Psicopedagogia".
Do sentido conferido à Psicopedagogia por Debesse em 1948 ao que lhe é conferido
hoje pelos diversos profissionais da área, podemos observar algumas transformações
que tiveram vários sentidos. Esses diversos sentidos conferidos à Psicopedagogia
falam-no de um novo todo que se está estruturando, cuja identidade se encontra ainda
em processo de maturação. Conforme afirma o professor Lino de Macedo, "a
Psicopedagogia é uma (nova) área de atuação profissional que tem, ou melhor, busca
uma identidade e que requer uma formação de nível interdisciplinar (o que já é
sugerido no próprio termo psicopedagogia)" (1992, p. VIII).
TRAÇOS HISTÓRICOS DA PSICOPEDAGOGIA NA ARGENTINA
Segundo Alicia Fernández, a graduação em Psicopedagogia surgiu há mais de trinta
anos na Argentina, sendo tão antiga quanto a carreira da Psicologia, criada na
Universidade de Buenos Aires. Na prática, a atividade psicopedagógica iniciou-se antes
da criação do próprio curso. Profissionais que possuíam outra formação viram a
necessidade de ocupar um espaço que não podia ser preenchido pelo psicólogo nem
pelo pedagogo. Desta maneira, começaram fazendo reeducação, com o objetivo de
resolver fracassos escolares. Trabalhava-se as funções egóicas, tais como memória,
percepção, atenção, motricidade e pensamento, medindo-se os déficits e elaborando
planos de tratamento que objetivavam vencer essas faltas. Alicia afirma que o curso de
Psicopedagogia passou por três momentos distintos devido a alterações nos seus
planos de estudo. O primeiro correspondeu aos planos de estudo de 1956, 1958 e
1961, com ênfase na formação filosófica e psicológica, incluindo fundamentos de
Biologia e uma área específica, que era psicopedagógica, pois havia, como pré-
requisito, o título de docente, ou seja, diploma da Escola Normal (Bossa e Montti, 1991,
p.22).
Para Fernández e Montti, o segundo momento da Psicopedagogia na Argentina é
constituído pelos planos de 1963, 1964 e 1969, nos quais se evidencia a influência da
Psicologia Experimental na formação do psicopedagogo. Neste momento, busca-se a
formação instrumental do profissional, ou seja, procura-se capacitá-lo na medição das
funções cognitivas e afetivas.
A extinção da Escola Normal, em 1969, na Argentina, permitiu que, a partir de 1971, os
alunos com título secundário de variadas procedências, profissionalizantes ou não,
ingressassem na Faculdade de Psicopedagogia. Isso significa que os novos alunos não
tinham conhecimento de Pedagogia e Didática. Essa situação leva à reformulação de
currículo. Acontece assim, em 1978, o terceiro momento do curso de Psicopedagogia,
com a criação da licenciatura na matéria, tal como existe atualmente, ou seja, uma
carreira de graduação com duração de cinco anos. São incluídas ali as disciplinas
Clínicas Pedagógicas I e II, com o objetivo de valorizar o papel profissional do
psicopedagogo enquanto terapeuta.
Para essas educadoras argentinas, durante os trinta anos que se passaram desde o
seu estabelecimento na Argentina, a Psicopedagogia tem ocupado um significado
espaço no âmbito da educação e da saúde. Nesse processo evolutivo, é importante
destacar um fato relevante que permitiu mudanças na abordagem da Psicopedagogia:
da reeducação à clínica. Na década de 1970 criou-se em Buenos Aires os Centros de
Saúde Mental, onde atuavam equipes de psicopedagogos que faziam diagnóstico e
tratamento. Esses profissionais observavam que, depois de um ano de tratamento,
quando os pacientes retornavam para controle, haviam "resolvido" os seus problemas
de aprendizagem. Entretanto, em lugar desses problemas surgiam graves distúrbios de
personalidade: fobias, traços psicóticos, etc. Os reeducadores tomaram, então,
consciência de que haviam afogado o único grito que esses sujeitos tinham para se
expressar, produzindo-se, pois, um deslocamento de sintoma. A partir daí ocorre uma
grande mudança na abordagem psicopedagógica. Os psicopedagogos começam a
incluir no seu trabalho o olhar e a escuta clínica da Psicanálise, resultando no atual
perfil do psicopedagogo argentino.
Observam Fernández e Montti que, na Argentina, a atuação psicopedagógica está
ligada, fundamentalmente, a duas áreas: a educação e a saúde. A função do
psicopedagogo na área educativa é cooperar para diminuir o fracasso escolar, seja
este da instituição, seja do sujeito ou, o que é mais freqüente, de ambos. Esse objetivo
é perseguido através de assessoramento aos pais, professores e diretores, para que
possam decidir e opinar na elaboração de planos de recreação, cujo objetivo é o
desenvolvimento da criatividade, do juízo crítico e da cooperação entre os alunos.
Ainda na área educativa, psicopedagogo argentino atua no serviço de orientação
vocacional, na passagem do 1º para o 2º e deste par o 3º grau, bem como em outras
atividades que surgem em função de necessidades concretas da instituição.
Quanto a área de saúde, o psicopedagogo, na Argentina, trabalha em consultórios
particulares e/ou em instituições de saúde, hospitais públicos e particulares. Sua
função é reconhecer e atuar sobre as alterações da aprendizagem sistemática e/ou
assistemática. Procura-se reconhecer as alterações da aprendizagem sistemática,
utiliza-se diagnóstico na identificação dos múltiplos geradores desse problema e,
fundamentalmente, busca-se descobrir como o sujeito aprende. Utilizam-se, no
diagnóstico, testes para melhor conhecer o paciente e a sua problemática, os quais são
selecionados em função de cada sujeito. Participam do processo diagnóstico tanto o
sujeito quanto os pais.
TESTES DE USO CORRENTE NA ARGENTINA
Provas de inteligência
O teste é composto de dois subtestes agrupados numa escala verbal e em outra de
desempenho.
2. Provas de nível de pensamento
Essas provas falam do sujeito epistêmico e contribuem para que se possa situar o
sujeito quanto ao nível que alcançou na estruturação cognitiva e em relação à
disponibilidade efetiva das estratégias de conhecimento para as quais aquela
estruturação o habilitaria nas diversas áreas de comportamentos cognitivos.
3. Avaliação de nível pedagógico
As atividades são elaboradas de forma a proporcionar ao profissional o repertório
acadêmico adquirido pelo sujeito.
4. Avaliação perceptomotora
O objetivo é avaliar o grau de maturidade visomotora do sujeito.
5. Testes projetivos
Teste de Apercepção Infantil – CAT (Bellak e Bellak, (1967; Teste de Apercepção
temática – TAT (Murray, 1973); Desenho da Família (Corman, 1967); Desenho da
Figura Humana; Casa, Árvore e Pessoa – HTP
6. Testes psicomotores
Os testes psicomotores auxiliam na investigação da forma como o sujeito instrumenta
suas funções motoras e correlacionar distúrbios psicomotores com características da
personalidade (Safra, 1984, p. 64).
7. Hora do jogo psicopedagógico
A observação da hora do brincar nos permite uma aproximação do tipo inter-relação
inteligência-desejo-corporeidade, a partir da qual se decide a necessidade ou não de
se observar outros aspectos mais parcializados.
A atuação dos psicopedagogos no Brasil, por seu turno, difere em alguns pontos da
situação Argentina, sobretudo no que concerne à prática, devido principalmente às
condições de formação.
PERCURSOS DA PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL
No Brasil, por muito tempo se explicou o problema de aprendizagem como produto de
fatores orgânicos (Lefèvre, 1968, 1975, 1981; e Grünspun, 1990). Nessa trilha, na
década de 70 foi amplamente difundida a idéia de que tais problemas teriam como
causa uma disfunção neurológica não-detectável em exame clínico, chamada
disfunção cerebral mínima (DCM).
Observa Cypel: "Em curto espaço de tempo e com relativa facilidade, pais e
professores também já adotaram o rótulo de DCM e, antes de qualquer referência, este
diagnóstico surgia como queixa na consulta médica: - Doutor, meu filho tem DCM. A
impressão que se tinha era de que convivíamos como uma população de anormais,
pois esta cifra atingia até 40% dos escolares" (1986, p. 142). Kiguel, por seu lado,
sublinha: "Tal concepção organicista e linear apresentava uma conotação nitidamente
patologizante, uma vez que todo indivíduo com dificuldades na escola era considerado
portador de disfunções psiconeurológicas, mentais e psicológicas" (1991, p. 24).
Portanto, podemos dizer que essa perspectiva patologizante dos problemas de
aprendizagem não é "invenção de brasileiro", mas foi rapidamente por este
incorporada, porque proporciona uma explicação mais ingênua para a situação do
"nosso" sistema de ensino. Segundo Dorneles (1986, p. 44), semelhante explicação
para os fenômenos de evasão e repetência desempenhava uma importante função
ideológica, pois "dissimulava a verdadeira natureza problema e, ao mesmo tempo,
legitimava as situações de desigualdade de oportunidades educacionais e seletividade
escolar".
No final da década de 70, surgiram os primeiros cursos de especialização em
Psicopedagogia no Brasil, idealizados para complementar a formação dos psicólogos e
de educadores que buscavam soluções para esses problemas. Esses cursos foram
estruturados e, dentro desse contexto histórico, amparados num conhecimento
científico, fruto de uma dinâmica sociocultural que não a nossa.
De outra parte, profissionais de Porto Alegre organizam centros de estudos destinados
à formação e atualização em Psicopedagogia – nos moldes dos cursos do Centro
Médico de Pesquisas de Buenos Aires -, como o professor Nilo Fichtner, que fundou o
Centro de Estudos Médicos e Psicopedagógicos na capital gaúcha. Essa formação em
Psicopedagogia dá-se num quadro de referências baseado num modelo médico de
atuação. Segundo Golbert (1985), "a Clínica Médica Pedagógica de Porto Alegre,
dirigida pelo Dr. Nilo Fchtner desde 1970, prepara profissionais em Psicopedagogia
Terapêutica".
Neste breve histórico da Psicopedagogia no Brasil, não se pode deixar de mencionar o
trabalho da professora Genny Golubi de Moraes, por sua contribuição na compreensão
e tratamento dos problemas de aprendizagem. Coordenadora de cursos na PUC-SP,
foi responsável pela formação de um grande número de profissionais da
Psicopedagogia que hoje desenvolvem importantes trabalhos na área. Priorizou
sempre o trabalho preventivo, deixando clara a sua preocupação no sentido de fazer
com que cada vez menos crianças cheguem à clínica por problemas escolares.
Por outro lado, em 1979 é criado o primeiro curso regular de Psicopedagogia, no
Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, iniciativa de Maria Alice Vassimon,
pedagoga e psicodramatista, e Madre Cristina Sodré Dória, diretora do Instituto.
Segundo Scoz e Mendes (1987), "Maria Alice Vassimon, preocupada com a
perspectiva de um homem global, percebido a partir de referências intelectuais, afetivas
e corporais, questionando o mito da psicologia na época e com uma grande vontade de
retomar a educação como área de conhecimento mais atuante, faz uma proposta para
o Instituto Sedes Sapientiae, até então literalmente ocupado por psicólogos e
psicanalistas, abrisse o seu espaço para um curso que valorizasse a ação do
educador".
A nova abordagem desse curso pioneiro reflete a mudança na forma de conceber a
problemática do fracasso escolar e a busca pela identidade desse profissional
brasileiro, que nasce como reeducador e que, ao longo do tempo, amplia o seu
compromisso assumindo a responsabilidade com a diminuição dos problemas de
aprendizagem nas escolas e, consequentemente, com a redução dos altos índices de
fracasso escolar.
Enquanto elemento de organização formal de uma categoria profissional não
reconhecida legalmente, a Associação Brasileira de Psicopedagogia não deixa de dar
contornos à prática psicopedagógica em nosso País. Tem sido responsável pela
organização de eventos de dimensão nacional, bem como por publicações cujos temas
retratam as preocupações e tendências na área.
Isto nos remete a outro elemento que fundamenta a utilização dos testes psicológicos.
Recorremos, então, à legislação que regulamenta a profissão de psicólogo: a Lei n°
4119, de 27 de agosto de 1962. Pois bem: essa lei não especifica, igualmente, entre as
suas determinações éticas profissionais (sigilo, segurança etc.), quais são esses
testes, nem elucida os critérios para que se possa discernir, entre os instrumentos
correntes, aqueles permitidos dos não-permitidos.
A identificação quanto ao instrumental utilizado em nosso trabalho merece ser
pensada, de forma que as novas perspectivas possam daí surgir e atender as
reivindicações inerentes à atividade Psicopedagógica.
3
A FORMAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO NO
BRASIL: UMA ESPECIALIZAÇÃO
______________________________________________________________________
___
A questão da formação do psicopedagogo assume um papel de grande importância na
medida em que é a partir dela que se inicia o percurso para a formação da identidade
desse profissional.
Alicia Fernández afirma o seguinte: "O pensamento é um só, não pensamos por um
lado inteligentemente e, depois, como se girássemos o dial, pensamos simbolicamente.
O pensamento é como uma trama na qual a inteligência seria o fio horizontal e o desejo
vertical, Ao mesmo tempo, acontecem a significação simbólica e a capacidade de
organização lógica" (1990, p. 67).
O trabalho psicopedagógico não pode confundir-se com a prática psicanalítica e nem
tampouco com qualquer prática que conceba uma única face do sujeito. Um
psicopedagogo, cujo objeto de estudo é a problemática da aprendizagem, não pode
deixar de observar o que sucede entre a inteligência e os desejos inconscientes. Diz
Piaget que "o estudo do sujeito ‘epistêmico’ se refere à coordenação geral das ações
(reunir, ordenar ,etc.) constitutivas da lógica, e não ao sujeito ‘individual’, que se refere
às ações próprias e diferenciadas de cada indivíduo considerado à parte" (1970, p. 20).
Desse sujeito individual ocupa-se a psicopedagogia.
O conceito de aprendizagem com o qual trabalha a Psicopedagogia remete a uma
visão de homem como sujeito ativo num processo de interação com o meio físico e
social. Nesse processo interferem o seu equipamento biológico, as suas condições
afetivo-emocionais e as suas condições intelectuais que são geradas no meio familiar e
sociocultural no qual nasce e vive o sujeito. O produto de tal interação é a
aprendizagem.
Na maioria das vezes em programas lato sensu regulamentados pela Resolução n°
12/83, de 06.10.83, que forma os especialistas e que os habilita legalmente também
para o ensino superior – ainda que não necessariamente, em termos de
conhecimentos, o aluno esteja realmente habilitado para tal.
Além das diferenças resultantes da própria divergência acerca do que é a
Psicopedagogia, ocorre também que, a depender do enfoque priorizado pelo curso,
alguns conteúdos são valorizados em detrimento de outros. Outro aspecto a considerar
é que o curso se destina a profissionais com diferentes graduações. Estes se
identificam com um referencial teórico que irá nortear a sua prática a partir da formação
anterior. Interferem também características de personalidade no perfil desse
profissional.
Conhecer a Psicopedagogia implica um maior conhecimento de várias outras áreas, de
forma a construir novos conhecimentos a partir delas. Ao concluir o curso de
especialização em Psicopedagogia, o aluno está iniciando a sua formação, o que deve
ser um ponto de partida para uma eterna busca do melhor conhecimento.
A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) salienta a preocupação com os
cursos e com as práticas existentes em nome da Psicopedagogia, para fundamentar a
movimentação em torno da regulamentação da profissão. Preocupa-nos o que se pode
fazer em nome da Psicopedagogia, uma prática inadequada viria a comprometer um
vasto campo de pesquisa que, de algum modo, tem trazido contribuições muito
significativas à educação e à saúde.

4
A CONFIGURAÇÃO CLÍNICA DA
PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICA
O trabalho psicopedagógico, implica compreender a situação de aprendizagem do
sujeito dentro do seu próprio contexto. Tal compreensão requer uma modalidade
particular de atuação para a situação em estudo, o que significa que não há
procedimentos predeterminados. Defino esta característica como uma configuração
clínica da prática psicopedagógica.
O psicopedagogo, procura observar o sentido particular que assumem as alterações da
aprendizagem do sujeito ou do grupo. Busca o significado de dados que lhe permitirá
dar sentido ao observado. Na medicina, o médico observa o paciente, vê o que se
passa, escuta o seu discurso para fazer o diagnóstico e proceder ao tratamento. A
expressão "olho clínico", emprestada da Medicina, é freqüentemente utilizada na
Psicopedagogia Clínica referindo-se à postura terapêutica do profissional.
Ora, na instituição escolar, a prática psicopedagógica também apresenta uma
configuração clínica. O psicopedagogo pesquisa as condições para que se produza a
aprendizagem do conteúdo escolar, identificando os obstáculos e os elementos
facilitadores, numa abordagem preventiva. Uns e outros (elementos facilitadores e
obstáculos) são condicionados por diferentes fatores, fazendo com que cada situação
seja única e particular. Esse trabalho requer uma atitude de investigação e intervenção.
A Psicopedagogia preventiva se baseia principalmente na observação e análise
profunda de uma situação concreta, de forma que podemos considerar clínico o seu
trabalho.
A função preventiva está implícita na atitude de se considerar aquele grupo específico
como os sujeitos da aprendizagem, de forma a adequar conteúdos e métodos, ou seja,
respeitando as características do grupo a pensar o plano de trabalho. O caráter clínico
está na atitude de investigação frente a essa situação como uma situação particular e
única, quer dizer, há características problemáticas, experiências condições,
manifestações do grupo ou sujeito muitas vezes intransferíveis.
O trabalho clínico na Psicopedagogia tem função preventiva na medida em que, ao
tratar determinados problemas, pode prevenir o aparecimento de outros.
As características da família, da escola, ou até mesmo do professor podem ser a causa
desencadeante do problema de aprendizagem. Assim, essas características que
constituem a causa problemática influenciam também na forma de abordagem do
profissional. Ainda que o psicopedagogo assim o desejasse, seria-lhe impossível negar
a família, a escola, o professor ou mesmo a comunidade.
Para Fernández e Paín, o problema de aprendizagem pode ser gerado por causas
internas ou externas à estrutura familiar e individual, ainda que sobrepostas. Os
problemas ocasionados pelas causas externas são chamados por essas autoras de
problemas de aprendizagem reativos, e aqueles cujas causas são internas à estrutura
de personalidade ou familiar do sujeito denomina-se inibição ou sintoma – ambos os
termos emprestados da Psicanálise. Segundo essas autoras, quando se atua nas
causas externas, o trabalho é preventivo. Já na intervenção em problemas cujas
causas estão ligadas à estrutura individual e familiar da criança, o trabalho é
terapêutico.
Segundo Alicia Fernández (1990), (para resolver o problema de aprendizagem reativo)
necessitamos recorrer principalmente a planos de prevenção nas escolas, porém, uma
vez gerado o fracasso e conforme o tempo de sua permanência, o psicopedagogo
deverá também intervir, ajudando através de indicações adequadas para que o
fracasso do ensinante, encontrando um terreno fértil na criança e sua família, não se
constitua em sintoma neurótico.
Para resolver o fracasso escolar, quando provém de causas ligadas à estrutura
individual e familiar da criança, vai ser requerida uma intervenção psicopedagógica
especializada (...) Para procurar a remissão desta problemática, deveremos apelar a
um tratamento psicopedagógico clínico que busque libertar a inteligência e mobilizar a
circulação patológica do conhecimento em seu grupo familiar (pp. 81-82).
É a escola, indubitavelmente, a principal responsável pelo grande número de crianças
encaminhadas ao consultório por problemas de aprendizagem. Assim é extremamente
importante que a Psicopedagogia dê a sua contribuição à escola, seja no sentido de
promover a aprendizagem ou mesmo tratar de distúrbios nesse processo.
1. O PSICOPEDAGOGO NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR
O trabalho psicopedagógico pode e deve ser pensado a partir da instituição escolar, a
qual cumpre uma função social: a de socializar os conhecimentos disponíveis,
promover o desenvolvimento cognitivo e a construção de regras de conduta, dentro de
um projeto social mais amplo.
Através da aprendizagem, o sujeito é inserido, de forma mais organizada, no mundo
cultural e simbólico, que o incorpora à sociedade.
Mannoni e Dolto destacam que, devido ao seu peso, a escola pode ser geradora de
neurose: " A escola – diz Mannoni – depois da família, converteu-se hoje no lugar
escolhido para fabricar neuroses – que são ‘tratadas’ posteriormente em escolas
paralelas chamadas hospitais de dia". "É necessário dizer que a adaptação escolar" –
escreve F. Dolto – "é, agora, salvo raras exceções, um sintoma importante de
neurose". Esta mesma autora (Dolto) observa que, muitas vezes, a desadaptação da
criança à escola pode ser indício de saúde: "Os analistas encontram-se com uma forma
nova de enfermidade que não precisa ser ‘tratada’. Consiste na negativa de adaptar-se
à escola, sinal de saúde da criança que rechaça esta mentira mutiladora em que a
escolaridade a aprisiona" (Mannoni e Dolto, apud Fernández, 1990, p. 88).
A escola, além disso, seria responsável pelo que o autor Jorge Visca (1988) denomina
aprendizagem sistemática. Segundo esse autor: "A aprendizagem sistemática é aquela
que se opera na interação com as instituições educativas, mediadoras da sociedade,
órgãos especializados para transmitir os conhecimentos, atitudes e destrezas que a
sociedade estima necessárias para a sobrevivência, capazes de manter uma relação
eqüilibrada entre a identidade e a mudança. Estas instituições, além disso, provêm ao
sujeito as aprendizagens instrumentais que irão permitir o acesso a níveis mais
elaborados de pensamentos" (p. 78).
A psicopedagoga Maria Lucia Leme Weiss reflete a preocupação e a tendência atual
da Psicopedagogia no seu compromisso com a escola. Nesse trabalho preventivo junto
à escola, deve-se levar em consideração, inicialmente, quem são os protagonistas
dessa história: professor e aluno. Porém, estes não estão sozinhos: participam,
também, a família e outros membros da comunidade que interferem no processo de
aprendizagem – aqueles que decidem sobre as necessidades e prioridades escolares.
O aluno, ao ingressar no ensino regular, por volta de 7 anos, traz consigo uma história
vivida dentro do seu grupo familiar. Se a sua história transcorreu sem maiores
problemas, estará estruturado seu superego e poderá deslocar sua pulsão a objetos
socialmente valorizados, ou seja, estará para a sublimação. A escola se beneficia e
também tem função importante nesse mecanismo, pois lhe fornece as bases
necessárias, ou seja, coloca ao dispor da criança os objetos para os quais se deslocará
a sua pulsão. A escola administra esse mecanismo pulsional da criança. É o momento
ideal para o ingresso no ensino regular, já que as suas condições psíquicas favorecem
o aprendizado escolar. Se tudo correu bem no desenvolvimento da criança, estará
estruturado o seu desejo de saber: a epistemofilia. Ingressa na escola com um
desenvolvimento construído a partir do intercâmbio com o meio familiar e social, o qual
pode ter funcionado tanto como facilitador como inibidor no processo de
desenvolvimento afetivo-intelectual. Em seus eventuais bloqueios, a afetividade pode
estar operando de forma a impedir a aprendizagem.
A criança não escolhe ir para a escola e, tampouco, o que vai aprender. A instituição
escolar, a rigor, tem a função de preparar a criança para ingressar na sociedade,
promovendo as aprendizagens tidas como importantes para o grupo social ao qual
esse sujeito pertence.
Por outro lado, na escola, a criança encontra-se especialmente com um outro – o
professor. O professor escolheu sua tarefa – ensinar o que sabe – e preparou-se para
tal. As motivações que o levaram a eleger essa tarefa podem ser muito variadas e
determinam seguramente uma forma de vínculo com os seus alunos.
Pensar a escola à luz da Psicopedagogia implica nos debruçarmos especialmente
sobre a formação do professor. As propostas de formação docente devem oferecer ao
professor condições para estabelecer uma relação madura e saudável com os seus
alunos, pais e autoridades escolares. Investigar, analisar e realizar propostas para uma
formação docente que considere esses aspectos constitui uma tarefa extremamente
importante, da qual se ocupa a Psicopedagogia.
Na sua tarefa junto às instituições escolares o psicopedagogo deve refletir sobre estas
questões, buscando dar a sua contribuição no sentido de prevenir ulteriores problemas
de escolaridade.
2. O PSICOPEDAGOGO NA CLÍNICA
Nesse trabalho clínico, que se dá em consultórios ou em hospitais, o psicopedagogo
busca não só compreender o porquê de o sujeito não aprender algumas coisas, mas o
que ele pode aprender e como.
O diagnóstico psicopedagógico é um processo, um contínuo sempre revisável, onde a
intervenção do psicopedagogo inicia, numa atitude investigadora, até a intervenção. É
preciso observar que essa atitude investigadora, de fato, prossegue durante todo o
trabalho, na própria intervenção, com o objetivo da observação.
O processo diagnóstico, assim como o tratamento, requer procedimentos específicos
que constituem o que chamo de metodologia ou modus operandi do trabalho clínico. Ao
falar da forma de se operar na clínica psicopedagógica, ela varia entre os profissionais,
a depender, por exemplo, da postura teórica adotada, além de se contar com o fato de
que, como já foi dito, cada caso é um caso com suas variantes, suas nuances, que
diferenciam o sujeito, seu histórico, seu distúrbio.
Em geral, no diagnóstico psicopedagógico clínico, ademais de entrevistas e anamnese,
utilizam-se provas psicomotoras, provas de linguagem, provas de nível mental, provas
pedagógicas, provas de percepção, provas projetivas e outras, conforme o referencial
adotado pelo profissional. Seja qual for esse referencial, a observação, é de
fundamental importância para precisar melhor o quadro do problema e processar o
tratamento.
Quando se faz referência à produção do sujeito, no momento do diagnóstico, fala-se do
material diagnóstico, ou seja, olhar e escutar para decifrar a mensagem do jogo, de um
silêncio, de um gesto, de uma recusa. Mais importante que os instrumentos utilizados é
a atitude do profissional frente à mensagem do cliente.
5
O TRATAMENTO PSICOPEDAGÓGICO
"Todo pensamento, todo comportamento humano, remete-nos à sua estruturação
inconsciente, como produção inteligente e, simultaneamente, como produção
simbólica" (Paín, apud Fernández, 1990, p. 233).
Quando não se pode negar que o homem é sujeito a uma ordem inconsciente e movido
por desejos que desconhece, falar do tratamento psicopedagógico significa muito mais
que discorrer sobre métodos definidos de reeducação.
Encontramos na literatura orientações de tratamento que estão acompanhadas de um
plano de treino de memória visual, onde em síntese as atividades consistem na
apresentação de estímulos visuais que, após serem retirados do campo visual da
criança, devem ser evocados e representados segundo a instrução do reeducador.
O ENQUADRE, A OPERACIONALIZAÇÃO E A INTERPRETAÇÃO
O enquadre que se refere ao estabelecimento do marco fundante da ação terapêutica –
a definição do universo da relação clínica – e que, portanto, engloba elementos como
tempo, lugar, freqüência, duração, material de trabalho e estabelecimento da
atividades, nessa modalidade de tratamento tem como objetivo, sempre, solucionar os
problemas de aprendizagem, motivo do encaminhamento.
A especificidade do tratamento psicopedagógico consiste no fato de que existe um
objetivo a ser alcançado: a eliminação do sintoma. Assim, a relação psicopedagogo-
paciente é mediada por atividades bem definidas, cujo objetivo é "solucionar
rapidamente os efeitos mais nocivos do sintoma para depois dedicar-se a afiançar os
recursos cognitivos" (Pain, 1986, p. 77). Este é um aspecto cuja prática tem me
mostrado como bastante complicado na atuação do psicopedagogo, pois está
relacionado com a operacionalização do trabalho e conseqüentemente com seu êxito.
Sara Paín, postula que o profissional, para cumprir os objetivos e garantir o enquadre
no trabalho psicopedagógico, deve adotar certas técnicas. São elas: organização
prévia da tarefa; graduação nas dificuldades das tarefas; auto-avaliação de cada tarefa
a partir de determinada finalidade; historicidade do processo, de forma que o paciente
possa reconhecer sua trajetória no tratamento; informações a serem oferecidas ao
sujeito pelo psicopedagogo, num nível em que possa integrá-las ao seu repertório
intelectual e construir o mundo que habita; e, por fim, a autora fala da indicação como
mais uma técnica necessária no tratamento psicopedagógico. Segundo essa
profissional argentina, a indicação se refere ao assinalamento e à interpretação. É
importante que o profissional possa apontar, ou seja, assimilar a criança o seu desejo
de ser acompanhada na tarefa e que possa oferecer condições para que descubra o
prazer em trabalhar sozinha, inaugurando uma nova modalidade de relação. Sabemos
que a modalidade de relação do sujeito é definida nas relações parentais, sendo com
essa matriz de relacionamento que a criança se insere no contexto da aprendizagem
escolar. Se acostumada a vivenciar situações de menos valia na relação familiar, a
criança vai procurar se colocar em situações que lhe reforcem a crença na sua
incapacidade.
Lajonquière aponta a existência do que ele chama "intermediação caprichosa" entre o
estímulo pedagógico e a resposta do sujeito. Afirma que o discurso cotidiano, tanto dos
pais quanto dos professores ao aludirem o "desconhecido", que na situação
pedagógica se interpõe entre o que é ensinado e o que é aprendido, se refere (ainda
que sem saber) a algo que é da ordem do desejo.
2. O LUGAR DO JOGO NO TRATAMENTO PSICOPEDAGÓGICO
O jogo é uma atividade criativa e curativa, pois permite à criança (re)viver ativamente
as situações dolorosa que viveu passivamente, modificando os enlaces dolorosos e
ensaiando na brincadeira as suas expectativas da realidade (Freud, vol. XX). Constitui-
se numa importante ferramenta terapêutica. Do ponto de vista cognitivo, significa a via
de acesso ao saber. No jogo se faz próprio o conhecimento que é do outrio,
construindo o saber. Conforme aponta Fernández, "não pode haver construção do
saber se não joga com o conhecimento" (1990, p. 165), pois o saber é a incorporação
do conhecimento numa construção pessoal relacionada com o fazer.
Piaget afirma que o jogo simbólico, que surge ao redor dos 2 anos, permite à criança
assimilar o mundo à medida do seu eu, deformando-o para atender os seus desejos e
fantasias. Afirma também que o jogo tem uma evolução, começando com exercícios
funcionais e seguidos pelos jogos simbólicos. Aparecem depois dos jogos de
construção, que vão aproximando-se cada vez mais do modelo, e os jogos de regras,
introduzindo a lógica operatória.
Como muito bem observa Paín, "o exercício de todas as funções semióticas que supõe
a atividade lúdica possibilita uma aprendizagem adequada, na medida em que é
através dela que se constroem os códigos simbólicos e signálicos e se processam os
paradigmas do conhecimento conceitual, ao se possibilitar, através da fantasia e do
tratamento de cada objeto nas suas múltiplas circunstâncias possíveis" (1986, p. 50).
Do ponto de vista afetivo, considera-se que os jogos infantis reproduzem situações
psíquicas estruturantes na constituição do eu.
Os jogos orais como "as brincadeiras de fazer comidinha", simbolizariam as
possibilidade internalizadas de dar e receber amor.
Um cenário simbólico em relação à alimentação é construído a partir da forma como
são vivenciadas as questões da oralidade. Estrutura-se, então, uma modalidade de
incorporação. Remetendo-nos às questões de aprendizagem, o que temos é uma
relação entre a modalidade de incorporação e o processo de aprendizagem.
A esse respeito, Alicia Fernández assinala que "a atribuição simbólica pessoal de
significado ao processo de aprendizagem vai recorrer, como faz o sonho, aos restos
diurnos, a um reservatório de cenas em movimento que têm a ver com a alimentação:
movimento de incorporação (soerguer-se), arrebatar, mastigar a pressa como uma fera,
tomar como um bebê a mamadeira, mastigar o alimento com prazer (...)"(1990, p.111).
Além dos jogos orais, também os jogos com argila, água, areia, tinta plástica, etc.,
como representantes excrementícios em forma de substitutos socialmente aceitos; os
jogos com bonecas e animais como expressão da fantasia da criança sobre a relação
dos pais e os jogos com veículos simbolizando as fantasias de penetração e
representando a forma de controle pulsional fornecem ao terapeuta elementos de
análise.
Alicia Fernández, ao propor a hora do jogo psicipedagógico como estratégia para
compreender os processos que podem ter levado à estruturação de uma patologia no
aprender, afirma que tal atividade possibilita o "desenvolvimento e posterior análise das
significações do aprender para a criança" (1990, p. 171), além de permitir, conforme
aponta Paín (1986), conhecer a aptidão da criança para criar, refletir, organizar,
integrar. A autora considera que quatro aspecros fundamentais da aprendizagem
podem ser extraídos da observação do jogo: "distância do objeto, capacidade de
inventário; função simbólica, adequação significante-significado; organização,
construção de seqüência; integração, esquemas de assimilação"(1986, p. 54).
Ajuriaguerra, apresentam sintomas móveis na infância e adolescência. Esses sintomas
funcionam como mecanismo de defesa e aparecem numa situação de conflito,
indicando que há um sofrimento, que algo precisa ser modificado para que o sujeito
prossiga o curso do desenvolvimento. A neurose é "afecção psicogênica em que os
sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem suas raízes na
história infantil do indivíduo e constitui compromissos entre o desejo e a defesa"
(Laplanche, 1988, p. 377).Ela é dividida em neurose obssessiva, neurose fóbica e
histeria.
Para Freud, um dos mecanismos básicos da psicose é a recusa radical em reconhecer
a realidade, caso da confusão alucinatória (repúdio). Já para Lacan, se relaciona com o
repúdio ao reconhecimento da castração. Outro mecanismo típico das psicoses é a
projeção primitiva e massiva de acusação ao exterior.
Na psicose se produz, a princípio, uma ruptura entre o ego e a realidade, que deixa o
ego sob o domínio do id. Num segundo momento, o do delírio, o ego reconstrói uma
nova realidade, de acordo com os desejos do id. Os mecanismos prevalentes na
psicose são: na esquizofrenia, splitting, identificação massiva e dissociação; na
paranóia, a megalomania, projeção massiva, controle onipotente dos objetos
idealizados e persecutórios, negação dissociação e idealização; na psicose maíaco-
depressiva na fase depressiva: introjeção, identificação intrafetiva, inibição regressão;
na fase maníaca: dissociação, idealização, negação e controle onipotente.
É através do jogo, do brinquedo, que essa via de comunicação se estabelece e que o
psicopedagogo pode intervir no sentido da aprendizagem, rompendo muitas vezes o
isolamento, como no caso do autismo. Daniel Widlöcher observa acerca da ação
educativa e reeducativa na psicose: "Uma reeducação é muitas vezes indicada
(linguagem, psicomotricidade) devido ao carácter bastante desarmónico do
desenvolvimento. De facto, é difícil (e talvez um pouco artificial) distinguir o que neste
domínio resulta de uma influência de exercício, de um déficit funcional e o que está
ligado às distorções da imagem de si e da comunicação. Demais, a reeducação não
constitui apenas um treinamento em relação ao exercício, mas sobretudo uma tentativa
de reconciliar o indivíduo com um certo registro da acção e da comunicação, uma de
psicoterapia" (1978, p. 180).
Não só nos quadros psicopatológicos, mas em todas as circunstâncias em que é
indicada a intervenção psicopedagógica, é importante que o psicopedagogo possa
jogar o jogo da criança, sem perder de vista o seu compromisso com a aprendizagem e
lembrando que toda relação do sujeito com o mundo, depois que deixa de ser
conseqüência de um reflexo, demanda aprendizagem.
Referência Bibliográfica:
BOSSA, Nadia Aparecida. A Psicopedagogia no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 1994.
APRECIAÇÃO CRÍTICA
Transformações extremamente rápidas marcam o mundo de hoje, convertendo o
homem em sujeito destas mutações, e o nosso século é um século que se impõe como
um desafio a todos, principalmente àqueles que se acham empenhados no processo
educacional.
A educação jamais foi um fenômeno isolado da realidade em que se acha inserida, pois
vários fatores exercem influências em sua estrutura e em suas funções.
Atualmente há uma consciência muito clara de que não basta, para atingir os objetivos
da educação, admitir uma estrutura nova; é preciso conduzi-la e desenvolver forças
humanas para, com elas, construir o saber e as capacidades de que são o princípio.
Quanto melhor estruturada esteja uma ciência, ou uma disciplina de conhecimento,
mais forte e mais duradouros são os princípios em que se fundamenta.
O que é importante para o aluno é a sua capacidade de construção de conhecimento.
O Psicopedagogo dedica o seu trabalho em cima desse processo constitutivo do
próprio sujeito enquanto ser cognoscente e, ao mesmo tempo é um construtor de
conhecimentos.
A Psicopedagogia nasceu como uma prática educacional, que visa promover a
reintegração daqueles que não conseguem aprender, e, da ineficiência de outros
saberes diante desses problemas. Na medida em que se torna mais necessária dentro
do sistema educacional, e pressionada por um novo conceito de seus objetivos e
funções, a psicopedagogia tem reformulado esses princípios a fim de melhor orientar
seus passos, definir o limite de sua ação e apontar suas metas. Ela poderia se definir
como um campo do saber e que tem como objeto o ser cognoscente e como objetivo
trabalhar a autonomia desse sujeito, afastando os obstáculos que se opõem a essa
construção.
A preocupação com os problemas de aprendizagem surgiu na Europa, no século XIX.
A proposta da Psicopedagogia no Brasil veio da Argentina e muitos desses
profissionais argentinos encontram-se aqui, pós-graduando-se em Psicologia,
Psicanálise e em Psicopedagogia, ministram cursos e ocupam um bom espaço no
nosso mercado de trabalho, mercado esse que também poderia ser ocupado por
profissionais brasileiros, não fossem os entraves da sua oficialização.
A filosofia do sistema apenas aponta aspirações por realizar. Dessa maneira, os
quadros técnicos e, entre eles a psicopedagogia, são os determinadores de como
devem ser alcançados esses ideais, estabelecendo as fórmulas que devem ser usadas
para alcançar os objetivos do sistema e elevar a sua produtividade.
A prática psicopedagógica já tem hoje uma marca própria, que foi construída na
atuação, no percurso histórico. Aos poucos esse profissional foi construindo uma forma
peculiar de trabalhar.
À medida que a psicopedagogia vem sistematizando suas funções e submetendo à
prova seus resultados, vai-se tornando uma atividade científica. Daí, a necessidade da
oficialização da profissão de quem se destine ao cargo de psicopedagogo, pois estará
gabaritado a buscar inteligentemente a conjugação de todos os esforços que ocorram
no fenômeno da educação, ativando-os em benefício da escola, dos professores e da
comunidade.
O caráter científico e objetivo da psicopedagogia não impede a flexibilidade de sua
ação, a criatividade, a promoção de motivação e utilização de estímulos evidenciados
em circunstâncias diversas, como diversos são os problemas que demandam solução
assumindo nuances diferentes em outras épocas e lugares.
As circunstâncias de realização da tarefa educativa mudam com tal rapidez, que
conceitos se vão sucedendo e se tornando arcaicos.
Em conseqüência, a psicopedagogia deve ser fértil em criatividade, promovendo a
célebre adequação da teoria à prática, antes que os matizes dos equacionamentos
percam a atualidade e adquiram matizes diversos, redundando, assim, em aspectos
contraproducentes aos fins propostos.
O diagnóstico psicopedagógico é interventivo, onde o profissional procura entender o
potencial de aprendizagem e ver como esse sujeito, durante o processo de avaliação e
diagnóstico, consegue mudar sua forma de aprender, mesmo durante o diagnóstico.
Seu conceito do mundo, do homem, dos valores e da educação determina uma
fisionomia para sua personalidade, e orienta suas normas de convivência com os
demais homens.
Em cada caso, a psicopedagogia adotará os padrões convenientes, a fim de que sua
ação seja viva, constante e adaptável à situação vigente, com estratégias peculiares.
Nessa perspectiva, assume características construtivas e criadoras, no sentido de
estimular o auto-desenvolvimento e a auto-superação, incentivando o sujeito. A
psicopedagogia não é, um fenômeno isolado do contexto das questões próprias da
comunidade. Todos os fatores incidem na forma de realização de tarefa tão útil ao
aprimoramento educacional principalmente no que tange aos processos em
desenvolvimento.
O Psicopedagogo trabalha com jogos, escrita, expressão, tentando entender tanto a
parte do processo cognitivo da aprendizagem quanto a possibilidade de essa criança
poder expressar sua afetividade e poder mostrar sua vontade de aprender durante
esse trabalho psicopedagógico, seja na escola ou na clínica.
Todo o conjunto se orienta no sentido da conquista de uma educação cada dia melhor,
que sirva para formar homens novos, com uma compreensão mais viva de seu próprio
destino e com capacidade suficiente para transformação em agentes do progresso para
a sociedade em que vivem.
O Psicopedagogo não quer competir com outros profissionais; ele quer trabalhar junto
a eles, numa equipe. Às vezes, o orientador educacional, o psicólogo, o fonoaudiólogo,
o pedagogo, etc., também vem em busca de sua especialização nos cursos de pós-
graduação de psicopedagogia, porque eles sentem que sua formação não é suficiente
para entender o problema da aprendizagem; é necessário uma especialização.
Dentre todos os fatores que influem na política do pessoal envolvido na tarefa
psicopedagógica, pelo seu significado e reconhecimento, a fim de dar-lhes melhores
condições para a execução de seus trabalhos, contribuindo, assim, para a consecução
dos objetivos organizacionais e concorrendo para a realização de suas aspirações
pessoais e valorização como pessoa humana.
A Psicopedagogia quer através da oficialização, poder controlar a qualidade do serviço
oferecido à população, melhorar e cuidar da qualidade da capacitação desse
profissional. Enquanto associação, criou um currículo mínimo. A partir dessa
oficialização, quer a possibilidade de participar do serviço público, de poder entrar
oficialmente dentro de projetos, uma vez que, se somos uma categoria profissional
reconhecida, poderemos participar de concursos e, oficialmente, pertencer a esses
projetos.
Na psicopedagogia dos nossos dias que exige o constante exercício da capacidade de
pensamento, a consideração de todas variáveis que intervêm num dado problema, a
visão unitária da tarefa, em vez de sua fragmentação em elementos isolados, cresce de
tal forma com a valorização dos objetivos e o funcionamento do sistema de
aprendizagem, que a importância da construção de conhecimento torna-se
indispensável o reconhecimento desse profissional garantindo e oportunizando novas
realizações no setor escolar.
Ilma Glória Barbacena de Souza

Centro Universitário do Triângulo


Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão
______________________________________________________________________
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Curso: Especialização em Psicopedagogia
Disciplina: Fundamentos da Psicopedagogia
Professora: Andréa Cunha Arantes
Aluna: Ilma Glória Barbacena de Souza
INTRODUÇÃO
AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DA CRIANÇA
DE SETE A ONZE ANOS
Nádia Aparecida Bossa
O objetivo deste é instrumentalizar teoricamente o profissional para um olhar
psicopedagógico que permita, através da observação das atividades espontâneas,
jogos, brinquedos, desenhos, bem como da produção escolar, detectar possíveis
entraves na aprendizagem. O diagnóstico é de fundamental importância para o
profissional, visto que norteia os procedimentos de intervenção e orienta a metodologia
daquele que ensina.
Neste trabalho debruçamo-nos sobre a idade de 7 a 11 anos. Portanto a aprendizagem
sistemática, aquela que acontece na escola, é a prioridade na vida da criança nesta
fase.
Este período constitui-se o pilar de toda a escolaridade. Nas séries iniciais a criança
constrói a base do repertório científico que irá sustentar toda a sua vida acadêmica.
Ainda nas séries iniciais a criança inaugura uma relação positiva ou não com a escola.
A qualidade dessa relação, bem como a solidez dessa base, dependem não só dos
recursos internos da criança mas principalmente das condições internas e de formação
do adulto que faz essa mediação.
Nos diversos momentos de nossa vida aprendemos e representamos a realidade de
um modo particular, conseqüência de uma certa ordem interna no processo evolutivo
do humano, que influencia e é influenciado pela história de vida de cada um. Não é
válido pensar que a partir de um suposto contato não mediatizado com o objeto do
conhecimento se possa apreendê-lo. O dado não está à vista para ser lido, senão que
é o resultado de uma construção.
O conflito cognoscitivo se constitui em motor do processo de aprendizagem, posto que
promove a construção de teorias mais abrangentes com o propósito de absorver a
perturbação de um sistema no qual resulte coerente.
Somente e na medida em que conhecemos as leis que caracterizam sua origem e
evolução, podemos diferenciar aquilo que se constitui como sintomático, daquilo que
faz parte das normas inerentes ao processo de construção.
As hipóteses levantadas pelo sujeito que aprende mesmo que não possam ser
compreendidas no âmbito familiar e escolar aparecem como tentativa do sujeito de
dizer a verdade.
Aos sete anos, quando a criança ingressa na primeira série, se tudo correu bem, as
letras e os números se tornam tão importantes quanto os brinquedos, e a curiosidade
sexual cede lugar à curiosidade pelo conhecimento. Por ter superado a linguagem
egocêntrica, a criança nesta faixa etária adquire capacidade de pensar de forma lógica.
Lógica esta que vai se tornando cada vez mais sofisticada na medida em que a criança
se aproxima da adolescência.
Nesta fase a criança passa a compreender melhor o pensamento do outro, bem como
sente necessidade de que seu pensamento seja compreendido. Essas transformações
alteram profundamente a conduta do brincar, aumentando inclusive o interesse pelos
jogos de regras, as quais agora são compartilhadas e respeitadas.
Dos 7 aos 11 anos a criança desenvolve a capacidade de resolver mentalmente
problemas que antes eram resolvidos a partir de ações concretas. É a fase da
interiorização crescente do pensamento, o que a torna capaz de realizar operações
mentais.
Por outro lado, nesta idade também a criança aprende a competir e compartilhar,
porém é preciso um longo processo de aprendizagem. Inicialmente triunfa-se sobre
alguém para posteriormente triunfar com alguém. O jogo que a princípio significa
aniquilar, nesta fase simboliza para a criança o manejo de suas forças internas no
sentido da adaptação e conhecimento do mundo. Jogar em grupo e jogar pelas regras
é uma forma de canalizar produtivamente os impulsos, tirando proveito e dando-lhes
vazão sem perder o controle sobre eles. Além disso o jogo, muitas vezes, requer um
bom nível de atenção e concentração e dos 7 aos 11 anos a criança já se dispõe dessa
condição.
Nesta fase da vida, se tudo correu bem, a criança vai sutilmente afastando-se dos
temas da família e aos poucos tomando parte em diferentes tipos de grupos, times e
turmas. Fazer parte de um time exige lealdade e empenho e esses são construídos
agora através das relações sociais. É o momento de administrar o sentimento de
rivalidade que surgiu através das vivências edípicas e que é desdobrado nas relações
sociais.
Vale lembrar que a relação da criança com o adulto, nesta fase, é sempre mediada
pela atividade e portanto qualquer intervenção é sempre pautada na realização de uma
tarefa que pressupõe a participação do adulto, quer seja incluindo-se no jogo, quer seja
interpretando a conduta da criança ao jogar. Assim um procedimento muito eficiente na
avaliação psicopedagógica da criança de 7 a 11 anos consiste no jogar.
Os jogos combinam sorte e aptidão intelectual e permitem simbolizar as vicissitudes
impostas pela vida. A forma como a criança joga revela a sua personalidade e como
está estruturando o seu modo de relacionar-se com o mundo, as angústias e culpas
que o ganhar e o perder acarreta.
CAPÍTULO I
A COMPREENSÃO DE SISTEMAS SIMBÓLICOS
Vera Barros de Oliveira
A inteligência se constrói através da organização do vivido, num contínuo vaivém, num
recomeçar incessante, no qual o sujeito, sempre pressionado pela falta, se abre e se
esforça para chegar ao objeto. Ao assimilá-lo, cresce, se expande, experiência novas
faltas e volta a ousar agir.
Nessa interação contínua há portanto dois movimentos opostos e complementares: um
de transformação interna das próprias estruturas para se acomodar ao objeto
(centrífugo), e outro de integração, assimilando-o (centrípeto).
A aprendizagem nasce com a vida e com ela se desenvolve. A passagem da ação à
representação se dá através de um fazer prático e incessante que pouco a pouco, ao ir
organizando o contexto vivido, vai internalizando essa ação.
O ir e vir cresce e se redimensiona com a formação e utilização do símbolo, que
funciona como se fosse o objeto, sem sê-lo, nada tendo de concreto, sendo uma
vecção, significante-significado. Pouco a pouco, a criança aprende a organizar suas
representações verbais e imagéticas em sistemas auto-reguláveis e transformáveis.
Essa é a passagem da ação à representação e da representação à operação, que
constitui o processo da abstração reflexiva e vem a ser o grande desafio do homem.
A problemática da aprendizagem, campo e objeto do estudo da psicopedagogia
procura justamente deslindar ‘por que e como’ uma criança que nasce com uma
herança genética que a impele a ir em busca do conhecimento, chega muitas vezes a
se inibir, se enrijecer, se fechar ou se desorganizar frente ao meio.
A proposta desta avaliação psicopedagógica, ao se basear na epistemologia genética,
procura acompanhar o processo de desenvolvimento refletindo sobre a relação
estrutural sujeito-objeto.
Acompanhando mais de perto as grandes transformações estruturais que se
manifestam no comportamento da criança na conquista desses três universos, ainda
desconhecidos ao nascer: o das ações, o das representações e o das operações.
O UNIVERSO DAS AÇÕES
O bebê ao nascer não sabe agir. Ele aprende a fazê-lo a partir dos movimentos
reflexos, programados, e pouco a pouco se libera de parte dessa programação
reflexiva, mas sua ação continua a ter características rítmicas, repetitivas e
conservadoras, aumentando gradativamente suas explorações ao meio.
O nascimento da inteligência se manifesta aproximadamente aos 8 meses,
evidenciando várias conquistas complementares: a coordenação dos esquemas
secundários, com a clara separação de meios e fins (a transitividade); a
intencionalidade da ação e a noção de objeto permanente. Desde o início a inteligência
se põe a serviço da interação com o meio.
A organização da realidade se faz de forma prática e imediata
Ao interagir intencionalmente o bebê começa a estabelecer certos vínculos entre sua
ação e alterações causadas no objeto. Esses chamados "vínculos causais" são os
precursores da causalidade operatória, assim como a constituição do objeto
permanente o é da noção de conservação.
As grandes categorias do real, espaço, tempo, objeto e causalidade são esboçadas
assim através da ação prática da criança, que ainda não visa compreender o mundo,
mas conseguir o que quer, aqui e agora. Como pudemos observar (Oliveira, 1992),
estas idas e vindas no início têm caráter físico e o corpo da criança representa o núcleo
de organização da ação.
Abstração empírica
A forma como a criança organiza seu meio é essencialmente prática e se processa
através da experiência. O bebê ao brincar com seu ursinho ou chupar a borda do
cobertor está continuamente conhecendo esses objetos, percebendo como funcionam
em relação a si.
É a partir dessas idas até o objeto e constatações empíricas do que pode fazer com
ele, de que gosto, cheiro, peso ele tem, que a criança inicia seu processo de formação
de conceitos.
Quando a criança percebe que o contexto em que vive de certa forma se conserva, se
mantém, ela começa a ousar mais, porque confia no reencontro das pessoas que quer
bem, de seu território e de suas coisas
O reencontro é o grande gerador da representação
Os esquemas motores são predominantemente conservadores no início. A organização
da realidade concreta só pode ser possível se essa realidade se conservar e puder ser
revivida, com nos rituais tão amados pelas crianças. São esses rituais pré-simbólicos,
como a hora de dormir, quando a mãe canta a mesma música e o bebê se aninha
aconchegado a seu cobertorzinho, que abrem caminho para as representações
simbólicas.
O UNIVERSO DAS REPRESENTAÇÕES
O movimento pendular, oscilatório, cede paulatinamente lugar às ordenações
simbólicas, para que as primeiras auto-regulações se efetuem. O rítmico vaivém dos
esquemas motores cria condições para que as primeiras auto-regulações se
manifestem. Todo comportamento manifesto supõe um período latente de formação.
Essa construção se dá com o registro cada vez maior e mais internalizado do vivido.
A forma de interagir com o meio não só se amplia consideravelmente, mas se
transforma qualitativamente, com o ingresso na dimensão simbólica. A criança se torna
capaz de distinguir o significante do significado, conseguindo uma maneira muito mais
ampla e abstrata de se relacionar com o objeto, não se limitando a uma interação
concreta. Aprende a representar os objetos significativos por palavras (signos verbais)
e por imagens mentais (símbolos imagéticos).
A memória pessoal
O símbolo possibilita a criança se conectar a dimensões espaço-temporais cada vez
mais distantes do momento presente. A memória de evocação substitui e engloba a de
reconhecimento. Ao plano do movimento no qual a criança agia (sincrônico)
acrescenta-se o das lembranças imagéticas (diacrônico).
As primeiras representações anamnésicas, assim como as primeiras palavras,
aparecem inicialmente de maneira esparsa inseridas em contextos de ação motora,
conservando seu caráter ondulatório. Só pouco a pouco se alongam em seqüências
mais estruturadas.
A emergência das manifestações da função semiótica
As manifestações simbólicas não podem ser compreendidas isoladamente. Elas
provêm da internalização da ação, abrem caminho às operações e devem ser vistas
como vetores de interação por excelência.
O símbolo como função integradora da personalidade
Em uma palavra, é o símbolo que nos torna humanos, no dizer de Cassirer (1977).
O símbolo abre caminho ao social
O processo de estruturação só é possível com a tomada de consciência dessa
integração e interação. O sujeito se percebe como autor da própria história, passando
do fazer ao compreender, ao tomar consciência da forma como organiza a sua vida.
O UNIVERSO DAS OPERAÇÕES
Ao lidar com representações a criança, aos poucos constrói verdadeiros sistemas
objetivos, coerentes e reversíveis, ou seja, ela começa a operar. É quando ela
completa sua alfabetização, compreendendo a lógica e o significado da escrita. É
quando compreende a noção de número, conciliando a série à classe.
As operações lógicas constroem seus alicerces nas ações gerais de reunião ou
ordenação que a criança faz desde pequenina. A compreensão das classes é
assegurada desde as assimilações sensório-motoras, mas a extensão dos conceitos só
é acessível através da linguagem no operatório.
A compreensão diz respeito à abstração das qualidades do objeto e a extensão refere-
se às quantidades, exigindo um pensamento muito objetivo e preciso.
Toda classe possui uma compreensão e uma extensão, aspectos lógicos
necessariamente complementares do todo.
As estruturas mentais propriamente ditas, as operatórias, são sistemas de
transformação, auto-reguláveis.
A evolução é sempre sintomático-semântica, os sistemas lógicos organizando os de
significação da realidade vivida, através da classificação de suas grandes categorias
espaço-temporais, objetais e causais.
O processo de abstração reflexiva
Vemos assim como o processo de estruturação mental deve ser compreendido como
um todo, extremamente dinâmico onde sujeito e objeto se separam, se afirmam e se
integram de forma complementar e progressiva.
Vemos também como as representações reorganizam a realidade num plano superior e
possibilitam a compreensão operatória de totalidades reversíveis. Vemos finalmente
como esta compreensão supõe a descoberta da referenciais externos ao eu, objetivos,
quantificáveis e estáveis, possibilitando classificações e ordenações, admitindo
transformações. Esse é o caminho percorrido pelo sujeito na passagem do fazer ao
compreender.
Os agrupamentos algébricos como modelo do pensamento opratório
Como nos lembra Ramozzi-Chiarottino (1972), Piaget levantou a hipótese de que a
forma de pensar operatória seria análoga à dos agrupamentos algébricos, obedecendo
ao mesmo conjunto de leis ou regras:
Leis do Agrupamento:
Lei da composição; lei da reversibilidade; lei da associatividade; lei da operação
idêntica geral; lei da tautologia ou idênticas especiais.
Os agrupamentos
São em número de oito, quatro relativos às classes e quatro relativos às relações de
série. Devem ser vistos sempre em conjunto. Descrevem as diversas possibilidades
aditivas e multiplicativas de se classificar e seriar.
A construção das séries e das classes supõe a separação e integração indivíduo-
universo, elemento-todo. Quando uma criança quer classificar ela busca semelhanças,
quando quer seriar, diferenças.
Conservação e transformação são, noções complementares e necessárias às
operações.
As transformações operatórias, das quais os agrupamentos podem ser vistos como
modelo, supõem o domínio da compreensão e extensão das classes.
É a linguagem que dá a precisão e a objetividade necessárias à extensão e
compreensão dos conceitos, preparando o caminho para o operatório formal.
A construção da extensão e compreensão da classe é complementar à de negação (o
que não é) e à de conservação (o que se conserva).
Formação da noção de conservação
A conservação da substância é a primeira a se formar, manifestando-se por volta dos
sete anos. A seguir, a do peso, aproximadamente aos noves anos e, só por volta dos
onze, doze anos, a do volume.
Piaget e Szeminska (1975) constataram três fases principais:
1ª Fase – Ausência de conservação.
2ª Fase – Transição à conservação operatória.
3ª Fase – Conservação necessária operatória.
A evolução das Classificações
Processo análogo pode ser observado na evolução das classificações (Piaget e
Inhelder, 1975):
1ª Fase – Ausência de classificação objetiva (2 a 4,5 anos em média).
2ª Fase – Transição para a classificação operatória (a partir dos 5,5 anos
aproximadamente).
3ª Fase – Classificação operatória (por volta dos 7 anos)
A evolução da seriação
Essa escalada operatória é análoga, como não poderia deixar de ser, para a seriação.
Ao ser solicitada a ordenar vários objetos semelhantes, mas não idênticos, a criança
passa também, em síntese, por três grandes fases:
1ª Fase – Ausência de seriação;
2ª Fase – Transição para a seriação operatória;
3ª Fase – Seriação operatória;
A evolução da correspondência
A evolução das correspondências biunívocas e co-unívocas também pode ser
caracterizada por três momentos secessivos. Ao ser solicitada a corresponder entre si
elementos e coleções:
1ª Fase – Ausência de correspondência;
2ª Fase – Transição à correspondência operatória;
3ª Fase – Correspondência operatória;
Síntese da evolução operatória
Em suma, ao observar a atividade da criança em relação às operações, encontramos
uma evolução contínua, que pode ser caracterizada por três grandes fases:
Ausência das operações;
Transição para o operatório (a partir das 5,5 anos em
média).
Pensamento operatório (aproximadamente a partir
dos 7 anos).
Em síntese, compreensão de totalidades reversíveis, característica do sistema
simbólico humano auto-regulador.
Em busca da forma
Ora, esta compreensão que se inicia por volta dos sete anos continua vida à fora,
tornando-se cada vez mais abstrata, sistêmica e flexível. Assim, como a criança, em
média do nascimento aos dois anos, aprendeu a lidar com seus esquemas sensório-
motores, e dois aos sete aprendeu a coordenar suas representações imagéticas e
verbais, agora, dos sete aos onze, aproximadamente, vai aprender a coordenar as
operações.
4. UMA AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA APOIADA NA EPISTEMOLOGIA
GENÉTICA
Uma avaliação deveria incluir necessariamente atividades livres, para que se possa
observar se há autonomia e espontaneidade na forma como a criança se organiza
frente á realidade, quando não há alguém que lhe diga o que fazer e como e quando
fazê-lo. Observar que utilização ela faz de sua experiência de vida frente aos desafios.
Se aprender é algo vivo, interessante e criativo, ou rotulado como algo penoso e
imposto, visto muitas vezes como restrito ao meio escolar. Observar as situações e
contextos nos quais ela demonstra melhor se estruturar; lembrado-se sempre de que
as representações simbólicas interagem entre si sem parar e se resgatam
continuamente na busca das operações.
Uma avaliação, deve procurar sempre uma visão positiva da criança, investigando suas
melhores possibilidades de adaptação, detectando em que contextos ela consegue
melhor se organizar.
CAPÍTULO II
O PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS NA AVALIAÇÃO
DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Walter Trinca e
Leda Maria Codeço Barone
SITUANDO UM LUGAR PARA A APRENDIZAGEM HUMANA
O instinto não ensina o que é homem ou mulher, falar esta ou aquela língua, construir
abrigos e vestimentas, alimentar-se, produzir, apreciar, divertir-se... desta ou de outras
formas, observa Paín (1988), que vê na sexualidade e na aprendizagem humanas o
equivalente funcional do instinto.
De fato o bebê humano, ao nascer, é recebido num mundo de cultura e linguagem que
antecede e ao qual necessita ter acesso. Mas sua prematuração ímpar cria a
necessidade inexorável da presença do outro para garantir sua possibilidade de
existência. E é nesse espaço que se situa a aprendizagem humana, que estará
marcada de forma idelével pela história de seus relacionamentos passados.
Já em face das primeiras experiências de aprendizagem escolar, a criança utiliza e
expressa sua maneira pessoal e particular de lidar com a realidade, maneira esta que é
a reedição das histórias de suas relações passadas. Se aquelas crianças que puderam
resolver mais satisfatoriamente suas questões narcísicas e
edípicas, e por isso desenvolver melhor sua capacidade de simbolização, podem
vivenciar mais tranqüilamente o processo de aprendizagem escolar, o mesmo não
acontece com aquelas que ainda estão às voltas com tais questões, e que atualizam,
repetem e expressam seus conflitos inconscientes na relação de aprendizagem.
A consideração acima demanda que na avaliação das dificuldades de aprendizagem se
utilizem procedimentos que possam trazer, além de elementos sobre aspectos
instrumentais, dados sobre aspectos da personalidade e dos movimentos
transferenciais do aprendiz em relação à tarefa, à aprendizagem e ao professor,
capazes de orientar melhor o trabalho psicopedagógico. O presente trabalho se
inscreve numa perspectiva de ampliação da forma de abordar a avaliação dos
distúrbios de aprendizagem através da utilização do procedimento de desenhos-
estórias.
O psicopedagogo é concebido como mediador entre o aluno e a cultura, e a própria
situação de ensino é vista como uma estrutura triádica formada pelo aprendiz, pela
tarefa e pelo psicopedagogo nas diferentes configurações tomadas por esses três
elementos ao longo do processo. Reconhecendo nesse percurso a manifestação
transferencial, as diferentes fases foram analisadas à luz de concepções psicanalíticas
a respeito do narcisismo e do Édipo, tais como foram propostas por Freud e Lacan.
2. O PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS: NATUREZA,
FUNDAMENTAÇÃO E POSIÇÃO NO DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO
O D-E foi introduzido por Trinca (1972) como instrumento de exploração clínica da
personalidade. Não é um teste psicológico, e sim um meio auxiliar de ampliar a
investigação.
3. FAIXA ETÁRIA E AVALIAÇÃO
Quando foi introduzido, o D-E destinou-se, principalmente, a crianças e adolescentes
na faixa etária de 5 a 15 anos, porque "as formas de entrevista devem se adaptar ao
modo peculiar da comunicação infantil, o qual se aproxima daquele preconizado pelos
processos gráficos e temáticos das técnicas projetivas" (Trinca, 1972, p. 49), dando
oportunidade a que esses examinados pudessem falar indiretamente de si. Com o
tempo, porém, a técnica se estendeu não só a adultos, como, também, as crianças
menores de 5 anos. Mestriner (1982), Al’Osta (1984), Fernandes (1988), Giannotti-
Hallage (1988), Barbosa (1989) e Castro (1990), entre outros, realizaram com adultos.
Paiva (1992) mostrou que crianças de 4 a 5 anos puderam responder bem à aplicação
do D-E. Hoje, o uso consolidou seu emprego para diferentes faixas etárias de todos os
níveis culturais, mentais e sócio-econômicos. Na avaliação, podem ser considerados os
problemas particulares que se pretendem investigar, e que aparecem nas dinâmicas
pessoal e de grupo.
4. UTILIZAÇÃO EM GRUPOS ESPECÍFICOS E EMPREGO DE TEMAS
O D-E presta-se a detectar comportamentos de grupos específicos, que apresentam
traços comuns. Esses traços são geralmente definidos em termos de situações ou
configurações, como fracasso escolar, pré-cirurgia, asma brônquica etc. Quando
postos em situações específicas de angústia, os indivíduos tendem a reagir por meio
de características que se podem estudar de maneira grupal. Tem sido verificado que é
possível avaliar por intermédio do D-E certos momentos de angústia e determinadas
problemáticas de grupos e de populações.
5. O TEMA DA FAMÍLIA
Desde 1978, Trinca (1989) vem divulgando uma técnica de investigação clínica da
personalidade que tem por finalidade a avaliação de dinamismos conscientes e
inconscientes relacionados à situação familiar. Trata-se do Procedimento de Desenhos
de Família com Estórias (DF-E).
O DDF-E tem como referência imediata o D-E, possuindo, mutatis mutandis,
semelhante fundamentação. O seu emprego foi estendido à sujeitos adultos, tanto no
diagnóstico individual e de casal, quanto na utilização cruzada com a criança e os pais,
para a avaliação da dinâmica familiar (Trinca, 1990).
Nesse aspecto, Lima (1991) examinou a psicodinâmica da família, que se entrelaça na
adaptação escolar ineficaz de crianças de ambos os sexos, cujas idades variam entre 5
a 10 anos, todas elas com queixas escolares. Assim, o DF-E foi aplicado às crianças e
aos pais, tendo-se encontrado um sentido para os sintomas, dentro do contexto da
história familiar. Os problemas vividos pelas famílias, a nível consciente ou
inconsciente, afetam a escolaridade da criança. Um objeto familiar inconsciente modela
a qualidade das interações interpessoais no seio da família. Antes disso, Brasil (1989)
já havia usado o DF-E para estudar o fracasso escolar, enfatizando o universo
simbólico da criança, dentro dos pressupostos básicos da teoria junguiana.
6. A MAIOR ABRANGÊNCIA DO D-E
Tem sido enfatizada a utilidade terapêutica do D-E (Mestriner, 1982; Trinca ªM.T..,
1987). Além disso, revela-se adequado para a avaliação de psicóticos. Mestriner (1982)
testou a sua aplicabilidade em pacientes esquizofrênicos hospitalizados.
Também o D-E tem se prestado a servir para acompanhamentos (follow-up) e
segmentos de processos psíquicos. Gorodscy (1991) utilizou-o para o
acompanhamento da evolução terapêutica de crianças hiperativas de 7 a 12 anos de
idade.
Cruz (1987) realizou aplicações sucessivas, com intervalos de aproximadamente seis
meses, para acompanhar as transformações ocorridas na representação da escola em
crianças da classe trabalhadora.
Flores (1984), por outro lado, contribuiu para a ampliação do uso do D-E a crianças
terminais. Visou apreender e compreender os conteúdos emocionais presentes em
crianças de 3 a 10 anos à época da hospitalização e, desse modo, auxiliar no
atendimento e na orientação dessas crianças. Em estudo psicológico sobre mulheres
mastectomizadas por câncer de mama, Barbosa (1989) utilizou o D-E, junto com outras
técnicas psicológicas, para avaliação da personalidade. Partindo da identidade corporal
feminina, essa autora procurou compreender a dor psíquica pela qual passaram as
mulheres que sofreram amputação de um órgão fundamental para sua identidade
feminina. Perina (1992) usou o D-E para obtenção de informações e para intervenções
terapêuticas em atendimentos de crianças com câncer nas fases de regressão da
doença.
Em outro estudo pioneiro, Amiralian (1992) adaptou o D-E de modo tal que sujeitos
cegos acompanhassem a própria expressão gráfica.
O D-E – assim como o DF-E, constituem-se em penetrantes meios auxiliares do
profissional e visam atingir diretamente os distúrbios principais. Tratam-se, pois, de
importantes recursos de avaliação, acompanhamento e terapia das dificuldades de
aprendizagem.
CAPÍTULO III
A LINGUAGEM NA CRIANÇA DE SETE A ONZE ANOS:
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E A EDUCAÇÃO FORMAL
Suelly Cecília Olivan Limongi
Pensando na criança na faixa etária de sete a onze anos, algumas questões acerca de
seu desenvolvimento como um todo logo se apresentam como importantes,
considerando-se os profissionais que mais diretamente estão encarregados de sua
educação: o professor e o psicopedagogo. A primeira idéia que surge é de que se trata
de uma criança que, aos sete anos, ainda está em processo de alfabetização, iniciando
um longo período de formalização dos conceitos e conhecimentos adquiridos através
da experiência (e que ainda continuarão a sê-lo). Essa educação formal está
assentada, na maioria das vezes, ainda hoje, na passagem de uma grande quantidade
de conteúdos teóricos, através de definições, divididos em programas estabelecidos
por séries que devem ser desenvolvidos durante períodos letivos.
Em geral espera-se que a criança, ao chegar a essa fase, onde iniciará já a primeira
série do primeiro grau, tenha superado as principais dificuldade consideradas como
obstáculo para seu desenvolvimento escolar.
1. O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
É por volta dos sete/oito anos que a criança inicia o chamado período operatório
concreto. Trata-se de uma fase transitória entre a ação e as estruturas lógicas mais
gerais, que implicam uma combinatória e uma estrutura de "grupo", assentadas nas
operações básicas de classes e relações.
A criança, nessa fase, não mais possui o pensamento dominado pela percepção, como
acontecia anteriormente, embora ainda esteja vinculado a ela e estreitamente ligado ao
concreto. Ela já domina os problemas de classificação e seriação, percebe as
transformações e as correspondências. Isto se deve ao fato de que, como mostram
Inhelder e Piaget (1976); edição original de 1970), a criança percebe as transformações
que ocorrem nas ações e situações, essas transformações adquirem uma forma
reversível e o pensamento operatório concreto se caracteriza por uma extensão do real
em direção ao virtual.
2. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E LINGUAGEM
A criança atingirá a fase das operações concretas graças à construção de noções
extremamente importantes. É atuando no meio que a criança irá formar seus primeiros
pré-conceitos, nesse caso motores. Percorrendo esse caminho chegamos, então, ao
ponto essencial para situar a gênese de todo esse processo: a ação, a troca necessária
entre organismo e meio, realizada de maneira extremamente dinâmica.
A criança estará, dando significado aos objetos e às ações com eles realizadas,
caminhando em direção à representação, cuja uma das formas de expressão, a mais
evoluída, é a linguagem. Como o próprio Piaget (1978, ed. Original de 1946) aponta,
conhecer é pensar relações e essas relações, que serão descobertas, estão no sujeito
e não no objeto que será conhecido.
No início do desenvolvimento da criança somente a ação se fará presente. Com o
aparecimento da linguagem oral a ação terá, ainda por um período grande a
supremacia.
É a partir desse momento que o período operatório concreto, se dermos mais ênfase à
linguagem, estará se constituindo.
Se relacionarmos esses fatos com os apontados quanto ao desenvolvimento cognitivo
podemos ressaltar alguns pontos importantes, considerando-se tanto as noções
adquiridas quanto sua expressão através das partículas proposicionais:
2.1. Noção de tempo, que já vem sendo traduzida através de palavras
usadas pelas crianças desde o período pré-operatório.
2.2. Noção de espaço, que, da mesma forma que a noção anterior, tem
sua compreensão traduzida em certos vocábulos, desde o período
anterior do desenvolvimento cognitivo.
2.3. Noção de causa, que no período pré-operatório, por volta dos
cinco anos, já
aparece em expressões orais através do vocábulo porque, tanto em
estruturas interrogativas quanto declarativas.
2.4. Classificação, que durante o período operatório oncreto evoluirá da
adição de elementos para formar grupos, o que caracteriza a noção de
conjunção, representada pela partícula e, onde a criança lida com
algumas poucas características de semelhanças ou diferenças, para a
inclusão de elementos em uma classe.
2.5. Seriação, onde a criança, a partir dos sete anos até os onze, terá
condição de ordenar mais de seis elementos, mesmo que necessitando
de ajuda sensório-motora, isto é, comparar diferenças de comprimento,
largura, espessura e peso pegando nas mãos.
Será com a compreensão dessas noções, no final do período que estamos estudando
que a criança terá condições de perceber essas relações citadas considerando-se
situações mais abstratas como parentesco.
3. COMUNICAÇÃO ORAL E O ENSINO FORMAL
A partir da primeira série a criança será exposta à aprendizagem de regras gramaticais
e matemáticas. Se pensarmos no conteúdo que compõe cada um dos seus itens
veremos que se trata da formalização dos conceitos que a criança vem
experimentando, descobrindo, combinando, inventando, falando sobre, processo esse
que vem se desenvolvendo desde o período sensório-motor e que são fundamentais
para que ocorra a aprendizagem solicitada na escola.
Para que sejam descobertas as várias possibilidades de ação, para que a criança
perceba a simultaneidade entre ações, estabeleça as relações que serão traduzidas
nas partículas proposicionais, tenha condições de antecipar essas mesmas ações para
poder, então, levantar hipóteses (na adolescência) a criança necessita desse período
de transição em que ação e linguagem ainda fazem parte desse processo, embora a
grande ênfase seja dada, e cada vez mais, à linguagem.
A criança lida, a nível de expressão oral, com noções de tempo, reversibilidade,
representadas por partículas proposicionais, partículas indicativas de modo, número e
tempo verbais, estabelecimento de regras. São todos fatores que apontam em direção
à evolução dessa fase onde, próximo aos dez anos, já notamos que a criança
compreende e se delicia com anedotas onde se utiliza o duplo sentido de vocábulos e
expressões oaris, que ela mesma usa de frases onde expressa o sentido contrário
daquilo que desejaria e o que faz através de ironia.
4. OBSERVAÇÃO DA EVOLUÇÃO DA LINGUAGEM ORAL
A compreensão, aliada à observação cuidadosa da criança em sala de aula, de sua
produção nas tarefas solicitadas, nas brincadeiras e jogos realizadas com a orientação
do professor e nas atividades livres com a participação de colegas, tornará possível a
identificação de dificuldades que possam estar presentes no processo de construção
do conhecimento pela criança de sete a onze/doze anos e que muitas vezes se reflete
a nível da linguagem e da expressão oral. São situações em que a atenção solicitada e
dirigida às tarefas, a tensão existente, o grau de autonomia e possibilidade de decisão,
o nível de liberdade na relação entre os sujeitos, o interesse ou a obrigação na
realização, trazem grandes modificações.
Fatos que podem levar o profissional da área da educação, que está trabalhando mais
diretamente com a criança entre sete e onze/doze anos, a questionar seu
desenvolvimento adequado com relação à linguagem e, assim, verificar a necessidade
de uma intervenção, seja a nível de orientação ou trabalho terapêutico: quanto à
produção articulatória; quanto à estrutura frasal e organização do pensamento; quanto
ao uso das partículas proposicionais; quanto à relação comunicação oral/ comunicação
escrita; quanto ao "significado" para a linguagem oral e a linguagem escrita.
5. COMUNICAÇÃO ORAL E COMUNICAÇÃO ESCRITA
Refletindo sobre a questão da linguagem na criança de sete a onze/doze anos no
processo de construção pelo qual passa até chegar a essa fase, na relação da
linguagem oral com a linguagem escrita, cujo ensino formal estará sendo iniciado a
partir desse período e na relação entres os profissionais atuantes nessas áreas, isto é,
o professor, o psicopedadagogo e o fonoaudiólogo, chamamos a atenção para algumas
considerações que abarcam tais questões. Encontramos suporte em Wadsworth
(1989), cujo trabalho é justamente estar dando os subsídios necessários da
epistemologia genética para a prática do professor e que aliamos à questão da
linguagem.
Durante o período operatório concreto, ao levarmos em conta a questão da linguagem
para ser observada e avaliada, tanto pelo professor quanto pelo psicopedagogo, é
importante que todo o processo de sua construção, pelo qual a criança passa desde o
nascimento, seja considerado da mesma forma que sua relação com a linguagem
escrita.
A partir dos sete anos ocorre uma grande preocupação com a educação formal,
embora ela já venha sendo desenvolvida desde a pré-escola cabendo ao professor
uma tarefa de fundamental importância: acompanhar o desenvolvimento dessa criança
favorecendo as condições fundamentais de construção do conhecimento a nível
operatório concreto, de maneira a prepará-la para iniciar, próximo da adolescência, o
período das operações formais, pois, é a criança que constrói o seu conhecimento, de
acordo com as oportunidades que lhe são oferecidas, e que serão cada vez mais ricas
de acordo com o preparo do professor que lida com ela, no sentido de compreender
esse processo de construção. E é seguindo essa mesma linha de atuação, onde a
observação ativa da criança é uma das formas mais produtivas de detecção da
evolução nesse processo, que tanto o professor quanto o psicopedagogo contam com
o auxílio do fonoaudiólogo no acompanhamento das questões ligadas à linguagem.
CAPÍTULO IV
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
DOS SETE AOS ONZE ANOS
Elsa Lima Gonçalves Antunha
O período que vai dos sete aos onze, ou, para alguns autores, dos seis aos doze, ou
treze anos de idade, marca, na vida dos humanos, um já riquíssimo desenvolvimento
do sistema nervoso, paralelo a um crescente aprimoramento das funções mentais
emergentes desde a mais tenra idade e que se tornam, de forma lenta e progressiva,
cada vez mais complexas.
Esta fase, genericamente denominada "meninice", representa um novo e longo período
de consolidação do anteriormente adquirido, bem como inaugura mais um
mapeamento de áreas cerebrais que fará com que a criança passe das operações
mentais mais concretas e primitivas, típicas do anterior período pré-operatório, de
acordo com Piaget, ao uso mais aperfeiçoado da lógica indutiva à aquisição de
instrumentos acadêmicos muito complexos como a leitura, a escrita, o cálculo, a um
refinamento da linguagem, a uma profunda alteração no intercâmbio social e,
principalmente no fortalecimento de seu papel sexual.
Este período, ainda segundo Piaget, é antecedido de três outros:
1)- o primeiro, que vai do nascimento até os dois anos, denominado período da
inteligência sensório-motora, anterior à linguagem e ao pensamento;
2)- o segundo, o pré-preparatório, vai até os seis anos, no qual se verifica um grande
progresso graças à linguagem e ao pensamento;
3)- ao terceiro período, das operações concretas, se estende até os doze ou treze
anos, sucede-se o último, o das operações formais, o qual se caracteriza a
adolescência e marca também o padrão de vida mental do adulto.
A evolução do bebê ao ser adulto pode ser analisada sob múltiplos aspectos, pois a
complexidade do sistema nervoso vai ditando comportamentos extremamente
diferenciados que às vezes representam uma harmônica linha de continuidade, outras
assemelham-se a saltos dialéticos representando rupturas com as estruturações
anteriores.
Freud salienta, na fase da meninice ou, pelo menos no seu início, por volta dos 7 anos,
o período de "latência", em que alguns sistemas defensivos do ego encontram forte
expressão:
A sublimação, que representa a canalização de energia sexual para ativid. intelectuais
ou esportivas.
A projeção, uma forma aceitável de tratar seus próprios pensamentos atribuindo-os a
outros.
A formação reativa, dizer o oposto de que realmente sente, o que dá lugar a uma
verdadeira redistribuição das energias pulsionais.
O recalcamento das pulsões sexuais, propiciando um terreno neutro, não conflitivo, que
favorece aquisições educativas e desenvolve interesses cognitivos.
Wallon, por sua vez, destaca o início da escolaridade, por volta dos seis anos, que
permite à criança encontrar tanto os meios intelectuais quanto a ocasião de se
individualizar de forma nítida.
De fato, relativamente às propostas piagetianas e psicanalíticas sobre o
desenvolvimento do ego, na fase da meninice, já podemos apreciar alguns progressos:
Quanto à realidade; Quanto à regulação e ao controle dos impulsos; Quanto às
relações objetais; Quanto aos processos de pensamento.
O cérebro, produto de uma longa filogênese e, por sua vez, demorada ontogênese,
representa o órgão mais complexo do universo.
Teoria de Luria sobre a organização do cérebro, através de sua proposta dos três
blocos funcionais:
O primeiro bloco, compreendendo o tronco cerebral e o rombencéfalo, é responsável
pela regulação e manutenção do tono cortical, da energia, da mais elementar forma de
atenção – o estado generalizado de atenção, da vigília e do sono. Ele garante, pois, e
sustenta o estado funcional do cérebro. Essas estruturas ligam-se ao sistema reticular
que, por sua vez, sob forma ascendente ou descendente, conectam-se com o tálamo,
primeira estação da consciência, ao arquicórtex e às estruturas neocorticais.
Esta área pode ser considerada como pré-requisito para a existência de atividade
intelectual e também para a iniciação do fluxo de impulsos eferentes que produzem a
ação planejada do homem consciente
Distúrbios do sistema reticular podem levar a criança a apresentar um estado constante
de fadiga, sonolência, baixo tono e estado acinético, distúrbio de consciência,
perturbação da função mnêmica não específica, bem como da atenção generalizada.
As dificuldades das crianças, neste caso, não se relacionam a funções de ordem
intelectual ou psicomotora, diretamente, mas à incapacidade de mobilizar e
potencializar estas funções, ainda que íntegras.
A criança normal, ao contrário, no período da meninice, mantém-se alerta, inclusive
recusa-se muito a dormir porque quer aproveitar todos os momentos da vida, tem
grande motivação para as atividades esportivas e mantém-se muito interessada por
situações de aprendizagem, ávida de conhecer o mundo, na idade dos "porquês".
O segundo bloco, compreende a região posterior do cérebro, que inclui os lobos
occiptais, temporal e parietal, onde se situa o córtex somestésico. Esta região vincula-
se à chegada de estímulos do próprio corpo e do mundo exterior: através da visão, da
audição, do tato, estas áreas cerebrais analisam, codificam e armazenam as
informações. Não só a exterocepção, isto é, a análise de estímulos provindos da
realidade externa, mas a propriocepção, ou análise das informações provindas do
interior do corpo, bem como das vísceras, efetuam-se através destas estruturas
encarregadas do trato de todo tipo de estímulo que possa chegar ao cérebro. Através
de três planos de processamento cada analisador seleciona, identifica, distribui as suas
próprias informações, quer visuais, auditivas ou táctilcinestésicas. A partir daí,
codificando-as e conservando-as em zonas secundárias, passa então a combiná-las,
através de zonas terciárias, realizando um trabalho de associação, integração e
síntese. Fenômenos de ordem bioquímica, biofísica, bioelétrica, biomecânica,
combinam-se para o que poderíamos chamar de transdução dos dados da realidade
externa em vida mental, em atividade neuronal, isto é, conversão de modalidades ou
campos energéticos do mundo externo em energia mental ou representação mental:
tudo isto se resume na atividade codificadora do cérebro, através da qual os humanos
constróem a linguagem, a cultura, o símbolo.
O terceiro bloco, envolve o lobo frontal, isto é, o cérebro anterior, relaciona-se à
plantificação, à programação do comportamento. Este pólo anterior do cérebro, o
frontal, ao contrário do cérebro posterior, incumbe-se da execução, do desempenho.
Suas funções são, pois, expressivas e não receptivas. São principalmente as áreas
mais anteriores ao lobo frontal, as chamadas pré-frontais, que se incumbem da
planificação da conduta em seu sentido mais amplo, enquanto que as restantes regiões
do córtex exercem funções sensoriais e motoras. As planificações pré-frontais enviam
seus programas de ação às áreas motoras. A maior parte da atividade consciente da
área pré-frontal, em condições de repouso e vigília, refere-se a pensamentos internos,
particularmente a reflexões sobre a própria situação atual e suas relações com
acontecimentos passados e futuros. Daí se conclui que o cérebro consciente e em
repouso dedica-se predominantemente à simulação do comportamento.
Um ponto a ser salientado é a riqueza de conexões neuronais que existe entre a região
pré-frontal e outras áreas do cérebro. Estas conexões são bidirecionais, aferentes e
eferentes, isto é, pertencem a circuitos que se dirigem ao cérebro, ou, ao contrário,
partem do cérebro. As conexões mais importantes se fazem com o tronco cerebral em
suas partes superiores, bem como com as estruturas talâmicas.
Na fase dos 7 aos 11 anos, a criança tem um bom desenvolvimento no sentido de
começar a compreender o que está além do texto: conteúdos morais, expressos nas
entrelinhas, subterfúgios, artimanhas, estratégias, mentiras, omissões e desvios da
verdade, tudo isto está contido na literatura que as crianças apreciam neste período. O
papel da metáfora é o denominador comum destas atividades.
Excluídas as situações mais formais em que o exame neuropsicológico é realizado por
especialistas, todos os outros profissionais, inclusive o professor de classe, tem muita
oportunidade de informalmente analisar o desempenho acadêmico das crianças, sobre
o prisma da neuropsicologia. Conhecer como o cérebro funciona, suas leis, sua
organização, sua conectividade, suas estruturas practo-gnósicas, bem como as áreas
de linguagem. Assim muitos problemas de aprendizagem poderão ser compreendidos
de forma mais consciente pelo professor e conseqüentemente as estratégias adotadas
para superá-las serão mais diretas e eficientes.
Quem presencia em primeira instância um quadro de dislexia visual, ou dislexia
auditiva, ou de dispraxia construtiva, é o professor na sala de aula que tem em mãos,
diariamente, crianças que ostentam todos estes sintomas.
Desde o jardim de infância ele já pode notar distúrbios perceptivos: auditivos ou
visuais, distúrbios da fala receptiva ou expressiva, da memória, de comportamento
práxico e mesmo das funções motoras.
Há um ponto, ainda, de capital importância nesta fase escolar da alfabetização e dos
anos que se seguem: a mielinização do sistema nervoso, que se constitui em um fato
de enorme repercussão no processo de amadurecimento das vias nervosas.
A mielinização é um processo pelo qual a mielina, uma substância gordurosa, cerca os
axônios, atuando como elemento isolante, favorecendo a velocidade e a precisão na
transmissão da mensagem.
Inicia-se no quarto mês de vida intra-uterina, sendo que o grosso da mielinização se
verifica aos doze anos de vida extra-uterina.
Algumas estruturas nervosas prolongam sua mielinização até o sétimo ano,
principalmente aquelas relacionadas com o desenvolvimento da formação reticular, das
radiações talâmicas não específicas, das grandes comissuras cerebrais, das conexões
intracorticais e das áreas de associação.
O desenvolvimento estrutural das organizações do cérebro, através da mielinização,
liga-se muito profundamente ao aumento do vocabulário, na criança, mas a fase de
maior riqueza, a da aquisição da leitura e da escrita ortográfica, corresponde ao
aperfeiçoamento da mielinização dos circuitos elaborados à custa dos feixes de
associação intra-hemisféricos, especialmente na região giro angular, área 39 do
mapeamento de Brodmann, encarrega-se do reconhecimento e da recordação dos
símbolos visuais, das letras sílabas e das palavras; além disso, contém a memória dos
padrões dos símbolos escritos, sendo portanto, uma área fundamental para a
alfabetização. Suas conexões também se dão com a área 19 (área de armazenamento
da memória visual) e com os padrões de associação que a unem à área sensorial
auditiva.
Esse processo de mielinização prolonga-se até a vida adulta e á custa dele, a partir dos
10 anos, há um crescente aumento de vocabulário, a leitura se torna mais fluente, o
grafismo se regulariza, a escrita, de fonética se torna ortográfica e desenvolve-se uma
maior capacidade para compreender e produzir palavras e orações com sentido.
No jardim de infância o interesse principal da educação é o desenvolvimento das
funções sensório-motoras, não verbais e a fala. Com a alfabetização, o foco de
interesse do educador amplia-se, pois as funções sensório-motoras, que devem estar
bem desenvolvidas, passarão a servir de suporte para a aquisição de novos códigos:
leitura, escrita, que representarão não só as experiências, as vivências da criança,
como também a sua fala. Esta fase deve contar com um profundo amadurecimento das
associações têmpero-paríeto-ocfcipitais, bem como das programações e
desempenhos, isto é, regiões frontais, além do córtex somestésico-motor. A
alfabetização, além do cálculo, impõe à criança árduas tarefas cerebrais: codificar
através de símbolos gráficos as experiências não verbais do seu cotidiano, bem como
a sua linguagem falada. Estas, que em grande parte representam funções que se
distribuem igualmente pelos hemisférios direito e esquerdo, devem contar com a
emergente especialização do hemisfério esquerdo para as funções mais complexas e
abstratas da linguagem.
Esta passagem para planos mais elevados de codificação, grafemas e lexemas,
representam exigências que solicitarão uma reformulação das organizações anteriores.
O hemisfério direito continua incumbindo-se de algumas funções tais como a
identificação da forma das letras e dos dígitos, incumbindo-se, também, dos aspectos
melódicos envolvidos na leitura e com sérias implicações para a escrita e para a
interpretação de textos (prosódia).
O esquerdo, por sua vez, responsabiliza-se pelo aspecto semântico, pelo significado. A
área de Wernicke, da compreensão da fala, situada no hemisfério esquerdo, bem como
a de Broca, da articulação da fala, tornam-se muito atuantes, não só no sentido das
análises fonêmicas e em suas transcodificações grafêmicas, como também envolvidas
no plano de interpretação.
Imaturidade no plano de conectividade neuronal impedirá a criança de compreender e
realizar as traduções audiovisuais, viso-cinestésicas, tão necessárias na fase de
alfabetização.
Assim deve-se lembrar também que o longo período de 7 a 11 anos é muito rico em
mudanças não só nas reestruturações cerebrais como no aspecto tão salientado por
Vigtsky, da formação social da mente. Este período representa o primeiro grande
impacto da criança com o mundo concreto, da realidade, mas agora esta realidade
simbolizada, representada pelas manifestações culturais, cuja transmissão é função
fundamental da escola.
Neste sentido pode-se identificar a função da escola, não só nesse momento, mas a
partir daí, como a responsável pelo processamento das mais elevadas funções
nervosas, pela formação do ser consciente, livre e pleno de cidadania. Cabe então
novamente lembrar a importância das funções pré-frontais, as quais, a partir da
utilização de informações armazenadas, organiza, à base da reflexão sobre o passado
e da projeção sobre o futuro, o plano de vida, os valores, as metas, os ideais.
CAPÍTULO V
SUBJETIVIDADE, OBJETIVIDADE E CRISTALIZAÇÃO
CULTURAL NA PRODUÇÃO DE TEXTOS DE
CRIANÇAS DE 1° GRAU
Roxane Helena Rodrigues Rojo
Os estudos lingüísticos e psicolingüísticos sobre o desenvolvimento de linguagem
escrita são mais recentes e assistemáticos que a literatura psicolingüística voltada para
a aquisição de linguagem oral.
Até recentemente, a aquisição de linguagem escrita não foi vista como um processo de
desenvolvimento ou construção. A escrita, era vista como um código de tradução das
formas da linguagem oral em formas gráficas, que envolvia uma certa maturação e um
certo treinamento dos aparatos visual, motores, auditivos envolvidos nesta nova forma.
Na última década, os estudos ferreirianos, por um lado, e trabalhos antropológicos,
etnográficos e sócio-lingüísticos sobre o letramento, por outro, contribuíram fortemente
para a modificação deste panorama, chamando ao campo da escrita a noção de
desenvolvimento, processo e construção.
Os trabalhos mais recentes no campo tendem a apontar para uma visão do
desenvolvimento menos maturacional ou comportamental, em favor da adoção de um
enfoque do desenvolvimento (lingüístico, cognitivo, conceitual) como construção. No
campo do desenvolvimento da escrita, os trabalhos piagetianos, cujo expoente é o
trabalho de Ferreiro sobre a construção da base alfabética, favoreceram fortemente o
consenso em torno desta posição.
Se, do ponto de vista clínico ou educacional, a visão processual (e não comportamental
ou maturacional) de desenvolvimento como processo de construtivo significa, por si só,
um avanço na postura e no papel do clínico/educador, por outro lado, esta discordância
de fundo sobre as raízes genéticas do desenvolvimento, implicará práticas
clínicas/educativas bastante diferenciadas.
Os estudos que tomam por base Piaget (cf., por exemplo, Ferreiro & Teberosky, 1984;
Ferreiro & Palacio, 1987; Teberosky, 1991; Teberosky & Cardoso, 1991) tenderão a
enfatizar o papel da ação sobre o objeto escrito; da criação do conflito como forma de
desestabilização das hipóteses aproximativas que a criança faz sobre o mesmo; a
regulação – pelo objeto e pelo outro – para a estabilização progressiva das hipóteses
mais aproximadas ao funcionamento real da escrita alfabética.
Os estudos de caráter interacionaista, tais como as pesquisas da sociolingüística
interacional e da etnografia (cf., por exemplo, Cook-Gumperz, 1991), e os de caráter
sócio-histórico (cf., por exemplo, Smolka, 1988; 1983), tendem a enfatizar o papel
fudante e constitutivo das vozes alheias e da interação social – dos pares, do
educador, do clínico – nas construções cristalizadas da cultura letrada, resgatando uma
visão de aprendizagem de base interativa.
Os trabalhos mais propriamente construtivistas caracterizavam a escrita como uma
forma de representação cognitiva da linguagem, especialmente no que diz respeito a
seus aspectos morfo-fonológicos (letras, sílabas, palavras). Os trabalhos interacionistas
e sócio-construtivistas tendem a enfocar a escrita como uma outra modalidade
discursiva (enunciativa, textual), que se apresenta na forma de gêneros ou tipos
discursivos secundários e cristalizados na cultura, e que se apresenta sob condições
de produção diversas.
Ambas as posturas mantêm estritas relações e discussões com a psicolingüística do
processamento em compreensão e produção de textos (cf., por exemplo, Goodman,
1967; Smith, 1981; Spiro, Bruce & Brewer, 1981; etc.) e com modelos que tentam dar
conta de como o leitor/escrevente processa a linguagem escrita. Estas teorias
psicolingüísticas freqüentemente têm uma base forte na lingüística do texto (cf. Van
Dijk & Kintsch, 1983; Jolibert, 1988).
Do nosso ponto de vista, uma visão mais ampla do processo de constituição do
discurso escrito na criança – e das possíveis rupturas e suturas neste processo que
podem levar a criança ao clínico – careceria de investigações (não somente do
pesquisador, mas sobretudo do educador e do clínico).
Muitas vezes a experiência do clínico com o encaminhamento escolar, sobretudo na
rede privada, de casos de crianças com "dificuldades de escrita" – embora
desconheçamos pesquisas que possam comprovar com dados numéricos esta
impressão – passa por uma queixa explícita da escola sobre os aspectos gráficos e
normativos dos textos produzidos pelas crianças (grafia, ortografia e, no melhor dos
casos, coesão) e por uma queixa difusa sobre a (baixa) qualidade discursivo-textual
destas produções (texto pobre, desorganizado, confuso...). Raramente a queixa leva
em conta leitura (compreensão), a não ser do ponto de vista da fluência. Raramente
leva em conta o processamento ou as condições de produção escolar em que estes
textos-produtos são engendrados. Do ponto de vista da sócio-história de letramento
desta criança, muitas vezes o que o clínico encontra é uma história escolar/familiar
conturbada, com muitas rupturas; um meio familiar que valoriza ou utiliza pouco a
escrita e uma instituição escolar que também não tende a viabilizar condições de
produção de escrita minimamente adequadas à aprendizagem.
Cremos que a área mais obscura no tratamento escolar ou clínico das questões de
escrita encontra-se em seus aspectos discurso-enunciativos, que, quando são tratados
na literatura em geral, o são como aspectos de coerência, coesão e tipologia textual –
efeitos da aplicação da lingüística textual – e não como uma trama enunciativa
dependente das condições de produção do discurso.
Rojo (1989, 1990), analisando o primeiro conjunto de dados, tinha como previsão um
crescimento, de acordo de acordo com o avanço da escolaridade, do subtipo narrativo
(gênero) estória e de um desenvolvimento da superestrutura narrativa, traduzido
sobretudo por uma expansão do cenário e das categorias de ação, especialmente,
complicação e resolução. Este desenvolvimento seria devido à emergência da
relevância das condições de produção da narrativa escrita no processo de produção de
texto dos sujeitos, determinada esta, por sua vez, pelas condições estritas de produção
da modalidade escrita do discurso em contexto escolar.
Muitos procedimentos são usados pelas crianças no processo de superação; muitos
processos discursivo-interacionais constitutivos da subjetividade na intersubjetividade
são aqui reencontrados como processos de deslocamento desta subjetividade – na
interação social mais ampla – para os apagamentos e armadilhas discursivas da
objetivação e despessoalização do discurso. Neste percurso, o eu da enunciação
passa, a um só tempo, a concluir a estória e construir a história.
CAPÍTULO VI
A AVALIAÇÃO E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR
Maria Lúcia Lemme Weiss
Pretende-se chamar a atenção para procedimentos de avaliação no cotidiano da sala
de aula que, por não levarem em consideração o processo de construção do
conhecimento, acabam por valorizar, apenas ou demasiadamente, o produto final,
como expressão cabal e definitiva do que o aluno aprendeu. Desprezam-se, ainda,
elementos fundamentais como métodos de ensino, relação professor-aluno, objetivos e
ideologia da instituição. Acrescente-se que esta problemática, hoje, tem origem cada
vez mais cedo.
No mundo atual, as crianças estão entrando cada vez mais cedo para instituições, em
que a educação é formalizada, seja maternal ou jardim de infância (pré-escola).
Instalou-se uma etapa que por necessidade familiar antecede à escola, que é
encarregada da chamada aprendizagem formal dos conteúdos programáticos
estruturados de matemática, língua portuguesa, ciências, história, etc.
A pré-escola, como escola, já é um espaço de construção do conhecimento em
ambiente facilitador do desenvolvimento. Pode formar crianças, que irão para a etapa
da alfabetização, autônomas, críticas ou, ao contrário, dependentes, estereotipadas,
com aversão ao trabalho escolar. Esta trajetória anterior deve ser considerada, numa
avaliação psicopedagógica, com bastante cuidado pois, em alguns casos, a dificuldade
de aprendizagem surgida em séries escolares avançadas tem sua origem em
formações reativas à instrução escolar nos primeiros anos de vida.
Por outro lado, a avaliação das dificuldades de aprendizagem envolve de certo modo o
mecanismo de avaliação de aprendizagem na escola assim como a avaliação da
escola.
A forma de avaliar o aluno reflete como se organiza a ação pedagógica da escola, se
ela tem ou não filosofia de educação coerente e definida; sabe que homem quer
formar; se tem uma diretriz geral de trabalho, que envolva o planejamento em
diferentes níveis, e assim se reflita "no fazer" e "na cobrança" em sala de aula. Pois é a
partir dessa cobrança, formal, institucional, que são definidos parâmetros em relação
aos quais a escola aponta "dificuldades de aprendizagem" na criança e faz o seu
encaminhamento para diagnóstico.
Na avaliação escolar feita através dos instrumentos usuais como provas, testes,
trabalhos específicos, etc., existe uma questão básica a ser considerada que é o "erro"
enquanto parte do processo de construção do conhecimento. Não pode o professor
considerar apenas o produto final, a palavra ou número colocado ou a cruzinha
marcada. É necessário compreender o processo mental que o aluno usou nesse caso
específico. Localizar a falha processual deve ser a preocupação maior do professor.
Em todas as disciplinas pode haver projeções em relação a questões não elaboradas
na dinâmica familiar e tematizadas negativamente em relação à profissão dos pais.
As situações de avaliação da aprendizagem quando são mal conduzidas são geradoras
de um excesso de ansiedade que se torna insuportável para o aluno, chegando à
desorganização de sua conduta, o que acarreta o fracasso na produção escola.
A aprendizagem verdadeira exige um nível de ansiedade ótimo, ela sempre se dá
acompanhada de uma "ansiedade paranóide" pelo perigo, representado pelo
conhecimento novo e de "ansiedade depressiva" pela perda que se dá de um esquema
referencial e certos vínculos que estariam envolvidos na aprendizagem. "Não é
somente o novo que produz o medo, mas sim o desconhecido que existe dentro do
conhecido" (Bleger, p. 91).
É necessário que pais e professores fiquem atentos a esses fatos não sobrecarregando
emocionalmente as crianças com expectativas e exigências elevadas que geram efeito
contrário, bloqueando as reais possibilidades da criança.
Quando a avaliação psicopedagógica é de uma criança em processo de alfabetização
a questão exige uma reflexão maior sobre o ambiente alfabetizador. Alfabetizar é
penetrar num novo mundo, é mudar o eixo referencial da vida. É transformação tão
grande como a posição ereta aos 12 meses ou início da fala aos 24 meses. O domínio
da língua escrita dá à criança uma autonomia ao mesmo tempo prazerosa e
assustadora.
Com as pesquisas de Emília Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradores sobre a
psicogênese da língua escrita mudou-se a concepção de alfabetização, o que acarreta
de imediato o reposicionamento das chamadas patologias nessa etapa da
aprendizagem. Alfabetização não pode ser vista como a transmissão de conhecimento
pronto, que para recebê-lo a criança teria que ter desenvolvidas as chamadas
"habilidades básicas", possuir pré-requisitos, enfim, apresentar uma "prontidão". A
alfabetização é construção resultante da interação da criança com a língua escrita e
como diz Telma Weisz (1988) "uma construção que não é linearmente cumulativa, pois
se trata de um processo de objetivação no qual o sujeito continuamente constrói e
enfrenta contradições que o obrigam a reformular suas hipóteses. Um processo
dialético através do qual ela se apropria da escrita e de si mesmo como um usuário-
produtor da escrita".
A exigência feita por alguns professores não atualizados no assunto, para que a
criança inicie sua alfabetização formalizando escrita seguindo certas regras e dentro de
prazos estipulados, pode ser desastrosa, gerando grandes dificuldades nessa etapa e
tendo conseqüências no desenvolvimento posterior desse processo de domínio da
língua escrita.
É necessário que os pais fiquem atentos para que seus filhos não sejam penalizados
pelas grandes falhas metodológicas da escola, que ocorrem nas classes de
alfabetização.
A prática escolar desarticulada deixará o aluno exposto às idiossincrasias do professor,
ou mesmo às conseqüências de fatos episódicos como: doenças, greves, problemas
administrativos, etc. A dificuldade observada por um docente inexistente para outro, e
nessa descontinuidade segue o aluno ao "sabor das ondas", indicado até para
procedimentos específicos.
A terapia mais fácil e simples para o ser humano é a "terapia de sucesso"; por que a
escola insiste em criar situações para o fracasso do aluno, para posteriormente tratá-
lo? Evitemos situações confusas e desastrosas e teremos menos "dificuldades" de
aprendizagem. Seguindo a visão construtiva na produção do conhecimento, qualquer
professor partirá do que o aluno já sabe, do conhecimento já incorporado para que
novas informações surgidas na sala de aula possam ser construídas, permitindo a
verdadeira operacionalização da realidade. Em inúmeros autores piagetianos já
aparece a valorização do "ponto de partida" na interação do sujeito com o meio para a
construção do novo conhecimento, que seria o "ponto de chegada" desejado pelo
professor. Vigotsky já dizia que, quando a criança chega à escola, sempre já sabe
alguma coisa. A não valorização do saber infantil na sala de aula pode ser o ponto de
partida para a construção de dificuldades de aprendizagem.
A educação brasileira tem vivido através de décadas de pesquisas e discursos
inovadores produzidos basicamente nas universidades, e de nenhuma prática
inovadora que se generalize no cotidiano da sala de aula nas escolas particulares e
públicas.
Já dizia Freinet (1947) citado por Leite Filho (1994):
A escola tem de reencontrar a vida, mobilizá-la e servi-la, dar-lhe um objetivo, e para
isso deve abandonar as velhas práticas e adaptar-se ao mundo do presente e do
futuro. (p. 36).
Como situa Leite Filho (1994) a chamada modernização da escola não significa a
compra de moderna tecnologia da educação, circuitos de TV e vídeo, laboratórios,
informática de ponta, etc., mas sim a transformação mais profunda nos processos
psicológicos e pedagógicos.
Uma boa escola não pode ser patologizante, isto é, não pode provocar formações
reativas e inibições em seus alunos quanto à aprendizagem escolar. Ela deve acima de
tudo, ser estimulante, ser provocadora da busca do conhecimento, criar o ser desejante
de aprender. Para isso a função dos profissionais da área de educação deveria ser:
1º - melhorar as condições de ensino para serem os professores
mediadores no crescimento constante da aprendizagem dos alunos e
assim prevenir dificuldades na produção escolar;
2º - proporcionar meios, dentro da escola, para que o aluno possa
superar dificuldades na busca do conhecimento, anteriores ao seu
ingresso na escola;
3º - atenuar ou, no mínimo, contribuir para não agravar os verdadeiros
problemas de aprendizagem nascidos ao longo da história do aluno e sua
família.
Referência Bibliográfica:
BOSSA, Nadia Aparecida e OLIVEIRA, Vera Barros de. Avaliação
Psicopedagógica da Criança de sete
a onze anos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. 4ª ed.
APRECIAÇÃO CRÍTICA
"A avaliação psicopedagógica da criança de sete a onze anos, como qualquer
diagnóstico, terá uma etapa de contextualização do cliente na sua história de vida, a
que chamamos comumente de anamnese. Esta história não pode se restringir às
relações familiares apenas, ela é necessariamente ampliada para a história clínica e
história escolar"
Muitas vezes atribuímos às condições de trabalho, à falta de recursos, à interferência
dos imperativos burocráticos, a nossa acomodação, nossas falhas ou limitações.
Na verdade ninguém pode ser responsabilizado pelo relacionamento que
estabelecemos com outras pessoas. Ele é de responsabilidade mútua quando se trata
de dois adultos, e de inteira responsabilidade do adulto quando se trata de uma relação
adulto-criança, por tudo que já pudemos considerar.
Se estamos interessados em estabelecer uma boa relação com a criança,
naturalmente, precisamos, primeiro, ganhar a sua confiança e tratá-la como gosta de
ser tratada.
Para tanto precisamos conhecê-la melhor: perceber os limites de sua compreensão, os
seus recursos de linguagem, auto-expressão, a capacidade de realização e a
sociabilidade que ela apresenta nesta altura do seu desenvolvimento. Se não,
corremos o risco de falarmos sozinhos ou de esperarmos de nossas crianças mais do
que elas podem dar.
É assim que começam os desencontros e as frustrações, tanto para o professor, como
para o aluno que experimenta o fracasso. A proposta é deixá-lo entrar não só na
escola, mas também dentro de nós, pois já sabemos que o nosso sucesso começa
aqui, no tipo de relação que estabelecemos com nosso aluno. Mesmo que pareça
imaturo ou desligado devemos lembrar que ele já tem uma estória que começou nove
meses antes do nascimento e que envolve um pai, uma mãe, um berço. Ele vem de um
outro "mundo", outro grupo social, outra cultura o que significa outra linguagem, outros
valores, outros padrões de comportamento e muitas coisas até aqui contribuíram para
compor esse mundo e construir essa estória.
Seria certo então conhecermos um pouco desse mundo e dessa estória para fazermos
uma ponte entre o que vai ficando para trás e toda a vida nova que se inicia quando a
criança vem para a escola. Significa que ela vai passar a ter um novo tipo de atividade,
experimentar outras vivências que devem somar-se àquilo que foi vivido anteriormente
e que vai servir de base aos progressos.
Pessoas em níveis diferentes de desenvolvimento e com experiências diferentes não
podem responder da mesma maneira ao mesmo estímulo e esse estímulo não pode
ser o mesmo para todos. Tem que ser diferenciado conforme as pessoas com quem
estamos lidando. Às vezes é uma questão de mudarmos algumas palavras e pronto, já
nos fizemos entender. Outras vezes temos que mudar a forma de coordenar as idéias e
nos expressarmos de outro modo. Outras vezes ainda, temos que mudar o conteúdo
do que estamos propondo ou ensinando: graduar ou parcelar esse conteúdo para
conseguirmos transmiti-lo.
Eis aí um dos mais constantes desafios na tarefa educativa – falar com cada um a
linguagem que cada um possa entender e dar a cada um a tarefa que ele possa
realizar. De outra forma é certo que estamos tentando pular etapas e isso é contra as
leis da natureza, pois a ordem natural das coisas é a seqüência, a evolução contínua,
feita de pequenos ganhos que servem de base à conquista seguinte. É, talvez, por
esquecermos esta verdade tão certa que acabamos perdendo o nosso tempo e tendo a
impressão de que trabalhamos em vão.
Passando a fazer regularmente parte do mundo da criança a partir dos sete anos de
idade, a escola tem um papel decisivo na formação da sua personalidade, que ainda
não está completamente delineada. Podemos então considerar que esta ação, pelo seu
alcance, ultrapassa e muito a simples transmissão do preparo acadêmico que a escola
pretende dar-lhe.
Portanto, devemos nos preocupar não só com o desempenho dos alunos, mas, antes
de tudo com a sua "vida escolar", lembrando que esta deve ser uma seqüência
harmoniosa ao todo da vida da criança, ajudando-a a estruturar conhecimentos, hábitos
e valores através de um contacto cotidiano verdadeiramente agradável e enriquecedor.
À medida em que isto acontece, ela se abre para receber e corresponder às coisas
boas que a escola como um ambiente social, oferece.
Ao conjunto de condições que resultam tanto do amadurecimento psiconeurológico da
criança como também de todas as suas experiências anteriores, dá-se o nome de
prontidão para a aprendizagem.
Embora a prontidão signifique condições para a aprendizagem, não significa que ela
envolve apenas aspectos do desenvolvimento cognitivo. Ela abrange também
habilidades sociais e afetivas que estão se desenvolvendo e amadurecendo desde as
primeiras relações da criança com o mundo.
Em muitos casos as vivências anteriores foram satisfatórias mas em outros deixaram
muito a desejar. Insistimos na idéia do conhecimento do aluno e suas condições para
iniciar esse longo processo de informações que a escola se propõe realizar. Esse
conhecimento pode advir da observação de uma comunicação humana mais informal e
espontânea, através de jogos que permitam a cada um manifestar-se tal qual ele é ante
os outros.
Além da observação, alguns instrumentos especialmente elaborados para esse fim
poderão auxiliar-nos. São os testes de prontidão que nos dão um perfil
psicopedagógico do aluno, sem nos esquecermos da observação criteriosa que vai
completá-lo. Eles não devem ter características de uma "prova" na qual a criança vai se
sair bem ou mal. Essa possível impressão deve ser completamente apagada pois tudo
o que ela fizer será bom; bom para que nós a conheçamos melhor e possamos
programar o trabalho escolar de acordo com a sua realidade, e não baseado em metas
teóricas. Um procedimento inteligente não parte de pressupostos. Não podemos ter
como certo que todos os nossos alunos estão prontos para aprender a ler, escrever e
calcular. Tudo depende da sua estória, daquilo que ele viveu até aqui.
A entrada na escola significa antes de mais nada para a criança, uma penetração num
círculo social mais amplo, uma ocasião de enfrentar o desconhecido.
Esse momento pode representar uma oportunidade para um agravamento de tensões,
incertezas e carências que já vem de longe com a criança, mas também pode
constituir-se numa oportunidade para que a criança reexperimente o mundo, as pessoa
e a vida de outra maneira: mais construtiva, mais confiante, mais feliz.
Se suas vivências anteriores foram satisfatórias, ela poderá apresentar expectativas
desejáveis tais como: desejo de aprender, de ter amigos, de ter experiências novas.
Porém, se suas experiências anteriores acarretam sofrimento, suas expectativas são
maiores ainda: embora ela talvez não saiba nem manifestar, ela, ao entrar nesse novo
círculo, certamente anseia receber muitas coisas que não recebeu antes, tanto em
termos de atenção, apoio, estímulos, como de aceitação e valorização de sua pessoa.
Se estivermos atentos para isto poderemos contribuir para que a escola corresponda
de modo positivo às suas necessidades e expectativas. È uma forma muito eficaz de se
prevenir o aparecimento dos temidos problemas de comportamento.
Estes, apesar da nossa cautela, muitas vezes se manifestam. Para não agravar ou
precipitar a sua evolução a observação continua sendo indispensável e juntamente
com ela a atenção e a dedicação.
Quando tudo isso não bastar devemos procurar uma orientação especializada pois
pode ser que o nosso aluno esteja precisando de algo mais que não depende só de
nós.
"Somente uma boa avaliação psicopedagógica de fracasso escolar de uma criança
pode discernir e ponderar devidamente "o que" e o "quantum" é da criança, da escola,
da família e da interação constante dos três vetores na construção das dificuldades de
aprendizagem apontadas pela escola".
A conquista do espaço na escola significa uma escola aberta, contígua à vida, cheia de
presenças humanas, realizando experiências realmente brasileiras.
À educação deve ter um compromisso com o desenvolvimento da criança até onde
seja possível, quanto ao pensamento lógico e crítico, quanto a autonomia moral,
quanto à construção do conhecimento.. Um programa de educação, voltado para o
desenvolvimento da criança, fundamenta-se na concepção do homem como ser livre,
comprometido com a sua própria história e com sua construção individual, engajado na
sociedade.
Será necessário um entrosamento mais amplo com a família. Competirá à escola
alertar os pais sobre a importância de seu convívio com a criança, para lhe garantir um
crescimento emocional harmonioso.
"É necessário que os pais fiquem atentos para que seus filhos não sejam penalizados
pelas grandes falhas metodológicas da escola, que ocorrem nas classes de
alfabetização".
Porém, existe uma realidade desafiante, contraditória e desigual. Chegam-se a
descobrir o óbvio como sendo a mais intricada constatação: - a criança brasileira não
tem sequer um espaço – afetivo, temporal, físico mental. Não se tem tempo,
sensibilidade, lugar, recursos, principalmente para a maioria delas, porque esta maioria
vive à margem dos benefícios a que tem direito.
Em relação ao professor um trabalho de profundidade deveria ser feito criando
carreiras docentes que pudesse motivá-los e ao mesmo tempo fossem suficientemente
econômicas para que as escolas particulares pudessem adotar.
A economia não deveria ser buscada na redução dos níveis salariais mas sim na
progressiva elevação do nível de produtividade pela melhor utilização do tempo e da
capacitação do professor. Aqueles que se dedicassem, fossem mais produtivos,
científica ou profissionalmente, deveriam ser recompensados pela contribuição
adicional. A existência de um setor atualizado e dinâmico de planejamento e
desenvolvimento que propusesse esquemas operacionais e realistas de cargos e
salários avaliação de desempenho, capacitação, treinamento e desenvolvimento de
pessoal seria uma meta imediata. Com atuação emergencial e contingente poderiam
ser propostos cursos de aperfeiçoamento e especialização. A criação de Unidades de
Apoio Pedagógico ou processos equivalentes em todas as escolas, a incentivação de
pesquisas e trabalhos ligados à melhoria da situação do ensino seriam atividades
importantes.
Ilma Glória Barbacena de Souza

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